Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | JOÃO DIOGO RODRIGUES | ||
| Descritores: | APOIO JUDICIÁRIO PARA NOMEAÇÃO DE PATRONO CONSTITUIÇÃO DE MANDATÁRIO | ||
| Nº do Documento: | RP20251028553/25.0T8MTS-A.P1 | ||
| Data do Acordão: | 10/28/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA | ||
| Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | Salvo nos casos de comprovada fraude à lei, a constituição de mandatário judicial por parte daquele que requereu o patrocínio judiciário, na pendência do prazo de defesa, não inviabiliza, por si só, a interrupção do prazo previsto no artigo 24.º, n.º 4, da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Processo n.º 553/25.0T8MTS-A.P1 * Sumário ……………………………… ……………………………… ……………………………… * Adjuntos: Des., Pinto dos Santos; Des., Rodrigues Pires.
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I- Relatório 1- Na ação declarativa, sob a forma de processo comum, que AA, intentou contra, BB, foi, no dia 01/07/2025, proferido despacho que, ao contrário do que havia sido anteriormente sustentado por aquele, julgou tempestiva a contestação apresentada pela Ré. 2- Inconformado com tal despacho, dele recorre o A., terminando a sua motivação com as seguintes conclusões: “1. O Tribunal a quo indeferiu a intempestividade da apresentação da contestação numa decisão que o Recorrente não pode aceitar pois o Tribunal tinha todos os elementos a seu dispor para ter concluído em sentido diverso. 2. A R. foi citada em 03.02.2025 para contestar a ação, beneficiando de um prazo de 30 dias, acrescido da dilação legal de 5 dias, prazo que findaria em 10.03.2025. 3. Em 20.02.2025, a Ré juntou comprovativo de pedido de apoio judiciário, que apresentara no dia anterior, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e nomeação de patrono (art. 24.º, n.º 4 da LAJ). 4. No entanto, ainda dentro do prazo originário, em 28.02.2025, a Ré outorgou formalmente procuração forense a mandatário constituído, que viria a subscrever a contestação e a ela veio a juntar essa mesma procuração. 5. Já em 07.03.2025, foi proferida proposta de indeferimento do pedido de apoio, notificada em 12.03.2025 e a contestação foi apresentada em 03.04.2025. 6. A interrupção do prazo prevista no art.24.º, n.º 4 da LAJ destina-se a assegurar que o réu sem meios económicos dispõe do tempo necessário para preparar a defesa com o patrocínio a nomear, o que não sucede com a R., que tem condições financeiras, como veio a provar para outorga de procuração ainda dentro do prazo original de contestação. 7. Aliás, a R. nem sequer exerceu direito de audição prévia relativamente à proposta de indeferimento, em comportamento abusivo com finalidade exclusivamente dilatória, configurando fraude à lei (arts. 334.° e 612.° do CPC). 8. A R. outorgou procuração dentro do prazo original e sem sequer esperar pela proposta de indeferimento, pois bem sabia que tal benefício lhe seria sempre recusado, atento o valor dos rendimentos que foi por si declarado. 9. Note-se, aliás, que à disposição de qualquer potencial requerente de apoio judiciário existe um formulário disponibilizado pelo Instituto da Segurança Social que rapidamente lhe diria não estar em condições de beneficiar de qualquer apoio. 10. No caso da Recorrida, como consta dos autos e foi pela mesma aceite, não só havia recebido do A., há poucos meses, o significativo valor de 102.065,23 €, como, em lide anterior tinha a Ré visto ser-lhe indeferido pedido igual, sem que tivesse também aí emitido qualquer pronúncia quanto à proposta de indeferimento, que assim acatou e veio a consolidar-se. 11. Tendo os rendimentos da R. não só não diminuído como melhorado entretanto, como se sabe, nunca poderia esperar decisão mais favorável, sendo evidente que apenas quis aproveitar a interrupção do prazo. 12. Nesse sentido já se pronunciou, aliás, o Tribunal da Relação do Porto no Acórdão de 07.05.2024, 13. Pelo que deve a interrupção do prazo ser desconsiderada nos presentes autos, julgando-se a contestação extemporânea. 14. Não colhem também as desculpas genéricas da Recorrida pois que se verifica não ter qualquer outro litígio que justificasse a outorga de procuração forense no mesmo período temporal. 15. Ao Tribunal a quo caberia ter, nos termos dos artigos 3º e 547º do Código de Processo Civil, recolhido mais meios de prova antes de apreciar a questão levantada, designadamente (i) consultando as pautas de distribuição na primeira instância, (ii) notificando a Ré para juntar evidências dos demais processos que alegava existirem, que, por mera identificação em pauta de distribuição, não constituem matéria coberta por sigilo, (iii) diligenciando junto do Instituto de Segurança Social para apurar os rendimentos declarados no anterior pedido de apoio judiciário e, ainda, (iv) tomando depoimento de parte sobre o assunto à R. 16. De resto, bem condensa solução inteiramente transponível para o presente caso, com as devidas adaptações, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 08.06.2021, que na sua nota 4 identifica uma clara situação de fraude à lei. 17. Embora no caso presente, a R. tenha apresentado primeiro o pedido de nomeação de patrono, a verdade é que outorgou ainda dentro do prazo de defesa original e com um distanciamento de apenas 8 dias entre a entrada nos autos do pedido de apoio e a outorga de procuração ao signatário, e ainda sem sequer ser notificada para se pronunciar em audição prévia sobre o seu pedido! 18. O que a R. revelou foi ter já nesse momento meios para não necessitar da nomeação de patrono, o que, de resto, já sabia de antemão e lhe veio a ser confirmado pela proposta de indeferimento, incorrendo assim em manifesto abuso processual, 19. Mostrando-se inteiramente necessário, colhendo da lição do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22.10.2015, neutralizar o prazo alargado de contestação e sancionar adequadamente o comportamento da R. 20. Mostram-se assim violadas as normas constantes dos artigos 24° da Lei do Acesso ao Direito e aos Tribunais, dos artigos 3342 do Código Civil e 569° n.° 1 e 612.° do Código de Processo Civil”. Termina pedindo que se julgue procedente o presente recurso e que, revogando a decisão recorrida, se declare a contestação apresentada pela Ré intempestiva, com o consequente desentranhamento dos autos. 3- A Ré respondeu defendendo a solução oposta. 4- Recebido o recurso nesta instância e preparada a deliberação, importa tomá-la: * II- Mérito do recurso A- Definição do seu objeto Inexistindo questões de conhecimento oficioso, o objeto do presente recurso, delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente [artigos 608.º n.º 2, “in fine”, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º1, do Código de Processo Civil (CPC)], é constituído unicamente pela questão de saber se a contestação da Ré não é tempestiva. * B- Fundamentação de facto Na decisão recorrida julgaram-se assentes os seguintes factos: “Nos presentes de processo comum a R. foi citada para a acção por carta registada com AR assinado por terceira pessoa em 03.02.2025. Em 20.02.2025 veio aos autos juntar comprovativo de pedido de apoio judiciário junto do ISS nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento da compensação de patrono. O requerimento de apoio judiciário supra referenciado, foi objeto de uma proposta de decisão (Audiência Prévia) de Indeferimento em 2025-03-07, que se converteu em definitiva face à falta de resposta da R./requerente. A requerente recepcionou tal proposta de indeferimento a 12.03.2025. Contestou a R. mediante junção de articulado a 03.04.2025, anexando procuração forense datada de 28.02.2025, conferindo poderes forenses gerais e especiais para substabelecer, da qual não consta, contudo a identificação dos autos”. * C- Fundamentação jurídica Como vimos, nada mais está em causa neste recurso que não seja a questão de saber se a contestação apresentada pela Ré é intempestiva. Isto, não porque haja divergências sobre a contagem dos prazos ou mesmo sobre o seu termo inicial, mas porque o A./ora Apelante defende, no fundo, que a Ré atua em abuso de direito e fraude à lei, ao ter requerido o apoio judiciário, na modalidade de patrocínio judiciário, e, depois, ainda dentro do prazo inicial que lhe foi assinalado para contestar e antes sequer da sua audição prévia no âmbito do procedimento tendente àquele apoio, ter constituído mandatário forense. Abuso e fraude à lei que a Ré refuta por diversas razões que enuncia. Pois bem, o primeiro elemento a considerar é que não foi requerida, nos termos do artigo 640.º do CPC, a alteração da matéria de facto provada, fixada na sentença recorrida. Por conseguinte, não havendo motivos para alterar essa matéria nos termos do artigo 662.º, n.º 1, do CPC, será a partir dela e não de outra que se impõe ajuizar a citada questão. E, sobre a mesma, dir-se-á o seguinte: Nos termos do artigo 24.º, n.ºs 4 e 5, da Lei n.º 34/2004, de 29/07, quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de ação judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso “interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo” e esse prazo só se inicia, conforme os casos, a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação ou a partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono. Tem este normativo em vista salvaguardar o acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva, nos termos previstos no artigo 20.º, n.ºs 1 e 2, da CRP, de modo a que “ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus direitos” – artigo 1.º, n.º 1, da referida Lei n.º 34/2004. Assim, numa primeira aproximação, ser-se-ia tentado a concluir que sempre que alguém, no decurso de uma demanda judicial, pede o patrocínio judiciário e não o usa, optando, diversamente, por constituir mandatário judicial, não tem direito a beneficiar da aludida interrupção. E esta tem sido, de facto, a orientação seguida por alguma jurisprudência. Alega-se que “não faz qualquer sentido o referido regime de interrupção de prazo processual, que apenas colhe efeitos dentro do referido regime de apoio judiciário, como um todo, não se podendo entender (…) que tal regime possa ser desvirtuado ou usado de forma a dele apenas se colher o benefício da referida interrupção de prazo processual, para, dessa forma, o beneficiário do apoio poder contestar ou articular fora dos prazos processuais convencionais aplicáveis, mediante representante forense que não é o que lhe foi nomeado pela Ordem dos Advogados”[1]. Até porque isso se prestaria ao uso fraudulento da lei. Mas, não tem sido esta, ao que cremos, a orientação dominante na jurisprudência[2], nem deve ser ela a aplicável ao caso presente. Com efeito, além da lei (o referido artigo 24.º, n.º 4, da Lei n.º 34/2004), não estipular qualquer “condição resolutiva de o acto ser praticado através do patrono nomeado”[3], também não se vê em nome de que valores se pode sempre coartar ao requerente do patrocínio judiciário o direito de constituir mandatário judicial na pendência do prazo para se defender[4]. É que, se é verdade, que a concessão desse direito se pode prestar a fraudes (designadamente, através do ilegítimo alargamento do prazo de defesa), também é verdade que a constituição de mandatário pode ser justificada por muitas outras razões. Seja porque, por exemplo, o patrono nomeado se desinteressa do caso e/ou revela falta de preparação técnica para a defesa, sem, ainda assim, pedir a escusa do patrocínio; seja porque ao requerente do patrocínio judiciário sobreveio nova fortuna; seja porque o próprio mandatário atua “pro bono”. E, em qualquer uma dessas hipóteses, parece-nos manifestamente desproporcionado coartar o direito de defesa (que é um direito fundamental), com o recurso a uma justificação que não tem qualquer adesão à realidade[5]. É verdade que, em tese, pode haver situações em que a referida fraude ocorra. Mas, para esses casos, a lei tem remédio. Além da eventual perseguição e punição penal, “[q]uando a conduta das partes ou quaisquer circunstâncias da causa produzam a convicção segura de que o autor e o réu se serviram do processo para praticar um ato simulado ou para conseguir um fim proibido por lei, a decisão deve obstar ao objetivo anormal prosseguido pelas partes”- artigo 612.º, do CPC. E é, nesse âmbito que se deve atuar. Nunca no contrário. Isto é, partir do princípio de que todos os requerentes do patrocínio judiciário, que posteriormente constituem mandatário forense, atuam à margem da lei, com o intuito de a defraudar, e, por essa razão, retirar-lhes um direito fundamental, como é o direito de defesa por intermédio de advogado por eles escolhido. Nada na lei, a nosso ver, o permite e, antes pelo contrário, só impõe que se assegure este direito (artigo 20.º, n.º 2, da CRP). Ora, aplicando esta orientação ao caso presente, o que verificamos é que da transcrita factualidade provada, nenhum indício há que nos possa levar a concluir que a Ré atuou em abuso de direito ou fraude à lei. Desde logo, porque não se sabe qual a razão que levou a Ré a constituir mandatário forense e quais os custos, se é que existem, associados a essa constituição. E, além disso, também não está suficientemente caracterizada (nos factos provados) a situação patrimonial da Ré, à data do pedido de apoio judiciário, para se poder afirmar, com segurança, que o pedido desse benefício teve como exclusivo intuito alargar o seu prazo de defesa. Aliás, nem sequer se pode ter por linear que as diligência que o Apelante agora refere, ou seja, a consulta das pautas de distribuição na primeira instância, a notificação da “Ré para juntar evidências dos demais processos que alegava existirem”, a recolha, junto da Segurança Social dos elementos tendentes a apurar os rendimentos declarados no anterior pedido de apoio judiciário e ainda o depoimento de parte da Ré, surtissem qualquer efeito no sentido por aquele desejado. Nada o evidencia, nem o R. o demonstra. Como tal, a sua pretensão recursiva é de rejeitar, sendo, por isso, de manter em vigor o decidido no despacho recorrido. * III- Dispositivo Pelos motivos indicados, acorda-se em negar provimento ao presente recurso e, consequentemente, confirma-se a decisão recorrida. * - Em função deste resultado, as custas serão suportadas pelo Apelante – artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC. Porto, 28-10-2025 João Diogo Rodrigues Pinto dos Santos Rodrigues Pires ______________ [1] Ac. RC de 25/06/2019, Processo n.º 156/18.6T8NZR-A.C1, consultável em www.dgsi.pt. No mesmo sentido, por exemplo, Ac. RP de 10/03/2003, Processo n.º 0252849, Ac. RP de 13/09/2011, Processo n.º 5665/09.5TBVNG.P1, Ac. RC de 01/10/2013, Processo n.º 4550/11.5T2AGD.C1, consultáveis no mesmo endereço eletrónico. [2] Neste sentido, por exemplo, Ac. RG de 22/09/2016, Processo n.º 1428/12.9TBBCL-D.G1, AC. RLx de 09/07/2014, Processo n.º 97/12.0TBVPV.L1-2, Ac RP de 25/09/2018, Processo n.º 5027/17.0T8MAI-A.P1 e Ac. RE de 05/2019, Processo n.º 399/19.5T8SLV-A.E1, igualmente consultáveis no dito endereço eletrónico. [3] Ac. RP de 15/11/2010, Processo n.º 222/10.6TBVRL.P1, consultável em www.dgsi.pt. [4] Referimo-nos à constituição de mandatário durante o prazo de defesa porque, se essa constituição for anterior, já admitimos solução diversa. Nesta parte, tendemos a acompanhar o entendimento que se expressou no Ac. RE de 22/10/2015, Processo 1281/13.5TBTMR-A.E1, consultável em www.dgsi.pt, nos termos do qual, a se a requerente, “quando requereu a nomeação de patrono e informou desse facto o Tribunal, já tinha, voluntariamente, constituído mandatário, não podia ter formulado tal pedido de nomeação de patrono, por manifesta desnecessidade e por, manifestamente, tal pedido constituir um abuso processual. Nestas circunstâncias não pode o requerente beneficiar do direito à interrupção de um prazo e consequente prolongamento de prazo da contestação, por isso constituir uma fraude à lei, na medida em que o mandatário que subscreveu a contestação fora constituído muito antes de ser formulado o pedido de nomeação de patrono”. [5] Como se refere no Ac. RP de 30/01/2014, Processo n.º 5346/12.2TBMTS.P1, consultável em www.dgsi.pt, “Negar-lhe esse direito traduzir-se-ia na prática numa denegação do direito de acesso aos tribunais e de defesa, que a Lei Fundamental claramente não consente”. |