Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | MARIA JOANA GRÁCIO | ||
| Descritores: | NULIDADE SANÁVEL RECURSO PERÍCIAS FORENSES CAPACIDADE PARA AVALIAR A ILICITUDE DA CONDUTA | ||
| Nº do Documento: | RP20251029283/24.0JGLSB.P1 | ||
| Data do Acordão: | 10/29/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | CONFERÊNCIA | ||
| Decisão: | RECURSOS NÃO PROVIDOS | ||
| Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - Em fase de julgamento, a omissão de diligências de prova essenciais à descoberta da verdade constitui nulidade sanável, nos termos do disposto no art. 120.º, n.º 2, al. d), do CPPenal. II - É por esta via – e só por essa via se justificando aferir da correcção ou incorrecção da decisão do juiz de 1.ª Instância de produzir ou não produzir determinado meio de prova –, que os tribunais de recurso podem apreciar essa questão. III - Para tanto, e tendo presente o caso concreto, essa nulidade tem de ser arguida no próprio acto, antes de terminada a sessão de julgamento em que foi decidida e comunicada ao arguido, conforme dispõe o n.º 3 do art. 120.º do CPPenal, sob pena de se considerar sanada. IV - É do despacho que apreciar e indeferir a invocada nulidade que pode ser apresentado recurso e não directamente do despacho que inicialmente indeferiu o meio de prova requerido. V - Compete ao tribunal de julgamento a avaliação da oportunidade e da necessidade de realização de perícias para aferir da inimputabilidade ou imputabilidade diminuída do arguido. VI - Ao juízo de inimputabilidade não basta a comprovação da anomalia psíquica, sendo necessária a existência de relação causal entre aquela e o acto do agente, em termos de este o ter praticado por ser incapaz de avaliar a sua ilicitude ou de se determinar de acordo com essa avaliação, resultando esta incapacidade da anomalia psíquica que o afectava aquando da prática do facto. VII - A circunstância de existir um diagnóstico, respeitante ao arguido, que aponta para perturbação ligeira do espectro do autismo – nível 1, nomeadamente síndrome de Asperger não permite concluir de modo algum que o mesmo seja incapaz de avaliar a ilicitude dos seus actos ou de se determinar de acordo com essa avaliação ou tenha essa capacidade diminuída. VIII – Um tal diagnóstico também não justifica, por si só, a realização de perícias para aferir da sua inimputabilidade ou imputabilidade diminuída, sendo imprescindível que o contexto de vida do arguido à data da prática dos factos e o modo como os mesmo foram cometidos suscitem dúvidas sobre a sua capacidade de avaliar a ilicitude da sua conduta ou de se determinar de acordo com essa avaliação. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 283/24.0JGLSB.P1
Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo Central Criminal de Aveiro – Juiz 4
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório No âmbito do Processo Comum Colectivo n.º 283/24.0JGLSB, a correr termos no Juízo Central Criminal de Aveiro, Juiz 4, por acórdão de 09-05-2025, foi decidido, entre o mais: «I. Condenar o arguido AA pela prática de: a) quatro crimes de abuso sexual de criança agravado relativamente aos menores AA (três crimes) e BB (um crime), p. e p. pelos artigos 171.º, n.º 1 e 177.º, alínea b), do Código Penal, nas penas de 2 anos e 9 meses de prisão por cada um dos crimes; b) nove crimes de abuso sexual de criança relativamente ao menor CC, sendo 8 deles, p. e p. pelo artigo 171.º, n.º 1, do Código Penal, com pena correspondente a 2 anos e 4 meses de prisão cada um, e, bem assim, relativamente a um deles (ponto 12 dos factos provados), p. e p. pelo 171.º, n.º 2, do Código Penal, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão; c) quatro crimes de pornografia de menores agravado, p. e p. pelos artigos 176.º, n.º 1 e 177.º, n.º 7, (que corresponde ao n.º 8 da actual redacção), do Código nas penas de 2 anos e 3 meses por cada um deles; d) um crime de pornografia de menores, p. e p. pelo artigo 176.º, n.º 1, do Código Penal (no que respeita à menor DD) na pena de 1 ano e 9 meses de prisão; e) Em cúmulo jurídico, pela prática dos crimes referidos de a. a d., ao abrigo do disposto no artigo 77.º do Código Penal, decide-se aplicar ao arguido a pena única de 11 anos de prisão; f) Pela prática de cada um dos crimes referidos de a) a d) condena-se, ainda, o arguido na pena acessória de proibição do exercício de funções, p. e p. pelo artigo 69.º-B, do Código Penal, e, bem assim, na pena acessória de proibição de confiança de menores e inibição de responsabilidades parentais, p. e p. pelo artigo 69.º-C, do Código Penal, na pena de 6 anos cada uma e por cada um dos crimes (num total de 18 crimes) e, em cúmulo jurídico, aplica-se a pena única de 15 anos por cada um das penas acessórias referidas. II. No mais, absolve-se o arguido do demais que lhe vinha imputado. III. Mais se condena o arguido a pagar a cada uma das vítimas as seguintes compensações económicas: a) AA, BB e CC: € 3.000,00 (três mil euros) a cada uma das vítimas; b) DD: € 1.000,00. IV. Custas criminais a cargo do arguido, com taxa de justiça que se fixa em 4 UC´s, nos termos do disposto no artigo 513.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e artigo 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e tabela III em anexo.» * Do recurso do acórdão condenatório Inconformado, o arguido AA interpôs recurso desta decisão, manifestando interesse na apreciação do recurso interlocutório interposto da decisão de indeferimento de realização de perícia psiquiátrica e perícia para avaliação sobre a personalidade e perigosidade, solicitando a revogação dos despachos que indeferiram a realização das perícias requeridas e ordenando-se a sua realização. Apresenta em apoio da posição as seguintes conclusões da sua motivação (transcrição): * O Ministério Público junto do Tribunal recorrido respondeu ao recurso, pugnando pela respectiva improcedência, aduzindo em abono da sua posição as seguintes conclusões (transcrição): «1 As perícias só devem ser realizadas quando se suscitar, fundadamente, a inimputabilidade ou a imputabilidade diminuída do arguido 2. In casu não existem elementos de onde se depreenda que o arguido à data da pratica dos factos padecia de patologias do foro psiquiátrico e muito menos que tenha sido devido a essa condição que praticou os factos que lhe foram imputados na acusação pública ou que neles influíram, ou que actualmente as apresente. 3- Ademais, conforme decorre das provas periciais e documentais juntas aos autos, e dos factos da acusação, em causa está - alem do mais - a imputação de uma actuação do arguido com recurso a tecnologia - meios informáticos - utilização de A..., com ocultação da sua verdadeira identidade e utilização de e chats da rede ... o que exige especiais conhecimentos e capacidade cognitiva do arguido, acima até do homem médio. 4- Assim, o alegado pelo arguido refere-se ao seu passado, sendo que nenhum facto recente foi alegado ou consta documentado que indicie que a sua capacidade cognitiva/intelectual tenha sido afectada. 5- Assim sendo, não se impunha determinar as requeridas perícias, inexistindo qualquer das nulidades invocadas. 6 - Deste modo toda a matéria de facto encontra-se correctamente fixada pelo tribunal a quo, inexistindo o invocado erro notório na apreciação da prova. 7- In casu, as M.as Juízes “a quo” apreciaram de forma correcta e de acordo com as regras da experiência comum toda a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento 8- Todos os elementos pois que foram apreciados pelas M.as Juízes “a quo” permitem concluir que a matéria de facto dada como provada se encontra correctamente fixada e que as M.as Juízes “a quo” analisaram correctamente e criticamente a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, apreciação essa com a qual concordamos, nada sendo infirmado, na nossa modesta opinião, pelo invocado pelo recorrente em sede do seu recurso. 9- De igual modo o acórdão recorrido fez uma correcta subsunção jurídica dos factos. 10. Assim, as M.ºs Juízes “a quo” apreciaram os factos acertadamente, fixando correctamente a matéria de facto dada como provada, e fazendo uma correcta subsunção jurídica da mesma, apresentando-se pois como justa a condenação do arguido recorrente nas exactas penas parcelares, única e acessórias que lhe foram aplicadas, 11. Douto Acórdão não violou quaisquer normas.» * Do recurso interlocutório Tendo o arguido e recorrente manifestado, nos termos legais, o seu interesse na apreciação do recurso interlocutório, cumpre enunciar os seus contornos. Na sua contestação, após oferecer o merecimento dos autos, o arguido requereu a realização de prova pericial nos seguintes termos: «MAIS REQUER a V. Exa. que, tendo em conta a prova documental ora junta, e porquanto se entende ser essencial ao apuramento da verdade, designadamente quanto à (in)imputabilidade, eventualmente diminuída, do Arguido, que se digne a ordenar a realização de perícia psiquiátrica, nos termos do disposto no n.º 7 do artigo 159.º do Código de Processo Penal, bem como de avaliação sobre a personalidade e perigosidade do Arguido, nos termos do artigo 160.º do mesmo diploma legal, devendo a mesma ser instruída com a prova documental ora junta, e que deverá esclarecer os seguintes quesitos que a seguir se indicam: i. Esclarecer se, à data dos factos, o Arguido sofria de alguma doença do foro psiquiátrico, em caso afirmativo, qual a doença, e se esta o impedia de avaliar a ilicitude dos seus comportamentos; ii. Esclarecer se a mesma patologia se mantém, e, na afirmativa, qual a sua natureza, extensão e efeitos; iii. Esclarecer se por força dessa eventual doença, o Arguido, à data dos factos, era (in)capaz de avaliar a ilicitude da sua conduta e de se determinar de acordo com essa avaliação, ou se essa capacidade estava sensivelmente diminuída; iv. Esclarecer, se essa patologia se mantém e na afirmativa, se por força dessa eventual doença, existe fundado receio de que o Arguido venha a cometer novos factos Ilícitos típicos; v. Esclarecer se, atenta a eventual doença do Arguido, é de prever que este compreenda o sentido da pena que eventual ente lhe venha a ser aplicada e do seu comportamento futuro ser influenciado por ela; vi. Avaliar a personalidade do Arguido e a S'J;) perigosidade, designadamente a sua (in)imputabilidade e consequências da mesma; vil. Considerando o relatório ora junto que aponta para um diagnóstico do Arguido de "Perturbação do Espectro do Autismo - nível 1, nomeadamente uma Síndrome de Asperger avaliar e identificar as principais características e impactos desta patologia "no Arguido, designadamente a evolução da mesma ao longo dos anos; viii. Aferir se os factos constantes na douta acusação pública poderão estar relacionados com esta ou outras patologias; ix. Avaliar se a eventual patologia do Arguido poderá criar uma perda de noção da realidade circundante, dos valores sociais, da capacidade deste para avaliar a ilicitude dos seus actos, originando uma eventual prática reiterada de actos desviantes; x. Avaliar se o Arguido na presente data padece de uma nova condição ou distúrbio psicológico e mental que não se encontre descrita nos relatórios junto aos autos e, em caso afirmativo, se essa doença/condição o impede, actualmente, de avaliar a ilicitude da sua conduta; xi. avaliar e identificar a relação da "Perturbação do Espectro do Autismo - nível 1, nomeadamente uma Síndrome de Asperger e/ou qualquer outra patologia ou "condição do Arguido com os impulsos e desenvolvimento sexual deste; xii. Avaliar o impacto do acidente ocorrido em 2015 (no qual o Arguido foi vítima de um atropelamento) com quaisquer patologias/condições existes; xiii. Indicar, caso o Arguido padeça de alguma patologia, qual o tratamento médico que lhe deverá ser prestado». * Por despacho proferido na sessão de julgamento de 25-03-2025, o Tribunal a quo decidiu e comunicou no acto ou seguinte: «Em sede de contestação, veio o arguido requerer a realização de perícia às suas faculdades mentais, para aferir da sua imputabilidade para a prática dos factos que lhe são imputados na acusação, suportando a sua pretensão com referência ao teor dos relatórios acompanhantes da contestação. Verifica-se que sobre tal pretensão não recaiu qualquer despacho, face a que tal perícia não foi anteriormente ordenada (sendo manifesto o lapso constante do nosso despacho de 17/03/2025, ao determinar que em complemento da perícia já solicitada se oficiasse ao Gabinete Médico-Legal dando conhecimento do teor dos relatórios médicos acompanhantes da contestação e, bem assim, dos quesitos apresentados pela defesa, pois relativamente ao arguido não foi solicitada a realização de qualquer perícia, cuja determinação apenas visou os ofendidos). Cumpre, assim, tomar posição sobre a pertinência da realização da perícia requerida pelo arguido. * Nessa sequência, foi dada, neste momento, a palavra ao Ministério Público, nada tendo sido oposto, o que se consigna. * Após, a Mma. Juíza prosseguiu o seguinte despacho: Analisados os autos e os elementos trazidos pelo arguido em sede de contestação, verifica-se que se tratam de relatórios respeitantes ao passado do arguido, num período de vida em que ainda era estudante e menor de idade, não sendo contemporâneos dos factos imputados ao arguido. De igual modo, relativamente ao período da prática dos factos que são objecto deste julgamento, o relatório social documentado nos autos também não faz alusão a qualquer problema de saúde que evidencie a existência de qualquer problemática ou acompanhamento do arguido a nível de saúde mental; ao invés, do relatório social extrai-se que à data dos factos o arguido, já maior de idade, mantinha-se activo a nível profissional, desempenhando funções de segurança em hipermercados, hospitais e/ou tribunais, apenas se fazendo referência a medicação que, de acordo com os elementos que serviram de base à elaboração do relatório social, se prendem com o período de vida passado do arguido e que respeita aos relatórios que ficaram documentados em sede de contestação. Por outro lado, da prova produzida em audiência de discussão e julgamento não deflui qualquer elemento que crie dúvidas sobre a imputabilidade ou imputabilidade diminuída do arguido, inexistindo qualquer elemento que evidencie alteração ao nível do seu estado psicológico/cognitivo ou de saúde. Nestes termos, afigura-se-nos que a realização da perícia médico-legal de exame às faculdades mentais do arguido não se revela necessária para a boa decisão da causa, pelo que se indefere o requerido. No mais, para continuação da presente audiência designa-se o próximo dia 01-04-2025, pelas 14:00 horas (data e hora que se designa em concertação de agendas).» * O arguido, presente nessa sessão de julgamento e representado pela sua Ilustre Defensora, nada mais disse ou requereu nesse acto. * Porém, irresignado, o recorrente interpôs recurso desta decisão, solicitando a sua revogação e a sua substituição por outra que determine a realização, à sua pessoa, de perícia psiquiátrica, bem como à sua personalidade e perigosidade, apresentando em abono dessa posição as seguintes conclusões da sua motivação (transcrição): «1.ª O Arguido AA não se pode conformar com o douto despacho recorrido constante da acta de sessão de julgamento de 27 de Março de 2025 (página 4), cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido 2.º O Arguido foi notificado para apresentar contestação nos termos e para os efeitos do art. 311.º - B do Código de Processo Penal, tendo, na mencionada contestação, requerendo a realização de perícia psiquiátrica, nos termos do disposto no n.º 7 do artigo 159.º do Código de Processo Penal, bem como de avaliação sobre a personalidade e perigosidade do Arguido, nos termos do artigo 160.º do mesmo diploma legal, devendo a mesma ser instruída com a prova documental ora junta, e que deverá esclarecer quesitos também indicados. 3.ª O fim último do processo penal é a procura da verdade material por forma a alcançar a realização da justiça, motivo pelo qual a lei atribui ao tribunal o poder/dever de ordenar, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova que entenda necessários à descoberta da verdade e à boa decisão da causa, o que constitui a consagração, no nosso sistema, do princípio da investigação ou da oficialidade. 4.º E esses princípios, mais do que garantias de defesa, são instrumentos que conduzem à descoberta da verdade, na qual se tem de fundar a realização da justiça, só podem, por regra, valer em julgamento, “nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal”, as provas que tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência (artigo 355º, n.º 1, do Código de Processo Penal, doravante “CPP”). 5.º Face à prova documental – elementos clínicos – existe uma fundada suspeita que o Arguido seja portador de uma deficiência intelectual, havendo evidentes circunstâncias ao nível comportamental do Arguido que necessitam de conhecimento técnico próprio a fim de que seja determinado o conjunto de características psíquicas independentes de causas patológicas e do grau de socialização do Arguido (n.º1 do artigo 160.º do CPP) que são necessários para a decisão sobre a culpa do agente e para a determinação de uma eventual sanção (n.º2 do artigo 160.º do CPP). 6.ª Não sendo, com a informação existente nos presentes autos, possível aferir com elevada certeza que o Arguido não apresentava, à data dos factos, a sua capacidade intelectual diminuída para avaliar a (i)licitude dos seus actos e para se determinar de acordo com essa avaliação. 7.ª Receio este, posteriormente corroborado com o relatório social junto aos autos. 8.ª Impunha-se, assim, legalmente a realização de perícia psiquiátrica ao Arguido, a que se reporta o artigo 159.º do CPP, bem como perícia sobre a sua personalidade e perigosidade, nos termos do art. 160.º do CPP. 9.ª O direito e garantias de defesa do Arguido é protegido e consagrado constitucionalmente pelos art.ºs 2.º, 8.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, n.º 1 a contrario; 20.º, n.ºs 1 e 4 e 32.º, n.º 1; 205.º, n.º 1 segmento final, e 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (C.R.P.); arts. 10.º; 11.º, e 30.º da DUDH; 6.º, n.º 1, 2 e 3, al. b) e 17.º da CEDH e arts. 47.º, 48.º, 53.º e 54.º da CDFUE, não podendo, assim, ser violado. 10.ª Entende-se que, por ser pertinente, legal, não supérflua, relevante, necessária, imprescindível, imprescindida e adequada nos termos densificados pelo art.º 340.º do CPP, a realização de perícia psiquiátrica ao Arguido, a que se reporta o artigo 159.º do CPP, bem como perícia sobre a sua personalidade e perigosidade, nos termos do art. 160.º do CPP, tendo em vista apurar se o Arguido sofria à data dos factos de alguma anomalia psíquica que possa justificar o juízo de (in)imputabilidade, eventualmente diminuída, e a avaliação da decisão da culpa do Arguido, para a eventual fixação da concreta da medida da pena do Arguido. 11.ª A referida perícia é necessária e imprescindível para a descoberta da verdade material e para a boa decisão da causa, e mesmo ESSENCIAL para a decisão da culpa do agente e para a determinação de uma eventual sanção (art. 160.º do Código de Processo Penal). 12.ª De acordo com o despacho proferido pela Mm. Juiza, o indeferimento das requeridas perícias, justificam-se porque os relatórios juntos com a contestação dizem respeitantes ao passado do arguido, num período de vida em que ainda era estudante e menor de idade, não sendo contemporâneos dos factos imputados ao arguido. 13.ª Os factos alegados na douta acusação, a terem ocorrido (o que apenas se admite por mera cautela de patrocínio) têm principal enfoque nos anos de 2016, 2017 e 2018, altura em que o Arguido teria 16/17/18 anos, 14.ª Período em que, alegadamente, e nos termos do relatório social junto aos autos, o Arguido terá abandonado os fármacos e psicoterapêuticos que, como bem sabemos, são tratamentos utilizados para tratar transtornos mentais. 15.ª De acordo com o relatório social, o Arguido verbalizou abandonos psicoterapêuticos a partir de 2017/2018, justificado, pelo próprio, como período de estabilidade sintomática, embora sem corroboração clínica aparente. 16.ª Conjugados os documentos médicos constantes dos autos com o relatório da DGRSP, conclui-se que seria importante e impunha-se ao Tribunal ordenar a realização das perícias requeridas. 17.ª A omissão da realização de tais exames deixará por indagar se o Arguido tinha e/ou tem capacidade para avaliar a ilicitude do seu acto ou de se determinar de acordo com essa avaliação, sendo que o tribunal podia e devia indagar tal questão ao abrigo do disposto no art. 351.º, n.º 3 e 340.º, do CPP. 18.ª Avaliação que não lhe devia, nem pode ser negada. 19.ª E constitui violação do seu direito e garantias de defesa, protegido e consagrado constitucionalmente.» * O Ministério Público junto do Tribunal recorrido respondeu ao recurso, pugnando pela respectiva improcedência, aduzindo em abono da sua posição as seguintes conclusões (transcrição): «1 As perícias só devem ser realizadas quando se suscitar, fundadamente, a inimputabilidade ou a imputabilidade diminuída do arguido 2. In casu não existem elementos de onde se depreenda que o arguido à data da pratica dos factos padecia de patologias do foro psiquiátrico e muito menos que tenha sido devido a essa condição que praticou os factos que lhe foram imputados na acusação pública ou que neles influíram, ou que actualmente as apresente. 3- Ademais, conforme decorre das provas periciais e documentais juntas aos autos, e dos factos da acusação, em causa está - alem do mais - a imputação de uma actuação do arguido com recurso a tecnologia - meios informáticos - utilização de A..., com ocultação da sua verdadeira identidade e utilização de e chats da rede ... o que exige especiais conhecimentos e capacidade cognitiva do arguido, acima até do homem médio. 4- Assim, o alegado pelo arguido refere-se ao seu passado, sendo que nenhum facto recente foi alegado ou consta documentado que indicie que a sua capacidade cognitiva/intelectual tenha sido afectada. 5- Assim sendo, não se impunha determinar as requeridas perícias, pelo que nenhum reparo merece o despacho em recurso». * Neste Tribunal da Relação do Porto, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, aderiu à posição do Ministério Público junto do Tribunal recorrido, emitindo parecer no sentido da improcedência total dos recursos. * Cumpridas as notificações a que alude o art. 417.º, n.º 2, do CPPenal, não foram apresentadas respostas. * Realizado o exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, nada obstando ao conhecimento dos recursos. * II. Apreciando e decidindo: Questões a decidir nos recursos É pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objecto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso[1]. A única questão que o recorrente coloca à apreciação deste Tribunal ad quem, em ambos os recursos, é a da necessidade de serem realizadas as perícias requeridas, mostrando-se, por isso, incorrectas as decisões do Tribunal a quo que as indeferiu, estando em causa, na sua perspectiva, omissão de diligência essencial para a descoberta da verdade.
Vejamos. Do recurso interlocutório Este recurso incide unicamente sobre o despacho proferido na sessão de julgamento de 25-03-2025 que indeferiu ao arguido, nos termos supratranscritos, a realização da prova pericial em causa. Segundo o recorrente, o Tribunal tem o poder-dever de ordenar a produção de todos os meios de prova que entenda necessários à descoberta da verdade e à boa decisão da causa. Tendo por base este princípio, considera o recorrente, em face da prova documental (elementos clínicos) junta com a contestação que da mesma resulta «uma fundada suspeita que seja portador de deficiência intelectual, havendo evidentes circunstâncias ao nível comportamental do Arguido que necessitam de conhecimento técnico próprio a fim de que seja determinado o conjunto de características psíquicas independentes de causas patológicas e do grau de socialização do Arguido (n.º1 do artigo 160.º do CPP) que são necessários para a decisão sobre a culpa do agente e para a determinação de uma eventual sanção (n.º2 do artigo 160.º do CPP).» Em seu entender, impunha-se, por isso, «legalmente a realização de perícia psiquiátrica ao Arguido, a que se reporta o artigo 159.º do CPP, bem como perícia sobre a sua personalidade e perigosidade, nos termos do art. 160.º do CPP». Acrescenta «ser pertinente, legal, não supérflua, relevante, necessária, imprescindível, imprescindida e adequada nos termos densificados pelo art.º 340.º do CPP, a realização de perícia psiquiátrica ao Arguido, a que se reporta o artigo 159.º do CPP, bem como perícia sobre a sua personalidade e perigosidade, nos termos do art. 160.º do CPP, tendo em vista apurar se o Arguido sofria à data dos factos de alguma anomalia psíquica que possa justificar o juízo de (in)imputabilidade, eventualmente diminuída, e a avaliação da decisão da culpa do Arguido, para a eventual fixação da concreta da medida da pena do Arguido.»
Neste recurso, e no requerimento que determinou o despacho de indeferimento – contrariamente ao que ocorreu em dois requerimentos posteriores e sequente arguição de nulidade após indeferimento, a que adiante faremos referência –, o recorrente nunca identificou directamente a não realização dos exames periciais requeridos com a nulidade prevista pelo art. 120.º, n.º 2, al. d), do CPP, concretamente com a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade. Referimos directamente, pois fê-lo indirectamente, ao considerar tais diligências de prova necessárias e imprescindíveis para a descoberta da verdade material e para a boa decisão da causa, concretamente para a decisão da culpa do agente e para a determinação de uma eventual sanção, e ainda ao invocar os arts. 340.º do CPPenal, em cujo n.º 1 se afirma que o tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa e 351.º, n.º 1, no mesmo diploma legal, que determina que quando na audiência se suscitar fundadamente a questão da inimputabilidade do arguido, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, ordena a comparência de um perito para se pronunciar sobre o estado psíquico daquele. E na verdade, a omissão de diligências de prova essenciais à descoberta da verdade constitui nulidade sanável, ao abrigo do disposto no art. 120.º, n.º 2, al. d), do CPPenal. É assim, por esta via – e só por essa via se justificando aferir da correcção ou incorrecção da decisão do juiz de 1.ª Instância de produzir ou não produzir determinado meio de prova –, que os tribunais de recurso podem apreciar essa questão. Esta nulidade teria de ser arguida no próprio acto, antes de terminada a sessão de julgamento de 25-03-2025 em que foi decidida e comunicada a decisão do Tribunal a quo sobre o requerimento de prova apresentado pelo arguido na contestação, conforme dispõe o n.º 3 do art. 120.º do CPPenal, sob pena de se considerar sanada. Nesse sentido se pronunciou Paulo Pinto de Albuquerque[2], comentando o art. 340.º do CPPenal, ao referir que «[o] preceito regula explicitamente apenas a admissão de “meios de prova”, mas deve ser aplicado, por interpretação extensiva, ao exame na audiência dos meios de obtenção de prova», acrescentando que «regula também a faculdade de produção oficiosa de meios de prova na audiência de julgamento» e que «vale, também por interpretação extensiva, para efeitos da admissão de meios de prova antes ou fora da audiência de julgamento e, designadamente, para a apreciação dos requerimentos de prova juntos às contestações»[3]. Mais acrescenta, depois de classificar as provas como essenciais, necessárias ou convenientes, que «[a] omissão da prova do primeiro tipo constitui uma nulidade sanável nos termos do artigo 120.º, n.º 2, al. d)» e que «[o] vício (nulidade ou irregularidade) deve ser arguido até ao final da audiência de julgamento se o sujeito interessado ou o seu defensor ou representante estiverem presentes na mesma.»
No caso concreto, o recorrente não arguiu a referida nulidade, com referência ao despacho recorrido, nem na referida sessão de julgamento, nem posteriormente (aqui seria irrelevante). Todavia, era da decisão que recaísse sobre essa arguição de nulidade, caso não fosse reconhecida, que o recorrente podia reclamar o juízo da instância de recurso. Este formalismo procura obviar a que os sujeitos processuais aguardem pelo final do julgamento para só aí exporem eventuais vícios ocorridos e “dinamitarem” o processo. João Conde Correia[4], a propósito da importância de existirem prazos para arguição de nulidades sanáveis, afirma: «§ 31 Ao contrário das nulidades insanáveis, as restantes nulidades devem ser arguidas em determinados prazos processuais. De modo que, caso não seja arguida nos prazos, legalmente, estabelecidos, a invalidade dependente de arguição torna-se irrelevante e os efeitos precários, que o ato processual, ainda assim, tenha produzido, consolidam-se na ordem jurídica, não podendo depois ser atacados. Não podemos esquecer, voltando a recordar José Alberto dos Reis, que «a nulidade representa uma perda de esforços de tempo, de dinheiro, perda tanto mais grave quanto maior é o campo sobre o qual se projeta. Considerar nula a sentença, que é o termo dum longo e dispendioso ciclo de atividade processual e colocar o autor na necessidade de voltar ao princípio, é uma atitude de tal modo prejudicial que bem se compreende a formação duma doutrina tendente salvar do naufrágio aquilo que razoavelmente possa ser salvo» (1984, p. 114). No fundo, trata-se de «evitar que o interessado em vez de arguir a nulidade imediatamente após o seu conhecimento, guarde essa possibilidade para momento mais oportuno na sua estratégia processual, numa conduta reprovável, que teria como consequência a inutilização de todo o processado entretanto desenvolvido, muitas vezes no fim de uma prolongada tramitação que dificilmente poderia ser refeita» (ac. TC 53/2011).»
No sentido aqui perfilhado, vejam-se os seguintes acórdãos[5]: TRL de 27-04-2009, relatado por Cruz Bucho no âmbito do Proc. n.º 12/03.2TAFAF.G1 «I- O juízo de necessidade ou desnecessidade de diligência de prova não vinculada, nos termos do artigo 340º do Código de Processo Penal (CPP), não é sindicável por via de recurso directo. II- A omissão de diligências que possam reputar-se essenciais para a descoberta da verdade acarreta, antes, uma nulidade relativa (sanável) prevista no artigo 120º, n.º2, alínea d), do CPP, a arguir “antes que o acto esteja terminado” (art. 120º, n.º3, al. a), que servirá de eventual fundamento de recurso (cfr. art. 410º, n.º3 do CPP). III- O despacho que indefere o pedido de produção de meios de prova não constantes da acusação, da pronúncia ou da contestação é, porém, recorrível se o poder conferido pelo n.º 1 do artigo 340º do CPP for exercido fora do condicionalismo legal.»
TRP de 25-02-2016, relatado por Eduarda Lobo no âmbito do Proc. n.º 9786/13.1TDPRT.P1 «I - Só as nulidades insanáveis e as nulidades da sentença podem ser arguidas em sede de recurso da decisão final. II - A omissão de diligências, ao abrigo do artº 340º CPP, não tendo sido suscitada nem arguida junto do tribunal de 1ªinstancia, está sanada, não afetando a validade da sentença.»
TRL de 20-11-2018, relatado por José Adriano no âmbito do Proc. n.º 208/16.7PTFUN.L1-5 «A não realização, em fase de julgamento, de diligências consideradas essenciais para a descoberta da verdade, poderá consubstanciar uma nulidade, tal como previsto no artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do CPP, tratando-se, pois, de uma nulidade do procedimento, e não da sentença, tendo aquela de ser alegada pela parte interessada, no prazo de dez dias, ou até final do próprio acto [alínea a) do n.º 3, do mesmo normativo], quando a ele assista, como é o caso da audiência de julgamento, sanando-se a mesma se não for arguida nesse tempo.»
TRG de 08-06-2020, relatado por Cândida Martinho no âmbito do Proc. n.º 25/18.0GTVCT.G1 «I) O indeferimento de requerimento, efectuado no decurso da audiência de discussão e julgamento, de produção de novos meios probatórios, à luz do disposto no artigo 340º do Código de Processo Penal, quando se entender que assim se omitem diligências essenciais à descoberta da verdade, constitui a nulidade sanável, prevista no artigo 120º, n.º 2, alínea d) do Código de Processo Penal, que deverá ser previamente reclamada antes que o acto onde foi praticada esteja terminado, nos termos prescritos no artigo 120º, n.º 3, alínea a) do Código de Processo Penal, o que no caso ocorreria até ao termo da audiência de discussão e julgamento. II) Só depois de suscitada a nulidade perante o tribunal a quo poderá a mesma servir de fundamento de recurso, não sendo suscitada no decurso da audiência de julgamento deve considerar-se sanada tal como dispõe o art. 121º do CPP.»
TRL de 19-05-2022, relatado por Maria do Rosário Silva Martins no âmbito do Proc. n.º 739/20.4JAFUN.L1-9 «I-A procura da verdade material, tendo em vista a realização da justiça, constitui o fim último do processo penal. A lei atribui ao tribunal o poder dever de ordenar, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova que entenda necessários à descoberta da verdade e à boa decisão da causa, o que constitui a consagração, no nosso sistema, do princípio da investigação ou da oficialidade; II-O C.P.P. estabelece no artigo 340.º os princípios gerais em matéria de produção de prova na audiência, encontrando-se vários outros critérios de admissibilidade de prova dispersos noutros preceitos do mesmo diploma, com recurso a expressões como, entre outras, essencial, indispensável, necessário, previsivelmente necessário, absolutamente necessário, útil. Discute-se, por vezes, se o poder conferido pelo artigo 340.º do C.P.P. é um poder discricionário ou, pelo contrário, é sindicável, questionando-se se é recorrível a decisão de indeferimento de um requerimento de prova apresentado, na fase de julgamento, ao abrigo do preceituado no artigo 340.º do C.P.P.: II- O exercício do poder de apreciação do condicionalismo legal inscrito no n.º1 do artigo 340º do Código de Processo Penal, isto é, o juízo de necessidade ou desnecessidade da diligência de prova requerida parece insindicável por via de recurso directo: a omissão de diligências que possam reputar-se essenciais para a descoberta da verdade acarreta, antes, uma nulidade relativa (sanável) prevista no artigo 120.º, n.º2, alínea d), do CPP, a arguir antes que o acto esteja terminado” (art. 120.º, n.º3, al. a), que servirá de eventual fundamento de recurso (cfr. art. 410.º, n.º3 do CPP). Contudo, se o poder conferido pela norma do n.º 1 do artigo 340.º for actuado, em sentido negativo ou positivo, fora do condicionalismo legal, isolando outro para fundamentar a decisão respectiva, então aí, na medida em que há violação da lei, a opção tomada pelo tribunal é já susceptível de recurso; III- A violação do art. 340.º, n.º 1 do C. Processo Penal e por via dela, a violação do princípio da investigação, na sequência do indeferimento da renovação de prova pericial, só pode originar uma nulidade sanável, a enquadrar na alínea d), do n.º 2, do art. 120.º do C. Processo Penal, e sujeita ao regime de arguição previsto no n.º 3 do mesmo artigo. Tendo o arguido e o seu advogado/defensor estado presentes na audiência de julgamento em que foi proferida a decisão e não tendo reagido até ao termo da mesma arguindo o vício, nem tendo recorrido atempadamente da decisão, sanou-se o vício o que, juntamente com o caso julgado formal entretanto verificado, impede que no recurso interposto do acórdão condenatório se conheça do acerto do ali decidido. Assim o indeferimento de requerimento de produção de meios de prova apresentado em audiência, se essenciais para a descoberta da verdade, faz incorrer na nulidade prevista no artigo 120.º, n.º2, al. d), do C.P.P., a arguir no prazo legal, não sendo susceptível de recurso directo; IV-Existem assim duas situações distintas: -O indeferimento de diligência de prova requerida em audiência pelo recorrente nos termos do artigo 340º do C.P.P. – a audição de um indivíduo presente no local, e a omissão de diligências probatórias que o recorrente entende serem essenciais para a descoberta da verdade que não foram por si requeridas em audiência de julgamento, como seja “in casu” a reinquirição da testemunha AA e a solicitação das imagens transmitidas na B... e o seu visionamento. Quanto à primeira situação não tendo o recorrente interposto recurso no prazo legal do despacho de indeferimento, conformou-se com a decisão em causa, que entretanto transitou em julgado, não podendo o Tribunal Superior sindicar o indeferimento da diligência requerida. Na segunda situação, estamos perante uma nulidade sanável nos termos previstos no artigo 120º, n.º 2, al. d) do C.P.P. (no caso de se entender que as diligências omitidas seriam essenciais para a descoberta da verdade) e que não tendo sido arguida pelo recorrente até ao final da audiência de julgamento nos termos do artigo 120.º, n.º3, alínea a) do C.P.P., vindo a fazê-lo apenas perante o tribunal superior, se terá de considerar a mesma e a ter efectivamente ocorrido, como sanada.»
Em face do que fica exposto, mostra-se sem objecto o recurso interlocutório em apreço, já que a eventual nulidade cometida ficou sanada, sendo, por isso, de negar provimento ao recurso. * Do recurso do acórdão final Com interesse para a apreciação deste recurso releva a tramitação relativa a dois novos pedidos para realização das perícias a que já se aludiu no segmento anterior, posto que o Tribunal a quo relegou para a decisão final a apreciação das nulidades a tal propósito arguidas, e bem assim, no âmbito do acórdão recorrido, a questão prévia que aquelas nulidades apreciou e o elenco da matéria de facto provada e não provados que dele constam.
Da tramitação relativa a dois novos pedidos para realização de perícias A 29-03-2025 o recorrente fez entrar em juízo um requerimento do seguinte teor (transcrição): «AA, Arguido no processo acima melhor identificado, tendo sido notificado do relatório social do Arguido, e considerando o teor do mesmo vem, muito respeitosamente, expor e requer a V. Exa. o seguinte: 1. A procura da verdade material, tendo em vista a realização da justiça, constitui o fim último do processo penal, atribuindo-se ao tribunal o poder/dever de ordenar, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova que entenda necessários à descoberta da verdade e à boa decisão da causa, o que constitui a consagração no nosso sistema, do princípio da investigação ou da oficialidade. Em fiel cumprimento desses princípios e - no entendimento do Arguido - sem mácula ou reparo, por douto despacho de 17/03/2025, o Tribunal ordenou o seguinte: “(...) Em complemento da perícia já solicitada, oficie-se ao Gabinete Médico-Legal dando conhecimento do teor dos relatórios médicos acompanhantes da contestação e, bem assim, dos quesitos apresentados pela defesa. (...)” 2. Também sem mácula ou reparo, e com vista a aportar para o processo factos relevantes para a caracterização da personalidade do Arguido e a fixação da pena, foi ordenada pelo Tribunal a elaboração do relatório social do Arguido, o que veio a ser feito, encontrando-se o mesmo junto aos autos. 3. Nos termos do referido relatório social, e a respeito do Arguido: “Ao nível clínico e de desenvolvimento, são referenciados comportamentos atípicos, por parte do arguido, identificados desde os seus 4 anos de idade, agravados quer com a integração em meio escolar, quer após acidente de viação (atropelamento) com os seus 14 anos de idade.” 4. Mais se dizendo que: “A sintomatologia foi passível de intervenção dentro do sistema escolar e ao nível privado com consultas no consultório "(Re)encontro", em Ovar, com orientação para apoio psicológico regular. Após acidente de viação (atropelamento), aos 14 anos de idade, com internamento entre 16 de janeiro e 17 de fevereiro de 2015, AA foi manifestando registo de maior desinibição/sedução, para com terceiros, nomeadamente ao nível da sexualidade. Nessa fase de vida, foi efetuada avaliação psicológica por parte do Instituto do Desenvolvimento em ..., com diagnóstico de um "nível cognitivo global considerado inferior para a sua idade cronológica", com dados que corroboram para a existência de "Perturbação de Hiperatividade com défice de Atenção, misto", a par com "diagnóstico de Perturbação do espetro do Autismo - nível 1 - nomeadamente Síndrome de Asperger" (ligeira) pelas lacunas evidenciadas ao nível da comunicação, interação social e comportamental.” 5. Ainda nos termos do mencionado relatório social, o Arguido “foi sendo medicado com "Concerta" (cloridrato de metilfenidato – estimulante do sistema nervoso central) e "Sertralina" (tratamento de diversos transtornos psiquiátricos) até 2017. São verbalizados abandonos farmacológicos e psicoterapêuticos a partir de 2017/2018, justificado, pelo próprio, como período de estabilidade sintomática (sem corroboração clinica aparente).” (sublinhado nosso). 6. Concluindo-se, assim, que: “Salvo melhor opinião, e caso o arguido venha a ser condenado, somos de parecer que a execução da respetiva pena, deverá incidir num acompanhamento clínico regular ao nível da saúde mental (psicoterapêutico e farmacológico), para acompanhamento do diagnóstico já identificado, assim como avaliação de eventual diagnóstico parafílico (e/ou cognição hipersexual e hipersexualidade comportamental) considerado como fator de risco dinâmico significativo de agressão sexual e reincidência.” (sublinhado nosso). Sucede que, 7. Os factos alegados na douta acusação, a terem ocorrido (o que apenas se admite por mera cautela de patrocínio) têm principal enfoque nos anos de 2017 e 2018, altura em que o Arguido teria 17/18 anos, 8. Período em que, alegadamente, e nos termos do relatório social junto aos autos, o Arguido terá abandonado os fármacos e psicoterapêuticos que, como bem sabemos, são tratamentos utilizados para tratar transtornos mentais. Por outro lado, e corroborando a informação constante no relatório social, 9. Oportunamente o Arguido juntou aos presentes autos documentos indispensáveis à descoberta da verdade material, designadamente: Relatório de Avaliação Psicológica do “Instituto de Desenvolvimento” datado de 07 de Maio de 2015, onde foi diagnosticado ao Arguido perturbação do espectro do autismo - nível 1, nomeadamente síndrome de Asperger (Junto com a contestação como Doc. n.º 1); Relatório de Informação clínica do Centro Hospitalar ... de 08 de Setembro de 2016 (Junto com a contestação como Doc. n.º 2); e ainda Relatório de Informação clínica do Centro Hospitalar ... de 02 de Outubro de 2017 (Junto com a contestação como Doc. n.º 3). 10. Ora, o art.º 340.º do Código de Processo Penal (CPP), atribui ao Tribunal o poder/dever de ordenar, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova que sejam necessários à descoberta da verdade e à boa decisão da causa, consagrando-se, assim, no nosso sistema, o princípio da investigação. 11. Assim, é notório face à prova documental – elementos clínicos - e agora também face do relatório social aqui apresentado, que existe uma grande e séria probabilidade que o Arguido seja portador de uma doença do foro psiquiátrico, designadamente uma deficiência intelectual, a avaliar de acordo com conhecimentos técnicos especializados, que se manifesta e repercute ao nível do preenchimento dos elementos do tipo-legal de crime objeto do processo. 12. Não sendo, com a informação existente nos presentes autos, possível aferir com elevada certeza que o Arguido não apresentava, à data dos factos, a sua capacidade intelectual diminuída para avaliar a (i)licitude dos seus actos e para se determinar de acordo com essa avaliação. 13. O direito e garantias de defesa do Arguido é protegido e consagrado constitucionalmente pelos art.ºs 2.º, 8.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, n.º 1 a contrario; 20.º, n.ºs 1 e 4 e 32.º, n.º 1; 205.º, n.º 1 segmento final, e 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (C.R.P.); arts. 10.º; 11.º, e 30.º da DUDH; 6.º, n.º 1, 2 e 3, al. b) e 17.º da CEDH e arts. 47.º, 48.º, 53.º e 54.º da CDFUE, não podendo, assim, ser violado. 14. Motivo pelo qual, salvo o devido respeito, por motivos reforçados, redobrados e acrescidos, se entende ser pertinente, legal, não supérflua, relevante, necessária, imprescindível, imprescindida e adequada nos termos densificados pelo art.º 340.º do CPP, a realização de perícia psiquiátrica ao Arguido, a que se reporta o artigo 159.º do CPP, bem como perícia sobre a sua personalidade e perigosidade, nos termos do art. 160.º do CPP, tendo em vista apurar se o Arguido sofria à data dos factos de alguma anomalia psíquica que possa justificar o juízo de inimputabilidade ou de imputabilidade diminuída. 15. Sendo, assim, necessária e imprescindível para a descoberta da verdade material e para a boa decisão da causa, e mesmo ESSENCIAL, pelo que, não sendo essa diligência de prova ordenada, sempre se verificaria e invocará a nulidade prevista pelo art. 120.º, n.º 2, al. d), 2.ª parte do CPP. TERMOS EM QUE: Reque-se a V. Exa, que, tendo em conta a prova documental, e adicionalmente o relatório social junto, e porquanto se entende ser essencial ao apuramento da verdade, designadamente quanto à (in)imputabilidade, eventualmente diminuída, do Arguido que se dignasse a ordenar a realização de perícia psiquiátrica, nos termos do disposto no n.º 7 do artigo 159.º do Código de Processo Penal, bem como de avaliação sobre a personalidade e perigosidade do Arguido, nos termos do artigo 160.º do mesmo diploma legal, devendo a mesma ser instruída com a prova documental ora junta, e que deverá esclarecer os seguintes quesitos: i. Esclarecer se, à data dos factos, o Arguido sofria de alguma doença do foro psiquiátrico, em caso afirmativo, qual a doença, e se esta o impedia de avaliar a ilicitude dos seus comportamentos; ii. Esclarecer se a mesma patologia se mantém, e, na afirmativa, qual a sua natureza, extensão e efeitos; iii. Esclarecer se por força dessa eventual doença, o Arguido, à data dos factos, era (in)capaz de avaliar a ilicitude da sua conduta e de se determinar de acordo com essa avaliação, ou se essa capacidade estava sensivelmente diminuída; iv. Esclarecer, se essa patologia se mantém e na afirmativa, se por força dessa eventual doença, existe fundado receio de que o Arguido venha a cometer novos factos ilícitos típicos; v. Esclarecer se, atenta a eventual doença do Arguido, é de prever que este compreenda o sentido da pena que eventualmente lhe venha a ser aplicada e do seu comportamento futuro ser influenciado por ela; vi. Avaliar a personalidade do Arguido e a sua perigosidade, designadamente a sua (in)imputabilidade e consequências da mesma; vii. Considerando o relatório ora junto que aponta para um diagnóstico do Arguido de “Perturbação do Espectro do Autismo - nível 1, nomeadamente uma Síndrome de Asperger”, avaliar e identificar as principais características e impactos desta patologia no Arguido, designadamente a evolução da mesma ao longo dos anos; viii. Aferir se os factos constantes na douta acusação pública poderão estar relacionados com esta ou outras patologias; ix. Avaliar se a eventual patologia do Arguido poderá criar uma perda de noção da realidade circundante, dos valores sociais, da capacidade deste para avaliar a ilicitude dos seus actos, originando uma eventual prática reiterada de actos desviantes; x. Avaliar se o Arguido na presente data padece de uma nova condição ou distúrbio psicológico e mental que não se encontre descrita nos relatórios junto aos autos e, em caso afirmativo, se essa doença/condição o impede, actualmente, de avaliar a ilicitude da sua conduta; xi. avaliar e identificar a relação da “Perturbação do Espectro do Autismo - nível 1, nomeadamente uma Síndrome de Asperger”, e/ou qualquer outra patologia ou condição do Arguido com os impulsos e desenvolvimento sexual deste; xii. Avaliar o impacto do acidente ocorrido em 2015 (no qual o Arguido foi vítima de um atropelamento) com quaisquer patologias/condições existes; xiii. Indicar, caso o Arguido padeça de alguma patologia, qual o tratamento médico que lhe deverá ser prestado». * Por despacho proferido na sessão de julgamento de 01-04-2025, o Tribunal a quo decidiu e comunicou no acto o seguinte (transcrição): «Requerimento do arguido de 29.03.2025: sobre a questão suscitada já recaiu despacho proferido na anterior sessão de julgamento, pelo que nada mais há a determinar sobre tal matéria.» Logo de seguida, pela Ilustre Defensora do arguido foi apresentada o seguinte requerimento (transcrição): «AA, arguido no processo acima identificado, notificado neste acto do despacho proferido, que indeferiu a realização de perícia psiquiátrica ao arguido, a que se reporta o artigo 159.º, do Código de Processo Penal, bem como a perícia quanto à sua personalidade e perigosidade (artigo 160.º do Código de Processo Penal), vem aqui pelos motivos e fundamentos que já constam do seu requerimento de 29/03, por economia processual, que damos por reproduzidos, para todos os efeitos legais, arguir a nulidade da douta decisão, nos termos do disposto no artigo 120.º, n.º 2 al. d), 2.ª parte e n.º 3 do C.P.Penal, uma vez que estão em causa diligências essenciais para a descoberta da verdade, entendendo aqui o arguido que essa invalidade terá como consequência a denegação do exercício cabal dos seus direitos de defesa e violação das normas citadas e do previsto no artigo 340.º do Código de Processo Penal e das restantes normas por si indicadas; deve, assim, a nulidade ser declarada pelo Tribunal, como se impõe e com as legais consequências do artigo 122.º do Código de Processo Penal.»
O Tribunal a quo relegou o conhecimento da nulidade invocada para o acórdão final. * Por requerimento entrado em juízo a 09-04-2025, o arguido volta a insistir na realização das requeridas perícias nos seguintes termos (transcrição): «AA, Arguido no processo acima melhor identificado vem, na sequência da inquirição das testemunhas EE, FF, GG e HH, por si arroladas e ouvidas na última sessão de discussão e julgamento, ocorrida em 01/04/2025, e considerando o teor das declarações prestadas pelas mesmas, muito respeitosamente, expor e requer a V. Exa. o seguinte: 1. No âmbito do processo penal vigora o princípio da aquisição da prova, ligado ao princípio da investigação, de onde resulta que devem ser atendidas as provas validamente trazidas ao processo. 2. Como bem se escreve no Ac. do T.R.L. de 07-05-2002 “o artigo 340º do CPP consagra o princípio da unidade material ou da investigação, admitindo, com grande amplitude, a produção em audiência de todos os meios de prova, desde que necessários à descoberta da verdade material, legalmente admissíveis, adequados ao objeto da prova e de obtenção possível”. 3. O artigo 340.º do Código de Processo Penal atribui ao tribunal o poder/dever de ordenar, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova que entenda necessários à descoberta da verdade e à boa decisão da causa consagrando, assim, no nosso sistema, o princípio da investigação ou da oficialidade. Ora, 4. Na audiência de discussão e julgamento ocorrida no dia 01 de Abril de 2025, foram ouvidas as seguintes testemunhas: - EE, mãe do Arguido; - FF, tio do Arguido; - GG, tia do Arguido; - HH, prima do Arguido Assim, 5. Na sequência da inquirição da testemunha EE, Mãe do Arguido, pela mesma foi manifestada a sua preocupação quanto à situação clínica do Arguido. Cfr. – gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, com início pelas 15:24 e termo pelas 15:59, em especial os seguintes segundos, do ficheiro com o depoimento da testemunha: 05m:33sgs Testemunha: “Depois no 7.º ano eu fui obrigada a mudá-lo de escola porque ele na escola já era muito rotulado, os meninos todos faziam bullying com ele (...) porque o AA não brincava, o AA não tinha amigos, o AA não fazia educação física, o AA dizia, disse na minha frente à Directora de Turma, que não tomava banho, porque ele tinha sempre as cadernetas cheias de recados porque ele no dia da física, na educação física teria de levar o saco com o equipamento e ele simplesmente não levava, e na minha presença disse à Directora de Turma que não ia tomar banho na escola porque não queria ser apalpado. Nunca percebi muito bem isso.” 06m:55sgs Testemunha: “A minha dificuldade mesmo quando eu procurei ajuda médica ao AA foi porque realmente eu vi que ele tinha qualquer problema que fizesse com que ele não cumprisse as regras.” 07m:06sgs Defensora: “E que tipo de ajuda médica procurou aqui para o AA?” Testemunha: “Primeiro andei numa clinica que era clínica reencontro em Ovar, procurei ajuda psicológica para ele, porque nessa altura eu eu como disse vou falar a verdade e vou mesmo, o AA quando eu procurei ajuda médica fora depois do âmbito escolar também foi porque o AA teve uns distúrbios muito grandes, o AA fazia com 12 anos, entre os 11 e os 12 anos numas férias grandes da escola, o AA começou a fazer as fezes dele, ele não vinha fazer à casa de banho, ele fazia onde estava, no quarto dele, no quarto da avó, vinha fazer lá no chão... Defensora: “E aí pediu ajuda médica” Testemunha: “e eu pedi ajuda médica porque eu não sabia como cuidar do meu filho nesse ponto.” Defensora: “E qual foi então a consequência dessas diligências todas que terá feito? Testemunha: “A consequência foi que ele era observado pelo Dr. II que era pedopsiquiatra, e depois andou a ter psicologia todas as semanas que era a Dra. A psicóloga Dra. JJ” 09m:30sgs Testemunha: “Depois uma das professoras é que me disse a mim que eu que tinha de procurar uma ajuda a sério e foi então aí quando eu decidi, a 15 de janeiro, a 3 de janeiro de 2015 eu fui com o AA ao Dr. que é neuro pedopsiquiatra Dr. KK que me disseram que ali eu teria as respostas que precisaria para se realmente o meu filho teria algum problema, algum distúrbio que fizesse com que ele tivesse aquele problema dele. Fui ao KK e ele disse-me então que o AA tinha síndrome de Asperger. Pronto, aí eu fiquei sem saber o que isso era.” Defensora: “E que idade é que tinha o AA nessa altura?” Testemunha: “O AA aí tinha eles fez 15 anos em 2015, ele foi a 3 de janeiro de 2015, ele tinha 14 anos e meio, tinha 14 anos. Depois no dia 15 de janeiro de 2015, ele teve um acidente, teve um acidente onde ele sofreu um traumatismo craniano encefálico, esteve em coma no hospital ..., depois quando veio do hospital ...... Defensora: “E que esteve em coma quanto tempo?” Testemunha: Ele esteve no hospital um mês e dois dias Defensora: “Em coma?” Testemunha: “Ele esteve em coma 12 dias (...) 12m:58sgs Testemunha: “Depois dos 18 anos ele teve alta lá” Defensora: Ele teve alta só aos 18 anos?” Testemunha: “Aos 18 anos” Defensora: “Mas, peço desculpa que essa parte eu não percebi, mas teve alta de onde ?” Testemunha: “Do hospital ... no Porto” Defensora: “Mas, e dentro do hospital ... do Porto ele estava a ser seguido na sequência do problema que ele tinha, mas de de? “ Testemunha: “Neuro pedopsiquiatria” Defensora: “Mas porque? Porque é que ele foi seguido nessa área ?” Testemunha: “Porque como eu já tinha ido, como ele teve o acidente a 15 de janeiro mas eu tinha ido com ele a 3 de Janeiro ao KK e o KK lhe diagnosticou isso, e como eu sabia que o AA na altura, ele à partida já não era um miúdo que eu dissesse assim é um miúdo normal, eu brincava com ele e dizia assim, tu és tudo menos normal.” Defensora: mas ele tomava medicação nessa altura? Testemunha: “Ele, ele tomou sempre ele tomava sempre, ele tomou o risperdona, até aos 18 anos ele tomava, tomava o concerta, foi o KK que lhe passou, e depois ele deu continuidade até aos 18 anos na neuropsiquiatria no hospital ....” Defensora: E parou de tomar a medicação nessa altura ou não ? Testemunha: “Depois parou, ele chegou, ele foi à consulta sozinho porque ele foi sempre assim ele ia à consulta sozinho, mesmo ele andava em consultas de nutrição e ele ia sozinho.” Defensora: “Tinha 18 anos à data?” Testemunha: “Ainda antes dos 18 anos ele já queria entrar sozinho, ele entrava sozinho, ele já queria entrar sozinho, quando ele foi à última consulta a médica disse para ele descansar uns dias, não era para parar, só que ele teimoso não é, porque estas pessoas ficam assim muito teimosas, eu é que sei.” Defensora: “Então ele teimoso fez o que? Teimoso... não terminou a frase” Testemunha: “Era teimoso, estas pessoas são assim, teimosas.” Defensora: “Mas em relação à medicação, ele tomou sempre a medicação?” Testemunha: “Até aos 18 anos ele tomava, era eu que lhe comprava e ele tomava, sim.” Defensora: “E em relação a essa especifica medicação em algum momento o hospital entendeu ser de parar a toma dessa medicação? Ou não? Não sei...” Testemunha: “Olhe Sra. Dra. eu não sei se a Dra. lhe disse isso não é; ele é que chegou cá fora e me disse a mim que já não precisava de tomar a medicação... por um tempo... ah a médica a Dra. disse para eu deixar um tempo a medicação.” Defensora: “E que idade tinha nessa altura?” Testemunha: “Tinha 18 anos. “ 28m:23sgs: Defensora: “Mas acha que... alguma vez, ao nível por exemplo do problema de saúde do Arguido se é do seu conhecimento se alguma vez ao nível do... alegadamente problema de saúde que o seu filho tem e que está aqui relatado nos relatórios médicos Testemunha: “Eu creio que depois que ele teve o acidente, ele ficou um bocadinho mais desinibido (...).” 30m:47sgs: Mm. Juiz: Mas isso não releva para o processo, a Sra. Dra. está-lhe a perguntar se a Sra. tem alguma coisa mais a dizer que releve para o processo, isso não releva para o processo, são pensamentos da senhora relativamente ao eventual comportamento que o seu filho tinha tido. Testemunha: “Comportamento, é que ele, como eu costumo dizer, não joga com o baralho, foi sempre o que eu lhe disse porque o meu filho precisava sempre seguido na medicina e simplesmente não quer porque as pessoas quando passam a maioridade...” 6. Já na inquirição do tio do Arguido FF, pelo mesmo foi manifestada uma mudança de comportamento do Arguido após o acidente de viação em que foi interveniente. - Cfr. gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, com início pelas 15:59 e termo pelas 16:07, em especial os seguintes segundos, do ficheiro com o depoimento da testemunha: 4m:12sgs: Defensora: “E, por acaso sabe aqui de algum problema de saúde do AA, se teve algum dia algum problema de saúde ?” Testemunha: “Sim, o AA teve um acidente onde no qual para nós, notamos que ele deve ter ficado um bocadito mais de de um desequilíbrio qualquer” Defensora: “Mas com que idade é que o AA teve o acidente ?” Testemunha: “Ai o AA eu não tenho bem a certeza mas isto já deve ter talvez uns 10 anos ou mais.” Defensora: “E quando diz desequilíbrio era como ? Testemunha: “Desculpe, não...” Defensora: “Que tipo de desequilíbrio” Testemunha: “Pronto, o AA, o AA, começou a ser... nós notávamos que o AA começou a ficar com alguma, com alguma diferença de nos contactar de melhor, o AA afastava-se um bocadito cada vez mais, pronto o AA perdeu ali alguma coisa, o AA perdeu ali alguma coisa pelo caminho com o acidente.” 7. Já na inquirição da tia do Arguido GG, pela mesma foram relatados alguns episódios da infância/adolescência do Arguido, com comportamentos que considerava pouco normativos. - Cfr. gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, com início pelas 16:07 e termo pelas 16:17, em especial os seguintes segundos, do ficheiro com o depoimento da testemunha: 04m:01sgs. Defensora: “Portanto, a única característica, pergunto-lhe, a única característica que que diferencia, na sua opinião que o diferencia dos demais, é essa questão de ser mais reservado?” Testemunha: “Sim e...” Defensora: “O resto achava que era...” Testemunha: “Ele não era uma criança como as outras, a verdade é essa, porque as atitudes que ele tinha de criança, de não querer brincar, não... agente falava para ele e ele não... pronto, era sempre muito querido mas não... como é que eu hei-de dizer, não era como a minha filha por exemplo, não é, falava com qualquer pessoa, com qualquer criança, com as colegas...” 04m:44sgs. Defensora: “Sabe se essa situação originou alguma preocupação acrescida da Mãe ou não?” Testemunha: “Sim” Defensora: “E o que é que a Mãe fez nesse sentido?” Testemunha: “Bastante...Ela estava a ficar muito mal porque não sabia o que havia de fazer já com ele, pela questão de ele fazer coisas que não era já normal numa criança na idade dele. Ele com 12 anos começou a fazer coisas que depois ele dizia que não era ele, não fui eu...” Defensora: “Mas que tipo de coisas?” Testemunha: “Por exemplo fazer as necessidades numa gaveta por trás de um armário, por trás de um sofá, fazia assim estas coisas que ela começou a ver que ele precisava de ajuda e não sabia mais... procurou médicos, procurou tudo mas não conseguia” Testemunha: “E qual foi o resultado desse acompanhamento médico, sabe?” Defensora: “O resultado é que ele teve de ir para um psiquiatra, ela procurou bastantes médicos, psicólogos, e tudo e não conseguiu ajuda.” Defensora: “Isso em que idades?” Testemunha: “Isso aí ele devia ter, sei lá, uns 14 talvez, eu em datas não sou lá muito boa.” Defensora: “Mas sabe se foi nos 14 anos ou a partir dos 14 anos?” Testemunha: “Não, eu acho que ainda foi antes dos 14anos que ela começou a procurar ajuda” Defensora: “E ele teve algum tratamento médico?” Testemunha: “Teve, Teve.” Defensora: “Sabe o que é que foi?” Testemunha: “Andou no Dr. KK, ela chegou a ir lá, mas não podia muito...” Defensora: “E até que idade?” Testemunha: “Andou lá para aí até aos 15, 16... eu sei que ele teve um acidente, teve um acidente já assim depois disso.” Defensora: “E sabe se deixou de ser acompanhado lá por causa do acidente, ou porque... ” Testemunha: “Foi...” Mm. Juiz: “Eu peço desculpa mas a senhora tem conhecimento dessas coisas porque acompanhava... ia às consultas também...” Testemunha: “Porque acompanhava sim, cheguei a ir com a Mãe.” 7. A inquirição da prima do Arguido HH, em suma corroborou tudo quanto foi indicado pelas demais testemunhas, evidenciando a mudança de comportamento do Arguido após o acidente no qual este foi interveniente. - Cfr. Gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, com início pelas 16:17 e termo pelas 16:31, em especial os seguintes segundos, do ficheiro com o depoimento da testemunha: 12m:37sgs Defensora: “E alguma vez notou alguma coisa assim diferente neste seu primo nos...nos... nestes anos mais recentes?” Testemunha: "Diferente, só se for a questão dele estar a trabalhar, porque... estar...ter menos disponibilidade, de resto, desde... claro que se eu fizer a comparação com o antes e após...” Defensora: “Então o que eu pergunto é... nunca notou um evolução no seu primo após a tal situação do acidente... nesse tempo, nunca teve nenhuma evolução.” Testemunha: “Não, para mim sempre...desde o momento em que eu o vi na cama do hospital, para mim ele tronou-se uma criança, pronto, desculpa AA, mas para mim um bebé grande, pronto, para mim sempre foi, eu passei de ser a prima mais nova para ser a prima mais velha e sentia que o tinha de proteger até na escola porque ele até era bastante gozado.” Defensora: Então o marco no seu primo é realmente a questão do acidente em concreto...” Testemunha: “Sim” Assim, 8. Oportunamente, com a contestação, o Arguido juntou aos presentes autos documentos que corroboram as declarações prestadas pelas testemunhas, designadamente o acompanhamento por psicólogos, psiquiatras ao longo da sua infância e adolescência, bem como a existência de um acidente em que o Arguido foi vítima de atropelamento. 9. Das declarações prestadas pelas testemunhas, o mencionado acidente poderá ter causado severos impactos no desenvolvimento do Arguido o que, por ora, clinicamente se desconhece. 10. Os factos alegados na douta acusação, a terem ocorrido (o que apenas se admite por mera cautela de patrocínio) têm principal enfoque nos anos de 2017 e 2018, altura em que o Arguido teria 17/18 anos, 11. Período em que, alegadamente, e nos termos do relatório social junto aos autos, o Arguido terá abandonado os fármacos e psicoterapêuticos que, como bem sabemos, são tratamentos utilizados para tratar transtornos mentais e, bem assim, após o referido acidente. 12. Ora, o art.º 340.º do Código de Processo Penal (CPP), atribui ao Tribunal o poder/dever de ordenar, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova que sejam necessários à descoberta da verdade e à boa decisão da causa, consagrando-se, assim, no nosso sistema, o Princípio da Investigação. 13. Assim, e com este pressuposto, o Arguido requereu e viu indeferido, quer em sede de contestação, quer em sede de requerimento autónomo (este, na sequência das informações constantes do relatório social), a realização de perícia psiquiátrica, nos termos do disposto no n.º 7 do artigo 159.º do Código de Processo Penal, bem como de avaliação sobre a personalidade e perigosidade do Arguido, nos termos do artigo 160.º do mesmo diploma legal. 14. No entanto, é notório que face à prova documental – elementos clínicos –, e face ao relatório social apresentado, bem como face à prova testemunhal arrolada e ouvida em sede de audiência de discussão e julgamento, existe uma fundada suspeita que o Arguido seja portador de uma deficiência intelectual, havendo evidentes circunstâncias ao nível comportamental do Arguido que necessitam de conhecimento técnico próprio a fim de que seja determinado o conjunto de características psíquicas independentes de causas patológicas e do grau de socialização do Arguido (n.º1 do artigo 160.º do CPP) que são necessários para a decisão sobre a culpa do agente e para a determinação de uma eventual sanção (n.º2 do artigo 160.º do CPP). 15. Não sendo, com a informação existente nos presentes autos, possível aferir com elevada certeza que o Arguido não apresentava, à data dos factos, a sua capacidade intelectual diminuída para avaliar a (i)licitude dos seus actos e para se determinar de acordo com essa avaliação. Por outro lado, 16. Consideramos ainda a referida diligência essencial para o apuramento da factualidade necessária à eventual determinação da medida concreta da pena, conforme n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal, que consagra “Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente: (...) “b) A intensidade do dolo ou da negligência, c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;” 17. A determinação da pena, realizada em função da culpa e das exigências de prevenção geral de integração e da prevenção especial de socialização (de harmonia com o disposto nos arts. 71.º, n.º 1 e 40.º do Código Penal), deve corresponder às necessidades de tutela do bem jurídico em causa e às exigências sociais decorrentes daquela lesão, o que entendemos que só se poderá aferir com a realização da perícia requerida. 18. Uma vez que a aplicação quer de uma pena, quer de uma medida de segurança, visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, sendo que, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa, 19. importa aferi-la, o que se impõe quando, como é o caso, surge uma suspeita fundada sobre a plena capacidade do Arguido para avaliar as consequências ético-jurídicas dos seus actos e decidir-se livre e responsavelmente de acordo com a ordem jurídica. 20. O direito e garantias de defesa do Arguido é protegido e consagrado constitucionalmente pelos art.ºs 2.º, 8.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, n.º 1 a contrario; 20.º, n.ºs 1 e 4 e 32.º, n.º 1; 205.º, n.º 1 segmento final, e 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (C.R.P.); arts. 10.º; 11.º, e 30.º da DUDH; 6.º, n.º 1, 2 e 3, al. b) e 17.º da CEDH e arts. 47.º, 48.º, 53.º e 54.º da CDFUE, não podendo, assim, ser violado. 21. Motivo pelo qual, salvo o devido respeito, se reitera, por se entender ser um meio de prova pertinente, legal, não supérflua, relevante, necessária, imprescindível, imprescindida e adequada nos termos densificados pelo art.º 340.º do CPP, a realização de perícia psiquiátrica ao Arguido, a que se reporta o artigo 159.º do CPP, bem como perícia sobre a sua personalidade e perigosidade, nos termos do art. 160.º do CPP, tendo em vista apurar se o Arguido sofria à data dos factos de alguma anomalia psíquica que possa justificar o juízo de inimputabilidade ou de imputabilidade diminuída, sendo também essencial para a fixação da (eventual) medida concreta da pena. 22. Sendo, assim, necessária e imprescindível para a descoberta da verdade material e para a boa decisão da causa, e mesmo ESSENCIAL, pelo que, sendo a mesma indeferida, sempre se verificaria e invocaria a nulidade prevista pelos arts. 119.º, al c) e 120.º, n.º 2, al. d), 2.ª parte do CPP. Ora, 23. constituem limites à produção de prova ou ao respetivo meio, em sede de audiência (artigo 340º, nºs 3 e 4, do CPP): a sua inadmissibilidade legal (artigos 125º e 126º do CPP); a sua manifesta irrelevância; se for notoriamente supérflua; a sua manifesta inadequação (cfr. artigo 151º do CPP); se for manifesta a impossibilidade da sua obtenção, ou se for de obtenção muito duvidosa; e se tiver finalidade meramente dilatória. 24. Caso não se esteja perante uma das situações enunciadas, como é, salvo a devida opinião por posição diversa, manifestamente o caso, é clara a obrigatoriedade da diligência de prova, até porque a omissão posterior de diligências que pudessem reputar- se essenciais para a descoberta da verdade constitui nulidade dependente de arguição, nos termos do artigo 120º, nº 2, al. d), do Código de Processo Penal. TERMOS EM QUE: Reque-se a V. Exa, que, tendo em conta a prova documental junta com a contestação, o relatório social junto, e ainda as declarações prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento das testemunhas arroladas pelo Arguido, que evidenciam que as características psíquicas e o grau de socialização do Arguido são desviados do padrão normal societário, avaliação essa que sendo essencial para a decisão da culpa do agente e para a determinação de uma eventual sanção (art. 160.º do Código de Processo Penal) exige conhecimentos técnicos, e porquanto se entende ser essencial ao apuramento da verdade, designadamente quanto à (in)imputabilidade, eventualmente diminuída, e à avaliação da decisão da culpa do Arguido, e para a eventual fixação da concreta da medida da pena do Arguido, se dignasse a ordenar a realização de perícia psiquiátrica, nos termos do disposto no n.º 7 do artigo 159.º do Código de Processo Penal, bem como de avaliação sobre a personalidade e perigosidade do Arguido, nos termos do artigo 160.º do mesmo diploma legal, devendo a mesma ser instruída com a prova documental junta com a contestação, e que deverá esclarecer os seguintes quesitos: i. Esclarecer se, à data dos factos, o Arguido sofria de alguma doença do foro psiquiátrico, em caso afirmativo, qual a doença, e se esta o impedia de avaliar a ilicitude dos seus comportamentos; ii. Esclarecer se a mesma patologia se mantém, e, na afirmativa, qual a sua natureza, extensão e efeitos; iii. Esclarecer se por força dessa eventual doença, o Arguido, à data dos factos, era (in)capaz de avaliar a ilicitude da sua conduta e de se determinar de acordo com essa avaliação, ou se essa capacidade estava sensivelmente diminuída; iv. Esclarecer, se essa patologia se mantém e na afirmativa, se por força dessa eventual doença, existe fundado receio de que o Arguido venha a cometer novos factos ilícitos típicos; v. Esclarecer se, atenta a eventual doença do Arguido, é de prever que este compreenda o sentido da pena que eventualmente lhe venha a ser aplicada e do seu comportamento futuro ser influenciado por ela; vi. Avaliar a personalidade do Arguido e a sua perigosidade, designadamente a sua (in)imputabilidade e consequências da mesma; vii. Considerando o relatório ora junto que aponta para um diagnóstico do Arguido de “Perturbação do Espectro do Autismo - nível 1, nomeadamente uma Síndrome de Asperger”, avaliar e identificar as principais características e impactos desta patologia no Arguido, designadamente a evolução da mesma ao longo dos anos; viii. Aferir se os factos constantes na douta acusação pública poderão estar relacionados com esta ou outras patologias; ix. Avaliar se a eventual patologia do Arguido poderá criar uma perda de noção da realidade circundante, dos valores sociais, da capacidade deste para avaliar a ilicitude dos seus actos, originando uma eventual prática reiterada de actos desviantes; x. Avaliar se o Arguido na presente data padece de uma nova condição ou distúrbio psicológico e mental que não se encontre descrita nos relatórios junto aos autos e, em caso afirmativo, se essa doença/condição o impede, actualmente, de avaliar a ilicitude da sua conduta; xi. avaliar e identificar a relação da “Perturbação do Espectro do Autismo - nível 1, nomeadamente uma Síndrome de Asperger”, e/ou qualquer outra patologia ou condição do Arguido com os impulsos e desenvolvimento sexual deste; xii. Avaliar o impacto do acidente ocorrido em 2015 (no qual o Arguido foi vítima de um atropelamento) com quaisquer patologias/condições existes; xiii. Indicar, caso o Arguido padeça de alguma patologia, qual o tratamento médico que lhe deverá ser prestado». * Por despacho proferido na sessão de julgamento de 10-04-2025, o Tribunal a quo decidiu e comunicou no acto o seguinte (transcrição): «Reiteramos o despacho proferido na anterior sessão de julgamento, uma vez que sobre a questão suscitada recaiu já despacho proferido na ata da primeira sessão de julgamento (25.03.2025), nada havendo a determinar sobre tal matéria (nenhum elemento de relevo tendo sobrevindo).» Logo de seguida, pela Ilustre Defensora do arguido foi apresentada o seguinte requerimento (transcrição): «AA notificado neste ato do douto despacho proferido que indeferiu a realização de perícia psiquiátrica ao arguido a que se reporta o art 159.º do C.P.Penal, bem como, perícia sobre a sua personalidade e perigosidade no art. 160.º do C.P.Penal, vem pelos motivos e com os fundamentos constantes do requerimento de 9 de abril, que por economia processual se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais, arguir a nulidade dessa douta decisão, nos termos do disposto no art.120.º n.º 2, al. d), 2.ª parte e n.º 3 do C.P.Penal, uma vez que estão em causa diligências essenciais para a descoberta da verdade. Entende o arguido, que essa invalidade, tem por consequência a denegação do exercício cabal dos seus direitos de defesa, com a violação das normas supracitadas, do previsto do art. 140.º do C.P.Penal e das restantes normas já indicadas no requerimento de 09.04, devendo assim, essa nulidade ser declarada pelo tribunal, com as legais consequências do art. 122.º do C.P.Penal.»
O Tribunal a quo relegou o conhecimento da nulidade invocada para o acórdão final. * Da questão prévia que apreciou nulidades e do elenco dos factos provados e não provados que constam do acórdão recorrido (transcrição): «Questão Prévia: Em sede de contestação requereu o arguido a realização de perícia às faculdades mentais do arguido, com vista a aferir da imputabilidade eventualmente diminuída do arguido. Por despacho proferido em acta de audiência de discussão e julgamento datada de 25/03/2025, foi indeferida a realização da perícia, sem que nada fosse arguido, ou requerido. Por requerimento de 29/03/2025, veio o arguido reiterar tal pretensão Sobre tal requerimento recaiu despacho na acta de 01/04/2025, do seguinte teor: “Requerimento do arguido de 29.03.2025: sobre a questão suscitada já recaiu despacho proferido na anterior sessão de julgamento, pelo que nada mais há a determinar sobre tal matéria.”. Nessa sequência, conforme documentado na referida acta, veio o arguido arguir a nulidade “do despacho proferido, que indeferiu a realização de perícia psiquiátria ao arguido”, nos termos do disposto no artigo 120.º, n.º 2, alínea d), 2.ª parte e n.º 3, do Código de Processo Penal, com as consequências previstas no artigo 122.º, do Código de Processo Penal. Sucede que a questão suscitada pelo arguido relativamente ao indeferimento da realização da requerida perícia foi decidida a 25/03/2025, sendo claro que a 01/04/2025 o Tribunal se limitou a referir que a questão suscitada já havia sido apreciada, nada mais havendo a determinar. Nestes termos, forçoso é concluir que a arguição da nulidade invocada pelo arguido é intempestiva, face ao disposto no artigo 120.º, n.º 3, alínea a), do Código de Processo Penal, que impõe a arguição no próprio acto. Acresce que por requerimento de 09/04/2025 veio o arguido, novamente, reiterar a pretensão de realização da perícia já anteriormente requerida. Tal como já decidido na acta de 01/04/2025, mais uma vez, conforme documentado na acta de 10/04/2025, o Tribunal pronunciou-se nos seguintes termos: “Reiteramos o despacho proferido na anterior sessão de julgamento, uma vez que sobre a questão suscitada recaiu já despacho proferido na ata da primeira sessão de julgamento (25.03.2025), nada havendo a determinar sobre tal matéria (nenhum elemento de relevo tendo sobrevindo).”. Ou seja: mais uma vez o Tribunal limitou-se a referir que a questão já havia sido apreciada, nada mais havendo a determinar. Consequentemente, também é forçoso concluir que relativamente à nulidade arguida nessa mesma acta de 10/04/2025 (respeitante ao “despacho que indeferiu a realização de perícia psiquiátrica ao arguido”, com referência ao disposto no artigo 120.º,n.º 2, alínea d), 2.ª parte e n.º 3, do Código de Processo Penal, com as consequências previstas no artigo 122.º, do Código de Processo Penal) se verifica a intempestividade da sua arguição, face ao disposto no artigo 120.º, n.º 3, alínea a), do Código de Processo Penal, que impõe a arguição no próprio acto. Face ao exposto, impõe-se concluir que as nulidades invocadas são intempestivas e, ademais, não se verifica a existência de qualquer nulidade, face a que a diligência requerida (realização de perícia psiquiátrica às faculdades mentais do arguido) não é essencial para o apuramento da descoberta da verdade, pelos fundamentos já expostos no despacho documentado na acta de 25/03/2025. * Não ocorrem nulidades ou questões prévias de que cumpra conhecer, mantendo-se a regularidade da instância. * * 2. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A. FACTOS PROVADOS Observado o legal formalismo, procedeu-se a julgamento e, discutida a causa, provaram-se os seguintes factos: 1. O arguido nasceu em ../../2000 e tem residência na Rua ..., em ..., com a sua mãe. Quanto às vítimas LL e BB: 2. As vitimas BB (nascido em ../../2016) e LL (nascido em ../../2015), são irmãos entre si e sobrinhos do arguido e costumavam frequentar a casa da avó (mãe do arguido) com muita frequência, sobretudo aos fins de semana e nas férias escolares. 3. Aproveitando-se da sua qualidade de tio das vítimas e do facto de os mesmos frequentarem a sua residência e terem por isso uma relação de proximidade e confiança consigo, o arguido, a fim de satisfazer os seus instintos libidinosos: a. Quanto à vítima LL: 4. No dia 14/08/2018, o arguido, no seu quarto, situado no primeiro andar da referida residência, baixou as calças e cuecas do menor, que tinha 2 anos e 10 meses, ordenou-lhe que se colocasse na cama, de barriga para baixo, de joelhos e: a) num primeiro momento, colocou os seus dedos na zona anal do menor, acariciando e afastando as suas nádegas de forma a que se visse o ânus e fotografou; b) num segundo momento, encostou o seu pénis erecto ao ânus do menor e fotografou. 5. No dia 08/03/2020, na mesma divisão da casa, baixou as calças e cuecas do menor, que tinha à data 4 anos, e: a) num primeiro momento, ordenou-lhe que se colocasse na cama, de barriga para baixo, de joelhos e colocou os seus dedos na zona anal do menor, acariciando e afastando as suas nádegas de forma a que se visse o ânus e fotografou; b) num segundo momento, ordenou-lhe que se deitasse na cama, de barriga para cima e tirou duas fotografias em que é visível o pénis do menor. 6. No dia 23/06/2020, na mesma divisão da casa, onde estava na companhia dos dois sobrinhos, baixou as calças e cuecas do menor, que tinha à data 4 anos, e: a) ordenou ao menor que se deitasse na cama de barriga para cima e fez dois registos fotográficos, nos quais é visível o pénis do menor; b) ordenou ao menor que se deitasse na cama de barriga para baixo e fez três registos fotográficos: um onde é visível o rabo do menor; outro em que o arguido, com os seus dedos, afasta as nádegas, de forma a ser visível o ânus e outro em que o arguido ordenou ao ofendido BB que, com as suas mãos, agarrasse e afastasse as nádegas do irmão, de modo a ser visível o ânus. b. Quanto à vítima BB: 7. No dia 23/06/2020, na mesma divisão da casa, onde estava na companhia dos dois sobrinhos, baixou as calças e cuecas do menor, que tinha à data 3 anos e 11 meses: a) ordenou-lhe que se deitasse de barriga para cima na cama e efectuou três registos fotográficos: dois em que se vê a face do menor e o seu pénis; um em que não é visível a face, mas em que o arguido manipula com os seus dedos o pénis do menor, fazendo um movimento descendente; b) ordenou ao menor que se deitasse na cama de barriga para baixo e fez dois registos fotográficos: um onde é visível o rabo do menor; outro em que o arguido, com o seus dedos, afasta as nádegas, de forma a ser visível o ânus. Quanto à vítima CC: 8. A vitima CC, nasceu em ../../2007 e é enteado do irmão do arguido, sendo que a partir do ano de 2016 começou a frequentar a casa do arguido, sobretudo aos domingos, para almoços de família. 9. Aproveitando-se do facto de o mesmo frequentar a sua residência e ter por isso uma relação de proximidade e confiança consigo, o arguido, a fim de satisfazer os seus instintos libidinosos: 10. Em data que não foi possível apurar, mas situada no inverno, no final do ano de 2016, quando o menor tinha 8 ou 9 anos de idade, num fim de semana mais concretamente a um domingo, o arguido levou-o para o seu quarto, com o pretexto de jogarem jogos de computador e exibiu-lhe um vídeo de pornografia de adultos. 11. Enquanto visionavam o vídeo, estando ambos sentados, o arguido despiu-se e começou a manipular o seu pénis, com movimentos ascendentes e descendentes, masturbando-se, e incentivou o menor a masturbar-se também, o que este fez, manipulando o seu próprio pénis com movimentos ascendentes e descendentes. 12. De seguida, o arguido deitou-se na cama, solicitou ao ofendido que se aproximasse, introduziu o pénis erecto na boca dele e ordenou-lhe que chupasse, ao que o menor acedeu e, logo após, o arguido ordenou ao menor que introduzisse o pénis na sua boca, e chupou. 13. Em data não concretamente apurada mas uma ou duas semanas depois, num domingo, depois de almoço, o arguido voltou a convidar o ofendido para ir ao seu quarto, com o pretexto de jogarem jogos de computador. 14. No quarto, convidou o ofendido a deitar-se consigo na cama e exibiu-lhe novamente um vídeo de pornografia de adultos, no computador portátil. 15. No decurso do vídeo, o arguido despiu-se a si próprio e ao ofendido, da cintura para baixo, e manipulou o pénis erecto do menor, com movimentos ascendentes e descendentes, masturbando-o, e pediu à criança para lhe manipular o seu próprio pénis erecto, da mesma forma, ao que a criança acedeu. 16. Quando terminou o vídeo, o arguido virou o ofendido de costas para si e aproximou o seu pénis erecto do ânus do ofendido, exercendo alguma pressão para tentar penetrá-lo, o que apenas não conseguiu porque o menor resistiu, se levantou e saiu do quarto. 17. No dia 15/04/2018, quando o menor tinha 10 anos de idade, na casa de banho da habitação do arguido, enquanto o menor estava sentado na sanita e desnudo da cintura para baixo, o arguido aproximou-se dele, com o pénis erecto e solicitou ao ofendido que manipulasse o seu pénis, com movimentos ascendentes e descendentes, masturbando-o, ao que aquele acedeu, tendo o arguido fotografado tal acto. 18. No dia 30/08/2018, quando o menor tinha 10 anos de idade, e estavam no quarto do arguido, o arguido ordenou ao menor que se despisse da cintura para baixo e se sentasse e fotografou o seu pénis erecto. 19. De seguida, solicitou ao ofendido que manipulasse o seu próprio pénis erecto, ao que o menor acedeu, e fotografou-o. 20. No dia 20/01/2019, quando o menor tinha 11 anos de idade, e estavam no quarto do arguido, o arguido ordenou ao menor que afastasse as suas calças e manipulasse o seu próprio pénis erecto com movimentos ascendentes descendentes, masturbando-se, ao que o menor acedeu, e gravou um vídeo em que são visíveis tais actos. 21. No dia 17/03/2019, quando o menor tinha 11 anos de idade, e estavam no quarto do arguido, o arguido ordenou ao menor que se despisse da cintura para baixo e manipulasse o seu próprio pénis erecto com movimentos ascendentes e descendentes, masturbando-se, ao que o menor acedeu, tirando-lhe uma fotografia, e gravando dois vídeos em que são visíveis tais actos. 22. No dia 07/04/2019, quando o menor tinha 11 anos de idade, e estavam no quarto do arguido, o arguido ordenou ao menor que se despisse da cintura para baixo e manipulasse o seu próprio pénis erecto com movimentos ascendentes e descendentes, masturbando-se, ao que o menor acedeu, tirando-lhe duas fotografias, e gravando dois vídeos em que são visíveis tais actos. 23. No dia 13/04/2019, quando o menor tinha 11 anos de idade, e estavam no quarto do arguido, o arguido ordenou ao menor que se despisse da cintura para baixo e manipulasse o seu próprio pénis erecto com movimentos ascendentes e descendentes, masturbando-se, ao que o menor acedeu, gravando três vídeos em que são visíveis tais actos. 24. No dia 07/07/2019, quando o menor tinha 11 anos de idade, e estavam no quarto do arguido, o arguido ordenou ao menor que se despisse da cintura para baixo e manipulasse o seu próprio pénis erecto com movimentos ascendentes e descendentes, masturbando-se, ao que o menor acedeu, tirando uma fotografia e gravando um vídeo em que são visíveis tais actos. Quanto à vítima DD: 25. A vítima DD, nasceu em ../../2003, conheceu o arguido em data não concretamente apurada do ano de 2017/2018, na escola, e estabeleceu com ele uma relação de amizade, no decurso da qual, por vezes, pernoitava na casa dele. 26. Aproveitando-se do facto de a mesma frequentar a sua residência e ter uma relação de proximidade e confiança consigo, o arguido, a fim de satisfazer os seus instintos libidinosos: 27. No dia 14/07/2019, quando a ofendida tinha 16 anos de idade, ficou a pernoitar em casa do arguido e, durante a noite, enquanto ela dormia, o arguido, sem o seu consentimento: a) levantou-lhe a blusa do pijama e obteve três registos fotográficos dos seus seios desnudados, sendo que num deles se vê a sua face; b) puxou para baixo as calças do pijama e as cuecas e obteve três registos fotográficos da sua zona genital, sendo que num deles se vê a sua face. 28. O arguido guardou todos estes ficheiros (fotografias e vídeos), que ele próprio obteve, relativos aos ofendidos AA, BB, CC e DD, no seu telemóvel, de marca ... ..., com o n.º de série ...... e no seu computador, de marca Lenovo, com o n.º de série ...... e partilhou alguns deles na internet. 29. Com efeito, desde data não concretamente apurada do ano de 2018 e até ao dia 11/07/2024, o arguido tornou-se utilizador da A..., onde se identificava como MM, ou NN, e procedeu à partilha de vários ficheiros multimédia com conteúdo de pornografia de menores em várias páginas e chats da rede ..., em que se encontrou activo, nomeadamente: C..., D..., E..., F... e G..., designadamente: a) 4 (quatro) imagens em que é visível um acto sexual mas que não envolve penetração, nomeadamente: - as fotografias descritas no ponto 4a/b), 17) e 19); b) 10 (dez) imagens em que são visíveis os órgãos sexuais de menores, mas sem acto sexual, nomeadamente: - as fotografias descritas no ponto 5b), 18) e 27); - uma fotografia em que são visíveis os peitos desnudos de uma rapariga certamente menor de 18 anos; - uma fotografia em que é visível o ânus de um menor com idade compreendida entre os 3 e os 6 anos de idade; Num total de 14 (catorze) ficheiros, sendo que em 8 (oito) deles são visíveis menores de 14 anos e, em seis deles, menores entre os 16 e os 18 anos. 30. Desde data não concretamente apurada mas pelo menos desde 2018 e até ao dia 11/07/2024, o arguido, com o intuito de satisfazer os seus ímpetos sexuais, através de pesquisa nas referidas páginas e chats da rede TOR, em que se encontrou activo, descarregou diversos ficheiros com conteúdo de pornografia de menores, que tinha em sua posse, naquela data, no seu computador, de marca Lenovo, com o n.º de série ......, e numa pendrive, com capacidade de 64g, de marca ..., designadamente: a) 1635 (mil seiscentos e trinta e cinco) imagens e 764 (setecentos e sessenta e quatro) vídeos, em que são visíveis actos sexuais com penetração vaginal, anal ou oral de um menor ou em que o menor penetre outro menor ou uma pessoa adulta, nomeadamente (e a título de exemplo): - uma fotografia em que é visível um bebé, certamente menor de 2 anos, do sexo masculino a ser penetrado no ânus por um pénis erecto de um homem adulto (fls. 11 do Apenso F); - uma fotografia em que é visível uma criança do sexo feminino, com idade compreendida entre os 7 e os 13 anos, desnuda, a ser penetrada na vagina por um pénis erecto de um homem adulto (fls. 16 do Apenso F); - uma fotografia em que é visível uma criança do sexo feminino, com idade compreendida entre os 7 e os 13 anos, com um pénis de um homem adulto na boca; b) 2699 (dois mil seiscentos e noventa e nove) imagens e 405 (quatrocentos e cinco) vídeos em que é visível um acto sexual que envolva um menor, mas sem penetração, nomeadamente (e a título de exemplo): - uma fotografia em que é visível uma criança do sexo masculino, com idade compreendida entre os 7 e os 13 anos, a exibir o pénis erecto (fls. 23/v do Apenso F); - uma fotografia em que é visível uma bebé, com idade certamente inferior aos 3 anos, desnuda, e um pénis erecto a ejacular para cima dos órgãos genitais da menor (fls. 23/v do Apenso F); c) 2885 (dois mil oitocentos e oitenta e cinco) imagens e 65 (sessenta e cinco) vídeos em que são visíveis menores com exposição dos órgãos sexuais mas sem qualquer acto sexual, nomeadamente (e a título de exemplo): - uma fotografia em que é visível um menor do sexo masculino, com idade compreendida entre os 7 e os 13 anos, desnudo e com o pénis erecto (fls. 31/v do Apenso F); - uma fotografia em que é visível uma menor do sexo feminino, com idade inferior a 3 anos, desnuda da cintura para baixo, exibindo os órgãos genitais (fls. 33/v do Apenso F); d) 5249 (cinco mil duzentas e quarenta e nove) imagens e 30 (trinta) vídeos de teor sexual em que são visíveis representações realistas de menores; e) 196 (cento e noventa e seis) imagens em que a pessoa visível é o presumível abusador; Num total de 12468 imagens, sendo que em 7101 são visíveis menores de 14 anos, e de 1264 vídeos, sendo que em 1131 são visíveis menores de 14 anos. 31. Ao actuar da forma descrita, o arguido quis e conseguiu, enquanto os dois sobrinhos eram menores de 14 anos, praticar actos sexuais com os mesmos, designadamente, colocando as suas mãos e acariciando a zona anal de ambos, constrangendo um dos menores a colocar também as mãos na zona anal do outro, acariciando, e, relativamente ao menor BB, manipulando igualmente o seu pénis. 32. Agiu com o intuito de satisfazer os seus desejos libidinosos, aproveitando-se da inexperiência sexual daqueles e da circunstância de ser seu tio. 33. O arguido sabia que o seu comportamento era idóneo a prejudicar o livre e harmónico desenvolvimento das suas personalidades, na esfera sexual, em função da sua pouca idade e, todavia, quis actuar de tal forma. 34. Sabia ainda que lesava o despertar sexual saudável dos mesmos e que lhes coarctava a respectiva liberdade de auto-determinação sexual, o que quis. 35. O arguido quis ainda fotografá-los enquanto estes sofriam essas suas acções, bem como fotografar os seus corpos desnudados, com exposição dos órgãos sexuais, bem sabendo que, dessa forma, usava menores em gravações pornográficas, as quais manteve no seu telemóvel e computador, para satisfação dos seus instintos libidinosos e partilhou na A..., com o intuito de que fossem visualizados por terceiros. 36. Quis e conseguiu ainda, enquanto o ofendido CC era menor de 14 anos, exibir-lhe vídeos e praticar actos sexuais com o mesmo, designadamente: masturbando-se à sua frente e fazendo com que o menor se masturbasse à sua frente; manipulando o pénis do menor, masturbando-o, e constrangendo o menor a manipular o seu próprio pénis, masturbando-o; e introduzindo o eu pénis na boca do menor, constrangendo-o a chupar, bem como introduzindo o pénis do menor na sua boca, o qual chupou. 37. Agiu com o intuito de satisfazer os seus desejos libidinosos, aproveitando-se da inexperiência sexual daquele e da circunstância de ter com ele uma relação familiar e de confiança. 38. O arguido sabia que o seu comportamento era idóneo a prejudicar o livre e harmónico desenvolvimento da sua personalidade, na esfera sexual, em função da sua pouca idade e, todavia, quis actuar de tal forma. 39. Sabia ainda que lesava o despertar sexual saudável do mesmo e que lhe coarctava a respectiva liberdade de auto-determinação sexual, o que quis. 40. O arguido quis ainda fotografá-lo e filmá-lo enquanto este sofria essas suas acções, bem sabendo que, dessa forma, usava menor em gravações pornográficas, as quais manteve no seu telemóvel e computador, para satisfação dos seus instintos libidinosos e partilhou na A..., com o intuito de que fossem visualizados por terceiros. 41. O arguido agiu também com o propósito concretizado de fotografar o corpo desnudado da menor DD, com exposição dos seus órgãos sexuais, bem sabendo que a mesma tinha 16 anos de idade e que, dessa forma, usava menor em gravações pornográficas, as quais manteve no seu telemóvel e computador, para satisfação dos seus instintos libidinosos e partilhou na A..., com o intuito de que fossem visualizados por terceiros. 42. O arguido partilhou estes e todos os ficheiros descritos no ponto 29), bem sabendo que se tratam de gravações pornográficas com menores, com a intenção conseguida de divulgar tais conteúdos e cedê-los a terceiras pessoas, de molde a poder também ele descarregar ficheiros de natureza semelhante. 43. O arguido quis e conseguiu ainda descarregar, adquirir e guardar todos os ficheiros de imagem e vídeo descritos no ponto 30), com o propósito de se satisfazer sexualmente, a fim de os visualizar sempre que o entendesse. 44. Fê-lo, bem sabendo que lhe estava legalmente vedada a aquisição, a detenção, divulgação e cedência das mencionadas fotografias e vídeos e que assim colocava em causa o bem-estar e o desenvolvimento harmonioso das crianças em geral, do colectivo que está na idade da infância e da juventude. 45. O arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal. Mais se provou que: 46. Os ofendidos LL, BB e CC foram sujeitos a perícia psicológica forense, conforme relatórios documentados sob ref.ª Citius n.º 17522322, de 25/03/2025, resultando, em suma: a) Relativamente aos menores BB e LL: “1. (…) apresenta(m) um padrão de desenvolvimento psicológico globalmente adequado. 2. À data da avaliação não parece apresentar sintomatologia psicológica, o examinado parece ter uma relação segura com os pais e bem inserido no contexto escolar. Realçamos que apesar de no momento da avaliação psicológica, o examinado apresentar um registo psico-emocional ajustado, a vivencia deste tipo de experiência abusiva tem um potencial traumático muito significativo e muitas vítimas apresentam sintomatologia numa fase mais tardia do desenvolvimento, pelo que não é de excluir o desenvolvimento de sintomatologia psicológica no futuro. 3. Os dados recolhidos na avaliação psicológica apontam para a existência de um conjunto de capacidades cognitivas e emocionais que lhe permitem testemunhar sobre uma situação vivenciada. Contudo o hiato de tempo entre determinada ocorrência e a sua revelação pode prejudicar a recuperação de informação. Por outro lado, a criança é significativamente introvertida, o que pode também condicionar a sua narrativa sobre situações específicas. 4. Para além do já referido, as situações abusivas têm um potencial traumático muito significativo nas vítimas, pelo que esta inibição pode resultar de um mecanismo de defesa, através do qual a criança evita as memórias traumáticas, como forma de evitar o sofrimento a estas associado. Este mecanismo pode não ser totalmente consciente e é muito frequente em situações de vitimação com elevada violência associada.”; b) Relativamente ao menor CC: “ (…) Relativamente às competências psicológicas envolvidas na capacidade de testemunhar, o CC evidenciou capacidades narrativas adequadas, discurso lógico, espontâneo e coerente. Foi capaz de responder a questões que lhe foram dirigidas (formuladas de acordo com as suas características desenvolvimentais). Quanto às capacidades mnésicas, os dados clínicos sugerem que apresenta, quer ao nível da memória a curto-prazo quer em termos da memória a longo prazo, as competências adequadas para a sua faixa etária, o que lhe permite a retenção e a evocação de conhecimentos e situações, quer as resultantes da aprendizagem formal quer as que resultam da experiência individual. Os dados da avaliação psicológica indicam ainda que o examinado revela ter capacidade de compreensão de noções básicas (como por exemplo as noções de “onde”, “o quê”, “como” e “quando”) capacidade de correção da examinadora e de autocorreção e capacidades narrativas adequadas. Foi ainda possível concluir que o examinado apresenta competências cognitivas e emocionais que lhe permitem fazer a distinção entre factos reais e imaginados e/ou fantasiados, bem como distinguir (considerando o desenvolvimento moral e o juízo critico) a verdade da mentira. Os dados obtidos ao longo do processo avaliativo indicam que evidencia boas competências ao nível de algumas dimensões específicas do desenvolvimento, nomeadamente: na capacidade de orientação espacio-temporal, dimensão que permite situar o discurso e a acção em termos cronológicos e ao nível do espaço físico; pensamento lógico-concreto, sendo capaz de desenvolver pensamento crítico e apresentando capacidade de análise e de correcção espontânea do discurso. Estas dimensões têm importantes consequências sobre a organização lógica do discurso e sobre a capacidade de relatar de forma globalmente adequada situações vivenciadas no seu quotidiano. O examinado apresenta resistência à sugestionabilidade. O tipo de discurso e a narrativa relativos às situações que descreve são compatíveis com os dados da avaliação desenvolvimental, isto é, o discurso proferido pelo CC é adequado ao seu nível de desenvolvimento e é consonante com os dados da avaliação psicológica, nomeadamente no que diz respeito ao domínio cognitivo, pelo que é de admitir que não haja influência de outra pessoa (um adulto, por exemplo) na construção da história. O examinado apresenta um registo emocional e comportamental não apelativo, o que significa que não tem tendência para exagerar queixas para obter atenção. Os dados recolhidos na avaliação psicológica apontam, pois, para a existência de um conjunto de capacidades cognitivas e emocionais que lhe permitem testemunhar de forma consistente e adequada sobre uma situação vivenciada. Não foram identificados potenciais benefícios secundários de uma eventual falsa alegação, pelo que, do ponto de vista psicológico, apresenta todas as competências que permitem testemunhar de forma consistente sobre a sua experiência.”. 47. Quando era menor de idade (contava 16 anos e 17 anos), o arguido foi sujeito a acompanhamento pedopsiquiátrico por dificuldades na auto-regulação sócio-emocional, défice na atenção e por impulsividade e ansiedade marcada perante situações de pressão, revelando potencial cognitivo normal, mas com baixo QI, com necessidade de apoio de ensino e apoio psicológico e com síndrome de asperger borderline. 48. Ao arguido não são conhecidos antecedentes criminais. Das condições sócio-económicas, profissionais e pessoais do arguido: 49. O arguido manteve residência com a progenitora (64 anos de idade), até à actual detenção, na morada de família, em ..., sendo que devido ao falecimento do pai do arguido (aos 3 anos de idade do arguido) e após a autonomização dos dois irmãos mais velhos, há cerca de 10 anos, o agregado familiar passou a ser constituído por mãe e filho. 50. A habitação (de tipologia 4 - adaptada), apresenta condições precárias e um ex-companheiro da progenitora reside na garagem, ocupando espaço autónomo do restante agregado. 51. A subsistência familiar foi sendo garantida pela actividade laboral da progenitora, funcionária da empresa “H..., Unipessoal Lda.”, em Espinho, auferindo € 870,00 mensais, assim como da actividade laboral do arguido junto da empresa “I...”, do sector de segurança, exercendo funções em hipermercados, hospitais e/ou Tribunais, auferindo também € 870,00 mensais. 52. Ao nível clínico e de desenvolvimento, são referenciados comportamentos atípicos, por parte do arguido, identificados desde os seus 4 anos de idade, agravados quer com a integração em meio escolar, quer após acidente de viação (atropelamento) com os seus 14 anos de idade. 53. Em contexto escolar, o arguido foi apresentando incumprimento das regras escolares, dificuldades na interacção e relacionamento com os seus pares, assim como sentimento dominante de insegurança, ansiedade e irritabilidade premente. 54. A sintomatologia foi passível de intervenção dentro do sistema escolar e ao nível privado com consultas no consultório “(Re)encontro”, em Ovar, com orientação para apoio psicológico regular. 55. Após acidente de viação (atropelamento), aos 14 anos de idade, com internamento entre 16 de Janeiro e 17 de Fevereiro de 2015, o arguido foi manifestando registo de maior desinibição/sedução, para com terceiros, nomeadamente ao nível da sexualidade. 56. Nessa fase de vida, foi efectuada avaliação psicológica por parte do Instituto do Desenvolvimento em ..., com diagnóstico de um “nível cognitivo global considerado inferior para a sua idade cronológica”, com dados que corroboram para a existência de “Perturbação de Hiperatividade com défice de Atenção, misto”, a par com “diagnóstico de Perturbação do espetro do Autismo – nível 1 – nomeadamente Síndrome de Asperger” (ligeira) pelas lacunas evidenciadas ao nível da comunicação, interacção social e comportamental. 57. O arguido foi sendo medicado com “Concerta” (cloridrato de metilfenidato - estimulante do sistema nervoso central) e “Sertralina” (tratamento de diversos transtornos psiquiátricos) até 2017. 58. O arguido encontra-se preso preventivamente à ordem do presente processo, desde 12/07/2024, no Estabelecimento Prisional ..., permanecendo em cela de separação e mantendo um comportamento compatível com as regras institucionais. 59. Iniciou actividade laboral, como faxina, em serviços de cortiça (grupo J...), assim como actividade junto da Associação ..., no E.P., onde permanece afecto. 60. Conserva contacto com a progenitora e a sua tia materna (GG), que reiteram apoio durante e após o período de reclusão. 61. O contacto com os irmãos (pais dos ofendidos) foi vedado pelos próprios, atendendo aos factos pelos quais se encontra acusado. 62. Durante a actual detenção é considerado um indivíduo prestável, comunicativo e educado. 63. Em meio prisional encontra-se medicado. 64. O arguido tirou a carta de condução. * B. FACTOS NÃO PROVADOS Não se provou que: a) Nas circunstâncias referidas em 10. o menor CC tenha pernoitado em casa do arguido. * Consigna-se que não se responde à demais matéria, por se tratar de matéria de natureza conclusiva ou irrelevante para a boa decisão da causa.»
Vejamos. Este recurso do arguido do acórdão condenatório incide fundamentalmente sobre o segmento do mesmo que apreciou como questão prévia as nulidades arguidas após indeferimento dos requerimentos que apresentou a 29-03-2025 e 29-04-2025. Tais nulidades centram-se na omissão posterior [ao inquérito e à instrução] de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade. Contudo, o Tribunal a quo, desde a prolação do despacho recorrido, proferido a de 25-03-2025, e que deu origem ao recurso interlocutório, nada mais decidiu sobre a realização das pretendidas perícias, porquanto se limitou a mencionar, em resposta a ambos os requerimentos para realização de perícias, que a questão havia sido decidida naquele primeiro despacho. O recorrente, centrando sempre a sua argumentação nas razões que justificavam a realização das mencionadas perícias, arguiu nulidades totalmente desfasadas dos despachos em causa, que nada decidiram a tal propósito. Nesse sentido, tem razão o Tribunal a quo ao referir que as referidas arguições de nulidades são extemporâneas, pois versam sobre matéria que ficou apreciada no despacho de 25-03-2025. Percebe-se dos requerimentos posteriores do recorrente que procurou aditar aos documentos juntos com a contestação – único sustento para o requerimento ali apresentado, onde nem foram invocados quaisquer factos a este propósito – outros fundamentos para a sua pretensão, a saber, o relatório social, mencionado no requerimento 29-03-2025, e a prova produzida em audiência de julgamento, a que se alude no requerimento de 09-04-2025. Nessa perspectiva, podia o requerente ter invocado a falta de fundamentação dos despachos, posto que o Tribunal a quo se limitou a referir já ter apreciado a questão e no último despacho também a referir que nenhum elemento de relevo tendo sobrevindo, quando as pretensões apresentadas podiam, numa determinada perspectiva, ser apreciadas à luz de novas causas de pedir. O recorrente não seguiu esse caminho, sendo certo que, quanto à [falta de] fundamentação dos despachos, importa ter presente o entendimento, pacífico, de que «[a]o contrário do regime recursivo em sede de sentença final, em que é permitido invocar a nulidade decorrente da falta de fundamentação nos termos do disposto no artigo 379.º n.º 2 do Código Processo Penal, a eventual falta ou insuficiência de fundamentação de um despacho judicial, constituindo uma irregularidade, não é idóneo para ser invocado como fundamento de um recurso, antes devendo ser suscitada perante o tribunal que a praticou, sob pena de se considerar sanada nos termos do artigo 123.º do Código de Processo Penal»[6]. Não obstante, «se por virtude da falta de fundamentação bastante da decisão impugnada não puderem ser decididas as (demais) questões suscitadas no recurso, pode o Tribunal Superior, de acordo com o preceituado no artigo 123.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, conhecer de ofício da existência da aludida irregularidade e ordenar a sua respetiva sanação por parte do Tribunal que proferiu o ato decisório em apreço»[7]. Esta norma leva-nos a questionar se a argumentação apresentada nos requerimentos do recorrente, de 29-03-2025 e de 09-04-2025, caso tivesse sido concretamente apreciada, poderia ter conduzido a diferente decisão do Tribunal a quo quanto à realização das pretendidas perícias? Mas a resposta é também aqui negativa. Com efeito, ao contrário da prova testemunhal e da prova documental, que constituem os meios de prova base da maioria dos julgamentos, as perícias são um meio de prova ao qual apenas se deve recorrer quando a percepção ou a apreciação dos factos exigirem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos – art. 151.º do CPPenal. Como bem se refere na resposta ao recurso apresentada pelo Ministério Público junto do Tribunal recorrido, «[a] avaliação da oportunidade e da necessidade de realização da perícia compete, necessariamente, ao juiz (tribunal a quo), que in casu entendeu, em vários momentos, ser de não ordenar. Na realidade, o princípio da investigação oficiosa no processo penal tem os seus limites previstos na lei e está condicionado, desde logo, pelo princípio da necessidade, uma vez que só os meios de prova cujo conhecimento se afigure necessário para habilitar o julgador a uma decisão condenatória ou absolutória devem ser produzidos por determinação do tribunal na fase do julgamento, oficiosamente ou a requerimento dos sujeitos processuais (Ac. STJ de 1 de Julho de 1993, Proc.43022/3ª). E "a necessidade para a descoberta da verdade é o critério simultaneamente justificativo e delimitador deste ónus que impende sobre o juiz (...). Deve fazer produzir todas as provas que apontem no sentido de contribuir para o esclarecimento dos factos e a responsabilidade do arguido sendo conhecidas. Só podem produzir-se as provas que sejam indispensáveis para atingir esta finalidade, o que significa que este poder-dever do juiz é para usar, sempre e apenas, quando as provas produzidas na audiência se revelam insuficientes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa (...)" (cfr. Código de Processo Penal, Comentários e notas práticas, Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto, págs.851 e 852), até porque é ao tribunal que incumbe formular o juízo de necessidade, e não ao sujeito processual que requer a produção de prova.» No que à situação dos autos diz respeito, ou seja, avaliar da inimputabilidade ou imputabilidade diminuída do recorrente à data dos factos, mostra-se relevante lembrar, como se decidiu no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22-02-2023[8] que: «I – O juízo de inimputabilidade, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, do Código Penal, depende da verificação cumulativa do elemento biopsicológico, que pressupõe que o agente seja portador de anomalia psíquica no momento da prática do facto, e do elemento normativo, que se traduz na exigência de que, por força daquela anomalia psíquica, o agente tenha sido incapaz, naquele momento, de avaliar a ilicitude do facto ou de se determinar de acordo com essa avaliação. II – Ao juízo de inimputabilidade não basta a comprovação da anomalia psíquica, sendo necessária a existência da relação causal entre aquela e o acto do agente, em termos de este o ter praticado por ser incapaz de avaliar a sua ilicitude ou de se determinar de acordo com essa avaliação, resultando esta incapacidade da anomalia psíquica que o afectava aquando da prática do facto.»
É inimputável quem, por força de uma anomalia psíquica, for incapaz, no momento da prática do facto, de avaliar a ilicitude deste ou de se determinar de acordo com essa avaliação. Ao Tribunal a quo, ao longo do julgamento, não se suscitaram dúvidas sobre a inimputabilidade ou imputabilidade diminuída do recorrente, considerando, para além do mais, que à data dos factos o arguido, já maior de idade, mantinha-se activo a nível profissional, desempenhando funções de segurança em hipermercados, hospitais e/ou tribunais. Consolidando este entendimento, refere o Ministério Público junto do Tribunal recorrido na sua resposta ao recurso que «não existem nos autos elementos de onde se depreenda que o arguido à data da pratica dos factos padecia de patologias do foro mental/psiquiátrico e muito menos que tenha sido devido a essa condição que praticou os factos que lhe foram imputados na acusação pública. Com efeito, dos elementos juntos pelo próprio arguido em sede de contestação e a instruir o pedido das perícias em causa - e dos mais recentes- consta que o mesmo em Setembro de 2016 e Outubro de 2017 apresentava “potencial cognitivo normal mas com algumas limitações, tem baixo Qir, mais dificuldade na expressão escrita, atenção e planeamento pelo que necessita de apoio de ensino especial (…) Actualmente medicado com metilfenidato tem tido boa evolução (muitas vezes já nem precisa).” Do relatório social junto com a refª 17514760 de 24.03.2025 consta que o mesmo, não obstante os problemas ali indicados, desempenhou atividade laboral junto da empresa “I...”, do setor de segurança, exercendo funções em hipermercados, hospitais e/ou Tribunais auferindo €870.00 mensais. São verbalizados abandonos farmacológicos e psicoterapêuticos a partir de 2017/2018, justificado, pelo próprio, como período de estabilidade sintomática” Ademais conforme decorre dos factos provados, em causa está - alem do mais - a imputação de uma actuação do arguido com recurso a tecnologia - meios informáticos - utilização de A..., com ocultação da sua verdadeira identidade e utilização de e chats da rede ... o que exige especiais conhecimentos e capacidade cognitiva do arguido, acima até do homem médio. Deste modo, daqui resulta que em causa estão eventuais problemas respeitantes ao passado do arguido, ou seja anteriores à data da pratica dos factos em causa nestes autos, sendo que nenhum facto recente foi alegado ou consta que indicie que a sua capacidade cognitiva tenha sido afectada.»
É neste sentido que no acórdão recorrido se afirma que, «apesar de o arguido sempre ter apresentado necessidades de apoio psicológico e pedopsiquiátrico ao longo do seu desenvolvimento, inexiste qualquer dúvida de que era conhecedor da ilicitude dos seus actos, face a que, não obstante as necessidades que determinaram o seu acompanhamento, sempre alcançou integração profissional, desempenhando as funções de segurança (em hipermercados, hospitais e/ou tribunais), por via das quais necessariamente lidava com público sem qualquer limitação, tendo, inclusive, logrado obter carta de condução, o que evidencia a capacidade do arguido em se determinar e nortear os seus comportamentos.»
Concordamos com o que vem referido pelo Tribunal a quo e pelo Ministério Público, embora se reconheça que, uma vez feito o diagnóstico que aponta para perturbação ligeira do espectro do autismo – nível 1, nomeadamente síndrome de Asperger, não há que justificar que essa avaliação é anterior à data dos factos. Na verdade, sendo o autismo e a síndrome de Asperger transtornos do desenvolvimento neurológico, que afectam a capacidade de comunicação e interacção com terceiros, eles acompanham o sujeito com tais características ao longo da sua vida – ainda que a forma como se manifestam possa mudar e ser atenuada –, sendo, por isso, irrelevante a circunstância de um tal diagnóstico remontar a 2015. Porém, o reconhecimento dessa realidade não determina de modo algum que o sujeito, no caso o arguido, aqui recorrente, seja incapaz de avaliar a ilicitude dos seus actos ou de se determinar de acordo com essa avaliação ou tenha essa capacidade diminuída. No caso em apreço, nada nos norteia para uma tal conclusão, pois, como já argumentado, o recorrente sempre orientou a sua vida de forma autónoma, tendo tirado a carta de condução e arranjado trabalho como segurança em vários estabelecimentos, sendo, por isso, de lhe reconhecer capacidade de compreensão para tais tarefas, que não são assim tão pouco exigentes. E a mesma conclusão retiramos quanto à prática dos factos que em concreto foram julgados nestes autos. Na verdade, o arguido não só teve competência para recorrer a meios tecnológicos, navegando na A... e usando e-chats da rede ..., condutas que muita gente não consegue desenvolver, como teve o discernimento, e é aqui que está o factor nuclear desta questão, para ocultar a sua identidade no mundo digital. Mais, procurou sempre o resguardo do seu quarto ou a incapacidade de reacção da ofendida DD, por se encontrar a dormir, para levar a cabo a factualidade provada, o que bem revela que tinha consciência da respectiva ilicitude e que de forma ponderada cogitou como poderia evitar ser exposto. O modo de cometimento dos factos revela por si só que o recorrente tinha capacidade de entendimento e de discernimento da ilicitude das suas condutas, e, bem assim, de se determinar de acordo com essa avaliação. E nada do que o relatório social afirma ou do que as testemunhas indicadas pelo recorrente no último requerimento disseram em julgamento infirma esta constatação. Bem andou, pois, o Tribunal a quo ao considerar não resultar evidenciada a suspeita de inimputabilidade ou imputabilidade diminuída do recorrente. Nesta sequência, mostra-se totalmente correcta a decisão de não levar a cabo a realização das provas periciais pretendidas, por não se revelarem necessárias à descoberta da verdade material e à boa decisão da causa, não tendo sido, por essa via, afrontadas quaisquer regras legais ou constitucionais.
Serve tudo o que se expôs, retomando de novo a questão da sanação oficiosa de irregularidades, para concluir que não estamos no quadro das situações a que alude o art. 123.º, n.º 2, do CPPenal, nenhuma invalidade sendo de imputar neste momento aos despachos a que se refere a questão prévia do acórdão recorrido.
E tal conclusão leva-nos à falência de todo o recurso, incluindo a impugnação dos factos provados 38. e 39., porquanto o recorrente apenas pretendeu, através da mesma argumentação, ver reconhecida a essencialidade para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa da realização de perícia psiquiátrica e perícia à personalidade e perigosidade. Não lhe sendo reconhecida razão, deixa de ter fundamento a impugnação apresentada, sendo certo que nenhum outro fundamento foi apresentado. Improcede todo o recurso. * III. Decisão: Face ao exposto, acordam os Juízes desta 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em: a) - Negar total provimento ao recurso interlocutório interposto por AA e em confirmar o despacho recorrido; b) - Negar total provimento ao recurso do acórdão condenatório interposto por AA e em confirmar a decisão recorrida. c) - Condenar o recorrente nas custas de ambos os recursos, fixando-se, respectivamente, em 3 UC e em 4 UC a taxa de justiça devida (arts. 513.º, n.ºs 1 e 3, do CPPenal e 1.º, 3.º e 8.º, n.º 9, do RCP e Tabela III anexa). Notifique e comunique de imediato à 1.ª Instância. |