Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4423/20.0T8MTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARTUR DIONÍSIO OLIVEIRA
Descritores: INTERESSE CONTRATUAL NEGATIVO
INDEMNIZAÇÃO
CLÁUSULA PENAL
Nº do Documento: RP202312194423/20.0T8MTS.P1
Data do Acordão: 12/19/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – A indemnização pelo interesse contratual negativo diz respeito aos prejuízos sofridos pelo facto de se ter celebrado o contrato e visa colocar o contraente adimplente na situação em que estaria se não tivesse celebrado o contrato; a indemnização pelo interesse contratual positivo diz respeito aos prejuízos sofridos pelo facto de o contrato não ter sido cumprido e visa colocar o referido contraente na situação em que estaria se o contrato tivesse sido cumprido.
II – Revela-se falacioso classificar uma cláusula penal como estipulando uma indemnização pelo interesse contratual negativo ou pelo interesse contratual positivo, para daí concluir se a mesma é totalmente devida ou indevida; perante um pedido indemnizatório baseado numa cláusula penal, o que se impõe ao tribunal é apurar se essa cláusula pode ser accionada e, no caso afirmativo, se existe alguma razão para reduzir o valor indemnizatório nela estipulado, sendo nesta sede que relevam aquelas categorias dogmáticas.
III – Porque a redução da cláusula penal prevista no artigo 812.º do CC limita a autonomia privada e a liberdade contratual, o juiz apenas poderá determinar essa redução equitativa se a mesma for solicitada pela parte e apenas quando reconhecer que a cláusula é “manifestamente excessiva”, ou seja, quando a mesma se revele substancial e ostensivamente desproporcionada, em face das circunstâncias concretas; fora destas situações, a redução da cláusula penal anularia a função e a razão de ser da cláusula penal.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 4423/20.0T8MTS.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
A..., Lda., com sede na Avenida ..., ..., intentou a presente acção declarativa comum contra B.... Unipessoal, Lda., com sede na Av. ..., ..., r/c, ... Matosinhos, e AA, residente na Av. ..., n.º ..., 1.º d.to, ... Matosinhos.
Alegou, em essência, os termos do contrato de fornecimento de café e publicidade que celebrou com a 1.ª ré, no qual o 2.º réu também interveio como fiador, o incumprimento desse contrato por parte da 1.ª ré, a sua resolução pela autora e os direitos que a esta assistem por força dos referidos incumprimento e resolução contatuais.
Terminou pedindo a condenação solidária dos réus a pagar à autora;
- Uma indemnização por incumprimento contratual no valor de 16.508,80 €;
- Juros de mora vencidos e vincendos sobre a quantia em dívida; e
- A quantia de 3.166,76 € referente ao valor do mútuo que concedeu à 1.ª ré e que não foi reembolsado.
Pediu ainda a condenação da 1.ª ré a devolver-lhe três chapéus de sol 3x3, três mesas …, doze cadeiras ..., uma máquina de café ..., um moinho ..., um depurador, uma máquina de lavar, um luminoso ..., uma tela com ilhoses, uma estritura em inox para guarda sol e lona grafivinil.
Os réus apresentaram contestação onde, para além de impugnarem parcialmente a alegação da autora, invocaram a excepção do não cumprimento do contrato, o enriquecimento sem causa e o pagamento parcial, concluindo pela total improcedência dos pedidos deduzidos pela autora.
Mediante convite do Tribunal a quo, a autora apresentou articulado de resposta à matéria de excepção invocada pelos réus, pugnando pela improcedência de todas as excepções invocadas.
Dispensada a realização da audiência prévia e saneado o processo (com dispensa da prolação de despacho a identificar o objecto do litígio e a enunciar os temas da prova), veio a realizar-se audiência de julgamento, na sequência da qual foi proferida sentença, que termina com o seguinte dispositivo:
«Face ao exposto julgo a presente ação integralmente procedente por provada e, por via disso:
1 – Condeno solidariamente os Réus:
a) a pagarem à Autora, a quantia de €16.508,80 (dezasseis mil quinhentos e oito euros e oitenta cêntimos), acrescida de juros de mora às taxas legais previstas na Portaria nº 277/2013, de 26/08, e ulteriores avisos da DGTF, desde 11/10/2019, até efetivo e integral pagamento e
b) a pagarem à Autora a quantia de €3.166,78.
2 – Condeno a primeira Ré a devolver imediatamente à Autora os três chapéus de sol 3x3, três mesas …, doze cadeiras ..., uma máquina de café ..., um moinho ..., um depurador, uma máquina de lavar, um luminoso ..., uma tela com ilhoses, uma estrutura em inox para guarda sol e lona grafivinil, cujo uso esta lhe cedeu.
*
Custas pelos Réus, na proporção de 90% solidariamente por ambos os Réus e 10%
pela primeira Ré.
*
Registe e notifique».
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Inconformados, os réus apelaram da sentença, formulando as seguintes conclusões:
«A – Vem o presente recurso interposto da douta sentença que condenou, solidariamente, os ora Apelantes, a pagar à Autora a quantia de € 16.508,80, acrescida de juros de mora desde 11/10/2019 até efectivo e integral pagamento, a quantia de € 3.166,78 e a devolver o equipamento ali referido e que aquela lhes cedeu e com a qual não se conforma.
B – Os Apelantes discordam da fundamentação de direito explanada na douta sentença para fundamentar a decisão de condenar os Réus ao pagamento da indemnização no valor de € 16.508,80.
C – Os Apelante entendem que a Autora não tem, nem tinha, o direito de exigir dos Réu o pagamento de qualquer indemnização e, muito menos, uma no valor de € 16.508,80.
D – A quantia de € 16.508,80 não é devida.
E – E ainda que assim se não entendesse e sem conceder, uma indemnização no valor de € 16.508,80 é e seria sempre excessiva e,
F – A exigência e a subsequente condenação dos Réus ao pagamento de uma indemnização no valor de € 16.508,80 constituiu flagrante enriquecimento sem causa da Autora à custa dos Réus.
G – A Autora está a pedir que os Réus lhe paguem um café que nunca lhes foi entregue pelo que está a locupletar-se, injustamente, à custa dos Réus.
H – O Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11 de Fevereiro de 2020, no Processo 16093/16.6T8PRT-A.P1, in http://www.dgsi.pt, que a propósito da resolução de um contrato em tudo similar ao presente, refere:
“Temos, assim, a equiparação quanto aos efeitos, à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico. E como é sabido, “a nulidade impede a produção de efeitos e a anulação faz cessar a produção de efeitos jurídicos” cfr. Castro Mendes, in “teoria Geral do Direito Civil”, AAFDL, II, pág. 440.
“Na verdade, em caso de resolução contratual, a posição clássica e largamente dominante, é a de que a tutela se resume ao interesse contratual negativo, ou seja, ao prejuízo que o credor não teria se o contrato não tivesse sido celebrado, cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, Vol. II, pág. 58; Antunes Varela, in “Direito das Obrigações em Geral”, Vol. II, pág. 109; Almeida Costa, in “Direito das Obrigações”, pág. 1045; António Pinto Monteiro, in “Cláusula Penal e Indemnização”, pág.693; Menezes Leitão, in “Direito das Obrigações”, Vol. II, pág. 267. Igualmente na jurisprudência esta posição é a dominante.
“E assim sendo, por regra, a indemnização fundada no não cumprimento definitivo, que se cumula com a resolução, respeita apenas ao chamado interesse contratual negativo ou indemnização do dano de confiança, visando colocar o credor prejudicado na situação em que estaria se não tivesse sido celebrado o contrato, e não naquela em que se acharia se o contrato tivesse sido cumprido, ou em situação aparentada, como resulta da cl.ª 6ª do contrato em apreço.
“Pelo que a Doutrina e a Jurisprudência dominantes defendem a incompatibilidade de cumulação entre a resolução do contrato e a indemnização correspondente ao interesse contratual positivo, sobretudo com fundamento no efeito retroactivo da resolução e da incoerência da posição do credor, ao pretender, depois de ter optado por extinguir o contrato por resolução, basear-se nele para obter uma indemnização, correspondente a interesse do seu cumprimento.
“Em suma, concluímos que, salvo casos muito excepcionais atendendo a especiais interesses em jogo, em regra, a indemnização fundada no não cumprimento definitivo, que se cumula com a resolução, respeita apenas ao chamado interesse contratual negativo ou de confiança, visando colocar o credor prejudicado na situação em que estaria se não tivesse sido celebrado o contrato, e não naquele em que estaria se o contrato tivesse sido cumprido.”
I - No que ao caso presente concerne e, designadamente, com fundamento nas posições doutrinal e Jurisprudências dominantes de que o credor só tem direito a ser colocado na posição em que estaria se não tivesse resolvido o contrato, a Autora, aqui Apelada, não tinha o direito de exigir aos Réus o pagamento de uma indemnização no valor de € 16.508,80, acrescida de juros.
J – A Autora só teria o direito a exigir e a receber dos Réus, aqui Apelantes, o pagamento do montante de € 3.166,78 e a devolução dos equipamentos já referidos no ponto 2 da sentença proferida.
K – Ao condenar os Réu ao pagamento de uma indemnização no valor de € 16.508,80, acrescida de juros, o Tribunal errou e violou o disposto nos artº 801º, nº 2, do Código Civil, no entendimento dominante da Doutrina e Jurisprudência que dele resulta.
Mas ainda que assim se não entendesse e sem prescindir
L - Ainda que os Réus viessem a ser condenados no pagamento de uma indemnização à Autora, o respectivo valor não poderia ser € 16.508,80, acrescida de juros, como foi.
M - Como douta e exemplarmente decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Outubro de 2013 e referido no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 25/02/2021, proferido no Processo 532/19.9T8VRS.E1, in http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/: “Nos termos do artigo 811º do CC o credor não pode exigir cumulativamente, com base no contrato, o cumprimento coercivo da obrigação principal e o pagamento da cláusula penal … nem pode em caso algum exigir uma indemnização que exceda o valor do prejuízo resultante do incumprimento da obrigação principal. (negrito e sublinhado nossos)
“No caso presente, a A. veio exigir o valor da litragem de cerveja não consumida e a que o R. se obrigara (74.766 litros).
“Ao Tribunal da Relação afigurou-se e bem que a dita cláusula penal na parte em que refere a indemnização, pelo incumprimento, seja igual ao valor das bebidas não adquiridas é manifestamente abusiva na medida em que tal valor os ganhos ou proventos que a A. teria com a venda dessas bebidas, mas também as despesas que resultariam desse fornecimento.
“Ora, de acordo com os artigos 563º e 564º do CC, a obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.
“Os danos da A. reconduzem-se tão-somente aos lucros que esta retiraria se as ditas bebidas tivessem sido vendidas ao R.”
N – Também como bem refere o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 25/02/2021, proferido no Processo 532/19.9T8VRS.E1, in http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/ , já referido: “Ao pretender receber tudo como se o contrato tivesse sido cumprido, sem que a sua prestação tenha sido realizada (a recorrida não entregou mais café que os 134 kg), o credor enriquece à custa do devedor, destruindo qualquer equilíbrio de prestações entre as partes.
“Não que o incumprimento seja isento de responsabilidade, longe disso. O que cremos é que vai muito mais além do devido exigir a totalidade da prestação quando mão há contraprestação integral. O artigo 801º, a propósito da impossibilidade culposa do cumprimento, não deixa de ter em conta o valor da paridade entre as prestações ao estabelecer que o credor pode resolver o contrato ”e, se já tiver realizado a sua prestação, exigir a restituição dela por inteiro”; e o mesmo se passa no caso da impossibilidade não culposa, nos termos do artigo 795º, nº 1. É este princípio de equilíbrio, notório nestes preceitos legais, que não vemos que a cláusula em questão (e perante a dimensão do incumprimento) respeite.
“Perante os factos expostos, entendemos, e no seguimento do pedido pelo recorrente nas suas alegações, que a cláusula penal deve ser reduzida em 50%.”
O – Assim, sem prescindir, o valor máximo de indemnização em que os Réus poderiam ter sido condenados seria o de € 16.508,80 : 2 = € 8.251,40, o que igualmente não se concede.
P – Nos termos do acima alegado deve a douta sentença recorrida, ser substituída por outra que condene os Réus, aqui Apelantes, unicamente ao pagamento da quantia de € 3.166,78 e à devolução dos equipamentos já referidos no ponto 2 da sentença recorrida.
Q – A sentença recorrida deu cobertura e acolhimento a um flagrante abuso de direito.
R - A sentença recorrida deu cobertura e acolhimento a um flagrante caso de enriquecimento sem causa.
S – Ainda que se entendesse, o que não se concede, que Autora teria o direito a exigir e a receber dos Réus, aqui Apelantes, o pagamento de um montante superior a € 3.166,78, o valor resultante da forma de cálculo da cláusula penal contratualmente estabelecida é manifestamente excessivo.
T – E sempre deveria ser reduzida a 50%, como decidiram o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Outubro de 2013, o Acórdão da Relação do Porto de 21 de Fevereiro de 2018 e o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 25/02/2021, proferido no Processo 532/19.9T8VRS.E1».
A autora não respondeu à alegação dos recorrentes.
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II. Objecto do Recurso
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, como decorre do disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º do CPC, não podendo o Tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (cfr. artigo 608.º, n.º 2, do CPC). Não obstante, o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do citado diploma legal).
As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pelos recorrentes, consistem em saber se, para além do pagamento da quantia e da devolução dos bens referidos nos pontos 2 e 3 do dispositivo da decisão recorrida, é devida à autora uma indemnização por danos e, no caso afirmativo, se o valor de 16.508,80 € deve ser reduzido para metade.
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III. Fundamentação
A. Factos Provados
São os seguintes os factos julgados provados pelo tribunal de primeira instância:
1 - A Autora dedica-se à comercialização dos cafés e sucedâneos da marca ....
2 - Entre Junho de 2016 e Outubro de 2017, primeira Ré explorava um estabelecimento comercial denominado “Restaurante C...”, sito na Av. ..., ..., R/c, em Matosinhos.
3 - Em 21 de Junho de 2016, a Autora e os Réus fizeram um acordo, que reduziram a escrito, que denominaram de «contrato», através do qual a primeira Ré se obrigou a comprar em exclusivo à Autora o café consumido no seu estabelecimento - cfr. doc. nº 1, junto com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
4 - Acordo escrito este subscrito pela primeira Ré e também pelo 2º Réu que o subscreveu na qualidade de fiador, declarando-se solidariamente responsável perante a aqui Autora pelo pagamento de qualquer quantia que a primeira Ré viesse a dever àquela.
5 - A Autora comprometeu-se a fornecer e a primeira Ré a adquirir café Lote ..., enquanto durasse o acordo, numa quantidade média mensal de 15 Kg, até perfazer 900 Kg totais.
6 - Como contrapartida da exclusividade e da publicidade, e em cumprimento do estipulado na cláusula primeira, nº 1, desse acordo, a Autora, no dia 21/06/2016 entregou à primeira Ré a quantia de €7 000,00, por meio de cheque, a título de desconto especial antecipado.
7 – Em cumprimento da cláusula 1ª, nº 6 desse acordo, na mesma data a Autora entregou à primeira Ré a quantia de €8.000,00, destinada à modernização das instalações do estabelecimento e melhoria das condições de venda ao público de cafés, quantia que a Ré declarou obrigar-se a restituir em 47 (quarenta e sete) prestações mensais e sucessivas sendo 46 (quarenta e seis) no valor de € 166,66, e a última no valor € 166,98, com início a 20/07/2016.
8 – Nesse acordo a Autora obrigou-se a ceder à primeira Ré, e efetivamente cedeu, o uso de três chapéus de sol 3x3, três mesas …, doze cadeiras ..., uma máquina de café ..., um moinho ..., um depurador, uma máquina de lavar, um luminoso ..., uma tela com ilhoses, uma estrutura em inox para guarda sol e lona grafivinil, no valor de €2.450,72, acrescido de IVA.
9 - As partes acordaram que essa cedência do uso do equipamento perduraria enquanto a Ré consumisse, em exclusivo os cafés da marca ... comercializados pela Autora.
10 - Na clausula sexta, nºs 3 e 4, do referido acordo foi estabelecido que em caso de resolução fundada no incumprimento das obrigações da aqui segunda Ré, a aqui Autora teria direito a indemnização no valor de €24,64 por cada quilo de café não adquirido, relativamente à quantidade total referida em 5 e a aqui segunda Ré teria que restituir à Autora, no prazo de 10 dias os bens referidos em 7.
11 - Em Novembro de 2017, a primeira Ré deixou de consumir café da marca ..., Lote ..., e de comprar café à Autora.
12 - De Junho de 2016 a Novembro de 2017 a primeira Ré adquiriu à Autora 230 kgs de café.
13 - A Autora interpelou os Réus, pessoalmente, várias vezes para proceder ao pagamento.
14 - A Autora enviou à primeira Ré, com data de 25 de Setembro de 2019, carta registada com aviso de receção a qual tinha como assunto: Resolução do contrato realizado em 21 de Junho de 2016, notificando-a para, no prazo de dez dias, proceder:
- à devolução da quantia de €3 166,76 referente ao empréstimo concedido;
- ao pagamento de indemnização no valor de €16 508,80 referente à quantidade de café não adquirido, à razão de €24,64/kilo.
- à entrega de todo o equipamento cedido.
15 - A primeira Ré não procedeu à devolução do equipamento referido em 8.
16 - Dos €8.000,00 referidos em 7 a primeira Ré não restituiu à Autora a quantia de €3166,76.
17 - A primeira Ré, entre junho de 2016 e novembro de 2017 adquiriu café noutros locais.
18 - Após novembro de 2017 a Autora não mais foi ao estabelecimento da primeira Ré.
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B. Factos Não Provados
O tribunal recorrido julgou não provados os seguintes factos:
a) O equipamento descrito em 8 tem o valor de €2 450,72.
b) Para além do referido em 14 dos factos provados, a Autora interpelou os Réus, por carta, várias vezes para procederem ao pagamento.
c) A Autora não entregou atempadamente a quantidade de café que se tinha obrigado a entregar mensalmente, o que obrigou a primeira Ré a procurar abastecer-se de café noutro locais para colmatar a falta ainda que temporária de café.
d) O preço do café vendido à primeira Ré tinha um preço muito superior ao da venda em condições normais.
e) O preço do quilo de café vendido pela Autora à primeira Ré foi aumentado em €7,77.
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C. O Direito
Os apelantes não impugnaram a decisão recorrida na parte em que considerou incumprido o contrato celebrado entre as partes e julgou válida a resolução do mesmo com fundamento naquele incumprimento, nem questionaram a qualificação jurídica do aludido contrato ali preconizada.
Aceitaram, igualmente, a sua condenação a pagar à apelada a quantia de 3.166,78 €, correspondente à parte do empréstimo que esta lhes concedeu e que ainda não foi restituída, bem como a sua condenação a devolver à mesma apelada o equipamento que esta lhes entregou em execução do contrato de fornecimento de café com exclusividade que celebraram.
Os recorrentes questionaram apenas a sua condenação a pagar à recorrida uma indemnização no valor de 16.508,80 €, acrescida de juros de mora, por considerar que a mesma corresponde a uma indemnização pelo interesse contatual positivo, incompatível com a resolução do contrato, a qual apenas pode ser cumulada com uma indemnização pelo interesse contatual negativo, o que, no caso, corresponde ao pagamento do montante de € 3.166,78 e à devolução dos equipamentos referidos no ponto 2 dos factos provados, nada mais sendo devido.
Mais argumentam os recorrentes que, ainda que se considere devida uma indemnização por danos, o valor acordado a título de cláusula penal mostra-se excessivo, constituindo flagrante enriquecimento sem causa da recorrida à custa dos recorrentes, pois traduz-se no pagamento do café que nunca lhes foi fornecido e, portanto, numa indemnização que excede o valor do prejuízo resultante do incumprimento, pelo que a mesma sempre deveria ser reduzida a metade.
Nestes termos, importa analisar cada um dos dois argumentos assim esgrimidos.
1. O direito de resolução, regulado nos artigos 432.º e seguintes do Código Civil (CC), é um direito potestativo extintivo, dependente de um fundamento legal ou convencional. Assim, a resolução do contrato nunca é ad nutum, só se considerando legítima se estiver demonstrado o fundamento erigido na lei ou no acordo das partes como causa dessa resolução. Dito de outro modo, a resolução tem de ser consequência da violação do programa negocial.
Nos termos dos artigos 798.º e 801.º do CC, o incumprimento culposo, que Menezes Leitão (Direito das Obrigações, vol. II, p. 223 e ss.) descreve, por contraposição com a definição de cumprimento consagrada no artigo 762.º, n.º 1, do CC, como «a não realização da prestação devida, por causa imputável ao devedor, sem que se verifique qualquer causa de extinção da obrigação», confere ao credor o direito à resolução do contrato – sem prejuízo do direito à indemnização –, presumindo-se a culpa do devedor inadimplente, nos termos do artigo 799.º do CC.
Ao contrário do que sucede com as invalidades resultantes dos vícios genéticos ou de formação do acto ou contrato (como a nulidade e a anulabilidade), a resolução (tal como a revogação e a denúncia) deixa incólume a validade deste e aponta directamente para a relação contratual. Não obstante, na falta de disposição especial, o artigo 433.º do CC equipara-a, quanto aos seus efeitos, à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico, com ressalva do disposto nos artigos 434.º e 435.º do mesmo código.
Assim, como escreve Antunes Varela (Das Obrigações em Geral, Vol. II, 6.ª ed., p. 273), a «resolução é a destruição da relação contratual, operada por um dos contraentes, com base num facto posterior à celebração do contrato», que goza, por regra, de eficácia retroactiva (cfr. artigo 289.º do CC), salvo se a retroactividade contrariar a vontade das partes ou a finalidade da resolução (cfr. artigo 434.º, n.º 1, do CC). Nas palavras de Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, vol. I. 4.ª ed., Coimbra 1987, p. 410), «[a] retroactividade da resolução presume-se querida pelos contraentes; mas não é imposta por lei. Portanto, se outra vontade resulta do contrato ou se a retroactividade se não harmoniza com a finalidade da resolução, a solução será outra».
Nos contratos de execução continuada ou periódica, a resolução não abrange as prestações já efectuadas, excepto se entre estas e a causa da resolução existir um vínculo que legitime a resolução de todas elas. É nesta categoria que se enquadra o contrato em discussão nestes autos. Como escreve Antunes Varela (cit., pp. 93 a 95), «as prestações podem ser instantâneas, fraccionadas ou repartidas e duradouras. (…) Nestas (…), a prestação protela-se no tempo, tendo a duração temporal da relação creditória influência decisiva na conformação global da prestação. Chama-se-lhes, por isso, obrigações duradouras, distinguindo os autores duas modalidades dentro delas: umas, prestações de execução continuada, são aquelas cujo cumprimento se prolonga ininterruptamente no tempo (quotidie et singulis momentis debetur); outras, as prestações reiteradas, periódicas ou com trato sucessivo, são as que se renovam, em prestações singulares sucessivas, por via de regra ao fim de períodos consecutivos. (…) Não se confundem com as obrigações duradouras as obrigações fraccionadas ou repartidas, dizem-se fraccionadas ou repartidas as obrigações cujo cumprimento se protela no tempo, através de sucessivas prestações instantâneas, mas em que o objecto da prestação está previamente fixado, sem dependência da duração da relação contratual (preço pago a prestações; fornecimento de certa quantidade de mercadorias ou de géneros a efectuar em várias partidas)».
Em suma, com as apontadas ressalvas, a resolução implica a restituição de tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, do valor correspondente, sem prejuízo de indemnização nos termos gerais, desde que verificados os respectivos requisitos.
No presente caso, afigura-se evidente que a condenação dos réus a pagar à autora a quantia de 3.166,76 €, correspondente à parte do montante que esta lhes emprestou e que, se o contrato não tivesse sido resolvido, apenas teria de ser devolvida em 48 prestações mensais (e não 47 como, por manifesto lapso, ficou a constar do ponto 7 dos factos provados, sendo 47 no valor de 166,66 € e a última no valor de 166,98 €), que se venceriam até Junho de 2020, é uma decorrência directa da obrigação, prevista no artigo 289.º do CC, de restituição do que foi prestado.
É ainda mais evidente que também a condenação da 1.ª ré a devolver à autora os equipamentos que esta lhe entregou ao abrigo do contrato que celebraram se enquadra na referida obrigação de restituição decorrente da resolução do contrato (a qual apenas não abrange, nos termos expostos, o café fornecido entre Junho de 2016 e Novembro de 2017 e o correspondente preço).
Nestes termos, a obrigação de restituição do dinheiro e dos bens móveis referidos nos pontos 2 e 3 da decisão condenatória – que, recorde-se, não foram impugnados e, por isso, já transitaram em julgado – não tem uma natureza indemnizatória. Neste sentido vide o ac. do TRE de 25.02.2021 (proc. n.º 531/19.9T8VRS.E1, rel. Paulo Amaral), citado pelos próprios recorrentes, bem como o ac. do STJ, de 14.03.2019 (proc. n.º 484/13.7TBBRG.G2.S1, rel. Nuno Pinto de Oliveira), para onde aquele remete.
Mas, como já referimos, nada obsta a que a essa restituição acresça uma indemnização por danos, conforme expressamente preceituado no artigo 801.º, n.º 2, do CC.
De acordo com a doutrina tradicional (assim denominada, embora tenha surgido apenas em meados do século XX, por influência alemã e de alguma doutrina italiana minoritária, opondo-se à doutrina até então dominante em Portugal – cfr. Paulo Mota Pinto, Direito Civil – Estudos, Coimbra, 2018, pp. 571) e com a jurisprudência dominante, a resolução por incumprimento do contrato apenas pode ser cumulada com a indemnização pelo interesse contratual negativo (a indemnização do prejuízo sofrido pelo facto de ter celebrado o contrato) e não com a indemnização pelo interesse contratual positivo (a indemnização pelo não cumprimento do contrato).
Aderindo a esta tese, os recorrentes afirmam que a sua condenação a pagar à autora a quantia de 16.508,80 €, correspondente ao preço dos 670 quilogramas de café que a 1.ª ré não chegou a comprar à autora, não configura uma indemnização pelo interesse contratual negativo, pois não visa colocar a recorrida na situação em que estaria se não tivesse celebrado o contrato, mas antes uma indemnização pelo interesse contatual positivo ou pelo dano de confiança, que visa colocar a recorrida na situação em que estaria se o contrato tivesse sido cumprido, pelo que não é devida.
Mas esta argumentação revela-se falaciosa.
Desde logo porque, como veremos melhor mais à frente, a indemnização pelo interesse contratual positivo não se traduz no pagamento do preço das mercadorias que não chegaram a ser fornecidas.
De todo o modo, não resulta dos factos provados que o preço do café estipulado pelas partes fosse de 26.64 € por quilograma, nem tal foi alegado pela autora, ao contrário do que parece ter sido entendido pelos réus (cfr. artigo 9.º da contestação). O que a autora alegou no seu articulado inicial foi que «o valor de investimento feito pela A. a favor da primeira Ré foi de 24,64 Euros por cada quilo de café» (cfr. artigo 18.º do referido articulado, que foi expressamente aceite pelos réus/recorrentes no artigo 2.º da sua contestação, na medida em que corresponde à letra do estipulado nas cláusulas contrato celebrado entre as partes). O preço por quilograma de café também não consta do contrato junto como documento n.º 1 da petição inicial, o qual se limita a remeter para os «preços previstos na tabela geral de preços em vigor à data de cada fornecimento», acrescentando que esta tabela é do conhecimento da aqui 1.ª ré (cfr. cláusula 2.ª, n.º 4); naquele contrato, apenas se alude ao «montante de 24,64 € por kg de café não adquirido» enquanto valor da indemnização devida à recorrida em caso de resolução fundada em incumprimento das obrigações da recorrente B.... Unipessoal, Lda., nos termos da cláusula 6.ª, n.º 3, que os próprios recorrentes qualificam como cláusula penal e não como estipulação do preço. Por sua vez, do documento n.º 3 da petição inicial parece decorrer que o valor do café fornecido pela autora à 1.ª ré entre Junho de 2016 e Outubro de 2017 começou por ser de 26,56 € por quilograma e passou a ser de 27,11 € a partir de Fevereiro de 2017, nunca tendo sido de 24,64 €.
Assim, na própria lógica argumentativa dos recorrentes, estes não lograram demonstrar que a cláusula penal estipulada se destina a colocar a recorrida na situação em que estaria se o contrato tivesse sido cumprido, isto é, que se traduz na fixação de uma indemnização pelo interesse contratual positivo. De resto, foi a esta conclusão que chegou o ac. do TRP de 11.02.2020, citado pelos recorrentes, a respeito de uma situação em que as partes contratantes haviam estipulado uma indemnização correspondente a 2/3 do preço de cada quilograma de café não adquirido. (Considerou-se, porém, nesse acórdão que a indemnização assim estipulada colocava o credor numa «situação aparentada» com a que estaria se o contrato tivesse sido cumprido e que ia «além da indemnização devida ao credor pelos danos que não teria se o contrato não tivesse sido celebrado», pelo que não era cumulável com a resolução do contrato por incumprimento e, por isso, não era devida.)
Por outro lado, a tese da incompatibilidade da resolução baseada no incumprimento com a indemnização pelo interesse contratual positivo, assente na retroactividade da resolução e na contradição ou incoerência em que incorreria, está hoje longe de ser pacífica, tendo sido abandonada na generalidade dos ordenamentos jurídicos europeus onde a questão se colocou, como o alemão (sendo certo que noutros, como o francês, o problema nunca chegou a colocar-se) e é cada vez mais contestada por alguns sectores da doutrina nacional, que começa a fazer eco na jurisprudência. Para mais desenvolvimentos a este respeito, vide Paulo Mota Pinto, ob. cit., pp. 553 a 621.
Por fim, sem qualquer menosprezo pela utilidade operativa da categorização dogmática trazida à colação pelos recorrentes, não é metodologicamente correcto partir da classificação da indemnização concretamente prevista na cláusula penal estipulada pelas partes, como correspondendo à indemnização pelo interesse contratual positivo ou pelo interesse contratual negativo, para concluir daí se a mesma é totalmente indevida (no primeiro caso) ou inteiramente devida (no segundo caso).
A metodologia correcta passa por definir se, para além das restituições já definitivamente ordenadas, a recorrida tem direito a uma indemnização por danos (o que, como vimos, está previsto no próprio artigo 801.º, n.º 2, do CC) e em que termos (isto é, a que tipo de indemnização tem direito, sendo aqui que relevam as categorias do interesse contatual positivo e do interesse contratual negativo). No caso negativo, o pedido indemnizatório teria de naufragar. No caso afirmativo, importará verificar se a indemnização devida deve ser a prevista na cláusula penal previamente estipulada. Nesta segunda situação, não estará em causa decidir se o valor peticionado é totalmente devido, por colocar a autora na situação em que estaria se não tivesse celebrado o contrato, ou indevido, por colocá-la na situação em que estaria se o contrato tivesse sido cumprido. Estará em causa saber se a cláusula estipulada pode ser accionada, designadamente por não violar o disposto nos artigos 810.º, n.º 2, e 811.º, n.º 1, do CC, e, no caso afirmativo, se o seu valor deve manter-se ou ser reduzido por se revelar excessivo, nos termos previstos nos artigos 811.º, n.º 3, e/ou 812.º, do CC, atento o tipo ou a finalidade da indemnização devida.
Assim, mesmo que não questionemos a doutrina (denominada tradicional) que cinge a indemnização prevista no artigo 801.º, n.º 2, do CC, ao prejuízo correspondente ao interesse contratual negativo, afigura-se espúrio o esforço de procurar apurar se a cláusula penal concretamente estipulada pelas partes visa indemnizar o prejuízo correspondente ao interesse contratual positivo ou ao interesse contratual negativo, pois o que fundamentalmente releva para a apreciação da pretensão indemnizatória é apurar se a mesma está a ser exigida cumulativamente com o cumprimento da obrigação principal, o que o artigo 811.º, n.º 1, do CC, não permite – o que, desde já se afirma, manifestamente não sucede no presente caso –, se excede o valor do prejuízo resultante do incumprimento da obrigação principal, violando o disposto no n.º 3, do mesmo artigo 811.º, ou se, por outra razão, se revela manifestamente excessiva e se, por isso, deve ser reduzida de acordo com a equidade, ao abrigo do disposto no artigo 812.º, n.º 1, do CC, o que nos remete para o segundo dos argumentos esgrimidos pelos recorrentes, cuja análise aconselha o prévio enquadramento jurídico da figura da cláusula penal.
2. No âmbito da sua liberdade contratual (cfr. artigo 405.º do CC), as partes podem fixar por acordo o montante da indemnização exigível nos casos de não cumprimento ou mora de alguma delas; é o que, nos termos do artigo 810.º, n.º 1, do CC, se chama cláusula penal.
A cláusula penal pode ter uma função indemnizatória, configurando uma das modalidades da liquidação antecipada e convencional do dano, e uma função coerciva ou compulsória, traduzindo-se numa medida compulsória preventiva de natureza privada.
Não obstante, a doutrina tradicional configura-a como um instituto unitário, desvalorizando a intenção com que as partes a estipularam, a qual não carece de ser averiguada, concebendo que a mesma figura pode exercer simultaneamente a função coercitiva e a função indemnizatória. «Ao fixar-se antecipadamente o montante da indemnização [considerado, no chamado modelo latino de que o nosso é tributário, o escopo prioritário da cláusula penal, ao contrário do que se passa, por exemplo, no modelo germânico], nada impedirá que, por este meio, se prossiga, ao mesmo tempo, uma finalidade compulsória» (António Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, Almedina, Coimbra, 1990, p. 285).
O direito germânico abandonou esta construção unitária, diferenciando a cláusula penal propriamente dita da cláusula destinada a fixar antecipadamente a indemnização. Esta discussão alastrou-se a outros ordenamentos. E não se trata de uma discussão meramente académica, pois está em causa a aplicação indiscriminada ou diferenciada do respectivo regime jurídico.
Entre nós, Pinto Monteiro, rompendo com a tradicional concepção unitária, classifica as cláusulas penais segundo a sua função, distinguindo entre cláusulas penais indemnizatórias e compulsórias.
As cláusulas penais indemnizatórias são as que têm por exclusiva finalidade a liquidação da indemnização devida em caso de não cumprimento definitivo, de mora ou de cumprimento defeituoso. As cláusulas penais compulsórias são as que têm por finalidade compelir o devedor ao cumprimento e/ou sancionar o não cumprimento.
As últimas podem subdividir-se em duas categorias: cláusulas penais exclusivamente compulsivo-sancionatórias, se nelas se fixa uma pena que acresce ao cumprimento ou à indemnização pelo não cumprimento, e cláusulas penais em sentido estrito, se nelas se fixa uma pena que substitui o cumprimento ou a indemnização pelo não cumprimento.
O mesmo autor distingue as cláusulas penais indemnizatórias das cláusulas penais em sentido estrito da seguinte forma: «[e]m sentido estrito, a pena visa compelir o devedor ao cumprimento – nisto se distingue ela da pena como liquidação do dano e se aproxima da pena estritamente compulsória. Todavia, ao contrário da última, a pena propriamente dita substitui a indemnização, quer dizer, não acresce a esta nem à execução específica da prestação – o que a aproxima da cláusula penal como indemnização predeterminada. Numa palavra, em sentido estrito, a cláusula penal visa compelir o devedor ao cumprimento, ao mesmo tempo que leva à satisfação do interesse do credor» (cit., p. 609).
Pinto Monteiro afirma ainda que a nossa lei apenas regula as cláusulas penais indemnizatórias, argumentando que do artigo 811.º, n.º 3, do CC, resulta que a pena estipulada para liquidar a indemnização perdeu a função coercitiva que a doutrina tradicional lhe atribuía, sem que tal signifique que a lei proíba as restantes cláusulas penais.
Posição idêntica foi preconizada no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.09.2011 (proc. n.º 81/1998.C1S1, rel. Nuno Cameira, disponível em www.dgsi.pt), em termos que merecem a nossa concordância:
«A cláusula penal, como é aceite pela doutrina e reconhecido pela jurisprudência, pode revestir três modalidades: cláusula com função moratória ou compensatória, dirigida, portanto, à reparação de danos mediante a fixação antecipada da indemnização em caso de não cumprimento definitivo ou de simples mora do devedor; cláusula penal em sentido estrito ou propriamente dita, em que a sua estipulação, como refere Gravato Morais, substitui o cumprimento ou a indemnização, não acrescendo a nenhuma delas; e cláusula penal de natureza compulsória, em que há uma pena que acresce ao cumprimento ou que acresce à indemnização pelo incumprimento: a finalidade das partes, nesta última hipótese, é a de pressionar o devedor a cumprir, e já não a de substituir a indemnização. Na cláusula penal de tipo compulsório, afirma Almeida Costa, “as partes pretendem que a pena acresça à execução específica ou à indemnização calculada nos termos gerais”. (…)
É certo que o regime dos art.s 810.º e 811.º não se aplica às cláusulas penais compulsórias, mas apenas às de natureza indemnizatória, como logo se pode inferir da conjugação do texto do n.º 1 do art. 810.º com o n.º 3 do art. 811º. E a circunstância de ser predominantemente literal o argumento que no sentido exposto se retira destas normas em nada diminui o seu valor intrínseco, pois sabe-se que a letra da lei (o chamado elemento gramatical) é simultaneamente ponto de partida e ponto de chegada na interpretação jurídica: o art. 9.º do CC ordena que na fixação do sentido e alcance da lei o julgador reconstitua a partir dos textos o pensamento legislativo, proibindo-o, todavia, de considerar qualquer um que não tenha um mínimo de correspondência verbal na letra da norma. Assim, conforme ensina o Prof. António Pinto Monteiro, “...haverá toda a vantagem em considerar que o Código trata apenas da cláusula de fixação antecipada da indemnização: além de ser essa a atitude mais consentânea coma noção que dela dá o n.º 1 do art. 810.º, o regime prescrito actualmente no art. 811.º só se compreende em relação a esta figura, não a respeito da pena com escopo compulsório”. Sem dúvida pois que, estando de todo ausente da pena exclusivamente compulsória qualquer intuito indemnizatório, em caso algum ela poderá constituir, segundo a vontade das partes, a liquidação de um dano; e isto leva-nos a afirmar que ela extravasa do âmbito definido pelo art. 810.º, n.º 1 e balizado, depois, no art. 811º. (…)
Socorrendo-nos novamente do ensinamento do Prof. Pinto Monteiro, e atendendo a que a cláusula de índole exclusivamente compulsivo-sancionatória se traduz no facto de “...ser acordada como um plus, como algo que acresce à execução específica ou à indemnização pelo não cumprimento”».
Feito este excurso teórico, é tempo de nos debruçarmos sobre a cláusula penal cuja aplicação os recorrentes pretendem ver afastada ou, pelo menos, reduzida.
É a seguinte a redacção dessa cláusula: «Em caso de resolução fundada no incumprimento das obrigações do SEGUNDO CONTRAENTE [a aqui 1.ª recorrente], a PRIMIERA CONTRAENTE [aqui recorrida] tem o direito a ser indemnizada, no montante de 24,64€ por cada kg de café não adquirido, relativamente à quantidade total prevista na cláusula Segunda N.º 1» (900 kg).
Esta cláusula tem uma clara função compensatória, dirigida à reparação de danos decorrentes da resolução do contrato por incumprimento da 1.ª ré, mediante a fixação antecipada da respectiva indemnização, nela não se vislumbrando um directo escopo compulsório nem, muito menos, sancionatório. Propendemos, portanto, para a classificar como uma cláusula penal indemnizatória. Na verdade, o que as partes fizeram foi fixar antecipadamente o valor da indemnização devida pelo incumprimento contrato pela 1.ª ré, certamente tendo em conta que é, por regra, muito difícil demonstrar o montante exacto dos prejuízos causados por tal violação, assim procurando evitar o recurso ao Tribunal para fixar o quantum indemnizatório.
Deste modo, esta cláusula está sujeita ao regime legal consagrado nos artigos 810.º e seguintes do CC, nomeadamente às limitações previstos nos artigos 811.º e 812.º, os quais afectam a liberdade de acção das partes decorrente do princípio da liberdade contratual.
Cremos que, de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça antes citada, a conclusão não será distinta mesmo que se entenda que a cláusula em apreço compreende, a par da vertente compensatória, uma finalidade compulsória e que, por isso, deve ser classificada como uma cláusula penal em sentido estrito, cuja pena substitui o cumprimento ou a indemnização pelo não cumprimento.
Em todo o caso, mesmo que se defenda que o regime previsto nos artigos 811.º e seguintes do CC não regula as cláusulas penais compulsivo-sancionatórias nem as cláusulas penais em sentido estrito, mas apenas as cláusulas penais indemnizatórias, parece-nos claro que nada impede a aplicação analógica de alguns aspectos deste regime sempre que «as razões justificativas da regulamentação legal procedem no caso omisso» (Nuno Oliveira, cit.).
Neste sentido, a doutrina e a jurisprudência têm defendido de forma pacífica a aplicação do artigo 812.º do CC – ou do princípio geral ínsito nessa norma – a todas as cláusulas penais.
Na sua alegação, a recorrente parece apelar ao disposto no artigo 811.º, n.º 3, do CC, designadamente quando invoca a jurisprudência do ac. do STJ de 10.10.2013 e do TRE de 25.02.2021 (cfr. conclusão M).
A interpretação desta norma tem suscitado muitas dúvidas e leituras divergentes. Defendendo uma interpretação mais próxima da letra da lei: Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol II, Coimbra, Almedina, 1995, 6.ª edição, pp. 144 a 147; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. II, Coimbra, Coimbra editora, 1986, 3.ª edição, pp. 78 a 80. Defendendo uma leitura mais restritiva da norma: Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra, Coimbra editora, 1990, 3.ª edição, pp. 589. Podemos encontrar uma interpretação ainda mais restritiva da norma no acórdão do STJ de 21.05.1992 (proc. n.º 081615, rel. Sampaio da Silva).
Dispensamo-nos aqui de outros desenvolvimentos a respeito desta questão pois, independentemente da posição que se adopte a seu respeito, a mesma não tem aplicação ao nosso caso, visto que não ficou demonstrado o valor do prejuízo efectivamente resultante do incumprimento.
Recorde-se que a autora não alegou esse valor, nem tinha de fazer, uma vez que se baseou o seu pedido indemnizatório na cláusula penal cuja estipulação se destinou, precisamente, a fixar o valor da indemnização sem necessidade de alegação e prova dos danos reais. Neste sentido, vide o ac. do TRC, de 11.02.2020 (proc. n.º 8990/17.8T8CBR.C1, rel. Ana Vieira).
Assim, nos termos do disposto no artigo 342.º, n.º 2, do CC, cabia aos réus, ora recorrentes, alegar e provar que o valor indemnizatório decorrente da cláusula penal excede o valor dos prejuízos efectivamente sofridos pela recorrida, tendo em vista a redução da indemnização peticionada, à luz do artigo 811.º, n.º 3, do CC, no pressuposto de que a mesma é aplicável à cláusula penal em causa nestes autos.
Não tendo feito essa prova, visto que não resulta da matéria de facto provada o valor dos prejuízos que a autora efectivamente sofreu, não poderá valer-se daquela norma.
Tal não impede que se equacione a redução da cláusula penal em questão, de acordo com a equidade, à luz do artigo 812.º, n.º 1, do CC, cuja redacção se recorda: «A cláusula penal pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente; é nula qualquer estipulação em contrário».
Porque a redução aqui prevista limita a autonomia privada e a liberdade contratual, a jurisprudência tem entendido que o juiz apenas poderá determinar esta redução equitativa se a mesma for solicitada pela parte e apenas quando reconhecer que a cláusula é “manifestamente excessiva”, ou seja, quando a mesma se revele substancial e ostensivamente desproporcionada, em face das circunstâncias concretas. Fora destas situações, a redução da cláusula penal anularia a função e a razão de ser da cláusula penal.
Mais uma vez, o ónus da alegação e da prova dos factos que integram a previsã0 desta norma recai sobre o devedor, como se afirma no o ac. do TRC, de 11.02.2020, já antes citado, e no ac. do TRP, 26.10.2017 (proc. n.º 330/16.0T8PRT.P1, rel. Fernando Samões).
Neste sentido, escreve-se o seguinte no ac. do TRG, de 10.07.2019 (proc. n.º 1008/15.7T8VNF-A.G1, rel. José Alberto Moreira Dias):
«A redução da cláusula penal limita a autonomia privada ao permitir que o tribunal se intrometa nos acordos livremente estabelecidos pelos contratantes e atribua uma indemnização inferior àquela que as próprias partes pré-estabeleceram de forma livre. Por isso, a faculdade de redução deve apenas ser usada pelo tribunal em situações excecionais, em que ocorram abusos evidentes, situações de clamorosa injustiça a que conduzem penas manifestamente excessivas, francamente exageradas.
Trata-se de uma válvula de segurança em que o legislador apenas reconhece ao juiz o poder moderador, de acordo com a equidade, quando a cláusula penal for “manifestamente excessiva”, ou dito por outras, for extraordinariamente excessiva, exceda os limites do razoável e do bom senso, ainda que por causa superveniente.
Deste modo não basta à redução que a cláusula penal seja “excessiva”, posto que doutra forma punha-se em causa a liberdade contratual das partes e as vantagens que a cláusula penal apresenta.
(…)
Na apreciação do carácter manifestamente excessivo da cláusula penal deverá proceder-se à comparação entre o montante que resulta dessa cláusula e ordem de grandeza do prejuízo que o credor sofrerá com o incumprimento, tendo em conta todas as circunstâncias do caso».
No ac. do STJ, de 07.03.2006, citado no ac. do TRL, de 12.10.2023 (proc. n.º 3560/19.9T8CSC.L1-2, rel. António Moreira), acrescenta-se o seguinte:
«Calvão da Silva faz notar que “na apreciação do carácter manifestamente excessivo da cláusula penal, o juiz não deverá deixar de atender à natureza e condições de formação do contrato (...); à situação respectiva das partes, nomeadamente a sua situação económica e social, os seus interesses legítimos, patrimoniais e não patrimoniais; à circunstância de se tratar ou não de um contrato de adesão; ao prejuízo previsível no momento da celebração do contrato e ao efectivo prejuízo do credor; às causas explicativas do não cumprimento da obrigação, em particular à boa ou má fé do devedor (aspecto importante, senão mesmo determinante, ...); ao carácter à forfait da cláusula e, obviamente, à salvaguarda do seu valor cominatório” (in Cumprimento e Sanção Pecuniária, pág. 274 e ss.).
Igual sentido é colhido na lição de Pinto Monteiro, que, no entanto, não deixa de sublinhar a importância na averiguação da finalidade prosseguida com a estipulação da cláusula penal, “a fim de averiguar a essa luz, se existe uma adequação entre o montante da pena e o escopo visado pelos contraentes”, sendo que “na pena estipulada a título de indemnização o grau de divergência entre o dano efectivo e o montante pré fixado assume importância decisiva” (in Cláusula Penal e Indemnização, pág.741 e ss.)”.»
No caso concreto, são escassos os factos provados – porque também o eram os factos alegados – a este respeito. Para além do valor decorrente da cláusula penal – 24,64 € por cada um dos 760 quilogramas de café não adquiridos, num total de 16.508,80 € – aqueles factos apenas nos dão a conhecer o conteúdo do acordo celebrado entre as partes, nomeadamente as prestações estipuladas, e os termos em que estas foram cumpridas ou incumpridas.
Mas, como já dissemos, aqueles factos não nos permitem conhecer, com rigor, o valor dos prejuízos efectivamente sofridos pela recorrida.
Ainda assim, os factos apurados não deixam de ilustrar o tipo e, ainda que muito limitadamente, a magnitude dos danos sofridos.
Claro que os danos a considerar poderão variar consoante se atenda ao interesse contratual negativo (que remete para os prejuízos sofridos pelo facto de se ter celebrado o contrato) ou ao interesse contratual positivo (que remete para os prejuízos sofridos pelo facto de o contrato não ter sido cumprido).
Na perspectiva dita tradicional, da satisfação do interesse contratual negativo, a indemnização teria de ter em conta o montante de 7 mil euros que a recorrida entregou como contrapartida da exclusividade e da publicidade acordadas e a título de desconto especial antecipado (cfr. ponto 6 dos factos provados), quantia que, naturalmente, não teria desembolsado se aquele acordo não tivesse sido celebrado.
Entre os danos indemnizáveis estaria igualmente incluído o rendimento do capital que a recorrida emprestou à 1.ª ré/recorrente sem qualquer retribuição (os 8 mil euros referidos no n.º 8, da cláusula 1.ª, do acordo celebrado entre as partes), durante o tempo em que esteve desembolsada desse capital, o que não teria sucedido se o contrato não tivesse sido celebrado.
A determinação daqueles danos também teria de levar em conta a depreciação do valor dos equipamentos que a recorrida entregou à 1.ª ré/recorrente a título de comodato, por força do decurso do tempo em que esta os manteve na sua disponibilidade e do uso que lhes deu, sendo certo que a recorrida não teria estado privada da disponibilidade daqueles equipamentos e de retirar proveito dos mesmos se não tivesse celebrado o contrato.
Admite-se que, para colocar a recorrida na situação em que estaria se não tivesse celebrado o contrato, a estes valores importaria deduzir o valor dos proveitos que aquela possa ter retirado da entrega das quantias pecuniárias e dos equipamentos antes mencionados, nomeadamente por força da exclusividade e da publicidade no período que antecedeu a resolução do contrato. Todavia, decorrendo dos factos apurados que este período correspondeu apenas a cerca de um ano e meio (entre Junho de 2016 e Novembro de 2017), quando estava previsto perdurar 5 anos (60 meses), e que a exclusividade nunca foi cumprida, como decorre do ponto 17 dos factos provados, a dedução, a ter lugar, não deveria ultrapassar os 10%.
Por fim, a indemnização pelo interesse contratual negativo englobaria ainda os lucros cessantes em virtude de a recorrida não ter concretizado oportunidades alternativas de negócio. É certo que a existência de oportunidades alternativas não foi alegada pela autora; mas, como já dissemos, não tinha de o ser pois, ao invocar a cláusula penal, ficou dispensada de fazer prova dos danos reais. Assim, não tendo os réus alegado e demonstrado a inexistência dessas oportunidades alternativas, mas pretendendo a redução da cláusula por considerá-la excessiva, não podemos deixar de sopesar a possibilidade de lucros cessantes.
Face ao exposto, mesmo sem determinar o valor dos prejuízos que a recorrida sofreu por ter celebrado o contrato que veio a ser incumprido pela 1.ª recorrente, este exercício permite balizar um pouco melhor esses prejuízos. Ainda assim, não cremos que o confronto dessas balizas com o valor decorrente da cláusula penal evidencie uma substancial e ostensiva desproporção entre ambas.
Mas a conclusão não seria diferente se atendêssemos antes ao interesse contratual positivo e, assim, procurássemos colocar a recorrida na situação que estaria se o contrato tivesse sido cumprido.
Na perspectiva minoritária da satisfação do interesse contratual positivo, a indemnização incluiria os lucros cessantes do próprio contrato e eventuais danos emergentes do seu incumprimento. Aquele lucro cessante reporta-se, naturalmente, à diferença entre a totalidade do preço que seria recebido pela recorrida e a totalidade do investimento financeiro que esta teria de fazer (traduzido no custo de produção ou de aquisição pela recorrida dos 900 kg de café, na entrega dos 7 mil euros, na indisponibilidade temporária dos 8 mil euros e na depreciação do valor do equipamento comodatado ao longo dos cinco anos de vigência do contrato).
Mas os prejuízos não ficariam por aí, englobando igualmente a exclusividade e a publicidade almejadas pelo acordo firmado, dotadas de valor patrimonial que extravasa o lucro líquido decorrente do fornecimento do café.
Cremos ter sido este o raciocínio seguido no ac. do TRL, de 12.10.2023, já citado, no qual, adoptando-se expressamente a tese minoritária na jurisprudência, se escreve o seguinte: «se o que está em causa é a indemnização pelo dano positivo (pois que se trata de indemnizar os prejuízos que decorrem do não cumprimento definitivo do contrato pela 1ª R., colocando a A. na situação em que se encontraria se o contrato tivesse sido cumprido por aquela), para que se pudesse afirmar que a cláusula penal indemnizatória é manifestamente excessiva, tornava-se necessário poder concluir, desde logo, que o valor convencionado de € 18,72 é manifestamente superior ao beneficio económico que a A. auferiria com cada um dos 950 quilogramas de café que iria previsivelmente vender à 1ª R. Mas para tal tornava-se necessário que estivesse demonstrado qual era a medida desse benefício económico e que, desde logo, a sua expressão quantitativa permitia concluir pela insignificância ou reduzida expressão do correspondente dano emergente do incumprimento definitivo do contrato pela 1ª R.» Mas porque «as RR. não lograram demonstrar (como era seu ónus, por força do disposto no nº 2 do art.º 342º do Código Civil) que o valor convencionado para cada quilograma de café não consumido (€ 18,72) era manifestamente superior ao valor de cada quilograma de café que a A. venderia à 1ª R., caso esta tivesse cumprido com a sua obrigação de aquisição dos 1.000 quilogramas de café convencionados», o tribunal acabou por julgar improcedente a pretensão de redução equitativa da cláusula penal.
No nosso caso, não consta dos factos provados o preço que a recorrida cobrou pelos 230 kg de café que forneceu à 1.ª recorrente, tal como não consta o preço que iria cobrar pelos restantes 760 kg. Admite-se que esta lacuna possa ser suprida por recurso ao documento que a própria recorrida juntou aos autos, como documento n.º 3 da petição inicial, do qual resulta, como vimos, que preço cobrado começou por ser de 26,56 €/kg e que, a partir de Fevereiro de 2017 até à data da resolução do contrato, passou a ser passou a ser de 27,11 €/kg. Ainda assim, continuamos a desconhecer o lucro que obteve e que continuaria a obter com os fornecimentos de café, pois embora se tenham apurado alguns dos custos de investimento, não se apurou, desde logo, o custo, para a própria recorrida, da produção ou aquisição do café fornecido e a fornecer.
Dir-se-á que a prova dos prejuízos indemnizáveis, segundo cada uma das teses expostas, se revela de extrema dificuldade. Mas é, precisamente, esta uma das principais razões para a estipulação de cláusulas penais indemnizatórias.
Todavia, simplificando de forma significativa a equação, a jurisprudência vem defendendo que, em contratos semelhantes ao que aqui nos ocupa, será abusiva ou manifestamente excessiva a cláusula penal que determine que a indemnização pelo incumprimento seja igual ao valor que o fornecedor receberia se o contrato tivesse sido cumprido integralmente, isto é, que corresponda ao preço da mercadoria que o inadimplente não chegou a adquirir. Neste sentido, vide o ac. do STJ de 10.10.20213, o ac. do TRP de 21.02.2018 (proc. n.º 1057/12.7TBVLG-A.P1, rel. Carlos Gil), o ac. do TRE de 25.02.2021 e o ac. do TRG de 10.07.2019.
A argumentação aduzida nesse sentido é simples: o valor indemnizatório assim fixado englobaria não apenas os ganhos que o credor teria obtido com o fornecimento dos bens, mas também as despesas que esse fornecimento pressupunha; contudo, de acordo com os artigos 563.º e 564.º do CC, a obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, ou seja, os lucros que o fornecedor retiraria se os bens tivessem sido adquiridos; ao pretender receber tudo como se o contrato tivesse sido cumprido, sem que a sua prestação tenha sido realizada, o credor estará a locupletar-se à custa do devedor, destruindo qualquer equilíbrio de prestações entre as partes.
Com excepção do TRG, que determinou uma redução de 25% da indemnização estipulada na cláusula penal, os restantes determinaram a redução de 50%.
Sucede que, em todos esses casos, o valor da cláusula penal correspondia, exactamete, ao preço dos bens que não chegaram a ser adquiridos. Mas, nas três situações em que foi determinada a redução de 50%, não foi concedido qualquer desconto como contrapartida da exclusividade e da publicidade e apenas no caso decidido no acórdão do STJ foi concedido um empréstimo sem juros.
Já na situação apreciada no ac. do TRG foi acordado um rapel de 60 mil euros (tendo em vista a venda de 6500 kg de café pela quantia global de 162.500,00 €), tendo aquela quantia sido efectivamente entregue, o que levou o tribunal a reduzir a indemnização clausulada em apenas 25%.
No caso apreciado no ac. do TRL de 12.10.2023, já antes citado, tendo-se provado apenas que a cláusula penal correspondia a «€ 18,72, por cada quilo de café que faltou para o cumprimento integral do contrato», mas nada se tendo apurado sobre o valor que a fornecedora cobrava por cada quilograma de café, sendo certo que, neste caso, havia sido concedido um desconto de 3 mil euros, o tribunal considerou não estarem demonstrados os pressupostos da redução por equidade, nos termos já antes mencionados.
No caso apreciado no ac. do TRP, de 10.01.2023 (proc. n.º 895/20.1T8AMT.P1, rel. Anabela Miranda), tendo sido fixada uma cláusula penal correspondente a 2/3 do preço da mercadoria que não fosse adquirida e não tendo sido acordado qualquer rapel comercial ou desconto, o tribunal considerou não haver abuso de direito (não tendo sido suscitada directamente a questão da redução por equidade).
No nosso caso, já vimos que a cláusula penal corresponde a 24,64 € por cada quilograma de café não adquirido pela 1.ª recorrente. Vimos igualmente que dos factos provados não consta o preço que foi ou devia ser pago, embora o documento junto pela própria autora/recorrida revele que esse preço se situava, na data da resolução, um pouco acima do valor de referência utilizado na cláusula penal, mais concretamente nos 27,11 €. Também já vimos que as partes acordaram um desconto especial de 7 mil euros e que essa quantia foi efectivamente entregue pela recorrida à 1.ª recorrente, tal como foi acordada e cumprida a concessão de um empréstimo de 8 mil euros, sem juros.
Em contrapartida, não se apuraram outras circunstâncias que pudessem relevar para a decisão sobre a pretendida redução equitativa, nomeadamente as condições de formação do contrato, as causas explicativas do não cumprimento da obrigação, a situação económica e social das partes, entre outras.
Tudo ponderado, ainda que possamos considerar que existe alguma desproporção ou excesso na cláusula fixada, não vemos como possamos considerá-lo manifesto.
Assim, em obediência à parcimónia com que o legislador encara a intervenção do julgador no domínio da liberdade contratual exercida e manifestada na estipulação de cláusulas penais, impõe-se concluir que não estão demonstrados os pressupostos de que depende a redução equitativa da cláusula concretamente determinada.
Improcedem, assim, os argumentos dos recorrentes, pelo que importa confirmar a decisão recorrida e condenar os recorrentes nas custas da apelação (cfr. artigo 527.º do CPC).
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IV. Decisão
Pelo exposto, os juízes do Tribunal da Relação do Porto julgam totalmente improcedente o recurso e, consequentemente, confirmam a sentença recorrida.
Custas pelos recorrentes.
Registe e notifique.
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Sumário (artigo 663.º, n.º 7, do CPC):
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Porto, 19 de Dezembro de 2023
Artur Dionísio Oliveira
Ana Lucinda Cabral
Anabela Andrade Miranda