Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
11463/20.8T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MIGUEL BALDAIA DE MORAIS
Descritores: RESPONSABILIDADE MÉDICA
CONSENTIMENTO DO PACIENTE PARA A INTERVENÇÃO
ÓNUS DA PROVA
VIOLAÇÃO DO DEVER DE INFORMAÇÃO
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
RESPONSABILIDADE DO AUXILIAR
Nº do Documento: RP2025091511463/20.8T8PRT.P1
Data do Acordão: 09/15/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMAÇÃO
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Por princípio, qualquer intervenção no domínio da saúde apenas pode ser efetuada depois do paciente dar o seu consentimento para o efeito, sendo que através dessa exigência visa-se assegurar a integridade física/psíquica e dignidade pessoal e a salvaguarda da esfera de autonomia ou de liberdade de autodeterminação pessoal deste quanto a cuidados de saúde a que tenha de ser submetido.
II - Esse consentimento para ser válido e eficaz carece de ser livre e esclarecido, exigindo-se do médico/instituição hospitalar o fornecimento ao paciente de informação adequada relativa ao diagnóstico e estado de saúde, ao prognóstico, à natureza, aos meios e fins/alcance, às consequências secundárias e riscos inevitáveis ou possíveis associados ao tratamento/intervenção propostos à luz do que se mostra descrito na literatura médica/científica e das eventuais alternativas ao tratamento/intervenção propostos segundo essa mesma literatura e dos riscos/consequências secundárias que lhe estão associados.
III - Funcionando o consentimento como causa de exclusão da ilicitude da conduta e constituindo a adequada informação pressuposto da sua validade estamos ante matéria/defesa de exceção como facto impeditivo (cfr. artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil), pelo que o ónus da prova do consentimento e de que o mesmo foi dado de modo esclarecido impende sobre o sujeito demandado, nomeadamente a instituição hospitalar onde foi realizada a concreta intervenção cirúrgica.
IV - Viola o dever de informação a instituição hospitalar que não detalha ao paciente os riscos sérios e graves associados a essa intervenção cirúrgica, ainda que de verificação rara, em particular quando se prove que este, caso tivesse sido informado dos mesmos, não se teria submetido a esse ato médico.
V - Ante o reconhecimento de uma situação de violação do dever de informação que conduziu a um consentimento inválido e de que as lesões causadas à integridade física e à liberdade são ilícitas gera-se uma obrigação de indemnizar os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo paciente.
VI - O artigo 800º do Código Civil não permite outra responsabilização que não seja a do devedor, isto é, da pessoa obrigada perante o credor, sendo que o auxiliar que tenha utilizado no cumprimento do concreto dever em causa, na medida em que não se encontra vinculado ao cumprimento de qualquer obrigação perante o respetivo sujeito ativo, não pode ser responsabilizado por via obrigacional.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 11463/20.8T8PRT.P1

Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Porto – Juízo Central Cível, ...

Relator: Miguel Baldaia Morais

1ª Adjunta Desª. Teresa Pinto da Silva

2º Adjunto Des. Carlos Pereira Gil


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SUMÁRIO

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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO

AA, por si e em representação dos seus três filhos menores, BB, CC e DD, intentou a presente ação declarativa sob a forma comum contra Hospital A... Porto (A..., S.A.), pedindo a condenação desta a pagar-lhe:

- «quantia nunca inferior a €50.000,00 a título de danos morais, acrescida dos juros vincendos desde a citação até total liquidação;

- a quantia de €15.000,00, a título de danos morais, a cada um dos autores menores;

- quantia nunca inferior a €100.000,00, a título de dano biológico pela perda de capacidade de ganho e/ou esforços acrescidos da autora, em resultado de perícia a realizar pelo INML, acrescido de juros de mora desde a citação até total liquidação;

- a quantia de €15.000,00, a título de danos patrimoniais passados e sofridos e a sofrer pela autora, acrescido dos juros vincendos desde a citação até total liquidação».

Para substanciar tais pretensões alega, em síntese, que foi objeto de uma cirurgia de correção do cistocelo (bexiga descaída) levada a cabo nos serviços hospitalares da ré, sendo que na execução desse ato médico não foram observadas as legis artis, em resultado do que ficou a padecer de uma lesão neurológica do nervo peroneal direito, que lhe ocasionou danos patrimoniais e não patrimoniais de que pretende ser ressarcida.

Acrescenta que previamente à realização dessa cirurgia não foi informada pelos profissionais da ré sobre a possibilidade de, em consequência da mesma, poder vir a sofrer uma lesão do nervo peroneal.

Citada a ré contestou, pugnando pela improcedência da ação.

Foi requerida a intervenção principal passiva de EE e bem assim a intervenção acessória passiva de B... Companhia de Seguros, SA e de C... – Companhia de Seguros, SA., intervenções essas que foram admitidas.

Proferiu-se despacho saneador em termos tabelares, definiu-se o objeto do litígio e fixaram-se os temas da prova.

Realizou-se audiência final com observância do formalismo legal, vindo a ser prolatada sentença na qual se decidiu julgar «parcialmente procedente a presente ação, e, consequentemente:

a) Condenar-se a ré A..., S.A., a pagar à autora a quantia de €145.539,20 (cento e quarenta e cinco mil quinhentos e trinta e nove euros e vinte cêntimos), bem como juros moratórios legais civis, contados desde a citação até efetivo e integral pagamento;

b) Julgar-se improcedente o remanescente do pedido deduzido pela autora e dele se absolve a ré;

c) Absolver-se a interveniente principal EE da presente ação».

Não se conformando com o assim decidido, veio a ré interpor o presente recurso, que foi admitido como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes

CONCLUSÕES:

1ª – Não se provou o nexo causal direto entre a intervenção cirúrgica realizada e a lesão do nervo peroneal detetada na sequência dessa intervenção.

2ª - Não vem provado com a segurança que uma apreciação jurídica impõe, o nexo causal directo entre a intervenção cirúrgica realizada e a lesão do nervo peronial.

3ª - Resulta da leitura do parecer do Conselho Médico Legal que não é possível estabelecer com segurança a causa para a lesão do nervo peronial por via da intervenção cirúrgica realizada.

4ª - Foi a própria Autora que requereu esse parecer ao Conselho Médico Legal do INML ciente da necessidade de prova de tal nexo causal !!!!!

5ª - A resposta, o Parecer do Conselho Médico Legal não prova nem demonstra o estabelecimento desse nexo causal.

6ª - A questão jurídica em debate foi o estabelecimento de nexo causal directo entre a intervenção e a lesão do nervo peroneal que se veio a constatar posteriormente. A ocorrência empírica da lesão não se discute.

7ª - Falhou a prova do nexo casual entre a ilicitude do acto e a lesão detetada, tendo os Peritos esclarecido que mesmo sendo cumpridos todos os procedimentos exigíveis para a cirurgia, a lesão do nervo pode ocorrer.

8ª - Face à probabilidade da ocorrência dessa lesão (1,5%, 1% ou menos), o risco é de tal modo diminuto que não se insere no âmbito dos riscos previsíveis, e assim o médico não tem a obrigação de os informar.

9ª - Não ocorreu nenhum dos 3 factores de risco que permitissem fazer prever a possibilidade da sua ocorrência (facto 21 dos provados).

10ª - O Parecer do Conselho Médico Legal refere que não é possível estabelecer o nexo causal entre a intervenção em causa e a lesão do nervo peroneal.

11ª - Falhando, como falhou, um dos pressupostos da obrigação de indemnizar, deve por este motivo a acção improceder.

Sem prescindir

12ª - Não se provou qualquer erro médico, não se provou qualquer intercorrência na intervenção cirúrgica em causa, e não se provou uma verdadeira violação dos termos do consentimento informado, como alegava a Autora.

13ª - Provou-se que a doente recebeu todas as explicações da médica - cfr. Declaração de fls., assinada dez dias antes da intervenção.

14ª - Provou-se que a médica não explicou à doente a possibilidade de vir a existir uma lesão que, na literatura médica, pode ocorrer apenas em cerca de 1,5% dos casos ou mesmo menos, sendo até tida como “não prevista”.

15ª - Trata-se de uma lesão muito rara.

16ª - Não deve haver obrigação de indemnizar num caso em que foram prestados todos os esclarecimentos sobre a intervenção realizada, não houve intercorrências, foi resolvida a situação que levou a A. ao bloco operatório, sucedendo que, nessa sequência, ocorreu uma situação cuja probabilidade é de 1%, ou menos.

17ª - Dada a baixíssima probabilidade de ocorrência deste tipo de consequências, na ordem de 1%, não deve ser a Ré obrigada a indemnizar.

18ª - Em casos de tão rara probabilidade de ocorrência de situações nefastas, como o presente, não se deve impor à médica ou ao hospital, a obrigação de indemnizar - cfr. acórdão do STJ de 2 de Julho de 2024 (proc. 2615/18.1T8VFR.P1.S1 ou o acórdão do S.T. J. de 26-11-2020 (Proc. 21966/15.0T8PRT.P2.S1, relator Ferreira Lopes, ambos in www.dgsi.pt.

19ª – Neste último pode ler-se “que a probabilidade de ocorrerem complicações como as verificadas é inferior a 3%”. Sendo o risco de “ocorrerem complicações” tão baixo não era exigível à Ré que o detalhasse à Autora, bastando o alerta para a existência de riscos, que são, aliás, inerentes a qualquer intervenção cirúrgica. É que a intensidade do dever de informação/esclarecimento não é o mesmo em todos aos actos médicos, sendo maior nas cirurgias de elevado risco, ou, por exemplo, nas de natureza estética (Ac. STJ de 02.06.2015). (..)”.

20ª - Em ambos os casos (probabilidade de 3 % ou inferior) o S.T.J. entendeu que foi prestado consentimento informado, não havendo lugar à obrigação de indemnizar.

21ª - A douta sentença recorrida criou uma obrigação que excede aquilo que é razoável, face ao conjunto de deveres “sub judice”.

22ª - A Autora encontrava-se informada de todos os riscos da intervenção cirúrgica, os quais poderiam ser tão ou mais graves que a lesão do nervo peroneal.

23ª - A Autora assumiu a eventualidade de ocorrência de riscos mais graves do que a lesão do nervo peroneal, interiorizou, conformou-se com eles e assim, não se mostra razoável impor à Ré ou Rés a obrigação de indemnizar em casos de riscos, cuja probabilidade de ocorrência rondava a ínfima percentagem de 1%.

24ª - A obrigação imposta pela douta sentença recorrida mostra-se desadequada e desproporcionada, devendo assim ser revogada in totum.

Ainda sem prescindir

25ª - A título subsidiário, entende o Hospital Réu que não deverá haver lugar ao pagamento de indemnização porque o consentimento prestado foi o correcto face à intervenção cirúrgica em causa.

26ª - A lesão do nervo peroneal, tal como uma lesão mamária, ou cerebral, ou na face, não contendem com a intervenção cirúrgica realizada.

27ª - O âmbito da intervenção realizada teve subjacente uma situação de pleno consentimento informado.

28ª - A lesão do nervo peroneal que se veio a verificar não tem como causa, em termos científicos a intervenção realizada, ocorrendo um consentimento pleno e informado quanto aos actos da intervenção programada, não devendo, por isso, ser a Ré “A...” obrigada a indemnizar.

29ª - O consentimento é um acto pessoal entre doente e médico, sendo assim irrespondível que a médica e sua seguradora deverão ser solidariamente condenadas no pagamento da indemnização, caso a condenação se mantenha.

30ª - A relação comitente comissário, baseada no artigo 500º do Código Civil obriga à condenação de um e de outro, em casos deste género.

Sempre e ainda sem prescindir

31ª - A indemnização por dano futuro, fixada em € 100.000,00, mostra-se deslocada das realidades a ter em conta.

32ª - Os cálculos do Tribunal enfermam de manifestos erros, em benefício da Autora.

33ª - Compreende-se a majoração inicial, porém, os cálculos que apontam para uma indemnização de € 93.296,00, não levam em conta o desconto pelo benefício da antecipação de capital.

34ª - Os certificados de aforro oferecem taxas próximas de 3% e com prémios de permanência a partir dos cinco anos e dos dez anos.

35ª - O horizonte temporal fixado pelo Senhor Juiz a quo é de 34 anos, justificando-se assim deduzir à indemnização o tal benefício pelo recebimento antecipado.

36ª - A indemnização deve ser reduzida para Eur 66 400, 00 (Eur. 980 x 14 (meses) x 20 % (IPP) x 24, 2 (factor atendível para 34 anos, a uma taxa de juro anual de 2% líquida).

37ª - A indemnização não tem a ver com perda efetiva de ganho, pois não se provaram perdas certas de rendimentos da Autora.

38ª - Não se justifica o “prémio” de € 6.500,00, para lá dos já excessivos Eur. 93 000,00 fixados pelo Exmº. Senhor Juiz a quo, quando se trata de compensar um dano biológico ocorrido por via de maior esforço na realização de tarefas profissionais.

39ª - A douta decisão recorrida violou, nomeadamente, o disposto nos artigos 342º nº 1, 483º, 487º nº 2, 500º, 505º, 563º e 570º do Código Civil, 607º nºs 3 e 4 e 608º nº 2 do Código de Processo Civil, bem como todas as normas relativas ao consentimento informado no ato médico, que deveriam ter sido aplicadas ou interpretadas de acordo com as preditas conclusões.


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Apenas a interveniente principal EE apresentou contra-alegações, pugnando “pela manutenção da decisão recorrida no que a ela diz respeito”.


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Após os vistos legais, cumpre decidir.


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II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil.

Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pela apelante, são as seguintes as questões solvendas:

. da (in)existência de nexo causal entre a intervenção cirúrgica realizada e a lesão do nervo peroneal que a autora apresenta;
. da (in)existência de prestação de válido consentimento informado para a realização da intervenção cirúrgica levada a cabo pelos serviços hospitalares da ré;
. apurar se a interveniente principal EE e a sua seguradora devem ser solidariamente condenadas juntamente com a ré no pagamento da indemnização;
. da (in)adequação, por excessividade, do montante fixado para indemnizar o dano patrimonial futuro sofrido pela autora.


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III. FUNDAMENTOS DE FACTO

III.1. Matéria de facto provada

O tribunal de 1ª instância considerou provada a seguinte matéria de facto:

1) No dia 03/04/2019, e no âmbito de convénio entre o ora R. e as Forças Armadas, de cujo Plano de Saúde beneficia o seu marido, a A. foi submetida a uma intervenção clínica nas instalações do ora R. tendo aquela procedido ao pagamento, na admissão, de uma quantia correspondente a €650,00, como contrapartida pela prestação de tal serviço médico.

2) Tal cirurgia consistiu na correcção do cistocelo (bexiga descaída), sob anestesia geral.

3) Nos termos da descrição que consta do Relatório Cirúrgico do R. não foi reportada qualquer intercorrência no âmbito da execução técnico-cirúrgica e, aparentemente, a intervenção decorreu conforme o planeado.

4) Quando recuperou a consciência, na fase do recobro, a A. sentiu uma dormência do joelho para baixo, da perna direita, ao mesmo tempo que sentia muitas dores nessa zona.

5) A A. passou a sofrer de retenção urinária e sempre que estava obstipada, doía-lhe a perna direita.

6) Passou a noite inteira com muitas dores.

7) Tudo sem que os profissionais de saúde do R. valorizassem a situação, considerando estes que todas as queixas apresentadas pela A. seriam normais, e que tudo seria ultrapassado.

8) No dia seguinte, ao levantar-se, a A. notou uma diminuição da força na perna direita, assim como notou a impossibilidade de fazer a dorsiflexão do pé direito e não conseguia andar.

9) Toda esta situação assustou a A., enfermeira de profissão, que estranhou a sua condição clínica após uma intervenção ginecológica simples.

10) Tendo um médico do R., pouco tempo depois, confirmado à A. que sofrera uma lesão neurológica na sequência da cirurgia.

11) No dia 09/04/2019, a Dra. EE, médica do R., confirmou tal lesão, e elaborou Relatório Clínico, relativamente à situação clínica da A., no qual descreve:

"Apresenta lesão do nervo peroneal secundária e provável compressão prolongada do mesmo na marquesa cirúrgica.

Como consequência tem pé pendente e claudicação.

Fez RM dos plexos nervosos pélvicos que não mostrou alterações morfológicas nem do trajeto do nervo ciático.

Necessita de fisioterapia para reabilitação dos músculos flexores do pé e do nervo peronial”.

12) Nesse mesmo dia a A. teve alta de internamento.

13) Tendo saído das instalações do R. em cadeira de rodas e com muitas dores na perna direita.

14) Por causa da lesão do nervo peroneal, a A. iniciou fisioterapia no dia 10/04/2019 e passou a usar ortotese.

15) No dia 29/04/2019 a A. fez um EMG (eletromiograma), o qual revela "lesão grave do nervo peroneal direito, de localização proximal à emergência do ramo peroneal superficial".

16) No dia 14/05/2019, a A. realiza RMN (ressonância magnética), a qual revela:

"sinais de desnervação muscular recente, ativa, do compartimento anterior da perna. Edema de todos os grupos musculares deste compartimento".

17) No dia 12/06/2019, a A. realiza EMG, a qual revela: "lesão do nervo peroneal direito, grave, axonal, localizada ao nível do joelho (acima da emergência do ramo peroneal superficial e abaixo da emergência do ramo que inerva a porção curta do músculo bíceps femoral). Sem evidência de lesão do nervo ciático direito."

18) No dia 14/09/2019, a A. dirige-se ao Hospital D... Saúde - ..., onde após observação e análise da sua condição clínica, em consulta de ortopedia, é emitido Relatório Médico, o qual refere o seguinte: "A doente AA, enfermeira de profissão, apresenta pé pendente à direita após cirurgia ginecológica, atribuível ao posicionamento durante a cirurgia, com 5 meses de evolução.”

19) No dia 07/10/2019, o Dr. FF, médico do R., especialista em Neurologia, elabora Relatório Clínico, o qual descreve o seguinte: "A doente acima citada apresenta lesão do nervo peroneal comum direito de instalação aguda, com 6 meses de evolução.

Estes achados são consistentes com lesão completa do nervo peroneal comum direito.

Tendo em conta o período de evolução da lesão (6 meses) não será expectável recuperação da lesão. A gravidade da lesão não permite com rigor avaliar a localização da mesma, mas muito provavelmente será a nível da fossa poplítea."

20) A correcção do cistocelo constitui uma intervenção cirúrgica simples com uma duração média não superior a uma hora, na qual a doente se encontra, idealmente, em posição de litotomia numa marquesa cirúrgica.

Estando protocolado um conjunto de itens procedimentais preventivos que devem ser cumpridos pelos profissionais de saúde, por forma a minimizar o trauma de nervos, durante esse tipo de cirurgia, tais como:

- posicionamento prévio à anestesia;

- abdução e rotação extrema da anca mínimas;

- proteção almofadada da anca, pernas e pés;

- ancas e joelhos moderadamente fletidos;

- peso dos membros inferiores diretamente sobre as plantas dos pés;

- utilização de perneiras almofadadas;

- posicionamento simétrico;

- reposicionamento em cada 20/30 minutos;

21) Os fatores favoráveis à ocorrência de uma lesão do nervo peroneal associados a uma cirurgia como esta são: (i)índice de massa corporal da doente abaixo do normal; (ii) a duração prolongada da intervenção (superior a 4 horas); (iii) não cumprimento de qualquer um dos itens procedimentais para prevenir trauma de nervos.

No caso dos autos, o índice de massa corporal da A., em 03/04/2019, era acima do normal (31,2) e, por outro lado, a correcção ao cistocelo é uma intervenção que, regra geral, não dura mais de uma hora.

22) A A. previamente à realização da cirurgia não foi informada pelos profissionais do R. sobre a possibilidade de poder vir a sofrer uma lesão do nervo peroneal, o que a suceder não se teria submetido à cirurgia.

23) Os profissionais do R. transmitiram à A., no próprio dia, que a cirurgia em causa era simples.

24) No dia seguinte à alta, iniciou fisioterapia, o que ainda lançou alguma expectativa na A. de que pudesse recuperar.

25) Durante os 3 meses posteriores teve necessidade de usar canadianas, o que a limitou em inúmeras atividades, como o simples caminhar, subir e descer escadas, correr, brincar com os filhos menores e simples tarefas domésticas, para além de não poder exercer a sua profissão de enfermeira.

26) Passados 3 meses sobre a alta, foi-lhe prescrita uma boxia para levantar o pé direito, o que melhorou ligeiramente a marcha.

27) No entanto, actualmente, não consegue movimentar o pé direito, não consegue permanecer em pé por períodos longos, sente alterações na sensibilidade na perna e pé direitos, sente uma perna mais curta do que a outra, e continua com uma marcha claudicante, tendo já sofrido diversas quedas com a boxia, tendo graves limitações e dificuldades na sua locomoção.

28) Apesar da fisioterapia durante alguns meses, os médicos acabaram por revelar à A. que não valia a pena continuar com a mesma, uma vez que a lesão do nervo peroneal sofrida havia já consolidado e era irreversível, e que passaria o resto da vida com tais dificuldades motoras.

29) A A. tinha 36 anos na altura em que foi operada nas instalações do R., tendo nascido em ../../1983.

30) A A. é casada e mãe de 3 filhos menores, com 8, 7 e 1 anos, respetivamente, à data dos factos ocorridos.

31) Antes da intervenção cirúrgica, a 03/04/2019, a A. era uma mulher saudável, que desempenhava as tarefas domésticas sem qualquer limitação.

32) Era uma mãe que brincava com os seus filhos e os acompanhava nas actividades escolares.

33) Desde então, e até à presente data, e em face às suas dificuldades de locomoção provocadas pela lesão do nervo peroneal, deixou de desempenhar tais tarefas e de brincar e passear com os seus filhos, o que deixa a A. profundamente triste e deprimida, pois tinha legítimas expectativas de acompanhar e de usufruir do crescimento dos seus filhos com uma entrega total da sua parte, na plenitude das suas capacidades.

34) A A. vive apavorada com a possibilidade de ter de socorrer os seus filhos nalguma emergência, e não ter a capacidade de correr e locomover-se rapidamente.

35) A A. não consegue dar banho aos seus filhos ou vesti-los.

36) Não consegue pegar na filha mais nova ao colo e andar com ela (e muito menos brincar).

37) Os filhos mais velhos da A. viram-se "obrigados" a crescer antes do tempo, de forma a ajudarem a irmã mais nova a vestir-se, dão-lhe banho e até a ajudar a preparar o biberão, o que lhes retira tempo para brincar.

38) Sempre que necessário, são os irmãos mais velhos que vigiam a irmã mais nova e até evitam que algum acidente ocorra, dentro ou fora de casa.

39) Os filhos da A. ficaram e ainda ficam tristes ao aperceber-se da limitação da mãe, sem compreenderem bem como tal circunstância foi possível do dia para a noite.

40) E deixaram de ter uma mãe alegre, autónoma, dinâmica, disponível e brincalhona que outrora fora.

41) A aparência incapacitante da sua mãe, que usa uma boxia, e move-se lentamente, gera nos AA. filhos um sentimento de embaraço e inferioridade perante amigos e terceiros, em espaços públicos.

42) Tudo isto deixou os AA. filhos menores confusos, angustiados, tristes e ansiosos.

43) Também o marido da A., sempre que possível, passou a acompanhar mais a A., assim como a assegurar a realização das tarefas domésticas e familiares que outrora era a sua mulher que assegurava.

44) Para além de sofrer ao ver a sua mulher, ora A., num estado físico e psíquico deplorável.

45) A A. passou a dormir mal durante a noite, acordando constantemente a pensar como a sua qualidade de vida foi afetada e ansiosa com o seu futuro pessoal e profissional.

46) O que se refletiu e ainda hoje se reflete, no dia-a-dia, com um enorme cansaço físico e mental.

47) Na sequência, passou a ficar impaciente, revoltada, com propensão para o isolamento social.

48) Por causa do seu estado psíquico, a A. passou a recorrer, de forma regular, a uma psiquiatra no Hospital E... do Porto, que acabou por prescrever medicação para dormir.

49) A A. tem dificuldade em conduzir carro.

50) Não consegue andar de bicicleta.

51) No Verão, e porque tem de usar a boxia, a A. não pode usar chinelos ou sandálias vendo-se obrigada a usar calçado fechado, assim como tem de usar calças compridas quando está na rua, o que a deixa desconfortável e diminuída, enquanto mulher, pois tem de adotar sempre o mesmo vestuário, mesmo que com muito calor.

52) A A. solicitou a empresa de peritagem "F..." uma perícia à sua condição clínica após a cirurgia de 03/04/2019, cujo relatório concluiu, em 25/10/2019, nos seguintes termos:

- Défice funcional permanente: fixável em 20 pontos, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades em Direito Civil (Anexo II do Dec. Lei 352/07, de 23/ 10), considerando-se:

- Paralisia por lesão completa do nervo peroneal comum (ciático poplíteo externo).

53) A A., previamente à intervenção cirúrgica no R., a 03/04/2019, exercia funções como enfermeira de cuidados gerais no Hospital G..., SA, na cidade ..., onde auferia um salário líquido de €980,00.

54) As suas funções consistiam, entre outras, prestar os cuidados de higiene e conforto aos doentes; dar-lhes banho no leito ou no chuveiro, dependendo da condição do doente; administrar medicação; fazer a algaliação dos doentes; preparar o posicionamento do doente; tratamento de úlceras de pressão ou ferida traumática; organizar os processos clínicos dos doentes; fazer a admissão do doente, avaliar os seus sinais vitais e promover o seu bem-estar.

55) Na sequência da lesão do nervo peroneal, sofrida na sequência da cirurgia no R., a A. viu-se obrigada a ficar de baixa médica por vários meses, pois necessitava de fazer fisioterapia para recuperar o máximo possível da sua condição clínica.

56) Tendo recebido, a 20/09/2019, uma carta a informar a "sua oposição à última renovação do referido contrato, que ocorreria a 1 de dezembro de 2019."

57) Sendo incerta a possibilidade de a A. voltar a arranjar emprego como enfermeira, face à sua condição física e clínica.

58) Como enfermeira, a A. nunca mais conseguirá levantar, deitar, dar banho e fazer transferência de doentes, ou pelos menos, tais atividades implicariam um esforço enorme da sua parte - mas também implicaria um sério risco de queda para a enfermeira, uma vez que terá de usar sempre a boxia.

59) Assim, a A. apenas conseguirá fazer trabalho burocrático, como organização de processos clínicos e tratamentos que impliquem esforço moderado e pouco físico de queda, o que é motivo de angústia e tristeza para a A..

60) Uma enfermeira, no âmbito de uma carreira hospitalar no SNS, aufere de base uma remuneração equivalente a €1.201,48, com perspetivas de evolução.

61) A A. precisará de ajudas técnicas e medicamentosas até ao resto da vida, nomeadamente boxia, sempre que a que tiver se deteriorar.

62) De consultas médicas diversas, nomeadamente de ortopedia, neurocirurgia, psiquiatria e psicologia.

63) O que vai implicar custos com honorários médicos e de enfermagem, exames radiológicos, despesas hospitalares, medicamentosa.

64) Por causa da lesão do nervo peroneal, durante o tempo de baixa médica deixou de auferir a totalidade da remuneração mensal líquida de €980,00.

65) Tendo estado de baixa médica entre 03/04/2019 até à cessação do seu contrato de trabalho, a 01/12/2019, passou a auferir €699,60.

66) O acto médico realizado não teve intercorrências.

67) Aquilo que seria o resultado normal da intervenção cirúrgica foi conseguido, ou seja, a intervenção realizada – a correcção de cistocelo com suspensão ao LSE, e a correção do rectocelo – correu bem.

69) A doente, no pós-operatório manifestou queixas, mas tais queixas não têm relação directa com a intervenção cirúrgica realizada (na zona vaginal), pois referem-se ao nervo peroneal, junto ao joelho.

70) A intervenção cirúrgica não foi ao joelho nem teve relação alguma com o nervo peroneal.

71) A cirurgia iniciou-se às 15.53h e terminou às 16.49h do dia 4 de Abril de 2019.

72) Embora a desinfecção do campo operatório e a colocação dos campos operatórios tenha ocorrido a partir das 15.45 horas.

73) A equipa de medicina e enfermagem foi composta por seis pessoas, e ainda fizeram parte da equipa não médica auxiliares de vária ordem.

74) A doente foi corretamente colocada na mesa operatória, em posição ginecológica, tendo sido cumpridos todos os protocolos de intervenção cirúrgica inerentes a esta intervenção cirúrgica.

75) A médica, no decurso da intervenção, não teve contacto com os joelhos ou com a região peroneal, que se encontra tapada e protegida.

76) Não ocorreu qualquer descuido por via da actuação do pessoal médico.

77) A autora para efeitos do consentimento informado recebeu todas as explicações da médica, com excepção do referido em 22), tendo declarado expressamente o seguinte: “declaro que recebi e compreendi a informação que me foi transmitida pelo médico acima identificado, necessária para formar devidamente a minha vontade e que concordo com o que me foi proposto e explicado pelo médico que assina este documento, tendo tomado esta decisão livremente.”

Além de ler, a doente autora assinou essa declaração de consentimento informado, e assinou-a cerca de dez dias antes da data da intervenção, precisamente para poder, em consciência e de modo ponderado, consentir na sua realização.

78) E a médica explicou à doente de forma inteligível, os tratamentos propostos, os potenciais benefícios e prejuízos, as alternativas possíveis, os possíveis problemas relacionados com a recuperação.

79) A médica não explicou que poderia ocorrer o tipo de consequência que a Autora sofreu, por na literatura médica, a lesão do pervo peroneal como complicação pós-operatória subsequente à correcção do cistocelo ser um acidente muito raro, não previsto.

De facto, na literatura médica, observa-se que este tipo de acidente pode ocorrer apenas em cerca de 1,5% dos casos, ou mesmo menos.

80) No dia 1 de Junho de 2015, a Ré Hospital A... celebrou com a “B... - Companhia de Seguros, S.A.” um contrato de seguro do ramo “RC Geral e Profissional” titulado pela apólice RC, o qual iniciou efeitos nessa data e se prorrogou por períodos sucessivos de um ano.

Tal contrato – que ainda hoje se mantém – era válido e eficaz em 3 de Abril de 2019, ou seja, à data da intervenção cirúrgica e do período de internamento no Hospital “sub judice”.

Por força do disposto no contrato a contestante transferiu para a seguradora “B... - Companhia de Seguros S.A.” a responsabilidade civil que lhe viesse ser imputada em razão do exercício da atividade de cuidados de saúde com internamento, até ao valor contratualmente estabelecido de Eur. 1 000 000, 00.

81) A Interveniente Principal EE exerce a sua atividade no Hospital A... Porto, um dos hospitais privados geridos pela sociedade anónima A... S.A., pessoa coletiva com o número de identificação ...03.

82) Tendo celebrado com a referida sociedade contrato individual de trabalho, por tempo indeterminado, com início em 01.11.2018.

83) Conforme se extrai do aludido contrato, a médica exerce a sua atividade sob a autoridade, direcção e fiscalização da sua entidade patronal, comprometendo-se a médica EE a prestar ao Hospital, enquanto sua entidade patronal, a actividade clínica na especialidade de ginecologia/obstetrícia, nomeadamente na realização de consultas e cirurgias, às pacientes que o Hospital lhe atribui.

84) Executando conscientemente as tarefas que lhe forem confiadas e procurando sempre salvaguardar os interesses da sua entidade patronal.

85) Neste contexto, a médica EE atendeu e examinou a Autora por diversas vezes, a última das quais em Maio de 2020, portanto mais de um ano depois da cirurgia.

86) A Autora beneficiava de um Plano de Saúde do Instituto de Acção Social das Forças Armadas, por via do seu marido.

87) A Autora procurou o Hospital A... Porto em função da existência do aludido Plano de Saúde.

88) Tendo sido atendida pela médica EE enquanto funcionária do Hospital, conforme contrato individual de trabalho subordinado junto aos autos.

89) O Hospital dos A... Porto dispõe de vários médicos ginecologistas/obstetras que atendem as pacientes que contactam aquela unidade de saúde e procedem à marcação de consultas e cirurgias.

90) No caso concreto a Autora contactou o Hospital A... Porto e marcou consultas e cirurgia em consequência da existência do Plano de Saúde acima referido.

91) No decurso do atendimento da Autora, a médica EE diagnosticou a Autora com “patologia” cuja resolução passaria, entre outras possibilidades, pela intervenção cirúrgica que veio a realizar-se a 03.04.2019.

92) Após a cirurgia foram retirados os campos cirúrgicos, foi realizada a limpeza da Autora e feito o reposicionamento da doente de decúbito dorsal, sem apresentar qualquer tipo de lesão.

93) Após tudo isto, foi realizado o sign out e a paciente, aqui Autora, foi transportada para o recobro.

94) Esta cirurgia foi realizada com a paciente numa marquesa ginecológica e obedece a um conjunto de procedimentos preventivos que visam minimizar o trauma de nervos.

95) Cumprindo com todos os itens procedimentais, durante a cirurgia a paciente está coberta e a cirurgiã apenas vê o “campo da cirurgia”.

96) Assegurando que não houve apoio ou pressão na perna direita (ou mesmo na esquerda) por parte de qualquer dos intervenientes na cirurgia, e esclarecendo desde já que em todas as cirurgias realizadas pela médica EE, o/a Ajudante fica posicionado/a do lado esquerdo da paciente.

97) No dia seguinte à cirurgia, a paciente, ora Autora, foi vista pela manhã, pela Dra. GG, à qual referiu que não movimentava o pé.

98) De imediato foi pedida a realização de ressonância magnética resultando clara a existência de lesão na parte do joelho e não na virilha.

99) A Autora, posteriormente ao sucedido, continuou a comparecer nas consultas da médica EE.

100) A médica EE agiu de acordo com os seus conhecimentos técnicos e em estrita observância dos deveres deontológicos a que está adstrita, cumprindo com as funções para as quais foi contratada pela Ré A... S.A..

101) Em Maio de 2020 foi a médica EE notificada pela Ordem dos Médicos da instauração de Processo Disciplinar em consequência de reclamação apresentada pela Autora no Livro de Reclamações do Hospital A... Porto a 02.07.2019.

102) Ao Processo Disciplinar foi atribuído o n.º ...20, tendo sido proferida Decisão de Arquivamento pelo Conselho Disciplinar Regional do Norte da Ordem dos Médicos a 12.10.2020.

103) Por ser entendimento do Conselho Disciplinar Regional do Norte, da Ordem dos Médicos, que «A Medicina não é uma ciência exata, não se encontrando o Médico obrigado a uma obrigação de resultado na assistência que presta ao Doente, mas antes obrigado a utilizar os melhores meios ao seu alcance, de acordo com a leges artis, o que mesmo assim, pode não produzir o resultado pretendido.»

E mais afirma que «no caso, analisada a documentação clínica (…), constata-se que a mesma sustenta o relato da médica (…) e inexistem elementos que permitam imputar aquela ocorrência à médica visada e/ou concluir por uma qualquer falha sua de actuação e/ou que se lhe impunha actuação diferente daquela que teve.»

104) Inconformada, a Autora interpôs recurso para o Conselho Superior da Ordem dos Médicos, aguardando-se decisão daquele órgão da Ordem dos Médicos.

105) A médica EE é uma profissional muito experiente, tendo realizado inúmeras cirurgias ao longo da sua carreira, colaborando em formações, palestras e publicações.

106) Em todos os anos de carreira nunca sucedeu em qualquer das cirurgias por si realizadas o ocorrido à Autora.

107) De facto, a lesão por compressão do nervo peroneal na marquesa ginecológica trata-se de complicação que, ainda que muito rara (ocorre em apenas 1%, ou menos), é possível em sede de cirurgia ginecológica sem que decorra de descuido médico.

108) A Interveniente Principal EE celebrou um contrato de seguro com a C..., Companhia de Seguros, S. A. no ramo de responsabilidade civil titulado pela apólice nº ...00.

109) No Relatório médico-legal consta do exame objectivo:

- Membro inferior direito: Apresenta rigidez dos movimentos de dorsiflexão e inversão do pé. Apresenta marcha ligeiramente claudicante, não consegue andar em calcanhares;

- Apresenta posição viciosa do pé direito durante a marcha. Sem atrofias musculares.

ROT mantidas. Apresenta força muscular distal diminuída em comparação com o membro oposto.

A título de conclusões:

Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica – 20,00000 pontos;

As sequelas descritas são, em termos de Repercussão Permanente na Actividade Profissional, são compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares;

Ajudas técnicas permanentes: ajudas técnicas (uso de ortótese do tornozelo direito).


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III.2. Matéria de facto não provada

O Tribunal de 1ª instância considerou não provados os seguintes factos:

a) Os profissionais de saúde do R. não tenham confirmado o adequado posicionamento da A. na marquesa, e não tenham cumprido os itens procedimentais para a cirurgia.

b) A evolução da uma carreira de enfermagem tem um potencial de ganho de uma remuneração superior a €2.000,00 líquidos/mensais, também potenciado com a possibilidade de acumulação de trabalho no SNS e no privado.

c) Ficando-se a A., na hipótese de conseguir emprego como enfermeira, pela remuneração mais baixa numa carreira de enfermagem, e sem uma potencial evolução, terá sempre uma perda de ganho na ordem dos €1000,00 líquidos/mensais.

d) A doente é que escolheu a médica, ou seja, a Autora é que escolheu a Drª EE, ao que se apurou por indicação de outro médico.

e) O Hospital A... no Porto foi apenas a Instituição Hospitalar escolhida pela doente e pela sua médica para a intervenção cirúrgica que combinaram realizar.

f) O Hospital contestante foi completamente alheio ao acordo entre A. e a Drª EE no que respeita à intervenção cirúrgica realizada.

g) Mas tal acto médico terá sido praticado por médica escolhida pela Autora, actuando aquela médica com total autonomia e discricionariedade, usando para tal as instalações do Réu.

h) O Réu hospital privado surge neste contexto como um mero fornecedor das instalações e meios para a prática do acto médico – cirurgia – a que se atribui o facto gerador dos danos reclamados, bem como para assegurar a prestação dos cuidados subsequentes a tal acto, em contexto de internamento, até ao momento da alta do paciente.


***


IV. FUNDAMENTOS DE DIREITO

Tendo presente o descrito quadro factual (que não foi alvo de impugnação nesta sede recursiva) importa, então, apreciar as questões de direito que consubstanciam objeto do recurso de apelação interposto pela ré/apelante Hospital A... Porto (A..., S.A.).

Como deflui do articulado com que deu início à presente demanda, a autora funda a pretensão indemnizatória que dirige contra a ré num duplo fundamento, concretamente: a responsabilidade civil contratual[1] por erro médico/violação das leges artis na realização da cirurgia a que foi submetida nos serviços hospitalares desta para correção do cistocelo (bexiga descaída) e por violação do consentimento informado.

Na sentença, o julgador de 1ª instância afastou a ocorrência, no caso, de qualquer erro médico, condenando, todavia, a demandada no pagamento de uma indemnização a favor da autora em resultado de se ter registado a violação do consentimento informado.

Esse juízo decisório é agora posto em crise pela apelante, a qual advoga que, ao invés do que afirma na sentença, não se encontram reunidos os pressupostos que permitam afirmar a apontada violação.

Nesta matéria dúvidas não podem existir de que um dos requisitos da licitude da atividade médica é o consentimento do paciente e de que à autora, enquanto paciente, assistia, à data da intervenção cirúrgica a que foi submetida no hospital da ré, o direito à informação, direito esse que se mostra consagrado em diversos instrumentos normativos, sejam eles de natureza internacional[2] - designadamente, a Convenção para a proteção dos direitos humanos e da dignidade do ser humano face às aplicações da Biologia e da Medicina/Convenção sobre os direitos humanos e a biomedicina[3] (vulgo Convenção de Oviedo, aprovada, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º 1/2001, publicada no DR, Iª Série, de 03.01.2001) e a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia[4] (publicada no Jornal Oficial da União Europeia, C 303, de 14.12.2007) – sejam de direito interno – cfr., entre outros, ars. 70º e 81º do Cód. Civil, art. 157.º do Código Penal, art. 19.º do Código Deontológico da Ordem dos Médicos (Regulamento n.º 707/2016, publicado no DR, II.ª Série, n.º 139, de 21.07.2016) e art. 135.º, n.º 11, do Estatuto da Ordem dos Médicos (aprovado pelo DL n.º 282/77, de 05.07, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 117/2015, de 31.08).

Desse quadro normativo emerge que, por princípio, qualquer intervenção no domínio da saúde apenas pode ser efetuada depois da pessoa em causa dar o seu consentimento de forma livre e esclarecida, sendo que, conforme tem sido sublinhado na doutrina e na jurisprudência[5], através da exigência da emissão/obtenção de um consentimento informado do paciente visa-se assegurar a integridade física/psíquica e dignidade pessoal e a salvaguarda da esfera de autonomia ou de liberdade de autodeterminação pessoal deste quanto a cuidados de saúde a que tenha de ser submetido.

De facto, como a este propósito escreve GUILHERME DE OLIVEIRA[6], «a prestação de cuidados médicos deixou de ser uma “arte silenciosa”, não apenas num plano de técnica médica, na medida em que a informação interessa à “aliança terapêutica” entre médico e doente, mas já num plano jurídico, com o sentido de que o paciente tem direito a uma opção esclarecida de consentimento ou de recusa do tratamento», acrescentando, mais adiante, que «para viabilizar essa opção, que decorre do direito essencial de cada pessoa se autodeterminar, incide sobre o médico o correspondente dever de, em princípio, informar os pacientes sobre o seu estado e esclarecê-los sobre as terapêuticas, os riscos».

Deste modo, ressalvando casos excecionais, nomeadamente os casos de urgência ou os de expressa previsão/determinação legal, o prévio consentimento informado apresenta-se como necessário sempre que um paciente haja de ser submetido a um tratamento ou a um exame ou qualquer outra intervenção no domínio da saúde, seja de carácter preventivo, diagnóstico ou terapêutico, porquanto o consentimento não é exigido unicamente para atos médicos terapêuticos, mas também para os atos/exames complementares de diagnóstico invasivos que comportem, potenciem ou envolvam riscos ou inconvenientes relevantes.

Nesse contexto, para ser operante, válido e eficaz, o consentimento carece de ser livre e esclarecido, exigindo-se, para tanto, o fornecimento ao paciente da informação adequada relativa ao diagnóstico e estado de saúde, ao prognóstico, à natureza, aos meios e fins/alcance, às consequências secundárias e riscos inevitáveis ou possíveis associados ao tratamento/intervenção propostos à luz do que se mostra descrito na literatura médica/científica e das eventuais alternativas ao tratamento/intervenção propostos segundo essa mesma literatura e dos riscos/consequências secundárias que lhe estão associados, e aos aspetos económicos do tratamento. E essa exigência de termos e conteúdo justifica-se por forma a que o paciente fique ou esteja dotado de toda a informação necessária que o habilite à tomada de uma decisão informada, consciente e ponderada, seja esta no sentido de se submeter aos procedimentos propostos, seja para os recusar ou para os adiar até quando lhe fosse possível, seja para ir ouvir uma segunda opinião, ou ainda para escolher outro profissional que repute mais qualificado e/ou outro local/estabelecimento para submissão e realização do tratamento/intervenção proposto.

A suficiência da informação a prestar pelo médico surge, assim, como requisito da validade do consentimento, sendo que, como refere GUILHERME DE OLIVEIRA[7], «[p]rovado que não foi prestada informação ou que ela foi insuficiente para sustentar um consentimento esclarecido, o consentimento obtido é anulado e o ato médico passa a ser tratado como um ato não autorizado, com as consequências civis e penais…», acrescentando que «[e]ntre o dever de informar e o dever de obter o consentimento, situa-se o dever de averiguar se o interessado entendeu as explicações que lhe foram dadas; sem a satisfação deste dever, nada garante que o consentimento foi realmente esclarecido, embora o médico tenha aparentemente cumprido a obrigação de informar (…), pois consentimento documentado não se confunde com consentimento informado, pressupondo e reclamando este não um momento puramente formal e burocrático, mas, ao invés, a existência de um processo comunicativo de informação e de esclarecimento entre médico e paciente».

Problema que a este respeito tem sido equacionado é o de saber qual a medida da informação que o médico/instituição de saúde deve transmitir ao paciente para este prestar (ou não) o seu consentimento para a execução do concreto ato médico cuja realização lhe é proposta.

A este propósito, o caminho que maioritariamente tem sido trilhado[8] aponta no sentido de que, em regra, os elementos informativos relevantes a fornecer são aqueles que uma pessoa média, no quadro clínico que o paciente apresenta, julgaria necessários para tomar uma decisão [padrão do paciente razoável]. Mas, como corolário do propósito básico ao serviço do qual está o dever de informação médica, para determinar o modo e o conteúdo do esclarecimento a prestar devem também ser considerados aspetos da circunstância concreta do doente que o médico conheça e que sejam necessários para decisão consciente no caso, envolvendo e corporizando o conteúdo do dever de informação em presença de necessária elasticidade e plasticidade em função do perfil do paciente concreto e das circunstâncias do caso concreto, sendo que, como tem sido recorrentemente afirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça[9], um consentimento de paciente prestado de forma tabelar, de forma genérica [vulgo «consentimento em branco»], não cumpre, nem satisfaz, as exigências para que estejamos ante um consentimento informado.

Acresce que, funcionando o consentimento como causa de exclusão da ilicitude da conduta, estamos em presença de matéria de exceção (perentória) como facto impeditivo do direito indemnizatório do paciente (cfr. n.º 2 do art. 342.º do Cód. Civil), razão pela qual o ónus da prova do consentimento e de que o mesmo foi dado de modo esclarecido deve recair ou impender sobre a instituição de saúde/médico demandados[10].

Postas tais considerações, revertendo à situação sub specie, é tempo de avançar para a resposta à essencial questão que é objeto do presente recurso, qual seja a de saber se, no caso, se pode efetivamente concluir – como concluiu o decisor de 1ª instância – que houve falta de consentimento informado.

A apelante rebela-se contra esse segmento decisório com um duplo fundamento. Primeiramente, porque não se provou o nexo causal direto entre a intervenção cirúrgica realizada e a lesão do nervo peroneal detetada na sequência dessa intervenção; depois, porque sendo diminuto o risco de ocorrência dessa lesão em consequência do tipo de intervenção cirúrgica em causa não se encontra o médico/instituição hospitalar constituído na obrigação de informar a paciente sobre o mesmo.

Que dizer?

Como é consabido, para efeito de afirmação do nexo causal, vem constituindo entendimento claramente dominante que a lei substantiva (cfr. art. 563º do Cód. Civil) acolheu a denominada teoria de causalidade adequada (que a dogmática moderna tende a substituir pela designação de teoria ou doutrina da adequação), cuja ideia fulcral é a de que se considera causa de um dano o facto que se revele, em concreto, condição necessária desse dano, mas também que constitua, em abstrato, segundo o curso normal das coisas, causa adequada da sua produção. Assim, para que se possa afirmar que um facto é (ou não) causa de um dano torna-se mister, antes de mais, que, no plano naturalístico, ele seja condição sem o qual o dano não se teria verificado e depois que, em abstrato ou em geral, seja causa adequada do mesmo, relevando, neste domínio, a causalidade adequada na sua formulação negativa, ou seja, a condição deixará de ser causa do dano sempre que, segundo a sua natureza geral, era de todo indiferente para a produção do dano e só se tornou condição dele em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, sendo, portanto, inadequada para esse dano.

Por conseguinte, a referida formulação negativa não pressupõe a exclusividade do facto condicionante do dano, nem exige que a causalidade tenha de ser direta e imediata, admitindo não só a ocorrência de outros factos condicionantes, como ainda a denominada causalidade indireta, na qual é suficiente que o facto condicionante desencadeie outro que diretamente suscite o dano[11]. A esta luz, para que um dano seja considerado como efeito adequado de certo facto não é necessário que ele seja previsível para o autor do facto, sendo, todavia, essencial que o facto constitua em relação ao dano uma causa objetivamente adequada.

Ora, como decorre da materialidade apurada (cfr., v.g., pontos nºs 4, 8, 10, 11, 12, 15, 17, 31, 33, 55, 97 e 98), a lesão do nervo peroneal direito resultou do ato médico praticado pelos serviços da ré, sendo que os danos sofridos pela autora se situam no círculo de riscos provocados pela cirurgia, nada mais sendo necessário para que se considere provado o nexo causal no apontado sentido normativo.

Perante tal afirmação, importa, então, dilucidar se se pode concluir pela ausência ou falta de consentimento informado relativamente aos concretos riscos da intervenção cirúrgica que foi realizada pelos serviços hospitalares da ré.

Apelando à factualidade que adrede logrou demonstração temos como provado que:

. A autora previamente à realização da cirurgia não foi informada pelos profissionais da ré sobre a possibilidade de poder vir a sofrer uma lesão do nervo peroneal, o que a suceder não se teria submetido à cirurgia (ponto nº 22);

. A autora para efeitos do consentimento informado recebeu todas as explicações da médica, com exceção do referido em 22), tendo declarado expressamente o seguinte: “declaro que recebi e compreendi a informação que me foi transmitida pelo médico acima identificado, necessária para formar devidamente a minha vontade e que concordo com o que me foi proposto e explicado pelo médico que assina este documento, tendo tomado esta decisão livremente”.

Além de ler, a doente autora assinou essa declaração de consentimento informado, e assinou-a cerca de dez dias antes da data da intervenção, precisamente para poder, em consciência e de modo ponderado, consentir na sua realização (ponto nº 77);

. E a médica explicou à doente de forma inteligível, os tratamentos propostos, os potenciais benefícios e prejuízos, as alternativas possíveis, os possíveis problemas relacionados com a recuperação (ponto nº 78);

. A médica não explicou que poderia ocorrer o tipo de consequência que a autora sofreu, por na literatura médica, a lesão do nervo peroneal como complicação pós-operatória subsequente à correção do cistocelo ser um acidente muito raro, não previsto.

De facto, na literatura médica, observa-se que este tipo de acidente pode ocorrer apenas em cerca de 1,5% dos casos, ou mesmo menos (ponto nº 79);

. Em consequência da lesão do nervo peroneal a autora apresenta um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 20 pontos (ponto nº 109).

Do descrito quadro fáctico resulta que não foi transmitida à autora a possibilidade de ocorrência da lesão do nervo peroneal como consequência do concreto ato médico levado a cabo pela ré.

Questão que esta coloca é a de saber se estaria, ou não, constituída nesse dever de informação por se estar em presença de um tipo de lesão que apenas “pode ocorrer em cerca de 1,5% dos casos, ou mesmo menos”.

Trata-se de uma problemática que, entre nós, não tem obtido uma resposta unívoca.

Assim, um setor da jurisprudência (que a apelante convoca em arrimo da sua posição[12]) defende que existe apenas a obrigação de comunicar ao paciente os riscos “normais e previsíveis”, ou “a prever razoavelmente”, excluindo, desse modo, o dever de informar dos riscos de verificação rara ou improvável ainda que graves.

Por seu turno, um outro posicionamento vem sustentando a obrigação de se comunicar os riscos “significativos”, isto é, aqueles que o médico sabe ou devia saber que são importantes e pertinentes, para uma pessoa normal colocada nas mesmas circunstâncias do paciente, chamado a consentir com conhecimento de causa no tratamento proposto. No desenvolvimento dessa tese advoga-se[13] que o risco será considerado significativo, em razão de alguns critérios, nomeadamente: (i) a necessidade terapêutica da intervenção; (ii) em razão da sua frequência (estatística); (iii) em razão da sua gravidade e (iv) em razão do comportamento do paciente.

No que ao caso releva, de acordo com o critério do risco significativo em razão da sua gravidade, os riscos de verificação rara[14], desde que graves (isto é, que possam afetar de forma séria e duradoura a vida do paciente), devem ser transmitidos, exceto se daí advier perigo para o estado do paciente ou se este preferir não os conhecer.

Compreende-se que assim seja já que, em cumprimento do dever que sobre ele impende, o médico/instituição de saúde deve transmitir informação leal, clara e apropriada sobre os riscos graves relativos a intervenções e aos tratamentos propostos, não estando dispensado desse dever pelo simples facto de esses riscos apenas se realizarem excecionalmente, porquanto somente dessa forma se garante na plenitude o princípio da autodeterminação do paciente, que, como se referiu, é o princípio basilar nesta matéria.

Este entendimento vem sendo sufragado por uma parte da doutrina pátria[15] e em alguns arestos dos nossos tribunais superiores, nomeadamente do Supremo Tribunal de Justiça, de que constituem exemplo, entre outros, os acórdãos de 9.10.2014, de 02.11.2017, de 22.03.2018 e de 1.10.2024[16], enfatizando-se neste último que “a desvalorização, pelo médico, da probabilidade rara de um risco grave [resultante de um dado tratamento ou cirurgia], em nome da prevalência da cura e da crença na improbabilidade da sua verificação, não se pode sobrepor ao juízo de cada um dos pacientes, sendo apenas às pessoas portadoras de doença, em função das suas circunstâncias de vida e necessidades, que cabe essa delicada decisão”.

Ora, no caso, o risco de lesão do nervo pereoneal, pelas consequências que implica para a paciente (que no caso se cifrou num défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 20 pontos, com manifestas limitações na sua qualidade de vida, seja profissional, social e familiar, como o evidenciam os factos dados como provados, v.g., sob os nºs 27, 28, 31, 32, 33, 35, 36, 46, 58, 61 e 109), não pode deixar de ser rotulado como sério e grave para efeito de estar abrangido no dever de informação, tanto mais que, como se provou (cfr. ponto nº 22), se a autora dele tivesse sido informada não se teria submetido à cirurgia.

Em razão disso, estaremos, pois, em presença de uma situação de violação do dever de informação que conduz a um consentimento inválido, na medida em que, nessas condições, não pode considerar-se ter sido obtido da autora o consentimento livre e informado que era condição da licitude da intervenção cirúrgica que a ré realizou, gerando-se, assim, uma obrigação de indemnizar os danos patrimoniais e não patrimoniais[17] por aquela sofridos em resultado das lesões causadas à sua integridade física e à sua liberdade de autodeterminação.

Afirmada a existência desse dever de indemnizar cumpre agora apreciar a questão atinente à (des)adequação do montante arbitrado a título de indemnização do dano futuro.

Na sentença recorrida o juiz a quo decidiu fixar em €100.000,00 a quantia destinada a reparar esse dano.

Nas suas alegações recursivas a apelante considera que esse valor se revela excessivo, devendo antes cifrar-se em €66.400,00.

Analisando o ato decisório sob censura verifica-se que, no apuramento do quantitativo arbitrado, o juiz de 1ª instância apelou essencialmente à equidade tendo qualificado o dano em causa como dano patrimonial futuro.

Como decorre do substrato factual apurado, apesar das limitações resultantes do ajuizado evento lesivo, a autora não viu afetado o seu rendimento de trabalho (isto é, que tenha ocorrido perda da capacidade de ganho), estando, assim, em causa a indemnização pelo que se vem denominando de dano biológico.

Como é consabido, inexiste um consenso sobre a categoria em que deve ser inserido e, consequentemente, ressarcido tal dano[18].

Uma primeira posição (que se vem perfilando como claramente maioritária) configura-o como dano patrimonial, muitas vezes reconduzido ao dano patrimonial futuro; um outro posicionamento admite que pode ser indemnizado como dano patrimonial ou compensado como dano não patrimonial, segundo uma análise casuística, pelo que, em função das consequências da lesão (entre patrimoniais e não patrimoniais), variará também o próprio dano biológico; por último, uma terceira posição que o qualifica como dano-base ou dano-evento que deve ser ressarcido autonomamente.

Como quer que seja, independentemente da sua integração jurídica nas categorias do dano patrimonial ou do dano não patrimonial - ou eventualmente como tertium genus, como dano de natureza autónoma e específica, por envolver prioritariamente uma afetação da saúde e plena integridade física do lesado -, o certo é que a perda genérica de potencialidades laborais e funcionais do lesado constitui inequivocamente um dano ressarcível, englobando-se as sequelas patrimoniais da lesão sofrida seguramente no domínio dos lucros cessantes, ressarcíveis através da aplicação da denominada teoria da diferença. Daí que a posição maioritária (que igualmente sufragamos) venha considerando que este dano deve ser calculado como se de um dano patrimonial futuro se tratasse: há uma perda de utilidade proporcionada pelo bem corpo, nisso constituindo o prejuízo a indemnizar, irrelevando para este efeito o facto de as lesões sofridas pela demandante não terem implicado, de forma imediata, a perda de rendimento[19].

Neste conspecto, a casuística que sufraga tal posição vem recorrentemente enfatizando que a afetação da pessoa do ponto de vista funcional, ainda que não se traduza em perda de rendimento do trabalho, releva para efeitos indemnizatórios – como dano biológico/patrimonial – porque é determinante de consequências negativas ao nível da atividade geral do lesado e, especificamente da sua atividade laboral, designadamente numa pessoa ainda jovem, condicionando as suas hipóteses de emprego, diminuindo as alternativas possíveis ou oferecendo menores possibilidades de progressão na carreira, bem como uma redução de futuras oportunidades no mercado de trabalho, face aos esforços suplementares necessários para a execução do seu trabalho.

Assentando na qualificação do aludido dano como dano patrimonial futuro, debrucemo-nos agora sobre as particularidades do caso concreto no concernente à determinação do respetivo quantum indemnizatur.
Como deflui do regime vertido nos arts. 564.º e 566.º, nº 3 do Cód. Civil, o princípio geral a presidir à tarefa de determinação desse quantum deve assentar em critérios de equidade, sendo tal noção absolutamente indispensável para que a justiça do caso concreto funcione, devendo, assim, ser rejeitados puros critérios de legalidade estrita.

No entanto, a equidade não corresponde a arbitrariedade. Por isso, há muito, a jurisprudência[20], num esforço de clarificação na matéria, tem procurado definir critérios de apreciação e de cálculo do dano em causa, assentando fundamentalmente nas seguintes ideias-força:

1ª) A indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendi­mento que a vítima não auferirá e que se extingue no final do período provável de vida;

2ª) No cálculo desse capital interfere necessariamente, e de forma decisiva, a equi­dade, o que implica que deve conferir-se relevo às regras da experiência e àquilo que, segundo o curso nor­mal das coisas, é razoável;

3ª) As tabelas financeiras por vezes utilizadas para apurar a indemnização têm um mero carác­ter auxi­liar, indicativo, não substituindo de modo algum a pon­dera­ção judi­cial com base na equi­dade;

4ª) Deve ponderar-se o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que per­mitirá ao seu beneficiá­rio rentabilizá-la em termos finan­ceiros; logo, haverá que consi­derar esses pro­veitos, introdu­zindo um des­conto no valor achado, sob pena de se verificar um enri­que­cimento sem causa do lesado à custa alheia;

5ª) E deve ter-se preferencialmente em conta, mais do que a esperança média de vida ativa da vítima, a esperança média de vida, uma vez que, como é óbvio, as neces­si­dades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de traba­lhar por vir­tude da reforma (em Portu­gal, à data do acidente, a esperança média de vida das mulheres cifrava-se em 84 anos, tendo tendência para aumen­tar[21]).

Acolhendo tais diretrizes, revertendo ao caso sub judicio, temos ainda que ter em consideração, fundamentalmente, a idade da autora à data do ajuizado evento lesivo (contando então 36 anos, posto que nasceu no dia ../../1983), o défice funcional permanente de integridade físico-psíquica fixável em 20,00 pontos de que ficou afetada em consequência desse evento e bem assim a sua esperança média de vida.

No que tange ao rendimento mensal a atender há que partir de um vencimento superior ao salário mínimo, de preferência de um valor próximo do salário médio nacional[22], sendo certo que, a propósito deste fator, alguma jurisprudência[23] vem considerando que nos casos, como o presente, em que não há (imediata) perda de capacidade de ganho, não existindo, como não existe, qualquer razão para distinguir os lesados no valor base a atender, deverá usar-se, no cálculo do dano biológico, um valor de referência comum sob pena de violação do princípio da igualdade, já que somente se justificará atender ao salário auferido pelo lesado quando este sofra uma diminuição efetiva do seu rendimento por causa da incapacidade, pois só aí é que o tratamento desigual dos lesados terá fundamento.

Na esteira deste entendimento (que reputamos acertado), na busca do tratamento paritário, no cálculo que efetue, o julgador terá que partir de uma base uniforme que possa utilizar em todas as situações, para depois temperar o resultado final com elementos do caso que eventualmente aconselhem uma correção, com base na equidade. Só desse modo será possível uniformizar minimamente o tratamento conferido aos lesados[24], afigurando-se razoável que, in casu, se tome por base um rendimento de €1.100,00 x 14.

Como assim, tendo por referência um rendimento anual de €15.400,00, a indemnização a arbitrar deve corresponder a um capital produtor do rendimento que se extinguirá no termo do período provável da vida do lesado, determinado com base na esperança média de vida (e não apenas em função da duração da vida profissional ativa).

De acordo com os enunciados fatores, considerando que a autora ficou afetada de um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica fixável em 20 pontos, temos que a perda patrimonial anual corresponde a €3.080,00 [(€1.100,00 x 14) x 20%], o que permitiria alcançar, ao fim de 48 anos de vida (considerando-se, neste ponto, que à data do evento lesivo a autora contava 36 anos de idade e que, nessa data, a esperança média de vida se situava nos 84 anos de idade), o montante de €147.840,00.

Haverá, contudo, que atentar que – conforme, aliás, tem vindo a ser aceite pacificamente na jurisprudência[25] - relativamente aos danos futuros, o recebimento antecipado do capital, referente à respetiva indemnização (que não o seu pagamento faseado ao longo do tempo previsto ou previsível), justifica uma dedução baseada na equidade (que tem sido situada entre os 10% e os 33%[26]), e tendo por referência os possíveis ganhos resultantes da aplicação financeira do capital antecipadamente recebido, na medida em que, colocando o capital a render, o beneficiário sempre receberá os correspondentes juros ou rendimentos remuneratórios.

No caso dos autos, para além da imprevisibilidade da variação das taxas de rentabilidade das aplicações financeiras (as quais, conforme é público e notório, têm vindo a baixar constantemente), haverá ainda a considerar a esperança média de vida da demandante.

Assim, perante tais elementos e com recurso à equidade, temos como correto e ajustado dever proceder-se a uma dedução de 20%, apurando-se um valor próximo daquele que foi arbitrado na sentença recorrida.
Deste modo, sopesando o quadro factual apurado, relevando especialmente que as sequelas sofridas pela autora implicam esforços suplementares (cfr. ponto 109 dos factos provados), parece-nos que o montante de €100.000,00 fixado em tal ato decisório para indemnizar o indicado dano biológico se revela justo e equilibrado, quer na vertente da justiça do caso, quer na ótica da justiça comparativa.

Resta, por último, apreciar a questão da requerida condenação da interveniente EE.

Como se viu, na sentença recorrida apenas foi condenada a ré A..., S.A., absolvendo-se a referida interveniente por se ter considerado que entre esta e a autora não foi celebrado qualquer contrato de prestação de serviço médico, tendo a mesma intervindo no ato médico gerador dos danos apenas como trabalhadora ao serviço daquela.

A apelante insurge-se contra esse segmento decisório argumentando que a referida interveniente e sua seguradora deverão ser solidariamente condenadas no pagamento da indemnização arbitrada, convocando, para tanto, o regime vertido no art. 800º do Cód. Civil.

Como anteriormente se deu nota, a autora funda a concreta pretensão de tutela jurisdicional que aduziu nestes autos na responsabilidade contratual da ré/apelante por incumprimento do contrato de prestação de serviço médico que celebraram, não tendo demandado diretamente a mencionada interveniente por não haver estabelecido com ela qualquer vínculo de natureza negocial.

Na sequência do julgamento realizado, ficou provado (cfr. pontos nºs 81, 82 e 83) que a interveniente executou a intervenção cirúrgica em causa ao abrigo do contrato de trabalho subordinado que a ligava à demandada, razão pela qual, nesse contexto, lhe cabe a qualificação de auxiliar para efeito do disposto no citado art. 800º.

Tanto basta para afastar a possibilidade de condenação da referida interveniente ao abrigo dessa normatividade, já que o que nela se consagra é a responsabilidade do devedor e não dos auxiliares que tenha utilizado no cumprimento da sua prestação debitória perante o credor, sendo certo que, ao invés do que defende a apelante, entre a ré e a referida interveniente não há qualquer relação de solidariedade nos moldes definidos no art. 512º do Cód. Civil.

Isso mesmo tem sido enfatizado na doutrina e jurisprudência[27], dando-se nota que o art. 800º não permite outra responsabilização que não seja a do devedor, isto é, da pessoa obrigada perante o credor, sendo que o trabalhador (ou trabalhadores) que tenha utilizado no cumprimento do concreto dever em causa, na medida em que não se encontra vinculado ao cumprimento de qualquer obrigação perante o credor, não pode ser responsabilizado por via obrigacional.

Impõe-se, por conseguinte, a total improcedência do recurso.



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III- DISPOSITIVO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas a cargo da apelante (art. 527º, nºs 1 e 2).

Porto, 15.09.2025

Miguel Baldaia de Morais

Teresa Pinto da Silva

Carlos Gil




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[1] Em matéria de responsabilidade médica, vem-se considerando que, apesar da sobreposição dos requisitos da responsabilidade contratual e extracontratual, aplica-se, em regra, o regime da responsabilidade contratual por ser mais favorável ao lesado e mais conforme ao princípio geral da autonomia privada – sobre a questão, e por todos, na doutrina, ALMEIDA COSTA, in Direito das Obrigações, 5ª edição, Almedina, págs. 436 e seguintes; na jurisprudência, acórdão do STJ de 22.09.2011 (processo nº 674/2001.PL.S1), acessível em www.dgsi.pt.
[2] Diretamente aplicáveis na ordem jurídica interna por mor do disposto no art. 8º da Constituição da República Portuguesa.
[3] Em cujo art. 5º se dispõe que «[Q]ualquer intervenção no domínio da saúde só pode ser efetuada após ter sido prestado pela pessoa em causa o seu consentimento livre e esclarecido. Esta pessoa deve receber previamente a informação adequada quanto ao objetivo e à natureza da intervenção, bem como às suas consequências e riscos».
[4] Que, depois de no nº 1 do seu art. 3º preceituar que «[T]odas as pessoas têm direito ao respeito pela sua integridade física e mental», estipula na al. a) do nº 2 do mesmo normativo que «[N]o domínio da medicina e da biologia, devem ser respeitado o consentimento livre e esclarecido da pessoa, nos termos da lei».
[5] Cfr., por todos, na doutrina, GUILHERME OLIVEIRA, Estrutura jurídica do ato médico, consentimento informado e responsabilidade médica, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 125, págs. 72/73, ÁLVARO RODRIGUES, in Responsabilidade médica em Direito Penal, Almedina, 2007, pág. 311, RUI NUNES, Consentimento informado e boa prática clínica, in Revista Julgar (número especial/2014), pág. 133 e CARLA AMADO GOMES, With great power comes great responsibility: apontamentos sobre responsabilidade civil médica e culpa do paciente, in Responsabilidade na prestação de cuidados de saúde, 2013, págs. 64/65, artigo consultável em www.icjp.pt; na jurisprudência, acórdãos do STJ de 1.10.2024 (processo nº 26936/15.6T8PRT.P2.S1), de 26.11.2020 (processo nº 21966/15.0T8PRT.P2.S1) e de 2.11.2017 (processo nº 23592/11.4T2SNT.L1.S1), acessíveis em www.dgsi.pt.
[6] O fim da "arte silenciosa" (o dever de informação dos médicos), in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 128, págs. 70 e seguinte.
[7] In Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 125, págs. 168 e seguinte.
[8] Vide sobre a questão, entre outros, VERA LÚCIO RAPOSO, in Do ato médico ao problema jurídico, Almedina, 2013, pág. 224
[9] Cfr., inter alia, acórdãos de 22.03.2018 (processo n.º 7053/12.7TBVNG.P1.S1) e de 24.10.2019 (processo n.º 3192/14.8TBBRG.G1.S2), acessíveis em www.dgsi.pt.
[10] Trata-se de um aspeto de regime relativamente ao qual não se regista um particular dissenso, tanto mais que seria difícil ao paciente fazer prova de um facto negativo (isto é, de que não foi informado ou de que não foi adequadamente esclarecido) – cfr., sobre este ponto, entre outros, na doutrina, ANDRÉ DIAS PEREIRA, Responsabilidade civil em saúde e violação do consentimento informado na jurisprudência portuguesa recente, in Revista Julgar n.º 42 (2020), págs. 136/137 e VERA LÚCIO RAPOSO, ob. citada, págs. 242/246; na jurisprudência acórdãos do STJ de 08.09.2020 (processo n.º 148/14.4TVLSB.L1.S1), de 26.11.2020 (processo n.º 21966/15.0T8PRT.P2.S1) e de 02.12.2020 (processo n.º 359/10.1TVLSB.L1.S1), acessíveis em www.dgsi.pt.
[11] Sobre a questão, e para maior desenvolvimento, vide ANTUNES VARELA, in Das Obrigações em Geral, vol. I, 10ª edição, Almedina, págs. 894 e seguintes.
[12] Concretamente acórdãos do STJ de 26.11.2020 (processo nº 21966/15.0T8PRT.P2.S1)  e de 2.07.2024 (processo nº 2615/18.1T8VFR.P1.S1), acessíveis em www.dgsi.pt.
[13] Para maior desenvolvimento, vide ANDRÉ DIAS PEREIRA, O dever de esclarecimento e a responsabilidade médica, in Responsabilidade civil dos médicos, Coimbra Editora, 2005, págs. 444 e seguintes.
[14] Conforme informa VERA LÚCIA RAPOSO (ob. citada, pág. 229), “além-fronteiras os tribunais tendem a considerar que um risco é suficientemente frequente para justificar a sua comunicação ao paciente quando ocorre em, pelo menos, 1% dos casos”.
[15] Assim, ANDRÉ DIAS PEREIRA, in Responsabilidade médica e consentimento informado, ónus da prova e nexo de causalidade, pág. 14 (artigo disponível para consulta em https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/10577/1/Responsabilidade%20m%C3%A9dica.pd) e LÚCIA RAPOSO, ob. citada, págs. 226 e seguintes, onde dá nota que tem sido esse o entendimento que vem sendo sufragado noutros quadrantes, nomeadamente em França e na Alemanha.
[16] Prolatados, respetivamente, nos processos nºs 3925/07.9TVPRT.P1.S1, 23592/11.4T2SNT.L1.S1, 7053/12.7TBVNG.P1.S1 e 26936/15.6T8PRT.P2.S2, acessíveis em www.dgsi.pt.
[17] Cfr., neste sentido, entre outros, acórdãos do STJ de 02.06.2015 (processo n.º 1263/06.3TVPRT.P1.S1), de 16.06.2015 (processo n.º 308/09.0TBCBR.C1.S1), de 02.11.2017 (processo n.º 23592/11.4T2SNT.L1.S1), de 22.03.2018 (processo n.º 7053/12.7TBVNG.P1.S1), de 24.10.2019 (processo n.º 3192/14.8TBBRG.G1.S2), de 08.09.2020 (processo n.º 148/14.4TVLSB.L1.S1) e de 02.12.2020 (processo n.º 359/10.1TVLSB.L1.S1), acessíveis em www.dgsi.pt.
[18] Cfr., sobre a questão e por todos, ANA LUÍSA MONTEIRO DE QUEIROZ, Do Dano Biológico, 2013, págs. 34 e seguintes, trabalho acessível em https://repositorio.ucp.pt; ÁLVARO DIAS, Dano Corporal – Quadro epistemológico e aspectos ressarcitórios, Almedina, 2001, pág. 123 e seguintes e MARIA DA GRAÇA TRIGO, Adoção do conceito de dano biológico pelo Direito Português, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge Miranda, vol. VI, Coimbra Editora, 2012, pág. 653 e seguintes.
[19] Cfr., neste sentido e por todos, acórdãos do STJ de 19.05.2009 (processo nº 298/06.0TBSJM.S1), de 20.5.2010 (processo nº 103/2002) e de 10.10.2012 (processo nº 3008/09), acessíveis em www.dgsi.pt.
[20] Cfr., inter alia, acórdãos do STJ de 10.02.98 e de 25.06.02, publicados na CJ, Acórdãos do STJ, ano VI, tomo 1º, pág. 66 e ano X, tomo 2º, pág. 128.  
[21] Segundo as Tábuas de Mortalidade relativas ao triénio 2017-2019, a esperança de vida à nascença em Portugal foi estimada em 83,67 anos para as mulheres.
[22] De acordo com a informação colhida na base de dados PORDATA, o salário médio nacional no ano de 2019 (ano em que ocorreu o ajuizado evento danoso) cifrou-se no valor de €1.038,00 ou €1.209,90, consoante se considere a remuneração base mensal ou o ganho médio mensal.
[23] Cfr., inter alia, acórdãos desta Relação de 12.09.2022 (processo nº 816/15.3T8AVR.P2), de 17.04.2023 (processo nº 1974/21.3T8PNF.P1) e de 12.05.2025 (processo nº 1268/21.4T8PVZ.P1), acórdão da Relação de Lisboa de 22.11.2016 (processo nº 1550/13.4TBOER.L1-7) e acórdão do STJ de 26.01.2012 (processo nº 220/2001.L1.S1), acessíveis em www.dgsi.pt, sendo que neste último aresto expressamente se enfatiza que o desenvolvimento da noção do dano biológico em Itália partia, entre outros, do pressuposto da “irrelevância do rendimento do lesado como finalidade da liquidação do ressarcimento”.
[24] Assim, RITA SOARES, O dano biológico quando da afetação funcional não resulte perda da capacidade de ganho – o princípio da igualdade, in Julgar, nº 33, págs. 126 e seguintes.
[25] Cfr., por todos, acórdãos do STJ de 14.12.2016 (processo nº 37/13.0TBMTR.G1.S1), de 30.03.2017 (processo nº 2233/10.2TBFLG.P1.S1), de 20.05.2018 (processo nº 20.05.2018) e de 19.04.2018 (processo nº 196/11.6TCGMR.G2.S1), acessíveis em www.dgsi.pt.
[26] Cfr., neste sentido, os acórdãos do STJ de 25.11.2009 (processo nº 397/03.0GEBNV.S1) e de 15.03.2018 (processo nº 4084/07.2TBVFX.L1.S1), ambos acessíveis em www.dgsi.pt.
[27] Cfr., entre outros, na doutrina, BRANDÃO PROENÇA, in Lições de cumprimento e não cumprimento das obrigações, Coimbra Editora, 2011, págs. 250/251, VAZ SERRA, Responsabilidade do Devedor pelos Factos dos Auxiliares, dos Representantes Legais ou dos Substitutos, in BMJ nº 72, pág. 286 e MARIA DA GRAÇA TRIGO no Comentário ao Código Civil – Das Obrigações em Geral, 2018, Universidade Católica Editora, págs. 1112 e seguinte; na jurisprudência, acórdãos do STJ de 23.03.2017 (processo nº 296/07.7TBMCN.P1.S1) e de 13.05.2025 (processo nº 27847/20.9T8LSB.LL.S1) e acórdão da Relação de Lisboa de 14.01.2021 (processo nº 1279/13.3TVLSB.L1), acessíveis em www.dgsi.pt.