Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
41/23.0Y3VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RUI PENHA
Descritores: RECURSO EXCECIONAL PARA A MELHORIA DO DIREITO
RESPONSABILIDADE DA EMPRESA PREVISTA NO ARTIGO 13º
Nº 2
DA LEI N.º 27/2010.
VÍCIOS ELENCADOS NO Nº 2 DO ARTIGO 410º DO CPP
VÍCIOS DO ARTIGO 410º
DO CPP
CONTABILIZAÇÃO DO TEMPO DE CONDUÇÃO
Nº do Documento: RP2024052041/23.0Y3VNG.P1
Data do Acordão: 05/20/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO CONTRAORDENACIONAL
Decisão: NÃO ADMITIDO EM PARTE E NO MAIS IMPROCEDENTE.
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO SOCIAL
Área Temática: .
Sumário: I - Para que o recurso de sentença em processo de contra-ordenação seja admissível nos termos do art. 49º, nº 2, da Lei nº 107/2009, de 14 de Setembro, que torne manifestamente necessário para a melhoria da aplicação do direito, exige-se a verificação de um erro grosseiro, notório ou incomum na sentença.
II - Para efeitos de exclusão da responsabilidade da empresa, prevista no art. 13º, nº 2, da Lei nº 27/2010, não basta a alegação e prova da formação ou instruções dadas ao trabalhador.
III - Os vícios elencados no nº 2 do artigo 410º do CPP se assumem como anomalias decisórias ao nível da confeção da sentença, circunscritos à matéria de facto, apreensíveis pelo seu simples texto, sem recurso a quaisquer outros elementos a ela estranhos.
IV - A comprovação do elemento subjectivo é efectuada por meio de inferências a partir de circunstâncias fácticas do caso concreto.
V - Para efeitos do disposto no art. 7º do Regulamento 561/2006 de 15 de Março, não se contabiliza apenas os períodos de condução efectiva, considerando-se tempo de condução todo o tempo decorrido desde o início da condução após o gozo do período de repouso ou de pausa até ao período de repouso ou de pausa seguinte, independentemente da existência de interrupções de duração inferior aos tempos definidos na lei.

(da responsabilidade do relator)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 41/23.0Y3VNG.P1





Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto



I. Relatório


A..., S.A., com sede na ..., ..., Matosinhos, veio impugnar judicialmente a decisão da Autoridade para as Condições no Trabalho que lhe aplicou, como se refere no relatório da sentença recorrida, uma “coima única de € 7.100,00, pela prática de doze contraordenações p. e p. pelos arts. 4o, al. g), 6º, 7º e 8º do Regulamento CE 561/2006 de 15 de março, art. 36º, nº 1, al. i) do Regulamento CE 165/2014, arts. 14º, nºs 1, 2, 3, 4 e 5, 18º, nº 2, al. a) 19º, nº 2, al. c), 20º, nº 2, al. a), 25º, nº 1, al. b) da Lei 27/2010 de 30 de agosto e arts. 129º, 251º, nº 3, 521º, 554º e 561º do Código de Trabalho”.
Recebido o recurso, com efeito devolutivo, foi realizada a audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença, na qual se decidiu: “
Julga-se o presente recurso parcialmente procedente, e:
- absolvo a recorrente A..., S.A. das coimas que lhe haviam sido aplicadas por força dos procedimentos contraordenacionais que correram termos com os n.os ...17, ...10, ...11, ...31, ...32, ...33, ...34, ...27 e ...31;
- mantenho a condenação da recorrente A..., S.A. pela coima de €612,00 (seiscentos e doze euros) decorrente do procedimento contraordenacional ...29, pela prática da contraordenação leve p. e p. pelo art. 521º, nº 2 do Código do Trabalho;
- mantenho a condenação da recorrente A..., S.A. pela coima de €2.719,32 (dois mil setecentos e dezanove euros e trinta e dois cêntimos) decorrente do procedimento contraordenacional ...18..., pela prática como reincidente de contraordenação muito grave p. e p. pelo art. 25º, nº 1 da Lei 27/2010 de 30 de agosto;
- mantenho a condenação da recorrente A..., S.A. pela coima de €2.719,00 (dois mil setecentos e dezanove euros) decorrente do procedimento contraordenacional ...28, pela prática como reincidente de contraordenação muito grave p. e p. pelo art. 19º, nº 2, al. c) da Lei 27/2010 de 30 de agosto;
- Como coima única, resultante de cúmulo jurídico das três coimas supra mencionadas, condeno a recorrente A..., S.A. no pagamento da coima de € 3.500,00 (três mil e quinhentos euros).”
Inconformada interpôs a arguida o presente recurso, concluindo:
1. O presente recurso tem exclusivamente a finalidade de reverter a Decisão proferida nos Procedimentos Contraordenacionais xxxxxxxxx, com o qual a Recorrente não pode concordar e conformar-se.
2. O vício que resulta da alínea b) do seu nº 2, a denominada contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, não constitui exceção e, como a própria expressão evidencia, consiste tanto na contradição entre a matéria de facto dada como provada ou como provada e não provada, entre a fundamentação probatória da matéria de facto ou, até mesmo, entre a fundamentação e a decisão. Ou seja, está em causa uma situação em que, seguindo o fio condutor do raciocínio lógico do julgador, os factos julgados como provados ou como não provados colidem inconciliavelmente entre si ou uns com os outros ou, ainda, com a fundamentação da decisão.
3. A contradição insanável – a que não possa ser ultrapassada ainda que por recorrência ao contexto da decisão no seu todo ou às regras da experiência comum – ocorre quando se dá como provado e não provado determinado facto, quando ao mesmo tempo se afirma ou nega a mesma coisa, quando simultaneamente se dão como assentes factos contraditórios e, ainda, quando se estabelece confronto insuperável e contraditório entre a fundamentação probatória da matéria de facto ou na contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, quando a fundamentação justifica decisão oposta ou não justifica a decisão, como na verdade acontece aqui no Procedimento que visa o motorista AA, (...28) numa absoluta contradição entre o facto 44 e 45 da matéria dada como provada.
4. Quanto ao procedimento contraordenacional ...18..., que condena a recorrente por violação do artigo 36º do Regulamento (CE) nº 165, deu o Tribunal como provados os factos sob os números 10, 11, 12,13, 14, 15, 16, 17, 18, e 19.
5. Não se pode a Recorrente conformar com a condenação do Tribunal no âmbito do supracitado Procedimento Contraordenacional. Pois nenhuma duvida resulta da exatidão da prova produzida para a condução aos factos dados como provados de 10 a 18, sendo, no entanto inadmissível a conclusão alcançada em 19.
6. Sem prejuízo dos factos dados, e bem, como provados que demonstram a total responsabilidade do motorista e até algum transtorno emocional vivenciado pelo próprio, a assunção de responsabilidade por parte do mesmo, a confissão do seu esquecimento, acaba o Tribunal por concluir que a Recorrente poderia ter adotado distinto comportamento.
7. A Recorrente ministrou formação (facto 14), avaliou (facto 15), controlou e advertiu (facto 16 e 17) e ainda assim poderia ter adotado um comportamento distinto segundo o Tribunal, poderia ter ela própria ir colocar na cabine do motorista a declaração de atividade ou qualquer outro documento apto a demonstrar perante o agente autuante a não apresentação do registo do tacógrafo em falta.
8. Entre os documentos determinantes disponibilizados aos motoristas está o manual do motorista e as INSTRUÇÃO DE TRABALHO internas da empresa. Entre estas a DD05, que foi junta como documento aos autos na audiência de discussão e julgamento, em concreto os seus pontos 2 e 3, que se dão por reproduzidas.
9. Assim, a responsabilidade pela verificação da existência e validade dos documentos identificados nesta Instrução de Trabalho, é sempre do Motorista, e entre os documentos referidos está “Declaração de Atividade emitida em Formulário Oficial disponibilizado pela empresa e assinado também pelo trabalhador, caso tenha estado de baixa, férias ou outra situação que não seja possível verificar pelos registos de tacógrafo dos 28 dias anteriores”.
10. Logo que instada pela Autoridade para as Condições de Trabalho a empresa remeteu a Declaração de Presença do motorista no IPO no referido dia 20 de outubro, em relação ao qual não tinha qualquer registo no seu cartão de motorista.
11. Ou seja, a declaração de presença no IPO é salvo o devido respeito documento apto a fazer a demonstração que o motorista não esteve a trabalhar.
12. Não são nem podem ser os responsáveis da empresa a controlar cada passo que é da responsabilidade do motorista.
13. Com o devido respeito, não se trata de organização do trabalho, munir os motoristas com os documentos que são da sua única e exclusiva responsabilidade transportar.
14. A Recorrente acautelou, precaveu, preveniu, formou, zelou e incentivou cada um dos seus motoristas a cumprir os seus deveres, não se conforma com a imputação que a infração se deveu a uma omissão da sua parte.
15. Sem prejuízo o art. 13º, nº 1, da Lei 27/2010 que veio dispor que “1. A empresa é responsável por qualquer infração cometida pelo condutor”, sem prejuízo da possibilidade da exclusão dessa responsabilidade no caso do no2 desse preceito, de harmonia com o qual “2. A responsabilidade da empresa é excluída se esta demonstrar que organizou o trabalho de modo a que o condutor possa cumprir o disposto no Regulamento (CEE) nº 3821/85, (...), e no capítulo II do Regulamento (CE) nº 561/2006 (...)”, caso este em que essa responsabilidade é do trabalhador, como se diz no seu nº 3, nos termos do qual “3. O condutor é responsável pela infracção na situação a que se refere o número anterior ou quando esteja em causa a violação do disposto no artigo 22º.”.
16. O Tribunal Constitucional no seu do Acórdão nº 45/2014, publicado no DR, II Série, de 11.02.2014, para além do mais, diz o seguinte:
17. “ (...) Neste preceito consagra-se uma presunção iuris tantum de imputação da violação de um dever de comportamento à entidade patronal dos condutores de transporte rodoviário. Entende-se que, se um condutor não observar algum dos deveres estabelecidos na presente lei, sendo essa inobservância tipificada como contra-ordenação, há uma presunção que a respectiva infracção se deve à circunstância da entidade patronal não ter adoptado as medidas necessárias que impedissem a ocorrência do evento contra-ordenacional. O estabelecimento dessa presunção dispensa a alegação e prova dos factos materiais donde se pudesse extrair a responsabilidade do empregador pelos actos do condutor que é seu trabalhador, mas não deixa de permitir que aquele possa demonstrar que organizou o serviço de transporte rodoviário de modo a que o condutor ao seu serviço pudesse ter cumprido a norma que inobservou, excluindo assim a sua responsabilidade.
18. Competindo-lhe enquanto entidade patronal organizar o transporte rodoviário de modo que o condutor ao seu serviço cumpra as normas que regulamentam essa actividade, demonstrando que organizou o serviço de transporte rodoviário de modo a que o condutor pudesse ter cumprido a norma que inobservou, ilidindo assim aquela presunção (...)”.
19. In casu o motorista assumiu a sua responsabilidade, fê-lo como bem diz a sentença de forma até emocionada, e outra conclusão não se deveria ter retirado distinta da que se fez para os demais motoristas. Como bem se disse na sentença de que agora se recorre:
20. “Mas, repetimos, e salvo o devido respeito por entendimento contrário, afigura-se que não poderíamos exigir à aqui recorrente qualquer outra formação, controlo ou acompanhamento dos condutores adicional por forma a evitar tais infrações, estando os motoristas aqui em apreço (BB e CC) habilitados e informados suficientemente para não terem praticado as concretas infrações aqui em causa.
21. Ou seja, temos que a recorrente agiu de forma a ilidir a presunção de culpa que sobre si incide nos termos do mencionado art. 13º da Lei 27/2010 de 30 de agosto, sendo que a violação das normas mencionadas nos termos comprovados apenas aos condutores indicados pode ser assacada, excluindo-se a culpa – dolosa ou negligente – da recorrente.”
22. O que se aplicou aos motoristas BB e CC em abono da legalidade, da justiça e das regras da experiência comum deveria igualmente aplicar-se à infração praticada pelo motorista DD.
23. O facto dado como provado em 19 é naturalmente matéria conclusiva que tem obrigatoriamente de ser retirado dos factos dados como provados e em consequência ser a recorrente absolvida deste procedimento contraordenacional.
24. No Procedimento contraordenacional ...28 em que a Recorrente é condenada por violação do artigo 7º do Regulamento (CE) nº 561/2006 de 15 de março, dá o Tribunal como provados os factos 44, 45, 46, 47, 48, 49 e 50;
25. Destacamos a contradição entre o facto 44) em que se decide: “No dia 17-6-2019, o trabalhador da recorrente AA, conduziu o veículo de matrícula ..-..-JD entre as 00:30h e as 7:30h, sem efetuar qualquer pausa ininterrupta de 45 minutos ou pausa de pelo menos 15 minutos seguida de outra de pelo menos 30 minutos. e o 45), decidindo que “Em tal período o referido motorista não conduziu de forma seguida por mais do que quatro horas e meia, tendo percorrido em tal período apenas 45 Kms.”
26. Ora salvo o devido respeito, que é muito, reitera-se, a partir do momento em que se dá como provado o ponto 45 “Em tal período o referido motorista não conduziu de forma seguida por mais do que quatro horas e meia, tendo percorrido em tal período apenas 45 Kms.” Jamais se poderia considerar que se consumou o ilícito pelo qual a arguida foi condenada com base na negligência que, em contradição, lhe está imputada no ponto 50 da matéria de facto dada como provada.
27. O ilícito imputado: violação do artigo 7º do Regulamento (CE) nº 561/2006 de 15 de março pelo qual a Recorrente foi condenada consagra que: “Após um período de condução de quatro horas e meia, o condutor gozará uma pausa ininterrupta de pelo menos 45 minutos, a não ser que goze um período de repouso. Esta pausa pode ser substituída por uma pausa de pelo menos 15 minutos seguida de uma pausa de pelo menos 30 minutos repartidos pelo período de modo a dar cumprimento ao disposto no primeiro parágrafo.”
28. Ora, se está provado que o motorista não conduziu por quatro horas e meia, então, na verdade o ilícito que é “não ter sido gozada uma pausa elegível” de 45m ou 30m+15m não pode ser imputada à Recorrente sob pena de violação do princípio da legalidade.
29. No caso sub iudice o facto dado como provado como 44 não têm correspondência com o documento _ disco tacógrafo_ que o Tribunal a quo reputou como determinantes para a formação da sua convicção, aliás o Tribunal deu como provada uma condução das 00:30h e as 7:30h do dia 17-06-2019, quando do mesmo resulta claramente que entre esse período só foram percorridos 45Km. (facto igualmente dado como provado).
30. E podemos fazer também uma conta fácil que nos leva à mesma conclusão: o trabalhador conduziu 45kms a uma velocidade média de 20kms (dados que se inferem do disco dos autos) e se dividirmos 45kms por 20Km/H logo concluímos que para percorrer 45 Kms àquela velocidade são necessários 2.25horas e não 7 horas como se indica nos autos.
31. E como se percebe da análise criteriosa do documento. Não houve condução durante 7 horas.
32. O Tribunal insere na matéria dada como provada, a análise jurídica do que se pode considerar tempo de condução. Entre condução efetiva e outros trabalhos.
33. Devendo, assim, eliminar do elenco probatório o facto nº 50, pois trata-se de uma conclusão não subsumível aos factos.
34. Pois a decisão sobre a matéria de facto deve estar expurgada de afirmações genéricas, conclusivas ou que comportem matéria de direito. Pois, sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas deve ser eliminado.
35. O Tribunal ad quem pode e deve eliminar os pontos da matéria de facto as afirmações genéricas, conclusivas ou que comportem matéria de direito.
36. Inexiste qualquer dever legal que obrigue o condutor que ainda não conduziu o tempo referido a efetuar a pausa do artigo 7º do Regulamento (CE) nº 561/2006.
37. Entendendo ainda que, esse sendo o texto da lei, pela aplicação do princípio da tipicidade do Processo Penal não pode ser punida.
38. Assim, resulta óbvio que do texto da norma não prevê o dever legal à pausa aqui punida.
39. Aliás se o tacógrafo do motorista fosse digital jamais a autoridade teria considerado a infração.
40. O que, de resto, encontra suporte na jurisprudência pois no direito contraordenacional vigora o princípio das legalidades das penas (“nulla poena sine lege”).
41. Exige-se que uma infração esteja claramente definida na lei, estando tal condição preenchida sempre que o interessado possa saber, a partir da disposição pertinente, quais os atos ou omissões que determinam responsabilidade penal e as respetivas consequências.
42. Não há censurabilidade na conduta da Recorrente, pois a letra da Lei Regulamentar que invoca na justificação para o não cumprimento da pausa, demonstra que não lhe era exigido um comportamento diferente.
43. Face a todo o supra exposto, não podiam ter ficado provados os elementos necessários ao preenchimento do preceituado no artigo 7º do Regulamento (CE) nº 561/2006.
44. Ademais, no dia 17 de Junho de 2019, entre as 00.30h e as 07.30h, é verdade que o motorista TRABALHOU mais de quatro hora e meia sem pausas, mas não conduziu mais de 4.30h.
45. Porque o que conta é o somatório dos períodos em que efetivamente esteve a conduzir e não o tempo que medeia entre o início e o fim da condução.
46. Se atentarmos no documento “Uma explicação do Regulamento (CE) nº 561/2006 com vista à harmonização da aplicação dos controlos de estrada” documento elaborado pela Comissão Europeia com vista a harmonizar a aplicação do Regulamento pelas várias Policias Europeias, não havendo assim discriminação de tratamento, disponibilizada em https://transport.ec.europa.eu/transport-modes/road/social-provisions/enforcement_en.
47. Nas páginas 38 a 41 do supra citado documento constata-se que “Se for detetada uma infração, somam-se os períodos de condução registados entre os períodos de repouso ou pausa elegíveis e determina-se, assim, a gravidade da mesma.”
48. Ou seja somados os períodos de condução, e excluindo as pausas não elegíveis, resulta evidente que não foram acumuladas quatro horas e meia de condução.
49. Todas as formações e recomendações vão neste preciso sentido.
50. Assim a admitir que se agiu aqui em erro sobre os elementos do tipo, como considera o Tribunal, é o próprio legislador nas formações que ministra, que induz a tal interpretação.
51. A contradição entre a prova produzida e a decisão, indiciam a verificação do vício previsto no art. 410º, nº 2, al. b, CPPenal ou seja, contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, tal como a verificação do vício previsto na al. c) do mesmo preceito, erro notório na apreciação da prova.
52. Assim sendo, o Tribunal a quo ao violou, o art. 7º do Regulamento (CE) nº 561/2006 ao ter proferido decisão condenatória sem que o tipo de ilícito estivesse preenchido, como também o art. 127º do C.P.Penal e ainda o art. 32º, nº 2 da Lei Fundamental.
53. Atendendo a todo o supra exposto deverá o Tribunal de recurso modificar nos termos do art. 431º al. a) a matéria de facto dada como provada no artigo 44 dos factos dados como provados, tendo em conta que do processo constam todos os elementos de prova que lhe serviram de base, o disco tacógrafo, com a soma correta de todos os tempos efetivos de condução.
54. No que tange ao procedimento contraordenacional ...29 que a Recorrente foi condenada por violação da cláusula 61º do CCT, deu o Tribunal como provados os factos elencados em 52, 52, 53, 54 e 55.
55. A cl. 61ª do CCTV, que o Tribunal entende violada _e com que não se concorda,_ foi criada precisamente porque era de conhecimento geral que os motoristas portugueses faziam muito trabalho suplementar que era pago, na maior parte das vezes, por ajudas de custo, sem descontos, o que prejudicava o trabalhador nas situações de baixa médica e na reforma, além de prejudicar o Estado.
56. Por essa razão, foi acordada uma média de trabalho suplementar que corresponde sensivelmente ao que o trabalhador pode efetuar sem violar o Regulamento dos tempos de trabalho, e obrigar todas as empresas a pagarem de forma legal e com incidência de descontos sobre esse montante.
57. Mas isto implica que, por parte dos trabalhadores, exista efetiva disponibilidade para efetuarem essas horas, um trabalhador que perentoriamente recusa a sua disponibilidade para qualquer trabalho além das 17h. Não está em disponibilidade!
58. Não negamos que o teor da cláusula consagra que: “Os trabalhadores móveis afetos ao transporte internacional, ibérico e nacional, (...), terão obrigatoriamente o direito a receber o correspondente a duas horas de trabalho suplementar (...)”.
59. Porém, não menos certo é que o pagamento da retribuição implica uma contraprestação de trabalho que, in casu, não se verificou e que tem reiteradamente dado origem a processos por abandono de cargas, de camiões, etc.
60. E, se não se verifica por parte do trabalhador a disponibilidade para a prestação do trabalho suplementar que lhe confere o direito a determinada remuneração, não poderá entender-se que existe da parte da entidade patronal a obrigação de remunerar o trabalho suplementar não prestado, ou melhor, remunerar o trabalhador que perentoriamente recusa a disponibilidade para prestar trabalho suplementar quer este exista quer não exista.
61. Não se poderia dar como provada a conclusão inserta no facto dado como provado sob 55.
62. Mais uma vez não se pode conferir razão à ACT nesta matéria e no acompanhamento que o Tribunal faz da mesma.
63. É absolutamente violador do princípio da igualdade remunerar com o pagamento previsto na cláusula 61ª um motorista que nunca está em disponibilidade em relação aos demais que mostram essa disponibilidade.
64. Quem entende que o seu horário termina às 17h tem direito ao salário base e demais remunerações atinentes ao contrato de trabalho, não tem, nem pode ter, direito a receber o valor correspondente à disponibilidade para prestar trabalho suplementar que não faz por recusa expressa e perentória.
65. É certo que como se diz na sentença o trabalhador em causa tem sido objeto de processos disciplinares. Mas não pela recusa de prestar trabalho, e sim, por abandono às 17h dos camiões e cargas nas situações mais inusitadas, tendo chegado mesmo a alegar que o seu serviço terminava naquele local e que não ia descarregar o contentor, em pleno terminal, tendo deixado a chaves no carro em cima do radiador. Ou recusa de trabalho às 13h por achar que não terminaria até às 17h.
66. A consequência, para nós óbvia, da recusa de prestar qualquer trabalho suplementar é a não aplicação da cláusula que confere tal direito de forma harmoniosa a todos os motoristas, salvaguardando o princípio da igualdade e comprometendo todas as entidades empregadoras a pagar de forma legal o trabalho suplementar ou pelo menos a disponibilidade para o efetuar.
67. A obrigatoriedade de pagar a cláusula 61ª do CCTV a alguém que se recusa a prestar trabalho suplementar viola princípio da igualdade.
68. Pagar trabalho suplementar a quem recusa disponibilidade para o fazer é claramente violador da igualdade a que todos os demais motoristas têm direito.
69. Assim e também neste concreto ponto não se pode concordar a decisão do Tribunal a quo devendo a conclusão inserta no 55 dos factos dados como provados ser eliminada e em consequência ser a Recorrente absolvida da referida contraordenação.
Verificado os vícios a que se refere o nº 2 do artigo 410º do CPP, que desde já se deixam arguidos, deve esse insigne Tribunal eliminar os factos conclusivos e contraditórios e, em consequência, absolver a Recorrente.
Dado o objeto desta reflexão, é fundamental distinguir os bens jurídicos tutelados por cada um dos tipos legais em análise e absolver a Recorrente dos procedimentos contraordenacionais ...18..., ...28 e ...29, em preito à Justiça.
TERMOS EM QUE DEVERÃO V. EX.AS DAR PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO DE MATÉRIA DE FACTO E DE DIREITO, EM CONSEQUÊNCIA:
JULGAR VERIFICADOS OS VÍCIOS A QUE SE REFERE O Nº 2 DO ARTIGO 410º DO CPP E, SER AFASTADA DETERMINAR A MODIFICAÇÃO DA MATÉRIA DADA COMO PROVADA NOS CONCRETOS PONTOS INDICADOS, NOS TERMOS SUPRA EXPOSTOS, E PROFERIR CONSEQUENTE DECISÃO, ABSOLVENDO A RECORRENTE DA PRÁTICA DAS CONTRAORDENAÇÕES PELAS QUAIS VEM CONDENADA.
E EM CONSEQUÊNCIA SER O RECURSO PROVIDO NA PARTE RESPEITANTE AO ENQUADRAMENTO JURÍDICO.
O Ministério Público alegou, concluindo:
- A sentença recorrida não padece de nenhum erro, insuficiência ou contradição, apresentando-se a decisão de Direito devidamente sustentada pela matéria de facto dada como provada;
- A contraordenação muito grave, p.p. pelos arts. 25º, nº 1, da Lei nº 27/2010, de 30/8, imputada à arguida, consubstanciou-se na não apresentação ao agente fiscalizador, logo no momento da fiscalização, dos registos referentes ao dia 20-10-2017 nem de qualquer prova documental idónea a justificar a falta de apresentação dos registos;
- A presunção da responsabilidade da arguida, enquanto empregadora, não se mostra ilidida ou afastada, porquanto a mesma podia e devia ter assegurado a disponibilidade desse documento pelo motorista;
- Igual acerto se verifica quanto à imputação da contraordenação muito grave, p. e p. pelo artigo 19º, nº 2, al. c) da Lei nº 27/2010, de 30-08, relativa ao incumprimento dos períodos de repouso ou pausa;
- não existe contradição entre os factos provados 44) e 45), porquanto são relativos a realidades distintas: período de condução, por um lado e tempo de condução, por outro lado;
- A contraordenação em apreço diz respeito à factualidade provada na alínea 44), tendo ocorrido o incumprimento da norma que obriga à realização de um período de pausa ou período de repouso após um período de condução de 4h30;
- A responsabilidade da arguida decorre da circunstância de ter permitido o referido incumprimento dos períodos de pausa ou de repouso;
- Inexiste fundamento válido para a alteração da decisão judicial proferida, pelo que o recurso deve ser julgado improcedente.
Foi proferido o seguinte despacho:
“Conforme decorre da leitura do recurso interposto, o mesmo visa o “reexame da matéria de facto e de Direito relativa à condenação:
- decorrente do procedimento contraordenacional ...18..., tipificada como muito grave, e pela qual a entidade administrativa aplicou uma coima de € 2.719,32.
- decorrente do procedimento contraordenacional ...28, tipificada como muito grave, e pela qual a entidade administrativa aplicou uma coima de € 2.719,00.
- decorrente do procedimento contraordenacional ...29, tipificada como leve, e pela qual a entidade administrativa aplicou uma coima de € 612,00.
Como acaba a recorrente por reconhecer no último requerimento por si apresentado, é aplicável ao recurso apresentado o disposto nos arts. 49º a 51º da Lei 107/2009 de 14 de setembro.
A admissibilidade do recurso é por si fundada na al. a), do nº 1 do art. 49º de tal diploma legislativo. E, efetivamente, não se preenchem quaisquer outros dos casos previstos em tal norma, nem foi invocada a aplicação do nº 2 de tal norma.
Ora, quando a lei refere que é admissível recurso de condenação que aplique coima superior a 25 UC ou valor equivalente, reporta-se à coima aplicada por uma concreta infração, e não à coima única aplicada em caso de concurso de crimes.
Tal resulta da leitura conjugada de tal al. a), do nº 1 do art. 49º com o nº 3 desse mesmo preceito.
Neste sentido, de resto, o Ac. da Relação de Évora, Proc. 3805/19.5T8STB-B.E1, disponível em www.dgsi.pt.
Assim, sendo, o recurso é admissível no tocante às condenações referentes às coimas decorrentes dos procedimentos contraordenacionais ...18... e ...28, mas não o é no tocante ao recurso interposto do procedimento contraordenacional ...29 (porque os dois primeiros determinaram condenações em coimas de valor superior a 25 UC’s e o último já não o fez).
Em função do exposto, por ser admissível, estar em tempo, e ter a recorrente legitimidade, admito o recurso interposto pela sociedade A..., S.A. unicamente no que tange à decisão e seus fundamentos respeitantes às coimas decorrentes dos procedimentos contraordenacionais ...18... e ...28.
O recurso tem subida imediata, nos próprios autos, e com efeito devolutivo – cfr. arts. 49º e 50º da Lei 107/2009 de 14 de setembro, e arts. 406º, nº 1 e 407º, nº 2, alínea a) do Código de Processo Penal.
Consigna-se que o efeito devolutivo do processo – e não suspensivo – resulta da aplicação conjugada dos arts. 50º, nº 4 e 35º da Lei 107/2009 de 14 de setembro, sendo que tendo a impugnação judicial efeito meramente devolutivo, não faria sentido que o recurso da sentença proferida na sequência da mesma tivesse já efeito suspensivo, havendo que aplicar o CPP com as devidas adaptações – neste sentido, o Ac. da Relação do Porto, Proc. 309/10.5TTVNG.P1, disponível em www.dgsi.pt.
No tocante à parte do recurso respeitante à coima aplicada pelo procedimento contraordenacional ...29, não admito o mesmo, por não corresponder a coima superior a 25 UC e não ser consequentemente admissível nos termos do art. 49º da Lei 107/2009 de 14 de setembro.”
A recorrente apresentou requerimento com o seguinte teor:
“A..., S.A., Recorrente nos autos à margem referenciados, notificada do Despacho que não admite o Recurso relativo Procedimento Contraordenacional ...29 por admissibilidade do recurso fundada na al. a), do nº 1 do art. 49º Lei 107/2009 de 14 de setembro de tal diploma legislativo.
Estando em tempo, uma vez que o prazo de Recurso ao abrigo de tal diploma legislativo é de 20 dias (Cfr nº 1 do art. 50º) vem lançar mão do nº 2 do artigo 49º da Lei 107/2009 atendendo a que se entende que deverá ser aceite o recurso da decisão quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito.
Face ao entendimento, que se respeita, de que a lei refere que a admissibilidade de recurso de condenação que aplique coima superior a 25 UC ou valor equivalente, reporta-se à coima aplicada por uma concreta infração, e não à coima única aplicada em caso de concurso de crimes, reconhece-se que bem anda o Tribunal ao decidir que face à condenação concreta aplicada no procedimento em questão a aqui Recorrente não alegou nem fundamentou a necessidade do Recurso para a melhor aplicação do Direito, razão pela qual, e quanto unicamente a tal procedimento vem apresentar novo Recurso e requerer que o mesmo seja admitido ao abrigo do nº 2 do art. 49º da Lei 107/2009.”
Apresenta as seguintes conclusões de recurso:
1. O presente recurso tem exclusivamente a finalidade de reverter a Decisão proferida no Procedimento Contraordenacional ...29, com o qual a Recorrente não pode concordar e conformar-se.
2. No que tange ao procedimento contraordenacional ...29 que a Recorrente foi condenada por violação da cláusula 61ª do CCT, deu o Tribunal como provados os factos elencados em 52, 52, 53, 54 e 55.
3. A cl. 61ª do CCTV, que o Tribunal entende violada _e com que não se concorda,_ foi criada precisamente porque era de conhecimento geral que os motoristas portugueses faziam muito trabalho suplementar que era pago, na maior parte das vezes, por ajudas de custo, sem descontos, o que prejudicava o trabalhador nas situações de baixa médica e na reforma, além de prejudicar o Estado.
4. Por essa razão, foi acordada uma média de trabalho suplementar que corresponde sensivelmente ao que o trabalhador pode efetuar sem violar o Regulamento dos tempos de trabalho, e obrigar todas as empresas a pagarem de forma legal e com incidência de descontos sobre esse montante.
5. Mas isto implica que, por parte dos trabalhadores, exista efetiva disponibilidade para efetuarem essas horas, um trabalhador que perentoriamente recusa a sua disponibilidade para qualquer trabalho além das 17h. Não está em disponibilidade!
6. Não negamos que o teor da cláusula de 2018 consagra que: “Os trabalhadores móveis afetos ao transporte internacional, ibérico e nacional, (...), terão obrigatoriamente o direito a receber o correspondente a duas horas de trabalho suplementar (...)”.
7. Porém, não menos certo é que o pagamento da retribuição implica uma contraprestação de trabalho que, in casu, não se verificou e que tem reiteradamente dado origem a processos por abandono de cargas, de camiões, etc.
8. E, se não se verifica por parte do trabalhador a disponibilidade para a prestação do trabalho suplementar que lhe confere o direito a determinada remuneração, não poderá entender-se que existe da parte da entidade patronal a obrigação de remunerar o trabalho suplementar não prestado, ou melhor, remunerar o trabalhador que perentoriamente recusa a disponibilidade para prestar trabalho suplementar quer este exista quer não exista.
9. Não se poderia dar como provada a conclusão inserta no facto dado como provado sob 55.
10. Mais uma vez não se pode conferir razão à ACT nesta matéria e no acompanhamento que o Tribunal faz da mesma.
11. É absolutamente violador do princípio da igualdade remunerar com o pagamento previsto na cláusula 61ª um motorista que nunca está em disponibilidade em relação aos demais que mostram essa disponibilidade.
12. Quem entende que o seu horário termina às 17h tem direito ao salário base e demais remunerações atinentes ao contrato de trabalho, não tem, nem pode ter, direito a receber o valor correspondente à disponibilidade para prestar trabalho suplementar que não faz por recusa expressa e perentória.
13. É certo que como se diz na sentença o trabalhador em causa tem sido objeto de processos disciplinares. Mas não pela recusa de prestar trabalho, e sim, por abandono às 17h dos camiões e cargas nas situações mais inusitadas, tendo chegado mesmo a alegar que o seu serviço terminava naquele local e que não ia descarregar o contentor, em pleno terminal, tendo deixado a chaves no carro em cima do radiador. Ou recusa de trabalho às 13h por achar que não terminaria até às 17h.
14. A consequência, para nós óbvia, da recusa de prestar qualquer trabalho suplementar é a não aplicação da cláusula que confere tal direito de forma harmoniosa a todos os motoristas, salvaguardando o princípio da igualdade e comprometendo todas as entidades empregadoras a pagar de forma legal o trabalho suplementar ou pelo menos a disponibilidade para o efetuar.
15. A obrigatoriedade de pagar a cláusula 61ª do CCTV a alguém que se recusa a prestar trabalho suplementar viola princípio da igualdade.
16. Pagar trabalho suplementar a quem recusa disponibilidade para o fazer é claramente violador da igualdade a que todos os demais motoristas têm direito.
17. Assim e também neste concreto ponto não se pode concordar a decisão do Tribunal a quo devendo a conclusão inserta no 55 dos factos dados como provados ser eliminada e em consequência ser a Recorrente absolvida da referida contraordenação.
18. Devendo ser fixada interpretação no sentido que o valor devido por trabalho suplementar comporta a obrigatoriedade da disponibilidade do motorista para a realização do trabalho.
19. Face ao facto de “prestarem uma atividade que implica regularmente um elevado grau de autonomia e a possível realização de trabalho extraordinário de difícil controlo e verificação pela empresa decorrente da imprevisibilidade da duração concreta dos serviços a serem realizados e encontrando-se deslocados das instalações dos empregadores e sem controlo hierárquico direto, terão obrigatoriamente o direito a receber, em contrapartida de tal regime” desde que não se recusem a prestar.
TERMOS EM QUE DEVERÃO V. EX.AS ADMITIR O PRESENTE RECURSO E DAR PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO DE MATÉRIA DE FACTO E DE DIREITO, EM CONSEQUÊNCIA:
JULGAR VERIFICADOS OS VÍCIOS A QUE SE REFERE O Nº 2 DO ARTIGO 410º DO CPP E, SER AFASTADA DETERMINAR A MODIFICAÇÃO DA MATÉRIA DADA COMO PROVADA NOS CONCRETOS PONTOS INDICADOS, NOS TERMOS SUPRA EXPOSTOS, E PROFERIR CONSEQUENTE DECISÃO, ABSOLVENDO A RECORRENTE DA PRÁTICA DAS CONTRAORDENAÇÕES PELAS QUAIS VEM CONDENADA.
E EM CONSEQUÊNCIA SER O RECURSO PROVIDO NA PARTE RESPEITANTE AO ENQUADRAMENTO JURÍDICO E FIXADA INTERPRETAÇÃO DA CLÁUSULA 61ª NOS TERMOS SUPRA EXPOSTOS
Foi proferido o seguinte despacho:
“Veio a arguida A... S.A. apresentar, por via do requerimento de 14-11-2023, novo recurso da sentença recorrida, limitado à parte da mesma em que se decide pela condenação decorrente do procedimento contraordenacional ...29, e pela qual a entidade administrativa aplicou uma coima de € 612,00.
Da leitura de tal requerimento afere-se que a arguida pretende, por via do mesmo, substituir o anterior recurso apresentado no que concerne à condenação vertida em sentença por tal contraordenação leve – mantendo o anterior recurso apresentado apenas na parte em que foi admitido, quanto às demais contraordenações pelas quais foi mantida coima.
Considerando a data de apresentação deste novo recurso há que considerar o mesmo como tempestivo – cfr. art. 50º da Lei 107/2009 de 14 de setembro.
Mas, no tocante a admissibilidade do mesmo, face à condenação contra a qual se insurge, e como já referido no despacho de 7-11-2023, é ainda aplicável ao novo recurso apresentado o disposto nos arts. 49º a 51º da Lei 107/2009 de 14 de setembro.
Não tendo tal coima (novamente objeto de recurso) valor superior a 25 UC’s, não se preenche a hipótese prevista na al. a) do nº 1 do art. 49º de tal diploma legislativo para tornar admissível a interposição do recurso agora em apreço.
Sendo ainda certo que não se preenchem quaisquer outros dos casos previstos em tal nº 1 do art. 49º do diploma análise.
Em função do exposto, não pode este Tribunal admitir o recurso em apreço, por inexistência de pressupostos legais para o efeito.
No entanto, e como se antevê da leitura do requerimento de 14-11-2023, é invocada a aplicação do disposto no art. 49º, nº 2 da Lei 107/2009 de 14 de setembro para fundar a necessidade de apreciação do novo recurso.
Da leitura de tal norma afigura-se que a decisão de aceitação, ou não, do recurso não admissível nos termos do n.o 1 do mesmo artigo cabe ao Tribunal da Relação – e não a este Tribunal.
Em função do exposto, e pese embora não possa este Tribunal admitir o recurso apresentado a 14-11-2023, deverão os autos subir ao Tribunal da Relação para apreciação de tal requerimento de 14-11-2023.
O Ministério Público alegou, quanto ao segundo recurso, concluindo:
1. O recurso não deve ser aceite/apreciado porque legalmente inadmissível, já que a sentença não enferma de erro jurídico grosseiro, clamoroso, que a torne iníqua, ao ponto de exigir a “correção” pelo Tribunal Superior, nem tal decisão contraria algum acórdão de fixação de jurisprudência ou entendimento uniforme, que pudesse exigir uma reapreciação da sentença para evitar incongruências ou disparidades jurisprudenciais sobre questões jurídicas consolidadas;
2. Não estão, por isso, verificados os pressupostos previstos pelo artigo 49º, nº 2, da Lei nº 107/2009, de 14-09, para a admissibilidade “extraordinária” do recurso;
- subsidiariamente,
3. O Tribunal da Relação só pode conhecer de direito, atento o disposto no art. 51º, nº 1, da Lei nº 107/2009, de 14-09;
4. Pelo que deve ter-se por definitivamente assente a matéria de facto dada como provada e como não provada na sentença;
5. A sentença não contém nenhuma insuficiência, erro ou vício aptos a determinar a sua revogação;
6. Não se verifica nenhum dos vícios previstos pelo artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, designadamente a insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada ou a contradição da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
7. O Tribunal fez correta interpretação da Cláusula 61ª do CCT celebrado entre a ANTRAM – Associação Nacional de Transportes Públicos Rodoviários de Mercadorias e a FECTRANS – Federação dos Sindicatos de Transportes e Comunicações, publicado no BTE nº 34, de 15-09-2018;
8. A referida Cláusula não prevê uma forma específica de cálculo do trabalho suplementar prestado pelos trabalhadores móveis afetos ao transporte internacional, ibérico e nacional;
9. Essa cláusula prevê, antes, uma retribuição complementar obrigatória, definida como compensação pela especificidade do serviço prestado como trabalhador deslocado e que não está dependente da prestação de trabalho suplementar;
10. Tendo resultado demonstrado que, nos meses de maio e junho de 2019, a arguida não procedeu ao pagamento da referida retribuição devida ao trabalhador deslocado, conclui-se pela prática da contraordenação prevista no artigo 521º, nº 2, do Código do Trabalho; pelo que
- deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão do Tribunal recorrido nos seus termos.
O Ilustre Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal teve vista nos autos, emitindo parecer no sentido da inadmissibilidade do segundo recurso, por não se verificarem os requisitos previstos no art. 49º, nº 2 da Lei nº 107/2009, de 14 de Setembro, e da improcedência do primeiro recurso, parecer a que a recorrente não respondeu.
Recebidos os recursos, foi pelo relator proferido o seguinte despacho:
“A recorrente interpôs recurso autónomo relativamente à contraordenação cominada no âmbito do processo ...29, pela
qual a entidade administrativa aplicou uma coima de € 612,00, na sequência do despacho de de 7 de Novembro de 2023, que não admitiu o recurso interposto da sentença relativamente apenas a esta parte da decisão, por a coima aplicada ser inferior a 25UC (conforme art. 49º, nº 1, al.a), e 3, da Lei 107/2009, de 14 de Setembro.
Invoca neste outro recurso, para o efeito, o disposto no art. 49º, nº 2, do RJCOLSS.
O Ministério Público pugnou pela inadmissibilidade do recurso, no mesmo sentido se pronunciando o Ilustre Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal no seu douto parecer.
A decisão sobre a admissibilidade do recurso cabe a este Tribunal da Relação em conferência, conforme despacho do Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra de 5 de Janeiro de 2004, proferido no processo nº 3/04, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11 de Janeiro de 2012, processo 90/11.0TBPRD.P1, e o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20 de Fevereiro de 2013, processo nº 3973/11.4TTLSB.L1-4, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
Assim, relega-se para o acórdão a proferir o conhecimento da questão da admissibilidade de tal recurso.”
Como se sabe, o âmbito objectivo dos recursos é definido pelas conclusões do recorrente (arts. 412º, nº 1, do CPP, por remissão dos arts. 186º-J, do CPT, e 50º, nº 4, do RJCOLSS), importando assim decidir quais as questões naquelas colocadas.
Questões colocadas pela recorrente:
I. Procedimento Contraordenacional ...29
a) (Questão prévia) Da admissibilidade do recurso;
b) Falta de pressupostos para condenação da recorrente;
II. Procedimento Contraordenacional ...18...: Falta de pressupostos para condenação da recorrente e nulidade da sentença;
III. Procedimento Contraordenacional ...28: Falta de pressupostos para condenação da recorrente e nulidade da sentença.

II. Factos provados:
Na sentença recorrida, foram considerados provados os seguintes factos (transcrevem-se apenas os factos referentes aos processos objecto de recurso, omitindo-se os relativos às infracções por cuja prática foi a recorrente absolvida):
1. A recorrente é uma sociedade comercial com o NIPC ...49 com sede em Matosinhos, e dedica-se à atividade de transporte rodoviário de mercadorias (CAE 49410).
Factos referentes ao procedimento contraordenacional ...18...
10. No dia 6-11-2017, pelas 15:45h, DD, que conduzia o veículo pesado de mercadorias de matrícula ..-..-GU sob autoridade e direção da recorrente, foi fiscalizado, tendo-lhe sido solicitada a apresentação dos 28 registos do tacógrafo anteriores ao dia da fiscalização.
11. Foram apresentados os registos solicitados com exceção do registo do tacógrafo referente ao dia 20 de outubro de 2017.
12. Não sendo o condutor portador de declaração de atividade ou qualquer outro documento que justificasse perante o agente autuante a não apresentação do registo do tacógrafo em falta.
13. Tendo o condutor declarado que não trabalhou em tal dia, pois havia ido a uma consulta médica ao IPO, tendo para o efeito solicitado um dia de férias.
14. Na data referida em 10) havia sido ministrada formação a DD, também referente aos documentos que deveria transportar consigo.
15. Sendo que na sequência de tal formação DD foi avaliado com testes diagnóstico sobre as várias matérias relevantes para o setor para aferição dos seus conhecimentos.
16. Os registos de tacógrafo dos motoristas da empresa, entre eles DD, eram analisados por amostragem (cerca de dois por dia) no que se refere aos tacógrafos analógicos, e todos mensalmente, no que se reporta aos tacógrafos digitais, para avaliar do cumprimento das regras estabelecidas.
17. Advertindo a recorrente os motoristas, entre eles DD, de infrações que constatasse na sequência de tal análise.
18. O referido em 10) a 13) ocorreu numa época em que DD se encontrava transtornado com o diagnóstico de cancro, esquecendo-se de transportar consigo os documentos mencionados em 12).
19. O referido em 10) a 13) ocorreu por a recorrente ter preterido deveres de cuidado que podia e devia ter adotado na qualidade de entidade empregadora.
20. A recorrente foi condenada no âmbito do processo de contraordenação laboral ...25 por contraordenação muito grave, cujo prazo de prescrição é de 5 anos, tendo a contraordenação em causa sido praticada nos 5 anos anteriores à data mencionada em 10).
Factos referentes ao procedimento contraordenacional ...28
44. No dia 17-6-2019, o trabalhador da recorrente AA, conduziu o veículo de matrícula ..-..-JD entre as 00:30h e as 7:30h, sem efetuar qualquer pausa ininterrupta de 45 minutos ou pausa de pelo menos 15 minutos seguida de outra de pelo menos 30 minutos.
45. Em tal período o referido motorista não conduziu de forma seguida por mais do que quatro horas e meia, tendo percorrido em tal período apenas 45 Kms.
46. Na data referida em 44) havia sido ministrada formação a AA, também referente aos períodos de pausa e repouso obrigatório, mas não lhe sendo comunicada a necessidade de pausa em situações como as descritas em 44) e 45), por entender a recorrente que tal pausa apenas se impunha em casos de 4:30h de condução efetiva seguida.
47. Sendo que na sequência de tal formação foi avaliado com testes diagnóstico sobre as várias matérias relevantes para o setor para aferição dos seus conhecimentos.
48. Os registos de tacógrafo dos motoristas da empresa, entre eles AA, eram analisados por amostragem (cerca de dois por dia) no que se refere aos tacógrafos analógicos, e todos mensalmente, no que se reporta aos tacógrafos digitais, para avaliar do cumprimento das regras estabelecidas.
49. Advertindo a recorrente os motoristas, entre eles AA, de infrações que constatasse na sequência de tal análise.
50. A recorrente, ao permitir o mencionado em 44) agiu preterindo deveres de cuidado que podia e devia ter na qualidade de entidade empregadora.
51. A recorrente foi condenada no âmbito do processo de contraordenação laboral ...25 por contraordenação muito grave, cujo prazo de prescrição é de 5 anos, tendo a contraordenação em causa sido praticada nos 5 anos anteriores à data mencionada em 44).
Factos referentes ao procedimento contraordenacional ...29
52. Nos meses de maio e junho de 2019, a recorrente não pagou ao trabalhador EE o valor previsto nos nºs 1 e 2 da cláusula 61ª do CCT celebrado entre a Associação Nacional de Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias – ANTRAM e a Federação dos Sindicatos de Transportes e Comunicações – FECTRANS, publicado no BTE nº 34 de 15/09/2018.
53. A recorrente não procedeu ao pagamento de tais valores na sequência de recusa do mencionado trabalhador a prestar trabalho suplementar.
54. Tendo o referido trabalhador sido alvo de procedimento disciplinar.
55. A recorrente, ao agir da forma mencionada em 52) agiu preterindo deveres de cuidado que podia e devia ter na qualidade de entidade empregadora.


III. O Direito

1. a) Questão prévia (Da admissibilidade do recurso no segundo recurso, processo ...29)
Sustenta a recorrente:
Diz-nos o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães no Proc. 1737/21.6T8VCT.G1 que:
“O recurso é manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito, nos termos do art. 49º, nº 2 do regime processual das contra-ordenações laborais e de segurança social, quando esteja em causa uma questão de direito autónoma e que, por ser amplamente controversa na doutrina e na jurisprudência, com relevante aplicação prática, apresente uma dignidade ou importância que extravase o caso concreto, de tal forma que se imponha o seu melhor esclarecimento pela instância superior, com vista a propiciar um contributo qualificado no seu tratamento e aplicação a título imediato e em casos idênticos futuros.
Ainda, de acordo com o que refere Paulo Pinto de Albuquerque (Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações, Univ. Cat. Editora, 2011, p. 303), pode assentar-se em que a «melhoria da aplicação do direito» supõe que: a) a questão jurídica seja relevante para a decisão da causa; b) seja questão necessitada de esclarecimento; e c) seja questão que permita o isolamento de uma ou mais regras gerais aplicáveis a outros casos similares.
A jurisprudência, por seu turno, vem sendo constante no sentido sintetizado no sumário do Acórdão da Relação do Porto de 11 de Abril de 2019, proferido no processo nº 1714/18.4T8AVR.P1 (disponível em www.dgsi.pt), a saber: “I - A manifesta necessidade “à melhoria da aplicação do direito” prevista no nº 2, do art. 49º da Lei 100/2009, só se verifica quando na decisão impugnada se observe um erro jurídico grosseiro, incomum, uma errónea aplicação do direito bem visível, não se destinando, pois, a corrigir eventuais erros de julgamento. II - A “melhoria da aplicação do direito” pressupõe que se esteja perante uma questão “que seja manifestamente complexa, de difícil resolução, na doutrina e na jurisprudência, e cuja subsunção jurídica imponha um importante e detalhado exercício de exegese, com o objetivo de se vir a obter um consenso quanto à provável interpretação das normas à mesma aplicáveis”.”
Trata-se, pois, de uma possibilidade extraordinária de recurso que só em circunstâncias excepcionais deve ser admitida e que não pode ser utilizada como meio de colmatar a impossibilidade legal de recurso em razão do valor da coima aplicada ou da não aplicação de coima, sob pena de se transformar em regra.
Na verdade, a lei exige para aceitação do recurso que o mesmo seja manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito (ou à promoção da uniformidade da jurisprudência), não bastando que seja conveniente ou sequer necessário.
Assim, julga-se que está pressuposto que esteja em causa uma questão de direito autónoma e que, por ser amplamente controversa na doutrina e na jurisprudência, com relevante aplicação prática, apresente uma dignidade ou importância que extravase o caso concreto, de tal forma que se imponha o seu melhor esclarecimento pela instância superior, com vista a propiciar um contributo qualificado no seu tratamento e aplicação a título imediato e em casos idênticos futuros.”
O que pretende a Recorrente é a análise e interpretação de uma cláusula de um contrato coletivo de trabalho aplicável a todo um setor de atividade.
Trata-se da Cláusula 61ª da CONVENÇÃO COLETIVA DO SETOR DE TRANSPORTES PÚBLICOS RODOVIÁRIOS DE MERCADORIAS (CCTV) em que se consagrava em 2018 (Regime de trabalho para os trabalhadores deslocados) 1- Os trabalhadores móveis afetos ao transporte internacional, ibérico e nacional, (...) terão obrigatoriamente o direito a receber o correspondente a duas horas de trabalho suplementar, retirado o montante referido no número três.
Já em 2023 na Revisão ao CCTV a norma sofreu alteração e vem explicitar a forma de pagamento desse trabalho suplementar: “- Os trabalhadores que, por acordo com a empresa, desempenhem a função de motorista afeto ao transporte internacional, ibérico ou nacional, (...), por prestarem uma atividade que implica regularmente um elevado grau de autonomia e a possível realização de trabalho extraordinário de difícil controlo e verificação pela empresa decorrente da imprevisibilidade da duração concreta dos serviços a serem realizados e encontrando-se deslocados das instalações dos empregadores e sem controlo hierárquico direto, terão obrigatoriamente o direito a receber, em contrapartida de tal regime, uma remuneração de valor total resultante da soma da retribuição base (cláusula 44.ª, diuturnidades (cláusula 46ª e complemento salarial (cláusula 59ª, não lhes sendo devido qualquer outro valor a título de trabalho suplementar em dia normal de trabalho.”
Existe uma decisão de 1ª instância do Tribunal Judicial de Lisboa a pronunciar-se sobre a interpretação a dar ao pagamento consagrado na referida cláusula 61ª que apela à necessidade da Disponibilidade para o efeito, referindo que o CCT encontrou uma forma distinta do Código de Trabalho de pagar o Trabalho Suplementar.
Há agora a interpretação preconizada na sentença desse douto Tribunal ficando, no entanto, salvo o devido respeito por opinião diversa, por concretizar-se o momento e a razão pela qual, o valor que a cláusula 61ª confere direito ao motorista para o receber.
O Recurso é manifestamente necessário à boa aplicação do Direito porquanto a cl. 61ª foi criada precisamente porque era de conhecimento geral que os motoristas portugueses faziam muito trabalho suplementar que era pago, na maior parte das vezes, por ajudas de custo, sem descontos, o que prejudicava o trabalhador nas situações de baixa médica e na reforma, além de prejudicar o Estado.
Por essa razão, foi acordada uma média de trabalho suplementar que corresponde sensivelmente ao que o trabalhador pode efetuar sem violar o Regulamento dos tempos de trabalho, e obrigar todas as empresas a pagarem de forma legal e com incidência de descontos sobre esse montante.
A questão de relevância jurídica que nos ocupa é a de saber se este direito a auferir o valor constante da cláusula de trabalho suplementar, existe na esfera jurídica do motorista só porque tem contrato de trabalho de motorista, ou se, pelo contrário, tal direito existe sempre, desde que o motorista mostre disponibilidade para o exercício das suas funções em horário suplementar ao horário base de trabalho.
A cláusula confere o pagamento por se tratar de um direito adquirido pela existência do contrato de trabalho ou paga a disponibilidade do motorista para o exercício desse trabalho, desde que o mesmo exista e seja requisitado para tal.
Um motorista que perentoriamente recusa a possibilidade de exceder em 1 minuto sequer o seu horário inicial, tem direito a receber o valor correspondente ao trabalho suplementar?
Salvo o devido respeito, que é muito, não se pode a Recorrente conformar-se que esta decisão, que é, provavelmente a mais importante das que estão aqui em discussão, e em relação à qual pendem vários processos nos Tribunais de trabalho, seja excluída da apreciação do Tribunal superior.
A questão da interpretação de uma cláusula do Contrato Coletivo de Trabalho extravasa manifestamente o caso concreto e a sanção pecuniária de €612,00.
É de vital importância que haja um entendimento superior quanto ao princípio da igualdade que deve nortear o trabalho e em concreto a forma de interpretação e aplicação das cláusulas do contrato coletivo de trabalho. Em concreto da cláusula 61ª do CCTV nesta parte.
Assim, vem ao abrigo do nº 2 do artigo 49º da Lei 107/2009, respeitosamente requerer a V. Exa. se digne admitir o Recurso que se anexa ao presente requerimento.”
Respondeu o Ministério Público:
É certo que o mencionado normativo legal não densifica ou concretiza em que situações o recurso se afigura manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência.
No entanto, tal circunstância não pode determinar uma admissibilidade residual dos recursos, de forma a permitir a sindicância generalizada de decisões diversas das previstas no nº 1, do mencionado artigo 49º.
Foi precisamente por entenderem que a referida admissibilidade de recurso deveria permanecer extraordinária, que os intérpretes e aplicadores do Direito têm vindo a estabelecer critérios de avaliação das decisões, de forma a permitir distinguir aquelas que efetivamente exigem uma reapreciação, sob pena de se defraudar o objetivo fulcral da melhor aplicação possível do Direito, no sentido da evolução positiva na realização da Justiça, e, por outro lado, evitar incongruências ou disparidades clamorosas de entendimentos jurisprudenciais.
Daí que faça sentido que “para que a Relação conclua pela admissibilidade do recurso a título extraordinário na consideração de tal se afigurar “manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito”, não basta à recorrente formular requerimento autónomo e limitar-se a invocar esse fundamento, antes se lhe impondo que nele alegue as razões concretas e precisas que evidenciem a existência desse fundamento, dado que a apreciação e decisão dessa pretensão constituem questão prévia relativamente à apreciação do recurso. II - A aceitação do recurso por se afigurar manifestamente necessário à melhor aplicação do direito só tem justificação, quando na decisão impugnada se observe um erro jurídico grosseiro, incomum, uma errónea aplicação do direito bem visível, não se destinando a corrigir, eventuais, erros de julgamento. III – Assim, não é de admitir o recurso, alegadamente, extraordinário, invocando o no 2, do art. 49o da Lei 107/2009, de 14.09, se a recorrente se limita a alegar a sua divergência quanto à sentença recorrida por considerar não ser correcto o entendimento seguido naquela” (acórdão da Relação do Porto, datado de 13-07-2022, proferido no Proc. nº 5703/21.3T8MTS.P1, relatado por Rita Romeira e disponível no site www.digsi.pt).
No mesmo sentido, atente-se, ainda, no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido em 13-10-2016 (Processo nº 2368/15.5T8CBR.C1, relatado por Paula do Paço e disponível no site www.dgsi.pt), cujo sumário refere: “III- Só se verifica essa manifesta necessidade quando na decisão impugnada se observe um erro jurídico grosseiro, incomum, uma errónea aplicação do direito visível, assim não sucedendo perante uma mera discordância quanto à aplicação do direito. IV- A melhoria da aplicação do direito justifica- se quando a decisão proferida pelo tribunal recorrido revele um erro evidente (manifesto), clamoroso, intolerável, incontroverso e de tal forma grave que não se pode manter, por constituir uma decisão absurda de exercício da função jurisdicional”.
Tendo presentes estes critérios e analisando a decisão judicial proferida, poder-se-á concluir que a mesma enferma de um erro jurídico grosseiro, clamoroso, que a torna iníqua, exigindo, por isso, uma “correção” do Tribunal Superior, a fim de zelar por uma melhor aplicação do Direito?
Lida a decisão recorrida, afigura-se-nos que a resposta terá de ser negativa.
A decisão em apreço, não só está expurgada de qualquer erro ou vício, como contém todos os elementos de facto e de Direito necessários à solução encontrada e que decorre nos normativos legais aplicáveis, mais concretamente, do disposto na Cláusula 61.a do Contrato Coletivo de Trabalho (CCT) celebrado entre a ANTRAM – Associação Nacional de Transportes Públicos Rodoviários de Mercadorias e a FECTRANS – Federação dos Sindicatos de Transportes e Comunicações, publicado no BTE nº 34, de 15-09-2018.
E quanto à manifesta necessidade de promoção da uniformidade da jurisprudência, também prevista como fundamento para a aceitação do recurso?
Se bem lemos o requerimento formulado pela recorrente para justificar o uso do mecanismo previsto no artigo 49º, nº 2, da Lei nº 107/2009, de 14-09, a mesma refere que “existe uma decisão de 1.a instância do Tribunal Judicial de Lisboa a pronunciar-se sobre a interpretação a dar ao pagamento consagrado na referida cláusula 61ª que apela à necessidade da Disponibilidade para o efeito, referindo que o CCT encontrou uma forma distinta do Código de Trabalho de pagar o Trabalho Suplementar”.
Ou seja, não é invocada uma contradição relativamente a algum acórdão de fixação de jurisprudência ou quanto a posições assumidas em acórdãos de Tribunais da Relação ou do Supremo Tribunal de Justiça que pudesse exigir uma reapreciação da sentença para evitar incongruências ou disparidades jurisprudenciais sobre questões jurídicas consolidadas.
Na verdade, desse requerimento não se extrai que, sobre a questão apreciada na sentença, existam consensos no sentido preconizado pela recorrente ou, sequer, que a tal decisão do Tribunal Judicial de Lisboa seja de sentido contrário àquela agora em apreço.
O que daquele requerimento se extrai é uma discordância da recorrente quanto à interpretação que o Tribunal fez da identificada Cláusula 61.a e quanto aos elementos típicos da contraordenação que lhe foi imputada, determinante da improcedência da impugnação judicial e da consequente manutenção da condenação na coima de 612,00€.
Em resumo, inexistindo qualquer erro grosseiro nessa interpretação e na decisão judicial proferida e não se vislumbrando violação de jurisprudência uniforme ou discordância de posição jurisprudencial maioritária sobre alguma questão (pelo contrário, as decisões que se conhecem parecem seguir o mesmo entendimento do tribunal recorrido), o recurso agora interposto para o Tribunal da Relação do Porto deverá ser rejeitado porque legalmente inadmissível.”
No mesmo sentido se pronunciou o Ilustre Procurador Geral Adjunto no seu douto parecer, nele referindo: “entende a jurisprudência que “1. A promoção da uniformidade da jurisprudência, prevista no nº 2, do art. 49º da Lei 100/2009, está em causa quando a sentença recorrida consagra uma solução jurídica que introduza, mantenha ou agrave diferenças dificilmente suportáveis na jurisprudência. O simples erro de direito não é bastante, sendo necessário que o erro tenha inerente um perigo de repetição. E, “2. A manifesta necessidade “à melhoria da aplicação do direito” prevista no nº 2, do art. 49º da Lei 100/2009, só se verifica quando da decisão impugnada se observe um erro jurídico grosseiro, incomum, uma errónea aplicação do direito bem visível, não se destinando, pois, a corrigir eventuais erros de julgamento – Ac. do TRP de 12.07.2023, proc. nº 779/22.9T8STS.P1 – o que manifestamente não se verifica neste caso.”
Preceitua o art. 49º, nº 2, do RPCOLSS, que pode o Tribunal da Relação, a requerimento do arguido ou do Ministério Público, aceitar o recurso da decisão quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência.
Refere-se no acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 19 de Dezembro de 2023, processo 21975/22.3T8PRT.P1, acessível em www.dgsi.pt:
“Como se salienta no Acórdão desta Relação e Secção de 8-05-2023 [proferido no processo nº 1046/22.3T8MAI.P1, Relator Desembargador António Luís Carvalhão (...) – não publicado], «não esclarecendo o legislador o que deve entender-se por “manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência”, é manifesto que o objetivo não poderá traduzir-se na possibilidade de ser sindicada toda e qualquer decisão de que discorde o arguido ou o Ministério Público, e que, mesmo estando em causa uma das situações previstas pelo legislador, o recurso fica, porém, limitado às situações em que tal se apresente “manifestamente necessário” (o legislador fala de a aceitação do recurso se revelar “manifestamente necessária”, não apenas “necessária”).
E como tal, não colhe qualquer argumento no sentido de que só desta forma – aceitando-se o recurso por via extraordinária – poderá o Tribunal da Relação pronunciar-se sobre a questão, porquanto o montante da coima prevista para a infração em causa nunca possibilita o recurso por via do nº 1 do art. 49º do RPCOLSS, pois não se pode permitir que entre por indireta aquilo que o legislador não se permite por via direta (retratando-se, pode dizer-se que não pode entrar pela janela aquilo que se quis que não entrasse pela porta)».
De facto, este recurso excecional não pode servir de meio para ultrapassar a impossibilidade legal de se aceder ao recurso, designadamente por o valor da coima não o permitir.
Como se evidencia no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 23-04-2020, este “mecanismo tem carácter excepcional, subjazendo-lhe um interesse mais vasto de ordem pública e não só daquele caso concreto, com vista à estabilidade e coerência do sistema jurídico que deve preconizar soluções que melhor contribuam para a igualdade dos cidadãos perante a lei” [processo nº 2480/19.1T8GMR.G1, Relatora Desembargadora Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso – acessível in www.dgsi.pt – site onde também se encontram disponíveis os restantes Acórdãos infra a referenciar, desde que não seja feita menção em sentido diverso].
O recurso só será admissível a título excecional, nos termos previstos no nº 2 do citado normativo, caso se verifiquem os respetivos requisitos, sendo que, como refere Paulo Pinto de Albuquerque [in Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, página 303 – parágrafos 23 a 26 – a propósito do artigo 73º, nº 2, do Regime Geral de Contraordenações e Coimas, aprovado pelo Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de outubro, mas que tem redação idêntica ao artigo 49º, nº 2, sendo as considerações tecidas totalmente transponíveis para este último normativo]:
- a “melhoria da aplicação do direito” está em causa quando se trate de uma questão jurídica que preencha três requisitos, a saber: (i) ser relevante para a decisão da causa, (ii) ser uma questão que necessita de esclarecimento e (iii) ser passivel de abstração no sentido de que permita o isolamento de uma ou mais regras gerais aplicáveis a casos similares.
- a “promoção da uniformidade da jurisprudência” está em causa quando a sentença recorrida consagra uma solução jurídica que introduza, mantenha ou agrave diferenças dificilmente suportáveis na jurisprudência. O simples erro de direito não é bastante, sendo necessário que o erro tenha inerente um perigo de repetição. A expressão em referência, como elucida o citado Acórdão de 23-04-2020, “tem sido associada à pré-existência de uma divisão na jurisprudência sobre uma questão essencial sendo, por isso, de todo desejável a apreciação superior com vista à já mencionada coerência e segurança do sistema”.
Nos casos previstos no nº 2 do artigo 49º, cabe ao recorrente justificar a admissibilidade do recurso, em requerimento autónomo, constituindo questão prévia a apreciação e decisão do mesmo (artigo 50º, nºs 2 e 3) [Em conformidade, o Acórdão desta Relação e Secção de 10-12-2019, processo nº 3017/18.5T8AVR.P1, Relator Desembargador Jerónimo Freitas e o citado Acórdão da Relação de Guimarães de 23-04-2020].”
Este é o sentido uniformemente seguido por esta Secção Social, conforme se extrai do acórdão de 14 de Fevereiro de 2022, processo 1573/21.0T8AGD.P1, ainda acessível em www.dgsi.pt, do qual consta:
“(...) como se pode ler, a este propósito, no douto Ac. desta Relação de 24.01.2018, relator Desembargador Rui Penha (ao que supomos inédito), «consignou-se no recente acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 4 de Dezembro de 2017, proferido no âmbito do processo nº 82/17.6T8OAZ.P1, relatado pelo aqui adjunto e que se subscreve integralmente: “Conforme é entendimento pacífico e unânime da jurisprudência dos Tribunais das Relações, a aceitação do recurso por se afigurar manifestamente necessário à melhor aplicação do direito só tem justificação quando da decisão impugnada se observe um erro jurídico grosseiro, incomum, uma errónea aplicação do direito bem visível, não se destinando, pois, a corrigir eventuais erros de julgamento [cfr. Ac. Rel. Évora, de 27-05-2008, proc. 883/08-1, Desembargador Ribeiro Cardoso; Ac. Rel. Coimbra, de 9-12-2010, Proc. 51/10.7TTTMR.C1, Desembargador Azevedo Mendes; Ac. Rel. Porto de 24-09-2012, proc. 426/11.4TTBGC.P1, Desembargador Eduardo Petersen Silva; Ac. Rel. Coimbra, de 13-10-2016, proc. 2368/15.5T8CBR.C1, Desembargadora Paula Paço; (todos disponíveis em www.dgsi.pt)].
Nesta linha de entendimento, no recente Acórdão desta Relação, de 5 de Janeiro de 2017 [proferido no Recurso nº 5426/15.2T8OAZ.P1, Desembargador Nelson Fernandes], escreve-se o seguinte: “- «não esclarecendo a lei o que deve entender-se por “manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência”, importa desde já assinalar, por manifesto, e em primeira abordagem, que o objectivo perseguido da melhoria da aplicação do direito não poderá traduzir-se na possibilidade de ser sindicada toda e qualquer decisão de que discorde o arguido ou o Ministério Público. Por outro lado, ainda, estando de facto em causa a melhoria na aplicação do direito, o recurso fica no entanto limitado às situações em que tal se apresente “manifestamente necessário”.
Como refere Paulo Pinto de Albuquerque (Comentário do Regime Geral das Contraordenações à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, Universidade Católica, Lisboa, 2011, pág. 303), a questão, jurídica da “melhoria da aplicação do direito”, tendencialmente preencherá três requisitos: (i) ser relevante para a decisão da causa, (ii) ser uma questão que necessita de esclarecimento e (iii) ser passível de abstração no sentido de que permita o isolamento de uma ou mais regras gerais aplicáveis a casos similares.
Tratando-se de um recurso de natureza extraordinária, já que apenas tem lugar quando não for admissível a interposição de recurso ordinário, visa essencialmente preservar a correcção do direito e a uniformidade da sua aplicação, sendo que após o RGCOC passou a estar também consagrado primeiro no Código do Processo dos Tribunais Administrativos, através do artigo 150º, e depois no Código de Processo Civil, mediante o artigo 721º-A (aditado pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto) – actualmente artigo 672º, nº 1, al. a), com a ressalva neste último, que não assume aqui relevo, de que se utiliza o advérbio claramente em vez de manifestamente, sendo que, então, ao abrigo dessa norma, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que questão com relevância jurídica necessária para uma melhor aplicação do direito “é a que seja manifestamente complexa, de difícil resolução, na doutrina e na jurisprudência, e cuja subsunção jurídica imponha um importante e detalhado exercício de exegese, com o objetivo de se vir a obter um consenso quanto à provável interpretação das normas à mesma aplicáveis”(cf. sumário do acórdão de 19-01-2012, revista excecional nº 837/09.5TBMAI.P1.S1, disponível em www.stj.pt, sumários de acórdãos de apreciação liminar-revista excecional). Aliás, dentro do citado objectivo se podem enquadrar, afinal, no domínio criminal, os acórdãos de fixação de jurisprudência (artigo 437º e seguintes do Código de Processo Penal)».”
E, continua, «Citando ainda o acórdão deste Tribunal de 4 de Dezembro de 2017, “Para que estivesse em causa a manifesta necessidade da aceitação do recurso com o propósito de promover a uniformização de jurisprudência, era necessário que a decisão recorrida se sustentasse em jurisprudência contraditória ou que tivesse seguido caminho oposto à jurisprudência dominante sobre determinada questão, caso em que seria imprescindível que se apontasse a questão controvertida e as decisões dos tribunais superiores, mormente das Relações, que sobre ela se pronunciaram. Ora, nada disso decorre quer do requerimento, quer mesmo das conclusões de recurso. Nem se aponta questão controvertida na jurisprudência, nem questão que tenha sido decidida ao arrepio de jurisprudência dominante.”
No caso em análise, a recorrente invoca a existência de “uma decisão de 1ª instância do Tribunal Judicial de Lisboa”, que se pronunciou em sentido diverso da aqui sob recurso, e que “A questão da interpretação de uma cláusula do Contrato Coletivo de Trabalho extravasa manifestamente o caso concreto e a sanção pecuniária de €612,00. É de vital importância que haja um entendimento superior quanto ao princípio da igualdade que deve nortear o trabalho e em concreto a forma de interpretação e aplicação das cláusulas do contrato coletivo de trabalho. Em concreto da cláusula 61ª do CCTV nesta parte.”
Quanto à questão da divergência na jurisprudência, não pode o fundamento colher, porquanto não juntou a recorrente cópia da sentença que invoca ter decisão diversa, nem sequer a identifica, como lhe competia fazer, no requerimento inicial de interposição do recurso. Se todo o modo, seguramente não bastaria uma outra sentença divergente para justificar a admissibilidade do recurso para promoção da uniformização da jurisprudência.
Quanto à questão da melhoria na aplicação do direito, também não se vislumbra a procedência da argumentação da recorrente.
Consta da sentença:
“Tal como resulta da factualidade provada podemos ter por certo que nos meses de maio e junho de 2019 a recorrente não procedeu ao pagamento ao trabalhador EE do valor previsto nos nºs 1 e 2 da cláusula 61ª do CCT celebrado entre a Associação Nacional de Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias - ANTRAM e a Federação dos Sindicatos de Transportes e Comunicações – FECTRANS, publicado no BTE nº 34 de 15/09/2018.
Não nega a recorrente que tais montantes seriam em abstrato devidos a tal trabalhador.
Mas refere que não procedeu ao pagamento em causa – e mantém tal defesa – em virtude do referido trabalhador se ter negado a prestar trabalho suplementar, sendo que a disponibilidade para prestação do mesmo é algo pressuposto para a atribuição de tal complemento salarial, de acordo com a cláusula em causa.
Não concordamos com a recorrente.
Nos termos do nº 1 de tal cláusula prevê-se tão só que “os trabalhadores móveis afetos ao transporte internacional, ibérico e nacional, excecionando-se destes últimos os trabalhadores móveis que conduzem veículos com menos de 7,5 toneladas, terão obrigatoriamente o direito a receber o correspondente a duas horas de trabalho suplementar, retirado o montante referido no número três”.
De lado algum da cláusula em apreço, ou do restante CCT, se retira que o pagamento de tal complemento salarial depende da efetiva prestação de trabalho suplementar. Ou mesmo da manifestação de disponibilidade para o efeito. Ao invés, ela é devida e obrigatória por força da mera afetação do trabalhador ao “transporte internacional, ibérico e nacional, excecionando-se destes últimos os trabalhadores móveis que conduzem veículos com menos de 7,5 toneladas”. Qualidade essa que não foi negada ao trabalhador em apreço pela recorrente.
Claro está que uma recusa ilegítima pelo trabalhador à prestação de trabalho suplementar será ilícita. Mas tal ilicitude não determina como consequência o não pagamento dum complemento salarial obrigatório, como vimos. Mas tão só a interposição de procedimento disciplinar, interposição essa que de resto se encontra comprovada.
Não podia assim a recorrente negar o pagamento deste complemento salarial, levando tal falta ao preenchimento dos elementos objetivos do tipo contraordenacional p. e p. pelo art. 521º, nº 2 do Código do Trabalho.
Sendo que, ainda que se considerasse também aqui a existência dum erro sobre os elementos do tipo nos termos do art. 8º, nº 2 do RGCO, sempre teríamos de considerar a conduta da recorrente como negligente, sendo-lhe exigível e possível um maior cuidado na interpretação das normas constantes da lei e CCT’s aplicáveis, especialmente no que tange ao pagamento de retribuições mensais devidas ao trabalhador, sabida que é a essencialidade de tal prestação no âmbito do contrato de trabalho e para o sustento daquele que a vê a ser negada.
Sendo que a moldura aplicável pela prática desta contraordenação, tipificada como leve, considerando o volume de negócios comprovado da recorrente, é a prevista na al. b) do nº 2 no art. 554º do Código do Trabalho, ou seja, entre 6 a 9 UC’s, ou seja, entre € 612,00 e €918,00, face à prática com negligência dos factos em apreço.”
Como se pode verificar, não se pode considerar que existam argumentos que possam sustentar um eventual erro grosseiro, notório ou incomum que torne manifestamente necessário para a melhoria da aplicação do direito a admissibilidade do recurso. Efectivamente, a necessidade subjectiva da recorrente de ver judicialmente aceite a sua interpretação da cláusula em questão nos autos, não é justificação suficiente para ver admitido o presente recurso, atentos os fundamentos acima expostos.
Ou seja, a arguida não pode pretender apenas que este Tribunal aprecie o eventual erro de julgamento do Tribunal a quo na aplicação do direito.
Pelo exposto, acorda-se em não admitir o segundo recurso interposto pela recorrente/arguida, o relativo ao processo de contraordenação ...29.
Fica, assim, prejudicado o conhecimento do mérito da decisão, quanto a este processo.
Fixa-se em 3 UC a taxa de justiça a considerar na parte decisória deste acórdão.

2. Procedimento contraordenacional ...18...
Consta da sentença:
Igualmente se terá de manter a condenação pela prática da contraordenação apreciada no procedimento ...18....
Dispõe o art. 36º do Regulamento 165/2014 de 4 de fevereiro o seguinte: “1. Se conduzirem um veículo equipado com tacógrafo analógico, os condutores devem apresentar, quando os agentes de controlo autorizados o solicitem:i) As folhas de registo do dia em curso e as utilizadas pelo condutor nos 28 dias anteriores; ii) O cartão de condutor, se o possuir; e iii) Qualquer registo manual e impressão efetuados durante o dia em curso e nos 28 dias anteriores, tal como previsto no presente regulamento e no Regulamento (CE) nº 561/2006. 2. Se conduzirem um veículo equipado com tacógrafo digital, os condutores devem apresentar, quando os agentes de controlo autorizados o solicitem: i) O seu cartão de condutor; ii) Qualquer registo manual e impressão efetuados durante o dia em curso e nos 28 dias anteriores, nos termos do presente regulamento e no Regulamento (CE) nº 561/2006; iii) As folhas de registo correspondentes ao período referido na alínea ii), no caso de terem conduzido um veículo equipado com tacógrafo analógico. 3. Os agentes autorizados de controlo podem verificar o cumprimento do Regulamento (CE) nº 561/2006 através da análise das folhas de registo ou dos dados, visualizados, impressos ou descarregados registados pelo tacógrafo ou pelo cartão de condutor ou, na falta destes meios, da análise de qualquer outro documento comprovativo que permita justificar o incumprimento de quaisquer disposições, como as do artigo 29º, nº 2, e do artigo 37º, nº 2, do presente regulamento.”
Dispondo por sua vez o art. 25º, nº 1 da Lei 27/2010 de 30 de agosto que “1 - Constitui contraordenação muito grave a não apresentação, quando solicitada por agente encarregado da fiscalização: a) De folhas de registo e impressões, bem como de dados descarregados do cartão do condutor; b) De cartão de condutor, das folhas de registo utilizadas e de qualquer registo manual e impressão efetuados, que o condutor esteja obrigado a apresentar; c) De escala de serviço com o conteúdo e pela forma previstos na regulamentação comunitária aplicável.”
Releva a este nível o decidido pelo Ac. da Relação do Porto, Proc. 5135/18.0T8OAZ.P1, ao decidir que “as contraordenações ao disposto no artigo 36º, nº 2, do Regulamento [EU] nº 165/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho, relativo à utilização de tacógrafos nos transportes rodoviários (que revogou o Regulamento (CEE) nº 3821/85, alterando ainda o Regulamento (CE) nº 561/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à harmonização de determinadas disposições em matéria social no domínio dos transportes rodoviários), mostram-se praticadas se o trabalhador condutor do veículo não apresentar as folhas de registo do dia em curso e dos 28 dias anteriores, sendo necessário, para excluir a ilicitude da conduta, que o mesmo exiba documento comprovativo que permita justificar o incumprimento, seja a «Declaração de Actividade», seja outro qualquer”.
Note-se que a causa de exclusão de ilicitude não corresponde à prova de que o condutor que não fornece os registos de tacógrafo no momento da fiscalização não conduziu em qualquer um dos 28 dias anteriores.
O que é causa de exclusão de ilicitude é a demonstração por via documental de que os registos de tacógrafo solicitados não podem ser entregues por uma qualquer razão. Sendo que resulta de forma clara do nº 3 do art. 36º do Regulamento 165/2014 de 4 de fevereiro que tal forma de prova, isto é, documental, é a única admissível para justificar a falta de registos.
Ora, perante o exposto, é certo, face ao comprovado no tocante a esta contraordenação, que DD foi fiscalizado a 6-11-2017 e, solicitados que foram os registos de tacógrafo nos 28 dias anteriores, não apresentou os registos referentes ao dia 20-10-2017, como se impunha.
Provado está também que não apresentou à data qualquer prova documental idónea a justificar tal falta de apresentação dos registos. Designadamente qualquer documento comprovativo de justificação de falta para frequência de consulta no IPO, que era exigível nos termos das normas indicadas para além da mera verbalização de tal justificação.
Estando assim preenchidos todos os elementos objetivos do tipo contraordenacional imputado.
Isto posto, é certo que se encontra provado que DD teria tido formação quanto à necessidade de transportar consigo este documento. E que os tacógrafos decorrentes da atividade encetada pela empresa recorrente eram fiscalizados a posteriori pela mesma, advertindo os seus trabalhadores de eventuais infrações constatadas.
Mas pese embora a prova de tais factos, não se afigura que, neste caso, e contrariamente ao que se expôs supra, no tocante às contraordenações apreciadas nos procedimentos contraordenacionais ...17, ...10, ...11, ...31, ...32, ...33, se possa concluir que a recorrente terá organizado o seu trabalho de modo a que o DD pudesse cumprir o disposto na legislação supra mencionado, como previsto no já citado nº 2 do art. 13º da Lei 27/2010 de 30 de agosto, como fundamento de exclusão da responsabilização da recorrente pela prática da contraordenação aqui em apreço.
E isto porque, como já referimos anteriormente, aqui seria muito fácil à recorrente assegurar que o referido condutor teria um documento justificativo da sua falta no dia 20 de outubro de 2017 no seu veículo. Entregando diretamente tal documento a DD e advertindo que o deveria manter sempre consigo no camião, ou mesmo colocando diretamente tal documento no mesmo – o que permitiria, aquando da fiscalização, a sua imediata exibição. Não existindo prova de ter procedido dessa forma, apesar de alguma culpa por parte do seu trabalhador – que não cuidou de se munir dum documento que seria necessário no exercício da sua atividade, o que todavia se explica pelo estado de ansiedade em que compreensivelmente se encontrava por ter sido diagnosticado com cancro há pouco tempo – não deixa de ser igualmente assinável à recorrente uma violação de deveres de cuidado e diligência que facilmente poderia adotar.
Ou seja, é possível concluir pela prática negligente da contraordenação agora em apreço.
Deverá assim a recorrente ser efetivamente condenada pela prática desta contraordenação muito grave p. e p. pelo art. 25º, nº 1 da Lei 27/2010 de 30 de agosto. Que é também punida, nos termos do art. 14º, nº 1 e 4, al. a) e nº 5 da mesma Lei, com uma coima a achar-se dentro da moldura de 20 UC a 300 UC em caso de negligência – € 2.040,00 a € 30.600,00.
Considerando o comprovado em 20), e face ao previsto no art. 561º do Código de Trabalho, impõe-se também aqui o agravamento de tal moldura aplicável, por reincidência, pelos fundamentos constantes da decisão recorrida.
Razão pela qual a moldura aplicável para determinar a coima aplicável por esta contraordenação tem efetivamente um limite mínimo de €2.720,00 e um limite máximo de €40.800,00.”
Insurgindo-se, alega a recorrente:
Não se pode a Recorrente conformar com a condenação do Tribunal no âmbito do supracitado Procedimento Contraordenacional. Pois nenhuma duvida resulta da exatidão da prova produzida para a condução aos factos dados como provados de 10 a 18, sendo, no entanto inadmissível a conclusão alcançada em 19.
Sem prejuízo dos factos dados, e bem, como provados que demonstram a total responsabilidade do motorista e até algum transtorno emocional vivenciado, a assunção de responsabilidade por parte do mesmo, a confissão do seu esquecimento, acaba o Tribunal por concluir que a Recorrente poderia ter adotado distinto comportamento.
A Recorrente ministrou formação (facto 14), avaliou (facto 15), controlou e advertiu (facto 16 e 17) e ainda assim poderia ter adotado um comportamento distinto segundo o Tribunal, poderia ter ela própria ir colocar na cabine do motorista a declaração de atividade ou qualquer outro documento apto a demonstrar perante o agente autuante a não apresentação do registo do tacógrafo em falta.
Ora a realidade de uma empresa com mais de 100 camiões não é compatível com esta análise tão simplista.
A ideia dada na sentença que os responsáveis da empresa poderiam aceder a um camião, entregue a um motorista, para ir lá colocar um documento, parece quase igual à situação de um pai que vai colocar a carta verde no carro da filha! Não é!
A dinâmica da vida de uma empresa desta dimensão que se nos afigurou absolutamente apreendida pelo Meritíssimo Juiz não é compatível com tal possibilidade.
Entre os documentos determinantes disponibilizados aos motoristas está o manual do motorista e as INSTRUÇÃO DE TRABALHO internas da empresa. Entre estas a DD05, que foi junta como documento aos autos na audiência de discussão e julgamento, em concreto os seus pontos 2 e 3, que porque esclarecedores se passam a transcrever:
1. RESPONSABILIDADES
A responsabilidade pela verificação da existência e validade dos documentos identificados nesta Instrução de Trabalho, é sempre do Motorista, de acordo com a IT-IN-.. - Plano de Inspecções à Viatura e Documentação.
As responsabilidades pelo preenchimento dos documentos identificados no ponto 6, encontram- se definidas nos diferentes Procedimentos e Instruções de Trabalho em vigor.
2. DOCUMENTOS NECESSÁRIOS AO MOTORISTA
1. Caso Geral
- Bilhete de Identidade + Cartão de Contribuinte + Cartão de Utente do SNS ou Cartão do Cidadão;
- Carta de Condução com averbamento do CQM ou + Carta de Qualificação de Motorista – CQM;
- Manual do Motorista;
- Cartão de Acesso ao Porto ... (apenas para motoristas afectos ao SN e SIB, pois em qualquer altura pode ser designado para o Serviço de Assistência a Navios ou Silos)
- Se conduzir um veículo equipado com tacógrafo analógico: as folhas de registo do dia em curso e dos 28 dias anteriores, o cartão de condutor, se o possuir, e todos os registos manuais e impressões efetuados durante o dia em curso e nos 28 dias anteriores;
- Se conduzir um veículo equipado com tacógrafo digital: o seu cartão de condutor, todos os registos manuais e impressões efetuados durante o dia em curso e nos 28 dias anteriores e, as folhas de registo correspondentes ao período referido no dia em cursos e 28 dias anteriores, no caso de terem conduzido um veículo equipado com tacógrafo analógico;
- Declaração de Atividade emitida em Formulário Oficial disponibilizado pela empresa e assinado também pelo trabalhador, caso tenha estado de baixa, férias ou outra situação que não seja possível verificar pelos registos de tacógrafo dos 28 dias anteriores.
- No transporte internacional, o Cartão Europeu de Seguro de Doença.
Assim, a responsabilidade pela verificação da existência e validade dos documentos identificados nesta Instrução de Trabalho, é sempre do Motorista, e entre os documentos referidos está “Declaração de Atividade emitida em Formulário Oficial disponibilizado pela empresa e assinado também pelo trabalhador, caso tenha estado de baixa, férias ou outra situação que não seja possível verificar pelos registos de tacógrafo dos 28 dias anteriores”.
Salvo o devido respeito, que é muito, não se pode a Recorrente conformar com tal condenação que está assente no facto dado como provado em 19 que é uma conclusão inadmissível que deve ser expurgada da decisão.”
Respondeu o Ministério Público:
“(...) o elemento típico objetivo da contraordenação em apreço é a não apresentação ao agente fiscalizador, logo no momento da fiscalização, das folhas de registo do dia em curso e as utilizadas pelo condutor nos 28 dias anteriores.
Significa, então, que a contraordenação fica consumada quando, ao ser abordado pelo agente fiscalizador, o condutor não apresente uma ou mais folhas de registo relativas ao referido período.
Visa-se, com tal previsão normativa, garantir as condições para a fiscalização imediata dos tempos de condução praticados pelos motoristas de veículos em determinadas condições.
E tal fiscalização apenas será possível se o condutor se fizer acompanhar de toda a documentação necessária.
O que pode suceder é que tal comportamento omissivo – não apresentação pelo condutor das folhas de registo do dia em curso e as utilizadas nos 28 dias anteriores – se encontre devidamente justificado, entendendo-se então que ocorre uma causa de exclusão da ilicitude.
Será então o caso da realização pelo condutor de qualquer outra atividade que não a condução – realização de trabalhos nas instalações da empregadora - ou a verificação de alguma circunstância que impediu o exercício da condução – gozo de férias, licença ou situação, baixa médica... - situações essas que exigirão, por um lado, a emissão pela empregadora de documento/declaração/formulário de atividade, apta a justificar a omissão do(s) registos de tempos de condução e, por outro lado, a sua disponibilização ao condutor para efeitos de exibição imediata ao agente fiscalizador.
Conforme vem sendo entendimento da jurisprudência, “para excluir essa responsabilidade (da empregadora) cabe à empresa demonstrar que pôs à disposição do motorista do seu veículo todos os documentos necessários para que as entidades de fiscalização pudessem aferir da observância ou não das normas dos regulamentos, nomeadamente de documentos demonstrativos da impossibilidade de apresentar escalas de serviço relativas aos 28 dias anteriores” – acórdão da Relação do Porto de 18-12-2018, proferido no processo nº 158/18.2T8VFR.P1, relatado por Rui Penha e disponível no site www.dgsi.pt.
Sobre esta questão, atente-se, a título de exemplo, e além do citado na sentença sob recurso, no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 08-06-2022 (proferido no Proc. nº 4704/21.6T8CBR.C1, relatado por Paula Maria Roberto e disponível no site www.dgsi.pt), onde é referido, no respetivo sumário que: I – De acordo com o art. 36º nº 1, do Regulamento (UE) nº 165/2014, do Parlamento e do Conselho, de 04-02, os condutores que conduzirem um veículo equipado com tacógrafo analógico devem apresentar, quando os agentes de controlo autorizados o solicitem, as folhas de registo do dia em curso e as utilizadas pelo condutor nos 28 dias anteriores, constituindo a respetiva não apresentação contraordenação muito grave, nos termos do art. 25º, nº 1, al. b), da Lei nº 27/2010, de 30-08. II – Não sendo tais folhas apresentadas, o condutor do veículo deve apresentar documento comprovativo que justifique a ausência das mesmas, sendo à arguida empresa de transportes (entidade patronal daquele) que compete dotar o seu trabalhador dos elementos necessários para apresentação imediata com vista a demonstrar que não houve condução e, daí, a inexistência daquelas (...)”.
Ora, na situação em apreço, a arguida tem o entendimento de que a responsabilidade pela disponibilização dos registos de condução dos 28 dias anteriores à fiscalização ou de declarações de atividade impende exclusivamente sobre o motorista, dadas as regras definidas no seu Manual do Motorista e nas Instruções de Trabalho que a arguida transmite aos motoristas.
Sucede que, a circunstância de existirem documentos internos a atribuir tais deveres ou regras de conduta aos motoristas não exime a arguida, enquanto empregadora, da responsabilidade objetiva pela prática da contraordenação, detetada em sede de fiscalização por agentes da autoridade.
É que, independentemente das normas e regulamentos internos eventualmente aprovados nessa matéria, é sobre a empregadora que, em última análise, recai a responsabilidade pela disponibilização de todos os documento legais exigíveis, designadamente aqueles previstos no art. 36º do Regulamento 165/2014, de 04-02.
E, no caso em apreço, competia à arguida, enquanto empregadora, ter disponibilizado ao motorista o documento (declaração de atividade – dia de férias) que afastava a ilicitude decorrente da falta de um dos registos dos 28 dias anteriores à fiscalização.
Tal documento não foi disponibilizado ao motorista e, consequentemente, não foi exibido aquando da fiscalização, o que determinou a prática da contraordenação em causa. E, conforme acima se referiu, atentos os elementos típicos objetivos da aludida contraordenação, a circunstância de, já em sede de processo administrativo, a arguida ter feito a junção do documento em falta, não impede a consumação do ilícito contraordenacional. Dado o exposto, entendemos então que deve ser mantida a condenação a arguida pela prática da contraordenação prevista e punível pelos artigos 14º, nºs 1, 4, al. a) e 5 e 25º, nº 1, da Lei nº 27/2010, de 30-08.”
Invoca a recorrente para fundamentar a exclusão da sua responsabilidade o que consta dos factos provados sob 14 a 17, concluindo que “A Recorrente ministrou formação (facto 14), avaliou (facto 15), controlou e advertiu (facto 16 e 17) e ainda assim poderia ter adotado um comportamento distinto segundo o Tribunal”.
É o seguinte o teor dos factos em questão:
14. Na data referida em 10) havia sido ministrada formação a DD, também referente aos documentos que deveria transportar consigo.
15. Sendo que na sequência de tal formação DD foi avaliado com testes diagnóstico sobre as várias matérias relevantes para o setor para aferição dos seus conhecimentos.
16. Os registos de tacógrafo dos motoristas da empresa, entre eles DD, eram analisados por amostragem (cerca de dois por dia) no que se refere aos tacógrafos analógicos, e todos mensalmente, no que se reporta aos tacógrafos digitais, para avaliar do cumprimento das regras estabelecidas.
17. Advertindo a recorrente os motoristas, entre eles DD, de infrações que constatasse na sequência de tal análise.
Pelo que entende a recorrente que não pode manter-se o consignado no facto provado 19 (“O referido em 10) a 13) ocorreu por a recorrente ter preterido deveres de cuidado que podia e devia ter adotado na qualidade de entidade empregadora”).
Nos termos do disposto no art. 13º, nº 2, da Lei nº 27/2010, de 30 de Agosto, a responsabilidade da empresa (prevista no nº 1) é excluída se a empresa demonstrar que organizou o trabalho de modo a que o condutor possa cumprir o disposto no Regulamento (CEE) nº 3821/85, do Conselho, de 20 de Dezembro, e no capítulo ii do Regulamento (CE) nº 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março.
A questão que se coloca consiste em aferir se a formação ministrada e provada nos pontos aludidos da matéria de facto, é suficiente para se poder concluir pela exclusão da responsabilidade da empresa empregadora.
Sobre a questão considerou-se no acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 18 de Abril de 2024, processo 2323/23.1T8AVR.P1, acessível em www.dgsi.pt:
“A matéria em apreciação não é nova, podendo dizer-se que é uniforme o entendimento desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto quanto à mesma (seja em termos da verificação/prática/consumação da contraordenação em causa, seja quanto à questão da responsabilização das empresas de transportes pela mesma), conforme se pode constatar, a título meramente exemplificativo, dos Acórdãos de 19-03-2018 [processo nº 2204/17.8T8MTS.P1, Relatora Teresa Sá Lopes, aqui 1ª Adjunta], de 18-12-2018 [processo 158/18.2T8VFR.P1, Relator Rui Penha], de 4-11-2019 [processo 5135/18.0T8OAZ.P1, Relator Nelson Fernandes], de 18-01-2021 [processo 4169/19.2T8OAZ.P1, Relatora Paula Leal de Carvalho], de 23-01-2023 [processo n.º 1016/22.1T8VFR, Relator Jerónimo Freitas] e de 29-01-2024 [processo nº 49/22.2Y3VNG.P1, Relator Rui Penha e em que interveio como 2ª Adjunta a aqui Relatora – este Acórdão, ao que se julga, não publicado].
Assim, e sintetizando tal entendimento:
- Conforme se refere no sumário do citado Acórdão de 18-01-2021: “I – Integra a prática da contra-ordenação prevista nas disposições conjugadas constantes dos arts. 36º, nºs 1 e 2 do Regulamento (UE) nº 165/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho de 04.02.2014, e 25º n.º 1, al. b) da Lei n.º 27/2010, de 30/08, a não apresentação, pelo motorista, das folhas de registo tacógrafo relativas ao período dos 28 dias anteriores solicitadas pela autoridade encarregue da fiscalização, sendo este o elemento constitutivo do tipo da contra-ordenação. II- A apresentação, no ato de fiscalização em estrada, de declaração/formulário justificativa do não cumprimento da referida obrigação de apresentação de registos mais não constitui do que documento comprovativo da existência de causa de exclusão de ilicitude. III – Nos termos do nº 1 do art. 13º da Lei 27/2010, de 30.08, recai sobre o empregador a responsabilidade sobre a mesma, a menos que este faça prova da exclusão da sua responsabilidade nos termos previstos no nº 2 desse art. 13º.”
- Conforme se escreve no sumário do citado Acórdão de 19-03-2018: «(…) III – A Lei 27/2010 de 30.08, no artigo 13º, supõe uma “forma mitigada da responsabilidade objetiva ou presumida da empresa transportadora com base numa presunção de culpa mas permitindo que esta alegue e prove não ter sido responsável pelo seu cometimento, para o que deverá demonstrar que organizou o trabalho de modo a que seja possível o cumprimento das imposições legais. IV – Para exonerar a empregadora da responsabilidade por infração da obrigação de apresentação de documentos relativos a registo da circulação de veículo, pelo trabalhador, não chega a prova da formação ou instruções dadas a este, sendo necessário que a arguida demonstre que efetuou as diligências necessárias para que não ocorresse tal omissão. V – “A organização do trabalho a que se reporta o nº 2 do art. 13º da Lei 27/2010 não tem a ver apenas com o cumprimento dos tempos de condução e repouso, mas também com o controlo dos mesmos, nomeadamente com a obrigação de apresentação das folhas de registo quando solicitadas pela autoridade competente, constituindo este um dos aspetos dessa organização».
(...)
Para efeitos de exclusão da responsabilidade da empresa (artigo 13º, nº 2, da citada Lei nº 27/2010), não basta a alegação e prova da formação ou instruções dadas ao trabalhador, nem da respetiva experiência profissional anterior como motorista em empresa de transportes [Neste sentido, os Acórdãos da Relação do Porto de 5-12-2011 e de 19-03-2018 (já citados), de 7-04-2016 (processo 2850/15.4T8AVR.P1, Relatora Paula Leal de Carvalho)], de 28-10-2015 (processo nº 760/15.4T8AVR.P1, Relator Rui Penha), de 22-02-2021 (processo nº 4170/19.6T8OAZ.P1, Relator Jerónimo Freitas)].
Ou seja, exige-se à empresa uma atividade proactiva no sentido de garantir, efetivamente, através de medidas adequadas de organização que implemente, que sejam cumpridas pelos motoristas ao seu serviço todas as exigências que a lei impõe, o que contende não só com formação, mas também com implementação de medidas de planeamento/organização, instruções e mecanismos de fiscalização.
Em suma, não pode retirar-se da factualidade provada que a Recorrente procedeu à organização, planificação e fiscalização do trabalho, de modo a assegurar-se que o condutor transportava consigo todos os registos ou documentação justificativa da respetiva falta para apresentar no momento da fiscalização.
Termos em que se terá que concluir que a Recorrente não logrou excluir a respectiva responsabilidade pela infracção imputada, pelo que é responsável pela mesma, nos termos do artigo 13º, nº 1, da Lei 27/2010, inexistindo fundamento para a respetiva absolvição como sustentado no recurso.”
Ora, também no caso vertente, verifica-se que a arguida recorrente nada demonstrou quanto a medidas que tenha tomado relativamente à organização do trabalho, por forma a evitar a ocorrência da infracção, cuja verificação não nega. Como se deixou expresso no acórdão citado, não basta a formação prestada sendo exigida uma acção concreta proactiva que impeça, ou de forma acentuada dificulte a verificação da infracção. A prova dessas medidas não se mostra demonstrada nos autos. Ainda que o cumprimento desta obrigação se revele oneroso para a empresa, como alega a recorrente, isso não a desobriga da mesma. No mesmo sentido veja-se ainda o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 9 de Março de 2018, processo 628/16.7T8LMG.C1, igualmente acessível em www.dgsi.pt.
Quanto à demonstração de ter o trabalhador faltado num dos dias em causa, para consulta médica, também o documento comprovativo de tal facto teria que estra na posse do condutor do veículo para ser imediatamente apresentado ao agente fiscalizador, como se deixou enunciado acima. Veja-se ainda o acórdão desta Secção Social de 15 de Dezembro de 2021, processo 37/21.6Y3VNG.P1, ainda acessível em www.dgsi.pt.
Não merece, pois, censura a sentença, ao considerar provado o facto 19, não se verificando a apontada nulidade da sentença, seja por contradição entre os fundamentos de facto, seja por contradição entre estes e a decisão.
Como se refere no acórdão desta Secção Social de 28 de Novembro de 2022, processo 7034/21.0T8PRT.P1, acessível em www.dgsi.pt, Como primeira nota, para relembrarmos, como o temos afirmado repetidamente, que os vícios elencados no nº 2 do artigo 410º do CPP se assumem como anomalias decisórias ao nível da confeção da sentença, circunscritos à matéria de facto, apreensíveis pelo seu simples texto, sem recurso a quaisquer outros elementos a ela estranhos, impeditivos de bem se decidir tanto ao nível da matéria de facto como de direito. Limitada agora a apreciação à questão do vício da nulidade invocado, Simas Santos e Leal Henriques [Código de Processo Penal anotado, II volume, 2. Edição, 2000, editora Rei dos Livros, Lisboa, p.379] referem que “[p]or contradição, entende-se o facto de afirmar e de negar ao mesmo tempo uma coisa ou a emissão de duas proposições contraditórias que não possam ser simultaneamente verdadeiras e falsas, entendendo-se como proposições contraditórias as que tendo o mesmo sujeito e o mesmo atributo diferem na quantidade e qualidade. Para os fins do preceito (al. b) do nº 2) constitui contradição apenas e tão só aquela que, expressamente se postula, se apresente como insanável, irredutível, que não possa ser integrada com recurso à decisão recorrida no seu todo, por si só ou com auxílio das regras da experiência.” No mesmo sentido a nossa Jurisprudência, citando-se aqui o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de março de 2015[Proc. nº 418/11.3GAACB.C1.S1, citado por sua vez no Acórdão do mesmo Tribunal de 24 de Fevereiro de 2016, processo nº 502/08.0GEALR.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt], em que refere, a esse respeito, citando, que “[o] vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão verifica-se quando no texto da decisão constem posições antagónicas ou inconciliáveis, que se excluam mutuamente ou não possam ser compreendidas simultaneamente dentro da perspetiva de lógica interna da decisão, tanto na coordenação possível dos factos e respetivas consequências, como nos pressupostos de uma solução de direito.” Poderemos assim dizer, no âmbito que se analisa, que tal vício ocorre quando se verifique uma contradição da fundamentação que não possa ser ultrapassada, ainda que recorrendo ao contexto da decisão no seu todo ou às regras da experiência comum, assim, por exemplo, no que à matéria de facto diz respeito, nos casos em que se dá como provado e não provado o mesmo facto, mas ainda, também, quando simultaneamente se dão como provados factos contraditórios entre si.”
O facto 19 em questão, é uma conclusão de facto, sendo certo que sempre assim acontece com os elementos subjectivos da infracção, que se consubstanciam em factos conclusivos retirados da restante matéria provada. Conforme se refere no acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 12 de Julho de 2023, processo 54/23.1Y3VNG.P1, acessível em www.dgsi.pt, Augusto Silva Dias [“Direito das Contraordenações”, Almedina, 2019, pág. 106] refere, e com isso se concorda, que a comprovação do elemento subjetivo é efetuada por meio de inferências a partir de circunstâncias fácticas do caso concreto; inferência é a operação lógica que permite extrair de uma factualidade indiciada ilações acerca da existência de uma dada situação, designadamente de um estado mental (o que nada tem a ver com presunções) [No acórdão do STJ de 16/01/1990 (publicado na CJ, Ano XV, t. 1, pág. 6), no âmbito de processo crime, escreveu-se que o apuramento da consciência da ilicitude/dolo não é, em regra, efetuado diretamente pela prova produzida, antes sendo uma conclusão que o Tribunal retira a partir da conduta dos arguidos, na medida em que seja uma consequência ou prolongamento dos factos que se lhe imputam e são demonstrados].” No mesmo sentido o acórdão desta Secção Social de 17 de abril de 2023, processo 1380/22.2T8OAZ.P1, subscrito pelo aqui relator como adjunto, ao que se supõe não publicado.
Nesta medida improcede o recurso.

3. Procedimento contraordenacional ...28
Alega a recorrente:
Ora salvo o devido respeito, que é muito, reitera-se, a partir do momento em que se dá como provado o ponto 45 “Em tal período o referido motorista não conduziu de forma seguida por mais do que quatro horas e meia, tendo percorrido em tal period apenas 45 Kms.” Jamais se poderia considerar que se consumou o ilícito pelo qual a arguida foi condenada com base na negligencia que em contradição lhe está imputada no ponto 50 da matéria de facto dada como provada. (...)
Ora, se está provado que o motorista não conduziu por quatro horas e meia, então, na verdade o ilícito que é “não ter sido gozada uma pausa elegível” de 45m ou 30m+15m não pode ser imputada à Recorrente sob pena de violação do princípio da legalidade.
Da factologia supra elencada como provada, à luz do ordenamento jurídico aplicável, resulta inexistir um dever legal de gozar uma pausa sem que tenha decorrido um período de condução de quatro horas e meia. A norma sancionatória escolhida não foi violada.
Na verdade, a norma aplicada na punição sub judice prevê e pune diretamente o não gozo de pausa nas circunstâncias descritas.
Defende o Tribunal no facto dado como provado sob 44 que o “No dia 17-6-2019, o trabalhador da recorrente AA, conduziu o veículo de matrícula ..-..-JD entre as 00:30h e as 7:30h, sem efetuar qualquer pausa ininterrupta de 45 minutos ou pausa de pelo menos 15 minutos seguida de outra de pelo menos 30 minutos., acontece porém que não corresponde à prova produzida e à análise do disco que tal tenha ocorrido. Há aliás uma impossibilidade matemática de percorrer só 45 km em quatro horas e meia ao considerar que as pausas não comutadas representam condução.
A este propósito o Supremo Tribunal de Justiça entendeu que: “Não há que confundir o grau de discricionariedade implícito na formação do juízo de valoração do julgador, com o mero arbítrio: a livre ou íntima convicção do juiz não poderá ser nunca puramente subjectiva ou emotiva, e por isso há-de ser fundamentada, racionalmente objectivada e logicamente motivada, de forma a susceptibilizar controlo”.
No caso sub iudice o facto dado como provado como 44 não têm correspondência com o documento _ disco tacógrafo_ que o Tribunal a quo reputou como determinantes para a formação da sua convicção, aliás o Tribunal deu como provada uma condução das 00:30h e as 7:30h do dia 17-06-2019, quando do mesmo resulta claramente que entre esse período só foram percorridos 45Km. (facto igualmente dado como provado).
E podemos fazer também uma conta fácil que nos leva à mesma conclusão: o trabalhador conduziu 45kms a uma velocidade média de 20kms (dados que se inferem do disco dos autos) e se dividirmos 45kms por 20Km/H logo concluímos que para percorrer 45 Kms àquela velocidade são necessários 2.25horas e não 7 horas como se indica nos autos.
Portanto, condizente com o tipo de serviço que o trabalhador estava a executar – serviço de assistência a navios - em que transporta um contentor, espera algum tempo (pelo) até ser chamado a transportar o próximo, e assim sucessivamente, pelo que há muitos tempos de espera, que se contabilizam como tempos de descanso que são consideradas pausas embora não elegíveis para o cumprimento do arto 7.o do Regulamento (CE) nº 561/2006.
E como se percebe da análise criteriosa do documento. Não houve condução durante 7 horas.
O Tribunal insere na matéria dada como provada, a análise jurídica do que se pode considerar tempo de condução. Entre condução efetiva e outros trabalhos.
Devendo, assim, eliminar do elenco probatório o facto nº 50, pois trata-se de uma conclusão não subsumível aos factos.
Pois a decisão sobre a matéria de facto deve estar expurgada de afirmações genéricas, conclusivas ou que comportem matéria de direito. Pois, sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas deve ser eliminado.”
Acrescentando:
Inexiste qualquer dever legal que obrigue o condutor que ainda não conduziu o tempo referido a efetuar a pausa do artigo 7º do Regulamento (CE) nº 561/2006.
Entendendo ainda que, esse sendo o texto da lei, pela aplicação do princípio da tipicidade do Processo Penal não pode ser punida.
Assim, resulta óbvio que do texto da norma não prevê o dever legal à pausa aqui punida.
(...)
Não há censurabilidade na conduta da Recorrente, pois a letra da Lei Regulamentar que invoca na justificação para o não cumprimento da pausa, demonstra que não lhe era exigido um comportamento diferente.
Face a todo o supra exposto, não podiam ter ficado provados os elementos necessários ao preenchimento do preceituado no artigo 7º do Regulamento (CE) nº 561/2006.
Ademais, no dia 17 de Junho de 2019, entre as 00.30h e as 07.30h, é verdade que o motorista TRABALHOU mais de quatro hora e meia sem pausas, mas não conduziu mais de 4.30h.
(...)
A contradição entre a prova produzida e a decisão, indiciam a verificação do vício previsto no art. 410º, nº 2, al. b, CPPenal ou seja, contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, tal como a verificação do vício previsto na al. c) do mesmo preceito, erro notório na apreciação da prova.
Assim sendo, o Tribunal a quo ao violou, o art. 7º do Regulamento (CE) nº 561/2006 ao ter proferido decisão condenatória sem que o tipo de ilícito estivesse preenchido, como também o art. 127º do C.P.Penal e ainda o art. 32º, nº 2 da Lei Fundamental.”
Respondeu o Ministério Público:
Atendendo à factualidade dada como provada na sentença, sob as alíneas 44) a 51), foi correta a decisão do Tribunal no sentido da verificação dos elementos típicos da contraordenação em apreço.
Por um lado, mostra-se correta a apreciação da prova produzida em audiência de julgamento, cuja fundamentação consta de forma bastante desenvolvida no texto da sentença, inexistindo, a nosso ver, qualquer insuficiência, contradição ou erro.
Por outro lado, a subsunção jurídica dos factos dados com provados também se afigura acertada, atentas as definições previstas no artigo 4º do Regulamento (CE) nº 561/2006 do Parlamento Europeu e Conselho de 15-03-2006, designadamente, quanto ao que se deve entender por período de condução (alínea q))e o que dispõe o artigo 7º desse mesmo Regulamento.
(...)
A alegação da arguida, ora recorrente, de que, atendendo ao facto dado como provado sob a alínea 45), não lhe devia ser imputada tal contraordenação, carece de fundamento legal, porquanto colide com a distinção entre período de condução e tempo de condução.
Tendo presentes tais definições, não existe contradição alguma entre os factos provados sob as alíneas 44) e 45).
Nesse conspecto, o acórdão da Relação de Coimbra citado na sentença apresenta- se lapidar quanto ao que deve ser entendido como uma e outra realidade, no desempenho das funções de motorista e no dever de cuidado das empregadoras quanto à organização do trabalho, de forma a garantir o cumprimento das pausas necessárias à recuperação ou revigoramento dos trabalhadores.
Assim, também quanto a tal contraordenação, entendemos que o Tribunal decidiu corretamente, devendo a condenação da arguida ser mantida nos seus precisos termos.”
Consta da sentença:
“(...) se é certo que, tal como os outros colegas da empresa, lhe foi ministrada formação e foi instado a cumprir os períodos de pausa e repouso prescritos na lei, a verdade é que não deixou a recorrente igualmente de admitir, quer na impugnação apresentada, quer em juízo, que é seu entendimento que no dia em apreço não se impunha que o referido trabalhador fizesse qualquer pausa ao abrigo do disposto no art. 7º do Regulamento 561/2006 de 15 de março.
E isto por força do facto do referido trabalhador não ter conduzido efetivamente de forma contínua por mais de 4:30h.
Inexiste efetivamente nos autos alegação ou prova de que o referido motorista conduziu de forma contínua por aquele período.
Mas tal não afasta ainda assim a conclusão que a recorrente prestou uma informação quanto aos períodos de pausa que lhe eram impostos errónea.
A questão aqui em apreço foi abordada no Ac. da Relação de Coimbra, Proc. 71/14.2T8GRD.C1, disponível em www.dgsi.pt.
(...)
O decidido em tal Acórdão, reiteramos, aplica-se da mesma forma ao presente caso, sendo que o fundamento de defesa elencado pela aqui recorrente é exatamente o mesmo que o ali invocado.
Sendo que, ali, tal como aqui, há que concluir que o período de condução distingue- se do tempo de condução nos termos do Regulamento supra mencionado, e que, independentemente das pequenas paragens que o motorista AA foi realizando ao longo da noite, impunha-se a realização duma pausa de 45 minutos ou pausa de pelo menos 15 minutos seguida de outra de pelo menos 30 minutos, quatro horas e meia após ter iniciado a sua condução (ou seja, tendo a mesma iniciado as 00:30h, teria de realizar uma de tais modalidades de pausas pelas 5:00h, o que não resulta comprovado como tendo ocorrido).
Sendo que ainda que se considere que a recorrente agiu aqui em erro sobre os elementos do tipo, nos termos do art. 8º, nº 2 do RGCO, ainda assim a sua condenação impõe-se, por concluirmos que agiu negligentemente.
Ora, os perigos advenientes duma condução por motoristas cansados, por não cumprimento dos períodos de repouso ou pausa, são manifestos e consabidos, e exigem à recorrente uma maior cautela na interpretação das normas a que está sujeita. Sendo que as normas aqui em apreço parecem-nos, salvo o devido respeito, suficientemente claras no sentido propugnado supra, e que demonstram claramente que independentemente das diversas paragens por um curto período de tempo, havia que assegurar ao motorista AA o gozo de períodos de pausas nos termos legais que são previstas como suficientes e adequadas ao seu revigoramento. Parecendo-nos a leitura das normas efetuada pela recorrente, ainda que não duma forma dolosa, concedemos, como demasiado facilitista e permissiva (para além de não ter estribo legal, repetimos) e, como tal, censurável.
Impondo-se assim a manutenção da condenação pela contraordenação em apreço no procedimento contraordenacional ...28 (...)”
Não nos merece censura a sentença, também neste ponto.
Para além do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 5 de Novembro de 2015, processo 71/14.2T8GRD.C1, acessível em www.dgsi.pt, pronunciam-se no mesmo sentido os acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 3 de Dezembro de 2015, processo 646/15.2T8EVR.E1, e de 18 de Janeiro de 2018, processo 1665/17.0T8STR.E1, ambos acessíveis em www.dgsi.pt.
Conforme se consignou neste último:
Na consideração 16 do Regulamento (CE) nº 561/2006 do Parlamento Europeu e Conselho de 15 de março de 2006, que fundamenta o clausulado, esclarece-se que “verificou-se que era possível, com o Regulamento (CEE) nº 3820/85, distribuir os tempos diários de condução e de pausa de modo a que o condutor acabasse por efetuar períodos excessivos sem repouso integral, com prejuízo para a segurança rodoviária e deterioração das condições de trabalho. É por conseguinte conveniente garantir que as pausas descontínuas sejam organizadas de modo a evitar abusos”.
O art. 7º do Regulamento (CE) nº 561/2006 do Parlamento Europeu e Conselho de 15 de março de 2006, prescreve que após um período de condução de quatro horas e meia, o condutor gozará uma pausa ininterrupta de pelo menos 45 minutos, a não ser que goze um período de repouso.
Esta pausa pode ser substituída por uma pausa de pelo menos 15 minutos seguida de uma pausa de pelo menos 30 minutos repartidos pelo período de modo a dar cumprimento ao disposto no primeiro parágrafo.
Este artigo estabelece a regra de que o motorista deve gozar uma pausa ininterrupta de 45 minutos imediatamente após completar um período de condução de 4h30.
As exceções à regra são duas:
1ª Não haverá lugar à pausa de 45 minutos se a seguir o motorista iniciar o gozo de um período de repouso.
2ª Substituição da pausa ininterrupta de 45 minutos pelo gozo de 15 minutos de pausa seguida de pausa de pelo menos 30 minutos.
Resulta deste regime de pausas que o motorista deve cumprir uma pausa mínima de 45 minutos, ininterrupta, após 4h30 de condução.
É bem patente a finalidade da regulamentação comunitária: proteger a segurança dos motoristas em particular e a segurança rodoviária em geral de forma uniforme em todo o espaço comunitário, com vista a evitar a competitividade entre Estados (através de legislação diversificada) à custa destes bens essenciais e facilitar o controlo dos tempos de condução e de descanso.
O art. 4º do último Regulamento citado, prescreve, além do mais, que, para efeitos do presente regulamento, entende-se por:
«Condutor»: qualquer pessoa que conduza o veículo, mesmo durante um curto período, ou que, no contexto da atividade que exerce, esteja a bordo de um veículo para poder eventualmente conduzir;
«Pausa»: período durante o qual o condutor não pode efetuar nenhum trabalho de condução ou outro e que é exclusivamente utilizado para recuperação (alínea d);
«Outro trabalho»: todas as atividades definidas como tempo de trabalho na alínea a) do artigo 3º da Directiva 2002/15/CE, com exceção da «condução», bem como qualquer trabalho prestado ao mesmo ou a outro empregador dentro ou fora do setor dos transportes (alínea e).
«Período de condução»: o período de condução acumulado a partir do momento em que o condutor começa a conduzir após um período de repouso ou uma pausa, até gozar um período de repouso ou uma pausa. O período de condução pode ser contínuo ou não (alínea q).
Resulta destas norma jurídicas que:
- O condutor não deixa de o ser pelo simples facto de não estar a conduzir o veículo em determinado momento. Essencial é que esteja a bordo para o poder fazer. Neste caso, embora não esteja a conduzir, este tempo não pode ser considerado como tempo de pausa ou de interrupção do tempo de condução.
- Não podem ser consideradas pausas as paragens, seja qual for o motivo, em que o motorista não está a conduzir mas está ainda assim adstrito ao dever de prestar.
- Não podem ser contabilizados como pausas os períodos de tempo inferiores a 45 minutos ininterruptos ou de 15 minutos sem serem seguidos por pausas de pelo menos 30 minutos. A interrupção da condução, v.g., por 40 minutos seguidos, apesar de próxima do tempo de pausa mínima, não dispensa o condutor da obrigação de cumprir os tempos de pausa previstos na lei – 45 minutos ininterruptos ou 15 minutos acrescido de 30 minutos, tudo de forma ininterrupta, como se aquela pausa de 40 minutos não existisse.
- Considera-se tempo de condução todo o tempo decorrido desde o início da condução após o gozo do período de repouso ou de pausa até ao período de repouso ou de pausa seguinte, independentemente da existência de interrupções de duração inferior aos tempos definidos na lei.
Está provado que o condutor iniciou a condução às 12h35 e terminou cerca das 20h45 horas, tendo efetuado várias paragens neste período, mas nenhuma de 45 minutos ou de 15 minutos seguida de 30 minutos.
Verifica-se, assim, que o condutor efetuou várias paragens, cuja motivação se desconhece, mas todas inferiores a 45 minutos ininterruptos ou a 15 minutos seguidos de 30 minutos, donde resulta que não efetuou qualquer pausa durante todo o período de condução entre as 12h35 e as 20h45, ou seja, durante 8h10 minutos.
Trata-se de uma situação de abuso que o legislador comunitário quis evitar, qual seja, a de jogar com pequenas interrupções, inferiores aos tempos previstos na lei, para interromper o período de condução, mas insuscetíveis de propiciar ao condutor um período de tempo mínimo para recuperar física e mentalmente.”
Ou, como se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 3 de Dezembro de 2015, “(...) o período de condução se conta a partir do momento em que o condutor começa a conduzir após um período de repouso ou uma pausa, e termina quando ele goza novo período de repouso ou uma pausa. Entre os referidos momentos situa-se o «período de condução», o que significa que dentro desse período não terá que ser todo ele de condução efectiva, podendo ser de «Outro trabalho». Assim se justifica que o regulamento prescreva que o período de condução possa ser contínuo ou não, como querendo significar que não terá todo ele que ser de condução efectiva: o que releva é que o período de condução se conta a partir do momento em que o condutor começa a conduzir , após um período de repouso ou uma pausa, e só termina quando o condutor gozar um novo período de repouso ou uma pausa; o tempo que medeia entre o inicio da condução após um período de repouso ou pausa até a um novo período de repouso ou pausa é considerado como de condução, ainda que o condutor durante o mesmo possa também realizar «Outro trabalho». Cremos que só esta interpretação permite alcançar os almejados fins que se visam com o regulamento em causa e que se deixaram supra referidos, máxime quanto à segurança rodoviária e melhoria das condições de trabalho dos condutores (...).”
Quanto ao mais, nomeadamente no que respeita ao facto provado 50, dá-se por reproduzido o que acima se referiu relativamente ao processo contraordenacional ...18....

Em conclusão, improcede totalmente o recurso.




IV. Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes que constituem presente colectivo em não admitir o recurso interporto da sentença, no que respeita ao procedimento contraordenacional ...29, e julgar improcedente o recurso interposto quanto aos demais procedimentos contraordenacionais, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC pelo segundo recurso (não admitido) e 3 UC pelo primeiro.






Porto, 20 de Maio de 2024
Rui Penha
António Luís Carvalhão
Teresa Sá Lopes