Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | JOSÉ NUNO DUARTE | ||
| Descritores: | RETIFICAÇÃO DE ERROS MATERIAIS OBRIGAÇÃO INDIVISÍVEL | ||
| Nº do Documento: | RP202510136214/23.8T8PRT.P1 | ||
| Data do Acordão: | 10/13/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA | ||
| Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I – Apesar de o n.º 2 do artigo 614.º do Código do Processo Civil parecer impor que a rectificação de erros materiais da sentença, em caso de recurso, ocorra antes de este subir, como se encontra aí previsto, também, que as partes podem alegar perante o tribunal superior o que entendam sobre a rectificação, nada obsta a que, quando o tribunal a quo não se pronuncia sobre algum pedido de rectificação, seja o tribunal ad quem a decidir o mesmo. II –Para se aferir da divisibilidade ou da indivisibilidade de uma obrigação, acima de tudo, há que apurar se a prestação devida é, ou não, susceptível de fraccionamento; a indivisibilidade, porém, não se verifica apenas quando a prestação, pela sua própria natureza, não pode ser ser fraccionada ou repartida sem prejuízo da sua substância ou do seu valor (indivisibilidade natural), podendo também ser determinada por exigência da lei (indivisibilidade legal) ou por estipulação das partes (indivisibilidade convencional); quando a obrigação tem por objecto a celebração de um negócio jurídico, a questão da divisibilidade não se decide em função da declaração negocial prometida, mas do direito a que a declaração se refere. III – Tendo a R. prometido, como forma de pagamento de uma dívida sua para com dois credores, transmitir para estes o direito de propriedade de uma fracção autónoma, na proporção de metade para cada um, quem esteja investido na posição contratual de um destes credores pode exigir da devedora que transmita para si o direito de propriedade sobre metade indivisa desse imóvel. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Processo: 6214/23.8T8PRT.P1 Relator: José Nuno Duarte; 1.º Adjunto: Jorge Martins Ribeiro; 2.ª Adjunta: Teresa Fonseca. Acordam os juízes signatários no Tribunal da Relação do Porto: I – RELATÓRIO AA, com o NIF ..., intentou acção declarativa em processo comum contra BB, com o NIF ..., peticionando que: a) a Ré seja condenada a reconhecer a Autora como única e universal herdeira da herança aberta por óbito de CC e, consequentemente, condenada a reconhecer que a Autora passou a ter no Contrato Promessa de Dação em Pagamento de 22 de Junho de 2018 (adiante junto como Doc 10) a posição contratual de sua credora que inicialmente foi do, entretanto, falecido CC. b) seja decretada a execução específica da obrigação da Ré, constante do Contrato Promessa de Dação em Pagamento de 22/06/2018, acima identificado e adiante junto como Doc. nº 10, nos termos do artigo 830.º/1 do Código Civil, declarando-se transmitida, por força da sentença, a favor da Autora, única sucessora do falecido promitente adquirente, o direito de propriedade, livre de quaisquer ónus e encargos, sobre metade indivisa da fração autónoma acima devidamente identificada em 8., ou seja: fração autónoma designada pela letra “F”, correspondente a uma habitação no segundo andar esquerdo, com entrada pelo n.º ..., e garagem na cave identificada com a letra “F”, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal sito na Rua ..., da freguesia ..., concelho do Porto, descrito na conservatória do registo predial do Porto sob o n.º ... – freguesia ... (Porto), e inscrito na competente matriz predial urbana sob o artigo ...-F, pelo preço de €35.000,00 (trinta e cinco mil euros), já pago; c) após o trânsito em julgado, o Tribunal proceda à notificação da douta sentença à Conservatória do Registo Predial do Porto e ao respectivo Serviço de Finanças do Porto para que, por efeito da sentença, a Conservatória proceda à alteração das inscrições relativas à Descrição nº ... – ..., passando a constar no Registo Predial que o direito de propriedade quanto metade indivisa da supra identificada fracção autónoma “F” pertence à Autora e para que a AT/Serviço de Finanças do Porto altere na respectiva matriz a titularidade do artigo matricial urbano ...-F, freguesia ..., por forma a que metade indivisa desse artigo passe para a titularidade da Autora; d) a Ré seja condenada no pagamento de custas. Para fundamentar o seu pedido, a A. alegou, em síntese, que: - em hora e data ignorados do mês de Março de 2022 faleceu, no estado de solteiro e sem ascendentes ou descendentes sobrevivos, CC; - o falecido CC por testamento público outorgado em 24 de Junho de 2019 - que se encontrava válido e em vigor aquando do seu óbito-, instituiu a Autora como sua única e universal herdeira; - em 19 de Junho de 2018, a Ré celebrou, na qualidade de compradora, um contrato de compra e venda que teve como objecto a fração autónoma designada pela letra “F”, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal sito na Rua ..., da freguesia ..., concelho do Porto, descrito na conservatória do registo predial do Porto sob o n.º ... e inscrito na competente matriz predial urbana sob o artigo ...-F; - o preço dessa compra e venda foi de €: 63.000,00 e foi pago, na totalidade, pelo falecido CC e pela mãe da Ré, DD; - em 22 de Junho de 2018, a Ré outorgou com o falecido CC e com DD um contrato-promessa de dação em cumprimento, expressamente sujeito ao regime de execução específica, nos termos do qual a Ré confessou-se devedora ao, entretanto, falecido CC e a DD da quantia de €70.000,00 (Setenta Mil Euros) e, como forma de pagamento dessa quantia, prometeu transmitir para os credores, na proporção de metade para cada um, ou para terceiro que estes lhe indicassem, o direito de propriedade plena sobre a fracção autónoma atrás referida, cabendo aos promitentes adquirentes a marcação da escritura definitiva de dação em pagamento; - a A. já foi instituída como herdeira universal do falecido CC e aceitou a respetiva herança, assumindo, por via disso, a posição que cabia a CC no mencionado contrato-promessa de dação em pagamento; - a A. procedeu ao agendamento em cartório notarial de escritura de dação em pagamento e notificou a R., para comparecer, no sobredito local e no dia e hora designados, a fim de outorgar a escritura de transmissão (por dação em pagamento) de metade indivisa da fração autónoma “F” supra melhor identificada; - a A Ré não compareceu no cartório notarial, no dia e hora agendados, e até hoje nenhuma justificação deu para a sua não comparência. A R. contestou, arguindo a ilegitimidade activa da autora, por preterir a intervenção necessária nos presentes autos da outra outorgante do contrato-promessa, mais alegando que, em virtude de as partes outorgantes do contrato terem incumprido todas as obrigações a que estavam vinculadas, desde o primeiro dia e durante quase quatro anos, até à morte de CC, demonstrando assim um absoluto desinteresse na sua execução, o contrato se extinguiu por “duplo comportamento volitivo concludente”, o que constitui motivo para que seja absolvida dos pedidos que foram formulados contra si. Finda a fase dos articulados, foi proferido despacho saneador, no qual, entre o mais, foi decidido o seguinte: - «(…) julgo totalmente improcedente a invocada exceção dilatória de ilegitimidade ativa da autora.» O processo seguiu os seus regulares termos e, pós ser realizada a audiência final, foi proferida sentença na qual se decidiu o seguinte: «(…) Julgo a presente ação procedente e, em consequência: - condeno a ré a reconhecer a autora como única e universal herdeira da herança aberta por óbito de CC e por tal como a sucessora do falecido na posição que este tinha no contrato promessa de dação em pagamento celebrado em 22/6/2018. - declaro transmitido a favor da autora, na qualidade de única sucessora de CC, o direito de propriedade, livre de quaisquer ónus e encargos, sobre metade indivisa do bem imóvel que é a fracção autónoma designada pela letra “F” correspondente a uma habitação no segundo andar esquerdo, com entrada pelo n.º ..., e garagem na cave identificado pela letra “F”, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal situado na Rua ..., da freguesia ..., concelho do Porto, descrito na conservatória do registo predial do Porto sob o n.º ... e inscrito na matriz predial urbana sob o art.º ...-F, em cumprimento do contrato promessa de dação em pagamento celebrado em 22/6/2018. - Determino que, após o trânsito em julgado da presente sentença, seja a mesma comunicada à AT e à CRP a fim de ser realizada a inscrição correspondente ao ora decidido. Custas a cargo da ré art.º 527.º do Código de Processo Civil.» - A R. veio recorrer desta decisão, apresentado alegações que foram finalizadas com as seguintes conclusões:(…) - A A. apresentou contra-alegações, formulando, no final das mesmas, as seguintes conclusões:(…) - O recurso foi admitido por despacho, que, correctamente, o classificou como sendo de apelação e lhe atribuiu efeito meramente devolutivo, ordenando a sua subida, nos próprios autos, a este Tribunal da Relação.Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO Considerando que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos recorrentes, sem prejuízo da apreciação por parte do tribunal ad quem de eventuais questões que se coloquem de conhecimento oficioso, bem como da não sujeição do tribunal à alegação das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (cf. artigos 5.º, n.º 3, 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código do Processo Civil), as questões a tratar são as seguintes: A) se se verifica a ilegitimidade processual da A, por preterição do litisconsórcio necessário activo. B) se a matéria de facto deve ser alterada em conformidade com o propugnado pela recorrente; C) se se verificam os pressupostos necessários para que seja declarada a execução específica do contrato-promessa subscrito pelas partes. *** III – FUNDAMENTAÇÃOA) Da legitimidade da autora A legitimidade das partes é, entre nós, um pressuposto processual que, de acordo com o artigo 30.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, se afere pelo interesse directo que os A. tem em demandar e os R. tem em contradizer, em razão, respectivamente, da utilidade ou do prejuízo que a procedência da acção acarretará. Procura-se assegurar, assim, a presença e intervenção na lide daqueles a quem, efectivamente, a relação jurídica material submetida à apreciação do tribunal diz respeito. Suscitou-se já acesa polémica sobre como devem ser determinados os sujeitos da relação material controvertida, a qual, no entanto, há muito está ultrapassada mediante o esclarecimento do actual n.º 3 do artigo 30º do Código de Processo Civil: “na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida tal como é configurada pelo autor”. Como tal, dúvidas não restam de que a legitimidade, em princípio, deve ser apreciada de harmonia com a posição do autor e do réu em relação ao objecto do processo e aferir-se dos termos em que o demandante alega e pede de útil para si e de prejuízo para o demandado, independentemente de o direito que ele se arroga vir ou não a ser reconhecido. Todavia, conforme estabelecido no artigo 30.º do Código do Processo Civil, se a relação jurídica controvertida respeitar a várias pessoas e a lei ou o negócio exigir a intervenção de todos os interessados, a falta de qualquer deles é motivo de ilegitimidade; do mesmo modo, será necessária a intervenção de todos os interessados quando, pela própria natureza da relação jurídica, essa intervenção seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal, ou seja, regule definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado. No caso sub judice, afigura-se-nos que, de acordo com a configuração factual da presente acção constante na petição inicial, a relação material controvertida, sob o ponto de vista activo, diz respeito apenas à A. É verdade que a esta surge nos autos a peticionar a execução específica de um contrato-promessa em que a R. prometeu transmitir a propriedade de um imóvel para CC, de quem a A. é a única e universal herdeira, e para uma terceira pessoa que não é interveniente da acção, DD. Todavia, uma vez que a R. prometeu transmitir a propriedade do referido imóvel na proporção de metade para cada um dos dois promitentes-adquirentes e porque, na presente acção, a A. apenas peticiona que, através do mecanismo da execução específica, seja transmitida para si metade indivisa do imóvel, não só não existe qualquer exigência legal ou contratual que reclame que DD participe da lide, como também a decisão a proferir pelo tribunal produzirá o seu efeito útil normal, já que, por um lado, terá aptidão para regular definitivamente a situação concreta da A. e da R. relativamente à matéria do pedido e, por outro lado, não afectará a posição contratual de DD, nem qualquer dos vínculos contratuais estabelecidos entre esta e a R.. Pelo exposto, conclui-se no sentido da legitimidade processual da autora, julgando-se, por isso, improcedente o recurso interposto quanto à decisão que, sobre esta questão, foi proferida pelo tribunal a quo no despacho de saneamento do processo. B) Dos factos 1. Tendo a recorrente peticionado a modificação de alguma da matéria de facto que foi fixada na sentença recorrida, importa, antes de mais, atentar nos factos que foram dados como provados e como não provados na primeira instância. Os mesmos foram os seguintes: Factos Provados 1. Em hora e data ignorados do mês de março de 2022 faleceu CC, natural da freguesia ..., concelho do Porto, com última residência habitual na Rua ..., no Porto. 2. O sobredito CC faleceu no estado de solteiro, sem ascendentes ou descendentes sobrevivos. 3. Por testamento público outorgado em 24/6/2019, no Cartório Notarial da Dra. EE, o falecido CC instituiu a autora como sua única e universal herdeira. 4. O testamento referido não foi revogado, pelo que se encontrava válido e em vigor aquando do óbito de CC, tendo, por conseguinte, sido nele averbado o óbito do testador e a autora foi já instituída como herdeira universal daquele aceitando a respetiva herança, pelo que por via da sucessão aberta pelo óbito a autora adquiriu os direitos que cabiam a CC e à herança aberta por óbito deste. 5. A 19/6/2018 a ré celebrou, na qualidade de compradora, um contrato de compra e venda tendo como objeto a fração autónoma designada pela letra “F” correspondente a uma habitação no segundo andar esquerdo, com entrada pelo n.º ..., e garagem na cave identificado com a letra “F” do prédio urbano constituído em propriedade horizontal sito na Rua ..., da freguesia ..., concelho do Porto, descrito na conservatória do registo predial do Porto sob o n.º ... e inscrito na matriz predial urbana sob o art.º ...-F. 6. O contrato de compra e venda foi celebrado através de documento particular autenticado, onde intervieram, como vendedores, FF e mulher, GG, e como compradora a ré. 7. Sendo que foi o falecido CC quem pagou, naquele dia 19/6/2018, o imposto de selo devido pela aquisição da supra identificada Fração autónoma “F”, no montante de 504,00 euros. 8. O preço da compra e venda foi de 63.000,00 euros. 9. A ré procedeu ao registo, na conservatória do registo predial, do direito de propriedade sobre a fracção autónoma “F” em 6/05/2019, pela apresentação Ap. ..., de 2019/05/06. 10. Sucede, porém, que a ré nunca pagou, sequer parcialmente, o preço de aquisição da fração autónoma tendo os anteriores proprietários/vendedores daquela fração recebido a totalidade do preço - 63.000,00 euros - do falecido CC e da mãe da ré, DD. 11. Em 5/2/2015 foi outorgado contrato promessa de compra e venda relativo à fração autónoma referida, no qual foram promitentes compradores, o falecido CC e a ré; tendo nessa data sido entregue a título de sinal a quantia de 25.000,00 euros pelo CC e ficado acordado que o remanescente do preço, no montante de 38.000,00 euros, seria entregue aos promitentes vendedores até ao dia 20/2/2015; o qual veio a ser entregue em 26/2/2015, tendo, nessa data, os promitentes vendedores emitido uma declaração que intitularam de “Recibo de Liquidação Integral do Preço”. 12. A quantia de 25.000,00 euros referida em 12., foi entregue através do cheque n.º ..., sacado sobre a conta n.º ... da Banco 1..., SA, por ordem do falecido CC, dado ratar-se da sua conta bancária. 13. O remanescente do preço, no valor de 38.000,00 euros, foi entregue do cheque n.º ... sacado sob a conta do Banco 2... n.º ..., titulada pela mãe da ré - DD. 14. Sendo que daquele valor de 38.000,00 euros, a quantia de 31.500,00 euros eram pertença da mãe da ré e o restante, no valor de 6.500,00 euros pertencia ao falecido CC. 15. Deste modo, a contribuição dos promitentes compradores - DD e CC - para o pagamento do preço total da compra e venda da fração “F” foi realizada na proporção de metade para cada um. 16. Foram também o falecido CC e a mãe da ré, DD, quem assumiu o pagamento, em igual proporção, das despesas relacionadas com a formalização do contrato promessa de 5/2/2015 e documentos subsequentes, nomeadamente a procuração de 26/2/2015. 17. E foram também aqueles quem assumiu o pagamento das despesas quanto ao contrato definitivo de 18/6/2018, respetivo registo predial, bem como todos os custos com serviços, projetos, despesas de condomínio, água e eletricidade, relativos à supra identificada fração autónoma “F”, desde 5/12/2015 até 2019. 18. A 22/6/2018, o falecido CC e a mãe da ré, DD, na qualidade de credores, celebraram com a ré, na qualidade de devedora, o acordo que intitularam de contrato promessa de dação em pagamento, nos termos do qual estabeleceram que: “(…) E) (…) Primeira contraente (a ré) confessa-se devedora aos segundos contraentes (o CC e DD), em comum e partes iguais, da quantia de 70.000,00 € (…) CLAÚSULAS PRIMEIRA Como forma de quantia global de 70.000,00 € (…) a Primeira contraente promete transmitir para os segundos contraentes, na proporção de metade para cada um, o direito de propriedade plena, livre de quaisquer ónus ou encargos, sobre a sua fração autónoma devidamente identificada (…) (o imóvel descrito em 5.); dação em pagamento que os segundos contraentes aceitam. SEGUNDA Fica na inteira disponibilidade dos segundos contraentes optarem por a transmissão do direito de propriedade, livre de ónus e encargos, sobre a referida fração autónoma, vir a ser efetuada da titularidade da sua actual proprietária (…), para qualquer terceiro, pessoa individual e colectiva, que os segundos contraentes lhe indiquem para o efeito, através de declaração subscrita por ambos os segundos contraentes. TERCEIRA A primeira contraente ficará absolutamente desonerada da totalidade da dívida que presentemente tem com os segundos contraentes (…) com a formalização da sua transmissão do direito de propriedade plena, livre de ónus e encargos, da fracção acima identificada (…) quer no caso da opção dos segundos contraentes ser a dação em pagamento (…) quer no caso estes optem pela venda a terceiro (…) QUARTA 1. A responsabilidade pela marcação do contrato definitivo (…) é dos segundos contraentes, que se obrigam a avisar a primeira da respectiva data, hora e local com uma antecedência de, pelo menos, 10 dias seguidos e por qualquer meio idóneo escrito. 2. São da conta dos segundos contraentes todas as despesas (…) QUINTA A primeira contraente outorgará procuração aos segundos contraentes constituindo-os seus legítimos e bastantes procuradores para a prática de vários atos e contratos relativos à fracção autónoma (…) nomeadamente para a outorga de contrato promessa, contrato definitivo de compra e venda, procuração essa em tudo idêntica à outorgada em 05fevereiro.2015 (…) SEXTA Todas as despesas com a supra mencionada fração autónoma, tais como água, eletricidade, condomínio, obras, projetos são da exclusiva responsabilidade, em comum e partes iguais, dos aqui segundos contraentes. SÉTIMA Os segundos contraentes podem escolher o valor ou preço que será declarado no contrato definitivo de dação em pagamento ou de compra e venda (…) inerente à transmissão do direito de propriedade sobre a fracção aut´noma (…), sendo que os segundos contraentes desde já se obrigam a pagar à primeira o montante que, eventualmente ela venha a ter de mais valia em sede de IRS, mais vaia essa decorrente da diferença que existir entre um maior valor ou preço na transmissão feita pela primeira contraente relativamente ao preço de aquisição da fração em causa, declarado no DPA de compra e venda de 19.06.2018. OITAVA 1. Os segundos contraentes podem continuar a realizar as obras na fracção autónoma (…) na condição de serem totalmente responsáveis por todos os custos inerentes, incluindo os de licenciamento e autorização administrativa, se existirem. 2. Os segundos contraentes podem, em representação da primeira, celebrar contratos de promoção e intermediação de venda da supra identificada fração autónoma, sob a condição de serem os únicos responsáveis por todos os custos inerentes. NONA (…) DÉCIMA (…) DÉCIMA PRIMEIRA Os contraentes declaram mutuamente que submetem o presente contrato promessa ao regime da execução específica do art.º 830.º do Código Civil (…). 19. O falecido CC continuou a estar, como estava, aquando da promessa de compra e venda da fracção “F” em que havia intervindo, na posse dessa fração autónoma identificada. 20. As chaves dessa fração continuaram a estar na posse do falecido CC; e, agora, na posse da autora. 21. Aquando do decesso de CC ainda não havia sido outorgado o contrato definitivo de dação em pagamento; como até hoje não o foi. 22. Assim, por carta registada com aviso de receção, datada de 13/7/2022, rececionada a 15/7, a autora comunicou à ré a sua qualidade de única herdeira do CC e, bem assim, a sua intenção de outorgar o acordo definitivo respeitante à promessa celebrada, solicitando a indicação de data e hora para a sua concretização. 23. Face à inação da ré a autora, por carta registada com aviso de receção, datada de 2/11/2022, rececionada pela ré, comunicou a data, o local e a hora da outorga da escritura pública de dação em pagamento de metade indivisa da referida fração autónoma 17/11/2022, às 16.00 horas, no Cartório Notarial da Notária Dra. HH. 24. No dia e hora agendados, a autora compareceu no Cartório para a outorga da escritura da dação em pagamento, o mesmo não o tendo feito a ré. 25. Nos anos de 2020 a 2023 foi a ré quem pagou as despesas de condomínio. 26. O seguro multi-riscos de habitação nos anos de 2019 a 2023 foi titulado e liquidado pela ré. 27. E é a ré quem líquida anualmente o Imposto Municipal sobre Imóveis. 28. Inexistem despesas de consumos de água e eletricidade por o imóvel não ter fornecimento destes serviços, em face da demolição que foi empreendida pelo CC. 29. Desde a celebração do acordo referido em 19. e até ao falecimento do CC, nem este, nem a DD, nem a ré emitiram qualquer interpelação destinada à outorga do acordo definitivo. Factos não provados: «Todos os que contrariam ou excedem os acima expostos, bem como aqueles que não foram simplesmente demonstrados, nomeadamente: - os alegados nos art.ºs 20.º, 42.º, 44.º, 47.º, parte final da contestação. - que as despesas relacionadas projetos de arquitetura apresentados na Câmara Municipal ... para reabilitação da fração, água e eletricidade tenham sido suportadas, desde 5/2/2015, pelo falecido CC.» 2. Relativamente a esta factualidade, começou a recorrente por pedir a rectificação dos erros materiais que aponta terem sido cometidos na redacção dos pontos 12 e 29 dos Factos Provados. O artigo 614.º, n.º 2, do Código do Processo Civil parece impor que, em caso de recurso, a rectificação de erros materiais ocorra antes de este subir. Contudo, como o preceito legal também estabelece que as partes podem alegar perante o tribunal superior o que entendam sobre a rectificação, entende-se – conforme, aliás, já expresso noutros arestos [1] –, que nada obsta a que, quando o tribunal a quo não se pronuncia sobre algum pedido de rectificação, seja o tribunal ad quem a decidir o mesmo. Assim, no caso dos autos, importa aferir se, realmente, a factualidade fixada enferma dos lapsos de escrita assinalados pelo recorrente. Desde já se diga que sim, pois é por demais evidente que: - a quantia de 25.000,00 euros encontra-se mencionada no ponto 11. dos factos provados e, por isso, quando, no ponto 12. dos factos provados, se referencia essa quantia, a remissão que aí consta só pode ser para o ponto 11; - no ponto 12, certamente por lapso, foi omitida a letra inicial “t” quando se escrever “ratar-se”; - o teor do acordo intitulado “contrato-promessa de dação em pagamento” encontra-se mencionado no ponto 18 dos factos provados e, por isso, quando, no ponto 29 dos factos provados, se referencia esse acordo, a remissão que aí consta só pode ser para o ponto 18. Todos estes lapsos são apreensíveis a partir da simples leitura do texto da sentença onde figuram, mostrando-se, por isso, preenchidos os requisitos estabelecidos no artigo 249.º do Código Civil (aplicável, por força do disposto no artigo 295.º do mesmo código, aos actos jurídicos) para que se opere a rectificação dos erros de escrita correspondentes. Como tal, sem necessidade de mais desenvolvimentos, determina-se a rectificação da redacção dos pontos 12 e 29 dos Factos Provados, passando o teor destes pontos, por via disso, a ser o seguinte: 12. A quantia de 25.000,00 euros referida em 11., foi entregue através do cheque n.º ..., sacado sobre a conta n.º ... da Banco 1..., SA, por ordem do falecido CC, dado tratar-se da sua conta bancária. 29. Desde a celebração do acordo referido em 18. e até ao falecimento do CC, nem este, nem a DD, nem a ré emitiram qualquer interpelação destinada à outorga do acordo definitivo 3. Importa centrar a nossa atenção, agora, na impugnação da decisão sobre a matéria de facto, propriamente dita, a qual, conforme resulta das conclusões da alegação de recurso, incidiu sobre a factualidade dada como provada nos pontos 17), 19) e 20) da sentença recorrida, mais abrangendo a pretensão deduzida pela recorrente no sentido de a lista de factos provados passar a integrar um novo facto com o seguinte teor: «O interior da fração “F” foi totalmente demolido no seu interior, à excepção das paredes e elementos estruturais, por acção do falecido CC, em data anterior à celebração do contrato referido em 18.». No que diz respeito a este último ponto, impõe-se observar, desde já, que a factualidade que a recorrente pretende aditar aos factos provados não consta da contestação oferecida nos autos, nem de qualquer outro articulado que a ora recorrente, para se defender dos pedidos formulados pela A. e fazer valer a sua posição quanto ao objecto do litígio, tenha apresentado ao longo do processo. Ora, como se sabe, o nosso sistema legal adere à chamada teoria da substanciação segundo a qual a acção não se individualiza através do conteúdo do direito invocado (teoria da individualização), mas, sim, pela causa (facto genético) do direito [2], o que, entre o mais, leva a que, como decorre do estabelecido no artigo 5.º do Código do Processo Civil, o juiz apenas possa fundar a sua decisão nos factos essenciais alegados pelas partes que constituem a causa de pedir (ou seja, nos factos dos quais procede o efeito que se pretende obter com a acção – cf. artigo 581.º, n.º 4, do Código do Processo Civil) e naqueles em que se baseiam as excepções invocadas; para além destes, apenas poderão ser considerados factos notórios ou de que o julgador tenha conhecimento por virtude do exercício das suas funções, bem como factos instrumentais que resultem da instrução da causa ou que complementem ou concretizem factos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, necessário sendo, porém, neste último caso, que as partes tenham tido a oportunidade de se pronunciar sobre eles. No caso sub judice, o facto de o falecido CC ter promovido a demolição do interior da fracção “F” em data anterior à celebração do contrato-promessa referidos nos autos, para além de não ser – manifestamente – um facto público ou notório ou um facto que o tribunal tenha afirmado ser do seu conhecimento oficioso, não se trata, também, de um facto que tenha sido alegado pelas partes durante os articulados, nem de um facto que o tribunal ou alguma das partes haja introduzido no âmbito da discussão do litígio que se efectuou em primeira instância (com vista, designadamente, ao exercício do contraditório e ao seu subsequente conhecimento). Como tal, não pode também tal facto ser considerado ou aferido no âmbito do presente recurso [3]. Pelo exposto, indefere-se o pretendido aditamento de um novo facto ao leque dos Factos Provados. 4. No que concerne ao facto provado 17, a recorrente defende que no mesmo apenas deve continuar a constar que foram o falecido CC e a mãe da ré, DD, quem assumiu o pagamento das despesas quanto ao contrato definitivo de 18/6/2018 e respectivo registo predial, eliminando-se dele a restante parte da matéria de facto cujo teor é o seguinte “…bem como todos os custos com serviços, projectos, despesas de condomínio, água e eletricidade, relativos à supra identificada fração autónoma “F”, desde 5/12/2015 até 2019”. O tribunal a quo justificou a sua decisão da seguinte forma: “[a] demonstração do facto descrito no ponto 17 resultou da conjugação dos emails trocados entre o CC e a mãe da ré com os comprovativos do seguro de multirriscos, quotas de condomínio e IMI pela ré a partir do ano de 2020 até ao ano de 2023…”. Contrapõe, no entanto, a recorrente, em suma, que: - inexistem quaisquer documentos que demonstrem quaisquer consumos de água e electricidade a partir da celebração do contrato outorgado em 22.06.2018; - tendo sido dado como provado no facto 28 que deixou de ser fornecida água e electricidade à fracção autónoma desde que se verificou a demolição que foi empreendida pelo CC, resultou dos testemunhos prestados em julgamento, nomeadamente pela arquitecta II, que a demolição do interior do apartamento já estava consumada em 2016; - os documentos n.ºs 2 a 5 juntos com a contestação comprovam que é a R. quem, desde a data da celebração do contrato em causa, procede à liquidação dos valores devidos ao condomínio, não podendo a força probatória decorrente destes elementos ser abalada pelo simples facto o falecido CC ter trocado emails com DD em que afirma terem sido estes que pagaram as quotas de condomínio até final de 2019. No que diz respeito à questão do pagamento dos consumos de água e electricidade, temos que dar razão à Recorrente, pois, realmente, a arquitecta II, nas declarações que prestou, apesar de não conseguir ser completamente precisa, estimou que em 2016, aquando da sua segunda visita ao apartamento, já se haviam realizado as obras de demolição do interior do mesmo, o que, conjugado com aquilo que foi dado como provado no ponto 28 da sentença recorrida, deve levar a que se conclua que, tal como a R. alegou no artigo 41 da sua contestação, pelo menos em 19-06-2018, já não havia fornecimento de água e electricidade à fracção. Quanto aos pagamentos das contribuições devidas ao condomínio, analisado o teor das mensagens electrónicas juntas aos autos com o requerimento da A. com a ref.ª citius 37707497, de 3-01-2024, verifica-se que DD, no email que enviou para CC em 8-02-2019, referiu, efectivamente, que havia pagado o valor de 250 €, respeitante a dez meses (de Março a Dezembro) de 2018, e o valor de 300 €, relativo aos doze meses de 2019, o que inclusive motivou que CC, em resposta, manifestasse o seu desagrado por ela ter tomado a iniciativa de, sem o consultar, adiantar o pagamento das mensalidades de 2019 que, então, ainda não se haviam vencido. Até devido à coincidência de valores, referir-se-ão a esses pagamentos os dois “talões de multibanco” constantes do doc. 2 junto com a contestação, os quais comprovam que, em Fevereiro de 2019, foram efectuadas duas transferências monetárias, uma de 250 € e a outra de 300 €, para “JJ”, pessoa que foi ouvida na audiência de julgamento, e que confirmou que, à data, era o administrador do condomínio. Dado, porém, que JJ afirmou desconhecer quem procedeu ao pagamento das quotas do condomínio e porque a simples leitura dos mencionados “talões de multibanco” não permite estabelecer quem era ou eram os titulares da conta bancária de onde foram feitas as transferências monetárias, é forçoso reconhecer que, apesar daquilo que DD afirmou no email de 8-02-2019, não é possível ter como certo se os pagamentos em causa foram feitos com meios pertencentes a esta ou à sua filha, a ora Ré e recorrente. Por outro lado, o doc. 3 junto com a contestação mostra-se também inconclusivo quanto a esta questão, pois, tratando-se de um extracto da conta corrente existente entre a administração do condomínio e BB, nenhuma ilação pode ser retirada do facto se aí surgir o nome da ora recorrente, já que esta, devido ao registo da fracção autónoma em seu nome, era, naturalmente, a condómina do imóvel. A propósito, porém, da factualidade vertida no ponto 17 dos Factos Provados, impõe-se observar que a mesma se funda naquilo que foi referido pela A. nos artigos 15.º e 24.º e, aí, apenas se alega que a Ré, durante o período temporal compreendido entre 5-02-2015 e a data da formalização do contrato definitivo de compra e venda da fracção autónoma (ocorrida em 19-06-2018), nunca assumiu o pagamento das despesas relativas ao contrato de compra e venda, ao respectivo registo predial e a todos os custos com serviços, projectos, despesas de condomínio, água e electricidade, já que o pagamento de todas essas despesas foi assegurado, sim, pelo falecido CC e por DD. Por outro lado, a R., na sua contestação, não obstante ter afirmado em termos genéricos que impugnava o teor do artigo 24.º da contestação, limitou-se a contrapor que, a partir de 19.06.2018, assumiu o pagamento de todas as despesas de condomínio (bem como do seguro multirrisco da habitação e do IMI devido), mais acrescentando que “inexistem quaisquer despesas a documentar a título de consumos de água e electricidade (…) uma vez que não se encontram estabelecidos os respectivos contratos de fornecimento…”. Desta forma, o tribunal a quo, quando deu como provado que o falecido CC e a mãe da ré, DD, procederam ao pagamento das despesas discriminadas no ponto 17 “desde 5/12/2015 até 2019”, alargou o âmbito temporal da alegação da A.. Face a tal, terá agora que ser corrigida essa situação. Concomitantemente, conjugando-se o facto de a R., em 22/6/2018, ter-se declarado devedora a CC e à sua mãe DD, “em comum e em partes iguais”, de 70.000,00 €, com o facto de resultar do teor dos emails que foram documentados nos autos em 3-01-2024 que o falecido CC e DD diligenciavam por reformar e vender o apartamento que veio a ser adquirido em nome da R. e, nesse âmbito, se concertavam para, em conjunto, assegurarem o pagamento das despesas relativas ao imóvel, dever-se-á também considerar provado que, pelo menos até 19-06-2018, todas as despesas relativas à fracção que são referidas no ponto de facto 17 (e que foi necessário despender em qualquer altura desse período de tempo que decorreu entre 5-02-2015 e 19-06-2018) foram suportadas por CC e DD. Quanto à determinação de quem, a partir de 19-06-2018, suportou as despesas referentes à fracção autónoma, de acordo com as regras de distribuição do ónus da prova (cf. artigo 342.º do Código Civil), competia à R. provar aquilo que alegou. Tal sucedeu no que concerne ao facto de, pelo menos desde 19-06-2018, inexistirem despesas de consumos de água e electricidade (vide facto provado 28), bem como quanto ao facto de ter sido a R. quem, nos anos de 2020 a 2023, pagou as despesas de condomínio, o seguro multi-risco da habitação e o IMI (vide factos provados 25, 26 e 27). No entanto, relativamente a quem foi que assegurou o pagamento das despesas de condomínio desde 19-06-2018 até ao final de 2019, conforme referido supra, escasseou prova concludente, não se podendo ter como certo, a partir do simples teor dos documentos apresentados pela R. na respectiva contestação, que houvesse sido esta a proceder à liquidação de tais despesas. Por tudo o exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a impugnação da decisão relativa ao ponto 17 dos Factos Provados, determinando-se que a redacção deste ponto seja alterada e passe a ser a seguinte: 17. E foram também aqueles quem assumiu o pagamento das despesas quanto ao contrato definitivo de compra e venda da supra identificada fracção autónoma “F” e respectivo registo predial, bem como com todos os custos relativos a essa fracção que, entre 5/12/2015 e 19/6/2018, foram despendidos com serviços, projectos, despesas de condomínio, água e electricidade. 5. A recorrente pugna também pela eliminação do ponto 19 dos Factos Provados, no qual se afirma que o falecido CC, depois de outorgar o acordo intitulado de “contrato-promessa de dação em pagamento”, continuou a estar na posse da fracção autónoma referida nesse acordo. Alega a recorrente que deve ser retirada deste facto a menção ao exercício de “posse” sobre a referida fracção autónoma, já que essa expressão tem teor conclusivo e encerra “uma dimensão jurídica mais ampla do que na linguagem comum” e, uma vez efectuada essa supressão, o facto em causa fica desprovido de qualquer conteúdo útil ou aproveitável. É um facto que o acolhimento, entre nós, do princípio do dispositivo (cf. artigo 5.º do Código de Processo Civil), ao postular que as partes delimitem os termos do litígio mediante a alegação dos factos essenciais que constituem a causa de pedir e daqueles em que se baseiam as excepções invocadas, pressupõe que, para tal, não sejam utilizadas fórmulas desprovidas do necessário substracto factual concreto, pois, como afirmava Alberto dos Reis, “[o] tribunal não conhece de puras abstracções, de meras categorias legais, conhece de factos reais, particulares e concretos e tais factos, quando sejam susceptíveis de produzir efeitos jurídicos, é que constituem a causa de pedir” [4]. Nesta perspectiva, e dado que o conceito de posse, para além de possuir um significado técnico-jurídico específico, encerra ou pode encerrar um conjunto de realidades de diferente natureza, parece-nos claro que a referência, no facto provado 19, à manutenção da situação de posse do falecido CC sobre a fracção autónoma “F” peca pela conclusividade da afirmação, já que só se sabendo quais os concretos actos que CC continuou a desenvolver ou quais os concretos meios de que ele continuou a dispor para poder usufruir das utilidades oferecidas pela referida fracção é que se poderá concluir que ele tinha, ou não, a posse da mesma. Não está aqui em causa, propriamente, a utilização da palavra “posse”, pois esta, a par da sua significação normativa, tem um significado corrente conhecido por qualquer pessoa, o que faz com que a priori não esteja vedado o seu uso na redacção dos factos provados ou não provados [5]. Todavia, a menção ao exercício da posse nos termos que constam no ponto 19 dos Factos Provados da sentença recorrida nada esclarece sobre a realidade verdadeiramente existente e que, para efeitos de aplicação do direito, deve ser considerada ao nível da decisão. Deste modo, reconhecendo-se assistir razão à recorrente nesta questão, determina-se que o facto 19 seja retirado do elenco dos Factos Provados. 6. A recorrente pugna ainda pela alteração do teor do Facto Provado 20 – no qual se refere que, depois da celebração, em 22-06-2018, do acordo intitulado de “contrato-promessa de dação em pagamento” (referido no facto provado 18), as chaves de acesso à fracção ‘F’ “continuaram a estar na posse do falecido CC; e, agora, na posse da autora…” – defendendo que o mesmo passe a ter a seguinte redacção: - “20. As chaves de acesso à fracção “F” mantiveram-se na posse do falecido CC após a celebração do contrato referido em 18, tendo, entretanto em data incerta, a Ré mudado o canhão da fechadura”. Sucede que esta versão dos factos é diferente daquela que a própria Ré/recorrente sustentou nos articulados da presente acção. Com efeito, constata-se que esta, após ser confrontada com o teor dos artigos 44 e 45 da petição inicial (na qual a A. alegou, justamente, que “As chaves desse apartamento /fracção “F” continuaram a estar na posse do falecido CC…”, “…E, agora, na posse da Autora”), veio no artigo 14.º da respectiva contestação contrapor que “tais chaves sempre tiveram, como ainda estão, na posse da Autora…”. Ou seja, a ora recorrente não só não alegou que alguma vez tenha mudado o canhão da fechadura da porta de entrada na fracção autónoma, como aceitou até que as chaves dessa porta estejam na posse da Autora. Assim, dado que, no presente recurso, a recorrente também afirma aceitar que se dê como provado “que o Arquitecto CC manteve as chaves dessa fracção após 22.06.2018…”, nenhum sentido faz alterar o facto que refere que tais chaves, agora, estão na posse da Autora. Por isso, e remetendo-se, quanto ao mais, para tudo quanto foi referido supra sobre a impossibilidade de as partes trazerem para os autos apenas em sede de recurso factos novos que, anteriormente, não foram submetidos a qualquer discussão (o que obsta a que ora se indague se os meios de prova referidos pela recorrente permitem firmar que o canhão da fechadura foi, efectivamente, mudado), não pode a pretensão da recorrente proceder. Pelo exposto, julga-se improcedente a impugnação da decisão proferida quanto ao ponto 20 dos Factos Provados. C) Do direito A presente acção foi interposta pela ora recorrida, AA, com vista a obter sentença que, nos termos previstos no artigos 830.º do Código Civil, produza os efeitos da declaração negocial de venda a que a Ré, BB, se obrigou no contrato-promessa de dação em cumprimento que outorgou em 22 de Junho de 2018 e que, por via disso seja declarada a transmissão para a Autora, enquanto única sucessora do falecido promitente adquirente, CC, o direito de propriedade, livre de quaisquer ónus e encargos, sobre metade indivisa da fracção “F” do prédio urbano descrito na conservatória do registo predial do Porto sob o n.º ... e inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o artigo .... Na sentença recorrida, foram julgados preenchidos os pressupostos legais necessários para o exercício desse direito de execução específica, bem como os demais relativos à investidura da Autora, como única e universal herdeira do falecido CC, na posição deste no referido contrato-promessa de dação em pagamento. A recorrente insurge-se contra esta decisão, alegando, fundamentalmente, que, devido a comportamentos concludentes assumidos após a celebração do contrato-promessa pelos respectivos subscritores – que inobservaram reiteradamente as obrigações bilaterais que assumiram, com isso demonstrando pleno desinteresse no cumprimento do negócio prometido – o referido contrato se extinguiu “por um duplo comportamento volitivo concludente”. Para melhor sustentar esta sua posição impugnaram parte da matéria de facto fixada na primeira instância, tendo, neste sede recursiva, logrado obter algumas alterações ao nível dos Factos Provados. Analisada, porém, a factualidade que se encontra agora fixada nos autos, não se vislumbra que, mesmo após as modificações que foram introduzidas no âmbito deste recurso, haja qualquer base para se considerar que qualquer das partes, nomeadamente o falecido CC, tenha assumido qualquer conduta concludente de desinteresse no cumprimento do contrato-promessa de dação em cumprimento susceptível de provocar a extinção deste. É verdade que se provou que, apesar de estar clausulado no contrato-promessa que os segundos contraentes (ou seja, CC e DD) ficariam responsáveis, em comum e partes iguais, pelo pagamento de todas as despesas relativas à fracção autónoma, foi a primeira contraente (ou seja, a ora R. BB) quem, nos anos de 2020 a 2023, pagou as respectivas despesas de condomínio, tendo sido também ela quem liquidou o seguro multi-riscos de habitação nos anos de 2019 a 2023 e quem vem liquidando anualmente o Imposto Municipal sobre Imóveis. Está assente também que, desde a celebração do contrato-promessa até ao falecimento do CC, nem este, nem DD, ou a ré emitiram qualquer interpelação destinada à outorga do contrato definitivo. Estes factos, todavia, são manifestamente insuficientes para se concluir que as partes, durante o período de menos de quatro anos que mediou entre a outorga do contrato e o decesso de CC quiseram revogar o acordo que haviam firmado ou que, por qualquer outro fundamento, as obrigações contratuais que foram assumidas se extinguiram. Por isso, demonstrado que está que, por carta registada com aviso de recepção, datada e recepcionada em Julho de 2022, a autora comunicou à ré a sua qualidade de única herdeira do CC e, bem assim, a sua intenção de outorgar o acordo definitivo respeitante à promessa celebrada e que, depois, em Dezembro desse mesmo anos, comunicou por igual meio à R. a data, o local e a hora da outorga da escritura pública de dação em pagamento de metade indivisa da referida fracção autónoma, mas que, no dia e hora agendados, a R., diferentemente do que aconteceu com a A., não compareceu no Cartório Notarial para a outorga da escritura da dação em pagamento, concordamos com a fundamentação jurídica acolhida pelo tribunal a quo, nomeadamente quando este, na sentença recorrida, expressou que “A ré constituiu-se em mora a partir da interpelação efectuada pela autora para comparecer no cartório art.º 805.º, n.º 1 do Código Civil…” e que “os pressupostos previstos na lei para o exercício do direito de execução específica estão preenchidos”. Do mesmo modo, afigura-se que o tribunal a quo andou bem quando concluiu que o facto de a R. se ter vinculado a, para se exonerar da dívida de 70.000,00 euros que mantinha para com a sua mãe e CC, transferir para estes a propriedade plena da fracção autónoma “F” do prédio urbano descrito na conservatória do registo predial do Porto sob o n.º ... e inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o artigo ..., por si só, não obsta à transferência de metade indivisa desse direito de propriedade para um dos promitentes adquirentes, pois, como também se diz na sentença recorrida, “o cumprimento do contrato promessa de dação em pagamento da metade indivisa do imóvel em causa é possível…”, sem que a tal obste a ausência na lide do outro promitente, “… por se tratarem de obrigações autónomas e autonomizáveis.”. Como bem explica J.M. Antunes Varela [6], para se aferir da divisibilidade ou da indivisibilidade de uma obrigação, acima de tudo, há que apurar se a prestação devida é, ou não, susceptível de fraccionamento; a indivisibilidade, porém, não se verifica apenas quando a prestação, pela sua própria natureza, não pode ser ser fraccionada ou repartida sem prejuízo da sua substância ou do seu valor (indivisibilidade natural), podendo também ser determinada por exigência da lei (indivisibilidade legal) ou por estipulação das partes (indivisibilidade convencional), estipulação essa que não necessita de ser feita através de cláusula expressa, pois, se estiver implicitamente pressuposta nos fins que os interessados se propõe alcançar como o negócio, pode resultar de declaração tácita; no caso específico das obrigações que têm por objecto a celebração de um negócio jurídico, a questão da divisibilidade não se decide em função da declaração negocial prometida, mas do ‘direito’ a que a declaração se refere: se esse direito poder ser constituído ou transmitido por partes ou quotas ideais, a obrigação é divisível; no caso contrário, será indivisível. No caso sub judice, atendendo a que a R. prometeu transferir para os seus dois credores o direito de propriedade de um imóvel, “na proporção de metade para cada um”, sem qualquer outra cláusula limitativa dessa obrigação, não temos quaisquer dúvidas em afirmar que a prestação debitória é divisível e, por isso, a A., investida da posição contratual do credor falecido CC, pode exigir da devedora – a ora R. BB – a transmissão do direito de propriedade sobre metade indivisa da fracção “F” do prédio urbano descrito na conservatória do registo predial do Porto sob o n.º ... e inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o artigo .... Deve haver lugar, pois, à confirmação da decisão recorrida. A recorrente, atento o seu decaimento, deve suportar as custas da apelação (cf. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código do Processo Civil). *** IV – DECISÃOPelos fundamentos expostos, acorda-se em: a) negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida; b) condenar a recorrente no pagamento das custas da apelação. Notifique. *** SUMÁRIO(Elaborado pelo relator nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do C.P.C.) ……………………………… ……………………………… ……………………………… Acórdão datado e assinado electronicamente (redigido pelo primeiro signatário segundo as normas ortográficas anteriores ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990) Porto, 13/10/2025 José Nuno Duarte Jorge Martins Ribeiro Teresa Fonseca _______________ [1] Cf., por todos, o Ac. RP 19-12-2023, proc. 22046/20.2T8PRT.P1, rel. Carlos Gil <URL: https://www.dgsi.pt/>. [2] Quanto a estes conceitos, vide A. Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, 1.º vol, 2.ª ed. revista e ampliada, Almedina, 1998, pp. 192-193. [3] Cf., em idêntico sentido, os Acórdãos desta Relação do Porto de 21-03-2019, proc. 2450/16.1T8PRT-A.P1 (rel. Inês Moura) e de 5-12-2024, proc. 9375/22.0T8VNG.P1, (rel. Carlos Portela), <URL: https://www.dgsi.pt/>. [4] Código de Processo Civil Anotado, II, 3.ª ed., Coimbra Editora, 1980, p.125. [5] A este propósito, deve-se assinalar que, aquando da reforma do Código do Processo Civil de 2013, desapareceu a norma do anterior artigo 646.º, n.º 4, do Código do Processo Civil que considerava “não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito…”, o que foi resultado da mudança de um paradigma tendente à maior valorização nas decisões judiciais dos aspectos de ordem substancial e que, a este nível, levou a que fosse entendido que, como se sustentou no Ac. RE 28-10-2021, proc. 942/20.7T8FAR.E1, rel. Tomé de Carvalho, “[n]ão há fundamento para considerar como não escritos os factos que correspondem a realidades concretas e perfeitamente apreensíveis por qualquer pessoa, designadamente aqueles que estavam indexados a experiências sensoriais ou percepções subjectivas” <URL: https://www.dgsi.pt/>. [6] Das Obrigações em Geral, Vol I, 10.ª ed. (revista e actualizada), Coimbra : Almedina, 2004, pp. 806 a 811. |