Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1574/23.3T8PVZ-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ÁLVARO MONTEIRO
Descritores: NULIDADE
PRAZO DE ARGUIÇÃO
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
FACTO CONSTITUTIVO DE ILÍCITO PENAL
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RP20250626/1574/23.3T8PVZ-A.P1
Data do Acordão: 06/26/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Se a nulidade está coberta por uma decisão judicial que ordenou, autorizou ou sancionou, expressa ou implicitamente, a prática de qualquer acto que a lei impõe, o meio próprio para a arguir não é a simples reclamação, mas o recurso competente a interpor e a tramitar como qualquer outro do mesmo tipo.
II - Nos termos do n.º 3, do artigo 498º, do C. Civil se o facto ilícito constituir crime e o respetivo procedimento penal estiver sujeito a um prazo prescricional mais longo do que o prazo (de três anos) consagrado nº 1, esse será também o prazo prescricional aplicável à própria responsabilidade civil, bastando, para tanto, que os factos alegados pelos Autores, na petição inicial, sejam susceptíveis, em abstracto, de integrarem os elementos objectivos e subjectivos típicos de um determinado ilícito penal, não sendo de exigir, para que se aplique o prazo mais longo de prescrição, que tenha existido prévio procedimento criminal contra o lesante ou condenação penal.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 1574/23.3T8PVZ-A.P1
Tribunal Judicial da Comarca Do Porto
Juízo Central Cível P. Varzim - Juiz 3
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Relator: Juiz Desembargador Álvaro Monteiro
1º Adjunto: Juíza Desembargadora Ana Vieira
2º Adjunto: Juiz Desembargador Carlos Cunha Carvalho
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Sumário:
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I - Relatório:
AA, NIF ..., intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra:
A- BB;
B- CC;
C- DD;
D- EE;
E- FF;
F- “A..., S.A.”, NIPC ...
G- B..., Unipessoal, Lda, NIPC ....

Peticiona a condenação solidária dos RR. BB, CC, DD, EE, FF e “A..., S.A”. a pagar ao Demandante a quantia de 445.425,20€, bem como os juros legais a contar da citação.
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A 22.11.2023 foi declarada extinta a instância em relação ao R. DD.
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Os RR. - A..., S.A., FF e EE apresentaram contestação em 29.02.2024
Os RR. BB e CC apresentaram contestação em 01.03.2024.
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Designada audiência prévia, realizada no dia 22.04.2024, “foi dada a palavra aos ilustres mandatários das partes para se pronunciarem quanto às excepções em apreciação ao objecto do litígio e aos temas da prova, que da mesma fizeram uso.
De seguida, o Mmo. Juiz proferiu despacho determinando que os autos fossem conclusos para proferir despacho saneador e declarou encerrada a audiência pelas 14:35 horas.”
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Por decisão proferida a 02.11.2024 o Tribunal a quo no despacho saneador proferiu a seguinte Decisão:
“A) Julgar improcedente excepção dilatória de incompetência absoluta do tribunal, em razão da matéria, invocada pelos réus BB e CC;
B) Conhecer a excepção dilatória de ilegitimidade processual passiva da ré B..., Unipessoal, Lda. e, em consequência, absolver esta ré da instância.”
Mais apreciou a prescrição invocada pelos réus A..., FF, EE, BB, e CC e decidiu:
“A) Absolver os réus A..., S.A., FF, EE, e CC do pedido;
B) Absolver o réu BB do pedido de condenação no pagamento de cento e trinta e quatro mil seiscentos e setenta e cinco euros (€134.675,00), acrescidos de juros vincendos desde a citação, até integral pagamento.
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Custas pelo autor, na proporção do decaimento, que se fixa em 30,24%.”
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Determinou, face ao exposto, o prosseguimento dos autos entre o autor e o réu BB.
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Na sequência de tal decisão veio o Autor em 05.11.2024 reclamar do despacho saneador, argumentando discordância da fundamentação jurídica da decisão que julgou procedente a exepção peremptória de prescrição e absolveu quatro dos réus da totalidade do pedido e o réu BB apenas parcialmente, concluindo “deverá, nesta parte, ser alterado o despacho saneador, substituindo-se por outro que não considere prescritos quaisquer créditos reclamados pelo autor e, igualmente, considerar todos os réus parte legítima na presente acção, seguindo a mesma contra todos eles.”
Sobre tal reclamação incidiu despacho de indeferimento prolatado a 05.12.2024.
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Inconformado com a decisão prolatada no despacho saneador, bem como na reclamação apresentada veio o Autor recorrer da mesma em 10.12.2024, terminando as suas alegações com as seguintes
CONCLUSÕES:
1 Como certamente ficou demonstrado ao longo da fundamentação destas alegações de recurso, o Tribunal recorrido, no essencial, reduziu uma complexa (e prolongada no tempo) teia, que consubstancia, pelo menos, um crime de burla qualificada, a uma questão de um mero crédito pecuniário a dirimir nos termos dos artigos 164.º, 2 e 174.º, 3 do CS. Comerciais.
2.ª Na demonstração dos erros subjacentes a essa decisão, o Recorrente percorreu os caminhos inculcados pela metódica da lógica material pela qual se determina a “norma do caso”, que é assim uma norma material e concreta.
3.ª A proposição legal – chamada “norma jurídica - “é a formulação proposicional de um juízo normativo que, com fundamento num princípio pressuposto, se enunciou sobre uma determinada realidade, juízo que se enuncia logicamente com uma 'regra' – com a estrutura lógico-conceitual de uma regra de conduta, uma prescrição”. Sendo um “juízo normativo”, não sendo um dado que se impõe por si, será critério de aferição, mas não “incontornável imposição”. Por isso, o Professor Castanheira Neves diz: “Nestes termos, a norma não é o prius, mas o resultado, é a solução de um certo e concreto problema normativo que tem num princípio o seu fundamento e numa determinada realidade o seu objecto intencional”. E conclui: “Por isso, não bastará determinar exactamente o seu conteúdo lógico-significativamente prescrito – há que perguntar e investigar, para além deste, sobre o princípio normativo fundamento e sobre a realidade”. -
Em suma, não é pela letra de uma norma jurídica, pelo seu estrito sentido léxico - semântico, que o direito se dá.
A “norma do caso”, mesmo no pensamento jurídico positivista, nos seus diversos matizes, nunca é decisão assente numa única proposição, mesmo dando de barato as regras processuais, desde os pressupostos processuais, passando pelo dinamismo da instância, até ao trânsito em julgado da decisão final. A “norma do caso” é, pois, o dispositivo decisório, que não é expressão de uma proposição (norma ou regra jurídica). Mesmo a declaração de prescrição de um crédito – que assim põe em risco os poderes que o integram, maxime o de exigir um dado comportamento do correlativo obrigado – não dispensa a prévia verificação dos múltiplos aspectos da sua formação, bem como da natureza do crédito, na perspectiva do prazo prescricional, etc., etc. - Não basta, p. ex., dizer que estamos perante a prescrição prevista no art.º 174.º, n.º 3 do C.S.C., sem primeiro fazer prova dos factos que nos mostrem se estamos perante o incumprimento de um crédito de natureza estritamente civil, ou do direito a uma indemnização por danos sofridos pela prática de actos ilícitos, de natureza penal, cujo regime, em princípio, decorre das disposições penais e civis pertinentes.
A “norma do caso” implica, como elemento metódico primeiro, a convocação de todas as normas que, em abstracto, tenham atinência com os elementos de facto que dão o “corpus” empírico ao caso, em que, cada um desses elementos, isolado ou associado a outros, tenham relevância jurídica, porque postulam tutela jurídica, ou constituem violação de uma imposição e ou proibição jurídicas. Da totalidade desses factos – que relevam juridicamente – resulta uma realidade social (económica, cultural, etc.) a normar juridicamente. - Essa normação – a norma do caso – resulta da concatenação de todas as disposições convocadas que se mostraram aptas, em concreto, regular definitivamente o caso.
O juizo de “aptidão” referido, que culmina na determinação da norma reguladora do caso concreto, pode implicar, e em regra implicará, o recurso aos elementos da interpretação jurídica – como são o gramatical, o histórico, o sistemático e teleológico – com os resultados que a lei prevê – as interpretações declarativa, extensiva, restritiva, ab-rogante e enunciativa -, mas sempre sob a “orientação” do principio normativo que será o fundamento.
A finalizar a questão da “norma do caso”, que pode, prisma facie, inculcar uma possibilidade “anárquica” da decisão jurídica. Esse perigo não existe. Pois, desde logo, e no caso português, não se concebe um jurista profissional – sobretudo o juiz que, pesem todos os contributos “reconhecidos” no iter processual, tem o espinhoso encargo de determinar a “norma do caso” - que não conheça o sistema jurídico, cujos valores primordiais são:
● A Eminente dignidade da pessoa humana, na qual o direito cobra sentido e nela tem o principio e o fim da sua existência.
● O Estado de direito – que não é mero estado de legalidade constitucional, mas que impõe a interpretação de cada princípio ou norma jurídica em conformidade com as ideias de direito e de justiça.
É aqui que ancoram os princípios normativos que convocam e orientam os princípios e normas legais, que o caso concreto postula. - Assim vemos a base da “norma do caso”, como modesto contributo. (Cf. § § 1 a 7 da fundamentação.)
Posto isto:
4.ª Em breve síntese, o Autor, em 209 artigos, procurou demonstrar que, com a sociedade comercial “C..., Lda.”, da qual era o único sócio, foi vítima da prática de um conjunto complexo de factos, preordenados pelo recorrido BB, com concurso dos demais, em consequência dos quais à sociedade foi subtraída a propriedade um armazém, enquanto ao Autor foi subtraída uma vivenda.
Para alcançar esse resultado, o referido BB, com a comparticipação dos demais, orientou a prática de diversos actos jurídicos, aparentemente ilícitos, mas que, com outros configuram um crime de burla qualificada, em forma continuada, de que resultou um dano de 445.425,20€, sofrido pelo Recorrente.
5.ª No despacho saneador, no essencial e na parte maior, o Tribunal absolveu os demandados “A..., S.A.”, os demandados CC, EE e FF, e absolveu o demandado BB pelo valor de 310.750,20€ do pedido, fundando tal absolvição no disposto no art.º 164.º, 2 e 174.º, 3 do C.S.C.
6.ª Para o Tribunal, uma manifesta actividade criminosa mais não significou que um hipotético crédito pecuniário resultante de transacções comerciais, mas já prescrito, apesar dos próprios demandados terem interpretado essa actividade como integrante do crime de burla agravada de que invocaram a prescrição – a qual não existe.
7.ª Finda a fase dos articulados o Exmo. Sr. Juiz marcou a Audiência Prévia, na qual o Recorrente contestou as explicações invocadas pelos Recorridos. O despacho saneador e o despacho da fixação do objecto do litígio e dos temas de prova, foi proferido por escrito e notificado às partes, em 04-12-2024.
Foi nesse despacho saneador que o Tribunal absolveu os demandados CC, EE, FF e “A..., S.A.” e, em parte do pedido, o demandado BB, surpreendendo o Autor com tal decisão que praticou sem ouvir as partes.
O Autor reclamou desse despacho por requerimento de 15-11-2024, que foi indeferido por despacho de 6-12-2024.
A sentença proferida no despacho saneador é, assim nula, porque violou o disposto dos artigos 3.º, 3 e 155.º, 1 do C. Civil. (cf.§ § 8 a 21 da fundamentação)
8.ª Além de nula, a sentença consubstancia graves erros judiciais.
9.ª Como foi salientado nos artigos 204 a 209 da petição, o Autor enfatizou aí, que os factos que alegou nos artigos 5 a 72 são actos meramente formais, aparentemente lícitos, mas que mais não são que actos instrumentais de actividade delituosa descrita nos artigos 73 a 203 da petição.
Por isso, essa actividade, na qual o Autor fundou o seu pedido, releva nos domínios dos artigos 217.º,1, 218.º2, a), b) e c), com referência ao artigo 202.º, b), e, ainda, os artigos 30.º, 2; 14.º e 129.º do C.Penal, e artigos 562.º e seguintes do C. Civil.
Todavia, o Tribunal reduziu essa materialidade a uma simples relação obrigacional de crédito, que relevou nos domínios dos artigos 164.º e 174.º, 3 do C.S.C., sem qualquer explicação ou demonstração plausível.
Já por isso a sentença deve ser revogada. (cf. § § 25 e 26 da fundamentação)
10.ª Essa sentença foi proferida sem a discussão prévia implicada pelos termos articulados para que as partes deviam ter sido convidadas a pronunciar-se, quando o juiz admite decidir no despacho saneador.
Foi assim violado no disposto dos artigos 3.º, n.º3, e 195.º, 1 do C.P.C., pelo que a sentença deve ser revogada. (cf.§ 27 a 29 da fundamentação)
11.ª A sentença também deve ser revogada, porque os Recorridos invocaram uma prescrição criminal e não cível, tendo o Tribunal, ilegalmente, convolado a prescrição criminal em prescrição civil, mas violando assim os artigos 303.º do C. Civil e 5.º, 3 do C.P.C., visto que os factos essenciais têm de ser alegados pelas partes, e não supridos oficiosamente pelo Tribunal. Também por esta razão a sentença deverá ser revogada. (cf. § § 30 a 33 da fundamentação)
12.ª A sentença também deve ser revogada porque não cumpriu o disposto nos artigos 607.º, 2, 3 e 4 e 615.º, 1, b), c) e d) do C.P.C.
Na verdade, o Tribunal não especificou os factos julgados provados, entre o acervo de factos alegados na petição, nem os julgados não provados com as pertinentes demonstrações que essas normas implicam.
O Tribunal limitou-se, arbitrariamente, a ver nessa materialidade uma simples relação obrigacional, que subsumiu ao disposto no artigo 164.º do C.S.C., sem demonstrar por que é que toda aquela materialidade descrita na petição inicial não configurava um crime de burla qualificada.
Tivera o Tribunal cumprido todas as disposições ora referidas facilmente perceberia que as coisas não tinham a simplicidade com que as julgou. Também por estas razões a sentença deverá ser revogada. (cf. § 34 a 38 da fundamentação)
13.ª Como já vem demonstrado, os factos constantes dos artigos 73 a 199 da petição evidenciam a prática do já demonstrado crime de burla qualificada, em que os factos alegados nos artigos 5 a 72 foram instrumento dessa actividade como se salientou nos artigos 200 a 209.
No entanto, o Tribunal dessa materialidade disse: “o Autor vem exigir dos réus um crédito enquanto o único sócio de uma sociedade com registo de extinção datado de 7 de abril de 2014, pelo que tal crédito prescreveu em 7 de abril de 2019, bem antes da propositura da acção”. E acrescentou: “salienta-se que, como resulta da parte final da norma transcrita só são atendíveis outros prazos de prescrição se forem mais curtos”. Isso significa que o Exmo. Sr. Juiz depois de ter feito alusões ao crime de burla saiu fora do campo normativo referido atrás na conclusão 9.ª, que define a responsabilidade civil dos autores da prática de tal crime, para situar a questão no campo normativo da responsabilidade civil obrigacional-comercial. Com base neste grave erro epistemológico, o resultado não podia ser outro: as absolvições de que se recorre. (cf. § § 40 a 44 da fundamentação)
14.ª O Tribunal não fez correta aplicação do disposto no art.º164.º do C.S.C., mormente dos seus n.º’s 1 e 2, porque os demais não têm aqui qualquer aplicação prática.
Do cotejo desses n.º’s 1 e 2 colhe-se com alguma facilidade que aí se faz a distinção entre direitos absolutos – patrimoniais e pessoais – e direitos de crédito recorrentes de actos de comércio relativos à troca de bens e serviços.
Os créditos resultantes das relações de troca de bens e serviços é que estão sujeitas ao disposto no artigo 174.º, n.º 3 do C.S.C.
A violação de direitos patrimoniais absolutos, nomeadamente através da prática do crime de burla, tem a sua regulação nas normas referidas atrás na conclusão 9.ª. – A ser de outro modo, como na sentença recorrida foi suposto, a interpretação que o Tribunal fez do artigo 164.º, aliás perfunctória e não analítica, e do 174.º, 3 do C.S.C., outra coisa não significava que a derrogação das normas invocadas atrás na conclusão 9.ª, que têm uma densidade axiológico-normativa bem superior a estas normas de natureza comercial.
Em suma o Tribunal não percebeu que as disposições em que se louvou assentam em relações de natureza obrigacional de que resultam obrigações pecuniárias, enquanto que a violação de direitos absolutos como as que resultam de actividades do tipo das descritas na petição inicial, implicam o direito do lesado a ser indemnizado em forma de reconstituição da situação natural, e quando esta não é possível em recebimento de quantia em dinheiro que o ressarça dos prejuízos sofridos bem como dos benefícios que perdeu. – É isto o que dizem os artigos 129.º do C. Penal e 562.º; 564.º, 1 e 566.º,1 do C. Civil. (cf. §§ 45 a 49 da fundamentação)
15.ª De todas as normas jurídicas que foram enunciadas ao longo desta fundamentação, e através das intencionalidades axiológico-normativas delas imanentes, fomos predicando (positiva ou negativamente) as várias facetas do caso.
Do ponto de vista factual temos, claramente, uma complexa teia, predisposta e urdida pelo Demandado BB, com a comparticipação dos demais demandados, pela qual desenvolveram enganos, na pessoa do Autor, que levaram a sociedade de que ele era o único sócio a ser desapropriado de um prédio de valor consideravelmente elevado, enquanto ele próprio também foi desapropriado de um prédio de valor também consideravelmente elevado.
Os demandados agiram com a consciência e vontade determinada de causar um enorme dano à sociedade e ao Autor, cujo valor total é de 445.425,20€, em proveito deles próprios, o que conseguiram.
Essa actividade é qualificada penalmente como o crime de burla qualificada na forma continuada, nos termos dos art.ºs 217.º,1 a 218.º, 1, 2, a), c) e d), 26.º; 28.º; 30.º e 14.º do C. Penal – Por isso, os demandados devem ser condenados subsidiariamente a indemnizar o Autor – porque a sociedade está dissolvida e extinta e ele é o único sócio – pela quantia em dinheiro da 445.425,20€, por força do disposto no art.º 164.º, 1 (com exclusão do seu n.º 2) do C.S.C, art.º 62.º, 1 da Constituição, art.ºs 1305.º e 562.º, 564.º, 1 e 566.º, 1. – A “norma do caso” que se discute nos autos é, pois, a formulada no pedido, conformada e configurada com os princípios normativos e as normas legais invocadas ao longo destas alegações.
Como a sentença recorrida violou as normas invocadas nestas conclusões, deve ser revogada, assim como os demais actos praticados no mesmo despacho.
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Os RR. A..., S.A., FF, EE, e CC, bem como o R. BB, todos pugnando pela improcedência do recurso, tendo o último apresentado as seguintes
Conclusões:
A. A sentença proferida em sede de Despacho Saneador não se encontra ferida de nulidade, porquanto, contrariamente ao invocado pelo Recorrente, não se traduz numa decisão surpresa.
ISTO PORQUE,
B. Desde o Despacho proferido, pelo douto Tribunal de 1.ª instância, a 19 de março de 2024, e o qual foi notificado às partes a 20 de março de 2024, tinham as partes conhecimento que a audiência prévia se destinava ao cumprimento das finalidades estabelecidas nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do art.º 591 do CPC.
C. Com efeito, quer o Autor, quer os Réus, tinham total e pleno conhecimento que o Tribunal a quo efetivamente pretendia apreciar as exceções dilatórias e perentórias invocadas, tanto que, para tal, facultou às partes a discussão de facto e de direito, faculdade essa que, aliás, foi exercida pelo Recorrente.
D. Sendo que, ao apreciar tais exceções, sempre decidiria o douto Tribunal aquando da prolação do Despacho Saneador, atendendo à fase processual em que os presentes autos se encontravam e nos termos e para os efeitos do estabelecido nos art.ºs 595.º do CPC.
E. Pelo que, nesta parte, e sem prejuízo do que infra se logrará, ainda, alega e peticionar, deverá o recurso interposto pelo Recorrente improceder com todos os devidos e legais efeitos.
MAIS,
F. Não é sentença proferida em sede de Despacho Saneador merecedora da censura que lhe é imputada nas alegações ex adverso, na medida em que Tribunal a quo efetuou uma aplicação correta e adequada do direito no que toca à absolução do Recorrido no pagamento do valor de €134.675,00 (cento e trinta e quatro mil seiscentos e setenta e cinco euros) peticionado.
SENÃO VEJAMOS,
G. Efetivamente, nos termos do estabelecido no art.º 164.º, n.ºs 1 e 2 do CSC, quando, em momento posterior ao da extinção de uma sociedade comercial, e, consequentemente, uma vez desaparecido o ente societário, haja lugar à «descoberta» de ativos (bens ou direitos) por partilhar, «passa» a titularidade dessas situações jurídicas ativas para os antigos sócios da sociedade extinta.
H. Titularidade essa que, efetivamente, foi alegada e invocada, de forma exaustiva, pelo próprio Autor/Recorrente, por forma a fundamentar, em parte, a sua legitimidade ativa nos presentes autos, concretamente nos artigos 1.º a 21.º da petição inicial, enquadrando, assim, esta questão nos art.ºs 164.º e 174.º do CSC.
ORA,
I. Se é o próprio Autor/Recorrente que na sua petição inicial enquadra esta questão como um ativo superveniente à data da dissolução e encerramento da liquidação da sociedade C..., LDA. como pode, agora, alegar que em causa não está nenhum crédito, mas sim «actos de esbulho de património através da actividade penalmente punível.»?
J. Sendo que, sabe o Recorrente que já foi proferida uma decisão judicial, entretanto já transitada em julgado, que determinou como válida e eficaz a escritura de compra e venda celebrada entre as B..., LDA. e A..., S.A. relativa à fração autónoma destinada a armazém e melhor identificada no art.º 60.º da petição inicial e cujo crédito o Recorrente se arroga, agora, titular como único sócio e único gerente da sociedade liquidada e extinta C..., LDA.
COM EFEITO,
K. Sempre será de concluir que o Recorrente peticionou o pagamento da quantia de €134.675,00 (cento e trinta e quatro mil seiscentos e setenta e cinco euros) ao abrigo do disposto no art.º 164.º do CSC.
PORQUE ASSIM É,
L. A conceber-se a existência de tal direito de crédito, tal direito encontra-se prescrito, nos termos e para os efeitos do estabelecido no art.º 174.º, n.º 3 do CSC, porquanto já decorreram mais de cinco anos desde o registo de extinção da sociedade em causa, que ocorreu em 2014 e corresponde à Apresentação Ap. ....
M. Prescrição essa que, contrariamente ao alegado pelo Recorrente, foi expressamente invocada por todos os Réus nas respetivas contestações apresentadas, nomeadamente:
a. Na contestação apresentada pelo aqui Recorrido, nos artigos 10.º e 11.º.
b. Na contestação apresentada pelos Réus/Recorridos A..., S.A. e outros, nos artigos 72.º a 82.º.
N. Sendo que, teve, efetivamente, o Recorrente a oportunidade de, querendo, se pronunciar sobre tal prescrição em sede de audiência prévia, não tendo, pois, o seu o direito ao contraditório sido violado.
POR FIM,
O. A sentença proferida não se encontra ferida de nulidade, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, alíneas b), c) e d) do CPC, porquanto efetivamente cumpriu o Tribunal de 1.ª instância com todas as formalidades legalmente estabelecidas nos art.ºs 607.º e seguintes do CPC.
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir de imediato, em separado e com efeito meramente devolutivo.
No exame preliminar considerou-se nada obstar ao conhecimento do objecto do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - OBJECTO DO RECURSO
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos recorrentes, não podendo este tribunal conhecer de questões nelas não incluídas, salvo se forem de conhecimento oficioso (cf. artigos 635.º, n.º 4, 637.º, n.º 2, 1.ª parte, e 639.º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (C. P. Civil).

Assim, partindo das conclusões das alegações apresentadas pelos Apelantes, as questões a decidir no presente recurso, são as seguintes:
a) Saber se o saneador-sentença é nulo porque violação do disposto dos artigos 3.º, 3 e 195.º, 1 do C. P. Civil.
b) Saber se o saneador-sentença ao não especificar os factos provados e não provados violou o disposto nos artigos 607.º, 2, 3 e 4 e 615.º, 1, b), c) e d) do C.P.C.
c) Saber se é de revogar o saneador-sentença por ter sido invocada uma prescrição criminal e não cível, tendo o Tribunal, ilegalmente, convolado a prescrição criminal em prescrição civil, mas violando assim os artigos 303.º do C. Civil e 5.º, 3 do C.P.C.
***
III - FUNDAMENTAÇÃO
1. OS FACTOS
1.1. Os factos são os resultantes do relatório.
***
2 - OS FACTOS E O DIREITO.

- Saber se o saneador-sentença é nulo porque violação do disposto dos artigos 3.º, 3 e 195.º, 1 do C. P. Civil.
E o artº 3.º (Necessidade do pedido e da contradição) estatui.
1 - O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição.
2 - Só nos casos excecionais previstos na lei se podem tomar providências contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida.
3 - O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
4 - Às exceções deduzidas no último articulado admissível pode a parte contrária responder na audiência prévia ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final.

Antes de decidir, o juiz deve facultar às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre a matéria, com vista a evitar decisões que surjam contra a corrente do processo ou contra as expectativas que legitimamente foram criadas pelas partes quanto à sua evolução.
No entanto, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artº 5º, nº 3, do CPC).
«As partes é que conduzem o processo a seu próprio risco. Elas é que têm de deduzir e fazer valer os meios de ataque e de defesa que lhes correspondam (incluídas as provas), suportando uma decisão adversa, caso omitam algum. A negligência ou inépcia das partes redunda inevitavelmente em prejuízo delas, porque não pode ser suprida pela iniciativa e actividade do juiz. É patente a conexão deste princípio com o dispositivo» (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, p. 352).
O princípio do contraditório realiza-se, pois, em todas as fases do processo - quer ao nível dos factos, quer ao da prova, quer ao do direito propriamente dito - tendo as partes, em todos estes níveis, direito a, de modo participante e activo, influenciar a decisão, tentando convencer, em cada momento e ao longo de todo o processo, o julgador do acerto da sua posição, vide FREITAS, Lebre de (1992). “Inconstitucionalidades do Código de Processo Civil”, em Revista da Ordem dos Advogados, 1992, I, pp. 35 a 38.
Ao nível do direito, o princípio do contraditório impõe que, antes de ser proferida a decisão final, seja facultada às partes a discussão de todos os fundamentos de direito em que a ela vá assentar, sendo aquele princípio o instrumento destinado a evitar as decisões surpresa.
Com efeito, não é razoável que as partes sejam surpreendidas com uma decisão decorrente de uma qualificação e apreciação de questão nunca posta a apreciação do tribunal que foi o que o Tribunal a quo fez ao conhecer a excepção da caducidade do contrato de arrendamento, a qual nunca tinha sido posta em causa pelas partes.
A não observância do contraditório, no sentido de não se conceder às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre a questão a conhecer, na medida em que possa influir no exame ou decisão da causa, constitui uma nulidade processual, nos termos do art. 195º, que tem de ser arguida, de acordo com a regra geral prevista no art. 199º.
Na verdade, incluindo-se a violação do princípio do contraditório na cláusula geral sobre as nulidades processuais constantes do nº 1, do art.195º, não constituindo nulidade de que o tribunal conheça oficiosamente, a mesma tem-se por sanada se não for invocada pelo interessado no prazo de 10 dias após a respetiva intervenção em algum ato praticado no processo - arts 197º, nº 1 e 199º, nº 1..
A violação do princípio do contraditório, mediante a prolação de uma decisão-surpresa, constitui nulidade processual, prevista no nº 1, do art. 195º, onde se consagra que “a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreve, só produz nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”.
No que ao caso sub iudicio diz respeito é manifesto que o Tribunal a quo não prolatou qualquer decisão surpresa nem violou o contraditório, senão vejamos.
Compulsados os autos constata-se que no dia 19.03.2024 o Tribunal a quo designou audiência prévia nos seguintes termos “Para realização de uma audiência prévia com as finalidades previstas no art. 591.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), do CPC, uma vez que o cumpre conhecer as excepções dilatórias de ilegitimidade processual activa, caso julgado e incompetência absoluta, e as excepções peremptórias de prescrição, não superveniência do crédito peticionado, e autoridade de caso julgado, invocadas pelos réus, e que o tribunal pondera conhecer a excepção dilatória de ilegitimidade processual passiva da ré B..., designo o dia 15 de Abril de 2024, às 14.00 horas.
Em relação às finalidades elencadas nas alíneas d), f), e g), do n.º 1, do art. 591.º, do CPC, tem o tribunal intenção de proferir despacho escrito, pelo que dispensa a audiência prévia para tais efeitos, nos termos do art. 593.º, n.º 1, do CPC.”
Na data da realização da audiência prévia (22.04.2024) “foi dada a palavra aos ilustres mandatários das partes para se pronunciarem quanto às excepções em apreciação ao objeto do litígio e aos temas da prova, que da mesma fizeram uso.”
Decorre ainda das contestações dos RR. ter os mesmos invocaram a prescrição, nomeadamente, na contestação apresentada pelo R. BB nos artigos 10.º e 11.º e na contestação apresentada pelos Réus/Recorridos A..., S.A. e outros, nos artigos 72.º a 82.º.
Da factualidade e procedimentos adoptados pelo Tribunal a quo decorre indelevelmente que foi designada audiência prévia para apreciação das excepções, entre as quais a prescrição, foi dada a oportunidade às partes para se pronunciarem e pronunciou-se por escrito sobre as mesmas, pelo que nenhuma preterição houve do princípio do contraditório.
Acresce, contrariamente ao alegado pelo Recorrente, atenta a apreciação de fundo feita pelo Tribunal a quo sobre as excepções apreciadas nos despacho saneador, como muito bem decidiu o Tribunal a quo no despacho de indeferimento da reclamação ao saneador de 05.11.2024 “O âmbito processual de uma reclamação restringe-se à identificação do objecto do litígio e à enunciação dos temas de prova, nos termos do art. 596.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, e não abrange o questionamento sobre o conhecimento total ou parcial do mérito da causa no despacho saneador.
O meio processual idóneo a impugnar tal decisão de mérito é o recurso para uma instância superior, nos termos do art. 644.º, n.º 1, alínea b), do CPC.”.
E, de acordo com idêntica orientação “se a nulidade está coberta por uma decisão judicial que ordenou, autorizou ou sancionou, expressa ou implicitamente, a prática de qualquer acto que a lei impõe, o meio próprio para a arguir não é a simples reclamação, mas o recurso competente a interpor e a tramitar como qualquer outro do mesmo tipo. Trata-se em suma da consagração do brocardo: «dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se», vide Manuel de Andrade ” Noções Elementares de Processo Civil”, 1979, pág. 183.
E “se entretanto, o acto afectado de nulidade for coberto por qualquer decisão judicial, o meio próprio de o impugnar deixará de ser a reclamação (para o próprio juiz) e passará a ser o recurso da decisão”, enquanto o segundo refere que “tradicionalmente entende-se que a arguição da nulidade só é admissível quando a infracção processual não está, ainda que indirecta ou implicitamente, coberta por qualquer despacho judicial; se há um despacho que pressuponha o acto viciado, diz-se, o meio próprio para reagir contra a ilegalidade cometida, não é a arguição ou reclamação por nulidade, mas a impugnação do respectivo despacho pela interposição do competente recurso (…)”, vide Antunes Varela e Anselmo de Castro Direito Processual Civil Declaratório”, vol. III, 1982, pág. 134. .
Ou seja, é manifesto que o Sr. Juiz cumpriu o princípio do contraditório e que as partes puderam pronunciar-se sobre as excepções, conforme acima referido, inexistindo qualquer nulidade por preterição do princípio do contraditório.
Assim sendo, improcede o recurso nesta parte.
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- Saber se o saneador-sentença ao não especificar os factos provados e não provados violou o disposto nos artigos 607.º, 2, 3 e 4 e 615.º, 1, b), c) e d) do C.P.C.
Conhecendo:
Dispõe o artº Artigo 607:

2 - A sentença começa por identificar as partes e o objeto do litígio, enunciando, de seguida, as questões que ao tribunal cumpre solucionar.
3 - Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.

Por sua vez dispõe o artº 615º, nº 1 do CPC - Causas de nulidade da sentença -
“É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido”. 1 - É nula a sentença quando:
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
Tal como o n.º 1 do artigo 668.º do anterior diploma, também o n.º 1 do artigo 615.º do actual Código de Processo Civil contém uma enumeração taxativa das causas de nulidade da sentença, nelas não se inserindo o designado erro de julgamento, que apenas pode ser atacado por via de recurso, quando o mesmo for legalmente admissível.

Quanto à alínea b) do citado preceito é incontroverso, na nossa doutrina – Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2.ª Edição, pág. 687 – e também na jurisprudência - ver por exemplo Acs. do STJ de 03-03-2021, proc. 844/18.7T8NV.E1.S1 e de 18-02-2021, proc. 1695/17.1T8PDL-A.L2.S1; Ac. do TRC de 13-12-2022, proc. 98/17.2T8SRT.C1, todos acessíveis na base de dados de jurisprudência do IGFEJ –, que só a falta absoluta de fundamentação – e não apenas a fundamentação deficiente, incompleta ou não convincente – gera a nulidade da sentença.
A fundamentação deficiente, medíocre ou errada afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
No caso sub iudicio, pese o juiz não ter colocado os factos de forma destacada, certo é que o mesmo fez apelo aos factos que considerou relevantes para apreciação da exepção da prescrição, pelo que se te de considerar a fundamentação como suficiente para a mesma ser compreensível e compreendida pelas partes, aliás, como decorre das extensas alegações do Recorrente.
Com efeito, fazendo apelo à decisão recorrida constata-se que a mesma é clara em referir quanto à ilegitimidade da ré “B..., Unipessoal, Lda, a mesma fundamenta da seguinte forma “A legitimidade processual exprime-se pelo interesse em demandar e em contradizer, sendo este determinado pelo prejuízo que advenha ao réu da procedência da acção. É o corolário retirado do art. 30.º, do CPC, que no seu n.º 3 especifica que na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida tal como é configurada pelo autor.
Compulsada a petição inicial constata-se que o autor não formula qualquer pedido contra esta ré, pelo que nenhum prejuízo lhe pode advir com a procedência da acção.”
Ou seja, é compreensível e suficiente a fundamentação para a decisão.
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Relativamente à questão da prescrição
A decisão recorrida possui um mínimo de fundamentação de facto – ainda que não mediante a enumeração de factos provados – e jurídica para a decisão tomada.
A propósito, atente-se a referência feita à factualidade alegada pelo Autor na petição inicial quanto ao facto do autor ser o único sócio da sociedade C..., Lda., já extinta após dissolução e liquidação administrativa (artº 11º, 12º e 14º).
A referência quanto aos artº 60º e 62º, 65º e 119º, 100º e 110 (relativa à inscrição da propriedade da fracção e venda efectuada pelo R. EE e cessão de quotas pelo autor).
A referência aos artº 120º a 122º e 125º, (arts. 67.º, 69.º, 70.º, 73.º, 137.º, 138.º, 139.º, 173.º, 188º, 189.º, 193.º, 197.º, e 200.º, 71º (celebração concertada do contrato contra a vontade real dos declarantes e venda mediante inserção astuciosa de uma cláusula de reserva de propriedade, reversão para a A... e venda autónoma a terceiro).
A subsunção jurídica das várias relações jurídicas possíveis, tendo concluído que “em todas as configurações jurídicas plausíveis da causa de pedir, o autor tem legitimidade para exigir o crédito enquanto único sócio da extinta sociedade C..., nos termos do art. 164.º, n.º 2, do CSC.”.
De seguida decisão recorrida enumerou os factos sob as alíneas a), b), e c) os factos que considerou relevantes efetuou a subsunção do direito e considerou ser de:
“A) Absolver os réus A..., S.A., FF, EE, e CC do pedido;
B) Absolver o réu BB do pedido de condenação no pagamento de cento e trinta e quatro mil seiscentos e setenta e cinco euros (€134.675,00), acrescidos de juros vincendos desde a citação, até integral pagamento.”
Serve o exposto para dizer que não sendo um exemplo de boa fundamentação, há uma fundamentação mínima/suficiente que não se coaduna com a nulidade por falta de fundamentação, sendo que aqui mais uma vez o Autor/recorrente compreendeu perfeitamente a decisão recorrida, como bem decorre das extensas alegações apresentadas.
Assim sendo, improcede a nulidade com base na alínea b) do artº 615º do CPC.
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Relativamente à alínea c) do nº 1, do artº 615º, do CPC
Sobre esta nulidade cabe dizer que “entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença.
Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correcta, a nulidade verifica-se”, vide Lebre de Freitas, In “Código de Processo Civil Anotado”, volº 2, Coimbra, 2001, pág. 670.
Face ao acima exposto, temos de considerar que quando o tribunal considere que os factos provados consubstanciam determinada solução jurídica, decorrente da sua fundamentação, ter-se-á de considerar estarmos perante erro de julgamento e não uma questão geradora de nulidade.
É pacífico na jurisprudência que a nulidade só se verifica quando os fundamentos indicados pelo juiz deveriam conduzir logicamente a um resultado oposto ao que se contém na sentença.
Analisado o saneador/sentença, não se vislumbra qualquer oposição entre a decisão e os seus fundamentos, porquanto os fundamentos da sentença não se encontram em oposição com a decisão, face à forma como se abordou os factos e a decisão.
Atente-se que a decisão recorrida subsumiu a conduta ao artº 174, nº 3 e 163º e 164º do CSC, desenvolveu as razões porque subsumia os factos em causa a tais preceitos e daí concluiu encontrar-se prescrito o crédito peticionado de €134.675,00, absolvendo os réus A..., S.A., FF, EE, e CC e BB do pedido de tal pedido.
Em suma, não existe qualquer oposição entre os factos que considerou relevantes para aferir a prescrição e declaração desta, pelo que improcede a nulidade com base na alínea c), nº 1, do artº 615º do CPC.
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Relativamente à alínea d) do nº 1, do artº 615º, do CPC - O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento –
O Autor/recorrente alega que a causa de pedir assenta numa actividade dos RR. qualificada penalmente como o crime de burla qualificada na forma continuada, nos termos dos art.ºs 217.º, 1 a 218.º, 1, 2, a), c) e d), 26.º; 28.º; 30.º e 14.º do C. Penal e que só os créditos resultantes das relações de troca de bens e serviços é que estão sujeitas ao disposto no artigo 174.º, n.º 3 do C.S.C..

Desde já se diga que a questão em apreço não tem a ver com o facto do juiz ter deixado de se pronunciar ou tenha havido excesso de pronúncia, mas antes por ter sido prematuro o julgamento da excepção da prescrição em causa (quer no sentido da procedência ou da improcedência), uma vez que o seu conhecimento depende do apuramento de factos que ainda são controvertidos, face ao alegado pelas partes nos respetivos articulados.
É pacífico na jurisprudência que estando em causa factos criminais o prazo mais longo previsto no n.º 3 do art. 498.º do CC não pressupõe uma efectiva responsabilidade criminal do agente infrator, bastando alegação bastante de factos que possam ser qualificados como crime, vide Ac STJ, de 04/07/2023, processo nº 14654/21.0T8SNT.L1.S1, Relator Jorge Dias, in www.dgsi.pt.
“Nos termos do n.º 3, do artigo 498º, se o facto ilícito constituir crime e o respetivo procedimento penal estiver sujeito a um prazo prescricional mais longo do que o prazo (de três anos) consagrado nº 1, esse será também o prazo prescricional aplicável à própria responsabilidade civil, bastando, para tanto, que os factos alegados pelos Autores, na petição inicial, sejam susceptíveis, em abstrato, de integrarem os elementos objetivos e subjetivos típicos de um determinado ilícito penal.
Alegando os Autores, ao formularem pedido indemnizatório junto da instância cível, factualidade suscetível de, em abstrato, preencher os elementos objetivos e subjetivos típicos de determinado tipo legal de crime, provados se mostrando esses factos, beneficiam os mesmos do prazo prescricional alargado fixado pela lei penal para esse crime (mesmo sem necessidade de efetiva instauração de procedimento criminal)”, vide Ac do TRP, de 19.02.2024, processo 1172/21.6T8PNF-B.P1, Relator Eugénia Cunha, in www.dgsi.pt.
Não sendo de exigir, para que se aplique o prazo mais longo de prescrição, que tenha existido prévio procedimento criminal contra o lesante ou condenação penal, assim como não impede a aplicação desse prazo a circunstância de o procedimento criminal ter sido arquivado, de o crime ter sido amnistiado ou de não ter sido exercido tempestivamente o direito de queixa…”, vide Gabriela Páris Fernandes, em anotação ao artigo 498º, Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das obrigações em geral, Universidade Católica Portuguesa, pág. 379.
Por sua vez o artº 174º, nº 5, do Código das Sociedades Comerciais estatui se o facto ilícito de que resulta a obrigação constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, será este o prazo aplicável.
No que ao caso sub iudicio diz respeito constata-se que o Autor invocou nos artigos 204 a 209 da petição que os factos que alegou nos artigos 5 a 72 são actos meramente formais, aparentemente lícitos, mas que mais não são que actos instrumentais de actividade delituosa descrita nos artigos 73 a 203 da petição.
Por isso, essa actividade, na qual o Autor fundou o seu pedido, releva nos domínios dos artigos 217.º,1, 218.º2, a), b) e c), com referência ao artigo 202.º, b), e, ainda, os artigos 30.º, 2; 14.º e 129.º do C. Penal, e artigos 562.º e seguintes do C. Civil.
Ora, imputando o Autor aos RR. a prática do crime de burla qualificada do 218.º, 2, a) e d), do C. Penal, sob a forma dolosa e em co-autoria (artº 14º e 26º do C. Penal), significa, nos termos do artº 118º, nº 1, b) do C. Penal que o prazo prescricional é de dez anos, dado o crime ser punível com pena de prisão cujo limite máximo é superior a cinco anos.
A acção foi intentada em 10.10.2023, o motivo invocado para a prescrição pelo Tribunal recorrido ocorreu em 07 de Abril de 2014, pelo que se tem de considerar que aquando da propositura da acção não tinha ocorrido o prazo de prescrição de 10 anos previsto no artº .118º, nº 1, b), do C. Penal.
Assim, considera-se ser de revogar a decisão recorrida nesta parte, devendo ser relegado para momento posterior- sentença – o conhecimento e pronúncia sobre a alegada prescrição, sendo que os factos susceptíveis de apreciação da contagem da prescrição podem nem sequer corresponder àquele que a decisão recorrida considerou, mas tal deve ser apreciado a final em sede de sentença.
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Atento o exposto, é de conceder parcial provimento ao recurso, revogando parcialmente a decisão recorrida, relegando para sentença final o conhecimento da excepção peremptória da prescrição e que levou à absolvição dos RR. A..., S.A., FF, EE, e CC e BB.
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IV. – Dispositivo
Pelo exposto, acordam os Juízes que integram a 3ª secção deste Tribunal da Relação do Porto em:
a) Em conceder parcial provimento ao recurso da Autora/Apelante, revogando parcialmente o saneador/sentença, relegando para sentença final o conhecimento da excepção peremptória da prescrição e que levou à absolvição dos RR. A..., S.A., FF, EE, e CC e BB.

Custas pela A/Apelante e RR. que apresentaram alegações na proporção, respectivamente, de 2/10 e 8/10 – artigo 527º do Código de Processo Civil.
Notifique.

Porto, 26 de Junho de 2025.
Álvaro Monteiro
Ana Vieira
Carlos Cunha Rodrigues Carvalho