Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ALBERTO TAVEIRA | ||
Descritores: | ACIDENTE DE VIAÇÃO DANO BIOLÓGICO DANO NÃO PATRIMONIAL EQUIDADE | ||
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Nº do Documento: | RP202503252661/22.0T8PRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 03/25/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A SENTENÇA | ||
Indicações Eventuais: | 2. ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - O recurso de apelação, tal como está consagrado no nosso sistema processual civil, está formatado por um modelo de reponderação, destinado à reapreciação da decisão recorrida quanto às questões que lhe foram endereçadas, e não à reformulação da decisão perante novo contexto e novas questões. II - O dano biológico agrega e refere-se a uma lesão da integridade psicofísica, susceptível de avaliação médico-legal e de compensação, estando a integridade psicofísica da pessoa tutelada. III - Nos danos não patrimoniais o recurso à equidade não pode coincidir com arbitrariedade. Por isso, para prevenir um tal risco, sempre se impõe a análise da jurisprudência que tenha tratado de situações congéneres. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | PROC. N.º[1] 2661/22.0T8PRT.P1 * Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo Central Cível do Porto - ...
RELAÇÃO N.º 213 Relator: Alberto Taveira Adjuntos: Alexandra Pelayo Artur Dionísio Oliveira
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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO *
I - RELATÓRIO. AS PARTES A.: AA. R.: Fundo de Garantia Automóvel. * O[2] A. intentou a presente ação declarativa de condenação com processo comum contra o R. formulando o seguinte pedido: 1 – Ser a R. condenada a suportar os custos dos medicamentos, consultas médicas e fisioterapia de que o A., em consequência das lesões sofridas, careça ao longo da sua vida, assim como eventuais intervenções cirúrgicas que se venham a mostrar necessárias. 2 – Ser a Ré condenada a pagar ao A. um montante pecuniário a título de danos patrimoniais futuros com base no défice permanente da integridade físico-psíquica que se vier a estabelecer no decurso do presente processo judicial, acrescido de juros à taxa legal desde a citação e até integral e efetivo. 3 – Ser a R. condenada a pagar à A. a quantia de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação até integral e efetivo pagamento, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais. Alegou, em síntese, que foi atropelado por um automóvel quando atravessava uma rua, não se tendo apurado a identidade do condutor, nem a identificação do veículo automóvel que tripulava, tendo ficado com danos naquele montante.
O réu contestou, pugnando pela improcedência da ação.
Foi proferido despacho saneador, identificado o objeto do litigio e os temas da prova.
Posteriormente, o autor veio requerer a ampliação do pedido, a 29.04.2024, nos seguintes termos: 1 – Ser a R. condenada a suportar os custos dos medicamentos, consultas médicas e fisioterapia de que o A., em consequência das lesões sofridas, careça ao longo da sua vida, assim como eventuais intervenções cirúrgicas que se venham a mostrar necessárias, em valor que se estima nunca inferior a € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros). 2 – Ser a R. condenada a pagar ao A. o montante de € 40.000,00 (quarenta mil euros) a título de danos patrimoniais futuros com base no défice permanente da integridade físico-psíquica de 10 pontos e ainda a título de necessidade de dispêndio de esforços complementares no exercício da atividade habitual, acrescido de juros à taxa legal desde a citação e até integral e efetivo pagamento. 3 – Ser a R. condenada a pagar à A. a quantia de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros), acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação até integral e efetivo pagamento, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais. Alegou que ficou a padecer de défice permanente da integridade físico-psíquica de 10 pontos, ainda de um défice funcional temporário total de 148 dias, que sofreu de défice funcional temporário parcial durante 650 dias, com repercussões no desempenho da atividade profissional fixada em 798 dias. O réu contestou a ampliação do pedido. A ampliação foi admitida, tendo o Juízo Local Cível do Porto, onde o processo corria, se declarado incompetente face ao novo valor da ação, tendo remetido o processo para este tribunal. ** * DA DECISÃO RECORRIDA Após audiência de discussão e julgamento, foi proferida SENTENÇA, nos seguintes termos: “Face ao exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente, por provada, e, em consequência, condeno o réu Fundo de Garantia Automóvel a pagar ao autor AA a quantia de 27.000€, acrescida de juros de mora à taxa legal civil, desde a data da presente decisão, até integral pagamento, absolvendo do demais peticionado.“. * DAS ALEGAÇÕES O A., vem desta decisão interpor RECURSO, acabando por pedir o seguinte: “Nestes termos e nos mais de direito que V.Ex.ª doutamente suprirão, na procedência das conclusões do recurso interposto pelo Apelante, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, com as legais consequências, como é de justiça“. * O apelante, A., apresenta as seguintes CONCLUSÕES: “1- O Tribunal recorrido fez uma incorreta valoração da prova produzida. 2- O tribunal a quo esteve mal ao elaborar o cálculo da indemnização devida pelo dano biológico, uma vez que não considerou que o Autor esteve totalmente incapaz de exercer qualquer atividade profissional durante 798 dias. 3 - Para o período de incapacidade total, deve ser calculada uma indemnização por perda salarial total, e não com base nos 10 pontos de perda funcional que lhe foram atribuídos após a alta médica. 4 - Atendendo que o salário mínimo nacional atualmente se situa em € 820,00 e que, a partir de janeiro de 2025, será de € 870,00, somado ao facto de que o novo acordo de concertação social, assinado pelo Governo, prevê um aumento progressivo da remuneração mínima mensal garantida até 2028, ano em que atingirá os € 1.020,00. 5 – O Apelante considera que a projeção futura do SMN efetuada pelo Tribunal a quo, de € 900,00, é exígua e injusta, devendo ser atualizado para efeitos de cálculo num mínimo de € 950,00. 6 - Deve, por isso, ser o valor indemnizatório atribuído de €21.000,00, aumentado para € 34.148,19 (trinta e quatro mil cento e quarenta e oito euros e dezanove cêntimos). 7 - Recorrendo-se à equidade e a uma análise comparativa de decisões proferidas pelos nossos Tribunais superiores, o montante indemnizatório de € 34.148,19, reputa-se como justo e equilibrado, para ressarcir o dano biológico sofrido pelo Apelante. 8- No que diz respeito aos danos não patrimoniais sofridos, também a compensação dos mesmos se revela manifestamente exígua e desproporcional, nomeada e principalmente fazendo uma análise comparativa com outras decisões proferidas pelos nossos Tribunais. 9- Considerando a matéria de facto provada, que não merece qualquer reparo, entende o Apelante que a indemnização a arbitrar a título de danos não patrimoniais deve ser aumentada para €25.000,00 (vinte e cinco mil euros). 10- A Sentença recorrida fez uma incorreta apreciação da prova produzida, assim como uma menos correta aplicação da lei, devendo, como tal, ser revogada nos termos das presentes Conclusões“. * A R. apresentou CONTRA-ALEGAÇÕES, pugnando pela improcedência do recurso. *** * II - FUNDAMENTAÇÃO. O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Civil
Como se constata do supra exposto, as questões a decidir, são as seguintes: A) Fixação de indemnização de perda salarial durante o período de incapacidade total de 798 dias – 13.754,86 €. B) Fixação da indemnização a título de perda de ganho futuro – da quantia de 21.000,00 € para a quantia de 34.138,19 €. C) Fixação da indemnização a título de danos não patrimoniais – da quantia 19.000,00 € para a quantia de 25.000,00 €. ** * OS FACTOS Os factos com interesse para a decisão da causa e a ter em consideração são os constantes da sentença ora em crise. A sentença ora em crise deu como provada e não provada a seguinte factualidade. “3.1 Matéria de facto provada 1) No dia 17 de setembro de 2020, cerca das 6 horas, o autor foi atropelado por um veículo automóvel, no cruzamento da Rua ... com a Rua ..., no Porto. 2) Nessa altura o autor atravessava a caminhar a dita Rua ... sobre uma passadeira para atravessamento de peões, quando veio embater contra si um veículo automóvel ligeiro. 3) Que deslocando-se pela Rua ..., sendo proveniente da Avenida ..., no cruzamento com a Rua ... virou à direita para passar a circular por esta última. 4) Altura em que atropela o autor que atravessava essa rua. 5) O qual, não tendo tido tempo de reação, foi projetado pelo ar, acabando por embater num poste de iluminação ali existente. 6) E ficando ferido. 7) O condutor do veículo atropelante, cuja matrícula não foi apurada, não abrandou e colocou-se em fuga. 8) O local do atropelamento é uma estrada com dois sentidos, com o limite máximo de velocidade de circulação de 50 Km/h. 9) O autor foi transportado por ambulância para o Hospital ..., onde ficou internado para receber tratamento pelas lesões sofridas. 10) Apresentando feridas nos joelhos, na mão, no pé esquerdo e na cabeça do lado direito e tendo sentido dores. 11) Além de traumatismo torácico, com fratura instável D11, fratura pavimento e parede lateral da órbita e do arco zigomático e parede lateral do seio maxilar 12) Foi-lhe colocado colete jewett 13) Teve alta no dia 24 de setembro, passando a ser seguido em consulta externa. 14) Após ter regressado a casa, precisou de ajuda de terceira pessoa para executar as tarefas da vida quotidiana, como fazer a sua higiene pessoal, confecionar as suas refeições, realizar as tarefas domésticas. 15) Tendo sido sujeito a tomografia computorizada da face a 24/0572023, observa-se irregularidade do contorno do arco zigomático esquerdo, exibindo ligeira depressão central, sem traço de fratura individualizado, nem desalinhamento de topos ósseos, aspetos que sugerem corresponder a sequela de fratura antiga 16) E a exame radiológico da coluna vertebral a 24/0572023, nota-se perda da altura do corpo vertebral de D11, provavelmente traduzindo sequelas de fratura compressiva, a confrontar com antecedentes e, caso necessário, com estudo radiográfico dirigido à coluna dorsal. 17) E ainda a exame radiológico da grade costal a 24/05/2023 verifica-se perda de altura do corpo vertebral de D11, sugerindo sequelas de fratura compressiva. Sequelas de fratura da vertente lateral do quarto arco costal direito, com desalinhamento pouco significativo, provavelmente consolidada 18) No âmbito da perícia de avaliação do dano corporal em direito civil, a que o autor foi submetido, refere-se que “Os elementos disponíveis permitem admitir a existência de nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano atendendo a que se confirmam os critérios necessários para o seu estabelecimento: existe adequação entre a sede do traumatismo e a sede do dano corporal resultante, existe continuidade sintomatológica e adequação temporal entre o traumatismo e o dano corporal resultante, o tipo de lesões é adequado a uma etiologia traumática, o tipo de traumatismo é adequado a produzir este tipo de lesões e se exclui a existência de uma causa estranha relativamente ao traumatismo e se exclui a pré-existência do dano corporal” 19) Mais se tendo considerado que na sequência do embate, o autor apresenta as seguintes sequelas: Crânio: na metade direita da região frontal em área coberta com cabelo observa-se cicatriz plana, nacarada, com 5 cm de comprimento por 0,2 cm de largura referida como ligeiramente dolorosa ao toque Face: dor na palpação sobre a área anatómica do osso zigomático à esquerda parecendo ser detetável dismorfia na palpação daquela área; a amplitude ade abertura da boca é de 4 cm entre arcadas dentárias e o examinado refere dor na área da ATM esquerda (o examinado é portador de ausência de dentição situação que não está relacionada com o traumatismo sofrido no AV) Pescoço: à inspeção não se observam dismorfias nem assimetrias nem desvio de eixo; a mobilidade articular deste segmento está limitada na rotação e inclinação para a direita por dor referida na face lateral esquerda que irradia Ráquis: à inspeção do segmento dorsal não é claramente percetível dismorfia no segmento dorsal ou lombar Tórax: dor na compressão torácica bilateral Abdómen: sem alterações Períneo: sem alterações Membro superior direito: sem alterações Membro superior esquerdo: sem alterações Membro inferior direito: sem alterações. Membro inferior esquerdo: sem alterações 20) Concluindo-se que: a) A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 22/11/2022 b) Com um período de défice funcional temporário total de 148 dias, entre 16/09/2020 e 10/02/2021 c) Um período de défice funcional temporário parcial de 650 dias, entre 11/02/2021 e 22/11/2022, d) E um período de repercussão temporária na atividade profissional total de 798 dias, entre 16/09/2020 e 22/11/2022 e) Que lhe provocou um quantum doloris fixável no grau 4/7. f) As lesões sofridas pelo autor determinam um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 10 pontos, por III Md0905 dores frequentes com limitação funcional clinicamente objectivável, implicando terapêutica ocasional e III Mf1401 Dores inter -costais — pós - fractura de arcos costais/esterno. g) Sendo em termos de repercussão permanente na atividade profissional compatíveis com o exercício da atividade profissional habitual mas implicam esforços suplementares, tudo conforme termos do relatório pericial datado de 17/11/2023, junto com o requerimento de 22/11/2023, cujo teor aqui se dá por reproduzido. 21) O autor nasceu em ../../1964 22) Em setembro de 2020 o autor não se encontrava a trabalhar, tendo trabalhado na construção civil e vendido sucata, para além de ter sido “arrumador de carros na rua”. 3.2 Matéria de facto não provada 23) O atropelamento ocorreu a 16 de setembro de 2020. 24) O pavimento da via encontrava-se em boas condições e o tempo estava bom e havia boa visibilidade. 25) O veículo que atropelou o autor deslocava-se em excesso de velocidade. 26) O autor ainda utiliza o colete Jewett, padece de dores quando executa qualquer tarefa que exija algum esforço, designadamente, manter-se por curtos períodos em pé para a realização dos trabalhos diários e básicos, como fazer a cama, transportar as compras, lavar e esfregar a roupa, varrer e limpar a casa, cozinhar, transportar lixo entre outras tarefas. 27) Durante os períodos referidos em 20), b), c) e d) e após esses períodos o autor esteve internado ou em repouso absoluto. 28) E teve de contar com o auxílio de terceira pessoa para fazer face às suas necessidades diárias, tais como, alimentação e higiene pessoal. 29) As dores de que o autor padece são impeditivas da realização de algumas dessas tarefas e de outras que exigem uma maior disponibilidade física. 30) O autor passou sentir constantes dores de cabeça, no torax, no ombro esquerdo, no punho e joelho direito recorrendo frequentemente à toma de Voltaren em SOS. 31) Até à data do sinistro o autor não sofria de qualquer aleijão ou diminuição física, funcional e ou laboral. 32) O autor ficou impossibilitado de ter os seus preferidos momentos de lazer, mormente fazer caminhadas a pé, o que muito o entristece. 33) Nos tratamentos que recebeu e nas consultas médicas que teve, o autor viu cerceada a sua liberdade de movimentos e a possibilidade de levar a sua vida de uma forma normal, assim como de ser autónomo. 34) O que lhe provocou um acentuado estado de frustração e angústia. 35) O autor é agora uma pessoa marcada de forma vincada e notória pela perda de liberdade de movimentos. 36) O que muito o entristece, sendo, anteriormente, ao sucedido, um homem robusto, saudável e alegre. 37) Devido à sua perda, e em consequência desse facto o autor sente-se psicologicamente e fisicamente reduzido, atravessando momentos muito difíceis ao nível do seu bem-estar e equilíbrio psicológico que afetaram a sua personalidade e os seus relacionamentos familiares e sociais 38) No futuro, em consequência das lesões sofridas, o autor vai necessitar de tomar medicamentos, de ter consultas médicas e de fisioterapia e de ser sujeito a intervenções cirúrgicas..“. ** * DE DIREITO. A) Fixação de indemnização de perda salarial durante o período de incapacidade total de 798 dias – 13.754,86 €. Em sede de alegações de recurso, sustenta o apelante que em consequência do acidente durante 798 dias ficou a padecer de incapacidade total, pelo que deve o mesmo ser indemnizado pela quantia correspondente ao valor do salário mínimo nacional durante tal período de incapacidade total. Vejamos. Na petição inicial o A. em momento algum alega e pede indemnização decorrente da incapacidade total que media entre a data da ocorrência do acidente (17.09.2020) até à data da consolidação médico-legal (22.11.2022). Não formula pretensão, pelo menos no petitório. Estamos perante danos que o A. pretende agora ver satisfeitos em termos de indemnização. São as perdas salariais correspondentes ao dano impedimento de obtenção de rendimentos do trabalho, que diz respeito aos salários não auferidos em função do sinistro. Estes danos não estão incluídos na indemnização a título de perda de capacidade de ganho, danos que efectivamente o A. peticiona, pelo que os danos ora peticionados não podem ser valorados. Com efeito, este Tribunal de recurso está perante uma pretensão que não foi formulada perante o Tribunal a quo. Como atrás se mencionou, expressamente, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, nºs 1 e 3 do Código de Processo Civil. “A natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina outra importante limitação ao seu objeto decorrente do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas. Na verdade, os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando, nos termos já referidos, estas sejam de conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis. Seguindo a terminologia proposta por Teixeira de Sousa, podemos concluir que tradicionalmente temos seguido um modelo de reponderação que visa o controlo da decisão recorrida, e não um modelo de reexame que permita a repetição da instância no tribunal de recurso. Compreendem-se perfeitamente as que levaram a que o sistema tenha sido assim desenhado. A diversidade de graus de jurisdição determina que, em regra, os Tribunais Superiores apenas devem ser confrontados com questões que as partes discutiram nos momentos próprios. Quando respei tem à matéria de facto mais se impõe o escrupuloso respeito de tal regra, a fim de obviar a que, numa etapa desajustada, se coloquem questões que nem sequer ser convenientemente discutidas ou apreciadas. A assunção desta regra encontra na jurisprudência numerosos exemplos: a) As questões novas não podem ser apreciadas no recurso, quer em homenagem ao principio da preclusão, quer por desvirtuarem a finalidade dos recursos, pois estes destinam-se a reapreciar questões, e não a decidir questões novas, por tal apreciação equivaler a suprimir um ou mais órgãos de jurisdição; b) Os recursos destinam-se à apreciação de questões já antes levantadas e decididas no processo, e não a provocar decisões sobre questões que não foram antes submetidas ao contraditório e decididas pelo tribunal recorrido, a menos que se trate de questões de conhecimento oficioso; c) Se no requerimento de interposição de recurso se restringiu o seu objeto à parte do despacho saneador que julgou improcedente a exceção de incompetência material, não se pode discutir nas alegações de recurso a questão da legitimidade já decidida especificamente no despacho saneador., “, ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, in Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5.ª Ed., em anotação ao artigo 635.º do Código de Processo Civil. Tendo presente o supra expendido, a apreciação da pretensão do A., suscitada pelo A. em sede de alegações de recurso, não pode ser aqui apreciada. Claramente a sentença objecto de recurso, de modo claro e inequívoco não se pronunciou sobre esta pretensão, que repetimos não foi formulada pelo A.. O recurso de apelação, tal como está consagrado no nosso sistema processual civil, está formatado por um modelo de reponderação, destinado à reapreciação da decisão recorrida quanto às questões que lhe foram endereçadas, e não à reformulação da decisão perante novo contexto e novas questões. Sem prejuízo, ainda que novas, sempre poderão ser apreciadas pelo tribunal de recurso questões que sejam objecto de conhecimento oficioso. Mas esse não é o caso da questão em análise. A Relação não pode apreciar questões novas alegadas em sede de recurso, pois tal iria ter como consequência a supressão de uma instância e a apreciação de questão em que não ficou vencido. Os recursos têm como finalidade a reapreciação da decisão dentro dos mesmos condicionalismos em que estava o Tribunal recorrido aquando da prolação da sentença objecto de recurso. Em conclusão, resta concluir pela improcedência da apelação, na confirmação da decisão recorrida. Ainda que não fosse questão nova, sempre estaria votada ao fracasso por manifesta falta de substrato fáctico para tanto. De acordo com os factos provados. O A, não tinha trabalho, sendo que antes havia trabalhado na construção civil, vendia sucata ou arrumava carros na rua. Mas, nada se provou quanto aos rendimentos que A. auferira ou teria auferido em tais actividades. Pelo exposto, está votada ao fracasso a pretensão do A.. ** * B) Fixação da indemnização a título de perda de ganho futuro – da quantia de 21.000,00 € para a quantia de 34.138,19 €. A primeira instância quanto a este dano decidiu o seguinte: “Independentemente do título que se lhe dê, os danos sofridos pelo autor tiveram reflexos na sua saúde, tanto que as lesões sofridas determinam um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 10 pontos, que são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares, se bem que no caso concreto a situação profissional do autor não ficou bem esclarecida, parecendo precária considerando o depoimento de BB que sobre isso se pronunciou. Tendo ainda em consideração que o autor nasceu a ../../1964, tendo então 56 anos de idade aquando do atropelamento que sofreu, que a esperança média de vida em Portugal, de acordo com a Pordata, se situa desde 2019 nos 81 anos (consultado em www.pordata.pt), logo a uma distância de 25 anos e considerando um salário mínimo nacional de 900€ para deixar espaço para a sua evolução futura, sendo habitualmente aumentado todos os anos por ocasião do orçamento de Estado, contemplado como auferido 14 vezes por ano, bem como os 10 pontos que afetam a sua capacidade funcional, utilizando uma fórmula de 900€x14x25x10%, com uma dedução de 1/3 dado ocorrer uma antecipação do pagamento de todo o capital, por tudo ser equitativamente adequado fixar em 21.000€ a compensação devida ao autor para ressarcimento do dano biológico, tratando-se este de um valor atualizado. “ Argumenta o apelante: “Considerando-se assim a data em que terminou a incapacidade total, a 22/11/2022, e a sua data de nascimento a ../../1964, verifica-se que o Autor tinha então 58 anos de idade, estando, portanto, a 23 anos da esperança média de vida em Portugal. De igual guisa, o Apelante considera que a projeção futura do SMN efetuada pelo Tribunal a quo, de € 900,00, é um valor exíguo e injusto, devendo ser actualizado para efeitos de cálculo para um valor mínimo de € 950,00. (…) Assim, voltando à fórmula anteriormente utilizada temos que; - 950€ (SMN) x 14 (meses) x 23 (anos) x 10% (incapacidade), com uma dedução de 1/3 do capital pela antecipação do pagamento de todo o capital, resulta no valor de € 20.393,33 + € 13.754,86 (IPP) = € 34.148,19.“ O que está em, portanto, em discussão é decidir se o cálculo da indemnização pela perda de ganho terá que ser feito com base no rendimento mensal de 900,00 € (sentença) ou de 950,00 €. Temos bem presente que a operação de determinação de um montante preciso e concreto em decorrência deste tipo de danos é das mais difíceis e espinhosas tarefas da jurisprudência. Esta tem tentado apresentar várias soluções, para se proceda ao cálculo de uma justa indemnização pelos danos patrimoniais futuros, sendo que os parâmetros são eles também de difícil avaliação. Também aqui o critério de determinação de um montante indemnizatório, certo e concreto, é o da equidade. Em qualquer caso, como a jurisprudência vai repetindo, não pode “… confundir-se a equidade com a pura arbitrariedade ou com a total entrega da solução a critérios assentes em puro subjectivismo do julgador, devendo a mesma traduzir a “justiça do caso concreto, flexível, humana, independente de critérios normativos fixados na lei”, devendo o julgador ter em conta as regras de boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida”, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Proc. nº 08B2318, de 23.10. 2008, relatado pelo Cons SERRA BAPTISTA. É pacífico o entendimento jurisprudencial de rejeição das fórmulas de cálculo, ainda que sejam relevantes como auxiliares de orientação para a fixação de um montante concreto de indemnização.
Sobre o que seja dano biológico o nosso mais alto Tribunal afirma: “Por dano biológico deve entender-se qualquer lesão da integridade psicofísica que possa prejudicar quaisquer atividades, situações e relações da vida pessoal do sujeito, não sendo necessário que se refira apenas à sua esfera produtiva, abrangendo igualmente a espiritual, cultural, afetiva, social, desportiva e todas as demais nas quais o indivíduo procura desenvolver a sua personalidade. Com efeito, o dano biológico é constituído pela lesão à integridade físico-psíquica, à saúde da pessoa em si e por si considerada, independentemente das consequências de ordem patrimonial. Abrange as tarefas quotidianas que a lesão impede ou dificulta e as repercussões negativas em qualquer domínio em que se desenvolva a personalidade humana42,43. A lesão à saúde constitui prova, por si só, da existência do dano. O dano biológico constitui, nesta medida, ”um dano base ou dano central, um verdadeiro dano primário, sempre presente em caso de lesão da integridade físico-psíquica, e sempre lesivo do bem saúde"; se, para além desse dano, se verifica um concreto dano à capacidade laboral da vítima, este já é um "dano sucessivo ou ulterior e eventual; não um dano evento, mas um dano consequência", representando "um ulterior coeficiente ou plus de dano a acrescentar ao dano corporal”44. Assim, mais do que a afetação da capacidade de ganho, suscetível de se repercutir numa perda de rendimento, importa considerar o dano corporal em si, o sofrimento psicossomático que afeta a disponibilidade do autor para o desempenho de quaisquer atividades do seu dia-a-dia45. Trata-se, pois, de indemnizar o dano corporal sofrido a se, quantificado por referência a um índice 100 (integridade físico-psíquica total), e não qualquer perda efetiva de rendimento ou da concreta privação da capacidade de angariação de réditos. É este o entendimento que tem vindo a prevalecer na doutrina e na jurisprudência46. Daí a afirmação de que o dano biológico não constitui uma nova categoria de dano à pessoa, mas constitui sua própria essência; a inovação está na sua reparabilidade em qualquer caso e independentemente das consequências morais e patrimoniais que, da redução da capacidade laborativa, dele possam derivar47. Em suma, se não existir o dano biológico no caso concreto, não há dano ressarcível; se existe um dano biológico, então deve ser ressarcido e eventualmente deverá ser ressarcido também o dano patrimonial em razão de redução da capacidade laborativa, no caso de ficar demonstrada a sua existência e sua relação causal com aquele biológico e sendo a saúde um direito fundamental do cidadão, previsto expressamente no art. 25º da Constituição, o qual é tutelado pelo direito, contra qualquer tipo de agressão. Dano biológico (categoria) No ordenamento jurídico português, inexiste um consenso sobre a categoria em que deve ser inserido e, consequentemente, ressarcido, o dano biológico. Enquanto uma parte da jurisprudência (talvez maioritária) o configura como dano patrimonial, reconduzindo-o, por vezes, ao dano patrimonial futuro, outra parte, admite que pode ser indemnizado como dano patrimonial ou compensado como dano não patrimonial, em função da análise concreta de cada caso. (…) Deste modo, o chamado dano biológico, tanto pode ser ressarcido como dano patrimonial, como compensado, a título de dano não patrimonial, devendo a situação ser apreciada, casuisticamente, verificando-se se a lesão originará, no futuro, durante o período ativo do lesado ou da sua vida, uma perda da capacidade de ganho ou se traduz, apenas, uma afetação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, para além do agravamento natural resultante da idade. Ora, não parece oferecer grandes dúvidas o entendimento de que a mera necessidade de um maior dispêndio de esforço e de energia traduz mais um sofrimento psicossomático do que, propriamente, um dano patrimonial. Seja como for, o dano biológico agrega e refere-se a uma lesão da integridade psicofísica, suscetível de avaliação médico-legal e de compensação, estando a integridade psicofísica da pessoa tutelada, designadamente, pelo art. 25º/1, da Constituição (“a integridade moral e física das pessoas é inviolável”) e, pelo art. 70º/1, do CCivil.“, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 425/18.5T8SSB.E1.S1, de 17.09.2024, relatado pelo Cons NELSON BORGES CARNEIRO.
Sendo a questão a decidir, determinar qual sejam os pressupostos para decidir e determinar o quantum do dano sofrido pelo A. em consequência do acidente, podemos desde já afirmar que em face dos considerandos expressos na sentença, a mesma não padece dos vícios apontados pelo apelante. A forma de calculo da indemnização a atribuir contém em si mesma a consideração da evolução do valor da remuneração. De igual modo, da matéria de facto resulta que o A. não auferiu nem aufere qualquer rendimento de qualquer natureza, trabalho independente ou dependente. Estamos perante o achamento de um montante indemnizatório fazendo um juízo de prognose sobre o provável período de vida do A., a sua esperança de vida, juízo de igualdade e equidade face a semelhantes situações. Nos termos do artigo 564.º, n.º 2 do Código Civil, deve-se atender aos danos futuros, desde que previsíveis. A jurisprudência de modo pacífico e reiterado que, uma indemnização justa reclama a atribuição de um capital que produza um rendimento mensal que, cubra a diferença entre a situação anterior e a actual, durante o período de vida profissional activa do lesado, sem esquecer a necessidade de se ter em conta a sua esperança de vida. A reparação deste deve ter como critério de determinar um capital que produza rendimento de que o lesado foi privado e irá ser até final da sua vida. A perda da capacidade de ganho constitui um dano presente, com repercussão no futuro, durante o período laboralmente activo do lesado, e durante todo o seu tempo de vida. Mesmo que a incapacidade (défice funcional permanente da integridade físico-psíquica) não determine diminuição do ganho da ofendida, tem que se ter em conta que essa incapacidade vai reflectir-se no esforço maior que será necessário despender para fazer a mesma tarefa. No caso, face ao que era à data do sinistro o valor do SMN, 2020 era de 635,00 €. A idade do A., 58 anos. O grau de défice funcional de 10 pontos. “Dano biológico (cálculo do montante indemnizatório) Quanto ao cálculo do dano em que os lesados não sofram uma efetiva diminuição dos rendimentos profissionais (quer porque estes não ficam diminuídos, quer porque estão em causa estudantes, desempregados ou reformados), havendo antes a necessidade de maiores esforços para obtenção dos mesmos rendimentos, não há razão alguma para tratamentos diferenciados por referência ao salário ou rendimento habitual59. Só se justificará atender aos rendimentos quando estes sofram uma diminuição efetiva por causa da incapacidade, pois só aí é que o tratamento desigual dos lesados terá lugar. Nas situações em que não ocorre uma perda efetiva de ganho mas o lesado tem de fazer um maior esforço para obter o mesmo rendimento, no cálculo da indemnização não deve ser relevado o vencimento anual do lesado60.“, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 425/18.5T8SSB.E1.S1, de 17.09.2024, relatado pelo Cons NELSON BORGES CARNEIRO. É certo que a bitola, de acordo com a Lei, é equidade. Esta terá que ser entendida como a justiça do caso concreto – com todas as suas variantes e especificidades – que se adapta a cada variante, que foge a critérios fixos e predeterminados, em que impera o bom senso, a justa medida e uma ponderação prudente e sensata da realidade, do caso concreto e de outros semelhantes. Contudo, o juízo de equidade, “não dispensa a observância do princípio da igualdade; o que obriga ao confronto com indemnizações atribuídas em outras situações, “a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito” (art. 873º do CC)”, Acórdão Supremo Tribunal de Justiça, 2511/19.5T8CBR.C1.S1, de 29.09.2022, relatado pelo Cons FERREIRA LOPES. Em recente decisão desta Relação, Acórdão de 14.12.2022, 11836/20.6T8PRT.P1, relatado pelo des RUI MOREIRA, não publicado, pode-se ler: “Atentando, então, em situações semelhantes e nas soluções indemnizatórias aplicadas, como a definida no Ac. do TRC de 21-01-2020 (Proc. nº 5370/17.9T8VIS.C1, em dgsi.pt: a autora tinha à data do acidente 34 anos de idade; ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 7 (sete) pontos, em 100; as sequelas resultantes do acidente exigem-lhe esforços acrescidos; ficou afectada por um dano estético permanente de grau 2, numa escala de sete graus de gravidade crescente, é adequado atribuir-lhe uma indemnização, de €15.000,00 a título de dano biológico, ou em muitas outras onde tais interesses são apreciados (cfr. Ac. do TRP de 9/12/2020, Proc. nº 264/18.3T8VLG.P1; Ac. do TRP de 19/1/2020, proc. nº 94/18.2T8PVZ.P1; Ac. do TRG de 15/10/2020, proc. nº 5908/18.4T8BRG.G1), e sem deixar de ponderar quer a idade da aqui autora (58 anos, ao tempo dos factos), quer a dimensão física e emocional dos danos verificados, a sua permanência, a forma como afectam a sua qualidade de vida, designadamente ao nível da mobilidade, mas também a verificação de um dano estético permanente de grau reduzido (2 em 7), a par da consideração de que a indemnização de tais danos não pode assumir uma dimensão meramente simbólica, não temos por onde considerar desajustado o resultado fixado na decisão da primeira instância, à luz do mesmo critério de equidade e mau grado a qualificação do dano como patrimonial. “ Deste modo, entendemos que o M.mo Juiz recorreu aos elementos, valor do rendimento, idade, défice funcional, como os mais ajustados aos juízos de equidade comummente usados pelos tribunais. De igual modo, o cálculo do montante indemnizatório afigura-se o mais acertado e justo aplicável ao caso. Neste sentido Acórdão Tribunal da Relação do Porto 2461/23.0T8PNF.P1, de 13.01.2024, relatado pelo Des RUI MOREIRA, e demais jurisprudência aí citada, Acórdão Tribunal da Relação do Porto 988/22.0T8PNF.P1, de 06.05.2024, relatado pela Des EUGÉNIA CUNHA. Sopesando os apontados elementos de facto e os considerandos jurisprudenciais, não se mostra irrazoável o montante fixado pela primeira instância de 21.000,00 €. Pelo improcede a pretensão do A.. ** * C) Fixação da indemnização a título de danos não patrimoniais – da quantia 19.000,00 € para a quantia de 25.000,00 €. Argumenta o apelante que o montante fixado pela sentença da primeira de 6.000,00 € não foi de modo justo e desproporcional, devendo ser fixada a quantia de 25.000,00 €. A primeira instância decidiu o seguinte: “Neste caso concreto, julga-se que deverá haver lugar à sua fixação, pois que, sem ser exaustivo face ao que consta da matéria de facto provada, o autor foi transportado para o Hospital ..., ficou internado para receber tratamento, sofreu diversas feridas, sentiu dores calculadas num grau 4, sofreu fratura instável D11, fratura pavimento e parede lateral da órbita e do arco zigomático e parede lateral do seio maxilar, andou com um colete jewett, foi seguido em consulta externa, teve necessidade da ajuda de terceira pessoa, apurou-se que ficou com perda de altura do corpo vertebral de D11, teve um período de défice funcional temporário total de 148 dias, um período de défice funcional temporário parcial de 650 dias e um período de repercussão temporária na atividade profissional total de 798 dias, reputando-se a quantia de 6.000€ como adequada e justa para os compensar.“ Vejamos. Dispõe o artigo 496.º, n.º 1, do Código Civil, que na fixação da indemnização devem atender-se os danos não patrimoniais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, sendo que, no caso de morte do lesado, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização. Neste caso, o montante de indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado, em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa), segundo critérios de equidade, atendendo, nomeadamente, ao grau da culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização – artigo 494.º, ex vi do disposto no artigo 496.º, n.º 3, do Código Civil - aos padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência e às flutuações da moeda. Ora, de acordo com o preceituado no artigo 496.º, n.º 3, 1ª parte, do Código Civil, o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º do Código Civil. Assim, no cálculo da indemnização devida há que atender, para além do mais, à situação económica do lesante e do lesado. Na verdade, não obstante a indemnização ter só carácter ressarcitório e não sancionatório, a maior ou menor dificuldade para o demandado pagar a quantia a arbitrar é um dos factores que os demandantes subjectivamente valorarão para se sentirem indemnizados. Pelo que o carácter de sanção não será, in casu, concorrente mas sim integrante do critério do ressarcimento. “Não se discute que a gravidade dos danos identificados justifica a tutela do direito, conforme prevê o art. 496º do C. Civil. Nos termos do nº 4 da mesma norma, o montante destinado à compensação de tais danos deve ser fixado segundo um juízo de equidade, na impossibilidade de se encontrar um critério de diferença patrimonial aplicável. É uso dizer-se, a este propósito, que equidade não pode coincidir com arbitrariedade. Por isso, para prevenir um tal risco, sempre se impõe a análise da jurisprudência que tenha tratado de situações congéneres. Daí a pertinência da citação de diferentes acórdãos concretizada pela apelante, no seu recurso. Em qualquer caso, não se pode prescindir das especificidades de cada situação, de cada vítima, da sua especial sensibilidade aos efeitos do acto gerador da responsabilidade. Têm-se presentes as decisões mais actuais deste TRP, como é o caso do ac. de 27/11/23, no proc. nº 8689/20.8T8VNG.P1; de 5/6/2023, no proc. nº 21094/21.0T8PRT.P1; de 22/5/2023, no proc. nº 19350/19.6T8PRT.P1; de 8/5/2023, no proc. nº 3323/20.9T8VNG.P1; de 17/4/2023, no proc. nº 1974/21.3T8PNF.P1; de 27/3/2023, no proc. nº 23119/16.1T8PRT.P1, além de outros, todos constantes da base de dados da dgsi. Ponderando as diferenças de todas as situações analisadas, bem como as especificidades da questão sub judice,, impregnada, como se referiu, pela circunstância de o sinistrado ter ficado privado da vida que levava nos últimos anos da sua vida, a par da clara orientação jurisprudencial sobre a necessidade de uma compensação não miserabilista deste tipo de danos, o que se tem de concluir é que o montante arbitrado pelo tribunal recorrido é justo e equilibrado não justificando qualquer intervenção correctiva.”, Acórdão Tribunal da Relação do Porto 1103/19.3T8OVR.P1, de 19.03.2024, relatado pelo Des RUI MOREIRA e demais jurisprudência aí citada. No caso dos autos, é de ponderar, que os danos pelo A. sofridos, a específica zona afectada, a idade do A., as dores sofridas, o conjunto de consultas, tratamentos que sofreu. Em face do ante exposto, não há que discordar do decidido pela primeira instância, pelo que nesta parte improcede a apelação. *** * III DECISÃO Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida. Custas pelo A., apelante, sem prejuízo do apoio judiciário (confrontar artigo 527.º do Código de Processo Civil).
* Sumário nos termos do artigo 663.º, n.º 7 do Código de Processo Civil. ……………………………………………………………….. ……………………………………………………………….. ………………………………………………………………..
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Porto, 25 de Março de 2025 Alberto Taveira Alexandra Pelayo Artur Dionísio Oliveira
__________________________ [1] O relator escreve de acordo com a “antiga ortografia”, sendo que as partes em itálico são transcrições cuja opção pela “antiga ortografia” ou pelo “Acordo Ortográfico” depende da respectiva autoria. |