Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
8428/20.3T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NELSON FERNANDES
Descritores: PESSOA COLECTIVA
DEPOIMENTO DE PARTE
Nº do Documento: RP202203148428/20.3T8PRT.P1
Data do Acordão: 03/14/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO PROCEDENTE; REVOGADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - O depoimento de parte constitui um meio de provocar a confissão.
II - O depoimento de parte das pessoas coletivas / sociedades comerciais pode ser prestado através da respetiva administração ou por procurador com poderes especiais para o ato em causa, atribuídos por aquela administração.
III - Em princípio, compete à pessoa coletiva / sociedade, e não à parte que requereu o depoimento de parte da sociedade, indicar a pessoa que deve prestar esse depoimento.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação 8428/20.3T8PRT.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Recorrente: M..., S.A.
Recorrida: AA
_______
Nélson Fernandes (relator)
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório
1. Na presente ação especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, aquando do despacho proferido sobre os meios de prova, o Tribunal a quo, no que ao presente recurso importa, proferiu despacho em que admitiu “o depoimento de parte dos legais representantes da Ré à matéria indicada pela Autora”.

1.1. Aquando da realização da sessão de julgamento designada para o dia 25 de novembro de 2021, como da respetiva ata consta, pelo “Ilustre Mandatário da Autora foi dito que as pessoas que pretende ouvir no âmbito do depoimento de parte, enquanto legais representantes da aqui demandada, são os membros do seu respetivo conselho de administração e não o Sr. BB, responsável pelos recursos humanos da demandada, que aqui se encontra mandatado pela Ré para o efeito; requer assim que sejam notificados os mesmos, membros do conselho de administração da demandada, para que possam prestar o depoimento de parte requerido.”
Mais consta da referida ata que, depois de se ter pronunciado a Ilustre Mandatária da Ré, foi proferido pelo Tribunal despacho com o teor seguinte:
“No despacho de saneador elaborado nos autos, cifra ref.ª 425608524, foi admitido "o depoimento de parte dos legais representantes da Ré à matéria indicada pela Autora". Não se tendo concretizado neste despacho sobre quem recairia a legal representação da demandada, entende o Tribunal que o depoimento deverá recair nas pessoas dos titulares dos orgãos sociais que efetivamente representam a aqui demandada, uma vez que a A. não reconhece a pessoa aqui presente diligência enquanto tal.
Para efeito da determinação dos titulares do órgão que representa a aqui Ré e de forma a dar cumprimento ao solicitado pela Autora, notifique-se a mesma para vir juntar a respetiva Certidão Permanente atualizada, a qual não se encontra juntos aos autos, concedendo-se para o efeito o prazo de 10 dias, sendo que o desconhecimento da factualidade por parte daqueles legais representantes apenas poderá ser aferida quando da sua audição não relevando, em nosso entender, para a sua admissibilidade.
Uma vez que este depoimento traduz o primeiro acto de prova a produzir, interrompe-se a presente diligência para prosseguir no próximo dia 06 de Janeiro de 2022, às 09:30 horas, prosseguindo para a parte da tarde do mesmo dia, com a distribuição das testemunhas já determinada.
Quando a Autora juntar o documento, notifique-se as pessoas ali indicadas membros do conselho de administração, para a data e hora acima fixada.
Notifique.”

2. Não se conformando com o assim decidido, apresentou M..., S.A., recurso de apelação, resultando das suas alegações as seguintes conclusões:
“1- O tribunal a quo, não reconheceu que a pessoa que foi compareceu em audiência de julgamento (BB), decidindo que tal depoimento de parte deverá recair nas pessoas dos titulares dos órgãos sociais que efetivamente representam a demanda.
2- A Autora nunca identificou concreto em quem pretendia que recaísse o referido depoimento requerido.
3- Quando proferido o despacho saneador, também o Tribunal não concretizou sobre quem recairia a legal representação da demandada.
4- A A. indicou os factos sobre os quais haveria de recair o depoimento de parte, por referência aos artigos da sua Contestação.
5- Segundo o art.º 454.º do CPC. o mesmo prevê que “O depoimento só pode ter por objeto factos pessoais ou de que o depoente deva ter conhecimento.”
6- O administrador da Ré não tem contato direto com os trabalhadores (cerca de 6000), e tem uma linha hierárquica nas várias Direções, pelo que não terá conhecimento dos factos que foram indicados pela A.
7- Razão pela qual a Ré apresentou o depoente BB, que se encontrava devidamente mandato para representação legal da R.
8- A indicação dos factos que a A. pretendia ver confessados, permite que seja a R. havia de representar em juízo, dotando-o de poderes para tal.
9- O artigo 453º n. 2 do CPC permite o depoimento de parte das pessoas coletivas através dos seus representantes, sendo que estes de acordo com a lei e/ou os estatutos, podem indicar quem os melhor represente, que poderá ser um dos administradores ou um terceiro a quem tal poder seja atribuído e que detém o conhecimento dos factos indicados.
10- É entendimento dominante da nossa jurisprudência que o depoimento de parte dos membros do conselho de administração de uma sociedade pode ser prestado por quem estes mandatarem para o efeito desde tenham conhecimento dos factos.
11- Para tanto deverá ter-se em consideração os seguintes acórdãos: Ac. do TRL de 369/12.4TTCLD-A.L1-4 datado de 09/11/2013; Ac. do T.R. de Lisboa 13245/19.0T8SNT-B.L1-8 datado de 09/16/2021, todos publicados na base de dados do M.J., www.dgsi.pt.
12- Assim, nos termos do disposto no artº 163º do CC, o depoimento de parte deverá ser prestado pela pessoa que tenha poderes para o efeito.
13- O douto despacho recorrido viola o disposto nos artºs 453º nº 2 e 454º nº 1 ambos do CPC e o 163º do CC.
Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser admitido e julgado procedente, revogando-se o douto despacho recorrido, substituindo-o por um outro que outra que reconheça a Ré o direito de ser ela a designar o seu representante ou a pessoa que deva prestar o depoimento de parte, com todas as demais consequências legais daí decorrentes.”

2.1. Contra-alegou AA, apresentando as conclusões seguintes:
“1ª – A Apelante veio requerer a fixação de efeito suspensivo ao presente recurso, sem qualquer fundamento legal, a apelação tem efeito meramente devolutivo, excepto nos casos previstos nos números 2, 3 e 4 do artigo 647º do Código de Processo Civil.
2ª – O Douto Despacho proferido em 25.11.2021 não se enquadra em nenhuma das alíneas do nº 3 do artigo 647º do Código de Processo Civil, e o recorrente pode requerer que a apelação tenha efeito suspensivo quando a execução da decisão lhe cause prejuízo considerável e se ofereça para prestar caução, o que a Apelante não fez.
3ª – Não há qualquer fundamento legal para ser atribuído efeito suspensivo ao presente recurso, devendo ser fixado ao recurso efeito meramente devolutivo.
4ª – A Autora nos meios de prova requereu o depoimento de parte dos Legais Representantes da Ré, o que foi admitido no Despacho Saneador, o qual transitou em julgado, sendo por isso inatacável.
5ª - A Autora sempre pretendeu que o depoimento recaísse sobre os titulares dos órgãos sociais, como, de resto, consta na acta da diligência de 25.11.2021, a Autora não reconheceu a pessoa que estava presente em Tribunal – responsável do departamento de recursos humanos – enquanto titular dos órgãos sociais, que confessadamente pela Ré não tem essa titularidade.
6ª – O Tribunal entendeu doutamente que o depoimento deverá recair nas pessoas dos titulares dos órgãos sociais que efectivamente representam a Ré, o que não merece qualquer censura.
7ª - Estamos âmbito da prova por confissão, quem pode confessar validamente é a parte, e não um terceiro escolhido pela parte, como a Ré tentou fazer.
8ª – Se fosse possível à parte escolher um terceiro para prestar o depoimento de parte, estava descoberta a forma de subverter completamente a prova por confissão, escolhendo a pessoa melhor preparada, obviamente para não confessar nada.
9ª - Os representantes das pessoas colectivas podem prestar depoimento de parte, que foi o que a Autora sempre pretendeu, nas pessoas dos titulares dos órgãos sociais, que é quem efectivamente representam a Ré.
10ª – A Autora cumpriu o ónus de indicar a matéria de facto sobre qual deve recair o depoimento de parte.
11ª – A Ré escolheu quem mais lhe interessava para “confessar”, e tentou que a contraparte e o Tribunal compactuassem com tal ilegalidade, mas sem sucesso.
12ª – Um alegado desconhecimento dos factos por parte dos legais representantes de uma pessoa colectiva apenas poderá ser aferido aquando da sua audição, não relevando para a sua admissibilidade.
13ª – Se pudesse relevar alegar o mero desconhecimento dos factos, estava descoberta a fórmula para a parte obrigada a prestar o depoimento de parte se furtar ao mesmo.
14ª – Seria um privilégio ilegal, uma pessoa colectiva poder escolher quem a represente por procuração.
15ª – É suposto os legais representantes terem conhecimento do que se passa nas empresas respectivas, sendo que a Autora requereu o depoimento de parte sobre matéria que julga os legais representantes da empresa terem conhecimento.
16ª - O depoimento de parte só tem o valor de confissão na medida em que os representantes possam obrigar a pessoa colectiva. Só podem obrigar a pessoa colectiva os membros dos órgãos sociais, pelo que se o terceiro escolhido pela parte para depor confessar alguma matéria de facto não tem qualquer valor, nem pode.
17ª – O presente recurso é destituído de qualquer fundamento legal, o Douto Despacho recorrido não é susceptível de qualquer reparo e faz correcta e justa aplicação do direito.
18ª – Não faz qualquer sentido o presente recurso, sendo este destituído de qualquer fundamento, devendo o mesmo improceder mantendo Vossas Excelências o Douto Despacho recorrido nos seus precisos termos, assim se fazendo Justiça.
Nestes termos, nos mais, de direito, aplicáveis, e sobretudo, nos que serão objecto do douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser negado provimento ao presente recurso.
- tudo com as legais consequências.”

3.2. O Tribunal a quo proferiu depois despacho com o teor seguinte:
“Nos presentes autos a aqui demandada veio apresentar recurso ordinário da decisão proferida em acta de audiência de julgamento que deferiu a indicação dos legais representantes a ouvir em sede de depoimento de parte. Ao abrigo do disposto no art. 79ºA nº 2 al. d) do C.P.T. entende-se que a decisão de admissibilidade dos meios de prova é susceptível de ser objecto de recurso de apelação autónomo, mas a decisão em apreço não admitiu qualquer meio de prova, dado que o depoimento de parte requerido pela A. já havia sido admitido no âmbito do despacho saneador, tal como se deixou explicitado no despacho oportunamente proferido na mesma diligência.
Estamos, assim, em nosso entender, perante despacho interlocutório que apenas se poderá inserir na previsão legal da al. k) do indicado preceito legal, dado que a impugnação efectuada com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil uma vez que nesse momento, aquele meio de prova já teria sido apresentado, decorrida que estaria a discussão da causa.
Assim, por ser legal, estar em tempo e tratar-se de decisão recorrível admite-se o recurso interposto pela R., o qual é de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo, dado que a fixação de efeito meramente devolutivo inviabiliza, em nosso entender, o efeito útil do recurso interposto, que visa precisamente que sejam ouvidos, em sede de depoimento de parte, os membros do conselho de administração da demandada. (…)”

4. Apresentados os autos ao Exmo. Procurador-Geral Adjunto foi exarada posição no sentido de lhe estar vedada no caso a possibilidade de emitir aparecer.

5. Apresentados os autos ao aqui relator, foi determinado que os autos baixassem à 1.ª instância para que aí fosse fixado o valor da causa, em cumprimento do disposto no n.º 3 do artigo 306.º do Código de Processo Civil (CPC).

6. No seguimento foi proferido despacho pelo Tribunal a quo fixou o valor da ação em €50.403,56.
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Subidos de novo os autos a este Tribunal da Relação, nada obstando ao conhecimento do mérito, cumpre decidir.

II – Questões a resolver
Sendo pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso – artigos 635º/4 e 639º/1/2 do CPC –, integrado também pelas questões que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, a única questão a decidir passa por saber se é fundada a decisão recorrida que não admitiu que o depoimento de parte da Ré fosse prestado pela pessoa, diversa dos seus administradores, que se apresentou em juízo para tais efeitos.
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III – Fundamentação
A. Fundamentação de facto
A. Os factos relevantes para a apreciação do recurso resultam do relatório que se elaborou.
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B. Discussão
1. A única questão a decidir passa por saber se é fundada a decisão do Tribunal a quo ao não ter admitido que a Ré pudesse prestar depoimento de parte através de pessoa, diversa dos seus administradores, determinando que tal depoimento viesse a ser prestado por aqueles.
Em face das conclusões que apresentou, no sentido de sustentar o afastamento da solução afirmada na decisão recorrida, sustentando que essa violou o disposto nos artigos 453.º n.º 2, e 454.º, n.º 1, ambos do CPC, e o artigo 163.º do Código Comercial, nvoca a Recorrente, designadamente, o seguinte:
- resultando do artigo 454.º do CPC que “O depoimento só pode ter por objeto factos pessoais ou de que o depoente deva ter conhecimento”, não tendo o seu administrador contato direto com os trabalhadores (cerca de 6000) e tendo uma linha hierárquica nas várias Direções, não terá conhecimento dos factos que foram indicados pela Autora, razão pela qual apresentou o depoente BB, que se encontrava devidamente mandato para a sua representação, dotando-o de poderes para tal;
- o artigo 453.º, n.º 2, do CPC, permite o depoimento de parte das pessoas coletivas através dos seus representantes, sendo que estes de acordo com a lei e/ou os estatutos, podem indicar quem os melhor represente, que poderá ser um dos administradores ou um terceiro a quem tal poder seja atribuído e que detém o conhecimento dos factos indicados –
Defendendo o decidido, invoca a Apelada, por sua vez, o seguinte:
- Estamos âmbito da prova por confissão, pelo quem pode confessar validamente é a parte e não um terceiro escolhido pela parte, sendo que os representantes das pessoas coletivas podem prestar depoimento de parte, o que, acrescenta, foi o que a Autora sempre pretendeu, nas pessoas dos titulares dos órgãos sociais, que é quem efetivamente representam a Ré e é suposto terem conhecimento do que se passa nas empresas respetivas;
- o depoimento de parte só tem o valor de confissão na medida em que os representantes possam obrigar a pessoa coletiva, sendo que só essa podem obrigar a os membros dos órgãos sociais, pelo que se o terceiro escolhido pela parte para depor confessar alguma matéria de facto não tem qualquer valor, nem pode;
- a Ré escolheu quem mais lhe interessava para “confessar”, e tentou que a contraparte e o Tribunal compactuassem com tal ilegalidade, mas sem sucesso.
Cumprindo-nos apreciar, desde já adiantamos que assiste razão à recorrente, pelas seguintes razões:
Resulta do disposto no artigo 356.º, do Código Civil (CC):
“1. A confissão judicial espontânea pode ser feita nos articulados, segundo as prescrições da lei processual, ou em qualquer outro acto do processo, firmado pela parte pessoalmente ou por procurador especialmente autorizado.
2. A confissão judicial provocada pode ser feita em depoimento de parte ou em prestação de informações ou esclarecimentos ao tribunal.”
Em termos processuais, prevê-se no n.º 1 do artigo 452.º do CPC que “O juiz pode, em qualquer estado do processo, determinar a comparência pessoal das partes para a prestação de depoimento, informações ou esclarecimentos sobre factos que interessem à decisão da causa”, mais acrescentando o seu n.º 2, que “Quando o depoimento seja requerido por alguma das partes, devem indicar-se logo, de forma discriminada, os factos sobre que há de recair”, estabelece depois o artigo 454.º, n.º 1, que “O depoimento só pode ter por objeto factos pessoais ou de que o depoente deva ter conhecimento”, em face de tais normativos, importa esclarecer, desde já, para que não se confundam uma e outra das previstas realidades, que “o depoimento de parte constitui um meio de provocar a confissão”.[1] A lei processual refere-se a depoimento sobre factos, sendo que, no mesmo sentido, o artigo 352.º do Código Civil (CC), ao definir como confissão “o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária” – estando aí em causa, assim, nisso consistindo a confissão, como sugere JOSÉ LEBRE DE FREITAS[2], o reconhecimento “dum facto constitutivo dum seu dever ou sujeição, extintivo ou impeditivo dum seu direito ou modificativo duma situação jurídica em sentido contrário ao seu interesse, ou, ao invés, a negação da realidade dum facto favorável ao declarante, isto é, dum facto constitutivo dum seu direito, extintivo ou impeditivo dum seu dever ou sujeição ou modificativo duma situação jurídica no sentido do seu interesse.” Dispõe-se, por sua vez, no artigo 453.º, n.º 2, do mesmo Código, que “Pode requerer-se o depoimento de (…) representantes de (…) pessoas coletivas ou sociedades”, sendo que, “porém, o depoimento só tem valor de confissão nos precisos termos em que (…) estes possam obrigar os seus representados”.
Do que resulta das normas antes indicadas, pode pois a confissão judicial ser espontaneamente feita nos articulados, segundo as prescrições da lei processual, ou em qualquer outro ato do processo, como pode, ainda, ser provocada através de depoimento de parte que seja requerido pela parte contrária (ou determinado oficiosamente pelo tribunal a título de prestações de informações ou esclarecimentos), sendo que, podendo essa confissão ser feita pela própria parte (pessoa singular) ou no caso das pessoas coletivas / sociedades comerciais através da respetiva administração, porém, o que releva decisivamente para efeitos da questão que nos é colocada no presente recurso, em qualquer desses casos, como se afirma no Acórdão desta Relação de 20 de setembro de 2021[3], entendimento que sufragamos, pode o depoimento ser prestado por procurador com poderes especiais para o ato em causa, atribuídos pela própria parte ou pela dita administração – como refere José Lebre de Freitas, o depoimento de parte pode ser prestado por representante voluntário da própria parte, desde que a procuração emitida confira poderes para confessar[4].
Aliás, como também se refere no mesmo Acórdão:
“E, no que tange às sociedades comerciais, como é o caso dos autos, é também posição pacífica que sendo requerido o seu depoimento de parte, é à mesma sociedade que compete – e não ao requerente – indicar a (s) pessoa (s) que o deve (m) prestar, por aplicação do previsto no artigo 163º, n.º 1 ex vi do artigo 157º, ambos do Cód. Civil. Nesta perspectiva e como se sintetiza no sumário do AC STJ de 12.09.2007, Processo n.º 07S923: “1. Em princípio, compete à sociedade anónima, e não à parte que requereu o depoimento de parte da sociedade, indicar a pessoa que deve prestar esse depoimento.
(…) 2. Tendo o autor requerido o depoimento pessoal da ré (sociedade anónima) na pessoa do presidente do seu conselho de administração e tendo-se limitado o juiz a admitir o depoimento de parte, sem fazer qualquer referência à pessoa que o devia prestar, o caso julgado formal que sobre aquele despacho se formou não abrange a pretensão por ele requerida de que o depoimento fosse prestado pelo presidente do conselho de administração da ré”.[5]
Sendo assim, não acompanhamos a decisão recorrida quando, contrariando o regime que antes expusemos, não permitiu que a Ré pudesse prestar o depoimento de parte que havia sido admitido através da pessoa que se apresentou em juízo, mandatado, para o efeito.
De resto, esclareça-se por último, o facto de o depoimento de pessoa coletiva ser prestado por pessoa diversa da dos seus representantes, assim através de procurador especial devidamente mandatado para o efeito, em nada interfere com a validade do ato confessório, pois que, em face daquele ato especial de atribuição de poderes, qualquer confissão que venha a ocorrer vincula aquela pessoa coletiva.
Procede, assim, o presente recurso, com a consequente revogação da decisão recorrida, a qual é substituída, no presente acórdão, por decisão que admite que a Ré possa prestar depoimento de parte através de procurador especial mandatado para o efeito.
A responsabilidade pelas custas no presente recurso impende sobre a Apelada (artigo 527.º do CPC).
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Sumário – a que alude o artigo 663.º, n.º 7 do CPC:
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IV - DECISÃO
Por decorrência do exposto, acordam os juízes que integram a Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, na procedência do recurso, em revogar a decisão recorrida, sendo essa substituída por decisão em que se admite que a Ré possa prestar o depoimento de parte que foi requerido e admitido através de procurador especial mandatado para o efeito.

Custas pela Recorrida.

Porto, 14 de março de 2022
(assinado digitalmente)
Nelson Fernandes
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
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[1] José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil – Anotado, vol. II, 2ª edição, Coimbra Editora, 2008, pag. 496.
[2] A Ação Declarativa Comum – Á Luz do Código Revisto, Coimbra, Coimbra Editora, 2000, pag. 227-228.
[3] In www.dgsi.pt, Relator Desembargador, Jorge Seabra
[4] A Confissão no Direito Probatório, pág. 75-76; No mesmo sentido, ainda, A. ABRANTES GERALDES, P. PIMENTA, L. PIRES de SOUSA, “CPC Anotado”, I volume, 2ª edição, pág. 541.
[5] Correspondente à nota [3]: “AC STJ de 12.09.2007, relator Sr. Juiz Conselheiro SOUSA PEIXOTO; No mesmo sentido, vide, ainda, AC RP de 9.07.2014, relator Sr.ª Juíza Desembargadora PAULA LEAL de CARVALHO, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.”