Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3976/23.6JAPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO PEDRO PEREIRA CARDOSO
Descritores: CASAMENTO
DISSOLUÇÃO
DIVÓRCIO
AFINIDADE
PARENTESCO
CONSEQUÊNCIAS
TESTEMUNHA
RECUSA A DEPOR
SENTENÇA
ENUMERAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS E NÃO PROVADOS
ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL DE FACTOS
SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO
PENA
CRIME PÚBLICO
CRIME SEMI-PÚBLICO
CONVOLAÇÃO
PRINCÍPIO "IN DUBIO PRO REO"
ARBITRAMENTO DE INDEMNIZAÇÃO À VÍTIMA
VÍTIMA ESPECIALMENTE VULNERÁVEL
OMISSÃO
NULIDADE DA SENTENÇA
CONHECIMENTO OFICIOSO
REENVIO
CONTRADITÓRIO
Nº do Documento: RP202412183976/23.6JAPRT.P1
Data do Acordão: 12/18/2024
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA)
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE O RECURSO INTERPOSTO PELO ARGUIDO
Indicações Eventuais: 4.ª SECÇÃO CRIMINAL
Área Temática: .
Sumário: I – Com a entrada em vigor da Lei nº 61/2008, de 31 de outubro, todas as relações de afinidade cessam com a dissolução do casamento por divórcio (cf. artigo 1585º, a contrario, do Código Civil). Não abrangendo a alínea a), do nº1, do art.134º, do CPP, os «factos ocorridos durante o casamento», não é de aplicar, por analogia, o disposto na alínea b) em relação aos ex-afins quanto ao direito de recusa de testemunhar.
II – O juiz não está vinculado a enumerar na sentença todos os “factos” contantes da acusação, da pronúncia, do pedido de indemnização civil e/ou da contestação. Só os factos com efetivo relevo para a decisão da causa devem ser selecionados, de acordo com as várias soluções plausíveis objeto de valoração quanto à caracterização do crime em causa e suas circunstâncias ou com influência na medida da pena e demais consequências jurídicas do crime.
III – Nos crimes permanentes ou trato sucessivo, como é o crime de violência doméstica, o tribunal deverá descrever, na medida do possível, as circunstâncias de tempo e de lugar em que os comportamentos do arguido ocorreram, contendo precisão suficiente para garantir o exercício do direito de defesa e do contraditório, sob pena de violação do art.32º, nº1, da C.R.P. e art.6º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
IV – A modificação dos factos constantes da acusação ou da pronúncia só integra o conceito de alteração não substancial quando tiver relevo. Sem que o arguido invoque os concretos argumentos jurídicos e/ou meios de prova que podia ter oferecido em resultado da alteração não substancial apresentada, nem se vislumbre que essa modificação tenha agravado as concretas consequências jurídico penais da conduta pela qual foi condenado, não é de reconhecer para efeitos do disposto no art.358º, nº1, do CPP, que aquela alteração teve relevo para a decisão da causa, por ser suscetível de influenciar a estratégia e utilidade da defesa.
V – A ponderação da suspensão provisória aplicada ao arguido noutro processo, não pode deixar de se repercutir na gradação da(s) pena(s) concreta(s).
VI – Verificando-se uma degradação da natureza pública do crime (violência doméstica) para semipúblico (ofensa à integridade física simples), o Ministério Público continua com legitimidade para o exercício da ação penal.
VII – Na dúvida sobre a localização temporal dos factos em referência, a mesma terá de ser resolvida a favor do arguido, de acordo com o princípio do in dubio pro reo, para aferir do decurso do prazo de prescrição.
VIII – A verificada suspensão dos atos e prazos nos processos criminais e contraordenacionais, imposta pela Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, e posteriormente, pela Lei nº 4-B/2021, configura uma causa suspensiva da prescrição, por falta de autorização legal para o processo continuar, nos termos dos art. 27º A, al. a), do RGCO, e art.120º, nº1, al. a), do C. Penal.
IX – Ocorre nulidade da sentença que não se pronuncia sobre o arbitramento oficioso e obrigatório da indemnização civil a favor da vítima especialmente vulnerável, nos termos do art. 67º-A, nº1, al.b), do CPP, conjugado com os artigos 82.º-A, n.º 1, do mesmo diploma e 16.º, n.º 2, do Estatuto da Vítima, aprovado pela Lei n.º130/2015, de 4 de setembro, e da vítima de violência doméstica, nos termos do art.21º, nº2, da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro.
X – Sendo do conhecimento oficioso (art.379º, nº1, al.c) e nº2, do CPP), a referida nulidade demanda a baixa do processo ao tribunal recorrido para suprimento, após prévio cumprimento do direito ao contraditório pelo arguido.

(da responsabilidade do Relator)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo 3976/23.6JAPRT.P1

Relator
João Pedro Pereira Cardoso
Adjuntos
1 Paula Pires
2 Jorge Langweg


Sumário:
……………………
……………………
……………………



Acordam, em conferência, na Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:


1. RELATÓRIO
Após realização da audiência de julgamento no Processo nº 3976/23.6JAPRT do Juízo Central Criminal de Vila do Conde - Juiz 2, foi em 8 de Julho de 2024 proferido acórdão, no qual se decidiu:
I) condenar o arguido CC nas seguintes penas parcelares, pela prática em autoria material e em concurso efetivo, nos termos do art.26º e 30º, nº1 do Código Penal:
a) pela prática de cada um dos três crimes de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º, nº1, al. a), d) e e), nº 2 al. a), nº 5 e 6 e 14º, nº1, do Código Penal:
3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão
2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão
2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão
-
b) pela prática de um crime de ameaça, p. e p. pelo art. 153º, nº1 do Código Penal (improcedendo a agravação a que alude o art.º 155º, nº 1, al. a), do Código Penal), na pena de 6 (seis) meses de prisão;
c) pela prática de um crime de homicídio, na forma tentada, p. e p. pelo art. 131º, 22º, nº1 e 2 al. b), 23º, nº1, e 14º, nº1, do Código Penal, na pena de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão.
Em cúmulo jurídico foi condenado pena única de 10 (dez) anos e 6 (seis) meses de prisão.
-
II) julgar o pedido de indemnização civil formulado pelo assistente DD procedente e consequentemente condenar o arguido/demandado a pagar-lhe as seguintes quantias:
a) €30.000,00 (trinta mil euros) a título de danos não patrimoniais
b) € 3.188,48 + € 65.671,20, perfazendo um total de € 68.859,68 (sessenta e oito mil, oitocentos e cinquenta e nove euros e sessenta e oito cêntimos) a título de danos patrimoniais.
Quantias a que acrescem os legais juros de mora contabilizados nos precisos termos peticionados.
--

Inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso o arguido, com os fundamentos descritos na respetiva motivação e contidos nas seguintes
“conclusões”:
1. O acórdão é nulo por ter procedido a uma alteração dos factos constantes do despacho de acusação, sem que a mesma tenha sido comunicada ao arguido para que o mesmo pudesse exercer a sua defesa, maximum o contraditório, sobre tais factos, tal como impõe o artigo 358º, nº 1, do C.P.P.
2. Falamos, especificamente, do facto 13 (correspondente ao facto 15 da acusação) na parte em que introduz as expressões injuriosas “porca” e “devia ter vergonha”; facto 24, em conjugação com o facto dado como provado em d), em que a factualidade «porque estava agitado e queria brincar» e «deixou-o sem conseguir respirar» não constavam do facto 28 do despacho de acusação; facto 42, correspondente ao facto 49 da acusação, em que a expressão “para ela ter vergonha” não constava da acusação; facto 43, correspondente ao facto 50 da acusação, em que a factualidade «uma caixa de uma faca, vazia» não constava do libelo acusatório; facto 57 (correspondente ao facto 66 da acusação), introduzindo ex novo a factualidade «sendo que em momento que não foi possível precisar, o arguido já havia atingido o DD com a faca aludida em 53, no dorso, na zona lateral que de imediato começou a sangrar»; facto 58 (não consta de nenhum facto da acusação); facto 62, correspondente ao facto 72 da acusação em que a factualidade «situação clínica que se consolidou a 26.09.2023» aí não constava; na alínea b) da matéria provada, em que tal factualidade não constava da acusação; alínea c) (correspondente ao facto 17 da matéria provada que, por sua vez, corresponde ao facto 20 da acusação), onde introduz as expressões injuriosas “vaca”, “ordinária” e a factualidade “enquanto dizia ao filho que ela tinha acabado de chegar a casa”; alíneas d), e) da matéria provada, que também não constavam da factualidade prevista no despacho de acusação.
3. E se tal alteração factual em alguns casos, pese embora assuma relevância para a causa, é apenas não substancial, noutros acaba mesmo por provocar uma alteração substancial dos factos que constavam do despacho de acusação.
4. Como sejam a factualidade introduzida na alínea b) da matéria provada, o facto 13 da matéria provada com a introdução das expressões injuriosas “porca” e “devia ter vergonha”, bem como o facto 24 e alínea d) da matéria provada, ao mencionar que com a sua conduta o arguido «deixou o filho sem conseguir respirar».
5. Isto porque, pese embora tal factualidade introduzida ex novo não agrave os limites máximos das sanções abstratamente aplicáveis, a mesma acaba por imputar ao arguido um «crime diverso», pois tais alterações factuais passam a desenhar um quadro histórico diverso do descrito na Acusação, criando uma valoração social também ela diversa, a qual consubstancia um aumento da ilicitude material do(s) crime(s) e uma maior censura ao nível da culpa (cf. artigo 1º, alínea f), do C.P.P.).
6. É completamente diferente dizer-se apenas que o arguido agarrou no pescoço do filho e posteriormente em sede de decisão final dizer-se que, por tal comportamento, o filho ficou sem conseguir respirar, sendo tal ainda mais patente na introdução do novo facto «quando a EE estava grávida de 7 meses o arguido agrediu-a na cabeça, com pontapés, pegou-lhe pelos cabelos e empurrou-a contra a parede», posto que, com tais alterações factuais, há claramente um aumento da ilicitude material do crime de violência doméstica e uma maior censura ao nível da culpa.
7. Assim, tal factualidade introduzida nos números 13, 24 e alíneas b) e d) da matéria provada nunca poderiam ter sido tomados em conta pelo tribunal a quo para fundamentar a decisão em causa – cf. artigo 359º, nº 1, do C.P.P.
8. E quanto aos restantes factos, mesmo tratando-se aqui de uma alteração não substancial, teriam os mesmos de serem previamente comunicados ao arguido, para que tal sujeito processual pudesse exercer cabalmente os seus direitos de defesa, tudo nos termos do disposto nos artigos 61º, nº 1, alínea b), 358º, nº 1, do C.P.P., em consonância com o disposto no artigo 32º, nºs 1 e 5, da Lei Fundamental.
9. O que, in casu, não sucedeu, violando o acórdão em crise o princípio da estabilidade do quadro acusatório e, principalmente, das garantias de defesa do arguido (cf. artigo 32º, nº 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa).
10. A consideração no acórdão de tais factos (factos 13, 17, 24, 31, 32, 42, 43, 57, 58, 62, alíneas b), c), d), e) da matéria provada), que alteram nuns casos de modo não substancial, noutros casos de modo substancial, os factos da acusação, sem côngruo cumprimento do disposto nos artigos 358º, nº 1, e 359º do C.P.P., fulmina de nulidade esse mesmo acórdão, tudo conforme o disposto nos artigos 379º, nº 1, alínea b) e nº 2, do C.P.P.
11. Nulidade essa que, desde já, se invoca, e que impõe o envio do processo ao tribunal a quo, para que tais factos possam ser previamente comunicados ao arguido, concedendo-lhe prazo para defesa – caso o mesmo assim o pretenda, o que, desde já, se requer a V.as Ex.as, ao abrigo do disposto no artigo 122º, n.os 1 e 2, do C.P.P.

12. O acórdão é nulo por insuficiência de fundamentação, nos termos do disposto no artigo 379º, nº 1, alínea a), ex vi do disposto no artigo 374º, nº 2, do C.P.P., nulidade essa que expressamente se invoca e que impõe, também por este motivo, o reenvio do processo para que o tribunal a quo se pronuncie sobre cada um dos factos que ora se discriminarão, tudo de acordo com o disposto no artigo 122º, n.os 1 e 2, do C.P.P.
13. Analisando-se o acórdão em crise, verifica-se que o tribunal a quo não se pronunciou sobre alguns dos factos que constavam do despacho de acusação, não os integrando nem no elenco dos «factos provados», nem no elenco dos «factos não provados», ignorando-os por completo.
14. Tal sucedeu com o facto 9 da acusação na parte em que se menciona que «os primeiros 5 anos da relação decorreram dentro da normalidade»; com o facto 18 da acusação, que mencionava que «desde então, as agressões se tornaram mais frequentes, pois que continuaram a trabalhar juntos, sendo que o arguido passou a mover à depoente uma perseguição mais cerrada»; com o facto 24 da acusação que mencionava que «estes atos de violência do arguido, potenciados pelo álcool, eram extensíveis a AA…»; ainda, com o facto 90 do despacho de acusação, que mencionava que «o tipo de instrumento utilizado e a zona do corpo de DD atingida, revelam vontade na consumação, que o arguido sabia e queria».
15. Ora, tal como resulta do disposto nos artigos 339.º, n.º 4, 368.º, n.º 2, e 374.º, n.º 2, do CPP, o tribunal deve indagar e pronunciar-se sobre todos os factos que tenham sido alegados pela acusação, pela contestação ou que resultem da discussão da causa e se mostrem relevantes para a decisão».
16. No caso sub judice é manifesto que o Tribunal a quo não se pronunciou quanto aos factos constantes da acusação, acima discriminados (isto é, não os incluiu no binómio provados/não provados), factos esses que assumem relevância para a caracterização das circunstâncias que rodearam a conduta delituosa e/ou para a determinação da medida concreta da pena – cf. artigo 71º, nº 2, alíneas a), c) e d), do Código Penal (doravante “C.P.”).
17. Designadamente, não é indiferente, no que ao juízo de censura a formular e às razões de prevenção especial concerne, que «os primeiros 5 anos da relação tenham decorrido dentro da normalidade», que os atos de violência que o arguido exercia para com as vítimas fossem «potenciados pelo álcool», pois tal factualidade poderá ter importância, desde logo, em sede de determinação da medida concreta da pena (cf. artigo 71º, nº 2, alíneas c) e e), do C.P.
18. Além do mais, tais factos foram confirmados pela testemunha EE, conforme resulta do seu depoimento prestado na sessão de 07/5/2024 referente à ata com referência 459996045 – gravação com início pelas 10:20:58 horas e o seu termo pelas 10:30:12 horas – minutos [00:05:20] a [00:06:16].
19. Acresce que, num Estado de Direito, os atos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão, pois só assim se evita a arbitrariedade e o erro judiciário, possibilitando, ainda, aos seus destinatários, perceber qual a ponderação que no caso em concreto se procedeu – cf. artigos 97º, nº 5, do C.P.P. em consonância com o disposto no artigo 205º da C.R.P.
20. Sendo o acórdão em crise omisso na pronúncia de factos alegados na acusação, que potencialmente revestem importância para a determinação das penas, em desrespeito pelo artigo 374º, nº 2, do C.P.P., configurada está a nulidade a que alude o artigo 379º, nº 1, al. a) do mesmo diploma legal.
-
21. O acórdão é nulo por falta de exame crítico da prova, nos termos do disposto no artigo 379º, nº 1, alínea a), ex vi do disposto no artigo 374º, nº 2, do C.P.P., nulidade essa que, uma vez mais, obriga ao reenvio do processo à 1ª instância, para correção da lacuna de fundamentação que se explanará, tudo nos termos do disposto no artigo 122º, nº 1 e 2, do C.P.P.
22. Em sede de motivação quanto à matéria de facto, começa o tribunal a quo por fazer uma excursão da prova produzida e examinada em audiência de julgamento, designadamente transcrevendo as declarações do arguido, do assistente e os depoimentos das testemunhas, na parte em que as mesmas assumem relevância para a causa.
23. Depois, na fundamentação propriamente dita, menciona os motivos pelos quais mereceram credibilidade os depoimentos de EE e AA, não obstante «a mais recente tomada de posição da testemunha EE de afinal pretender desistir do processo e das queixas na véspera da leitura do acórdão», concluindo, ainda, «em nada contendeu com esta nossa convicção os depoimentos das testemunhas inquiridas em sede de defesa…» e que «já nos causou alguma estranheza e não foram convincentes pelo menos com o sentido propugnado pela defesa os depoimentos das testemunhas FF que tenta corroborar a versão do arguido sobre as dinâmicas do trabalho em especial os pormenores das idas da EE à casa de banho», bem assim, «GG, a empregada doméstica que afinal nunca se apercebeu de nenhum mau ambiente, discussão ou mau-estar entre o casal, sem qualquer queixa de parte a parte» e, «finalmente mas não menos surpreendente, HH, que tenta desacreditar a irmã e fazer crer estar convicto da inocência do arguido porque afinal nunca nada presenciou».
24. Ora, da leitura da motivação acima elencada, questiona-se quais foram, afinal, os motivos pelos quais o tribunal a quo desvalorizou, por completo, os 3 depoimentos das testemunhas acima elencadas.
25. É certo que o tribunal aprecia livremente a prova, contudo, livre apreciação não significa (nem pode) arbitrariedade, que, salvo o devido respeito, parece-nos ser aqui o caso.
26. Como contraponto à «livre apreciação» que legalmente é concedida ao julgador no tocante à valoração da prova (cf. artigo 127º do C.P.P.), está, precisamente, a necessidade de o mesmo proceder a uma «apreciação crítica», «tanto quanto possível completa, ainda que concisa» das provas que perante si foram produzidas e que contribuíram para a formação da sua convicção (cf. artigo 374º, nº 2, do C.P.P.)».
27. Assim, deve o Tribunal valorar todo o material probatório que esteja à sua disposição e que lhe permita esclarecer todos os pontos de vistas que possam razoavelmente considerar-se relevantes para a decisão que lhe cabe proferir, e isso deve refletir-se inequivocamente na fundamentação que ele ofereça para a convicção que formou relativamente aos factos que considerou assentes e não assentes
28. A apreciação crítica da prova, ainda que concisa, como refere o nº 2 do citado artigo 374º, tem de, pelo menos, permitir compreender o motivo pelo qual o tribunal julgou suficientes ou prevalecentes os meios de prova que sustentam a decisão negativa ou positiva da matéria de facto em causa, o que in casu não sucedeu.
29. Da fundamentação da decisão em crise fica por perceber o motivo pelo qual tais depoimentos acima elencados «não foram convincentes» para o tribunal de julgamento.
30. A opção do tribunal a quo em descredibilizar por completo os aludidos depoimentos carece de explicação, pelo que o acórdão é nulo por insuficiência de fundamentação/falta de exame crítico da prova, nos termos do disposto no artigo 379º, nº 1, alínea a), ex vi do disposto no artigo 374º, nº 2, do C.P.P.
-

31. O acórdão padece de uma «contradição insanável da fundamentação», rectius, contradição insanável entre o elenco dos factos provados e o elenco dos factos não provados, nos termos do disposto no artigo 410º, nº 2, alínea b), do C.P.P.
32. Especificamente, existe uma contradição (insanável) entre o facto 69 que o tribunal recorrido considerou provado e o facto II julgado não provado.
33. Isto porque o tribunal a quo dá como não provado em II que «no ano de 2011 … o arguido decidiu que pretendia manter relações sexuais com a ofendida EE e, por que esta não lhe apetecia, o arguido puxou-lhe os cabelos, desferiu-lhe repetidamente bofetadas na cara, até lograr os seus intentos libidinosos» e depois dá como provado o facto 69, i.e., que o arguido agiu «querendo condicionar a liberdade sexual da vítima».
34. Ora, uma vez que não constava do despacho de acusação nem da matéria de facto provada no acórdão em crise qualquer outro facto criminalmente relevante e suscetível de afetar a liberdade sexual da vítima EE, ao dar como não provado o facto II (correspondente ao facto 12 da acusação), não poderia o tribunal dar como provado o facto 69, na parte em que menciona que o arguido agiu «querendo condicionar a liberdade sexual da vítima».
35. Ao fazê-lo, entrou em contradição insanável entre os factos provados e os factos não provados, nos termos do disposto no artigo 410º, nº 2, alínea b), do C.P.P., o que impõe que o facto 69 passe a ter a seguinte redação, «agiu querendo assumir controlo sobre a vida da ofendida, impondo constantemente a sua presença e condicionando a sua liberdade de movimentação, exercendo grande e prolongada pressão psicológica sobre a mesma».
36. Embora estejamos perante um «vício da matéria de facto», não se afigura que o mesmo justifique consequência mais severa do que a de se considerar inválida, nessa parte, a decisão da matéria de facto, que o Tribunal da Relação deverá modificar, alterando o facto tal como acima propugnado, sem necessidade de reenvio, por constarem dos autos todos os elementos de prova que lhe serviram de base – cf. artigo 431º, alínea a), do C.P.P.
37. Deverá, todavia, tal alteração factual, uma vez operada, sopesar em sede de determinação da medida concreta de cada uma das respetivas penas parcelares, atribuídas a cada um dos concretos crimes pelos quais foi o arguido condenado, o que desde já se requer a V.as Ex.as.
38. O facto nº 25 do elenco dos factos provados, que apresentam uma ideia negativa do arguido, não pode ser ponderado nem valorado negativamente, pois que a suspensão provisória do processo não envolve nenhum juízo sobre a autoria dos factos nem de culpa do arguido.
-
39. O tribunal a quo, a dar como provado o facto 53 da matéria de facto provada, violou o direito de recusa da testemunha BB, incorrendo, ainda, na proibição de valoração de depoimento indireto e da violação do disposto nos artigos 129º, nº 1 e 134º, nº 1, alínea a), do C.P.P.
40. Consta da fundamentação do tribunal a quo para dar como provado tal facto o seguinte: «…reflexamente não deixamos de salientar que mal havia chegado a casa entregue pelo pai, o filho foi à casa de banho e quando saiu verificou que o DD já havia saído de casa e de imediato terá avisado a mãe muito receoso de que o pai trazia consigo uma faca…».
41. Ora, conforme resulta da ata da audiência de julgamento, de 07 de maio de 2024, com referência 459996045 (2ª sessão), a testemunha BB, filho do aqui arguido, recusou-se validamente a depor nos termos do disposto no artigo 134º, nº 1, alínea a), do C.P.P. – cf. respetiva ata com referência 459996045.
42. Assim sendo, é evidente que o direito de recusa de depor como testemunha (BB) não pode ser subvertido pelo depoimento indireto de uma testemunha (EE) sobre o que ouviu dizer à testemunha que recusa depor, sob pena de autêntica fraude à lei.
43. Aliás, de forma a assegurar o pleno exercício do contraditório, bem assim da cross examination, enquanto decorrência do due process of law, o legislador ordinário estabeleceu que o depoimento indireto, em princípio, não vale como prova, devendo, para produzir esse efeito, ser confirmado pela pessoa nomeada.
44. Assim, será imediatamente de pôr de parte a valoração de tal depoimento nos casos em que o depoente indireto se recusar ou não estiver em condições de indicar a pessoa ou a fonte donde promana a informação transmitida – cf. artigo 129º, nº 1, 1ª parte, do C.P.P.
45. De outra forma, a prova sobre os factos probandos deixa de ser feita de forma direta, imediata e sujeita a instâncias da defesa, objetivo este que contende, por isso, com a natureza do processo acusatório, implicando as garantias de defesa, maximum o contraditório (artigos 327º, nº 2 e 355º, nº 1, do C.P.P., em conjugação com o disposto no artigo 32.º, n.ºs 1 e 5 da C.R.P.).
46. Pelo que nunca poderia o tribunal a quo valorar o que a testemunha EE ouvir dizer da testemunha BB, a qual, por sua vez, recusou-se legitimamente a depor.
47. Tratando-se, assim, de uma autêntica proibição de valoração do conteúdo de tal depoimento, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 129º, nº 1 e 134º, nº 1, alínea a), do C.P.P., devendo o facto 53 da matéria provada passar a ser dado como não provado.
48. O tribunal a quo violou, ainda, o direito de recusa de depoimento da testemunha AA, preterindo o disposto no artigo 134º, nº 1, do C.P.P., o que fulmina de nulo tal depoimento, nos termos do nº 2 do mesmo dispositivo legal.
49. A testemunha AA é filha da ofendida EE, a qual, por sua vez, foi casada com o arguido até ../../2019, tal como resulta do elenco dos factos 1, 2, 3, 4, 5 e 6 da matéria provada.
50. A filha do cônjuge do arguido é afim daquele no 1º grau da linha reta, conforme dispõe os artigos 1580º, 1581º, 1584º e 1585º, do Código Civil.
51. Pelo que não restam dúvidas que à enteada do arguido assiste o direito à recusa de depoimento, sendo o mesmo nulo nos casos em que não opere tal advertência por parte do tribunal.
52. É certo que com a entrada em vigor da Lei nº 61/2008, de 31 de outubro as relações de afinidade cessam com a dissolução do casamento por divórcio (cf. artigo 1585º, a contrario, do Código Civil).
53. De todo o modo, circunscrevendo-se o depoimento desta testemunha a «factos ocorridos durante o casamento», i.e., em que entre e o arguido e a testemunha vigorava uma relação de afinidade, entendemos ser de aplicar analogicamente (aqui permitido porque in bonan partem) o disposto na alínea b), do nº 1, do artigo 134º, do C.P.P.
54. Sendo esta, de resto, a interpretação que melhor se coaduna com a ratio do artigo 134º do C.P.P. que visa, não só proteger a reserva da intimidade da vida privada e familiar (cf. artigo 26º, nº 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa), como, ainda que de modo reflexo, as garantias de defesa do arguido (cf. artigo 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa) e a própria descoberta da verdade material.
55. Desde já e para os devidos efeitos legais se suscita a inconstitucionalidade do disposto no artigo 134º, nº 1, alínea b) e nº 2, do C.P.P., por violação do disposto nos artigos 26º, n.os 1 e 2 e 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, na medida em que seja interpretado em sentido contrário ao propugnado nestas conclusões.
56. Ora, ao não ter advertido a testemunha AA da possibilidade de recusa de depoimento, o Tribunal a quo não pode formar a sua convicção com base em tal depoimento, por em causa estar uma proibição de valoração de prova – cf. artigo 134º, nº 2, em conjugação com o disposto no artigo 126º, nº 3 do C.P.P. e 32º, nº 8, 2ª parte, da C.R.P.
57. De todo o modo, embora se verifique a apontada proibição de valoração de prova, tal implica que se declare nulo e de nenhum valor probatório o depoimento em causa, bem como todos os atos subsequentes, incluindo o acórdão condenatório, repetindo-se o depoimento viciado caso a testemunha, depois de devidamente advertida, aceitar prestá-lo, tudo nos termos do disposto nos artigos 118º, nº 3 e 122º, nº 1 e 2, do C.P.P. – o que se requer.
-
58. O tribunal a quo incorreu, ainda, em erro de julgamento quanto à matéria de facto, designadamente porque violou o princípio do in dubio pro reo, bem como o princípio da livre apreciação da prova, os quais impunham decisão diversa da recorrida no que diz respeito ao julgamento da matéria de facto.
59. Atentos os depoimentos que se transcreverão, os mesmos deveriam ter colocado o tribunal num estado de dúvida, a qual, necessariamente, teria de ser valorada a favor do arguido – cf. artigo 32º, nº 2, da Lei Fundamental.
60. A conclusão retirada pelo tribunal a quo em matéria de prova materializa-se numa decisão contra o arguido, a qual não é suportada, de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção.
61. É certo que a valoração da prova é livremente apreciada pelo julgador, no entanto, a discricionariedade inerente ao princípio da livre apreciação ter que se guiar por critérios objetivos, controláveis, e tendo sempre presentes princípios fundamentais de processo penal, como sejam a presunção de inocência e como seu corolário o in dubio pro reo.
62. Desde logo, no que diz respeito à factualidade respeitante ao crime de violência doméstica perpetrado contra EE, verifica-se que o tribunal a quo concluiu pela condenação do arguido quanto a este tipo-de-ilícito com base, apenas, no depoimento das testemunhas EE e AA (as únicas, diga-se, que terão presenciado as agressões uma da outra).
63. Todavia, no que diz respeito ao depoimento de EE, verifica-se que o mesmo, além de ser infirmado por outros meios de prova – designadamente o depoimento do seu irmão, Sr. HH – contraria aquilo que factualmente seria aceitável de acordo com as próprias regras da lógica e experiência comum.
64. Designadamente, esta testemunha descreve um conjunto de agressões que, atento o grau de violência relatado, seria improvável, se não impossível que ninguém se apercebesse do que estaria a acontecer.
65. Vejamos agora o depoimento de EE, na parte em que a testemunha afirma que as supostas agressões ocorreram sempre dentro de casa, nunca falou com ninguém sobre o assunto e que, inclusivamente, não trabalhava naquela altura e evitava ir a casa dos Pais, principalmente quando tinha marcas no corpo – sessão de 07/5/2024 referente à ata com referência 459996045 (2ª Sessão) – gravação com início pelas 10:31:49 horas e o seu termo pelas 11:14:06 horas – minutos [00:08:03] a [00:10:02].
66. Sucede que a parte de a testemunha EE mencionar que evitava estar com a família e de ir a casa dos pais é totalmente contrariada pelo depoimento do seu irmão, HH – este último referente à sessão de 25/6/2024, com referência 461271046 – gravação com o seu início pelas 09 horas e 45 minutos e o seu termo pelas 10 horas e 13 minutos – minutos [00:01:28] a [00:14:24].
67. E a testemunha II, mãe da vítima EE, também mencionou que quando o neto BB nasceu ia lá a casa com regularidade, afirmando, ainda, que chegou a ir de férias uma vez com o casal, não tendo se apercebido de nada em relação ao relacionamento de ambos – sessão de 28/5/2024, com a referência 460467229 (3ª Sessão) – gravação com início pelas 15 horas e 09 minutos e o seu termo pelas 15 horas e 24 minutos – minutos [00:05:23] a [00:06:22] e [00:13:56] a [00:14:16].
68. Por sua vez, temos também o depoimento da testemunha JJ, Pai da vítima EE, que também afirmou nunca ter presenciado ou se apercebido de nada, pese embora convivesse com o casal – sessão de 28-05-2024, com a referência 460467229 – gravação com início pelas 15 horas e 26 minutos e o seu termo pelas 15 horas e 36 minutos – minutos [00:01:19] a [00:01:34].
69. E, finalmente, o depoimento da testemunha GG, empregada doméstica na residência do casal (arguido e EE) durante 9 anos, que nunca presenciou nada que lhe causasse estranheza, achando que o relacionamento do casal era normal – sessão de 18/06/2024, com referência 461267285 - gravação com início pelas 09:47:32 horas e o seu termo pelas 10:05:09 horas – minutos [00:01:44] a [00:02:27]; [00:02:53] a [00:03:32]; [00:03:58] a [00:06:18]; [00:13:38] a [00:15:50].
70. Ademais, atento o nível de violência que a testemunha relata ao tribunal, é pouco crível que de tais agressões não resultassem quaisquer sequelas, ao ponto de a testemunha se «curar a ela própria em casa», ou de ninguém, incluindo a empregada, testemunha GG, não se aperceber – falamos aqui, especificamente, da agressão relatada pela vítima, reportada ao momento em que esta se encontrava grávida de 7 meses – sessão de 7 de maio de 2024, com referência 459996045 - Gravação com início pelas 10:31:49 horas e o seu termo pelas 11:14:06 horas – minutos [00:04:49] a [00:08:23].
71. Mas mais, repare-se que a testemunha, já depois de o arguido se ausentar da sala de audiência, quando questionada pela Mma. Juiz Presidente para concretizar as agressões físicas e verbais, responde, dizendo que o ora Recorrente «falava com outras mulheres» - Sessão de 07/05/2024, com referência 459996045 – Gravação com início pelas 10:31:49 horas e o seu termo pelas 11:14:06 horas – minutos [00:00:07] a [00:00:18].
72. Ademais, não esquecer que, tal como resulta do próprio elenco dos factos provados, designadamente em f), «em data e circunstâncias que não foi possível precisar a ofendida EE enviou ao arguido a seguinte mensagem “No que depender de mim vais apodrecer na cadeia”», o que, desde logo, não é compatível com a versão da vítima de que não falava com ninguém sobre as agressões e que nunca pensou fazer queixa mais cedo porque «tinha medo».
73. Finalmente, essa mesma testemunha, através de requerimento com referência 39523659, fez constar que pretendia desistir de todas as queixas «por dano e por violência doméstica apresentadas contra CC, desejando que contra ele cessem os respetivos procedimentos criminais».
74. É certo que, quanto ao crime de violência doméstica, atenta a sua natureza pública, a desistência de queixa é irrelevante, sendo certo, também, que, a testemunha envia tal requerimento já depois de findar na produção de prova.
75. De todo o modo, esta sua “tomada de posição” não se coaduna com a valoração que o tribunal a quo faz de tal depoimento, designadamente que a testemunha demonstrou «uma postura resignada com tudo o que lhe sucedeu».
76. E é evidente que esta “tomada de posição” deveria ter sopesado na análise e valoração do conteúdo de tal depoimento, o que não sucedeu.
77. A aceitação racionalmente acrítica e total do depoimento desta testemunha, com a consequente exclusão de tudo o que o contradiga ou o ponha em dúvida, só pode partir de uma regra, a regra de que as vítimas de crimes de violência doméstica nunca mentem. Algo que, fora do mundo jurídico, se propala, mas que aqui não pode ser aceite por ser a negação do processo justo e da própria natureza humana.
78. Entende-se, assim, que analisada toda a prova produzida em audiência de julgamento, de forma concatenada, o tribunal deveria ter ficado em estado de dúvida sobre o cometimento dos factos, a qual teria, necessariamente, de ser valorada a favor do arguido, o que impunha que os factos 10, 11, 12, 13, 14, 16, 17, 26, 29, 30, 31, 32, 42, 43, 63, 64, 65, 66, 67, 68, 69, 70, fossem dados como não provados, com a consequente absolvição do arguido quanto a este tipo-de-ilícito, o que ora se requer.
79. O tribunal a quo também nunca poderia ter dado como provado o facto 21 da matéria provada, porquanto dos depoimentos de EE e de AA (as únicas, mais uma vez, que confirmaram as mútuas agressões), resulta que as agressões apenas ocorreram quando AA andava no 6º ano e teria cerca de 8 ou 9 anos de idade.
80. Verifica-se, portanto, uma insuficiência da prova para o facto 21 que, erradamente, foi dado como provados.
81. Veja-se a tal propósito o depoimento de EE – sessão de 07/5/2024, com referência 459996045 – gravação com início pelas 10:31:49 horas e o seu termo pelas 11:14:06 horas – minutos [00:31:16] a [00:33:15] e de AA - sessão de 28/5/2024, com referência 460467229 – gravação com início pelas horas e 37 minutos e o seu termo pelas 15 horas e 09 minutos – minutos [00:06:21] a [00:07:06]; [00:08:21] a [00:08:30]; [00:09:36] a [00:09:46].
82. Deve, assim, o facto 21 da matéria provada passar a ser dado como não provado.
83. O tribunal a quo também não poderia ter dado como provado o facto 24, i.e., «o arguido, quando o seu filho tinha cerca de nove anos de idade, porque estava mais agitado e queria brincar, agarrou-o pelo pescoço com uma mão, ergueu-o no ar e levou-o assim até ao quarto, suspenso na sua mão».
84. Desde logo, é a própria testemunha AA que refere que o arguido «não lhe apertou o pescoço, ele pegou no menino da sala até ao quarto» – sessão 28/5/2024, com referência 460467229 – Gravação com início pelas horas e 37 minutos e o seu termo pelas 15 horas e 09 minutos – minutos [00:13:10] a [00:14:15].
85. Depois temos o depoimento de EE, o qual, por sua vez, contradiz o depoimento de AA ao declarar que o arguido «pegou-lhe pelo pescoço do menino» - sessão de 07/5/2024, com referência 459996045 – gravação com início pelas 10:31:49 horas e o seu termo pelas 11:14:06 horas – minuto [00:34:16].
86. Portanto, daqui resulta que temos duas testemunhas – EE e AA – que, quanto a esta factualidade, prestam um depoimento contraditório, sem que se perceba, da análise à motivação/fundamentação feita pelo tribunal recorrido, qual o raciocínio prosseguido para se dar como provado que o Recorrente «agarrou no pescoço» do seu filho.
87. E estas dificuldades adensam-se quando se observa do depoimento de AA que o seu avô, Sr. JJ – também presenciou os factos – sessão 28/5/2024, com referência 460467229 - gravação com início pelas horas e 37 minutos e o seu termo pelas 15 horas e 09 minutos – minutos [00:14:07] a [00:14:13].
88. No entanto, esta testemunha, JJ, quando inquirida, não relata qualquer agressão que tenha presenciado do aqui Recorrente para com o seu filho BB - sessão de 28-05-2024, com a referência 460467229 – gravação com início pelas 15 horas e 26 minutos e o seu termo pelas 15 horas e 36 minutos – minutos [00:08:27] a [00:08:40].
89. Depois, a descrição do circunstancialismo que é relatado pelas testemunhas EE e AA é implausível do ponto de vista das regras da experiência comum e da “normalidade das coisas”.
90. É fisicamente impossível que alguém consiga, só com uma mão, pegar numa criança de 9 anos, regra-geral a pesar mais de 30 quilos, erguê-lo no ar – repte-se, só com uma mão – e ainda o transportar da sala para o quarto.
91. Convém salientar que, além de a criança, em tal situação, se debater, o que duplicaria o seu peso, estamos ainda a falar de uma realidade (descrita por estas duas testemunhas) em que alguém levanta do chão 30 quilos sem o recurso à força de pernas, o que aconteceria na situação inversa de o Recorrente levantar um peso de 30 quilos do chão.
92. É evidente que a dinâmica do sucedido que é relatada por ambas as testemunhas – além de contraditória entre si – não é compatível com as regras da experiência e, acima de tudo, “com a lógica das coisas”.
93. Aliás, diremos até que existe aqui um «erro notório na apreciação da prova», porquanto o tribunal valorou os depoimentos destas testemunhas contra as regras da experiência comum – sendo certo que o requisito da «notoriedade se traduz na circunstância de tal erro não passar despercebido ao cidadão comum, por ser grosseiro, ostensivo, evidente (cf. artigo 410º, nº 2, alínea c), do C.P.P.).
94. Contudo, de forma a evitar o reenvio do processo para novo julgamento, entende-se que de forma a sanar o vício do erro notório da apreciação da prova a que alude o artigo 410º, nº 2, alínea c), do C.P.P., deve ter lugar a renovação da prova, procedendo-se à reinquirição das testemunhas EE e AA quanto ao facto 24 da matéria provada, o que desde já se requer a V.as Ex.as, ao abrigo do disposto nos artigos 412º, nº 3, alínea c) e 430º, nº 1, do C.P.P.
95. Entende-se, ainda, que o facto 59, o facto 77, facto 78 e facto 79 da matéria provada deveriam ter sido dados como não provados, o que ora se requer.
96. Designadamente, quanto ao facto 59, o mesmo resulta provado face às declarações do Assistente em julgamento, que mencionou que, já depois de levar as facadas, encetou fuga, tendo o Arguido começado a correr atrás de si e com a arma empunhada; aliás, chega mesmo a afirmar que viu a faca porque enquanto fugia «ainda olhou para trás» - sessão de 7/05/2024, com referência 459739077 - gravação com início pelas 16:03:10 horas e o seu termo pelas 16:39:09 horas – minutos [00:14:18] a [00:18:19]; [00:36:40] a [00:36:54].
97. Todavia, tal como resulta da ata da sessão de julgamento de dia 7/05/2024, com referência 459739077, «no decorrer das declarações do assistente, foi pedida a palavra pelo Ilustre Mandatário do arguido, o que foi concedida pela MM.ª Juiz Presidente, pelo mesmo tendo sido dito que dada a divergência das declarações prestadas pelo assistente por comparação com aquelas que prestou nos autos a fls. 104 e a fls. 239 verso (linha 76), onde respetivamente declara que "não chegou a ver o objeto utilizado nas agressões" e ainda "nunca viu qualquer faca na mão do arguido", respetivamente, requeiro dadas essa contradição/discrepância, que sejam lidas as declarações do assistente prestadas durante o inquérito, a fim de se apurar o que de facto aconteceu relativamente a este concreto facto, de ter visto ou não ter visto o arguido com uma faca na mão».
98. E, quando confrontado com essas contradições limitou-se o Assistente a dizer «eu fiquei com essa impressão», ao que a Mma. Juiz Presidente responde (ao Defensor), « Pronto, senhor doutor, é a questão do testemunho, a gente vai fazendo um rewind e vai ponderando» - sessão de 7/05/2024, com referência 459739077 - gravação com início pelas 16:43:42 horas e o seu termo pelas 16:47:08 horas – minutos [00:39:02] a [00:41:56].
99. Tendo sido reproduzidas em julgamento as anteriores declarações que o Assistente prestou em inquérito, por entre elas e as prestadas em audiência de julgamento existirem divergências, designadamente porque no primeiro momento processual afirmou o Assistente «nunca ter visto a faca», perante o silêncio do tribunal a quo, fica por perceber quais as declarações que, na sua perspetiva, merecem maior credibilidade.
100. Depois, sempre se questiona como é que o Assistente em inquérito diz que nunca chega a ver a faca e depois, em audiência de julgamento, quando já tinha decorrido muito mais tempo desde a prática dos factos, já se recorda que, afinal, quando fugia do arguido apercebeu-se que este vinha atrás de si com a faca empunhada…
101. Ademais, a testemunha KK, que presenciou a contenda entre o arguido e o Assistente, quando questionada, disse não ter visto o arguido ir na direção do Assistente com a faca empunhada – sessão de 07/05/2024 com referência 459996045 - gravação com início pelas 10:02:09 horas e o seu termo pelas 10:16:10 horas – minutos [00:04:16] a [00:04:37].
102. Pelo que deveria o tribunal a quo ter dado como não provado o facto 59, o que se impõe.
103. Quanto ao facto 77, além do que ficou dito, na parte de não se poder valorar o depoimento indireto de alguém que, legitimamente, se recusou a depor, sempre se dirá que, existindo, apenas, de um lado, as declarações do arguido – meio de prova válido como qualquer outro ao abrigo do princípio da legalidade da prova – e, por outro lado, as declarações do Assistente, ambas extremadas/opostas entre si, não ficou demonstrado/suportado, de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido, de que tenha sido o arguido a levar a faca consigo.
104. O que, salvo o devido respeito, é até ilógico tendo em conta que é o Assistente quem liga ao arguido e pede-lhe para este vir ao seu encontro, posto que o arguido já nem sequer ali se encontrava – a tal propósito, cf. facto 51 da matéria provada.
105. Pelo que nem sequer seria expectável o encontro entre o Assistente e o arguido.
106. Assim sendo, devem os factos 77, 78 e 79 passarem a ser dados como não provados, o que ora se requer.
107. Analisando-se as declarações do Assistente DD, verifica-se que o tribunal a quo não poderia dar como provada a factualidade prevista em p), r), s), t), u), v) na parte em que menciona que tal lhe provocou «dor, angústia e sofrimento», x), w), z), aa), ab), ac), ad), ae), af), na parte em que menciona «afectando o seu psicológico para sempre», ag), al) no que diz respeito ao pedido cível.
108. Das referidas declarações do Assistente, não é relatado nenhum dos danos morais alegados e peticionados em sede de pedido de indemnização cível; limita-se o Assistente a mencionar que «além de marcas estéticas que não tinha, obviamente, o meu braço esquerdo tem mobilidade reduzida», sem, contudo, declarar em concreto quais os sentimentos que isso lhe provocou/provoca, e que de forma é que isso afetou/afeta a sua vida e as suas rotinas diárias – sessão de 7/05/2024, com referência 459739077 - gravação com início pelas 16:03:10 horas e o seu termo pelas 16:39:09 horas – minutos [00:33:28] a [00:34:37].
109. Pelo que não resulta provada a existência de qualquer dano moral que, pela sua gravidade, mereça a tutela do direito, devendo os factos p), t), u), v) na parte em que menciona que tal lhe provocou «dor, angústia e sofrimento», x), w), z), aa), ab), ac), ad), ae), af), na parte em que menciona «afectando o seu psicológico para sempre», ag), al) passarem a ser dados como não provados e, em consequência, absolver-se o Recorrente do pedido cível no qual foi condenado, a título de danos não patrimoniais, no montante total de €30.000,00 (trinta mil euros).
110. Quanto aos danos patrimoniais, o tribunal a quo também não poderia ter dado como provado os factos r) e s), designadamente que o Assistente auferia «o salário médio de €1.534,54» e que «atualmente em média o seu rendimento não excede os €1300», posto que, dos documentos 3 e 4 do pedido cível, referentes aos recibos de vencimento, resulta que o Assistente auferia e aufere €1000 de ordenado base, €200 de isenção de horário e €10,25 de diuturnidades, sendo os restantes montantes (subsídio de alimentação, bónus/comissões) variáveis consoante os meses!
111. Além de que, na verdade, quanto ao mês de outubro de 2023, ou seja, já depois da prática dos factos aqui em questão, o Assistente ganhou um prémio de desempenho e teve um vencimento de €1.571,99 – cf. documentos 3 e 4 referentes ao Pedido de Indemnização Cível.
112. Devem, assim, os factos r) e s) da matéria de facto inerente ao pedido cível passarem a ser dados como não provados.
113. Demonstrando-se dos depoimentos das testemunhas AA e EE que as agressões àquela ocorreram quando a mesma tinha cerca de 8/9 anos de idade, verifica-se que, quanto a esta vítima, o crime de violência doméstica encontra-se prescrito.
114. Sendo o crime de violência doméstica dogmaticamente um crime habitual, pois pressupõe a prática reiterada da mesma ação, sem prejuízo de a lei admitir o preenchimento do tipo com uma conduta única, para efeitos de prescrição do procedimento criminal o prazo começa a correr «desde o dia da prática do último ato» - cf. artigo 119º, nº 2, alínea b), do Código Penal.
115. Sendo certo que em tal crime o procedimento criminal extingue-se, por prescrição, «logo que sobre a prática do crime tiver decorrido 10 anos» - cf. artigo 118º, nº 1, alínea b), do Código Penal.
116. Ora, resulta dos autos, designadamente a fls. 89, respeitante ao aditamento nº 5 à queixa-crime apresentada por EE, que a mesma, no dia 19-6-2023, fez constar no processo que a sua filha AA também sido vítima de violência por parte do aqui Recorrente, relatando o episódio em que a AA tinha sido agredida com o cinto.
117. Ora, tendo as agressões de AA sido perpetradas quando esta teria cerca de 8 ou 9 anos – referente, portanto, ao ano de 2012 – em 2023, quando os factos chegam ao conhecimento do Ministério Público, já o crime, quanto a esta vítima, se encontrava prescrito.
118. Assim sendo, deve o arguido ora Recorrente ser absolvido do crime de violência doméstica perpetrado sobre a vítima AA, por existir aqui uma causa de exclusão da punibilidade – a prescrição do procedimento criminal – o que, desde já, se requer a V.as Ex.as.
119. Sem prejuízo da alteração da matéria de facto, certo é que, mesmo tendo em conta o elenco dos factos provados, tal não é suficiente para que se possa concluir pela prática, pelo Recorrente, do crime de violência doméstica, quanto ao seu filho BB.
120. Como tem sido o entendimento desta Relação, a característica indelével do crime de violência doméstica é o seu bem jurídico, que lhe confere não apenas autonomia mas legitimidade constitucional de interferência / regulação/ limitação, nas relações humanas e sociais, num âmbito específico destas (relações familiares ou análogas).
121. Assim, para que esteja em causa a prática do crime de violência doméstica, dos factos provados teria de resultar a demonstração de um estado de degradação ou aviltamento da dignidade humana (não sendo a pessoa tratada como pessoa) em resultado da crueldade, insensibilidade para com o outro e traduzida em manifestação de desprezo ou desconsideração, ou impondo uma vivência de medo, de tensão e de subjugação insuportável, o que, in casu, não sucede.
122. Na verdade, dos factos provados não emerge uma relação de subjugação entre o arguido e o ofendido, seu filho, ou de domínio daquele sobre este, que ponha em causa, de modo intolerável, a dignidade da pessoa humana, ou de outro modo, traduza um tratamento degradante e desumano, e que este decorra de uma posição de dominação e de prevalência do arguido sobre o filho.
123. Nesta análise também não pode ser desconsiderado o que resulta provado em g), designadamente, «o arguido e o filho mantêm uma ligação próxima, fortalecida entre os dois com jogos, passeios, palavras carinhosas e mensagens de boa noite; desejam estar ao fim de semana juntos, mesmo o filho sabendo que o pai não pode sair de casa».
124. Assim, valorando estes factos, e tendo presente que, além do efeito do ou dos atos estes, é ainda necessária a avaliação «imagem global do facto» para se decidir pelo preenchimento, ou não, do tipo legal de crime em questão, não emerge, a nosso ver, dos factos provados, qualquer efeito de domínio na relação que ponha em causa e aniquile a personalidade do filho do arguido, ou uma «intensa crueldade, insensibilidade, desprezo, aviltamento da dignidade humana», pelo que se nos afigura que inexiste o apontado crime.
125. Todavia, do facto 24 emerge a possibilidade de existência do crime de ofensa à integridade física, o qual, revestindo natureza semi-pública (cf. artigo 143º, nº 2, do C.P.), necessitaria o ofendido de se queixar, (cf. artigo 113º e 115º do C.P.), o que não ocorreu, não se podendo, assim, conhecer do mesmo por carência de legitimidade do Ministério Público para levar ao conhecimento do tribunal tais factos (artigos 48º e 49º, do C.P.P.).
126. Deve, nesta sequência, ser o Recorrente absolvido do crime de violência doméstica quanto à vítima BB, por não se verificarem preenchidos os elementos objetivos deste tipo-de-ilícito.
127. Do elenco dos factos provados, designadamente os factos 40, 75, 76, não resulta o preenchimento do tipo-de-ilícito de ameaça, previsto e punido pelo artigo 153º, nº 1, do C.P.
128. São três as características essenciais do conceito de ameaça: mal, futuro, cuja ocorrência dependa da vontade do agente.
129. Para ser uma verdadeira ameaça, o anúncio do mal tem de estar na primeira pessoa do singular e em discurso direto, prenunciando grave e injusto dano, necessariamente futuro (na certeza de que não ser futuro não significa necessariamente impunidade, mas antes crime diverso).
130. Pegando-se nesta última parte, quer agora evidenciar-se que o anúncio do mal tem de estar na primeira pessoa e em discurso direto, dirigido para o futuro: a ser assim, como se entende que é, face aos factos que se deram como provados, evidente que as expressões em causa não consubstanciam nenhum mal futuro e em nenhuma das sobreditas expressões o agente anuncia (para o futuro) a prática de qualquer crime contra a «vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor».
131. Ademais, com a revisão de 1995 ao Código Penal, assistiu-se a uma redução da tipicidade, em que já não é suficiente para o preenchimento do tipo que a ameaça seja com a prática de crime, de qualquer crime, como sucedia na versão original, mas apenas e tão só a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor.
132. Assim sendo, por não se verificarem os elementos objetivos do tipo-de-ilícito de ameaça, deve a decisão em crise ser revogada e substituída por outra que absolva o arguido da prática desse crime.
133. Sem prejuízo da alteração da matéria de facto, entende-se que existiu erro de julgamento quanto à matéria de direito, designadamente porque se impunha uma alteração da qualificação jurídica do crime de homicídio na forma tentada para o crime de ofensa à integridade física grave, p. e p. pelo artigo 144º, alínea d), do C.P.
134. Num crime de homicídio na forma tentada, como o dolo da atuação – porque se situa no campo da subjetividade – é sempre de difícil discernimento, a sua avaliação impõe o recurso a dados objetivos que sejam reveladores da verdadeira vontade colocada na atuação do agente.
135. A punição da “tentativa” funda-se em razões “de perigo” e o dolo de homicídio tentado traduz a perigosidade manifestada na intenção; no entanto, num direito penal do facto, a perigosidade tem de manifestar-se também no facto e não apenas na intenção.
136. Sendo de excluir uma punição da mera intenção, há que proceder à avaliação da conduta externa do agente e determinar se essa conduta consubstancia «ato(s) de execução» do crime que esse agente decidiu cometer.
137. No presente caso, tendo ficado demonstrado que 1) é o Assistente quem chama o arguido ao seu encontro 2) quando o Assistente liga ao arguido este já nem sequer se encontrava no local 3) antes de o arguido desferir as facadas, já o Assistente lhe tinha desferido socos 4) ainda antes das facadas já ambos se tinham envolvido numa altercação física, é evidente que o dolo do arguido se circunscreve, apenas, às ofensas corporais.
138. Ademais, o facto de as facadas terem determinado um concreto perigo para a vida do Assistente não impedem a punição do arguido pelo crime de ofensa à integridade física grave, pois tal é precisamente elemento objetivo do tipo-de-ilícito em questão, em que, por força do resultado a que conduz, tal comportamento é portador de uma ilicitude mais grave do que a que corresponde ao delito base de ofensas à integridade física simples.
139. Assim sendo, deve o arguido ser absolvido do crime de homicídio na forma tentada e, concomitantemente, ser condenado por um crime de ofensa à integridade física grave, nos termos do disposto no artigo 144º, alínea d), do C.P.
140. Não obstante se entender que no caso sub judice não se encontram preenchidos os elementos objetivos do tipo-de-ilícito de ameaça, p.e p. pelo artigo 153º, nº 1, do C.P., andou mal o tribunal a quo ao, na escolha da espécie da pena, optar pela pena de prisão quanto a este crime.
141. Sendo o ilícito aqui em questão punido alternativamente com pena de prisão ou com pena de multa, deveria ter-se dado prevalência à aplicação desta última pena, tal como o fez o legislador ordinário ao dar expressão prática à convicção da superioridade político-criminal da pena de multa face à de prisão – cf. artigo 70º do Código Penal.
142. No caso dos autos, no que à prevenção especial diz respeito, desde logo se diga que o ora Recorrente não tem condenações anteriores por crimes da mesma natureza face ao ilícito criminal aqui em questão; regista, apenas, duas condenações por crime de condução de veículo em estado de embriaguez – reitera-se aqui a inocuidade do facto 25 da matéria provada.
143. Depois, quanto à prevenção geral, questiona-se em que dados empíricos se baseou o tribunal a quo para concluir que os crimes de ameaça são praticados com frequência no nosso País, dado que, as estatísticas da justiça apontam, no que diz respeito a «condenados em processos crime nos tribunais judiciais de 1ª instância», com maior incidência, os «crimes previstos em legislação avulsa» e os «crimes contra a vida em sociedade»; de assinalar que, na categoria «crimes contra as pessoas», pese embora o ligeiro aumento em 2021 e 2022, a tendência tem sido decrescente.
144. Ademais, não se pode ignorar todo o contexto fáctico em que as assinaladas mensagens foram enviadas ao Assistente, o que permite concluir que os factos aqui em causa dizem respeito a um episódio isolado da vida do Recorrente – cf. artigo 71º, nº 2, alínea c), do C.P.
145. Finalmente, deve sopesar na escolha da espécie da pena a circunstância de, a partir de 2015, «o arguido começou a registar uma abusiva tendência para o abuso do álcool» (cf. facto 9 da matéria provada), a que acresce o facto de atualmente de encontrar em tratamento, conforme, aliás, se refere o acórdão em crise em sede de «condições pessoais, familiares, socioeconómicas e profissionais do arguido» - cf. artigo 71º, nº 2, alínea c), do C.P.
146. O que permite, assim, mitigar as exigências da prevenção especial e concluir por um juízo de prognose favorável, constituindo a pena de multa advertência suficiente no que ao crime de ameaça diz respeito.
147. E o que se disse vale, mutatis mudandis, para o quantum das penas parcelares concretamente aplicáveis a cada um dos tipos-de-ilícitos pelos quais foi o ora Recorrente condenado, as quais não são consentidas pelo grau de culpa do Recorrente, nem asseguram, nos limites da estrita necessidade, as finalidades de prevenção especial/ressocialização do agente, revelando-se excessivas e, como tal, desproporcionais.
148. Para a determinação da escolha e medida da pena, além do binómio culpa vs prevenção, o Tribunal terá, ainda, de atender a um conjunto de circunstâncias anteriores e posteriores ao facto, nos termos do disposto no artigo 71º, nº 2, do C.P.
149. No caso sub judice militam a favor do arguido um conjunto de circunstâncias – quer anteriores, quer, sobretudo, posteriores – à prática do facto, e que o Tribunal a quo ignorou por completo no momento de determinar o quantum da pena.
150. Pelo que o acórdão em crise violou, ao demais, o disposto no artigo 71.º, n.º 2, do C.P., bem como o disposto no artigo 40.º do mesmo diploma legal.
151. Desde logo, da leitura do disposto no n.º 1 do artigo 40.º do C.P., resulta que a finalidade primeira das penas reside na tutela dos bens jurídicos, devendo traduzir, a sua aplicação, a tutela das expectativas da comunidade na manutenção da norma violada, sem, contudo, perder de vista, na medida do possível, a reinserção social do arguido.
152. Assim, no que diz respeito aos crimes de violência doméstica não se ignora que as exigências de prevenção geral positiva sejam sempre especialmente intensas, atenta a frequência com que tais crimes são cometidos.
153. Porém, no plano da prevenção especial, não se pode ignorar a circunstância de, à data dos factos, «o arguido começou a registar uma abusiva tendência para o abuso do álcool» (cf. facto 9 da matéria provada), a que acresce a circunstância de atualmente se encontrar em tratamento, registando «motivação e cooperação no tratamento» conforme resulta da matéria provada quanto às suas condições pessoais.
154. A tudo isto acresce, ainda, o facto de o arguido se encontrar bem inserido laboral e socialmente, bem assim, repete-se, não possuir antecedentes criminais por delitos da mesma natureza face aos crimes aqui em causa – cf. artigo 71º, nº 2, alíneas c), d) e e), do C.P.
155. Ademais, a desproporcionalidade das penas parcelares fixadas quanto crimes de violência doméstica, no que diz respeito às vítimas BB e AA, torna-se, ainda, mais flagrante quando comparadas com o quantum da pena fixado para o crime de violência doméstica sobre a vítima EE, posto que, enquanto que aqui as agressões perduraram durante vários anos, nas restantes situações temos apenas episódios apurados em relação a cada uma das vítimas – especificamente quanto ao ofendido BB apenas resulta imputado um único episódio de violência.
156. Assim sendo, no que aos crimes de violência doméstica contra as vítimas CC e AA diz respeito, deve o quantum das penas se fixar em 2 anos e, quanto à vítima EE, 3 anos.
157. Quanto ao crime de homicídio na forma tentada, jogando-se com uma moldura abstrata de 1 ano e 6 meses e 10 anos e 9 meses de prisão, fixar-se a medida concreta da pena em 7 anos e 6 meses de prisão a alguém que está inserido em sociedade, trabalha e apresenta rendimentos estáveis, que evidencia, apenas, antecedentes por 2 crimes de condução em estado de embriaguez, a que não é alheia a factualidade provada em 9, é absolutamente desproporcional, além de não ser consentâneo com o grau de culpa evidenciado no cometimento do facto e com as exigência de prevenção – especificamente prevenção especial – que no caso se fazem sentir.
158. De notar, ainda, quanto a este tipo-de-ilícito, que, logo após a prática do facto o aqui Recorrente apresentou-se, de imediato, às autoridades, conforme resulta do aditamento 2 a fls. 189 dos autos.
159. Tendo, ainda, colaborado na descoberta da verdade material, conforme resulta do termo de consentimento para análise e exame ao seu aparelho telefónico, documentado a fls. 69 dos autos.
160. Finalmente, no que diz respeito ao crime de homicídio na forma tentada, atente-se nas circunstância que rodearam a prática do ilícito em questão, designadamente no quadro factológico tido por provado em que resulta que: 1) é o próprio Assistente quem desafia o arguido para vir no seu encalço 2) é o Assistente quem começa a apelidar repetidamente o arguido de “filho da puta” 3) ainda antes das facadas já o Assistente tinha desferido socos no arguido 4) ainda antes das facadas já o Assistente e o arguido tinham iniciado uma contenda física.
161. Quadro factológico esse que resulta numa imagem do facto em que a culpa do arguido aparece diminuída, o que deve ter reflexos, desde logo, ao nível da pena, devendo fixar-se, quanto a este crime, uma pena nunca superior a 3 anos de prisão.
162. Quanto ao pedido de indemnização cível pelo qual foi o Recorrente condenado, designadamente quanto aos €3.188, 48 a título de danos patrimoniais, resultantes dos salários que o Assistente deixou de auferir de 17/7/24 a 26/9/24, por apresentar uma incapacidade temporária para o trabalho, é evidente que aqui há apenas que considerar a diferença entre o salário que recebia e as quantias pagas pela segurança social decorrentes da baixa médica.
163. Isto porque, tendo o Assistente estado 2 meses e 10 dias sem trabalhar, mas com baixa médica, automaticamente o contrato de trabalho fica suspenso, o que lhe confere o direito a «auferir mensalmente um montante mínimo igual a dois terços da sua retribuição normal ilíquida, ou o valor da retribuição mínima mensal garantida correspondente ao seu período normal de trabalho, consoante o que for mais elevado» - cf. artigos 296º, nº 1 e 305º, nº 1, alínea a) e nº 4, do Código do Trabalho.
164. Portanto, em termos de lucros cessantes/frustração de ganhos decorrentes da perda de vencimento, é evidente que o Assistente só poderia ser indemnizado pela diferença entre o montante que recebia a título de salário e o montante que efetivamente recebeu durante o período da baixa médica.
165. E para o cômputo do cálculo em questão há ainda que salientar que a sua «retribuição normal ilíquida» se fixa em €1200 (€1000 de ordenado base e €200 de isenção de horário), conforme se verifica pelo confronto com os recibos de vencimento juntos pelo Assistente (Documentos 3 e 4 referentes ao pedido cível).
166. Assim, os €1534,54 euros que peticiona pelo mês de agosto estão erradamente calculados, pois é evidente que, dos recibos juntos pelo Assistente, não é possível apurar-se um salário médio; do confronto com tais documentos o que resulta é que, mensalmente, o Assistente aufere €1000 de ordenado base e €200 de isenção de horário, sendo os restantes valores (nomeadamente subsídio de refeição e bónus/comissões) variáveis, designadamente consoante os dias de trabalho.
167. Pelo que, no que se refere ao mês de agosto, na verdade, o Assistente apenas deixou de auferir €400 euros (dois terços de €1200 euros da remuneração mensal ilíquida), a que apenas devem acrescer o subsídio de refeição no valor de €7,63 diários (cf. respetivos recibos de vencimento), o que perfaz um montante mensal de €175,49, e ainda €10,25 de diuturnidades, o que perfaz um total de €585,74 (quinhentos e oitenta e cinco euros e setenta e quatro cêntimos).
168. Já quanto aos meses de junho a setembro e, designadamente, quanto aos dias em que o Assistente teve de faltar ao trabalho por apresentar uma incapacidade temporária, é evidente que aos valores de €605,10 e €1.048,84 pelos quais foi o Recorrente condenado, teria o tribunal a quo, uma vez mais, que deduzir a compensação paga pela Segurança Social, o que in casu não sucedeu.
169. Finalmente, quanto aos €65.671,20 em que foi o Recorrente condenado a título de danos futuros é evidente que não há aqui qualquer dano patrimonial a ser indemnizado, posto que não se verifica qualquer nexo de causalidade entre o facto (4 feridas cortocontusas de 2 cm) e o dano (perda futura de salários).
170. Tendo o assistente a profissão de vendedor/comercial de vinhos (cf. facto q) do elenco dos factos provados), questiona-se de que forma é que as lesões em causa poderiam ter afetado a sua capacidade atual de trabalho…
171. Além de a profissão em causa não exigir qualquer tipo de aptidão física, o Assistente também não ficou com lesões permanentes, nem privado de qualquer órgão importante!
172. Aliás, nem sequer tem alguma incapacidade permanente, apenas uma incapacidade temporária de 2 meses e 10 dias, conforme resulta do documento 2 (composto por 3 páginas) junto com o pedido de indemnização cível!
173. De acordo com o disposto no artigo 563º do C.C. não há que ressarcir todos e quaisquer danos que sobrevenham ao facto ilícito, mas tão-só os que ele tenha na realidade ocasionado, os que possam considerar-se pelo mesmo produzidos, daí que o nexo de causalidade (entre o facto e o dano) desempenhe, consequentemente, uma dupla função: pressuposto da responsabilidade civil e de medida da obrigação de indemnizar.
174. Portanto, é evidente que inexiste qualquer nexo de causalidade entre o facto e o dano e a prova disso é precisamente o recibo de vencimento que o próprio Assistente junta aos autos, referente ao mês de outubro, ou seja, já depois da prática dos factos aqui em causa, em que o mesmo recebe um prémio de desempenho no valor de €919,62!
175. E mesmo se compararmos o recibo de vencimento de junho (antes da prática dos factos) e os recibos de julho, agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro de 2023 (depois da prática dos factos), verifica-se que o prémio de bónus/comissões é mais elevado em julho e dezembro, quando comparado com o mês de junho.
176. Inexistindo nexo de causalidade entre o facto e o dano, não se verifica um dos pressupostos de que depende a responsabilidade civil, devendo o Arguido ser absolvido do pedido cível quanto aos €65.671,30 peticionados a título de danos patrimoniais (futuros).
-
177. Sem prejuízo da impugnação da matéria de facto inerente ao pedido cível, sempre se dirá que, tendo resultado provado em 51, 55 e 56 dos factos provados que 1) foi o Assistente quem ligou para o arguido, pedindo-lhe que viesse ao seu encontro 2) foi o Assistente que, indo na direção do arguido assim que o vê, lhe começou a chamar repetidamente “filho da puta” 3) tendo o Assistente desferido socos no arguido 4) iniciando-se uma altercação física entre ambos, é evidente que existe aqui uma contribuição do próprio Assistente/lesado para a produção dos danos.
178. Não tivesse o Assistente ligado para o arguido pedindo-lhe que viesse ao seu encontro, não tivesse o Assistente ido de imediato na direção do arguido enquanto lhe apelidava repetidamente de “filho da puta”, muito provavelmente não teria sofrido as lesões corporais que sofreu.
179. Ora, prescreve o artigo 570º, nº 1, do Código Civil que, «quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída».
180. Assim, verificando-se existir culpa do lesado na produção dos danos em questão, deve a indemnização (quer quanto a danos patrimoniais, quer quando a danos morais) ser excluída o que, desde já, se requer a V.a Ex.a.
181. Finalmente, no que diz respeito aos danos não patrimoniais pelos quais foi o Recorrente condenado, e que se computam em €30.000 (trinta mil euros), sem prejuízo da impugnação da matéria de facto, sempre se dirá que o quantum da indemnização em causa é absolutamente desproporcional.
182. Como se sabe, quando está em causa a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais, o montante pecuniário da compensação deve fixar-se equitativamente, tendo em atenção as circunstâncias a que se reporta o artigo 494º do Código Civil (cf. artigo 496º, nº 4, 1ª parte, do C.C.).
183. Na determinação da mencionada compensação deve, por isso, atender-se ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado e às demais circunstâncias do caso, nomeadamente à gravidade do dano, sob o critério da equidade envolvente da justa medida das coisas (cf. artigo 494º do CC).
184. A apreciação da gravidade do referido dano, embora tenha de assentar, como é natural, no circunstancialismo concreto envolvente, deve operar sob um critério objetivo, num quadro de exclusão, tanto quanto possível, da subjetividade inerente a alguma particular sensibilidade humana.
185. Quer dizer, a reparação dos danos morais deve ser proporcionada à gravidade do dano, tomando em conta, na sua fixação, todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, da justa medida das coisas, e da criteriosa ponderação das realidades da vida.
186. Ficando demonstrado que o Assistente foi submetido a 1 intervenção cirúrgica decorrente de 4 feridas cortocontusas de 2cm, esteve apenas 7 dias internado, teve incapacidade temporária para o trabalho de 2 meses e 9 dias, não ficou com nenhuma incapacidade permanente, não ficou com nenhuma sequela/lesão permanente, é evidente que o quantum de €30.000 é absolutamente excessivo, tendo em conta, até, os entendimentos jurisprudenciais minimamente uniformizados quanto a tais matérias.
187. O acórdão em crise violou o dispostos nos artigos 127º, 129º, 134º, 358º, nº 1 in fine e 359º, nº 1, 374º, nº 2, 379º, nº 1, alíneas a) e b), 410, nº 2, alínea b) do CPP, artigos 22º, nº 2, 71º, nº 2, 144º, alínea d), 152º, nº 1 e 2, 153º, do C.P., artigos 496º, nº 4, 563º, 571º, do Código Civil e artigos 18º, nº 2 e 32º, nº 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa”.
--
Por despacho foi o recurso regularmente admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
--
Respondeu o Ministério Público junto do tribunal a quo às motivações de recurso do arguido, entendendo que o mesmo deve ser julgado totalmente improcedente.
--
Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, pugnando pela procedência parcial do recurso.
--
Na sequência da notificação a que se refere o art.417º, nº 2, do Código de Processo Penal, respondeu o arguido ao referido parecer do Ministério Público, após o que foi efetuado exame preliminar e, colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à audiência.
Cumpre apreciar e decidir.
*

2. FUNDAMENTAÇÃO

Conforme jurisprudência constante e assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), que se delimita o objeto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.
Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem de forma condensada as razões de divergência do recorrente com a decisão impugnada,
as questões submetidas ao conhecimento deste tribunal são:
1) Da proibição de valoração de depoimento da testemunha AA por violação do disposto no art.134º, nº 1, alínea a), do C.P.P. falta de advertência por parte do tribunal
2) Da proibição de valoração de depoimento indireto e da violação do disposto nos artigos 129º, nº 1 e 134º, nº 1, alínea a), do C.P.P. (testemunha BB e testemunha EE ouvir dizer) impugnação do facto 53
3) Da nulidade do acórdão por alteração (não) substancial dos factos – art.s 358º, 359º e 379º, do Código Processo Penal
4) Da nulidade do acórdão por insuficiência de fundamentação, nos termos do disposto no artigo 379º, nº 1, alínea a), ex vi do disposto no artigo 374º, nº 2, do C.P.P.,
5) Da nulidade do acórdão por falta de exame crítico da prova
6) Da impugnação restrita da matéria de facto:
- contradição insanável da fundamentação com alteração da matéria de facto e repercussão na medida concreta das penas parcelares aplicadas.
7) Não valoração da suspensão provisória do processo (facto nº25)
8) Da impugnação ampla da matéria de facto: violação princípio da livre apreciação e in dubio pro reo:
-os factos 10, 11, 12, 13, 14, 16, 17, 26, 29, 30, 31, 32, 42, 43, 63, 64, 65, 66, 67, 68, 69, 70, devem ser dados como não provados;
- o facto 21 da matéria provada deve ser dado como não provado.
- o facto 24 da matéria provada deve ser dado como não provado (erro notório na apreciação da prova).
-os factos 59, 77, 78 e 79 devem ser dados como não provados;
- o tribunal a quo não poderia dar como provada a factualidade prevista em p), r), s), t), u), v) na parte em que menciona que tal lhe provocou «dor, angústia e sofrimento», x), w), z), aa), ab), ac), ad), ae), af), na parte em que menciona «afectando o seu psicológico para sempre», ag), al) no que diz respeito ao pedido cível;
- os factos r) e s) da matéria de facto inerente ao pedido cível devem ser dados como não provados.
9) Preenchimento tipo de crime de violência doméstica, quanto ao seu filho BB: da degradação do crime e ilegitimidade do Ministério Público (facto 24 provado)
10) Da prescrição do crime de violência doméstica – vítima AA
11) Preenchimento tipo de ameaça (factos 40, 75, 76), p. p. artigo 153º, nº 1, do C.P.
12) Preenchimento tipo de homicídio na forma tentada versus crime de ofensa à integridade física grave, p. e p. pelo artigo 144º, alínea d), do C.P.
13) Escolha da espécie da pena
14) Da medida concreta das penas parcelares
15) Da indemnização civil: incapacidade temporária para o trabalho, danos futuros, danos morais e culpa do lesado.
16) Da nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia
--

Com relevo para a resolução das questões objeto do recurso importa,
a fundamentação de facto da decisão recorrida, que é a seguinte (transcrição):
Factos provados
1. O arguido e EE contraíram matrimónio no dia 05 de Outubro de 2008.
2. Fruto do casamento nasceu BB, a ../../2011.
3. Por sua vez, AA, nasceu a ../../2004, sendo filha de um primeiro relacionamento de EE.
4. Por altura do ano de 2006, EE e o arguido passaram a residir em comunhão de cama, mesa e habitação, juntamente com a filha daquela, AA, numa habitação sita na ....
5. À data, AA tinha cerca de dois anos de idade.
6. Após contraírem matrimónio, por questões relacionadas com a insolvência do arguido, acabaram por se divorciar no dia ../../2019, ainda que para todos os efeitos continuassem a viver em comunhão de cama, mesa e habitação sita na ....
7. Ali residiram até data não concretamente apurada sendo que pelo menos até ../../2011, data que em nasceu o menor BB.
8. Após, em data não concretamente apurada, mudaram de residência da ... para Rua ..., ..., em ....
9. O arguido passou a ter uma progressiva tendência para o abuso de álcool.
10. Na constância do relacionamento, o arguido, por várias vezes, no interior da habitação, discutia, com EE, sem qualquer motivo aparente e após ingerir em excesso bebidas alcoólicas, agredia, com chapadas, e com pontapés, agarrando-a pelos cabelos e arrastando-a, dessa forma, pela casa, e encostava-a pelo pescoço às paredes.
11. Há cerca de seis anos, no interior da habitação, o arguido, sem qualquer motivo ficou exaltado e partiu objectos que se encontravam no interior da cozinha, tendo a ofendida chamado a sua mãe II, para a auxiliar.
12. Na constância do matrimónio e enquanto habitavam em comunhão de cama, mesa e habitação, há pelo menos cinco anos, o arguido, no interior da habitação, concretamente na cozinha, pegou numa faca encostou-a junto ao pescoço da ofendida e disse-lhe que a matava.
13. Ainda em comunhão de cama, mesa e habitação, o arguido, por diversas vezes, no interior da habitação e no interior das instalações do local de trabalho de ambos, chamava a ofendida EE de “merda”, “porca” e que “devia ter vergonha”
14. Alguns destes factos e episódios foram perpetrados em datas e em circunstâncias que não foi possível apurar na presença dos menores AA e BB que em estado de pânico se fechavam no quarto.
15. No verão de 2021, a ofendida EE e o arguido separaram-se passando a viver na mesma casa, mas em quartos separados.
16. Entre outubro e novembro de 2022, a ofendida ausentou-se de casa e foi jantar fora, tendo chegado a casa pela 01h00, facto que enfureceu o arguido que, embriagado, pelas 05h00/06h00, foi ao quarto onde aquela pernoitava, agarrou-a pelos cabelos e desferiu-lhe vários estalos.
17. Em seguida, o arguido transportou, à força, o seu filho menor, do seu quarto, para o quarto onde EE pernoitava, enquanto dizia “Anda ver a tua mãe. Esta porca, vadia” entre outros impropérios, continuando com as agressões puxando-a da cama pelos cabelos, empurrando-a contra a parede e desferindo-lhe chapadas na face, tudo isto na presença do filho de ambos, na altura com 10 anos de idade.
18. No ano de 2022, EE pôs termo à relação.
19. Nessa altura, o arguido saiu de casa, sita Rua ..., ..., em ..., passando a ofendida a viver sozinha com o filho BB.
20. Apesar de tal facto, continuaram a trabalhar no mesmo local, numa agência de viagens de ambos, o arguido como comercial e a ofendida na parte financeira.
21. Entre os 5 e os 16 anos, sempre que AA tirava más notas, no interior da residência de ambos, o arguido gritava com ela, afirmando que não admitia que tivesse aquelas notas e, simultaneamente, atirava-a ao chão, arrastando-a pelos cabelos, o que sucedeu várias vezes.
22. Quando AA, tinha cerca de 8 anos de idade, o arguido, no interior da residência de ambos, munido com um cinto desferiu-lhe pancadas nas costas, causando-lhe dores e deixando-lhe marcas no corpo.
23. Nas mesmas circunstâncias de tempo, modo e lugar, o arguido dirigiu-se ao quarto de AA e arremessou e partiu todos os objectos decorativos que tinha no seu interior.
24. O arguido, quando o seu filho tinha cerca de nove anos de idade, porque estava mais agitado e queria brincar, agarrou-o pelo pescoço com uma mão, ergueu-o no ar e levou-o assim até ao quarto, suspenso na sua mão.
25. A ofendida AA, com 16 anos passou a residir com a sua avó após um episódio de natureza sexual perpetrado pelo arguido contra a ofendida a que deu origem ao inquérito nº ..., tendo o arguido beneficiado de SPP, ainda em vigor.
26. A ofendida, por vergonha, não relatava as condutas do arguido, dando sempre uma imagem de felicidade para os outros.
27. Desde que terminaram a relação, BB visitava o arguido sempre que este mostrava vontade de passar tempo com o filho, facto que a ofendida não obstaculizou.
28. Em janeiro de 2023, EE conheceu DD, passando a ter com ele um relacionamento amoroso.
29. Na altura já não coabitava com o arguido, mas este procurava controlar-lhe os movimentos.
30. O relacionamento amoroso entre EE e DD não foi do agrado do arguido, o que veio agravar a perseguição à ofendida motivado por ciúmes.
31. Passou a ofendida a ser diversas vezes surpreendida pela presença do arguido em locais distintos, onde não era possível ele saber que a mesma se encontrava.
32. O arguido questionava constantemente a ofendida EE e o seu filho sobre o seu paradeiro e com quem falava ao telefone, tendo afirmado à ofendida, em Fevereiro de 2023, que sabia onde aquela andava e a que horas chegava a casa, exibindo-lhe à mesma prints da sua localização.
33. No dia 11 de Fevereiro de 2023, pelas 19h50m, na Rua ..., ..., residência do arguido, este enviou fotos a EE, com os pulsos cortados e mensagens a afirmar que ia cometer uma “loucura”.
34. EE, em pânico, ligou de imediato ao 112, tendo o arguido sido auxiliado.
35. No dia 08 de Março de 2023, pelas 04h55m, o arguido enviou uma mensagem a JJ, pai de EE, com o seguinte teor: “Boa noite Sr. JJ, quando acordar, Por favor Ligue comigo. Não o quero estar a incomodar a esta hora mas cheguei a casa agora mesmo e fui com o Toni. A EE está num motel do pior que há com um fulano e preparasse para chegar a casa as 07h00 da manhã para acordar o menino.”
36. No mesmo dia, pelas 4h57, o arguido continuou com a mensagem, referindo: “Isto não é admissível desculpe o desabafo mas da minha parte a EE nem um centavo vê e não adianta usar o nome do meu filho para viver as minhas custas. O homem com quem ela dorme que a sustente. Desculpe mais uma vez. CC”.
37. Durante a madrugada do mesmo dia, quando a ofendida pernoitava num motel com DD, o arguido telefonou e enviou mensagens à ofendida informando que sabia exactamente onde estava, afirmando que ia contar tudo à sua família e que iria aguardar a sua chegada à porta da sua casa, razão pela qual a ofendida, com receio do que o arguido viesse a fazer, contactou a PSP que se deslocou ao local da sua residência.
38. Uma vez nesse local, o OPC confrontou o arguido para que esclarecesse porque razão se encontrava naquele local, ao que o mesmo respondeu que estava na companhia do pai de EE que queria falar com esta.
39. Entre o mês de Abril a Junho de 2023, o arguido enviou várias mensagens quer a EE quer a DD.
40. Em relação a DD destacam-se as seguintes mensagens:
- mensagem enviada 02.04.2023, pelas 14h36m, com o seguinte teor: “Sei onde Moras, as tuas filhas e ex Mulher (…)”, no mesmo dia pelas 15h18 e 15h23 com o seguinte teor: “Tens as pernas no sitio. E a tua ex sei quem é um amor de Mulher muito sofrida, mas chupa E Fode bem. Vez como é a vida. Até o nome das tuas filhas sei. Fica com ela e com a tua ex”;
“Já sei a tua morada, eu trato do assunto. Fica bem”.
41. Por sua vez, o arguido enviou a EE as seguintes mensagens: “Tem um pouco de vergonha, já não vais ter a casa e o carro por muito mais tempo só até agosto mas não me faças passar vergonhas a meter esse fulano a dormir aí em casa. Cada um dorme na cama que se deita e tu estás a prepará-la a tua maneira. Não te queixas das consequências.” – Mensagem enviada pelo arguido para EE 19 de Junho de 2023, pelas 01h52m; “Já és vista como uma mulher vulgar que era minha ex-mulher e que agora não és ninguém.” – Mensagem enviada pelo arguido para EE no dia 19 de Junho de 2023, pelas 23h29;“Não voltas a ter acesso a falar comigo. Não tens nível nem posição para me ter acesso. Podes falar com o meu advogado.” – Mensagem enviada pelo arguido para EE a 20 de Junho de 2023, pelas19h10m.
42. No dia 13 de Abril de 2023, pelas 13h55m, no interior das instalações da agência de viagens, sita na Avenida ..., Porto, o arguido encetou uma discussão com a ofendida, e disse “para ela ter vergonha” e, em seguida, puxou-lhe os cabelos
43. Em Abril de 2023, no interior de um caixote de lixo, do escritório da agência, foi deixada uma caixa de uma faca, vazia.
--

facadas
44. No dia 14 de Julho de 2023 o arguido foi a casa de EE, buscar o filho para passar o fim-de-semana com ele, regressando no dia 16 de Julho de 2023, pelas 22h30m.
45. Quando chegou, o arguido tocou à campainha da residência de EE, acompanhado do seu filho.
46. EE, através do videoporteiro verificou que se encontrava à porta do edifício o seu filho, juntamente com o arguido, pelo que abriu a porta e o menor subiu pelo elevador.
47. Quando o menor entrou em casa, a campainha voltou a tocar de forma insistente, sendo o arguido quem de forma contínua pressionava o botão.
48. EE questionou-o quanto ao que pretendia, tendo aquele pedido para que descesse e lhe entregasse uma chave de um cofre que alegadamente teria em sua posse.
49.A EE recusou, continuando o arguido a pressionar a campainha, continuando a ser ignorado.
50. Alertado pelo toque insistente, DD, que se encontrava no interior da habitação, questionou EE relativamente ao sucedido, sendo que aquela acabou por referir que era o arguido e que aquele tinha dito, “Se não vens tu cá abaixo, diz ao filho da puta do morcão do teu namorado para vir ele”.
51. DD ligou para o telemóvel do arguido dizendo-lhe que estava na altura de por termo àquele comportamento, ao que o arguido respondeu, em tom exaltado: “Eu já saí daí, mas vem cá fora que já falamos os dois”.
52. No momento em que o ofendido DD chegava à entrada do prédio, exaurido com o comportamento do arguido com a ofendida EE, o arguido, conduzindo o seu veículo da marca ..., de cor branca, passou a entrada do prédio, inverteu o sentido de marcha e estacionou no lugar existente defronte da farmácia, no lado oposto da via.
53. Quando o DD saiu, o seu filho alertou EE que o arguido estava armado com uma faca, que trazia nas calças.
54. DD, saiu, exaltado, e foi de encontro do arguido que se encontrava junto da sua viatura, estacionada parcialmente em cima do passeio do outro lado da Rua.
55. DD, atravessou a rua e foi ao encontro do arguido que estava a sair do interior da viatura enquanto lhe berrava, chamando-lhe repetidamente “filho da puta”.
56. De seguida, o arguido saiu do interior da viatura, deixando a porta do condutor aberta, tendo de imediato lhe desferido pontapés ao que DD reagiu, agarrando-se àquele tombando ambos para o interior da viatura, desferindo-lhe socos, iniciando-se uma altercação física entre ambos.
57. A dada altura saíram ambos do interior do carro, mas mantiveram-se as agressões, sendo que em momento que não foi possível precisar, o arguido já havia atingido o DD com a faca aludida em 53, no dorso, na zona lateral que de imediato começou a sangrar
58. Acto seguido e ainda envolvidos fisicamente, já no exterior da viatura, o arguido desferiu com a mesma faca mais 3 outros golpes que atingiriam o DD no tórax e no braço
59. Seguidamente, DD começou a correr, em direção aos acessos da praia e o arguido, sempre a empunhar a faca, foi atrás dele, por apenas alguns metros, pois começaram a juntar-se várias pessoas no local, o que o inibiu de continuar no encalce da vítima que se encontrava em fuga.
60. O arguido regressou à sua viatura e colocou-se em fuga.
61. Como consequência directa e necessária da conduta perpetrada, DD sofreu no tórax, na vertente lateral do hemitórax esquerdo, ao nível da linha axilar anterior e 5º espaço intercostal, apresenta uma cicatriz, ligeiramente ruborizada e espessada, com 3 cm por 1 cm de dimensões máximas. Na vertente lateral do hemitórax esquerdo, ao nível da linha axilar posterior ao nível do 6º espaço intercostal, apresenta cicatriz irregular com 6cm por 2 cm de dimensões máximas. Ao mesmo nível que esta cicatriz, em posição mais posterior, já na vertente póstero-lateral do hemitórax esquerdo apresenta uma cicatriz com 1, 5cm de comprimento. Duas cicatrizes irregulares na região esquerda, a maior com 1, cm por 1 cm de dimensões máximas. No membro superior esquerdo: ombro sem limitação de mobilidade ativa, passiva, contra-resistências, sem amiotrofias. Discreta dor na inserção da coifa dos rotadores nos extremos dos movimentos de abdução e flexão, Cicatriz na vertente posterior do braço, de forma triangular, com 1,5 cm por 1,5 cm de dimensões máximas.
62. Da conduta perpetrada pelo arguido resultou, em concreto, perigo para a vida de DD (hemopneumotórax hipertensivo e com necessidade de transfusão de glóbulos rubros devido a hipovolémia pelo hemopneumotórax)), cuja situação clínica ficou consolidada a 26.09.2023 – tudo sem prejuízo das sequelas e lesões permanentes infra descritas de j. a al.
dolo
63. Com o comportamento supra descrito pretendeu e conseguiu o arguido molestar o corpo de EE, causando-lhe dores, mostrando-se indiferente pelo estado em que a deixava.
64. Pretendeu ainda o arguido com o seu comportamento humilhar a ofendida, assustando-a e diminuindo-a no respeito que lhe era devido, atingindo-a na sua honra e consideração.
65. Ao ouvir as palavras e mensagens que lhe foram dirigidas pelo arguido, bem como a sua perseguição, a ofendida ficou receosa, temendo que aquele viesse, num futuro próximo, a atentar contra a sua vida ou integridade física.
66. O arguido quis ainda forçar EE a reatar a coabitação, o que não conseguiu por circunstâncias alheias à sua vontade.
67. Sabia que as expressões que proferiu aliadas ao seu comportamento repetido e obsessivo, eram idóneas a provocar na ofendida medo que o mesmo atentasse contra a sua integridade física e vida e cerceá-la na sua liberdade, desiderato que perseguiu e alcançou.
68. Com a sua atuação, perseguindo e dirigindo-se à sua mulher e ex-companheira, da forma descrita, o arguido quis maltratá-la física e psicologicamente, no seu corpo e na sua saúde, o que efetivamente conseguiu.
69. Agiu querendo assumir controlo sobre a vida da ofendida, impondo constantemente a sua presença e condicionando a liberdade de movimentação e sexual daquela e exercendo grande e prolongada pressão psicológica sobre a mesma.
70. Condutas que o arguido perpetrou na presença do seu filho menor e de AA, filha de EE, menor de idade que consigo coabitava.
71. Com o comportamento supra descrito pretendeu e conseguiu o arguido molestar o corpo de AA, menor de idade, causando-lhe dores, mostrando-se indiferente pelo estado em que a deixava.
72. Pretendeu ainda o arguido com o seu comportamento humilhar a ofendida, assustando-a e diminuindo-a no respeito que lhe era devido, atingindo-a na sua honra e consideração, ciente que se tratava de pessoa menor de idade, particularmente indefesa, em razão da sua idade e que tal circunstância a impossibilitava de se defender perante um adulto.
-
73. Com o comportamento supra descrito pretendeu e conseguiu o arguido molestar o corpo de BB, seu filho e menor de idade, causando-lhe dores, mostrando-se indiferente pelo estado em que o deixava.
74. Pretendeu ainda o arguido com o seu comportamento humilhar o ofendido, assustando-o com os seus comportamentos agressivos, ciente que se tratava de pessoa particularmente indefesa, em razão da sua idade e que tal circunstância o impossibilitava de se defender perante um adulto.
-
75. Ao ler mensagens que lhe foram dirigidas pelo arguido, num contexto de grande conflitualidade, o ofendido DD ficou receoso, temendo que aquele viesse, num futuro próximo, a atentar contra a sua integridade física, bem como das suas filhas, com 12 e 15 anos de idade.
76. Sabia o arguido que tais afirmações eram idóneas a causar no ofendido, como efectivamente causou, receio pela sua integridade física, bem como das filhas menores daquele.
77. O arguido actuou, com o propósito de tirar a vida a DD, utilizando uma faca, que previamente levou consigo, sabendo que a actuação levada a cabo e o meio por si utilizado era idóneo à produção do resultado pretendido.
78. O arguido só não concretizou os seus intentos por circunstâncias alheias à sua vontade, nomeadamente porque o ofendido conseguiu fugir, pelo facto de se aglomerarem pessoas que levou o arguido a não continuar a perseguir o ofendido e pela rápida intervenção médica.
79. O arguido mais sabia que o meio por si utilizado era idóneo à produção do resultado pretendido, bem como, que o mesmo continha em si uma perigosidade acrescida.
80. O arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal
--

O arguido sofreu as seguintes condenações:
-no âmbito do proc.º 672/19.2PAVCD, por sentença transitada em julgado a 12.12.2019, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, acrescida da sanção acessória de proibição de conduzir pelo período de 6 meses, pela prática a 3.11.2019 de um crime de condução sob influência do álcool
- no âmbito do proc.º 786/23.4PPPRT, por sentença transitada em julgado a 25.09.2023, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, acrescida da sanção acessória de proibição de conduzir pelo período de 9 meses, pela prática a 23.06.2023 de um crime de condução sob influência do álcool.
--
Das condições pessoais, familiares, sócio-económicas e profissionais do arguido:
O arguido contraiu matrimónio com EE, quando tinha cerca de 33 anos, tendo o casal desta relação um descendente em comum, presentemente com 12 anos de idade. O casal veio a divorciar-se em 2019, por motivos de insolvência do arguido, sendo que mantiveram a coabitação e o relacionamento afetivo até meados de 2021, altura em que se separam definitivamente.
CC residia com o ex-cônjuge, a ofendida, filha desta, e o descendente de ambos, em apartamento propriedade do ex-cônjuge do arguido/ofendida no presente processo, tipologia 3, com condições de habitabilidade, localizada em ....
O arguido, decorrente da degradação da relação conjugal, veio a separar-se do ex-cônjuge, passando a residir temporariamente no domicílio da irmã, apartamento arrendado, tipologia 2+1, com condições de habitabilidade, onde residia também de forma intermitente o sobrinho. Posteriormente arrendou apartamento, na ..., tipologia 1+1, sito na Av. ..., que justificou com a proximidade ao colégio do descendente e possibilidade de ser um progenitor presente no processo educativo e desenvolvimental do mesmo.
Avalia o relacionamento afetivo com a ofendida como globalmente positivo, considerando que a sintomatologia depressiva, que atribuiu aos processos de luto pelo falecimento dos progenitores, 2020 e 2021, e os seus consumos de álcool que contribuíram para um progressivo isolamento pessoal, afastamento afetivo e consequente degradação da relação que culminou em rutura. Posteriormente à separação reporta que manteve um relacionamento e comunicação cordial, positiva, nomeadamente no que refere a questões familiares/parentais e profissionais, tendo mantido colaboração laboral até meados de 2023, na empresa da qual o ex-cônjuge/ofendida era sócia-gerente.
O arguido a partir de 21.07.2023, decorrente da aplicação de medida de coação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, integrou o agregado da irmã, LL, de 56 anos, inativa por motivos de saúde. A habitação, sita na rua ..., Porto, é um apartamento arrendado, tipologia 2, descrito como tendo condições básicas de habitabilidade, não obstante o arguido considerar o espaço exíguo, localizado em zona urbana sem significativa incidência de problemáticas sociais e/ou criminais. As dinâmicas familiares foram retratadas como apoiantes.
CC mantém visitas quinzenais ao descendente, de acordo com o estabelecido na regulação das responsabilidades parentais, no entanto refere que há cerca de um mês que tal não tem sucedido uma vez que o elemento familiar que geralmente efetua o transporte do menor para as visitas, irmão da ofendida, se encontrará indisponível por motivos de trabalho.
CC concluiu o 12º ano através da frequência de curso profissional na área do turismo, posteriormente efetuou curso de Turismo, na Escola 1... e bacharelato em Turismo, na Escola 2.... Teve a sua primeira experiência profissional aos 21 anos de idade, como paquete em agência de viagens propriedade do progenitor, posteriormente passou por várias áreas dentro da agência, sendo que após 4 anos de integração passou a deter 10% da sociedade, que vieram a vender em 1998. O progenitor criou nova agência de viagens, detendo o arguido cerca de 10 % da mesma, que mantiveram até 2010, data em que abriram falência. Laborou cerca de 3 anos em outra agência de viagens, propriedade do progenitor, período após o qual saiu para ocupar as funções de diretor comercial na empresa “A... Unipessoal, Lda.”, da qual era sócia-gerente a ofendida, EE, onde se manteve cerca de 10 anos, até junho de 2023, data na qual refere ter cessado funções por sua iniciativa.
CC reportou ter constituído a empresa “B... Unipessoal, Lda.”, a operar na área do turismo como agência de viagens, em data que não soube precisar, mas anterior a junho de 2023, na qual mantém até ao momento funções de sóciogerente, sendo o único funcionário, segundo refere. O arguido relatou trabalhar diariamente, a partir de casa, narrando constrangimentos à atividade pela impossibilidade de manter contactos presenciais com os seus clientes, após lhe ter sido indeferido o requerimento para se deslocar diariamente ao escritório/sede da empresa, localizada na Avenida ... Porto.
Ao longo do período em que viveu com a ofendida, o arguido reportou que auferia o salário mínimo nacional, acrescido de prémios de vendas, sendo a gestão da economia do agregado realizada em conjunto com a ofendida, que este referiu auferir cerca de 1200Euros. De acordo com o arguido, o casal dispunha de uma situação económica equilibrada e confortável, apresentando como principais despesas fixas mensais os encargos com a prestação do empréstimo da habitação, cerca de 400Euros, condomínio,cerca de 110Euros, despesas com a educação do descendente em comum e a descendente da ofendida, ambos a frequentar estabelecimento de ensino privado, cerca de 1000Euros.
Presentemente, CC reporta auferir o salário mínimo nacional, valor ao qual acrescem prémios sazonais relativos às vendas efetuadas, em montantes que o mesmo não precisou. Avalia a sua situação financeira pessoal como precária, porquanto lhe exigirá uma gestão cuidada para colmatar as suas despesas fixas mensais, que neste momento se prendem com a renda do apartamento onde residia anteriormente à aplicação da medida de coação de Obrigação de Permanência na Habitação com Vigilância Eletrónica e que mantém, sito na ..., no valor de cerca de 650Euros, prestação do crédito para aquisição do veículo automóvel, cerca de 400Euros, pensão de alimentos do descendente, 150Euros, participação de 50% da mensalidade do colégio do descendente, no valor de cerca de 230Euros, contributo para as despesas no agregado da irmã, cerca de 150Euros.
O agregado da irmã do arguido subsiste da Prestação Social para a Inclusão (PSI) da qual esta é beneficiária, no valor de cerca de 600Euros, sendo que a mesma confirma o apoio financeiro/contributo prestado pelo arguido no valor de cerca de 150 euros. A situação financeira do agregado foi avaliada como modesta, sendo apresentadas como principais despesas fixas mensais os encargos com a renda da habitação, cerca de 256Euros, fornecimento de eletricidade, cerca de 100Euros, fornecimento de água, cerca de 20Euros, e telecomunicações, cerca de 40Euros.
No que refere à saúde, o arguido assume consumos abusivos de álcool situação que o levou a recorrer a consulta de psiquiatria, em setembro de 2020, então em estabelecimento de saúde privado, que mantém com regularidade mensal, efetuando tratamento psicofarmacológico. A partir de 14.10.2022, passou a ser acompanhado na consulta de alcoologia na Unidade de Alcoologia do Porto. Em 27.03.2024, a médica que o acompanha, declarou que este revelava motivação e cooperação no tratamento. CC afirma estar abstinente de consumo de álcool há cerca de 6 meses.
À data dos factos pelos quais vem acusado, tratando-se de um período alargado de tempo, o quotidiano do arguido era organizado sobretudo em função da atividade profissional e convívio familiar.
Presentemente, CC ocupa-se primordialmente com a atividade profissional, convívio com a irmã e com o descendente, refere ainda fazer exercício físico e ver televisão.
No âmbito do processo ... do Ministério Público – Procuradoria da República da Comarca do Porto, DIAP – Secção de Vila do Conde, no qual foi indiciado por crime de importunação sexual agravado na pessoa da filha da ofendida/enteada do arguido, no presente processo, beneficiou de suspensão provisória de processo pelo período de 24 meses, sujeito às injunções de comparecer na DGRSP sempre que para tanto convocado, sujeitando-se a programas de intervenção que venham a ser reportados como necessários e a submeter-se ao acompanhamento por parte de tal entidade e manter o acompanhamento médico especializado ao nível da psiquiatria, cumprindo as prescrições/tratamento que lhe forem prescritos para tratamento da sua adição ao álcool. Do acompanhamento que decorreu entre maio de 2022 e abril de 2024, foi considerado que o arguido manteve uma adesão positiva à intervenção destes Serviços da DGRSP, bem como aderiu à intervenção clínica junto da Unidade de Alcoologia do Porto e da Consulta de Sexologia Clínica do Hospital 1..., para o qual foi encaminhado.
No âmbito do presente processo permanece com medida de coação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, desde 21.07.2023, não havendo registo de incidentes no decurso da mesma.
Face ao presente confronto com o sistema da administração da justiça penal, o arguido verbaliza preocupação face à sua situação jurídico penal, narrando significativo impacto da mesma ao nível pessoal e profissional decorrente da medida de coação que lhe foi aplicada e implicações na gestão do seu quotidiano e privação de liberdade.
Solicitado a ponderar eventual adesão a medida na comunidade, verbalizou disponibilidade para cumprir com o judicialmente determinado, não obstante perspetivar uma decisão favorável para si.
O arguido é tido como pessoa empenhada, bom profissional, preocupado com colegas de trabalho; e bem assim como pai carinhoso e dedicado.
--

Mais se provou que
a. A mudança de residência aludida em 8 ocorreu por volta do ano de 2015
b. Quando a EE estava grávida do filho de ambos, com cerca de 7 meses, o arguido agrediu-a na cabeça com pontapés, pegou-lhe pelos cabelos e empurrou-a contra a parede
c. Nas demais circunstâncias descritas em 17 o arguido também apelidou a EE de “vaca” e “ordinária”, enquanto dizia ao filho que ela tinha acabado de chegar a casa.
d. Nas demais circunstâncias aludidas em 24 como o arguido agarrou e ergueu o
filho deixou-o sem conseguir respirar
e. Nas demais circunstâncias descritas em 31 e 32 o arguido manteve no telemóvel da ofendida, num período de tempo que não foi possível apurar, uma aplicação que permitia determinar a sua localização e questionava as funcionárias da agência de viagens onde trabalhavam dos horários de entrada e saída da ofendida
--
Apurou-se ainda que
f. Em data e circunstâncias que não foi possível precisar a ofendida EE enviou ao arguido a seguinte mensagem “No que depender de mim vais apodrecer na cadeia”
g. O arguido e o filho mantêm uma ligação próxima, fortalecida entre os dois com jogos passeios, palavras carinhosas e mensagens de boa noite; desejam estar ao fim de semana mesmo o filho sabendo que o pai não pode sair de casa.
h. O arguido a ofendida, e os filhos foram de férias juntos: em 2021 a Espanha (Benidorm); em 2020 ao Dubai; fim de semana no ...; fim de semana em Évora; férias na Isla Canela e Congresso de ... na Ilha da Madeira onde ficaram hospedados no C...; em 2018 à Alemanha (feira de Congresso de ...); fizeram um cruzeiro no Mediterrâneo (Sardenha em Abril); férias em Palma de Maiorca; em Ibiza (em Agosto) e à Tunísia (Djerba em Setembro); em 2017 a Londres; Milão; fizeram um cruzeiro no Mediterrâneo (Riviera Francesa); férias em Palma de Maiorca (D...), no Algarve (Hotel ...), fim de semana em Óbidos e em Fátima (aqui na companhia dos pais da sua ex-mulher); em 2016, férias no Algarve (E...), em Menorca e a Óbidos, aqui com a família da sua ex-mulher; 2015, férias no Algarve; ao longo dos anos fins de semana na casa de férias do pai do arguido em ... –
...
i. A ex-mulher do arguido, como única sócia gerente da sociedade A... recebia no seu telemóvel via sms os códigos de acesso bancário para serem autorizados os movimentos como pagar viagens a clientes, salários e despesas
-
Provou-se também que
j. No dia 17 de julho de 2023, o demandante (assistente) para sobreviver, foi sujeito a uma intervenção cirúrgica no Hospital 2... EPE
k. A qual teve como propósito intervencionar trauma torácico penetrante de baixa cinética (arma branca) à esquerda:
- 4 feridas cortocontusas de 2 cm (duas na omoplata esquerda, uma na linha axilar posterior e outra na linha axilar média), com pneumotórax;
- pneumomediatino e hemorragia abundante no local com compromisso respiratório imediato;
- disfunção cardiocirculatória (taquicardia e lactatos);
- enfisema subcutâneo na região cervical, axilar e do ombro esquerdos;
-hematoma bem circunscrito e flutuante subjacente às duas feridas
l. Manteve-se internado e sob observação até ao dia 24 de Julho de 2023, na sobredita unidade, data em que lhe foi dada alta, com consequente recuperação.
m. No que concerne ao processo de reabilitação profunda ainda esteve limitado e condicionado até 26 de Setembro de 2023 e após, ainda com sequelas, não conseguiu reatar logo a sua vida de forma normal
n. A reabilitação consistiu em repouso absoluto, cuidados de penso, toma d e medicação e vigia de sinais de alarme,, nomeadamente referentes a febres e dificuldades respiratórias.
o. As referidas lesões implicaram ainda uma ITA para o trabalho de 17 de julho e 26 de setembro de 2023
p. O que mesmo após retomar a actividade laboral exige do demandante (assistente) um quantum doloris por esforço suplementar, físico e psíquico, para obter o mesmo resultado do seu trabalho.
q. O demandante exercia e exerce as funções de vendedor/comercial de vinhos.
r. Auferindo o salário médio de € 1.534,54
s. Actualmente em média o seu rendimento não excede os € 1.300,00 decorrente das suas dificuldades que não lhe permitem desempenhar as suas funções nos mesmos termos em que as executava.
t. Em consequência do evento o demandante sofreu inúmeros e dolorosos tratamentos.
u. Conduzido ao Hospital 2... e submetido a intervenção cirúrgica causou enorme transtorno e perturbação.
v. A qual afectou o seu ritmo de vida e hábitos porque implicou que ficasse dependente de terceiros até pelo menos 26 de setembro de 2023 e porque lhe provocou dor, angústia e sofrimento.
x. Durante o período supra relatado o ora demandante esteve imobilizado, vendo cerceada a sua liberdade de movimentos e a possibilidade de usufruir da sua habitual vida social e profissional
y. O demandante apresentou necessidade de recorrer a inúmeros tratamentos de pensos e de infeções com pontos
w. Tais tratamentos realizados numa zona sensível e delicada como a zona do tórax, causaram-lhe sofrimento e incómodo.
z. Em consequência sofreu inúmeras dores com o incidente ao nível das zonas corporais envolvidas, foi obrigado à ingestão forçosa de substâncias medicamentosas para as atenuar e forçado ao período de recobro no hospital e em casa, bem como à redução parcial da sua mobilidade.
aa. O assistente anda deprimido e sente pejo em frequentar a praia e o ginásio
ab. Sente constrangimentos no uso de calções durante o período de verão, sendo que é nesse período que aumenta a exposição e visibilidade dos danos estéticos.
ac. O demandante ficou com cicatrizes que perturbam a sua autoestima, que inviabilizam as suas idas à praia, inviabilizam as suas idas ao ginásio e de exibir o seu corpo em público, perturbação esta que se manterá para sempre.
ad. Tal gera um desconforto ao demandante ao demandante (assistente) face ao sentimento de desaprovação que lhe gera face a si mesmo, bem como à sua percepção da possibilidade de que isso venha a provocar desapreço nas outras pessoas e nas suas relações.
ae. Isso causou ao ora demandante profundo desgosto na medida em que sempre teve um cuidado especial com a sua imagem e com o seu bem-estar físico, o que condiciona actualmente a sua personalidade.
af. As cicatrizes que apresenta no tórax resultantes das punhaladas desferidas pelo arguido e consequentes intervenções realizadas produzem um dano estético que o irá perseguir o resto da sua vida e que o relembrarão esse evento afectando o seu psicológico para sempre.
ag. O demandante sentiu-se profundamente envergonhado e injustiçado com o ataque de que foi alvo pelo arguido, ficando inclusivamente dominado por um sentimento de enorme terror, angústia e intranquilidade face ao receio de represálias do arguido, ainda que por meio de terceiros.
ah. O demandante (assistente) sempre foi uma pessoa estimada e respeitada no seu meio profissional dos vinhos, sendo-lhe reconhecida uma grande autoridade moral e profunda honestidade.
ai. Que viu colocada em causa em virtude dos acontecimentos ocorridos, os quais foram expostos na imprensa nacional por meio de diversos noticiários e jornais, com contornos pouco precisos e que permitiram especulações infundadas.
aj. Tal levou a que algumas pessoas suscitassem dúvidas sobre a sua idoneidade e sobre o tipo de pessoa que mantinha no seu círculo íntimo.
ak. Sendo objecto de comentários, no seu meio e abordagens mais indecorosas para si próprio e envolvendo os seus familiares.
al. Tudo isto fez com que o demandante ficasse deprimido, receoso e entristecido, deixando de apresentar a sua habitual força de viver a que havia habituado os seus clientes, parentes e amigos.
--

Factos não provados
Não se provou que
I. Na altura em que estava grávida do filho de ambos, o arguido, embriagado, arremessou uma peça de decoração à ofendida EE, atingindo-a na cabeça, causando-lhe dores e um pequeno ferimento sangrante, que a própria curou em casa.
II. No ano de 2011, após o nascimento de BB, o arguido, alcoolizado, durante a madrugada, no interior da habitação, decidiu que pretendia manter relações sexuais com a ofendida EE e, por que esta não lhe apetecia, o arguido puxou-lhe os cabelos, desferiu-lhe repetidamente bofetadas na cara, até lograr os seus intentos libidinosos.
III. Nas demais circunstâncias aludidas em 13 o arguido também dizia à ofendida que “sem ele nunca seria nada”, “que ninguém iria acreditar em nada do que ela dizia”, ridicularizava as suas origens humildes, procurando explorar a sua dependência económica e emocional como forma de garantir que a ofendida o não deixaria.
IV. Nas demais circunstâncias descritas em 14 os menores tinham também receio pelas suas integridades físicas
V. Nas demais circunstâncias aludidas em 17 o arguido também dizia ao filho menor “Anda ver como se faz”.
VI. O arguido actuou nas demais circunstâncias aludidas em 24 porque o filho estava a fazer uma birra.
VII. Enquanto habitavam em comunhão da cama, mesa e habitação, o arguido partiu portas interiores da habitação danificando-as
VIII Sem prejuízo e para além do descrito em e. o arguido ordenava, ainda, a MM, funcionária da agência, que lhe informasse, por mensagem, sempre que EE chegasse e saísse ao seu local de trabalho, o que sucedeu pelo menos, desde o dia 09 de Março de 2023.
IX. Nas demais circunstâncias descritas em 42 o arguido disse “vai para o caralho, não preciso de ti para nada” e desferiu pancadas na cabeça da ofendida e apertou-lhe os braços, causando-lhe dores.
X. Nas demais circunstâncias descritas em 43 foi o arguido quem deixou a tal caixa no caixote do lixo, contendo mesma na tampa uma foto de uma faca com os dizeres “Ou é para mim ou é para ti”.
XI. No início de Julho de 2023, o arguido através do IPAD falou com o seu filho menor disse-lhe que ia para fora do país para ganhar dinheiro, indagando-o se queria ir com ele.
XII. Nas demais circunstâncias descritas em 48 correspondia ou não à verdade estar na posse da ofendida a tal chave (que não a chave do escritório).
XIII . Nessas mesmas circunstâncias a EE percebeu que o propósito do arguido era fazê-la descer para a agredir.
XIV. O arguido trazia a faca na parte de trás das calças nas demais circunstâncias descritas em 53
XV No momento descrito em 57 o arguido desferia socos a DD.
XVI Nas demais circunstâncias descritas de 56 a 58, o arguido recolheu do lado direito das calças a tal faca, quando se encontrava junto da bagageira do seu veículo.
XVII Para além das demais circunstâncias descritas ainda de 56 a 58, o arguido com a mão cerrada direcionou o objecto que empunhava por quatro vezes consecutivas (braço para a frente e pata trás, paralelo ao chão) na direcção do DD
XVIII. Nas demais circunstâncias descritas em 40 e 75 o ofendido DD também temeu que o arguido viesse a atentar contra a sua vida
XIX. O arguido, ao levar consigo uma faca e tocar insistentemente na campainha da ofendida pretendia provoca-la, bem como a que com ela estivesse.
XX. Para além e nas demais circunstâncias descritas em 75 e 76, por referência também ao descrito em 40, sabia o arguido que as afirmações eram idóneas a causar ao ofendido DD receio pela sua vida bem como das suas filhas
XXI. Nas demais circunstâncias descritas em 77 o arguido actuou premeditadamente
XXII. Quando o arguido permanecia no escritório no 3.º andar e a sua ex-mulher na agência de viagens no rés-do-chão vinha bater-lhe à porta para utilizar o quarto de banho do 3.º andar e para não usar o quarto de banho que servia o rés-do-chão e o espaço da loja
XXIII. Nas circunstâncias supra descritas em i., por indiferença a ofendida ignorava o recebimento de tais códigos e, a maior parte das vezes, só com a intervenção das funcionárias da agência, alertando para a iminente consequência dos passageiros não poderem voar é que os facultava.
XXIV. Tais atitudes sempre estranharam o arguido, mas nunca lhe passou pela ideia que durante o tempo que isso se passava a sua ex-mulher desviava da conta bancária da agência de viagens quantias muito elevadas em dinheiro que eram necessárias a garantir as viagens dos clientes.
XXV. O arguido apurou que a sua ex-mulher gastaria uma média mensal de cerca de 4 a 5 mil euros, a maior parte em objectos supérfluos, como roupas e estéticas.
XXVI. Em Dezembro de 2022 o valor exacto dos gastos ascenderam a € 4.749,83; em Novembro de 2022 a € 4.302,14
XXVII. No período de 1 de Maio de 2023 a 9 de Junho de 2023, em levantamentos e transferências da conta da agência para uso pessoal ou interesses particulares a sua ex.mulher retirou €15.058,28, sendo € 7.225,72+€5.000,00 do Banco 1... e € 2.832,56 do cartão F...
XXVIII. Dando-se o arguido conta que no 1.º semestre de 2023 os valores apropriados pela sua ex-mulher tenham ascendido a cerca de € 70.000,00
XXIX. Mesmo a indemnização que o arguido recebeu da Companhia de Seguros G... por um acidente de trabalho que sofreu, cerca de metade de € 5.200,00 foi apropriada pela sua ex-mulher para constituir um depósito bancário em nome dela.
XXX. Foi após conhecer os levantamentos de dinheiro que o arguido não teve outra alternativa senão rescindir o seu contrato de trabalho, por não ser possível continuar na empresa sem cumprir com as obrigações para com os seus clientes.
XXXI. Havia um acordo entre o arguido e a sua ex-mulher de não uso e habitação da casa por estranhos que foi quebrado, casa essa que a sua ex-mulher vendeu a 9.10.2023 pelo preço de € 220.000,00, dos quais € 100.000,00 correspondem a ganho que recebeu sem dar conhecimento ao arguido.
XXXII. Nas circunstâncias de tempo, lugar e modo descritas de 50 a 60, o arguido foi asfixiado por DD que o agarrou e apertou o pescoço, com força.
XXXIII. ao mesmo tempo aquele exibia junto ao pescoço do arguido uma faca, tipo canivete e dizia-lhe: vou-te matar.
XXXIV. Tal sucedeu com o arguido sentado dentro da sua viatura automóvel, no lugar do condutor e o DD com o corpo em cima dele, fazendo força.
XXXV. Para isso o DD penetrou no carro onde estava o arguido, contra a sua vontade.
XXXVI Por virtude dessa actuação o arguido sofreu equimoses na zona frontal do pescoço.
XXXVII. O arguido tentou libertar-se do DD.
XXXVIII. Sentindo que a faca tinha caído da mão do DD, o arguido pegou nela e em sofrimento causado pela asfixia fez movimentos para o picar nas costas.
XXXIX. O DD parou a agressão e saiu do carro.
XL. Quando o arguido Conseguiu sair do carro já o DD corria e afastava-se em direcção à praia.
XLI. Assustado com os acontecimentos e o sangue na mão, deambulou à volta do carro sem saber o que fazer, largou a faca e regressou a casa de carro.
XLII. Manifestou preocupação com o DD ao tentar saber a gravidade dos ferimentos.
XLIII. Foi o DD que desafiou o arguido a vir ter com ele, fazendo-lhe sucessivos telefonemas e dizendo-lhe: filho da puta, não és homem não és nada; anda cá se és homem.
XLIV. Quando o arguido veio ter com aquele, estacionou o carro e o DD do passeio, do outro lado da rua chamava-lhe repetidamente, de viva voz, filho da puta.
XLV. De repente, ainda antes de o arguido poder sair do carro, aquele correu na sua direcção abriu a porta do condutor e iniciou a agressão e a ameaça.
XLVI. O arguido não sabia sequer que o DD se encontrava em casa da sua ex-mulher, tendo sido este que lhe disse onde estava.
XLVII. Nas circunstâncias descritas em 44 e 45 o arguido certificou-se de que menor tinha entrado no elevador e tocou à campainha da porta da rua apenas com o intuito de pedir a chave do cofre do escritório no Porto.
XLVIII. Chave essa que se encontrava e encontra na posse da sua ex-mulher
XLIX. O arguido insistiu pela sua entrega, disse-lhe que a mesma lhe fazia falta para ter acesso a documentação.
L A resposta que obteve da sua ex-mulher foi: “não me chateies”
LI. Regressou a casa de carro e já no caminho é que recebeu as chamadas telefónicas do DD.
LII. Todo o fim de semana com o seu filho nunca o arguido foi ao prédio onde vivia a sua ex-mulher nem sabia onde se encontrava o carro que ela utilizava.
--
(a acusação pública delimita o objecto do presente processo e foi, em grande parte, dada por demonstrada; o articulado apresentado pelo assistente DD adere e repete o descrito na acusação pública, sendo revelada discordância sobre o enquadramento jurídico do imputado crime de homicídio na forma tentada e que terá apreciação em sede oportuna; em sede que foi peticionado no articulado civil, foram considerados os factos, com excluso das meras conclusões ou apreciações de meios de prova; sobre o articulado contestação e para além do considerado não provado constata-se que se reporta a meras conclusões, desabafos do arguido, observações genéricas ou apreciações sobre o que os intervenientes/sujeitos processuais terão dito, observado ou como terão reagido, pará além da mera impugnação, tendo sido como tal desconsiderado)
--
Motivação
A convicção do Tribunal é sempre formada, para além dos dados objectivos obtidos através dos documentos ou outras provas constituídas/produzidas de carácter técnicocientífico, também por declarações e depoimentos em função das razões de ciência, das certezas e ainda das suas lacunas, contradições, im/parcialidades, coincidências, coerências e quaisquer mais in/verosimilhanças que transpareçam – sempre em audiência.
Dito de uma outra forma, a prova em processo penal é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente, salvo quando a lei dispuser diferentemente (artigo 127º C.P.P.). Contudo, livre apreciação da prova não significa uma apreciação arbitrária porquanto tem como pressupostos valorativos, o respeito pelos critérios da experiência comum e da lógica do homem médio.
Assim, os factos dados como provados e não provados resultaram da análise da prova produzida em audiência de julgamento, tendo em conta os parâmetros supra referidos e em função das seguintes considerações
Começando por apresentar um ‘recenseamento’ de toda a prova, do suporte pericial e dos documentos de que se socorreu o Tribunal, a saber
(Apenso A)
- auto de notícia de fls. 4 e ss
- certidões de fls. 28 e v; 84 e v
- aditamentos de fls. 40, 62, 90 e 109
- teor de fls. 110- 113
(Autos principais)
- auto de notícia de fls. 186-187- fls. 16 v
.- CRC de fls 15 e ss e 115 e ss
- certidões nascimento de fls. 17 e v e 153 e v
- auto de diligências – fls. 19 e ss
- aditamento de fls. 28
- elementos/registos clínicos de fls. 29 e ss; 324-345; 432-439
- relatório de inspecção judiciária e reportagem fotográfica – fls. 32 e ss; 138 e ss
-reportagem fotográfica de fls. 53 e ss e 129 e ss
- auto de apreensão de fls. 65
-termo consentimento – fls 69, 113, 247, 321 e 355
-auto colheitas de mostras – fls. 248-250
-requisição de exame pericial de telecomunicações – fls. 114 e fls. 124 e ss
- relatório e registo fotográfico – fls. 32 e ss; 129 e ss; 138 e ss
- aditamento de fls. 3 e 5; fls. 199 e 233
- fotografias de fls. 191 – 192 e v; 203 – 204; 234- 235 e v
- termo de entrega – fls. 211; fls 217
- exames – fls. 214 e v; fls. 217
- cota – fls. 550 – certidão proc.º ... – fls. 645-681
- fls.471-478
- relatório de exame pericial – fls. 529 e ss
- relatório de perícia psicológica forense – fls. 544 e ss; fls. 547 e ss; 590 e ss; 595 e ss
- relatório de perícia de avaliação de dano corporal – fls. 683 e ss
- auto de análise e registo de comunicação – fls. 723-747
- declarações e arguido prestadas em sede de 1.º interrogatório judicial – fls. 169 e 282-303
- relatório social – refª citius 38947855
- CRC – refª citius 38719900
- relatório/Informação médica junto com a refª citius 39180260
- registo clínico junto com o pedido civil a fls. 873
- certificados de incapacidade juntos de fls. 874-875
- recibos de vencimento juntos de fls 876 a 889
- entretanto e apresentada/junto aos autos depois de produzida a prova – o relatório médico de avaliação forense relativo ao assistente DD com a refª citius 39508847 (conforme resulta e foi consignado em acta de 4.07.2024 que havia sido prevista para a leitura do acórdão)
Declarações do arguido
Em declarações que optou por prestar e à medida que foi confrontado com cada um dos pontos/parágrafos da acusação pública (para além do que expressamente assumiu sem contrariar) disse o arguido que a partir de 2020 começou a ter problemas consumos álcool com falecimento sucessivo dos pais a 2020 e 2021.
Nunca agrediu a mulher quando estava alcoolizado.
Nunca se tornou agressivo até porque ficava prostrado e dormia muito.
Com problemas de consumo de álcool decidiu separar-se. Foi dormir para um outro quarto por e volta 2021 saiu de casa
Nunca atirou nada à cabeça da mulher quando estava grávida
Nunca a forçou a ter relações nem quando alcoolizado. Em 2011 davam-se bem e fizeram até 2 ou 3 viagens.
Sobre o ponto 13 - tiveram uma discussão; o frasco caiu ao chão porque estava a gesticular; a EE queria que ele apanhasse a massa que caiu e ele disse que não e foi para sala para o sofá. Ela chamou a mãe e disse-lhe o que se tinha passado. Mãe morava a cerca de 500 metros; não ficou preocupada, o próprio até falou com ela e esclareceu o sucedido.
Nunca pegou numa faca e nunca ameaçou que a matava. Tinha outras discussões mas nunca nesses termos.
Salienta que nunca houve fotos de pisaduras nem idas ao hospital;
Estranha que as queixas tenham sido feitas de uma vez só. Apartamento foi vendido e desaparece dinheiro da venda, seguido da queixa de violência doméstica.
Tinha vida normal com a EE; trabalhavam juntos até 2021. Não tomavam decisão sem falar um com o outro. Nunca a humilhou.
Filhos podem ter assistido a uma ou outra discussão, mas nada de alarmante e nunca tiveram que fugir para o quarto.
Confirma que em 2021 – Verão – estavam a dormir em quartos separados
Falso o descrito em 19 – nunca a confrontou. Não tem lógica.
Único defeito era ela gastar muito dinheiro. Sempre foi boa mãe.
Nunca bateu na EE, muito menos à frente do filho
Mesmo separados continuaram a trabalhar juntos. Arguido como comercial; EE era sócia gerente e tratava da parte financeira
Confrontava a AA por ter más notas – dizia-lhe que tinha que melhorar as notas e ajudava-a; também ia às reuniões dos pais. Mudou-a para um colégio para ajudar a melhorar a notas. Tratou-a de forma igual ao filho. Nunca lhe bateu com cinto; era bem tratada.
Nunca agarrou no filho pelo pescoço.
Em 2020, tinha estado com a mãe no Hospital 2... e quando chegou a casa o filho estava a fazer um birra, sendo que a mãe estava em fase terminal, com cancro. Pegou-lhe pela mão, levou-o para o quarto de castigo com tv desligada e foi buscá-lo passado meia hora. Veio para a sala e disse-lhe que a avó estava a morrer.
Nunca houve situação em que partisse portas de casa
Sabe do relacionamento da EE, mas não sabe desde quando.
Nunca foi ao encontro dela, nem em perseguição.
Tinha acordo com a EE que se quisesse refazer vida compraria outra casa e fariam a partilha dos bens. Nunca exibiu prints com a localização da ofendida
Enviou fotos tal como descrito no ponto 39. Por ciúmes e porque não queria eu ela tivesse a vida dela na casa deles. Foi auxiliado porque foi alguém do INEM que não o próprio que chamou
Quanto à mensagem do dia 8.03 do ponto 41 justifica-se porque o filho antes lhe ligou a dizer que estava sozinho em casa.
Não se recorda da outra mensagem do ponto 42
Sendo que o sogro retribuiu a chamada de manhã
Admite ponto 34
Estava presente quando chegou o OPC e estava com o pai da EE que lhe chamou atenção.
É falso o descrito no ponto 45
Enviou as mensagens referidas nos pontos 47, 48
Teve uma conversa com EE dizendo que estando separados não precisavam estar a trabalhar no mesmo sítio a olhar um para o outro – Fevereiro de 2023. Mais valia ela ir para junto dos funcionários – o que sucedeu a 13 de Abril.
Mas todos os dias a EE subia ao 3.º andar para ir à casa de banho – ela estava no r/c a trabalhar.
Mas nunca discutiram na agência.
De 1 de Maio a 6 Junho a EE movimentou 17.000 euros
Ponto 50 – mentira
Não cortou os pneus
Carro da EE era um Mercedes em regime de renting
Tinha pedido para devolver umas peças/objectos – ela devolveu; mas também lhe pediu as chaves do cofre. AA é que lhe entregou peças no saco e esqueceu-se das chaves – por isso tocou apenas uma vez quando entregou o filho.
Ela respondeu que era problema dele e ele foi embora.
A seguir, passado uns minutos, quando ia no carro recebe chamada do DD a insultá-lo para que se fosse homem para ir ao encontro dele. Ele é que lhe ligou 6 vezes quando decidiu atender e continuou a ser insultado.
Disse-lhe que não o conhecia nem queria ter esse prazer. Se fosse para conversar ‘muito bem’. Ele disse que então sim - que era para conversar - e voltou para trás. Estacionou o carro em frente à farmácia. DD já cá em baixo à espera dele. Continuou a insultar o arguido. Mal saiu do carro ele veio a correr e deu-lhe pontapé no carro, na porta; entrou pelo lado condutor e ficou em cima dele com mão no pescoço e a faca do lado direito, a insultar de ‘filho da puta’ e que o ia matar; apertou-lhe o pescoço. É uma pessoa musculada. Nunca chegou a sair do carro. Sentiu a faca no pescoço. A preocupação era a faca que tentou tirar e torceu-lhe o polegar. Sentiu a faca também na barriga e que depois caiu no colo. Ele então apertou-lhe o pescoço até ficar sem respirar – foi então que pegou na faca que ainda estava no colo e ‘picotou’ o tórax cerca de 3 vezes. DD estava com os joelhos em cima das pernas dele e debruçado sobre o carro. Quando sentiu sangue, o DD saiu do carro a correr para a praia e o arguido andou cerca de 3 ou 4 metros até ao poste para ver onde ia o DD. Foi a caminhar e voltou para trás. Ficou atrapalhado. Com o sangue nas mãos ficou em estado de choque. Agarrou a faca quando andou três ou quatro metros. Até abriu a mala para ver se tinha um pano. Foi para casa e ligou para a irmã a dizer o que se tinha passado e para saber notícias no hospital. Ligou para a polícia para relatar o que aconteceu.
Meteu-se no carro e foi entregar-se à polícia de ....
Em instâncias do M.ºPº/Assistente/Defesa
Se tinha o telemóvel conectado com o da EE para localizar ? Respondeu que não.
EE comprou telemóvel novo antes do Natal de 2022 – sem possibilidade de ficar ou passar com qualquer tipo de aplicação dessas de localização.
Tendo continuado a ser insultado quando tinha regressado e estacionado nunca pensou que as coisas chegassem a esse ponto. Ia conversar com DD por ser pessoa com quem o filho ia estar sempre que o fosse entregar.
DD – sobre o episódio descrito na acusação começa por referir que estava em casa da EE. O menino chegou por volta das 22h00. Passados alguns minutos a campainha tocava insistentemente e a EE falou a dizer que não ia descer. Quando regressou ao quarto estava abalada e não quis falar. Com a insistência disse que o arguido queria que ela entregasse a chave do cofre do escritório, Começou a dizer que ele disse que ia colocar pessoas atrás dele e que disse também para dizer ‘ao filho da puta do teu namoradinho’ para as trazer ele (as chaves). Já antes, quando estava no motel recebeu mensagens do arguido a dizer que o pai da EE ia saber de tudo.
No dia 19 de Março ele voltou a contactar e atendeu – era o arguido a perguntar se estava com a família e desligou.
Recebeu mensagens a dizer que sabia quem era e as filhas dele também.
Voltando ao dia 16 – ele ligou a dizer que bastava de mensagens e ameaças e tinham que falar. Ele disse que sim. Desceu, chegou primeiro e aguardou por ele – jamais levaria uma faca; não levou nada, foi só vestido e calçado. Ele chegou depois num ...; estacionou junto à farmácia. Perguntou-lhe o que se passava. Deu-lhe pontapé. Tentou puxá-lo e não conseguiu e caiu para dentro do carro. Tentaram dar murros. E tinha algo volumoso no bolso. Ele estava próximo da porta e terá tirado do bolso a faca, segundo deduz. Foi atingido fora do carro. O arguido também tentou chegar ao porta-luvas. Ele disse para ele o largar e deu conta que estava a escorrer em sangue, altura em que se afastou. Ainda se defendeu com braço de duas facadas. Foi em direção à praia. Ele correu atrás dele a dizer que o ia matar; viu a faca – porque quando seguiu ainda olhou para trás. As pessoas vieram à varanda e começaram a gritar, altura em que o arguido voltou para trás – pelo alarmismo gerado. Correu na rua e um casal parou – disse que foi agredido pelo ex-marido da namorada quase já sem conseguir respirar e chamaram a ambulância.
A instâncias do MºPº/Assistente/Defesa
Viu a faca, mas não consegue dizer as dimensões.
EE avisou-o da perigosidade da pessoa dizendo que andava munida de arma e faca.
EE não desceu porque tinha medo.
Sabe que pneus tinham sido danificados – Mercedes classe …
Veículo dele estava estacionado mesmo ao lado do veiculo da EE.
Conheceu a EE a 16.01.2023
Foi ele que desactivou a localização do telemóvel da EE – porque mail era comum da empresa com código do i-phone. A pedido da EE fê-lo em Dezembro de 2023. Não antes porque EE não queria mais dissabores. Foi depois reactivado pelo filho por indicação do pai que depois acabou por o referir/assumir. Voltou a desactivar.
Foi ele que entregou telemóvel na PJ. Fez queixa. Quando falou com a ex-mulher ela privou-o um pouco dos contactos com as filhas por receio e para as proteger. Agência viagens fechou de forma repentina. Houve uma reportagem da CMTV Não chegaram a fazer prints das localizações.
Por vezes a EE ligava a dizer que o marido a estava a seguir, por exemplo à saída de algum sítio como do Centro Comercial ....
Tem marcas ‘estéticas’; braço com mobilidade reduzida e tremuras. Não tem a mesma resistência.
Menor capacidade de trabalho
Talvez tenha chamado nomes ao arguido
Quantos metros se afastou do carro ? - talvez 200 metros; parou no final da rua, num cruzamento.
Pessoas que gritavam foram outras pessoas que não as que o socorreram – uma menina que é testemunha e pessoas em varandas Nunca chegou a apertar o pescoço ao arguido.
KK – conhece o senhor que socorreu (o assistente quando referido seu nome); estava a passar e viu cada um de cada lado da via; um do lado direito no carro branco junto da farmácia e o outro do outro lado da via; achou que estavam a conversar e a gesticular porque estava com os ‘phones’ no ouvido. Entretanto o senhor que estava na rua foi ao encontro do outro, abriu a porta do condutor e deu-lhe um soco - no que estava no carro. Começaram a agredir-se um ao outro aos murros. Até que o Sr. DD gritou a queixar-se a dizer ‘ai’, saiu primeiro e de seguida o outro senhor veio atrás dele. Quando saíram do carro o senhor que estava no carro saiu com uma faca na mão. Viu a faca que parecia ser pequena do seu ponto de vista. Quando viu o Sr. DD estava a gesticular, não aparentava ter nada na mão. Viu o condutor do carro sair com ela na mão. Viu ainda na parte de trás do carro o outro senhor golpear uma vez o Sr. DD. Tirou os phones a dizer para pararem e que ia chamar a polícia. Viu o Sr. DD seguir e descer a rua e até passou pela testemunha. A testemunha não conseguiu acompanhar o Sr. DD a correr até porque tinha mochila pesada e também se agachou com medo do outro senhor com a faca.
Quando o Sr. DD saiu do carro a dizer ‘ai’ vinha a segurar a zona lateral.
--
EE – ex mulher/ofendida; foram morar para ... (ponto 8) quando o CC tinha cerca de 4 anos; talvez em 2015.
No primeiro e segundo ano de casamento ‘as coisas estavam controladas’ mas percebeu que o marido tinha problemas com álcool, porque consumia diariamente e ficava embriagado e ficava violento com a própria verbal e fisicamente; nem precisava de lhe dizer nada. Falava com outras mulheres à frente dela ‘on line’ e com câmaras, quando os meninos já dormiam; empurrava-a contra a parede; dava-lhe estalos sem razão; ele ficava completamente transtornado. Confrontava-o depois e ele dizia para esquecer que não ia repetir-se e para ela nada dizer a ninguém. Chegou a estar 3 meses numa clínica em ... e quando regressou mais calmo, achou que ia resultar o casamento e engravidou. Com 4 ou 5 meses de gravidez ele voltou a beber e pedia-lhe para ele não tocar. Inicialmente, ele tinha receio por causa da gravidez e não a agredia mas dizia-lhe verbalmente que era uma vaca que não prestava e que não queria o filho. Enquanto esteve grávida não confrontava o arguido com o que havia dito antes porque tinha mais receios. Quando estava grávida de 7 meses não se esquece que lhe pegou pelos cabelos porque veio ter com ela junto da cozinha, caiu no chão, deu-lhe um pontapé na cabeça e empurrou-a contra parede e pediu-lhe para parar. Quando viu que tinha sangue na cabeça abriu a porta e pensou ir à esquadra que ficava mesmo ao lado de casa; abriu a porta entrou no elevador, ele veio atrás dela dizendo que a matava e para ir já para cima para casa e ela voltou e curou-se em casa/não foi ao hospital ou médico. Depois não foi à polícia por medo. Não tinha ninguém com quem pudesse desabafar. Só ia aos pais quando ele decidisse porque até ela só ia se não tivesse marcas no corpo. Daquela vez em que ficou ferida, permaneceu cerca de 3 semanas sem ir a casa dos pais. Na altura da gravidez estava em casa, não trabalhava.
Nasceu o filho, esteve 2 dias no hospital e veio para casa. Ele avisou logo que não queira ninguém de visitas porque bebé era muito pequeno e os pais tinham que ficar pouco tempo.
Ele continuava a beber. Pais perguntavam se estava tudo bem e ela dizia que sim.
Estava a tomar banho poucos dias depois de ter nascido o filho (ainda com os pontos do parto) e ele veio ter com ela e puxou-a pelos cabelos e ela pediu-lhe para ele não tocar senão a magoava e tinha que ir ao hospital. Ele tinha uma espécie prazer a insultar e magoar. Dessa vez largou-a.
Não o confrontava com nada e nem lhe falava. Só estava na sala com copo na mão e ela estava com o bebé no quarto.
Muitas vezes ele vinha para o jantar já alcoolizado.
Quando o filho tinha 3 ou 4 meses foi abrir a porta quando estava a chegar e ele deu-lhe logo dois estalos na cara. Disse-lhe para irem jantar os dois e ele atirou tudo ao chão e mandou-a limpar. A filha nunca se apercebia do sucedido; ainda era pequena, tinha 6 ou 7 anos.
Sobre episódio do ponto 13, estavam os 4 em casa (com os filhos); o marido tinha passado a noite a beber e ainda de manhã estava alcoolizado, ‘pegou’ com os miúdos por não querer barulho e mandá-los para o quarto. Ela tentou acalmar e ele atirou tudo tudo ao chão. Chamou a mãe porque ele estava a partir tudo e ela veio tendo encontrado o cenário de tudo partido e os miúdos a chorarem – CC tinha 5 ou 6 anos. Mal a mãe entrou, ele disse que ela não tinha nada que vir com isso e discutiu com a mãe dizendo-lhe que não tinha que se meter com coisas entre casais. Já tinha contado à mãe (ainda que de forma mais genérica) que ele bebia e tinha problemas. Mãe conseguiu responder e ter ascendente sobre o arguido.
Quando o confrontava com o facto de ele ter outras mulheres e outros relacionamentos e queria dar ‘um basta’ no casamento entre ambos, ele ficava nervoso. Pegou uma faca e encostou-a ao pescoço e cara e dizia que nem pensar acabar com o casamento ou dizer fosse a quem fosse que ‘lhe metia faca pelo pescoço dentro’.
Outras discussões, quando os filhos se passaram a aperceber, fechavam-se nos respectivos quartos.
Entretanto passaram a dormir em camas separadas, cerca 1 ou 2 anos pouco antes da pandemia. Mas ainda havia destes episódios. A ofendida saiu para celebrar algum aniversário de já não se recorda bem a data, com irmã e amigas. Deixou o filho em casa e até perguntou ao arguido se queria que deixasse o menino com a avó. Ia sempre ligando para saber se estava tudo bem. Chegou e estava tudo a dormir. Pelas 4h30 ou 5h00 abriu-se a porta violentamente e o arguido de imediato puxou-lhe os cabelos a chamar vaca, puta, ordinária, o que andaste a fazer e a tirar-lhe a roupa e cuecas. Foi chamar o filho ao quarto quando tinha cerca 8 anos para o trazer à força a dizer para ver ‘a puta da tua mãe’ que tinha acabado de chegar; o menino estava a chorar; partiu o candeeiro e bateu-lhe. desferindo bofetadas.
A seguir a este episódio, passadas umas semanas – já andava a dizer-lhe para ele ir embora porque não aguentava o sucedido e ainda por cima em frente ao filho. Ele acabou por sair de casa.
Inicialmente a relação com a AA era boa. Ele era amigo. Viu mesmo um pai para a filha. Até que ela passou a frequentar a escola e não tirava notas como ele queria. Ela não era aluna excelente. Com notas negativas ou ‘menos boas’ ele batia-lhe. Uma das vezes ele bateu-lhe de cinto. Ela meteu-se na frente, mas não teve força para o segurar porque ele atirou-a para o lado – ela andava na 2ª ou 3ª classe.
Quando a mãe do arguido chegou ao hospital estava bastante mal e nessa altura o menino queria brincar, estava agitado e ele agarrou-o pelo pescoço a ponto de o deixar sem ar. Teve que lhe dizer para o largar que ainda o matava – filho teria 8 ou 9 anos E depois o menino ficou no quarto. Foi lá ter e ele tinha as marcas das mãos no pescoço. Disse-lhe que o pai estava nervoso por causa da avó e que já passou e não voltava a acontecer.
Não consegue dizer quando se separaram; foi logo a seguir a terminar a pandemia; quando já se podia circular
Continuaram a trabalhar juntos na empresa – ela na parte da contabilidade; resolviam os dois os problemas na empresa e ele tinha a última palavra; dava sempre a decisão final. Começaram a aparecer os ciúmes. Tinha a localização do telemóvel pois constatou que ele apareceu em dois ou 3 sítios em que ela estava e percebeu que tinha a localização. Quando o confrontava ele dizia que não era verdade. Mais para o final, ele dizia e assumiu que tinha localização e fazia o que queria – em 2023 já namorava com o DD. Mostrou mesmo prints de localização
Tinha ido sair com o assistente e CC ficou co a AA. Ele chegou a mandar mensagens a ela a dizer que estava na entrada de casa para justar contas com ela.
Chamou a PSP que a acompanhou até em casa. E ele estava lá estacionado.
Trabalharam juntos até Junho 2023. Inicialmente trabalhavam juntos, depois acordou que passaria para baixo com funcionárias porque havia discussões quando percebeu que namorava com o DD. Mal chegava ele chamava-a para falar de trabalho e afinal discutia. Chamava-a de porca e que devia ter vergonha. Ainda lhe puxou os cabelos. No final para Abril ou Maio ele estava apenas preocupado se ela saía e perguntava às funcionárias sobre os seus horários em especial a MM que optou por sair porque não conseguia trabalhar naquelas condições. Tentava manter a postura porque tinha escritórios vizinhos.
Começou a dizer-lhe para ele ganhar vergonha em voz alta. Ele dizia para ela ter vergonha por ser casada. Uma das vezes também chamou a polícia ao local.
Enviava mensagens para ficarem juntos que ele era um putanheiro, um zé ninguém, um porco e que traiu a mulher; que podia correr mal; era melhor pensar bem e que desgraçava a vida dela
Uma vez entrou e o arguido não estava porque até faltava muito sobretudo de manhã por beber; viu uma caixa de armas com formato de uma faca e dizia as medidas. Sobre se tinha os dizeres indicados na acusação ? – não dizia nada disso, nem se lembra nada disso. Sobre o episódio de Julho de 2023, confirma que o CC trouxe o filho e ele subiu. Tocou a campainha insistentemente e dizia-lhe para ir lá baixo.Falava de uma chave de um cofre para lhe entregar. Disse-lhe sempre que não ia. Ele disse para chamar o ‘filho da puta do teu namoradinho’ em voz muito alta; esse ‘porco, musculado’. Ele perguntou-lhe o que foi e ela dizia que não era nada mas percebeu que o CC (arguido) estava nervoso. DD insistiu a dizer o que tinha e que ele (arguido) tinha que deixar seguir a vida. Filho saiu da casa de banho e disse que o pai tinha uma faca no bolso. Correu à varanda a avisar e dizer para o DD vir embora e subir. Veio à varanda e a primeira coisa que viu foi o CC espetar a faca no dorso/lateral do DD. Filho já tinha dito que o pai queria subir mas o filho disse-lhe que não podia porque a mãe tinha medo dele. Viu depois o DD a fugir e o CC atrás. Filho ficou aos berros e mandava-o para dentro. Acionou o botão de pânico.
Ainda viu o CC correr atrás do DD.
A instâncias do MºPº/defesa
Quando estava grávida do BB de 7 meses também levou pontapés na cabeça.
Da vez que estava na casa de banho marido não tentou ter relações com ela.
Numa das várias discussões que tiveram ele atingiu-a com objecto na cabeça. – BB tinha cerca de 8 meses; cortou-se e ela curou-se.
Foi o DD que desactivou o sistema de localização
Tinha acesso às contas bancárias da empresa. CC não podia ter contas bancárias mas ele controlava sempre as contas em nome dela.Ele é que andava sempre com os cartões bancários. Ela não usava cratões – não pagava nem pagou motel com tais cartões. CC até acedeu ao extracto e movimentos da conta da própria. E houve uma vez que ela pagou a conta. DD pagou a vez do episódio descrito na acusação.
No dia em que DD foi agredido tinha Mercedes preto estacionado na via pública. Está em nome da H.... No dia a seguir o carro estava com os 4 pneus rasgados de faca – confirmado na oficina da mercedes.
Foram a Benidorm em 2021 – ficou com os filhos e ele ficou sempre no quarto, sempre bêbado.
Foram ao Dubai antes ou depois de Benidorm – foi com ele em vez de ele ir com as amantes porque viu mensagens a prometer isso; assim não ia com as amantes
Foram ao congresso na Madeira e ficaram no C...; ficaram no mesmo quarto mas camas separadas – antes de Benidorm e do C.... Sabe que a sogra ainda estava bem de saúde.
Foram passar fim de semana a Évora já com o filho para proporcionar e compensar os filhos do que se passava entre eles.
Foi a uma feira de turismo a ... em trabalho; ficaram no mesmo quarto.
Foram a um cruzeiro na Sardenha. Passou toda a viagem a beber; foi uma vergonha.
Foram à Tunísia com casal amigo quando filho tinha 4 anos
Confirma que havia desentendimentos relacionados com dinheiros da empresa. Ele até gastou e usou cartões numa casa de prostitutas. Sempre que recebia códigos de transferências tinha que dizer ao CC; ele estava sempre atento.
Escritório é no 3.º piso e loja no piso -1.
Utilizava a casa de banho que serve a loja; mas quando ia ter com ele ao escritório frequentava a casa de banho do escritório
AA – filha da EE; tinha 7/8 anos quando nasceu o irmão BB. Havia discussões quase todos os dias. Relacionamento sempre foi conturbado; eram gritos da parte do Sr. CC. Escondia-se quando começava a ouvir os gritos. Quando moravam na ... e iam ao café ele bebia e dizia-lhe para não contar à mãe e até lhe comprava um brinquedo. Passava os fins de semana na casa da avó materna. Estudou até 12.º ano. Sempre que tirava negativas apanhava – era espancada. Andava no 6.º ano e ainda estava a viver da .... Levou com cinto nas costas e com sapato quando tinha 8 ou 9 anos. Ficou com costas todas pisadas e a professora viu. Ficou com as costas todas pisadas/pretas mas não foi ao hospital. Já antes tinha sido agredida com livros na cabeça; puxões de cabelo e atirava-a para o chão; sempre que tirava más notas/negativas. Vivia sempre com medo pois sabia que sempre que tirava negativa ia apanhar, pois ele controlava a notas e perguntava pelos resultados dos testes. Uma das vezes ele entrou no quarto e partiu a cabeça dos anjos que tinham grande valor sentimental; outras vezes partiu outros objectos mas recorda mais os anjos que ela gostava. Também viu ele a puxar o braço à mãe e bater na cara/dar estalos. Mas ela escondia-se com irmão porque ficavam com medo; contudo, ouvia a mãe a chorar. Recorda-se também de uma vez quando ele pegou no irmão pelo pescoço até ele ficar sem ar e com a respiração ofegante. A mãe teve que ir a correr para o socorrer. Quando a mãe passou a ter namorado ele perseguia-a, quando saia, quando ia ao supermercado. Sabe que eles foram várias vezes perseguidos mesmo de madrugada segundo a mãe lhe contou. Soube que a mãe tinha localização no telemóvel
E viu a mãe a receber mensagens do arguido a dizer que sabia onde ela estava ou esteve. Quando aconteceu a agressão ao DD foi ter ao local e ainda estava o DD a ser assistido mas já não estava o arguido presente, foi a mãe que lhe deu conhecimento. Salientou ainda que o CC não gostava que a mãe saísse de casa com roupas mais ousadas.
A instâncias de defesa
Ele elevou o BB do chão (agarrado pelo pescoço) cerca de 50 cm. E fez percurso da sala para o quarto ao fundo do corredor; o avô também estava presente porque a mulher/mãe do arguido estava prestes a falecer; acha que foi à noite
Ir ao café com arguido era para a testemunha um momento estranho e não divertido quando já tinha cerca de 15 anos; quando ia mais nova ao café ficava feliz por receber presente. Foi para um colégio particular mas não gostava; gostava da escola pública e foi nessa altura que foi espancada de cinto
Iam de férias todos os anos e iam para o estrangeiro; tinha medo na mesma do arguido; por vezes iam mais do que uma vez por ano
Havia discussões que soube que a mãe não gostava que ele fosse para o casino jogar. A mãe talvez comprasse com frequência roupas novas. CC discutia com ela por causa disso.
--
II – antes da filha engravidar do BB moravam na ...; não havia muito convívio; ia buscar a neta ao fim de semana; não via nada de mal. Quando a filha estava grávida viu estragos e portas partidas e ela respondeu que já estavam assim quando mudaram de casa. Ainda antes do nascimento do menino alertou que até parecia mal vir a família visitar e ver aquela situação. Então combinou chamar um carpinteiro que pagou para arranjar as portas. Não voltou a ver portas ou objectos partidos em casa. Já quando viviam em V.Conde a filha telefonou a chorar a pedir para eles (pais) iram lá a casa. Marido não quis ir mas a testemunha foi e abriu a porta com as chaves de que dispunha e viu tudo partido na cozinha (loiças); perguntou pelo netos que a ouviram e vieram do quarto onde estavam fechados, vieram a chorar. Falou com ele dizendo-lhe se não tinha vergonha de fazer aquilo e ele a dizer que ela não tinha nada que estar em casa. Percebeu que a filha encobria muita coisa. Não presenciou mais nenhuma outra situação.
A instâncias de defesa
Soube o que a filha ‘passava’ com o arguido e desconfiava disso ainda antes de ela ter novo relacionamento.
Chegou a ir uma vez de férias com o casal; achou que em férias corria, bem
JJ – dava-se bem com o arguido e achava que era boa pessoa; agora não fala com ele. Recebeu uma chamada do CC a dizer que o neto estava sozinho em casa e que tinha medo; a testemunha disse-lhe que a AA estava com o irmão. Pelas 7 da manhã voltou a ligar porque o filho estava sozinho e queria ir para a escola. Levantou-se e foi a casa do filha. Chegou lá também a filha com um carro da policia. Mas não foi ele que chamou a polícia. A testemunha estava já lá com o CC. Entretanto, desceu a AA com menino assutado, com a ‘cabeça para baixo’. Eles já estavam divorciados. Nessa ocasião/situação a filha apareceu sozinha e não tinha conhecimento de que tinha namorado. Sabe que o CC andava a pressionar para reatar a relação e falava à testemunha para intermediar. Ele chegou a falar à filha nesse sentido e ela dizia que nem pensar. Recebeu várias mensagens do arguido - cfr. com teor fls. 729 não se lembra desta mensagem em concreto (4:55); mas recorda-se da mensagem seguinte (4:57)
A instâncias de defesa
Relacionamento do pai com o filho era bom e ele ‘até lhe dava tudo’.
Filho chegou a estar em casa do pai – agora enquanto privado de liberdade - mas depois deixou de ir.
--
Prova do Assistente/PC
NN – pai do assistente. Ficou dependente fisicamente e deixou de trabalhar. Foi a companheira que lhe deu assistência. Mas acompanhou o filho e visitava-o regularmente. Como há-de ficar uma pessoa que levou facadas, sujeito a perder a vida. Ficou debilitado fisicamente e psicologicamente.. Toda a família ficou abalada. As netas estavam com a mãe do DD. Teve preocupação de proteger as meninas. Estava a dar a notícia na televisão. Foi muito difícil viver a situação. Depois da alta esteve dois meses e tal sem trabalhar. Antes era pessoa autónoma e de bem com a vida, com o emprego e com a família. A vida do filho nunca mais foi a mesma. Deixou a vida de desporto; deixou de ir ao ginásio. Deixou de ir para a praia por causa das marcas. O aspecto físico afectou-o muito.
OO – colega de trabalho do assistente – tomou conhecimento através da empresa do sucedido e depois com as notícias; sendo que também o foi ver ao hospital. A empresa ficou ‘assustada’ com o sucedido; tentou perceber o que se estava a passar. Mas tem dado oportunidades ao DD para conseguir retomar o seu trabalho. É certo que o DD não apresentou os mesmos resultados. Estava numa fase de ascensão e deixou de atingir os objectivos da empresa quando estava sempre no registo cimeiro da empresa. Retomou o trabalho, mas não ao mesmo ritmo, apesar das capacidades de relacionamento com os clientes. Houve diminuição clara dos resultados.
Prova da Defesa
PP – foi funcionária durante 8 anos na A... (até Junho de 2023 quando a empresa fechou). Houve muitos problemas com clientes; muitos ficaram sem viagens. A testemunha teve que meter baixa e quando regressou da baixa não estava lá ninguém. Entretanto o arguido também se demitiu.
Soube e também assistiu a D. EE a negar dar códigos de acesso para fazer pagamentos e transferências. Apesar de terem ficado a trabalhar em pisos separados a D. EE estranhamente estava sempre a ir à casa de banho do piso onde estava o Sr. CC. Assistiu ao relacionamento e contactos entre o pai e filho; sempre muito cuidadoso e carinhoso; sempre a dar atenção com palavras carinhosas.
Como pessoa, considera o arguido ‘uma excelente pessoa’, grande profissional e técnico; muito cuidadoso e preocupado em dar apoio, até à testemunha mesmo em função dos seus problemas pessoais familiares. Era uma pessoa de palavra e sempre teve uma boa palavra para dar de aconselhamento. Sempre tinha grande confiança dos fornecedores para com o Sr. CC. É uma pessoa trabalhadora e competente que em muito contribuiu para crescimento da empresa.
GG – era empregada doméstica na casa do arguido cerca de 9 anos até novembro de 2023. No início ia duas vezes por semana. Depois do covid ia apenas à sexta feira. Encontrava co alguma regularidade o arguido e a esposa, ora apenas um, ora outro/a a preparar-se para sair. Nunca se deu conta de algo diferente na casa ou mau ambiente ou zangas entre eles. Na altura do covid ainda viviam juntos. Trabalhou depois para cada um quando já separados. Nunca nenhum relatou ou se queixou do comportamento do outro. Sempre achou o relacionamento normal entre o casal. Tinham o hábito de ir tomar juntos tomar o pequeno almoço a uma cafetaria próxima. Também conheceu os filhos BB e AA. O pai era amigo e próximo dos filhos. Via o pai e filho na brincadeira na sala; riam-se muito. Filho do arguido estava num colégio na ... – ia numa carrinha escolar; Também a AA estudava no colégio. Ele tratava os dois filhos por igual. Nunca lhes faltava nada. Houve uma altura após a separação que o Sr. CC lhe disse que ia voltar para a mulher. Mas depois separam-se novamente. E nessa altura, estava a limpar o apartamento quando surgiu a D. EE, foi à procura de alguma coisa e até disse à testemunha que depois fechava o apartamento. O Sr. CC era educado e respeitador; assim como a Srª D. EE. Nunca viu o arguido beber em casa. Conhece a D. II, nunca se apercebeu que ela tivesse que ser chamada a casa para ajudar. Soube que casal chegou a viver em quartos separados, não sabe a razão. Mas iam de férias juntos mesmo assim. Soube pela comunicação social dos problemas da agência de viagens.Nunca viu a policia no local. Nunca viu a D. EE com marcas no corpo. Soube depois que a D. EE tinha um companheiro – no ano passado.
Nem sabe o nome dele.
QQ – reformado, amigo da família e conhece arguido desde criança. Foi um miúdo sempre integrado na sociedade; sempre discreto; humilde, cumpriu sempre com as obrigações desde que trabalhava com o pai; sempre cordial e simpático; pessoa modesta. Soube pelo pai do arguido que ele tinha casado. Viu ocasionalmente a mulher do arguido na agência. Quando se dirigia à agência dirigia-se ao andar de cima onde estava o CC. Era pessoa disponível e resolvia os problemas. Tomou a decisão de se separar do pai para abrir a agência porque era pessoa determinada e queria assegurar o seu futuro.
RR – assessora financeira; conhecida do arguido.
Tinham bom relacionamento entre o arguido e os filhos; a miúda chamava ao CC ‘pai’. O filho do CC era o orgulho pela forma como falava dele e pelo relacionamento que tinha com ele. Chegaram a questionar a testemunha sobre a possibilidade de a AA ir estudar para uma escola profissional na área do turismo. Não sabe se tal chegou a acontecer.
HH – irmão da EE. Enquanto cunhado sempre teve convivência próxima e regular; iam até de férias juntos. Chegava frequentar o casal na ...; depois de serem pais continuou a visitar; nunca viu nada de mais ou anormal.Nunca lhe chegou aos ouvidos que houvesse agressões, senão era o primeiro a agir. Não acredita na irmã e questionou-a por que razão só agora surgiram as queixas. Era uma vida feliz e não percebe porque surgiram subitamente os problemas. Para além das férias reuniam em família aos domingos.
O filho sempre teve um bom relacionamento com o pai. Era o intermediário que levava e trazia o sobrinho nos dias/horários das visitas e o menino estava sempre muito feliz. Como teve que emigrar em Abril deste ano acha que as visitas deixaram de acontecer. O pai era um herói para o miúdo.
A sobrinha AA, mal se separaram, foi viver para casa dos pais.
Apercebeu-se que a irmã tinha outra relação mas não concordava. Até a questionou. Ouviu falar que a irmã tinha gastos ou extravagâncias. Mas nunca viu nenhuma discussão a esse propósito. Ela tinha vida estável e boa desde que estava com o CC. Depois de se separar deixou de ter o poder todo que tinha. Vendeu a casa que era dos dois.
Sabe que o CC tinha problemas com álcool. Esteve internado numa clínica mas ainda não tinha casado/não ‘estava na família’
Quanto à sobrinha AA ela tinha problemas no ensino porque tinha um atraso. Mas nunca lhe bateu. Ela mentia porque provavelmente estava industriada pela mãe.
Nunca imaginou que o arguido tivesse aquela atitude para com o Sr. DD. Sabe apenas que ele era completamente louco.
SS – amigo há mais 35 anos. Era cliente da agência de viagens; tem a melhor das impressões. Esteve presente no casamento. Quando ia à agência estavam lá os dois; sempre achou que tinham uma boa relação; foi uma surpresa o que sucedeu. Tem o CC como pessoa pacífica e até ‘bom de mais’. Tem competências de trabalho.
--
Exame critico
Não questionamos o teor, dizeres, origem e fé pública dos autos e certidões bem como CRC.
Idêntico juízo positivo/valorativo se impõe quanto aos relatórios médicos de avaliação, registos clínicos, considerando o seu rigor e carácter técnico e científico. Sendo o relatório social elaborado pela DGRS tal como supra transcrito elucidativo sobre as suas condições pessoais, familiares e sócio-económicas do arguido, o que tudo também foi valorado positivamente (ressalvadas as considerações e transcrição de declarações/opiniões/conclusões e sendo certo que parte do que possível apurar resulta do que o arguido informou, indicou de forma mais genérica).
Em abstracto e genericamente, tal como faz notar Germano Marques da Silva, a livre valoração da prova não deve «ser entendida como uma operação puramente subjectiva pela qual se chega a uma conclusão unicamente por meio de impressões ou conjecturas de difícil ou impossível objectivação, mas valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão» (Curso de Processo Penal, II, Editorial Verbo, 2008, p. 151).
E tal como também salienta Figueiredo Dias (Direito Processual Penal, lições coligidas por Maria João Antunes, 1988-9, p. 140), há que assumir que na convicção desempenham um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva, mas também elementos racionalmente não explicáveis, como seja a credibilidade que se concede a um certo meio de prova.
Neste contexto, a actividade do juiz, como julgador, não é naturalmente a de mero espectador de depoimentos, antes devendo fazer incidir sobre os mesmos um olhar crítico em que se atenda à multiplicidade de factores a que já nos vimos referindo – mormente e em especial quando analisamos as declarações do arguido supra.
Cumpre referir que, pela sua própria natureza, os crimes de violência doméstica, em sede de sua demonstração, não assentam geralmente em prova directa, donde que, por via disto, assume, neste campo, papel decisivo o princípio da livre convicção na apreciação da prova, posto que se traduza em termos inculcadores de não ser essa convicção estribada em meras presunções ou em impressivos simplesmente mentais, resultado de um imotivável juízo apreciativo mas, antes, numa base de apoio objectiva, criteriosa e susceptível de motivação e controlo.
Ora, no caso concreto seja relativamente aos imputados episódios de violência doméstica; seja relativamente ao episódio do imputado crime de homicídio, o Colectivo deparou-se sempre com uma dicotomia de versões que diremos extremadas/opostas entre ofendidos/vítimas e o arguido.
Podemos adiantar a convergência de opiniões por parte do Colectivo porquanto o arguido desde cedo revelou ter uma percepção ‘muito própria’ e peculiar na interpretação e justificação dos factos que lhe são imputados, ressalvadas as circunstâncias e pontos que diremos menos graves ou residuais da acusação com os quais foi sendo discriminadamente confrontado e que acabou por admitir como supra se viu. O arguido tem de facto problemas vários com que se debate e que não apenas relacionados com o consumo abusivo de álcool. O arguido revelou uma visão e interpretação do casamento e vivência com a sua mulher muito fechada no sentido de que o seu amor, paixão e ligação se tornou problemática senão mesmo doentia, movido por ciúmes, e por uma fixação numa ideia de duração eterna do relacionamento/casamento. Só assim se compreendem as suas reacções, as suas respostas para com a sua mulher e o seu filho e bem assim a enteada; já para não falar das mensagens que envia e tipo de contactos que manteve e insistia em manter mesmo depois de separado da sua mulher e por exemplo a ameaça da ‘loucura’ dos pulsos cortados. As suas justificações tal como tem vindo a apresentar ao longo dos autos, quando interrogado (em interrogatório judicial) e sobretudo em audiência revelaram as suas fragilidades emocionais, que por vezes estavam desprovidas de lógica e bom senso, perante o que ditam as regras da normalidade da vida e do bom senso. Tudo culminando com a sua versão de como foi afinal o agredido e a vítima da bárbara agressão desmedida por parte do assistente DD. A sua versão tornou-se de facto praticamente surreal, de tal forma que tentou justificar-se e relatando uma dinâmica desprovida de lógica de todo convincente para este Colectivo, sempre com a cautela de dizer que se queria defender de ser morto, asfixiado, esfaqueado e que numa ‘reviravolta’ dos acontecimentos, a faca trazida pelo assistente lhe cai no colo ou mãos e que o arguido usa com toda a ‘cautela’ para apenas nas suas palavras ‘picotar’ o agressor – basta até fazer um cotejo entre os registos clínicos e fotográficos das lesões apresentadas por cada um dos envolvidos (!).
Em suma e no essencial as declarações do arguido, já de si pouco credíveis, foram frontalmente contrariadas, desde logo pela ofendida/Vitima EE. E desde já evidenciando, não porque era simplesmente a ´vitima’ da actuação imputada ao aqui arguido – de todo. Mais ainda acrescentamos que não contendeu esta valoração com a sua mais recente ‘tomada de posição’ de ‘afinal’ pretender desistir do processo e das queixas na véspera da leitura do acórdão. A sua descrição dos episódios sobre que foi sendo questionada foi sempre segura, circunstanciada, sem exageros, sem revelar uma postura vingativa, antes resignada com tudo o que lhe sucedeu. E mesmo perante alguns constrangimentos ou falta de memória (compreensível) para alguns pormenores por vezes até de ínfima importância, depôs sempre com tranquilidade, com coerência e de forma consistente - como tal convincente; permitindo até afastar alguns pormenores em função do descrito na acusação pública e que acabou dado por não demonstrado à falta de qualquer outra prova de relevo ou porque foi mesmo contrariado pelo que a referida RR declarou em audiência.
Por seu turno, a testemunha AA,, filha apenas da EE e apesar desta sua ligação familiar e da jovem idade, revelou maturidade e discernimento e consistência nas declarações e esclarecimentos que prestou. ‘Limitou-se’ a descrever a percepção do que viu, ouviu e infelizmente sentiu, incluindo com o seu irmão e filho do aqui arguido enquanto também vítimas. Não denotamos efabulações, antes constatações do sucedido, indo ao encontro do descrito na acusação pública e episódios que a si diziam respeito e bem assim, reflexamente concernentes à sua mãe e ao seu irmão – e tal independentemente de quaisquer divergências de pequenos pormenores ou sobre circunstâncias sem relevo (aliás sempre compreensíveis).
Sobre aquela nossa apreciação da condição emocional e digamos que estado de negação ou desculpabilizante por parte arguido dos seus comportamentos, foram determinantes os depoimentos de II e HH na forma como transmitiram os episódios e circunstâncias que percepcionaram, o que fizeram sem sobrevalorizar a condição de vítima da sua filha. Lograram manter apesar de tudo distanciamento emocional e sobretudo sem exageros descritivos ou vingativos.
E quanto a um outro interveniente directo (DD), ficou o Tribunal convicto de que pese embora o seu relacionamento com a ofendida/vítima EE e a sua condição de assistente, manteve uma postura isenta, correcta, objectiva, descrevendo uma dinâmica seja do que se apercebia das vivências da sua companheira, seja sobretudo e no que ao caso interessa do confronto e contactos que teve e que se viu forçado a suportar por parte do arguido. A dinâmica do confronto que redundou nas agressões foi por si descrita com credibilidade, contrariando a efabulação do arguido, sendo no fundo convincente, porquanto descrita com coerência e lógica, uma vez mais e apesar de toda a envolvência sem denotar exageros ou intuitos vingativos. Aliás esta sua versão teve a corroboração do que a testemunha KK se apercebeu e que descreveu sem qualquer comprometimento, dentro do que se recordava e do que se apercebeu. Nenhum reparo há pois a tecer a este depoimento e bem assim à descrição do assistente, suportada também com os elementos e registos médicos/clínicos. Reforçamos a nossa convicção de que de facto o assistente não se dirigiu ao arguido munido de qualquer instrumento cortante porquanto desde logo este foi mais convincente do que o arguido a este propósito e reflexamente não deixamos de salientar que mal havia chegado a casa entregue pelo pai, o filho foi `casa de banho e quando saiu verificou que o DD já havia saído de casa e imediato terá avisado a mãe muito receoso de que o pai trazia consigo uma faca (razão até pela qual a ofendida referiu se ter dirigido á varanda e percecionou o arguido ainda a atingir e espetar a faca na parte lateral do dorso do assistente), perante até a persistência e interesse do mesmo em ser ‘atendido’ ou ser-lhe dada atenção, ainda que sob o tal pretexto de querer que a EE fosse ao seu encontro e/ou lhe entregasse umas chaves. Uma última observação apenas para consignar que esse embora o número de golpes/facadas desferidas, logrou apenas o Tribunal apurar que houve um primeiro golpe seguido de outros 3 nas circunstâncias melhor descritas nos respectivos factos provados sem que contudo fosse possível distinguir ou por alguma forma científica, com recurso a qualquer outro meio de prova directo ou indirecto qual dos golpes foi o primeiro e por que ordem específica foi cada um produzido.
Mantendo centrada a nossa atenção no sucedido a 16 de Julho de 2023 e sobre as consequências alegadas em sede de pedido de indemnização civil tal como dadas por assentes, desde logo não carece o Colectivo de grande esforço imaginativo para, perante a actuação perturbadora do arguido quando se dirige e envia mensagens ao assistente e ante a gravidade das lesões que lhe provocou, aferir do alegado sofrimento aos mais variados níveis. Exclusão feita ao alcance final das ameaças, considerando até a leitura e interpretação das respectivas mensagens em que se sustenta ou não nos é possível mesmo com esforço interpretativo percepcionar que tenha sido posta em causa a vida ou atentar contra mesma por parte do arguido – e tal independentemente do que depois veio a suceder (daí a exclusão deste segmento como fazendo parte do tipo de crime como infra melhor se analisará). Aliás, se atentarmos na postura do arguido quando vai entregar o filho, percebesse que o mesmo quer aceder a casa e/ou falar/estar receber da sua ex-mulher as tais chaves e só depois o encontro fatídico ocorre quando o assistente decide vir tentar resolver o desassossego criado. Mas retomando as sobreditas consequências das agressões sofridas e para além dos suportes documentais médicos e recibos que atestam conjugadamente o tempo de incapacidade e os rendimentos do assistente, saiu reforçada a nossa convicção na valoração positiva e conjugada dos depoimentos das testemunhas NN e OO – foram objectivos, isentos, consistentes e como tal convincentes sobre o que depuseram e foram inquiridos.
Dito isto e assim observado, em nada contendeu com esta nossa convicção os depoimentos das testemunhas inquiridas em sede de defesa, não negando o tribunal o reconhecimento do arguido como bom profissional e pessoa empenhada e educada para com terceiros como o atestaram QQ, SS e RR e a cujos depoimentos não se nos oferece tecer quaisquer reparos de maior.
Já nos causou alguma ‘estranheza’ e não foram convincentes pelo menos com o sentido propugnado pela defesa os depoimentos das testemunhas FF que tenta corroborar a versão do arguido sobre as dinâmicas do trabalho em especial os pormenores das idas da EE á casa de banho (?!); GG, a empregada doméstica que afinal nunca se apercebeu de nenhum mau ambiente, discussão ou mal-estar entre o casal, sem qualquer queixa de parte a parte (?!) e finalmente mas não menos surpreendente, HH que tenta desacreditar a irmã e fazer crer estar convicto da inocência do arguido porque afinal nunca nada presenciou (?!).
Pensamos assim ter interpretado de acordo com as regras do bom senso e da normalidade da vida as descrições, percepções e justificações trazidas a julgamento por cada um dos intervenientes nesta vivência familiar sem nos afastarmos demasiado nem desvirtuamos a realidade do sucedido e sem perder de vista em termos processuais as declarações e posição de vítimas, por um lado e sem direta nem reflexamente prejudicar a posição processual do arguido por outro, sempre no sobredito contexto familiar a que o Colectivo tentou e conseguiu ‘aceder’ através deste julgamento. E de que ficou convicto com a segurança e certeza processualmente exigíveis de que de facto a verdade processual descrita na acusação pública corresponde no essencial com exclusões de pormenor que não assentaram em qualquer meio de prova ou resultaram reflexamente infirmadas por vezes até pelos próprios ofendidos/vítimas ao ocorrido na realidade. “
***

Passando para a análise das questões suscitadas, por ordem de precedência lógica:
QUESTÃO PRÉVIA
Concomitantemente com o requerimento para audiência de julgamento, na sua interposição de recurso, o arguido recorrente requereu a renovação de prova, com reinquirição das testemunhas EE e AA quanto ao facto 24 da matéria provada, ao abrigo do disposto nos artigos 412º, nº 3, alínea c) e 430º, nº 1, do C.P.P.
Concretamente, o arguido recorrente reporta-se ao segmento de facto que deu como provado: “ergueu-o no ar e levou-o assim até ao quarto, suspenso na sua mão”.
Contudo, como adiante se analisará em sede de impugnação da matéria de facto, esse segmento deve ser eliminado e consequentemente prejudicada fica a renovação de prova relativamente ao mesmo.
--
Da proibição de valoração de depoimento da testemunha AA.
O arguido veio invocar a proibição de valoração da testemunha AA, por violação do disposto no art.134º, nº 1, alínea a), do C.P.P., concretamente a falta de prévia advertência legal quanto à facultade de recusar o seu depoimento.
Argumenta o arguido que a testemunha AA é filha da ofendida EE, a qual, por sua vez, foi casada com o arguido até ../../2019, tal como resulta do elenco dos factos 1, 2, 3, 4, 5 e 6 da matéria provada.
Assim, a filha da ofendida EE, até àquele divórcio em ../../2019, era afim do arguido no 1º grau da linha reta, conforme dispõe os artigos 1580º, 1581º, 1584º e 1585º, do Código Civil.
Entende o arguido que à enteada do arguido assistia o direito à recusa de depoimento, sendo o mesmo nulo por não ter sido previamente advertida da faculdade de recusa de depoimento – art.134º, nº1, al.a) e nº2, do Código Processo Penal.
Contudo, não assiste razão ao recorrente arguido.
Com a entrada em vigor da Lei nº 61/2008, de 31 de outubro, as relações de afinidade cessam com a dissolução do casamento por divórcio (cf. artigo 1585º, a contrario, do Código Civil).
À data do depoimento de AA a mesma já não era enteada do arguido (afim do arguido no 1º grau da linha reta).
Não abrangendo a alínea a), do nº1, do art.134º, do Código Processo Penal, os «factos ocorridos durante o casamento», entendemos que não é de aplicar, por analogia, o disposto na alínea b) em relação aos afins.
A limitação do art.134º, nº1, al.b), ao ex-cônjuge e ex-unido de facto é o resultado da liberdade de conformação do legislador quanto à delimitação da compressão da reserva da intimidade da vida privada e familiar (cf. artigo 26º, nº 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa), perante o princípio da descoberta da verdade material.
Segundo o arguido recorrente a falta de referência na citada alínea b) do nº1, do art.134º, aos afins constitui uma omissão, em sentido próprio, do legislador, já que não prevê, a sua recusa de depoimento quando reportada a «factos ocorridos durante o casamento».
Ora, sendo de presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, a solução propugnada pelo recorrente arguido não encontra na letra da lei, atenta a não inclusão do afim na dita alínea b), um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (art.9º, nº2 e 3, do Código Civil).
As sucessivas alterações do Código Processo Penal, mantendo os ex-afins excluídos da sua previsão quanto à faculdade de recusarem o depoimento são também fatores hermenêuticos bastantes para arredar da sua dimensão normativa a silenciada possibilidade legal daqueles exercerem tal prerrogativa a coberto da reserva da intimidade da vida privada e familiar (cf. artigo 26º, nº 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa).
Tal limitação tem subjacente razões de politica criminal que se prendem com irrenunciáveis exigências de conformação do conflito entre as mais amplas e efetivas garantias de defesa, conjugadas com a reserva da intimidade da vida privada e familiar (cf. artigo 26º, nº 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa) e a descoberta da verdade na administração da justiça penal.
Daí que a falta de menção dos ex-afins quanto a «factos ocorridos durante o casamento» não traduza uma lacuna em sentido próprio que careça de suprimento pelo juiz.
“Razões político-jurídicas ponderosas podem estar na base da abstenção do legislador. Esses «silêncios eloquentes da lei» não têm de ser supridos pelo juiz, ainda que este, porventura, em seu critério entenda o contrário. Diz-se, por isso, que tais faltas de regulamentação constituem lacunas impróprias (de lege ferenda, de jure constituendo, político-jurídicas, críticas, etc.), que eventualmente poderão vir a desaparecer em futuros desenvolvimentos do sistema, a cargo dos órgãos normativos competentes” – cfr. sobre omissão própria e imprópria Acórdão STJ n.º 2/95, de 12 de junho, D.R. n.º 135/1995, Série I-A de 1995-06-12.
No caso estamos perante uma omissão em sentido impróprio, insuscetível de integração por analogia.
No respeito pelo princípio da legalidade, apenas nos casos previstos na lei deve ser autorizada a recusa de depoimento.
Não cabe ao julgador substituir-se ao legislador na admissão da recusa de testemunhar por parte de outros que não os intervenientes previstos na al.b), do nº1, do cit. art.134º.
Por conseguinte, não ocorre a apontada recusa de depoimento e consequente nulidade prevista no art.134º, nº1, al.b) e nº2, do Código Processo Penal, não sendo inconstitucional, por violação dos artigos 26º, nºs 1 e 2 e 32º, nº 1 e nº 8, 2ª parte, da Constituição da República Portuguesa, a dimensão normativa daqueles que não a admite quando interpretado em sentido contrário ao propugnado pelo recorrente arguido.
Mas, ainda que assim não se entendesse, o que só por mera hipótese académica se aceita, se dirá que o vício apontado pelo recorrente sempre constituiria uma nulidade sanável (art. 134º, nº2, do Código Processo Penal), pelo que estando sanada por falta de arguição atempada até ao final do ato, não procede a pretensão recursiva – cfr. ac TC nº108/2024 (processo 404/2023) que decidiu julgar não inconstitucional a interpretação normativa nesse sentido dos art.s 120º, nº3, 121 e 134º, nº2, do Código Processo Penal.
Assim, nada obsta à livre valoração deste depoimento pelo tribunal.
-
Da proibição de valoração de depoimento indireto e da violação do disposto nos artigos 129º, nº 1 e 134º, nº 1, alínea a), do C.P.P.
O arguido veio impugnar os factos dados como provados sob ponto 53.
Argumenta que o tribunal a quo, ao dar como provado o facto 53, violou o direito de recusa da testemunha BB, incorrendo, ainda, na proibição de valoração de depoimento indireto e da violação do disposto nos artigos 129º, nº 1 e 134º, nº 1, alínea a), do C.P.P., (testemunha EE ouvir dizer).
Concretizando, afirma o recorrente constar da fundamentação do tribunal a quo para dar como provado tal facto o seguinte: «…reflexamente não deixamos de salientar que mal havia chegado a casa entregue pelo pai, o filho foi à casa de banho e quando saiu verificou que o DD já havia saído de casa e de imediato terá avisado a mãe muito receoso de que o pai trazia consigo uma faca…».
E logo acrescenta o arguido recorrente que, “conforme resulta da ata da audiência de julgamento, de 07 de maio de 2024, com referência 459996045 (2ª sessão), a testemunha BB, filho do aqui arguido, recusou-se validamente a depor nos termos do disposto no artigo 134º, nº 1, alínea a), do C.P.P. – cf. respetiva ata com referência 459996045.
Assim sendo, é evidente que o direito de recusa de depor como testemunha (BB) não pode ser subvertido pelo depoimento indireto de uma testemunha (EE) sobre o que ouviu dizer à testemunha que recusa depor, sob pena de autêntica fraude à lei.
Aliás, de forma a assegurar o pleno exercício do contraditório, bem assim da cross examination, enquanto decorrência do due process of law, o legislador ordinário estabeleceu que o depoimento indireto, em princípio, não vale como prova, devendo, para produzir esse efeito, ser confirmado pela pessoa nomeada.
Assim, será imediatamente de pôr de parte a valoração de tal depoimento nos casos em que o depoente indireto se recusar ou não estiver em condições de indicar a pessoa ou a fonte donde promana a informação transmitida – cf. artigo 129º, nº 1, 1ª parte, do C.P.P.
De outra forma, a prova sobre os factos probandos deixa de ser feita de forma direta, imediata e sujeita a instâncias da defesa, objetivo este que contende, por isso, com a natureza do processo acusatório, implicando as garantias de defesa, maximum o contraditório (artigos 327º, nº 2 e 355º, nº 1, do C.P.P., em conjugação com o disposto no artigo 32.º, n.ºs 1 e 5 da C.R.P.).
Pelo que nunca poderia o tribunal a quo valorar o que a testemunha EE ouvir dizer da testemunha BB, a qual, por sua vez, recusou-se legitimamente a depor.
Tratando-se, assim, de uma autêntica proibição de valoração do conteúdo de tal depoimento, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 129º, nº 1 e 134º, nº 1, alínea a), do C.P.P.”.
Posto isto, cumpre reconhecer que a testemunha BB, filho do arguido, efetivamente se recusou a depor em audiência de julgamento.
A solução encontrada pela jurisprudência quanto à valoração do ouvir dizer de quem se recusou a depor, no caso o que a ofendida EE ouviu dizer do filho, não tem sido uniforme.
Contudo, salvo melhor opinião, é irrelevante a posição que no caso concreto se possa tomar a esse respeito.
Com efeito, o tribunal a quo valorou o seguinte: «…reflexamente não deixamos de salientar que mal havia chegado a casa entregue pelo pai, o filho foi à casa de banho e quando saiu verificou que o DD já havia saído de casa e de imediato terá avisado a mãe muito receoso de que o pai trazia consigo uma faca…».
Serviu isto para dar como provado que, “quando o DD saiu, o seu filho alertou EE que o arguido estava armado com uma faca, que trazia nas calças” (ponto 53), único facto impugnado pelo arguido recorrente com base na proibição do ouvir dizer da testemunha que validamente se recusou a depor.
Sucede que este facto é absolutamente inócuo para a boa decisão da causa.
O juiz não está sequer vinculado a enumerar todos os “factos” contantes da acusação, da pronúncia, do pedido de indemnização civil e/ou da contestação.
Só os factos com relevo para a decisão da causa devem constar da sentença, procedendo-se, se necessário e na extensão tida por necessária, à eliminação do que de supérfluo provenha da acusação, da pronúncia, pedido de indemnização civil ou da contestação.
Mas, então, o que serão factos (provados e não provados) com interesse e relevância para a decisão da causa ?
No processo civil, o juiz procede à divisão da matéria de facto em relevante e irrelevante para a decisão da causa, utilizando como critério as várias soluções plausíveis da questão de direito que deva considerar-se controvertida.
Também assim no processo penal, tendo o julgador por referência as várias soluções plausíveis objeto de valoração quanto à caracterização do crime em causa e suas circunstâncias ou com influência na medida da pena e demais consequências jurídicas do crime, isto é, desde que tenham efetivo interesse para a decisão João Pedro Pereira Cardoso, A FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA PENAL – Algumas notas sobre proibições de prova, Revista CEJ 1º Sem. 2023, pg.273..
A decisão não deverá conter factos inócuos ou irrelevantes para a qualificação do crime ou para a graduação da responsabilidade do arguido, mesmo que descritos na acusação e/ou na contestação, ou ainda a matéria de facto já prejudicada pela solução dada a outra.
Daí que, sem mais demora, prejudicada a questão suscitada pelo arguido recorrente, deve considera-se eliminado do elenco dos factos provados e não provados aqueles impugnados e narrados no ponto 53 do probatório e como decorrência a expressão “aludida em 53” constante do ponto 57.
Assim, improcede nesta parte o recurso.
-
Da alteração (não) substancial dos factos – art.s 358º, 359º e 379º, do Código Processo Penal
O arguido recorrente invoca a nulidade do acórdão com fundamento na alteração dos factos constantes da acusação, sem que a mesma tenha sido comunicada ao arguido para que o mesmo pudesse exercer a sua defesa, maximum o contraditório, como impõe o artigo 358º, nº 1, e art.359º, não 1, do C.P.P.
Especificamente,
- a alteração substancial:
- quanto ao facto 13 (correspondente ao facto 15 da acusação) na parte em que introduz as expressões injuriosas “porca” e “devia ter vergonha”; e
- ao facto 24, em conjugação com o facto dado como provado em d), em que a factualidade «porque estava agitado e queria brincar» e «deixou-o sem conseguir respirar» não constavam do facto 28 do despacho de acusação;
Isto porque, argumenta o recorrente, pese embora tal factualidade introduzida ex novo não agrave os limites máximos das sanções abstratamente aplicáveis, a mesma acaba por imputar ao arguido um «crime diverso», pois tais alterações factuais passam a desenhar um quadro histórico diverso do descrito na Acusação, criando uma valoração social também ela diversa, a qual consubstancia um aumento da ilicitude material do(s) crime(s) e uma maior censura ao nível da culpa (cf. artigo 1º, alínea f), do C.P.P.).
É completamente diferente dizer-se apenas que o arguido agarrou no pescoço do filho e posteriormente em sede de decisão final dizer-se que, por tal comportamento, o filho ficou sem conseguir respirar, sendo tal ainda mais patente na introdução do novo facto «quando a EE estava grávida de 7 meses o arguido agrediu-a na cabeça, com pontapés, pegou-lhe pelos cabelos e empurrou-a contra a parede», posto que, com tais alterações factuais, há claramente um aumento da ilicitude material do crime de violência doméstica e uma maior censura ao nível da culpa.
Assim, tal factualidade introduzida nos números 13, 24 e alíneas b) e d) da matéria provada nunca poderiam ter sido tomados em conta pelo tribunal a quo para fundamentar a decisão em causa – cf. artigo 359º, nº 1, do C.P.P.
Cumpre apreciar.
Em relação a cada uma das vítimas a que se refere a alteração apontada, o arguido vinha acusado de um crime de violência doméstica agravado, p. p. pelo art.152º, nº1 e 2, al.a), do Código Penal.
Consta dos pontos 10, 13, 14 do probatório o seguinte:
10. Na constância do relacionamento, o arguido, por várias vezes, no interior da habitação, discutia, com EE, sem qualquer motivo aparente e após ingerir em excesso bebidas alcoólicas, agredia, com chapadas, e com pontapés, agarrando-a pelos cabelos e arrastando-a, dessa forma, pela casa, e encostava-a pelo pescoço às paredes.
13.Ainda em comunhão de cama, mesa e habitação, o arguido, por diversas vezes, no interior da habitação e no interior das instalações do local de trabalho de ambos, chamava a ofendida EE de “merda”, “porca” e que “devia ter vergonha”
14.Alguns destes factos e episódios foram perpetrados em datas e em circunstâncias que não foi possível apurar na presença dos menores AA e BB que em estado de pânico se fechavam no quarto.
70. Condutas que o arguido perpetrou na presença do seu filho menor e de AA, filha de EE, menor de idade que consigo coabitava (ponto 80 da acusação).
A fundamentação da sentença penal (art.374º, nº2), impondo critérios de racionalidade evidenciados na suficiência, coerência e razoabilidade, exige – desde logo - uma enumeração dos factos (provados e não provados).
A questão da enumeração dos factos transporta-nos para a seleção dos mesmos na narrativa do comportamento processualmente definido como objeto de valoração em direito penal.
A maior dificuldade de enumeração/singularização dos factos surge nos crimes permanentes ou trato sucessivo, como é o caso do crime de violência doméstica, o que poderá tornar difícil a sua identificação pela defesa quando a imputação se concretiza numa sucessão repetida de atos durante certo período.
Perante uma dada atividade plural, neste tipo de crimes, o tribunal deverá descrever, na medida do possível, as circunstâncias de tempo e de lugar em que os comportamentos do arguido ocorreram, contendo precisão suficiente para garantir o exercício do direito de defesa e do contraditório, sob pena de violação do art.32º, nº1, da C.R.P. e art.6º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
Ora, a narrativa vazada nos pontos 10, 13, 14 e 70 do probatório não permite minimamente a identificação destes factos absolutamente genéricos por parte da defesa do arguido num período temporal de cerca de 14 anos (2008 até 2022).
A referência genérica ali vertida depende de asserções de matéria de facto levadas ao rol de factos provados para sua valoração.
O mesmo vale dizer do ponto “t) Em consequência do evento, o demandante sofreu inúmeros e dolorosos tratamentos”.
Trata-se de uma alusão abstrata, sem qualquer concretização, que deve ser tida como não escrita.
Por conseguinte, os pontos 10, 13, 14, 70 e t) dos factos (genéricos) provados devem considerar-se não escritos, por inobservância do art.374º, nº2, por força do art.379º, nº1, al.a), quanto à enumeração dos factos a selecionar na sentença.
Em consequência nos termos do art.431º, al.a), do Código Processo Penal, determina-se a eliminação dos pontos 10, 13, 14 e 70 dos factos provados, ficando prejudicada a nulidade (diversa) invocada pela recorrente quanto à enumeração do primeiro, razão pela qual não se conhece dessa arguição.
De resto, sublinha-se que o ponto 70 dos factos provados (ponto 80 da acusação) nada acrescenta ao elemento cognitivo e volitivo da agravação a que se refere a al.a), do nº2, do art.152º, não bastando ao seu preenchimento a materialidade da conduta que objetivamente ali vem descrita.
Prosseguindo,
o arguido veio ainda invocar quanto ao facto 24, em conjugação com o facto dado como provado em d), que a factualidade «porque estava agitado e queria brincar» e «deixou-o sem conseguir respirar» não constava do facto 28 do despacho de acusação.
Dizia-se no despacho de acusação, facto 28: «O arguido, quando o seu filho tinha cerca de nove anos de idade, porque estava a fazer uma birra, agarrou-o pelo pescoço com uma mão, ergueu-o no ar e levou-o assim até ao quarto, suspenso na sua mão».
Diz-se agora na matéria provada, facto 24 (correspondente ao facto 28 da acusação):
«O arguido, quando o seu filho tinha cerca de 9 anos de idade, porque estava mais agitado e queria brincar, agarrou-o pelo pescoço com uma mão, ergueu-o no ar e levou-o assim até ao quarto, suspenso na sua mão».
E, ainda, deu-se como provado em d), que:
«Nas demais circunstâncias aludidas em 24 como o arguido agarrou e ergueu o filho deixou-o sem conseguir respirar».
A factualidade nova “porque estava agitado e queria brincar” e “deixou-o sem conseguir respirar” não constavam do facto 28 do despacho de acusação.
Dispõe o art.º 379.º, n.º 1, al. b), do CPP, que é nula a sentença que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º.
De acordo com o art.º 358.º, n.º 1, do CPP, se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa. Estabelece o n.º 2 que o disposto no n.º 1 é correspondentemente aplicável quando o tribunal alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia.
Por sua vez, de acordo com o art.º 359.º, n.ºs 1 e 2, do CPP, uma alteração substancial dos factos descritos na acusação ou não pronúncia não pode ser tomada em conta pelo tribunal para o efeito de condenação no processo em curso, nem implica a extinção da instância, salvo nos casos em que o Ministério Público, o arguido e o assistente estiverem de acordo com a continuação do julgamento pelos novos factos.
A alteração substancial dos factos vem definida na al. f) do n.º 1 do art.º 1.º do CPP, consistindo naquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis. Por exclusão de partes, a alteração não substancial dos factos, que não se mostra definida na lei, será aquela que, embora com relevo para a decisão da causa, não tem aqueles efeitos. Como escreve Oliveira Mendes, é aquela que, consubstanciando embora uma modificação dos factos constantes da acusação ou da pronúncia, não tem por efeito a imputação de um crime diverso, nem a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis Código de Processo Penal Comentado, 2016, Almedina, pág. 1081,.
Ora, o facto descrito no ponto 28º da acusação integra apenas um de vários episódios subsumíveis aos maus tratos típicos, perpetrados na pessoa do filho, e ali imputados ao arguido.
Salvo melhor opinião, os factos novos “porque estava agitado e queria brincar” e “deixou-o sem conseguir respirar” não imputam ao arguido um «crime diverso», sequer um quadro histórico diverso do descrito na acusação, posto que inseridos no trato sucessivo do crime de violência doméstica de que foi vítima o filho (artigo 1º, alínea f), do C.P.P.).
In casu, comparando os factos da acusação com os factos dados como provados, inexiste, em termos factuais, divergência que se traduza numa modificação estrutural da factualidade descrita na acusação, pelo que não estamos perante uma alteração substancial. Efetivamente, os factos são essencialmente os mesmos, muito embora algumas alterações que não determinam nem a imputação de um crime diverso nem a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.
Não só o pedaço de vida a que se referem as alterações apontadas pelo arguido é o mesmo que conta da acusação (ponto 28º) e do probatório do acórdão recorrido (ponto 24º e alínea d)), como o bem jurídico tutelado é igual, donde não estarmos perante um crime diverso, nos termos e para efeitos dos art.s 1º, al.f), e 359º, nº1, do Código Processo Penal.
Por conseguinte, não se verifica a nulidade prevista no art.º 379.º, n.º 1, al. b), do CPP.
Prosseguindo, nos termos do cit. art.º 379.º, n.º 1, al. b), do Código Processo Penal, o arguido veio invocar a nulidade da sentença, em resultado da alteração não substancial dos factos, sem cumprimento da comunicação aludida no art.358º, nº1, do Código Processo Penal.
Contudo, só uma alteração relevante para a decisão da causa e que implique uma limitação dos direitos de defesa do arguido, ainda que não substancial, deve ser comunicada ao arguido, nos termos do art.358º, nº1, do Código Processo Penal.
Vejamos,
especificamente, o arguido recorrente suscita
a alteração não substancial:

Da acusaçãoDo acórdão Alterações
49. «No dia 13 de abril de 2023, pelas 13h55m, no interior das instalações da agência de viagens, sita na Avenida ..., Porto, o arguido encetou uma discussão com a ofendida, e disse “vai para o caralho não preciso de ti para nada” e, em seguida, puxou-lhe os cabelos, desferiu-lhe pancadas na cabeça e apertou-lhe os braços, causando-lhe dores».42. «No dia 13 de abril de 2023, pelas 13h55m, no interior das instalações da agência de viagens, sita na Avenida ..., Porto, o arguido encetou uma discussão com a ofendida, e disse “para ela ter vergonha” e, em seguida, puxou-lhe os cabelos».1. A expressão “para ela ter vergonha” não constava do facto 49 da acusação – a restante factualidade foi dada como não provada – vide ponto IX.
50.«Em abril de 2023, o arguido deixou no interior de um caixote de lixo, do escritório da agência, uma caixa vazia, que tinha, numa tampa da caixa, uma foto de uma faca e com os seguintes dizeres “Ou é para ti ou é para mim”.43. «Em abril de 2023, no interior de um caixote de lixo, do escritório da agência, foi deixada uma caixa de uma faca, vazia».2. A expressão «uma caixa de uma faca, vazia», não constava do facto 50 da acusação.
66. «A dada altura saíram ambos do interior do carro, mas mantiveram-se as agressões, se bem que neste momento o arguido desferia socos a DD».57. «A dada altura saíram ambos do interior do carro, mas mantiveram-se as agressões, sendo que em momento que não foi possível precisar, o arguido já havia atingido o DD com a faca aludida em 53, no dorso, na zona lateral que de imediato começou a sangrar».3. A factualidade sublinhada não constava no facto 66 do despacho de acusação.
67. Quando se encontravam junto à bagageira do veículo do arguido, este com a sua mão direita, recolheu do lado direito das calças que vestia uma faca, cujas características não se logrou apurar.
68. Com a sua mão cerrada direcionou o objeto que empunhava por quatro vezes consecutivas (braço para a frente e para trás, paralelo ao chão) na direção de DD, atingindo-o na zona do flanco esquerdo, que de imediato começou a sangrar.
58. «Ato seguido e ainda envolvidos fisicamente, já no exterior da viatura, o arguido desferiu com a mesma faca mais 3 outros golpes que atingiram o DD no tórax e no braço». 4. Tal factualidade não constava do despacho de acusação nos termos descritos.
72.«Da conduta perpetrada pelo arguido resultou, em concreto, perigo para a vida de DD (hemopneumtórax hipertensivo e com necessidade de transfusão), cuja situação clínica ainda não se encontra estabilizada».62. «Da conduta perpetrada pelo arguido resultou, em concreto, perigo para a vida de DD (hemopneumtórax hipertensivo e com necessidade de transfusão de glóbulos rubros devido a hipovolémia pelo homopneumotórax), cuja situação clínica ficou consolidada a 26.09.2023. – tudo sem prejuízo das sequelas e lesões permanentes infra descritas de j. a al.».5. A factualidade «situação clínica que se consolidou a 26.09.2023» não constava no despacho de acusação.
11. Na altura em que estava grávida do filho de ambos, o arguido, embriagado, arremessou uma peça de decoração à ofendida EE, atingindo-a na cabeça, causando-lhe dores e um pequeno ferimento sangrante, que a própria curou em casa.b. Quando a EE estava grávida do filho de ambos, com cerca de 7 meses, o arguido agrediu-a na cabeça com pontapés, pegou-lhe pelos cabelos e empurrou-a contra a parede6. tal factualidade não constava da acusação nos termos descritos.
20. Em seguida, o arguido transportou, à força, o seu filho menor, do seu quarto, para o quarto onde EE pernoitava, enquanto dizia “Anda ver a tua mãe. Esta porca, vadia” entre outros impropérios, dizendo ainda: “Anda ver como se faz”, continuando com as agressões puxando-a da cama pelos cabelos, empurrando-a contra a parede e desferindo-lhe chapadas na face, tudo isto na presença do filho de ambos, na altura com 10 anos de idade.17. Em seguida, o arguido transportou, à força, o seu filho menor, do seu quarto, para o quarto onde EE pernoitava, enquanto dizia “Anda ver a tua mãe. Esta porca, vadia” entre outros impropérios, continuando com as agressões puxando-a da cama pelos cabelos, empurrando-a contra a parede e desferindo-lhe chapadas na face, tudo isto na presença do filho de ambos, na altura com 10 anos de idade.
--
c. Nas demais circunstâncias descritas em 17 o arguido também apelidou a EE de “vaca” e “ordinária”, enquanto dizia ao filho que ela tinha acabado de chegar a casa.
7. introduz as expressões injuriosas “vaca”, “ordinária” e a factualidade “enquanto dizia ao filho que ela tinha acabado de chegar a casa”;
28. O arguido, quando o seu filho tinha cerca de nove anos de idade, porque estava a fazer uma birra, agarrou-o pelo pescoço com uma mão, ergueu-o no ar e levou-o assim até ao quarto, suspenso na sua mão.d. Nas demais circunstâncias aludidas em 24 como o arguido agarrou e ergueu o filho deixou-o sem conseguir respirar 8. tal factualidade não constava da acusação nos termos descritos.
Factos descritos em 18, 36e. Nas demais circunstâncias descritas em 31 e 32 o arguido manteve no telemóvel da ofendida, num período de tempo que não foi possível apurar, uma aplicação que permitia determinar a sua localização e questionava as funcionárias da agência de viagens onde trabalhavam dos horários9. Tal factualidade não constava do despacho de acusação nos termos descritos.

Cumpre apreciar.
A modificação dos factos constantes da acusação ou da pronúncia só integra o conceito de alteração não substancial quando tiver relevo.
As alterações constantes dos factos dados como não provados traduzem mera concretização ou contextualização dos restantes factos narrados na acusação, sem qualquer relevância na condenação, incluída a determinação da medida concreta da pena, pelo que não havia qualquer necessidade de proceder à comunicação da alteração efetuada.
Tanto mais que o arguido não concretiza em que medida cada uma dessas alterações (não previamente comunicada) se traduziu numa diminuição do seu direito de defesa, não bastando aventá-la de forma genérica para convocar a aplicação do regime previsto no art.358º, e o vício de nulidade da sentença do art.379º, nº1, al.b), ambos do Código Processo Penal.
Sem que o arguido invoque os concretos argumentos jurídicos e/ou meios de prova que podia ter oferecido em resultado da alteração não substancial apresentada, nem se vislumbre que essa modificação tenha agravado as concretas consequências jurídico penais da conduta pela qual foi condenado, não é de reconhecer para efeitos do disposto no art.358º, nº1, do Código Processo Penal, que aquela alteração teve relevo para a decisão da causa, por ser suscetível de influenciar a estratégia e utilidade da defesa.
Assim, improcede nesta parte o recurso do arguido.
Da nulidade do acórdão por insuficiência de fundamentação.
O arguido veio invocar que o acórdão é nulo por insuficiência de fundamentação, nos termos do disposto no artigo 379º, nº 1, alínea a), ex vi do disposto no artigo 374º, nº 2, do C.P.P., pois não se pronunciou sobre alguns dos factos que constavam do despacho de acusação, ignorando-os por completo.
Concretamente, afirma o arguido recorrente, o tribunal a quo não se pronunciou sobre:
- o facto 9 da acusação na parte em que se menciona que «os primeiros 5 anos da relação decorreram dentro da normalidade»;
- o facto 18 da acusação, que mencionava que «desde então, as agressões se tornaram mais frequentes, pois que continuaram a trabalhar juntos, sendo que o arguido passou a mover à depoente uma perseguição mais cerrada»;
- o facto 24 da acusação que mencionava que «estes atos de violência do arguido, potenciados pelo álcool, eram extensíveis a AA…»;
- o facto 90 do despacho de acusação, que mencionava que «o tipo de instrumento utilizado e a zona do corpo de DD atingida, revelam vontade na consumação, que o arguido sabia e queria».
Cumpre apreciar.
Como resulta do disposto nos artigos 339.º, n.º 4, 368.º, n.º 2, e 374.º, n.º 2, do CPP, o tribunal deve indagar e pronunciar-se sobre todos os factos que tenham sido alegados pela acusação, pela contestação ou que resultem da discussão da causa e se mostrem relevantes para a decisão.
No caso sub judice o Tribunal a quo não incluiu os factos descritos no elenco daqueles provados e/ou não provados.
Essencial, é saber, como sobredito, se esses factos são relevantes e/ou genéricos nos termos sobreditos.
O tribunal de julgamento está, em princípio, vinculado a emitir juízo de prova sobre os factos e meios probatórios invocados pela acusação e pela defesa do arguido, ainda que sejam contrários entre si.
A falta de pronúncia probatória sobre eles e o não conhecimento de questões jurídicas suscitada pela defesa do arguido, em conexão com a sua alegação factual, é fundamento de nulidade, nos termos previstos na al.c) do nº1 do art.379º, na vertente da omissão de pronúncia. Nulidade que é cognoscível em sede de recurso, independentemente de arguição.
O que importa é que, da conjugação da matéria da acusação e da defesa, resulte claro que o tribunal apreciou os factos relevantes para a decisão a proferir, aduzidos por uma e por outra.
A dificuldade que aqui logo se apresenta ao juiz, na sentença, é saber qual o critério de seleção dos factos na narração do comportamento do agente.
Na enumeração dos factos, o juiz depara-se com diversas narrativas que lhe são levadas pelos sujeitos processuais.
Todavia, o juiz não está vinculado a nenhuma delas, embora nas diferentes perspetivas da realidade seja habitual utilizar o critério da ligação sequencial dos factos por referências espácio-temporais.
Seja como for, o juiz é livre no enunciado da convicção por si formada sobre a prova dos factos provados e não provados, embora tenha por objeto os factos alegados pela acusação e pela defesa e os que resultarem da prova produzida em audiência, sem prejuízo do regime aplicável à alteração dos factos (art.339º, nº4).
Outra questão que se coloca consiste em saber se o juiz está vinculado a enumerar todos os “factos” contantes da acusação, da pronúncia, do pedido de indemnização civil e/ou da contestação.
A resposta é negativa.
Desde logo, o juiz deve enumerar factos e não conceitos normativos, factos genéricos, vagos, juízos conclusivos e/ou de valor, os quais deve considerar como não escritos, e apenas os relevantes para a decisão.
Ora, é irrelevante para a caracterização dos crimes e suas circunstâncias, sem influência na medida da pena e demais consequências jurídicas do crime, esclarecer no probatório:
- o facto 9 da acusação na parte em que se menciona que «os primeiros 5 anos da relação decorreram dentro da normalidade»;
São absolutamente genéricos e, por isso, devem considerar-se não escritos, sob pena de violação faz garantias de defesa do arguido:
- o facto 18 da acusação, que mencionava que «desde então, as agressões se tornaram mais frequentes, pois que continuaram a trabalhar juntos, sendo que o arguido passou a mover à depoente uma perseguição mais cerrada»;
- o facto 24 da acusação que mencionava que «estes atos de violência do arguido, potenciados pelo álcool, eram extensíveis a AA…».
Já em relação ao facto 90 do despacho de acusação, que mencionava que «o tipo de instrumento utilizado e a zona do corpo de DD atingida, revelam vontade na consumação, que o arguido sabia e queria», não ocorre omissão de pronúncia.
Com efeito, dos factos provados consta o seguinte:
“77. O arguido actuou, com o propósito de tirar a vida a DD, utilizando uma faca, que previamente levou consigo, sabendo que a actuação levada a cabo e o meio por si utilizado era idóneo à produção do resultado pretendido.
78. O arguido só não concretizou os seus intentos por circunstâncias alheias à sua vontade, nomeadamente porque o ofendido conseguiu fugir, pelo facto de se aglomerarem pessoas que levou o arguido a não continuar a perseguir o ofendido e pela rápida intervenção médica.
79. O arguido mais sabia que o meio por si utilizado era idóneo à produção do resultado pretendido, bem como, que o mesmo continha em si uma perigosidade acrescida”.
Daqui resulta que, pese embora as palavras escritas pelo tribunal a quo não coincidam com aquelas descritas nos exatos termos da acusação, o acórdão recorrido não deixou de se pronunciar sobre o facto estrutural do dolo e modalidade imputados ao arguido quanto ao crime de homicídio, na forma tentada.
Pelo exposto, improcede nesta parte o recurso.
--
Da nulidade da sentença por falta de fundamentação – exame critico da prova
O arguido veio invocar a nulidade do acórdão por falta de exame critico da prova, nos termos do disposto no artigo 379º, nº 1, alínea a), ex vi do disposto no artigo 374º, nº 2, do C.P.P.
A sentença deve conter, sob pena de nulidade, o exame crítico da prova, que envolve a enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas, os motivos de determinada opção por um ou outro dos meios de prova, as razões da credibilidade atribuída aos depoimentos, valoração de documentos e exames, que interferiram na formação da convicção do tribunal, de acordo com os comandos legais vertidos nos arts. 374º, nº 2 e 379º nº 1 alínea a) do CPP (sendo que este não é sequer mencionado pelo recorrente).
Pois sempre que observa o condicionalismo legal, a motivação de facto permite aos sujeitos processuais e ao tribunal superior a análise do percurso lógico ou racional em que se apoia a decisão de facto, no entanto, o cumprimento da aludida exigência legal, não impõe uma explanação total em que se descreva todo o caminho tomado pelo juiz para decidir, ou seja, todo o raciocínio lógico seguido, não sendo indispensável uma referência discriminada a cada facto provado e não provado e nem sequer a cada arguido ou testemunha, caso haja vários, mas antes o que se exige é uma enunciação, ainda que sucinta, das provas que serviram para fundar a decisão e a indicação dos elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido.
Perscrutada a motivação da decisão sobre a matéria de facto constatamos que dela consta a análise crítica da prova produzida em sede de audiência de julgamento, ali se enunciando claramente os motivos que alicerçaram a convicção do tribunal recorrido para dar como provados e não provados os factos elencados.
Na decisão recorrida constasse que foi levado a cabo o exame crítico do manancial probatório a que alude o citado art.374º, nº 2, na medida em que da linear leitura da decisão recorrida é possível reter que dela consta a respetiva e obrigatória motivação da decisão da matéria de facto, na qual o tribunal explicita e examina de forma suficientemente detalhada em que se estribou para fixar a factualidade, analisando criticamente, naquilo que aqui se impunha, as provas de que se socorreu.
Efetivamente, a decisão recorrida inclui, em sede própria, a explanação do raciocínio lógico em que o tribunal a quo ancorou a decisão de facto, resultando, em suma, do confronto dos meios de prova produzidos e sujeitos a contraditório em audiência, avaliados à luz das regras da experiência comum, como de resto decorre do principio da livre apreciação da prova que neste domínio impera (art. 127º do CPP).
A decisão inclui menção completa da prova atendida e em que se ancora a convicção do tribunal sobre a atuação atribuída ao arguido, pelo que a censura produzida no recurso carece de substrato. Além disso, a motivação de facto encontra apoio nas regras da normalidade do acontecer e da experiência comum, sendo o juízo probatório formulado de acordo com critérios de objectividade.
Não merece, pois, para nós, qualquer reparo, portanto, a decisão em crise quanto a esse apontado aspeto, sendo que, na motivação, o tribunal recorrido demonstrou ter feito uma correta aplicação das regras de interpretação e valoração da prova, estando os factos provados devidamente fundamentados e alicerçados nos meios de prova produzidos em audiência, encontrando-se a matéria de facto fixada de acordo com um raciocínio lógico e coerente.
A decisão recorrida cumpre, deste modo, a imposição legal de exame crítico da prova, sem ter de particularizar a credibilidade atribuída a cada uma e todas as testemunhas inquiridas da acusação e/ou da defesa.
Por conseguinte, improcede nesta parte o recurso.
-
Da impugnação restrita da matéria de facto:
Da contradição insanável da fundamentação
O arguido veio invocar que o acórdão padece de uma contradição insanável entre o elenco dos factos provados e o elenco dos factos não provados, nos termos do disposto no artigo 410º, nº 2, alínea b), do C.P.P.
Especificamente, afirma o arguido, existe uma contradição (insanável) entre o facto 69 que o tribunal recorrido considerou provado e o facto II julgado não provado.
Com efeito, o tribunal dá como não provado que « II. No ano de 2011 … o arguido decidiu que pretendia manter relações sexuais com a ofendida EE e, por que esta não lhe apetecia, o arguido puxou-lhe os cabelos, desferiu-lhe repetidamente bofetadas na cara, até lograr os seus intentos libidinosos» e depois dá como provado o facto 69, i.e., que o arguido agiu «querendo condicionar a liberdade sexual da vítima».
Ora, no segmento de facto apontado pelo recorrente, este tem razão.
Como reconhece o parecer do Ministério Público nesta instância recursiva, existe uma contradição entre os dois factos provado e não provado indicados.
A referência feita pelo tribunal a quo à liberdade sexual, no campo reservado ao elemento subjetivo, não está assente em nenhuma imputação objectiva de factos, pelo que deve ser retirada a menção à liberdade sexual do facto dado como provado em 69.º, com repercussão na ponderação da medida concreta da pena aplicada ao crime de violência doméstica de que foi vítima a ofendido EE, sem necessidade de reenvio, por constarem dos autos todos os elementos de prova que lhe serviram de base – cf. artigo 431º, alínea a), do C.P.P.
--
Não valoração da suspensão provisória do processo (facto nº25)
Defende o arguido recorrente que o facto nº 25 do elenco dos factos provados, não pode ser ponderado nem valorado negativamente, pois que a suspensão provisória do processo não envolve nenhum juízo sobre a autoria dos factos, nem de culpa do arguido.
Efetivamente consta dos factos provados: “25.A ofendida AA, com 16 anos passou a residir com a sua avó após um episódio de natureza sexual perpetrado pelo arguido contra a ofendida a que deu origem ao inquérito nº ..., tendo o arguido beneficiado de SPP, ainda em vigor”.
Nesta instância recursiva, o Ministério Público entendeu no seu parecer que assiste razão ao recorrente.
Argumenta-se que a referência ao inquérito n.º ..., pendente contra o arguido, e que se encontra m fase de SPP, e em que será ofendida AA por crime de diferente natureza, é indevida e não poderá sequer, e para já, influenciar a medida concreta da pena a aplicar nos presentes autos, pelo que do facto n.º25 apenas deverá constar:
«. A ofendida AA, com 16 anos passou a residir com a sua avó».
Ora, salvo o devido respeito, não se concorda com a impugnação defendida pelo arguido, acompanhado pelo referido parecer.
No que ao caso interessa, duas questões se colocam:
1. saber se a suspensão provisória do processo e os factos com ela relacionados podem ser selecionados para a narração dos factos provados ou não provados; e
2. saber se tal circunstância foi valorada na determinação da medida concreta da pena e, na afirmativa, se o foi (in)devidamente.
Ora, em relação à primeira questão, como sobredito, havendo várias soluções plausíveis da questão de direito, que deva considerar-se controvertida com influência na medida da pena, o julgador deve selecionar o facto.
Nesta parte, improcede, pois, o recurso.
Diferente é saber se o facto foi valorado na determinação da medida concreta das penas e, na afirmativa, o foi (in)devidamente.
Percorrida a fundamentação de direito atinente à medida concreta das penas verifica-se que o facto não foi ali considerado como fator determinante daquela.
Contudo, é nosso entendimento que a ponderação da suspensão provisória aplicada ao arguido noutro processo, não pode deixar de se repercutir na gradação da(s) pena(s) concreta(s).
Embora não se desconheça doutrina e jurisprudência contrárias, afigura-se que esse facto (suspensão provisória do processo) deve ser valorado em desfavor do(a) arguido(a), posto que na determinação concreta da pena o tribunal atende, de acordo com o art.º 71º, n.º 2, al. e) do C.P.: “A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime”.
É “um “pedaço da sua vida”, do qual o Tribunal “a quo” não poderá alhear-se, porque foi um contato que ele teve com o Tribunal por força da prática de um crime, o qual não deixou de ter uma avaliação e solução judiciária penalizadora.
Entendimento este maioritário na jurisprudência, entre eles: o Ac. TRE de 29/03/2016, Proc. N.º 499/15.0PAPTM.E1, Relatora Ana Barata Brito: “I - Não sendo embora um “antecedente criminal” com um peso equiparável ao de condenação transitada em julgado, a suspensão provisória do processo pode ser valorada em sede de determinação da medida da pena, ao abrigo do disposto no artigo 71º, nº 2- e) do Código Penal”; Ac. TRG de 29/01/2022, Proc. N.º 132/21.1GBTMC.G1, Relator Anabela Varizo Martins: “I – O tribunal de recurso pode modificar a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base (al. a) do art.º 431º do C. P. Penal). II – A suspensão provisória do processo pela prática de idêntico ilícito deve ser valorada, na determinação da medida da pena, enquanto “conduta do agente anterior ao facto”. III – Não existe qualquer obstáculo processual à sua inclusão na matéria de facto porque essa alteração, pretendida pelo recorrente, é conhecida do arguido que sobre ela já teve oportunidade de se pronunciar na resposta ao recurso (nº 3 do art.º 424º do C. P. Penal “a contrario”)”; Ac. TRG de 12/10/2020, Proc. N.º 91/19.0GTVRL.G1, Relatora Cândida Martinho: “I ) Mostrando-se documentalmente comprovado, conforme se extrai dos elementos de fls. 26/27 dos autos, cuja veracidade não foi infirmada, que o arguido, por decisão proferida em 3/5/2018, beneficiou de uma suspensão provisória do processo pelo período de 6 meses, por factos susceptíveis de integrar o crime de condução de veículo em estado de embriaguez, tratando-se de uma circunstância com interesse para a boa decisão da causa, mais concretamente no contexto da determinação da medida da pena, operação que envolve o conhecimento de factos relativos à pessoa do arguido, cremos que devia a mesma ter sido elencada na factualidade provada e ponderada, como o foi também a menção à ausência de antecedentes criminais. II) Sendo inquestionável que o registo do mencionado processo de suspensão provisória do processo não pode ter o peso de uma condenação transitada em julgado, nada obsta que o tribunal o tenha em conta na dosimetria da pena, devendo atender-se que o artigo 71º,nº2, do Código Penal, na determinação concreta da pena, manda considerar “as condições pessoais do agente e a sua situação económica” (al.d)), a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime (al.e)) e “a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto” (al.f)). III) Resultando do texto da decisão recorrida que dela não consta a menção à existência de tal suspensão provisória do processo e revelando-se tal circunstância de interesse para a determinação da medida concreta da pena a aplicar ao arguido, na medida em que não pode deixar de sopesar ao nível das exigências de prevenção especial, cremos poder concluir-se que a mesma padece do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a que alude a alínea a) do nº2 do artigo 410º do C.P.P.”; Ac. TRG de 08/10/2012, Proc. N.º 190/11.7GCVVD.G1, Relator Fernando Monterroso: “I) Na aferição das exigências de prevenção especial, nenhum impedimento legal existe para que o julgador possa deixar de valorar os factos que conduziram a anterior suspensão provisória do processo” e Ac. TRC de 29/01/2020, Proc. N.º 250/19.6GASEI.C1, Relator Luís Teixeira: “I – O facto de um arguido ter beneficiado da suspensão provisória do processo no âmbito de um inquérito, sobretudo pela prática do mesmo tipo legal de crime pelo qual se encontra a ser julgado, não deve ser considerada, para alguns, como circunstância anterior atendível na determinação da medida da pena, nos termos do artigo 71.º, n.º 2, alínea e), ab initio do CP [cfr., v.g., Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 2008, nota 14 ao artigo 71.º]. II - Já para o Prof. Figueiredo Dias [in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, 1993, fls. 253], não podendo, decerto, o juiz equiparar estas situações às de “condenações” anteriores, nada parece impedir em definitivo, que ele possa valorar estes elementos, em sua livre convicção, para determinar a medida da culpa e (ou) as exigências da prevenção. III – Decisivo, nesta hipótese é, sufraga-se ainda, a observância de determinados requisitos processuais [vd., a propósito, Maia Costa, in Código de Processo Penal Comentado, 2014, Almedina, Henriques Gaspar e outros conselheiros do STJ, em anotação ao artigo 283.º do CPP, fls. 992, nota 5], mormente que tal facto conste da acusação, ex vi do art.º 283.º, n.º 3, alínea b), in fine, do CPP, ou que, não sendo o caso, seja então determinado o cumprimento quanto a ele do disposto pelo art.º 358.º, n.º 1, do CPP, inclusive atento o art.º 424.º, n.º 3, do mesmo diploma legal”, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Assim sendo, tendo em conta a posição aqui tomada sobre a controvérsia jurídica trazida ao recurso, seguida no ac RP 12.07.2023 (processo 78/23.9GCV.P1, do mesmo relator), na ponderação das agravantes e atenuantes a efetuar com relevância para a determinação da medida concreta da pena, nada obsta a que se tenha em conta a suspensão provisória e os factos provados a que se refere o citado ponto 25º.
Por conseguinte, improcede o recurso nesta parte.
--
Da impugnação ampla da matéria de facto
O arguido veio impugnar a decisão sobre a matéria de facto dada como provada, com fundamento na violação princípio da livre apreciação e in dubio pro reo.
Especificadamente, impugna:
-os factos 10, 11, 12, 13, 14, 16, 17, 26, 29, 30, 31, 32, 42, 43, 63, 64, 65, 66, 67, 68, 69, 70, devem ser dados como não provados;
- o facto 21 da matéria provada deve ser dado como não provado.
- o facto 24 da matéria provada deve ser dado como não provado (erro notório na apreciação da prova).
-os factos 59, 77, 78 e 79 devem ser dados como não provados;
- o tribunal a quo não poderia dar como provada a factualidade prevista em p), r), s), t), u), v) na parte em que menciona que tal lhe provocou «dor, angústia e sofrimento», x), w), z), aa), ab), ac), ad), ae), af), na parte em que menciona «afectando o seu psicológico para sempre», ag), al) no que diz respeito ao pedido cível;
- os factos r) e s) da matéria de facto inerente ao pedido cível devem ser dados como não provados.
-
Nos termos do art. 428º, nº 1, as Relações conhecem de facto e de direito e de acordo com o artigo 431º “Sem prejuízo do disposto no artigo 410º, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base; b) Se a prova tiver sido impugnada, nos termos do nº 3, do artigo 412º; ou c) Se tiver havido renovação da prova.”
Por outro lado, dispõe o art. 412º, nº 3 que “Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.”.
Exige-se ao recorrente a especificação dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, o que só se satisfaz com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que considera indevidamente julgado.
Para além disso, a especificação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, o que se traduz na anotação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que acarreta decisão diversa da recorrida, a que acresce a necessidade de explicitação da razão pela qual essa prova implica essa diferente decisão, devendo, por isso, reportar o conteúdo específico do meio de prova por si invocado ao facto individualizado que considere mal julgado.
O recorrente terá, pois, de indicar os elementos de prova que não foram tomados em conta pelo tribunal quando o deveriam ter sido ou que foram considerados quando não o podiam ser, nomeadamente por haver alguma proibição a esse respeito, ou então, de pôr em causa a avaliação da prova feita pelo tribunal, assinalando as deficiências de raciocínio que levaram a determinadas conclusões ou a insuficiência (atenta, sobretudo, a respetiva qualidade) dos elementos probatórios em que se estribaram tais conclusões.
Finalmente, a especificação das provas que devem ser renovadas implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1ª instância cuja renovação se pretenda, dos vícios previstos no artº 410º, nº 2, do CPP e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cfr. artº 430º, do CPP).
Ainda quanto às concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, resulta do nº 4 do dispositivo legal em análise que havendo gravação das provas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, devendo o recorrente indicar as passagens (das gravações) ou os concretos segmentos de tais depoimentos em que se funda a impugnação e que no seu entender invertem a decisão proferida sobre a matéria de facto, pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (n.º 6 do artigo 412.º).
Saliente-se que a remissão para os suportes técnicos não é a simples remissão para a totalidade das declarações prestadas, mas para os concretos e precisos locais da gravação, que suportam a tese do recorrente, só assim se dando cumprimento à especificação das “concretas provas” que é dizer do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida.
Assim, quando se trate de depoimentos testemunhais, de declarações dos arguidos, assistentes, partes civis, peritos, etc, o recorrente tem, pois, de individualizar, no universo das declarações prestadas, quais as particulares e precisas passagens, nas quais ficam gravadas, que se referem ao facto impugnado.
Na ausência de consignação na ata do início e termo das declarações, bastará “a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas pelo recorrente”, de acordo com o acórdão do STJ de fixação de jurisprudência de 8/3/2012 (AFJ nº3/2012), publicado no DR - I - Série, nº77, 18/4/2012.
Assim, quanto ao cumprimento do ónus de indicação das provas que impõem decisão diversa da recorrida (al. b) do nº 3 do artigo 412º do Código de Processo Penal), com o AFJ (STJ) nº 3/2012, foi fixada a seguinte jurisprudência:
- Se a ata contiver a referência ao início e termo das declarações, basta a indicação das passagens em que se funda a impugnação por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364 (nº 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal); – Ou, alternativamente, se a ata não contiver essa referência, a identificação e transcrição nas motivações de recurso das ditas “passagens” dos meios de prova oral (declarações, depoimentos e esclarecimentos gravados).
Na situação dos autos, o recorrente afirma que analisada toda a prova produzida em audiência de julgamento, de forma concatenada, o tribunal deveria ter ficado em estado de dúvida sobre o cometimento dos factos, a qual teria, necessariamente, de ser valorada a favor do arguido, o que impunha que os factos 10, 11, 12, 13, 14, 16, 17, 26, 29, 30, 31, 32, 42, 43, 63, 64, 65, 66, 67, 68, 69, 70, fossem dados como não provados.
Em face da decisão supra, considera-se prejudicada a impugnação dos factos descritos sob pontos 10, 13, 14 e 70.
No mais, o tribunal a quo considerou provado:
“11. Há cerca de seis anos, no interior da habitação, o arguido, sem qualquer motivo ficou exaltado e partiu objectos que se encontravam no interior da cozinha, tendo a ofendida chamado a sua mãe II, para a auxiliar”.
12. Na constância do matrimónio e enquanto habitavam em comunhão de cama, mesa e habitação, há pelo menos cinco anos, o arguido, no interior da habitação, concretamente na cozinha, pegou numa faca encostou-a junto ao pescoço da ofendida e disse-lhe que a matava. (…)
29. Na altura já não coabitava com o arguido, mas este procurava controlar-lhe os movimentos.
30. O relacionamento amoroso entre EE e DD não foi do agrado do arguido, o que veio agravar a perseguição à ofendida motivado por ciúmes.
31. Passou a ofendida a ser diversas vezes surpreendida pela presença do arguido em locais distintos, onde não era possível ele saber que a mesma se encontrava.
32. O arguido questionava constantemente a ofendida EE e o seu filho sobre o seu paradeiro e com quem falava ao telefone, tendo afirmado à ofendida, em Fevereiro de 2023, que sabia onde aquela andava e a que horas chegava a casa, exibindo-lhe à mesma prints da sua localização. (…)
43. Em Abril de 2023, no interior de um caixote de lixo, do escritório da agência, foi deixada uma caixa de uma faca, vazia.”
Ora, percorrida a motivação do recurso, o recorrente não especifica o concreto conteúdo do meio de prova, que não indica, que impõe que se dê como não provado, sequer por via da dúvida fundada, séria e objetiva, cada um daqueles que considera incorretamente julgados.
Vale isto dizer que, nesta parte, o arguido recorrente não cumpre o referido ónus de impugnação especificada da matéria de facto provada.
O recorrente impugna ainda os seguintes factos:
“16. Entre outubro e novembro de 2022, a ofendida ausentou-se de casa e foi jantar fora, tendo chegado a casa pela 01h00, facto que enfureceu o arguido que, embriagado, pelas 05h00/06h00, foi ao quarto onde aquela pernoitava, agarrou-a pelos cabelos e desferiu-lhe vários estalos.
17. Em seguida, o arguido transportou, à força, o seu filho menor, do seu quarto, para o quarto onde EE pernoitava, enquanto dizia “Anda ver a tua mãe. Esta porca, vadia” entre outros impropérios, continuando com as agressões puxando-a da cama pelos cabelos, empurrando-a contra a parede e desferindo-lhe chapadas na face, tudo isto na presença do filho de ambos, na altura com 10 anos de idade. (…)
26. A ofendida, por vergonha, não relatava as condutas do arguido, dando sempre uma imagem de felicidade para os outros. (…)
42. No dia 13 de Abril de 2023, pelas 13h55m, no interior das instalações da agência de viagens, sita na Avenida ..., Porto, o arguido encetou uma discussão com a ofendida, e disse “para ela ter vergonha” e, em seguida, puxou-lhe os cabelos.”
Ora, nesta parte, importa salientar que não basta a discordância do recorrente em relação à livre apreciação efetuada pelo tribunal a quo nos termos do art.127º.
Nem a alteração da matéria de facto decorre, por via do recurso, da mera possibilidade de a prova produzida permitir uma decisão de sentido distinto da tomada pelo julgador.
O recorrente traz à motivação de recurso apenas um discurso de assumida discordância quanto à análise crítica da prova efetuada pelo tribunal recorrido, qual opinião alicerçada em generalizações probatórias baseadas em concetualizações pessoais sobre o sentido das regras da experiencia, o que torna inviável a pretensão de sindicar a livre apreciação da prova, tal como vem consagrada no artigo 127º, do Código de Processo Penal.
Não se vislumbram razões, nem o recorrente as especifica, a partir das concretas provas produzidas, para sobrepor o seu juízo interpretativo ao que foi alcançado na decisão impugnada.
O que o recorrente faz é convocar o tribunal de recurso para um novo julgamento com apreciação da totalidade da prova produzida em 1ª instância, expondo a sua visão da prova e dos factos em substituição da convicção alcançada pelo tribunal a quo.
O recorrente esquece que o tribunal de recurso não realiza um segundo julgamento da matéria de facto, incumbindo-lhe apenas emitir juízos de censura crítica a propósito dos pontos concretos que as partes especifiquem e indiquem como não corretamente julgados ou se as provas sindicadas impunham decisão diversa.
Exige-se, isso sim, que essa decisão diversa se imponha por ser evidente ou flagrante o erro do tribunal a quo, em função das provas produzidas, no julgamento da matéria de facto.
No fundo, o recorrente pretende fazer vingar a sua versão dos factos radicada exclusivamente numa interpretação e valoração subjetiva da prova produzida em audiência, a sua, sobrepondo-a àquela que está subjacente à decisão recorrida.
--
O arguido impugna ainda o seguinte:
- o facto 21 da matéria provada deve ser dado como não provado.
- o facto 24 da matéria provada deve ser dado como não provado (erro notório na apreciação da prova).
-os factos 59, 77, 78 e 79 devem ser dados como não provados.
Quanto ao ponto 21 consta do probatório o seguinte:
“21. Entre os 5 e os 16 anos, sempre que AA tirava más notas, no interior da residência de ambos, o arguido gritava com ela, afirmando que não admitia que tivesse aquelas notas e, simultaneamente, atirava-a ao chão, arrastando-a pelos cabelos, o que sucedeu várias vezes.”
O arguido argumenta que dos depoimentos de EE e de AA (as únicas, mais uma vez, que confirmaram as mútuas agressões), resulta que as agressões apenas ocorreram quando AA andava no 6º ano e teria cerca de 8 ou 9 anos de idade.
Veja-se a tal propósito o depoimento de EE – sessão de 07/5/2024, com referência 459996045 – gravação com início pelas 10:31:49 horas e o seu termo pelas 11:14:06 horas – minutos [00:31:16] a [00:33:15] e de AA - sessão de 28/5/2024, com referência 460467229 – gravação com início pelas horas e 37 minutos e o seu termo pelas 15 horas e 09 minutos – minutos [00:06:21] a [00:07:06]; [00:08:21] a [00:08:30]; [00:09:36] a [00:09:46].
Ora, se as agressões apenas ocorreram quando AA andava no 6º ano e teria cerca de 8 ou 9 anos de idade, tal não significa sequer que nunca tenham ocorrido, como pretende o arguido.
Ouvidas as declarações de EE 20240514103147_16642147_2871567, a mesma confirmou as agressões dadas como provados sob ponto 21, com ressalva do período referido, a respeito do que referiu acontecer quando tirava negativa na escola. Início: 00:32:27
Contudo, a ofendida AA 20240528143744_16642147_2871567 esclareceu que tais agressões ocorreram a partir do 6º ano, quando ela tinha oito anos de idade, sem mencionar quando terminaram as agressões, ainda que tivesse estudado até aos seus 16 anos, mas sempre que tirava negativa o arguido praticava os referidos atos. Min: 00:06:34 até: 00:10:47
Daqui resulta que a prova produzida impõe a reformulação dos factos descritos em 21, devendo ler-se:
21. Quando AA tirava negativas nos testes escolares, no interior da residência de ambos, o arguido gritava com ela, afirmando que não admitia que tivesse aquelas notas e, simultaneamente, atirava-a ao chão, arrastando-a pelos cabelos, o que sucedeu um numero não concretamente apurado de vezes situadas entre o 8 e os 16 anos de idade daquela.
-
O arguido impugna ainda o facto 24 da matéria provada, o qual deve ser dado como não provado, inclusivamente com fundamento em erro notório na apreciação da prova quanto ao segmento que especifica.
O arguido recorrente invocou existir erro notório na apreciação da prova, em torno do segmento de facto que deu como provado sob ponto 24, a saber:
“24. O arguido, quando o seu filho tinha cerca de nove anos de idade, (…), agarrou-o pelo pescoço com uma mão, ergueu-o no ar e levou-o assim até ao quarto, suspenso na sua mão”.
Defende o arguido que o tribunal a quo não podia ter dado como provado o segmento de facto que dá como provado que o arguido, com uma mão, agarrou o pescoço do filho, então com nove anos de idade, e assim o ergueu no ar e o levou até ao quarto, suspenso na sua mão”.
Ademais, acrescenta o arguido:
- a testemunha AA referiu que o arguido «não lhe apertou o pescoço, ele pegou no menino da sala até ao quarto» – sessão 28/5/2024, com referência 460467229 – Gravação com início pelas horas e 37 minutos e o seu termo pelas 15 horas e 09 minutos – minutos [00:13:10] a [00:14:15].
- a ofendida EE contradiz o depoimento de AA ao declarar que o arguido «pegou-lhe pelo pescoço do menino» - sessão de 07/5/2024, com referência 459996045 – gravação com início pelas 10:31:49 horas e o seu termo pelas 11:14:06 horas – minuto [00:34:16].
Apreciando, ouvidas as declarações de ambas, o episódio vem descrito no probatório tal como relatado por AA 20240528143744_16642147_2871567 Início: 00:19:33 até 00:21:33.
Já a mãe do menor, EE -20240514103147_16642147_2871567, que presenciou a agressão, não confirmou que o arguido o tivesse erguido no ar e levado assim até ao quarto, suspenso na sua mão Início: 00:35:19 até 00:36:20.
-
Ora, independentemente da prova contraditória produzida a esse respeito, mostra-se anormal, à luz das regras da experiência comum, que o arguido consiga com uma mão erguer o filho pelo pescoço e, suspenso, transportá-lo assim até ao quarto, tendo o descendente nove anos de idade.
A robustez normal de um homem médio não lhe permite erguer no ar e transportar, daquela forma, de um compartimento para outro, uma criança de nove anos de idade.
Isto sem que, no mínimo, a experiência comum desperte uma dúvida séria, objetiva e fundada sobre essa possibilidade natural, o que sempre deverá ser resolvido a favor do arguido, no limite, em sede de impugnação ampla, perante o especificado depoimento da testemunha AA que negou a descrita dinâmica do segmento de facto impugnado.
Por conseguinte, deverá eliminar-se do ponto 24 do probatório a expressão: “ergueu-o no ar e levou-o assim até ao quarto, suspenso na sua mão”, donde ficar prejudicada a reinquirição das testemunhas EE e AA quanto ao facto 24 da matéria provada, em sede de renovação da prova (artigos 412º, nº 3, alínea c) e 430º, nº 1, do C.P.P.).
Como decorrência deve ser reformulada a alínea d., com base nas apontadas declarações da ofendida EE, devendo ler-se “d. Nas circunstâncias aludidas em 24 o arguido deixou o filho com dificuldade em conseguir respirar.”
No ponto 59 deu-se como provado o seguinte:
“59. Seguidamente, DD começou a correr, em direção aos acessos da praia e o arguido, sempre a empunhar a faca, foi atrás dele, por apenas alguns metros, pois começaram a juntar-se várias pessoas no local, o que o inibiu de continuar no encalce da vítima que se encontrava em fuga.”
Argumenta o arguido que, tendo sido reproduzidas em julgamento as anteriores declarações que o Assistente prestou em inquérito (ata da sessão de julgamento de dia 7/05/2024, com referência 459739077), por entre elas e as prestadas em audiência de julgamento existirem divergências, designadamente porque no primeiro momento processual afirmou o Assistente «nunca ter visto a faca», perante o silêncio do tribunal a quo, fica por perceber quais as declarações que, na sua perspetiva, merecem maior credibilidade.
Questiona o arguido como é que o Assistente em inquérito diz que nunca chega a ver a faca e depois, em audiência de julgamento, quando já tinha decorrido muito mais tempo desde a prática dos factos, já se recorda que, afinal, quando fugia do arguido apercebeu-se que este vinha atrás de si com a faca empunhada.
Contudo, pese embora o assistente ter referido em inquérito que não viu a faca, apesar de ter sido esfaqueado várias vezes, mal se compreende que o arguido venha agora (em recurso) negar a sua utilização, quando a confirmou em declarações prestadas no julgamento.
Tudo como se outra prova abundante não houvesse a esse respeito, como relatado na motivação da sentença, sem que o arguido especifique o exato conteúdo daquela que o infirme, a ponto de dar como não provados os factos descritos em 59, por si impugnados.
Por conseguinte, improcede nesta parte a impugnação.
Prossegue o arguido afirmando que, analisadas as declarações do Assistente DD, verifica-se que o tribunal a quo não poderia dar como provada a factualidade prevista em p), r), s), t), u), v) na parte em que menciona que tal lhe provocou «dor, angústia e sofrimento», x), w), z), aa), ab), ac), ad), ae), af), na parte em que menciona «afectando o seu psicológico para sempre», ag), al) no que diz respeito ao pedido cível.
Concretamente, o arguido refere que pelo Assistente não é relatado nenhum dos danos morais alegados e peticionados em sede de pedido de indemnização cível; limita-se o Assistente a mencionar que «além de marcas estéticas que não tinha, obviamente, o meu braço esquerdo tem mobilidade reduzida», sem, contudo, declarar em concreto quais os sentimentos que isso lhe provocou/provoca, e que de forma é que isso afetou/afeta a sua vida e as suas rotinas diárias – sessão de 7/05/2024, com referência 459739077 - gravação com início pelas 16:03:10 horas e o seu termo pelas 16:39:09 horas – minutos [00:33:28] a [00:34:37].
Ora, ressalvada a factualidade elencada na alínea t. (eliminada por genérica), no mais os factos dados como provados nos pontos p) e v) (segmento impugnado: «dor, angústia e sofrimento»), w), z) do probatório inferem-se do relatório pericial de fls.983 ss, conjugado com as regras da experiência comum, quanto à alusão feita aos fenómenos e tratamentos dolorosos, não especificando o arguido o conteúdo do meio de prova que os infirma.
Por conseguinte, improcede nesta parte a impugnação.
Quanto ao facto descrito em x) do probatório, sendo de crer que até 26 de setembro de 2023, data da consolidação médico legal das lesões, o assistente tivesse visto reduzida a sua liberdade de movimentos e a possibilidade de usufruir da sua habitual vida social e profissional, em parte alguma dos documentos clínicos e relatórios médico legais do assistente se refere que o assistente esteve imobilizado durante esse período.
Daí que o segmento de facto “esteve imobilizado” deve ser eliminado do ponto x) dos factos provados, devendo ler-se: “ x. Durante o período supra relatado o ora demandante viu cerceada a sua liberdade de movimentos e a possibilidade de usufruir da sua habitual vida social e profissional”.
O arguido impugna ainda os seguintes factos:
aa. O assistente anda deprimido e sente pejo em frequentar a praia e o ginásio.
ab. Sente constrangimentos no uso de calções durante o período de verão, sendo que é nesse período que aumenta a exposição e visibilidade dos danos estéticos.
ac. O demandante ficou com cicatrizes que perturbam a sua autoestima, que inviabilizam as suas idas à praia, inviabilizam as suas idas ao ginásio e de exibir o seu corpo em público, perturbação esta que se manterá para sempre.
ad. Tal gera um desconforto ao demandante ao demandante (assistente) face ao sentimento de desaprovação que lhe gera face a si mesmo, bem como à sua percepção da possibilidade de que isso venha a provocar desapreço nas outras pessoas e nas suas relações.
ae. Isso causou ao ora demandante profundo desgosto na medida em que sempre teve um cuidado especial com a sua imagem e com o seu bem-estar físico, o que condiciona actualmente a sua personalidade.
af. As cicatrizes (…) afectando o seu psicológico para sempre.
Ora, ouvidas as declarações do assistente DD 20240507160207_16642147_2871567, constatasse que assiste razão ao recorrente.
Tratando-se de factos de natureza subjetiva, certo é que em momento algum o assistente se referiu aos enunciados factos dados como provados.
Nunca o assistente se referiu aos concretos sentimentos descritos nos factos impugnados como decorrentes das cicatrizes sofridas e que de forma é que isso afetou/afeta a sua vida e as suas rotinas diárias – sessão de 7/05/2024, com referência 459739077 - gravação com início pelas 16:03:10 horas e o seu termo pelas 16:39:09 horas – minutos [00:33:28] a [00:34:37].
Não havendo prova pericial sobre avaliação do dano estético também não é possível a este tribunal sustentar, com base nas regras da experiencia comum, aqueles factos nos termos descritos.
Daí que se imponha a eliminação dos factos descritos nos precisos termos impugnados pelo recorrente.
O arguido impugna ainda os seguintes factos:
ag. O demandante sentiu-se profundamente envergonhado e injustiçado com o ataque de que foi alvo pelo arguido, ficando inclusivamente dominado por um sentimento de enorme terror, angústia e intranquilidade face ao receio de represálias do arguido, ainda que por meio de terceiros.
al. Tudo isto fez com que o demandante ficasse deprimido, receoso e entristecido, deixando de apresentar a sua habitual força de viver a que havia habituado os seus clientes, parentes e amigos.
Ora, com ressalva do segmento que alude “deixando de apresentar a sua habitual força de viver a que havia habituado os seus clientes, parentes e amigos”, no mais a violência do episodio vivido e sofrido pelo assistente é perfeitamente compatível, à luz das regras da experiência comum e a normalidade do acontecer, com os estados emocionais descritos nos factos impugnados.
Daí que, de acordo com o art.127º, do Código Processo Penal, aqueles factos se devam manter inalterados, com ressalva do segmento aludido: “deixando de apresentar a sua habitual força de viver a que havia habituado os seus clientes, parentes e amigos”.
Quanto ao facto descrito em “u. Conduzido ao Hospital 2... e submetido a intervenção cirúrgica causou enorme transtorno e perturbação”, o que resulta do documento de fls.855 junto com o pedido de indemnização civil do assistente é que o mesmo foi internado no dia 17.07.2023 naquela unidade hospitalar, mas sem sujeição a qualquer intervenção cirúrgica.
Daí que o facto descrito em u) deva ser eliminado no segmento “e submetido a intervenção cirúrgica causou enorme transtorno e perturbação”, assim como o mesmo segmento repetido na alínea j).
Assim, eliminando-se a alínea u), por repetição, no mais deverá ler-se na alínea j) – assim reformulada - que: “ j. No dia 17 de julho de 2023, o demandante (assistente) foi internado e assistido clinicamente no Hospital 2... EPE”.
O arguido impugna também os factos r) e s) da matéria de facto inerente ao pedido cível, os quais entende que devem ser dados como não provados.
Aqui chegados, abre-se desde já um parêntesis para referir que no acórdão recorrido é ostensiva a omissão de pronúncia sobre a matéria de facto alegada no art.28º do pedido de indemnização civil, da qual decorre uma insuficiência para a decisão que arbitrou ao assistente a quantia de € 3.188,48 relativa ao período em que esteve impossibilitado de trabalhar entre julho e setembro de 2023 (num total de 102 dias).
Tal omissão fere de nulidade a sentença (vício do conhecimento oficioso), sendo – todavia – suprível, por conterem os autos elementos bastantes para o efeito – art.374º, nº2 e art. 379º, nº1, al.c) e nº2, do Código Processo Penal.
Baseou-se a decisão na seguinte alegação do demandante cível, cuja narração nos factos provados e/ou não provados omitiu: “28. Sendo certo que, durante o período em que esteve impossibilitado para o trabalho, deixou de auferir a quantia de:
- € 605,10 no mês 07/2023 deduzido por faltas/dia,
- 1.534,54 (mil quinhentos e trinta e quatro euros e cinquenta e quatro cêntimos) considerando o vencimento médio no mês 08/2023 por não ter auferido rendimentos, e
- € 1.048,84 (mil e quarenta e oito euros e oitenta e quatro cêntimos) no mês 09/2023 deduzido por faltas/dia,
o que totaliza o montante global de €3.188,48 (três mil, cento e oitenta e oito euros e quarenta e oito cêntimos)”.
Para prova desta alegação o demandante juntou os recibos de vencimento de 06.2023 a 12.2023, cujo teor se dá por transcrito, sendo certo que consta:
- a dedução ilíquida de € 605,10 no mês 07/2023, por faltas de 15 dias = 40,34€/dia, mas com taxa de retenção de IRS de 6,36% e 11% de contribuição para a Segurança Social, o que perfaz um total liquido de 499,97€ – fls.860;
- do recibo de agosto de 2023 nada consta, por não ter auferido rendimentos salariais – fls.860 verso;
- a dedução ilíquida de € 1.048,84 (mil e quarenta e oito euros e oitenta e quatro cêntimos) no mês 09/2023 deduzido por faltas 26 dias = 40,34€/dia, mas com dedução de 11% de contribuição para a Segurança Social, o que perfaz um total liquido de 933,46€– fls.861.
Contesta, com razão o arguido recorrente, que ao valor daquela remuneração ilíquida haverá que deduzir 11% da compensação para a segurança social e a taxa correspondente à retenção para IRS, posto que só o valor liquido importa para cálculo do montante que o assistente deixou de auferir durante a ITA.
Refere o arguido recorrente que, em termos de lucros cessantes/frustração de ganhos decorrentes da perda de vencimento, o Assistente só poderia ser indemnizado pela diferença entre o montante liquido que receberia a título de salário e o montante liquido que efetivamente recebeu durante o período da baixa médica desde 17.07.2023 até 26.09.2023, designadamente a título de subsidio de doença, o que se traduziria num abuso do direito (art.334º, do Código Civil), na variante da “compensatio lucri cum damno”
Sucede que não vinha alegado, nem provado ficou que o assistente tivesse auferido qualquer subsidio ou pensão social decorrente da baixa médica naquele período, razão pela qual não haverá que o descontar à remuneração que comprovadamente deixou de auferir durante a ITA.
No mais, quanto aos factos impugnados r) e s) da matéria de facto inerente ao pedido cível, o arguido entende que devem ser dados como não provados.
Concretamente, vem dado como provado que:
“r. Auferindo o salário médio de €1.534,54.
s. Actualmente em média o seu rendimento não excede os € 1.300,00 decorrente das suas dificuldades que não lhe permitem desempenhar as suas funções nos mesmos termos em que as executava”.
Quanto ao facto descrito em r., o cálculo da remuneração média liquida considerado pelo demandante cível inclui bónus, comissões, prémios de valor variável e o subsidio de natal de 2023, daí que a partir e só dos recibos de junho, outubro, novembro e dezembro de 2023 não seja possível aferir com rigor aquela remuneração média.
Tanto mais que apenas o primeiro (junho de 2023) se reporta a momento anterior aos factos, cujo montante ascendeu a 1.137,45€, sendo esta a menor das remunerações auferidas - fls.858, e, portanto, o valor mínimo que o tribunal a quo poderia ter como provado.
Já em relação ao facto descrito em s., os recibos de vencimento de outubro, novembro e dezembro de 2023 por si só não comprovam qualquer redução da remuneração média e o montante desta, sendo certo que ao caso interessa apenas o quantum do deficit funcional permanente que eventualmente o assistente possa ter sofrido.
Além de que, na verdade, quanto ao mês de outubro de 2023, ou seja, já depois da prática dos factos aqui em questão, o Assistente ganhou um prémio de desempenho e teve um vencimento de €1.571,99 – cf. documentos 3 e 4 referentes ao Pedido de Indemnização Cível.
Nenhuma prova induz que o rendimento médio atual do assistente é inferior àquele que auferia em 16.07.2023 e menos ainda decorrente de quaisquer dificuldades determinadas pelo evento no desempenho das suas funções, circunstância a respeito da qual não foi requerida, nem ordenada a avaliação do dano corporal em matéria civil para determinação de eventual incapacidade parcial permanente e o quantum desta.
Por conseguinte, os factos descritos em s. devem ser dados como não provados na sua integra, aditando-os como tal ao elenco daqueles.
Por conseguinte, deverá ser reformulada a matéria de facto provada nos seguintes termos:
Aditamento aos factos provados: Am. Em consequência da conduta do arguido, o assistente deixou de auferir, durante a ITA de 17.07.2023 até 26.09.2023, o valor liquido:
- de 499,97€ no mês de julho de 2023;
- não inferior a 1.137,45€ o mês de agosto de 2023;
- de 933,46€ no mês de setembro de 2023.
Deverá ainda reformular-se a alínea r. dos factos provados, nos seguintes termos:
r. Auferindo o salário médio não concretamente apurado, nunca inferior a 1.137,45€.
Finalmente, o arguido impugnou os factos atinentes ao dolo do agente, a saber:
63. Com o comportamento supra descrito pretendeu e conseguiu o arguido molestar o corpo de EE, causando-lhe dores, mostrando-se indiferente pelo estado em que a deixava.
64. Pretendeu ainda o arguido com o seu comportamento humilhar a ofendida, assustando-a e diminuindo-a no respeito que lhe era devido, atingindo-a na sua honra e consideração.
65. Ao ouvir as palavras e mensagens que lhe foram dirigidas pelo arguido, bem como a sua perseguição, a ofendida ficou receosa, temendo que aquele viesse, num futuro próximo, a atentar contra a sua vida ou integridade física.
66. O arguido quis ainda forçar EE a reatar a coabitação, o que não conseguiu por circunstâncias alheias à sua vontade.
67. Sabia que as expressões que proferiu aliadas ao seu comportamento repetido e obsessivo, eram idóneas a provocar na ofendida medo que o mesmo atentasse contra a sua integridade física e vida e cerceá-la na sua liberdade, desiderato que perseguiu e alcançou.
68. Com a sua atuação, perseguindo e dirigindo-se à sua mulher e ex-companheira, da forma descrita, o arguido quis maltratá-la física e psicologicamente, no seu corpo e na sua saúde, o que efetivamente conseguiu.
69. Agiu querendo assumir controlo sobre a vida da ofendida, impondo constantemente a sua presença e condicionando a liberdade de movimentação e sexual daquela e exercendo grande e prolongada pressão psicológica sobre a mesma.
-
Ressalva-se aqui a eliminação da expressão “e sexual” constante do ponto 69, conforme supra se explanou em sede de apreciação da impugnação restrita por contradição insanável.
Neste ponto a impugnação de facto assenta na consideração do alegado nos pontos antecedentes e, em decorrência, resulta prejudicada na medida do insucesso da pretensão recursória.
Contudo sempre se dirá que a prova dos elementos subjetivos aludidos, neles incluído o dolo, a que se reportam os factos impugnados, dificilmente se alcança de forma direta, a não ser por confissão, que não foi o caso, havendo que proceder à conjugação da demais factualidade julgada provada com as regras da experiência comum e do conhecimento da vida para se poder concluir pela prova daqueles, valendo em matéria de presunções naturais que interferem na valoração da prova indiciária os ensinamentos, que aqui acompanhamos, plasmados no ac STJ 06-10-2010 (Henriques Gaspar) www.dgsi.pt.
Tais elementos pertencem à vida interior e afetiva de cada um e, portanto, de natureza subjetiva, insuscetível de direta apreensão.
Como fenómeno psicológico interno, só observável diretamente por quem o experiencia, o dolo, assim como qualquer outro estado subjetivo, é de difícil apreensão, o que na maioria das vezes dificulta a sua prova e respetiva imputação.
Quando não existe confissão, a prova do dolo tem que ser feita por inferência, isto é, terá que resultar da conjugação da prova de factos objetivos – em particular, dos que integram o tipo objetivo de ilícito – com as regras de normalidade e da experiência comum.
Além da confissão do arguido, o único meio de prova que realmente satisfaz a necessidade de provar o dolo é a prova indiciária (ou prova indireta). Na falta de confissão, todos os elementos de estrutura psicológica, como o conhecimento e a vontade de praticar um crime, terão de ser deduzidos de outros elementos, esses sim empiricamente observáveis e que funcionam, segundo as regras da experiência e da lógica, como indicadores da sua existência.
Salientando a dificuldade de obtenção deste tipo de prova, Ragués i Vallès, in “Considerationes sobre la prova del dolo”, propõe, na falta da confissão, a utilização de regras de atribuição do conhecimento, convocando a análise das designadas regras da experiência sobre o conhecimento alheio que permitem determinar, a partir da concorrência de certos dados externos, o que representou o sujeito no momento de pôr em prática uma certa conduta.
Retomando o caso concreto, de acordo com as máximas da lógica e da experiência comum, baseadas no consenso social sobre a normalidade da vida, afigura-se que a comprovada atuação do arguido recorrente constitui um indicador seguro de que agiu com o conhecimento e vontade de praticar os factos descritos nos precisos termos que lhe são imputados, pese embora a sua discordância e, por isso, impugnação.
No mais, o tribunal a quo não só não expressou ter ficado numa situação de dúvida sobre qualquer dos factos que devem manter-se como provados, como não se impunha que a devesse ter tido face à insuficiência da prova produzida para abalar o juízo probatório que se firmou a partir do princípio da sua livre apreciação, previsto pelo artigo 127.º, do Código de Processo Penal, o qual se mostra respeitado, à semelhança do princípio in dubio pro reo, corolário da presunção de inocência consagrada no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição.
Entende este tribunal que os sobreditos factos que restam provados foram corretamente julgados e a prova devidamente apreciada, com respeito pelo princípio geral da livre apreciação e pela máxima da presunção de inocência, na vertente do princípio in dubio pro reo, a partir das regras da experiência comum.
Nessa parte, a prova indicada pelo recorrente, na interpretação que subjetivamente lhe atribui, não invalida inequivocamente a decisão que foi tomada pelo julgador, criando sequer uma dúvida honesta, aceitável e fundamentada a esse respeito.
Assim, procede parcialmente a impugnação ampla da decisão sobre a matéria de facto,
a qual – reformulada – aqui se recapitula:
Factos provados
1. O arguido e EE contraíram matrimónio no dia 05 de outubro de 2008.
2. Fruto do casamento nasceu BB, a ../../2011.
3. Por sua vez, AA, nasceu a ../../2004, sendo filha de um primeiro relacionamento de EE.
4. Por altura do ano de 2006, EE e o arguido passaram a residir em comunhão de cama, mesa e habitação, juntamente com a filha daquela, AA, numa habitação sita na ....
5. À data, AA tinha cerca de dois anos de idade.
6. Após contraírem matrimónio, por questões relacionadas com a insolvência do arguido, acabaram por se divorciar no dia ../../2019, ainda que para todos os efeitos continuassem a viver em comunhão de cama, mesa e habitação sita na ....
7. Ali residiram até data não concretamente apurada sendo que pelo menos até ../../2011, data que em nasceu o menor BB.
8. Após, em data não concretamente apurada, mudaram de residência da ... para Rua ..., ..., em ....
9. O arguido passou a ter uma progressiva tendência para o abuso de álcool.
10. (eliminado).
11. Há cerca de seis anos, no interior da habitação, o arguido, sem qualquer motivo ficou exaltado e partiu objectos que se encontravam no interior da cozinha, tendo a ofendida chamado a sua mãe II, para a auxiliar.
12. Na constância do matrimónio e enquanto habitavam em comunhão de cama, mesa e habitação, há pelo menos cinco anos, o arguido, no interior da habitação, concretamente na cozinha, pegou numa faca encostou-a junto ao pescoço da ofendida e disse-lhe que a matava.
13. (eliminado)
14. (eliminado)
15. No verão de 2021, a ofendida EE e o arguido separaram-se, passando a viver na mesma casa, mas em quartos separados.
16. Entre outubro e novembro de 2022, a ofendida ausentou-se de casa e foi jantar fora, tendo chegado a casa pela 01h00, facto que enfureceu o arguido que, embriagado, pelas 05h00/06h00, foi ao quarto onde aquela pernoitava, agarrou-a pelos cabelos e desferiu-lhe vários estalos.
17. Em seguida, o arguido transportou, à força, o seu filho menor, do seu quarto, para o quarto onde EE pernoitava, enquanto dizia “Anda ver a tua mãe. Esta porca, vadia” entre outros impropérios, continuando com as agressões puxando-a da cama pelos cabelos, empurrando-a contra a parede e desferindo-lhe chapadas na face, tudo isto na presença do filho de ambos, na altura com 10 anos de idade.
18. No ano de 2022, EE pôs termo à relação.
19. Nessa altura, o arguido saiu de casa, sita Rua ..., ..., em ..., passando a ofendida a viver sozinha com o filho BB.
20. Apesar de tal facto, continuaram a trabalhar no mesmo local, numa agência de viagens de ambos, o arguido como comercial e a ofendida na parte financeira.
21. Quando AA tirava negativas nos testes escolares, no interior da residência de ambos, o arguido gritava com ela, afirmando que não admitia que tivesse aquelas notas e, simultaneamente, atirava-a ao chão, arrastando-a pelos cabelos, o que sucedeu um numero não concretamente apurado de vezes situadas entre o 8 e os 16 anos de idade daquela.
22. Quando AA, tinha cerca de 8 anos de idade, o arguido, no interior da residência de ambos, munido com um cinto desferiu-lhe pancadas nas costas, causando-lhe dores e deixando-lhe marcas no corpo.
23. Nas mesmas circunstâncias de tempo, modo e lugar, o arguido dirigiu-se ao quarto de AA e arremessou e partiu todos os objetos decorativos que tinha no seu interior.
24. O arguido, quando o seu filho tinha cerca de nove anos de idade, porque estava mais agitado e queria brincar, agarrou-o pelo pescoço com uma mão.
25. A ofendida AA, com 16 anos passou a residir com a sua avó, após um episódio de natureza sexual perpetrado pelo arguido contra a ofendida a que deu origem ao inquérito nº ..., tendo o arguido beneficiado de SPP, ainda em vigor.
26. A ofendida, por vergonha, não relatava as condutas do arguido, dando sempre uma imagem de felicidade para os outros.
27. Desde que terminaram a relação, BB visitava o arguido sempre que este mostrava vontade de passar tempo com o filho, facto que a ofendida não obstaculizou.
28. Em janeiro de 2023, EE conheceu DD, passando a ter com ele um relacionamento amoroso.
29. Na altura já não coabitava com o arguido, mas este procurava controlar-lhe os movimentos.
30. O relacionamento amoroso entre EE e DD não foi do agrado do arguido, o que veio agravar a perseguição à ofendida motivado por ciúmes.
31. Passou a ofendida a ser diversas vezes surpreendida pela presença do arguido em locais distintos, onde não era possível ele saber que a mesma se encontrava.
32. O arguido questionava constantemente a ofendida EE e o seu filho sobre o seu paradeiro e com quem falava ao telefone, tendo afirmado à ofendida, em fevereiro de 2023, que sabia onde aquela andava e a que horas chegava a casa, exibindo-lhe à mesma prints da sua localização.
33. No dia 11 de Fevereiro de 2023, pelas 19h50m, na Rua ..., ..., residência do arguido, este enviou fotos a EE, com os pulsos cortados e mensagens a afirmar que ia cometer uma “loucura”.
34. EE, em pânico, ligou de imediato ao 112, tendo o arguido sido auxiliado.
35. No dia 08 de Março de 2023, pelas 04h55m, o arguido enviou uma mensagem a JJ, pai de EE, com o seguinte teor: “Boa noite Sr. HH, quando acordar, Por favor Ligue comigo. Não o quero estar a incomodar a esta hora, mas cheguei a casa agora mesmo e fui com o Toni. A EE está num motel do pior que há com um fulano e preparasse para chegar a casa as 07h00 da manhã para acordar o menino.”
36. No mesmo dia, pelas 4h57, o arguido continuou com a mensagem, referindo: “Isto não é admissível desculpe o desabafo mas da minha parte a EE nem um centavo vê e não adianta usar o nome do meu filho para viver as minhas custas. O homem com quem ela dorme que a sustente. Desculpe mais uma vez. CC”.
37. Durante a madrugada do mesmo dia, quando a ofendida pernoitava num motel com DD, o arguido telefonou e enviou mensagens à ofendida informando que sabia exactamente onde estava, afirmando que ia contar tudo à sua família e que iria aguardar a sua chegada à porta da sua casa, razão pela qual a ofendida, com receio do que o arguido viesse a fazer, contactou a PSP que se deslocou ao local da sua residência.
38. Uma vez nesse local, o OPC confrontou o arguido para que esclarecesse porque razão se encontrava naquele local, ao que o mesmo respondeu que estava na companhia do pai de EE que queria falar com esta.
39. Entre o mês de Abril a Junho de 2023, o arguido enviou várias mensagens quer a EE quer a DD.
40. Em relação a DD destacam-se as seguintes mensagens:
- mensagem enviada 02.04.2023, pelas 14h36m, com o seguinte teor: “Sei onde Moras, as tuas filhas e ex Mulher (…)”, no mesmo dia pelas 15h18 e 15h23 com o seguinte teor: “Tens as pernas no sitio. E a tua ex sei quem é um amor de Mulher muito sofrida, mas chupa E Fode bem. Vez como é a vida. Até o nome das tuas filhas sei. Fica com ela e com a tua ex”; “Já sei a tua morada, eu trato do assunto. Fica bem”.
41. Por sua vez, o arguido enviou a EE as seguintes mensagens: “Tem um pouco de vergonha, já não vais ter a casa e o carro por muito mais tempo só até agosto mas não me faças passar vergonhas a meter esse fulano a dormir aí em casa. Cada um dorme na cama que se deita e tu estás a prepará-la a tua maneira. Não te queixas das consequências.” – Mensagem enviada pelo arguido para EE 19 de Junho de 2023, pelas 01h52m; “Já és vista como uma mulher vulgar que era minha ex-mulher e que agora não és ninguém.” – Mensagem enviada pelo arguido para EE no dia 19 de Junho de 2023, pelas 23h29;“Não voltas a ter acesso a falar comigo. Não tens nível nem posição para me ter acesso. Podes falar com o meu advogado.” – Mensagem enviada pelo arguido para EE a 20 de Junho de 2023, pelas19h10m.
42. No dia 13 de Abril de 2023, pelas 13h55m, no interior das instalações da agência de viagens, sita na Avenida ..., Porto, o arguido encetou uma discussão com a ofendida, e disse “para ela ter vergonha” e, em seguida, puxou-lhe os cabelos
43. Em Abril de 2023, no interior de um caixote de lixo, do escritório da agência, foi deixada uma caixa de uma faca, vazia.
--
facadas
44. No dia 14 de Julho de 2023 o arguido foi a casa de EE, buscar o filho para passar o fim-de-semana com ele, regressando no dia 16 de Julho de 2023, pelas 22h30m.
45. Quando chegou, o arguido tocou à campainha da residência de EE, acompanhado do seu filho.
46. EE, através do videoporteiro verificou que se encontrava à porta do edifício o seu filho, juntamente com o arguido, pelo que abriu a porta e o menor subiu pelo elevador.
47. Quando o menor entrou em casa, a campainha voltou a tocar de forma insistente, sendo o arguido quem de forma contínua pressionava o botão.
48. EE questionou-o quanto ao que pretendia, tendo aquele pedido para que descesse e lhe entregasse uma chave de um cofre que alegadamente teria em sua posse.
49.A EE recusou, continuando o arguido a pressionar a campainha, continuando a ser ignorado.
50. Alertado pelo toque insistente, DD, que se encontrava no interior da habitação, questionou EE relativamente ao sucedido, sendo que aquela acabou por referir que era o arguido e que aquele tinha dito, “Se não vens tu cá abaixo, diz ao filho da puta do morcão do teu namorado para vir ele”.
51. DD ligou para o telemóvel do arguido dizendo-lhe que estava na altura de por termo àquele comportamento, ao que o arguido respondeu, em tom exaltado: “Eu já saí daí, mas vem cá fora que já falamos os dois”.
52. No momento em que o ofendido DD chegava à entrada do prédio, exaurido com o comportamento do arguido com a ofendida EE, o arguido, conduzindo o seu veículo da marca ..., de cor branca, passou a entrada do prédio, inverteu o sentido de marcha e estacionou no lugar existente defronte da farmácia, no lado oposto da via.
53. (eliminado).
54. DD, saiu, exaltado, e foi de encontro do arguido que se encontrava junto da sua viatura, estacionada parcialmente em cima do passeio do outro lado da Rua.
55. DD, atravessou a rua e foi ao encontro do arguido que estava a sair do interior da viatura enquanto lhe berrava, chamando-lhe repetidamente “filho da puta”.
56. De seguida, o arguido saiu do interior da viatura, deixando a porta do condutor aberta, tendo de imediato lhe desferido pontapés ao que DD reagiu, agarrando-se àquele tombando ambos para o interior da viatura, desferindo-lhe socos, iniciando-se uma altercação física entre ambos.
57. A dada altura saíram ambos do interior do carro, mas mantiveram-se as agressões, sendo que, em momento que não foi possível precisar, o arguido já havia atingido o DD com uma faca, no dorso, na zona lateral que de imediato começou a sangrar.
58. Ato seguido e ainda envolvidos fisicamente, já no exterior da viatura, o arguido desferiu com a mesma faca mais 3 outros golpes que atingiriam o DD no tórax e no braço.
59. Seguidamente, DD começou a correr, em direção aos acessos da praia e o arguido, sempre a empunhar a faca, foi atrás dele, por apenas alguns metros, pois começaram a juntar-se várias pessoas no local, o que o inibiu de continuar no encalce da vítima que se encontrava em fuga.
60. O arguido regressou à sua viatura e colocou-se em fuga.
61. Como consequência directa e necessária da conduta perpetrada, DD sofreu no tórax, na vertente lateral do hemitórax esquerdo, ao nível da linha axilar anterior e 5º espaço intercostal, apresenta uma cicatriz, ligeiramente ruborizada e espessada, com 3 cm por 1 cm de dimensões máximas. Na vertente lateral do hemitórax esquerdo, ao nível da linha axilar posterior ao nível do 6º espaço intercostal, apresenta cicatriz irregular com 6cm por 2 cm de dimensões máximas. Ao mesmo nível que esta cicatriz, em posição mais posterior, já na vertente póstero-lateral do hemitórax esquerdo apresenta uma cicatriz com 1, 5cm de comprimento. Duas cicatrizes irregulares na região esquerda, a maior com 1, cm por 1 cm de dimensões máximas. No membro superior esquerdo: ombro sem limitação de mobilidade ativa, passiva, contra-resistências, sem amiotrofias. Discreta dor na inserção da coifa dos rotadores nos extremos dos movimentos de abdução e flexão, Cicatriz na vertente posterior do braço, de forma triangular, com 1,5 cm por 1,5 cm de dimensões máximas.
62. Da conduta perpetrada pelo arguido resultou, em concreto, perigo para a vida de DD (hemopneumotórax hipertensivo e com necessidade de transfusão de glóbulos rubros devido a hipovolémia pelo hemopneumotórax)), cuja situação clínica ficou consolidada a 26.09.2023 – tudo sem prejuízo das sequelas e lesões permanentes infra descritas de j. a al.
dolo
63. Com o comportamento supra descrito pretendeu e conseguiu o arguido molestar o corpo de EE, causando-lhe dores, mostrando-se indiferente pelo estado em que a deixava.
64. Pretendeu ainda o arguido com o seu comportamento humilhar a ofendida, assustando-a e diminuindo-a no respeito que lhe era devido, atingindo-a na sua honra e consideração.
65. Ao ouvir as palavras e mensagens que lhe foram dirigidas pelo arguido, bem como a sua perseguição, a ofendida ficou receosa, temendo que aquele viesse, num futuro próximo, a atentar contra a sua vida ou integridade física.
66. O arguido quis ainda forçar EE a reatar a coabitação, o que não conseguiu por circunstâncias alheias à sua vontade.
67. Sabia que as expressões que proferiu aliadas ao seu comportamento repetido e obsessivo, eram idóneas a provocar na ofendida medo que o mesmo atentasse contra a sua integridade física e vida e cerceá-la na sua liberdade, desiderato que perseguiu e alcançou.
68. Com a sua atuação, perseguindo e dirigindo-se à sua mulher e ex-companheira, da forma descrita, o arguido quis maltratá-la física e psicologicamente, no seu corpo e na sua saúde, o que efetivamente conseguiu.
69. Agiu querendo assumir controlo sobre a vida da ofendida, impondo constantemente a sua presença e condicionando a liberdade de movimentação daquela e exercendo grande e prolongada pressão psicológica sobre a mesma.
70. (eliminado).
71. Com o comportamento supra descrito pretendeu e conseguiu o arguido molestar o corpo de AA, menor de idade, causando-lhe dores, mostrando-se indiferente pelo estado em que a deixava.
72. Pretendeu ainda o arguido com o seu comportamento humilhar a ofendida, assustando-a e diminuindo-a no respeito que lhe era devido, atingindo-a na sua honra e consideração, ciente que se tratava de pessoa menor de idade, particularmente indefesa, em razão da sua idade e que tal circunstância a impossibilitava de se defender perante um adulto.
-
73. Com o comportamento supra descrito pretendeu e conseguiu o arguido molestar o corpo de BB, seu filho e menor de idade, causando-lhe dores, mostrando-se indiferente pelo estado em que o deixava.
74. Pretendeu ainda o arguido com o seu comportamento humilhar o ofendido, assustando-o com os seus comportamentos agressivos, ciente que se tratava de pessoa particularmente indefesa, em razão da sua idade e que tal circunstância o impossibilitava de se defender perante um adulto.
-
75. Ao ler mensagens que lhe foram dirigidas pelo arguido, num contexto de grande conflitualidade, o ofendido DD ficou receoso, temendo que aquele viesse, num futuro próximo, a atentar contra a sua integridade física, bem como das suas filhas, com 12 e 15 anos de idade.
76. Sabia o arguido que tais afirmações eram idóneas a causar no ofendido, como efetivamente causou, receio pela sua integridade física, bem como das filhas menores daquele.
--
77. O arguido atuou, com o propósito de tirar a vida a DD, utilizando uma faca, que previamente levou consigo, sabendo que a atuação levada a cabo e o meio por si utilizado era idóneo à produção do resultado pretendido.
78. O arguido só não concretizou os seus intentos por circunstâncias alheias à sua vontade, nomeadamente porque o ofendido conseguiu fugir, pelo facto de se aglomerarem pessoas que levou o arguido a não continuar a perseguir o ofendido e pela rápida intervenção médica.
79. O arguido mais sabia que o meio por si utilizado era idóneo à produção do resultado pretendido, bem como, que o mesmo continha em si uma perigosidade acrescida.
--
80. O arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal
--
O arguido sofreu as seguintes condenações:
-no âmbito do proc.º 672/19.2PAVCD, por sentença transitada em julgado a 12.12.2019, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, acrescida da sanção acessória de proibição de conduzir pelo período de 6 meses, pela prática a 3.11.2019 de um crime de condução sob influência do álcool
- no âmbito do proc.º 786/23.4PPPRT, por sentença transitada em julgado a 25.09.2023, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, acrescida da sanção acessória de proibição de conduzir pelo período de 9 meses, pela prática a 23.06.2023 de um crime de condução sob influência do álcool.
--
Das condições pessoais, familiares, sócio-económicas e profissionais do arguido:
O arguido contraiu matrimónio com EE, quando tinha cerca de 33 anos, tendo o casal desta relação um descendente em comum, presentemente com 12 anos de idade. O casal veio a divorciar-se em 2019, por motivos de insolvência do arguido, sendo que mantiveram a coabitação e o relacionamento afetivo até meados de 2021, altura em que se separam definitivamente.
CC residia com o ex-cônjuge, a ofendida, filha desta, e o descendente de ambos, em apartamento propriedade do ex-cônjuge do arguido/ofendida no presente processo, tipologia 3, com condições de habitabilidade, localizada em ....
O arguido, decorrente da degradação da relação conjugal, veio a separar-se do ex-cônjuge, passando a residir temporariamente no domicílio da irmã, apartamento arrendado, tipologia 2+1, com condições de habitabilidade, onde residia também de forma intermitente o sobrinho. Posteriormente arrendou apartamento, na ..., tipologia 1+1, sito na Av. ..., que justificou com a proximidade ao colégio do descendente e possibilidade de ser um progenitor presente no processo educativo e desenvolvimental do mesmo.
Avalia o relacionamento afetivo com a ofendida como globalmente positivo, considerando que a sintomatologia depressiva, que atribuiu aos processos de luto pelo falecimento dos progenitores, 2020 e 2021, e os seus consumos de álcool que contribuíram para um progressivo isolamento pessoal, afastamento afetivo e consequente degradação da relação que culminou em rutura. Posteriormente à separação reporta que manteve um relacionamento e comunicação cordial, positiva, nomeadamente no que refere a questões familiares/parentais e profissionais, tendo mantido colaboração laboral até meados de 2023, na empresa da qual o ex-cônjuge/ofendida era sócia-gerente.
O arguido a partir de 21.07.2023, decorrente da aplicação de medida de coação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, integrou o agregado da irmã, LL, de 56 anos, inativa por motivos de saúde. A habitação, sita na rua ..., Porto, é um apartamento arrendado, tipologia 2, descrito como tendo condições básicas de habitabilidade, não obstante o arguido considerar o espaço exíguo, localizado em zona urbana sem significativa incidência de problemáticas sociais e/ou criminais. As dinâmicas familiares foram retratadas como apoiantes.
CC mantém visitas quinzenais ao descendente, de acordo com o estabelecido na regulação das responsabilidades parentais, no entanto refere que há cerca de um mês que tal não tem sucedido uma vez que o elemento familiar que geralmente efetua o transporte do menor para as visitas, irmão da ofendida, se encontrará indisponível por motivos de trabalho.
CC concluiu o 12º ano através da frequência de curso profissional na área do turismo, posteriormente efetuou curso de Turismo, na Escola 1... e bacharelato em Turismo, na Escola 2.... Teve a sua primeira experiência profissional aos 21 anos de idade, como paquete em agência de viagens propriedade do progenitor, posteriormente passou por várias áreas dentro da agência, sendo que após 4 anos de integração passou a deter 10% da sociedade, que vieram a vender em 1998. O progenitor criou nova agência de viagens, detendo o arguido cerca de 10 % da mesma, que mantiveram até 2010, data em que abriram falência. Laborou cerca de 3 anos em outra agência de viagens, propriedade do progenitor, período após o qual saiu para ocupar as funções de diretor comercial na empresa “A... Unipessoal, Lda.”, da qual era sócia-gerente a ofendida, EE, onde se manteve cerca de 10 anos, até junho de 2023, data na qual refere ter cessado funções por sua iniciativa.
CC constituiu a empresa “B... Unipessoal, Lda.”, a operar na área do turismo como agência de viagens, em data que não soube precisar, mas anterior a junho de 2023, na qual mantém até ao momento funções de sócio-gerente, sendo o único funcionário. O arguido relatou trabalhar diariamente, a partir de casa, narrando constrangimentos à atividade pela impossibilidade de manter contactos presenciais com os seus clientes, após lhe ter sido indeferido o requerimento para se deslocar diariamente ao escritório/sede da empresa, localizada na Avenida ... Porto.
Ao longo do período em que viveu com a ofendida, o arguido reportou que auferia o salário mínimo nacional, acrescido de prémios de vendas, sendo a gestão da economia do agregado realizada em conjunto com a ofendida, que este referiu auferir cerca de 1200Euros. De acordo com o arguido, o casal dispunha de uma situação económica equilibrada e confortável, apresentando como principais despesas fixas mensais os encargos com a prestação do empréstimo da habitação, cerca de 400Euros, condomínio cerca de 110Euros, despesas com a educação do descendente em comum e a descendente da ofendida, ambos a frequentar estabelecimento de ensino privado, cerca de 1000Euros.
Presentemente, CC reporta auferir o salário mínimo nacional, valor ao qual acrescem prémios sazonais relativos às vendas efetuadas, em montantes que o mesmo não precisou. Avalia a sua situação financeira pessoal como precária, porquanto lhe exigirá uma gestão cuidada para colmatar as suas despesas fixas mensais, que neste momento se prendem com a renda do apartamento onde residia anteriormente à aplicação da medida de coação de Obrigação de Permanência na Habitação com Vigilância Eletrónica e que mantém, sito na ..., no valor de cerca de 650Euros, prestação do crédito para aquisição do veículo automóvel, cerca de 400Euros, pensão de alimentos do descendente, 150Euros, participação de 50% da mensalidade do colégio do descendente, no valor de cerca de 230Euros, contributo para as despesas no agregado da irmã, cerca de 150Euros.
O agregado da irmã do arguido subsiste da Prestação Social para a Inclusão (PSI) da qual esta é beneficiária, no valor de cerca de 600Euros, sendo que a mesma confirma o apoio financeiro/contributo prestado pelo arguido no valor de cerca de 150 euros. A situação financeira do agregado foi avaliada como modesta, sendo apresentadas como principais despesas fixas mensais os encargos com a renda da habitação, cerca de 256Euros, fornecimento de eletricidade, cerca de 100Euros, fornecimento de água, cerca de 20Euros, e telecomunicações, cerca de 40Euros.
No que refere à saúde, o arguido assume consumos abusivos de álcool situação que o levou a recorrer a consulta de psiquiatria, em setembro de 2020, então em estabelecimento de saúde privado, que mantém com regularidade mensal, efetuando tratamento psicofarmacológico. A partir de 14.10.2022, passou a ser acompanhado na consulta de alcoologia na Unidade de Alcoologia do Porto. Em 27.03.2024, a médica que o acompanha, declarou que este revelava motivação e cooperação no tratamento. CC afirma estar abstinente de consumo de álcool há cerca de 6 meses.
À data dos factos pelos quais vem acusado, tratando-se de um período alargado de tempo, o quotidiano do arguido era organizado sobretudo em função da atividade profissional e convívio familiar.
Presentemente, CC ocupa-se primordialmente com a atividade profissional, convívio com a irmã e com o descendente, refere ainda fazer exercício físico e ver televisão.
No âmbito do processo ... do Ministério Público – Procuradoria da República da Comarca do Porto, DIAP – Secção de Vila do Conde, no qual foi indiciado por crime de importunação sexual agravado na pessoa da filha da ofendida/enteada do arguido, no presente processo, beneficiou de suspensão provisória de processo pelo período de 24 meses, sujeito às injunções de comparecer na DGRSP sempre que para tanto convocado, sujeitando-se a programas de intervenção que venham a ser reportados como necessários e a submeter-se ao acompanhamento por parte de tal entidade e manter o acompanhamento médico especializado ao nível da psiquiatria, cumprindo as prescrições/tratamento que lhe forem prescritos para tratamento da sua adição ao álcool. Do acompanhamento que decorreu entre maio de 2022 e abril de 2024, foi considerado que o arguido manteve uma adesão positiva à intervenção destes Serviços da DGRSP, bem como aderiu à intervenção clínica junto da Unidade de Alcoologia do Porto e da Consulta de Sexologia Clínica do Hospital 1..., para o qual foi encaminhado.
No âmbito do presente processo permanece com medida de coação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, desde 21.07.2023, não havendo registo de incidentes no decurso da mesma.
Face ao presente confronto com o sistema da administração da justiça penal, o arguido verbaliza preocupação face à sua situação jurídico penal, narrando significativo impacto da mesma ao nível pessoal e profissional decorrente da medida de coação que lhe foi aplicada e implicações na gestão do seu quotidiano e privação de liberdade.
Solicitado a ponderar eventual adesão a medida na comunidade, verbalizou disponibilidade para cumprir com o judicialmente determinado, não obstante perspetivar uma decisão favorável para si.
O arguido é tido como pessoa empenhada, bom profissional, preocupado com colegas de trabalho; e bem assim como pai carinhoso e dedicado.
--
Mais se provou que
a. A mudança de residência aludida em 8 ocorreu por volta do ano de 2015.
b. Quando a EE estava grávida do filho de ambos, com cerca de 7 meses, o arguido agrediu-a na cabeça com pontapés, pegou-lhe pelos cabelos e empurrou-a contra a parede
c. Nas demais circunstâncias descritas em 17 o arguido também apelidou a EE de “vaca” e “ordinária”, enquanto dizia ao filho que ela tinha acabado de chegar a casa.
d. Nas circunstâncias aludidas em 24 o arguido deixou o filho com dificuldade em conseguir respirar.
e. Nas demais circunstâncias descritas em 31 e 32 o arguido manteve no telemóvel da ofendida, num período de tempo que não foi possível apurar, uma aplicação que permitia determinar a sua localização e questionava as funcionárias da agência de viagens onde trabalhavam dos horários de entrada e saída da ofendida.
--
Apurou-se ainda que
f. Em data e circunstâncias que não foi possível precisar a ofendida EE enviou ao arguido a seguinte mensagem “No que depender de mim vais apodrecer na cadeia”
g. O arguido e o filho mantêm uma ligação próxima, fortalecida entre os dois com jogos passeios, palavras carinhosas e mensagens de boa noite; desejam estar ao fim de semana mesmo o filho sabendo que o pai não pode sair de casa.
h. O arguido, a ofendida e os filhos foram de férias juntos: em 2021 a Espanha (Benidorm); em 2020 ao Dubai; fim de semana no ...; fim de semana em Évora; férias na Isla Canela e Congresso de ... na Ilha da Madeira onde ficaram hospedados no C...; em 2018 à Alemanha (feira de Congresso de ...); fizeram um cruzeiro no Mediterrâneo (Sardenha em Abril); férias em Palma de Maiorca; em Ibiza (em Agosto) e à Tunísia (Djerba em Setembro); em 2017 a Londres; Milão; fizeram um cruzeiro no Mediterrâneo (Riviera Francesa); férias em Palma de Maiorca (D...), no Algarve (Hotel ...), fim de semana em Óbidos e em Fátima (aqui na companhia dos pais da sua ex-mulher); em 2016, férias no Algarve (E...), em Menorca e a Óbidos, aqui com a família da sua ex-mulher; 2015, férias no Algarve; ao longo dos anos fins de semana na casa de férias do pai do arguido em ... – ...
i. A ex-mulher do arguido, como única sócia gerente da sociedade A... recebia no seu telemóvel via sms os códigos de acesso bancário para serem autorizados os movimentos como pagar viagens a clientes, salários e despesas
-
Provou-se também que
j. No dia 17 de julho de 2023, o demandante (assistente) foi internado e assistido clinicamente no Hospital 2... EPE.
k. A qual teve como propósito intervencionar trauma torácico penetrante de baixa cinética (arma branca) à esquerda:
- 4 feridas cortocontusas de 2 cm (duas na omoplata esquerda, uma na linha axilar posterior e outra na linha axilar média), com pneumotórax;
- pneumomediatino e hemorragia abundante no local com compromisso respiratório imediato;
- disfunção cardiocirculatória (taquicardia e lactatos);
-enfisema subcutâneo na região cervical, axilar e do ombro esquerdos;
-hematoma bem circunscrito e flutuante subjacente às duas feridas
l. Manteve-se internado e sob observação até ao dia 24 de Julho de 2023, na sobredita unidade, data em que lhe foi dada alta, com consequente recuperação.
m. No que concerne ao processo de reabilitação profunda ainda esteve limitado e condicionado até 26 de Setembro de 2023 e após, ainda com sequelas, não conseguiu reatar logo a sua vida de forma normal.
n. A reabilitação consistiu em repouso absoluto, cuidados de penso, toma de medicação e vigia de sinais de alarme, nomeadamente referentes a febres e dificuldades respiratórias.
o. As referidas lesões implicaram ainda uma ITA para o trabalho desde 17 de julho até 26 de setembro de 2023.
p. O que mesmo após retomar a actividade laboral exige do demandante (assistente) um quantum doloris por esforço suplementar, físico e psíquico, para obter o mesmo resultado do seu trabalho.
q. O demandante exercia e exerce as funções de vendedor/comercial de vinhos.
r. Auferindo o salário médio não concretamente apurado, nunca inferior a 1.137,45€.
s. (aditado aos não provados).
t. (eliminado).
u. (eliminado).
v. A qual afetou o seu ritmo de vida e hábitos porque implicou que ficasse dependente de terceiros até pelo menos 26 de setembro de 2023 e porque lhe provocou dor, angústia e sofrimento.
x. Durante o período supra relatado o ora demandante viu cerceada a sua liberdade de movimentos e a possibilidade de usufruir da sua habitual vida social e profissional.
y. O demandante apresentou necessidade de recorrer a inúmeros tratamentos de pensos e de infeções com pontos.
w. Tais tratamentos realizados numa zona sensível e delicada como a zona do tórax, causaram-lhe sofrimento e incómodo.
z. Em consequência sofreu inúmeras dores com o incidente ao nível das zonas corporais envolvidas, foi obrigado à ingestão forçosa de substâncias medicamentosas para as atenuar e forçado ao período de recobro no hospital e em casa, bem como à redução parcial da sua mobilidade.
aa. (eliminado).
ab. (eliminado).
ac. (eliminado).
ad. (eliminado).
ae. (eliminado).
af. As cicatrizes que apresenta no tórax resultantes das punhaladas desferidas pelo arguido e consequentes intervenções realizadas produzem um dano estético que o irá perseguir o resto da sua vida e que o relembrarão desse evento.
ag. O demandante sentiu-se profundamente envergonhado e injustiçado com o ataque de que foi alvo pelo arguido, ficando inclusivamente dominado por um sentimento de enorme terror, angústia e intranquilidade face ao receio de represálias do arguido, ainda que por meio de terceiros.
ah. O demandante (assistente) sempre foi uma pessoa estimada e respeitada no seu meio profissional dos vinhos, sendo-lhe reconhecida uma grande autoridade moral e profunda honestidade.
ai. Que viu colocada em causa em virtude dos acontecimentos ocorridos, os quais foram expostos na imprensa nacional por meio de diversos noticiários e jornais, com contornos pouco precisos e que permitiram especulações infundadas.
aj. Tal levou a que algumas pessoas suscitassem dúvidas sobre a sua idoneidade e sobre o tipo de pessoa que mantinha no seu círculo íntimo.
ak. Sendo objecto de comentários, no seu meio e abordagens mais indecorosas para si próprio e envolvendo os seus familiares.
al. Tudo isto fez com que o demandante ficasse deprimido, receoso e entristecido.
Am. Em consequência da conduta do arguido, o assistente deixou de auferir, durante a ITA de 17.07.2023 até 26.09.2023, o valor liquido:
- de 499,97€ no mês de julho de 2023;
- não inferior a 1.137,45€ o mês de agosto de 2023;
- de 933,46€ no mês de setembro de 2023.
--
Factos não provados
Não se provou que
I. Na altura em que estava grávida do filho de ambos, o arguido, embriagado, arremessou uma peça de decoração à ofendida EE, atingindo-a na cabeça, causando-lhe dores e um pequeno ferimento sangrante, que a própria curou em casa.
II. No ano de 2011, após o nascimento de BB, o arguido, alcoolizado, durante a madrugada, no interior da habitação, decidiu que pretendia manter relações sexuais com a ofendida EE e, por que esta não lhe apetecia, o arguido puxou-lhe os cabelos, desferiu-lhe repetidamente bofetadas na cara, até lograr os seus intentos libidinosos.
III. Nas demais circunstâncias aludidas em 13 o arguido também dizia à ofendida que “sem ele nunca seria nada”, “que ninguém iria acreditar em nada do que ela dizia”, ridicularizava as suas origens humildes, procurando explorar a sua dependência económica e emocional como forma de garantir que a ofendida o não deixaria.
IV. Nas demais circunstâncias descritas em 14 os menores tinham também receio pelas suas integridades físicas
V. Nas demais circunstâncias aludidas em 17 o arguido também dizia ao filho menor “Anda ver como se faz”.
VI. O arguido actuou nas demais circunstâncias aludidas em 24 porque o filho estava a fazer uma birra.
VII. Enquanto habitavam em comunhão da cama, mesa e habitação, o arguido partiu portas interiores da habitação danificando-as
VIII Sem prejuízo e para além do descrito em e. o arguido ordenava, ainda, a MM, funcionária da agência, que lhe informasse, por mensagem, sempre que EE chegasse e saísse ao seu local de trabalho, o que sucedeu pelo menos, desde o dia 09 de Março de 2023.
IX. Nas demais circunstâncias descritas em 42 o arguido disse “vai para o caralho, não preciso de ti para nada” e desferiu pancadas na cabeça da ofendida e apertou-lhe os braços, causando-lhe dores.
X. Nas demais circunstâncias descritas em 43 foi o arguido quem deixou a tal caixa no caixote do lixo, contendo mesma na tampa uma foto de uma faca com os dizeres “Ou é para mim ou é para ti”.
XI. No início de Julho de 2023, o arguido através do IPAD falou com o seu filho menor disse-lhe que ia para fora do país para ganhar dinheiro, indagando-o se queria ir com ele.
XII. Nas demais circunstâncias descritas em 48 correspondia ou não à verdade estar na posse da ofendida a tal chave (que não a chave do escritório).
XIII . Nessas mesmas circunstâncias a EE percebeu que o propósito do arguido era fazê-la descer para a agredir.
XIV. O arguido trazia a faca na parte de trás das calças nas demais circunstâncias descritas em 53
XV No momento descrito em 57 o arguido desferia socos a DD.
XVI Nas demais circunstâncias descritas de 56 a 58, o arguido recolheu do lado direito das calças a tal faca, quando se encontrava junto da bagageira do seu veículo.
XVII Para além das demais circunstâncias descritas ainda de 56 a 58, o arguido com a mão cerrada direcionou o objecto que empunhava por quatro vezes consecutivas (braço para a frente e pata trás, paralelo ao chão) na direcção do DD
XVIII. Nas demais circunstâncias descritas em 40 e 75 o ofendido DD também temeu que o arguido viesse a atentar contra a sua vida
XIX. O arguido, ao levar consigo uma faca e tocar insistentemente na campainha da ofendida pretendia provoca-la, bem como a que com ela estivesse.
XX. Para além e nas demais circunstâncias descritas em 75 e 76, por referência também ao descrito em 40, sabia o arguido que as afirmações eram idóneas a causar ao ofendido DD receio pela sua vida bem como das suas filhas
XXI. Nas demais circunstâncias descritas em 77 o arguido actuou premeditadamente
XXII. Quando o arguido permanecia no escritório no 3.º andar e a sua ex-mulher na agência de viagens no rés-do-chão vinha bater-lhe à porta para utilizar o quarto de banho do 3.º andar e para não usar o quarto de banho que servia o rés-do-chão e o espaço da loja
XXIII. Nas circunstâncias supra descritas em i., por indiferença a ofendida ignorava o recebimento de tais códigos e, a maior parte das vezes, só com a intervenção das funcionárias da agência, alertando para a iminente consequência dos passageiros não poderem voar é que os facultava.
XXIV. Tais atitudes sempre estranharam o arguido, mas nunca lhe passou pela ideia que durante o tempo que isso se passava a sua ex-mulher desviava da conta bancária da agência de viagens quantias muito elevadas em dinheiro que eram necessárias a garantir as viagens dos clientes.
XXV. O arguido apurou que a sua ex-mulher gastaria uma média mensal de cerca de 4 a 5 mil euros, a maior parte em objectos supérfluos, como roupas e estéticas.
XXVI. Em Dezembro de 2022 o valor exacto dos gastos ascenderam a € 4.749,83; em Novembro de 2022 a € 4.302,14
XXVII. No período de 1 de Maio de 2023 a 9 de Junho de 2023, em levantamentos e transferências da conta da agência para uso pessoal ou interesses particulares a sua ex.mulher retirou €15.058,28, sendo € 7.225,72+€5.000,00 do Banco 1... e € 2.832,56 do cartão F...
XXVIII. Dando-se o arguido conta que no 1.º semestre de 2023 os valores apropriados pela sua ex-mulher tenham ascendido a cerca de € 70.000,00
XXIX. Mesmo a indemnização que o arguido recebeu da Companhia de Seguros G... por um acidente de trabalho que sofreu, cerca de metade de € 5.200,00 foi apropriada pela sua ex-mulher para constituir um depósito bancário em nome dela.
XXX. Foi após conhecer os levantamentos de dinheiro que o arguido não teve outra alternativa senão rescindir o seu contrato de trabalho, por não ser possível continuar na empresa sem cumprir com as obrigações para com os seus clientes.
XXXI. Havia um acordo entre o arguido e a sua ex-mulher de não uso e habitação da casa por estranhos que foi quebrado, casa essa que a sua ex-mulher vendeu a 9.10.2023 pelo preço de € 220.000,00, dos quais € 100.000,00 correspondem a ganho que recebeu sem dar conhecimento ao arguido.
XXXII. Nas circunstâncias de tempo, lugar e modo descritas de 50 a 60, o arguido foi asfixiado por DD que o agarrou e apertou o pescoço, com força.
XXXIII. ao mesmo tempo aquele exibia junto ao pescoço do arguido uma faca, tipo canivete e dizia-lhe: vou-te matar.
XXXIV. Tal sucedeu com o arguido sentado dentro da sua viatura automóvel, no lugar do condutor e o DD com o corpo em cima dele, fazendo força.
XXXV. Para isso o DD penetrou no carro onde estava o arguido, contra a sua vontade.
XXXVI Por virtude dessa actuação o arguido sofreu equimoses na zona frontal do pescoço.
XXXVII. O arguido tentou libertar-se do DD.
XXXVIII. Sentindo que a faca tinha caído da mão do DD, o arguido pegou nela e em sofrimento causado pela asfixia fez movimentos para o picar nas costas.
XXXIX. O DD parou a agressão e saiu do carro.
XL. Quando o arguido Conseguiu sair do carro já o DD corria e afastava-se em direcção à praia.
XLI. Assustado com os acontecimentos e o sangue na mão, deambulou à volta do carro sem saber o que fazer, largou a faca e regressou a casa de carro.
XLII. Manifestou preocupação com o DD ao tentar saber a gravidade dos ferimentos.
XLIII. Foi o DD que desafiou o arguido a vir ter com ele, fazendo-lhe sucessivos telefonemas e dizendo-lhe: filho da puta, não és homem não és nada; anda cá se és homem.
XLIV. Quando o arguido veio ter com aquele, estacionou o carro e o DD do passeio, do outro lado da rua chamava-lhe repetidamente, de viva voz, filho da puta.
XLV. De repente, ainda antes de o arguido poder sair do carro, aquele correu na sua direcção abriu a porta do condutor e iniciou a agressão e a ameaça.
XLVI. O arguido não sabia sequer que o DD se encontrava em casa da sua ex-mulher, tendo sido este que lhe disse onde estava.
XLVII. Nas circunstâncias descritas em 44 e 45 o arguido certificou-se de que menor tinha entrado no elevador e tocou à campainha da porta da rua apenas com o intuito de pedir a chave do cofre do escritório no Porto.
XLVIII. Chave essa que se encontrava e encontra na posse da sua ex-mulher
XLIX. O arguido insistiu pela sua entrega, disse-lhe que a mesma lhe fazia falta para ter acesso a documentação.
L. A resposta que obteve da sua ex-mulher foi: “não me chateies”
LI. Regressou a casa de carro e já no caminho é que recebeu as chamadas telefónicas do DD.
LII. Todo o fim de semana com o seu filho nunca o arguido foi ao prédio onde vivia a sua ex-mulher nem sabia onde se encontrava o carro que ela utilizava.
LIII. Actualmente em média o seu rendimento não excede os € 1.300,00 decorrente das suas dificuldades que não lhe permitem desempenhar as suas funções nos mesmos termos em que as executava.
--
--
Do preenchimento tipo de crime de violência doméstica, quanto ao seu filho BB: degradação do crime e ilegitimidade do Ministério Público (facto 24 provado)
Quanto ao seu filho BB, o arguido foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º, nº1, al. a), d) e e), nº 2 al. a), do Código Penal.
A subsunção jurídico penal do tipo de crime em causa baseou-se, nas palavras utilizadas no acórdão recorrido, em “comportamentos maltratantes mormente bem patentes na agressão física que decorreu como apurado e descrito conjugadamente sob o n.º 24 e alínea d.”.
Contudo, nesta parte, a matéria de facto foi alterada, passando a constar como provado o seguinte:
24. O arguido, quando o seu filho tinha cerca de nove anos de idade, porque estava mais agitado e queria brincar, agarrou-o pelo pescoço com uma mão.
d. Nas circunstâncias aludidas em 24 o arguido deixou o filho com dificuldade em conseguir respirar.
73. Com o comportamento supra descrito pretendeu e conseguiu o arguido molestar o corpo de BB, seu filho e menor de idade, causando-lhe dores, mostrando-se indiferente pelo estado em que o deixava.
74. Pretendeu ainda o arguido com o seu comportamento humilhar o ofendido, assustando-o com os seus comportamentos agressivos, ciente que se tratava de pessoa particularmente indefesa, em razão da sua idade e que tal circunstância o impossibilitava de se defender perante um adulto.
80. O arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal”.
--
Vejamos.
No que ao caso interessa, dispõe o art. 152º, n.ºs 1, al. e) e nº2, al.a), do Cód. Penal, o seguinte:
“Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, a menor que seja seu descendente e praticar o facto no domicílio comum ou no domicílio da vítima, é punido com pena de prisão de dois a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal”.
Com a redação do n.º 1, introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4/9, veio o legislador legitimar a jurisprudência que já vinha entendendo que os maus tratos se podiam reportar a situações de agressão (física ou psicológica) reiterada e continuada no tempo, ou a agressões únicas, mas de gravidade tal, que possibilitem a afirmação de que foram praticadas por especial malvadez ou grave disfunção do agente, subsumindo-se, por isso, a tal infracção.
Consequentemente, a circunstância de existir uma conduta delituosa isolada não obsta, só por si, à subsunção legal ao crime de violência doméstica. Essencial é determinar se o ato praticado atingiu a gravidade/danosidade que a densificação normativa pressupõe. Ou seja, se o facto ilícito excede a tutela conferida pelo tipo matriz e impõe a defesa reforçada específica daquele primeiro Como salienta Nuno Brandão, A tutela penal especial reforçada da violência doméstica, JULGAR - N.º 12 (especial) – 2010, pg.19, no crime de violência doméstica “devem estar em causa actos que, pela sua natureza, sejam (…) idóneos a reflectir-se negativamente sobre a saúde física ou psíquica da vítima”, para o que importa avaliar a “situação ambiente” e a “imagem global do facto”.
No ensinamento de Sérgio Miguel José Correia, in Maus-tratos Parentais – Considerações sobre a vitimação e a vulnerabilização da Criança”, RFDUL/LLR, LXii (2021) 1, pg.906, os maus-tratos parentais serão aqueles exercidos pela figura paterna e/ou materna sobre a criança, entendidos aqueles, essencialmente, como qualquer conduta que “atente, diretamente, contra os direitos e a satisfação das necessidades fundamentais das crianças, próprias da sua faixa etária e do estágio de crescimento que atravessam, colocando, assim, em causa o seu bem-estar, saúde, segurança, autonomia ou desenvolvimento das suas componentes pessoais, sejam físicas, cognitivas, psicológicas ou socio-emocionais”..
Na verdade, o crime de violência doméstica tutela muito mais do que a soma dos vários ilícitos típicos que o podem preencher, dirigindo-se a condutas que, pelo seu carácter violento ou pela sua configuração global de desrespeito pela pessoa da vítima ou de desejo de prevalência de dominação sobre a mesma, é susceptível de contextualizar uma situação de maus tratos físicos e/ou psíquicos.
Ora, in casu, a conduta apurada e descrita, embora censurável e penalmente relevante, não atinge tal patamar não patenteando um domínio, uma subjugação, sobre a pessoa da vítima, sobre a sua vida e/ou sobre a sua liberdade, condenando-a a uma vivência de medo e subjugação, designadamente pela situação episódica e a menor intensidade da lesão do bem jurídico com tutela penal.
Ainda que a ausência de perturbações não conduza per si a uma desconsideração da seriedade ligada à realidade em que a vítima menor se encontra, tratando-se de um episódio único envolvendo uma violência física de moderada intensidade, sem sequelas físicas, o tipo, a duração e a proporção da agressão infligida não é subsumível à gravidade dos maus tratos típicos da violência doméstica.
Na realidade, está em causa uma ofensa à integridade física de moderada gravidade, sem contornos precisos, mas sem sequelas físicas conhecidas.
Sendo embora uma conduta inegavelmente censurável, o certo é que o contexto respetivo não possibilita um juízo fundado sobre a necessidade de defesa reforçada apenas concedida pelo crime de violência doméstica.
Neste conspecto, entende-se que a conduta em causa integra antes o crime de ofensa à integridade física simples já que, embora estando em causa o descendente do arguido e pessoa particularmente indefesa em razão da sua idade, a factualidade apurada não inculca a especial censurabilidade ou perversidade do agente que sustentaria a imputação nos termos do art. 145º, n.º 1, al. a) e nº2, com referência à alínea a) e c), do n.º 2, do art. 132º, do mesmo diploma legal.
É que, a especial censurabilidade a atribuir ao facto é o que incorpora um juízo de culpa que se fundamenta numa sua realização de modo especialmente desvalioso. A especial perversidade é aquela em que o facto fundamente um exacerbado grau de culpa mercê da repercussão nele de uma personalidade do agente impregnada de qualidades desvaliosas, como teoriza a doutrina e a jurisprudência não dissente.
Deste modo, a conduta do arguido em relação ao seu filho menor BB recai no tipo matriz da ofensa à integridade física simples, o qual tem natureza semi-pública – art.143º, nº1 e 2, do Código Penal.
A fls. 987 EE veio declarar desistir da queixa do crime de violência doméstica, mas apenas na qualidade expressa de ofendida e não também de legal representante do ofendido menor, seu filho BB, para os efeitos previstos no art.113º, nº4, do Código Penal.
-
Da (i)legitimidade do Ministério Público
Pergunta-se se em face da posterior transmutação/degradação da natureza do crime de público para semipúblico, o Ministério Público continua com legitimidade para o exercício da ação penal ?
Adiantando, afigura-se que a resposta é positiva.
A exigência superveniente de qualquer condição de procedibilidade quanto aos crimes de natureza semi-pública ou particular (queixa e/ou acusação particular), por convolação do crime de violência doméstica, constitui uma desconformidade constitucional, mormente, com os princípios e ideias da tutela jurisdicional efetiva e do processo penal justo, leal e equitativo, previstos no art.20.º, nº1, 4 e 5, da C.R.P.
Nesta hipótese de convolação da natureza dos crimes, a extinção do procedimento criminal por falta de condições de procedibilidade conduz a uma verdadeira decisão surpresa e desleal entre sujeitos processuais, a qual afronta o direito à informação e participação ativa da vítima (art.67º-A, nº4, do CPP e art.s 8º e 11º da Lei n.º 130/2015, de 04 de Setembro).
Por paridade de razão com a sucessão de leis no tempo que transforma um crime público em semipúblico ou particular (Acórdão TC nº 523/99, de 28 de setembro), com respeito pela integridade estatutária da vítima, torna-se evidente a necessidade de chegar a uma solução que permita compatibilizar os interesses da vítima e do arguido.
No justo equilíbrio do interesse do arguido, na verificação dos pressupostos da legitimidade procedimental, com o interesse da vítima em ver reconhecido o direito de desencadear o procedimento criminal, que encontra apoio no direito à informação e participação ativa, esta não pode ser surpreendida no decurso do processo criminal pela alteração legislativa ou judicial que modificou a natureza do crime, sob pena de violação do princípio da confiança inerente ao princípio do Estado de Direito Democrático (artigo 2º da CRP).
Referindo-se à queixa, como condição de procedibilidade, e à acusação particular, como condição de perseguibilidade, André Teixeira dos Santos, in “Queixa, participação e acusação particular versus crime público convolado em crime particular em sentido amplo por força de redução dos factos objeto do processo”, in RMP, n.º 173, pags 137-138, defende: “Tratando-se de condições que se traduzem em momentos temporais, têm de verificar-se nos tempos chave a que se reportam. Isto é, a queixa e a participação, enquanto conditio sine qua non do processo, têm de existir no seu início, antes de se encetar diligências de investigação e probatórias, sem prejuízo das medidas cautelares e de polícia. Já a acusação particular tem de se verificar no final do inquérito. É nesses momentos-chave que cumpre aferir se o crime objeto do processo reclama o preenchimento dessas condições. Ultrapassado o marco temporal a que se reporta a condição de procedibilidade, os actos praticados posteriormente são válidos. Logo, deduzida uma acusação por crime público, se no julgamento este crime for convolado em crime particular, por somente se terem provado os factos descritos na acusação pública respeitantes a este crime contra a honra, poderá ocorrer a condenação [...]. Nesse ponto do processo não renasce a questão da procedibilidade ou da legitimidade do MP para a prossecução do processo. [...] Em suma, a pedra de toque de todo o edifício jurídico das condições de procedibilidade assenta nos factos que dão azo à instauração do processo-crime e que permitem tal instauração, bem como à fase de julgamento. Marcos temporais delimitados e circunscritos na lei, nisso consistindo a sua definição de pressupostos processuais que, uma vez verificados, não deixam de existir e permitem que haja unidade e um fio condutor no sistema processual penal.”
Colocando o enfoque no tempo processual, o mesmo Autor defende que “as exigências legais quanto a essas condições remontam à data em que tais atos deveriam ter sido praticados.” E “nessa medida, sob pena de defraudação da opção legal, (de perante uma determinada ofensa dum bem jurídico os interesses da comunidade se bastarem com a vontade do ofendido diretamente afetado pelo crime e que será afetado pelo processo), o ofendido deve ter tido oportunidade de manifestar a sua vontade, não sendo surpreendido com uma absolvição ou um arquivamento por falta de queixa ou de dedução de acusação particular, num cenário em que os factos objeto dos autos foram perspetivados pelo MP e/ou pelo Juiz de forma assumida como consubstanciando, sem erro nem lapso na sua qualificação jurídica.”
Tudo isto para não dizer que se afigura manifestamente desproporcionada, logo ofensiva do princípio plasmado no art.18º, nº2, da C.R.P., a negação da pacificação social e descoberta da verdade à conta de uma visão exasperadamente formalista e ancorada numa conceção cristalizada do tema da vinculação processual que, sob a cláusula rebus sic stantibus, deveria condicionar a legitimidade para a ação penal.
Eis as razões da discordância em relação à caducidade e inviabilidade do procedimento criminal pela prática dos crimes de ofensa à integridade física simples, de que foi vítima o menor BB.
A falta de queixa não pode ser agora sancionada como vício ou invalidade porque esse ato processual não tinha lugar no iter processual. Exigi-la, neste momento, seria desvirtuar o processo penal, enquanto sucessão de múltiplos e interdependentes atos finalisticamente orientados para a justa decisão do caso concreto, atos esses ordenados, a cada momento, para unidade e harmonia do sistema na sua plenitude – art.8º, nº3 e art.9º do Código Civil.
A final da audiência de julgamento e feita a convolação, estabilizado o objeto do processo, deve considerar-se que o Ministério Público mantém a legitimidade para o exercício da ação penal e o assistente mantém a legitimidade para a sua pretensão de prossecução processual.
Neste sentido, perante a transmutação do crime público em semipúblico ou particular, o recente AUJ (STJ) n.º9/2024, de 9 de julho, Diário da República n.º 131/2024, Série I de 2024-07-09, defendeu: “não se pode agora, a destempo, exigir ao assistente uma condição seja de procedibilidade, a queixa, seja de prosseguibilidade, a acusação particular, que no andamento normal e correto do processo nunca lhe podia ter sido exigida. Nem pode ser penalizado pela sua falta porque nunca teve a possibilidade legal de a deduzir e a única posição que podia tomar em defesa do seu interesse processual era a de acompanhar a acusação pública. O que fez. Tudo apresentado em próprio tempo e em correto andamento processual”.
Do mesmo modo que, segundo o citado AUJ (STJ) n.º9/2024, de 9 de julho, “se ab initio e até final do julgamento se investigou e acusou o crime público de violência doméstica, estruturado o processo fáctica e juridicamente em torno do respetivo objeto, estabilizados que estavam os pressupostos processuais nessa conformidade acusatória, seria destituída de fundamento processual a notificação do assistente para dedução de acusação particular (cfr artigo 285.º, n.º 1, do CPP).”
Em conclusão, em face da posterior transmutação/degradação da natureza do crime de público (violência doméstica) para semipúblico (ofensa à integridade física simples), o Ministério Público continua com legitimidade para o exercício da ação penal, razão pela qual improcede nesta parte o recurso do arguido.
--
Da prescrição do crime de violência doméstica – vítima AA
Em relação à vítima AA, o arguido foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica, previsto pelo art. 152º, nº1, al. a), d) e e), nº 2 al. a), nº 5 e 6 e 14º, nº1, do Código Penal, com pena de prisão de dois a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
Assim sendo, o prazo de prescrição é de dez anos – art.118º, nº1, al.b), do Código Penal.
Concretamente ficou provado o seguinte:
“3. Por sua vez, AA, nasceu a ../../2004, sendo filha de um primeiro relacionamento de EE.
21. Quando AA tirava negativas nos testes escolares, no interior da residência de ambos, o arguido gritava com ela, afirmando que não admitia que tivesse aquelas notas e, simultaneamente, atirava-a ao chão, arrastando-a pelos cabelos, o que sucedeu um numero não concretamente apurado de vezes situadas entre o 8 e os 16 anos de idade daquela.
22. Quando AA, tinha cerca de 8 anos de idade, o arguido, no interior da residência de ambos, munido com um cinto desferiu-lhe pancadas nas costas, causando-lhe dores e deixando-lhe marcas no corpo.
23. Nas mesmas circunstâncias de tempo, modo e lugar, o arguido dirigiu-se ao quarto de AA e arremessou e partiu todos os objetos decorativos que tinha no seu interior”.
Na dúvida sobre a localização temporal dos factos em referência, a mesma terá de ser resolvida a favor do arguido, de acordo com o princípio do in dubio pro reo, para aferir do decurso do prazo de prescrição e, assim, que a ofendida tinha 8 anos de idade à data da prática de todos eles.
A ofendida AA fez oito anos de idade em 15 de fevereiro de 2012.
O prazo de prescrição de 10 anos teria ocorrido em 15 de fevereiro de 2022, se até então não tivesse ocorrido qualquer causa suspensiva e/ou interruptiva desse prazo.
Ora, ocorreu nesse período uma causa de suspensão do procedimento criminal.
Da suspensão da prescrição: COVID
A questão central que aqui se coloca consiste em saber se a suspensão da prescrição estabelecida pela Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, e pela Lei n.º 4-B/2021, de 01 de fevereiro, é aplicável a factos pretéritos.
O disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, que aqui nos ocupa, com respeito à suspensão dos prazos de prescrição e caducidade, não foi objeto de modificação pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril.
Subsequentemente, pela Lei n.º 16/2020, de 6 de maio, veio a ser alterada, pela quarta vez, a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, que, por efeito dos seus artigos 2.º e 8.º, revogou o artigo 7.º deste último diploma.
As alterações introduzidas pela Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, entraram em vigor no dia 3 de junho de 2020, pelo que, para o que releva para a presente decisão, da conjugação dos diplomas acima escrutinados resulta que o período da suspensão dos prazos de prescrição e caducidade originariamente estatuída na Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, vigorou entre 9 de março de 2020 e 3 de junho de 2020, ou seja, 86 dias. ý
Por força do artigo 6º-B, nº3, da Lei nº 4-B/2021, de 01/02, ocorreu nova suspensão relativa no período temporal de 22/01/2021 a 05/04/2021, num total de 73 dias.
Tudo perfaz 159 dias (86 + 73).
Ora, as normas de prescrição reportam-se ao regime substantivo do facto criminoso ou contraordenacional, não podendo, por força do princípio da legalidade, ser aplicadas de forma retroativa aos crimes/contraordenações aqui julgados (salvo se tal regime se mostrar concretamente mais favorável à arguida – art. 2.º, n.º 1 e 4 do Código Penal e art.2º do RGCO e art.29º, nº1 e 4, da CRP.
Os novos prazos de prescrição e causas de interrupção e suspensão da prescrição do procedimento criminal e das penas e medidas de segurança, bem assim do procedimento contraordenacional e das coimas, sendo prejudiciais ao arguido, pois alargará necessariamente tais prazos de prescrição, apenas poderá ser aplicada para os factos praticados na sua vigência, o que não é o caso dos autos, sob pena de conferir-lhe um efeito retroativo proibido, em violação do disposto no artigo 29.º, n.º 4, da CRP.
Na doutrina prevalece largamente o entendimento de que às regras referentes ao regime da prescrição do procedimento criminal são aplicáveis as garantias previstas no artigo 29.º da CRP, no tocante à retroatividade da lei penal. Ou seja, às normas relativas a prazos de prescrição, causas de interrupção ou de suspensão, e efeitos da prescrição são aplicáveis as regras vigentes à data da prática da conduta (tempus delicti), proibindo-se a aplicação retroativa das que sejam menos favoráveis ao agente e impondo-se a aplicação retroativa dos regimes mais favoráveis.
O artigo 19.º, nº6, da CRP, expressamente estabelece que «[a] declaração do estado de sítio ou do estado de emergência em nenhum caso pode afetar […] a não retroatividade da lei criminal, o direito de defesa dos arguidos […]», tendo o mesmo ficado consagrado no n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 44/86 .
Semelhante entendimento resulta da declaração de voto exarada no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 660/2021, onde se refere: «O princípio da proibição de aplicação retroativa da lei nova desfavorável ao arguido é valorado de uma forma especial pelo nosso legislador constituinte, sendo tão importante que nem em situação de estado de sítio ou de emergência pode ser suspendido no que respeita a matéria criminal, como decorre do artigo 19.º, n.º 6, da Constituição – que refere que «A declaração do estado de sítio ou do estado de emergência em nenhum caso pode afetar (…) a não retroatividade da lei criminal» Esta proibição inclui todas as dimensões de retroatividade, abrangendo também, naturalmente, a aplicação a processos já pendentes de uma nova causa de suspensão do prazo de prescrição cujo termo não se mostre ainda atingido (a designada retrospetividade ou retroatividade inautêntica)”.
Daqui resulta que o estado de emergência não pode ser usado para afastar a proibição da aplicação retroativa da lei penal e contraordenacional, através do alargamento de prazos de prescrição quanto a factos praticados antes do estado de emergência.
A Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, e a Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, ainda que estabeleçam medidas excecionais na situação de estado de emergência, não podem forçar a suspensão dos prazos prescricionais aos processos que têm por objeto factos praticados em momento anterior a cada um daqueles diplomas.
No domínio da sucessão de leis penais no tempo, quer a lei nova se trate de lei temporária ou não, a sua aplicação não pode afastar-se do princípio da não retroatividade da lei penal, corolário do princípio da legalidade, nem se sobrepor à aplicação do regime penal mais favorável ao arguido.
Não ignoramos que o Tribunal Constitucional, chamado a pronunciar-se sobre a (in)constitucionalidade da norma extraível da conjugação do artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, e do artigo 6.º, n.º 2, da Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, vem concluindo que a causa de suspensão dos prazos de prescrição do procedimento contraordenacional estabelecida no sobredito artigo 7.º, n.º 3, é aplicável aos prazos (de prescrição) que, à data da entrada em vigor da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, se encontravam já em curso.
Considera o TC que a suspensão do prazo prescricional prevista no artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, configura uma medida, entre várias, tomadas no âmbito da legislação de emergência para fazer face à situação pandémica, que originou o estado de exceção constitucional. O período que mediou entre 9 de março (Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março) e 3 de junho de 2020 (Lei n.º 16/2020, de 29 de maio) foi tido como causa de suspensão do prazo prescricional de procedimentos criminais (e contraordenacionais), em grande medida como decorrência da paralisação da atividade judiciária lato sensu durante esse período.
Numa lógica de diferenciação entre tipos de retroatividade no domínio penal, distinguindo os conceitos de retroatividade direta ou de primeiro grau e “retrospetividade”, também conhecida por “retroatividade inautêntica”, (nesta última a norma não se aplica retractivamente – aplica-se para o futuro a processos crimes ainda pendentes, embora resultantes de crimes cometidos no passado), o Acórdão TC n.º500/2021, de 9 de Junho de 2021, acompanhado pelos Ac.s TC nº660/2021, de 29 de julho, e Acórdão n.º 798/2021, de 21 de outubro, decidiu: “Não julgar inconstitucional o artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, interpretado no sentido de que a causa de suspensão do prazo de prescrição do procedimento contraordenacional aí prevista é aplicável aos processos a correr termos por factos cometidos antes do início da respetiva vigência”, cuja interpretação tem inteira aplicação, também, à prescrição do procedimento criminal, conforme referido no texto desse acórdão no seu ponto 31.
Baseado na razão de ser desta causa de suspensão, derivada, única e exclusivamente, da situação imprevisível de emergência sanitária que originou o estancamento da atividade judiciária, por um determinado período, o Tribunal Constitucional entendeu que a intenção do legislador foi “a aplicação desta causa de suspensão da prescrição a processos em curso, aquando da sua entrada em vigor, isto é, a factos cometidos antes dessa data, por serem esses mesmos procedimentos que sofreram uma “torção” na sua tramitação com a sustação da respetiva tramitação (ac TC nº660/2021).
Mais concluiu o TC que “a aplicação imediata desta causa de suspensão a processos em curso não colide com as garantias asseguradas pelo princípio da proibição da aplicação retroativa da lei penal, quando, como é o caso, no momento da sua entrada em vigor, o prazo de prescrição já se tinha iniciado e, apesar de se encontrar em curso, não se havia ainda extinto” (ac TC nº660/2021), juízo de não inconstitucionalidade cujos argumentos são replicáveis para os procedimentos de natureza contraordenacional ” (ac TC 500/2021 e ac TC nº660/2021).
Ora, salvo melhor opinião, a jurisprudência que vemos defendida pelos acórdãos do TC nº500/2021, TC nº660/2021 e TC nº n.º 798/2021 afronta claramente a proteção do princípio da proibição da aplicação retroativa da lei criminal in pejus, ao considerar que está fora do âmbito de proteção daquele princípio a aplicação imediata de uma nova causa de suspensão a processos em curso quando no momento da sua entrada em vigor, o prazo de prescrição já se tenha iniciado, mas ainda não se mostre extinto.
De resto, o Plenário do TC nos Acórdãos n.ºs 231/2021, 232/2021 e 319/2021, proferidos em matéria contraordenacional, estando também em causa a introdução de novas causas, bem como a eliminação de outras, de suspensão do prazo de prescrição do procedimento que ainda não atingira o seu termo, considerou que «as normas sobre prescrição do procedimento, para além da indiscutível vertente processual, têm natureza substantiva [o que] determina, no domínio da aplicação da lei no tempo, a sujeição das respetivas normas ao princípio da aplicação retroativa do regime concretamente mais favorável ao agente da infração [significando] que não pode ser aplicada lei sobre prescrição que se revele, em concreto, mais gravosa do que a vigente à data da prática dos factos, bem como deve ser aplicado retroativamente o regime prescricional que eventualmente se mostre, em concreto, mais favorável» (ponto 5).
Independentemente das razões de emergência sanitária que estiveram na base da criação de uma nova causa de suspensão, aquele entendimento afronta a jurisprudência consolidada, inclusivamente do Tribunal Constitucional, segundo a qual as normas relativas à prescrição, seus prazos e causas de suspensão ou interrupção do procedimento criminal se inserem nas designadas “normas processuais materiais” e, por isso, também elas vinculadas ao princípio da legalidade (por comportarem elementos relativos à punibilidade do agente), impondo o art.19º, nº6, da C.R.P. limites claros à suspensão do exercício de direitos, especialmente à retroatividade da lei criminal, ainda que em estado de emergência.
A aplicação da causa de suspensão da contagem do prazo de prescrição por força da situação de emergência sanitária a processos em curso colide com o princípio da legalidade criminal - na vertente da proibição de aplicação retroativa da lei nova desfavorável ao arguido, princípio consagrado do artigo 29.º, n.º 4, da Constituição.
Contudo, diferente desta, outra causa suspensiva se verifica, relacionada com a paralisação legal da generalidade dos atos e prazos processuais e procedimentais, no domínio criminal e contraordenacional, primeiramente, por força dos nºs 1 e 6, do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, entre 9 de março de 2020 e 3 de junho de 2020, ou seja, 86 dias, e posteriormente, por força do artigo 6º-B, nº1, e artigo 6º-C, nº1, al.b), da Lei nº 4-B/2021, de 01/02, que determinou nova suspensão no período temporal de 22/01/2021 a 05/04/2021, num total de 73 dias.
Durante estes dois períodos o procedimento contraordenacional não podia continuar por falta de autorização legal, ante a paralisação imposta por lei para os atos e prazos a decorrer na administração, no Ministério Público e nos tribunais.
O prazo de prescrição suspendeu-se durante o período em que não foi autorizado legalmente o andamento do processo, ou seja, levantado legalmente o obstáculo legal da suspensão dos atos e prazos no procedimento criminal.
A razão de ser desta suspensão baseia-se, como foi o caso, na existência de um obstáculo previsto na lei, de carácter geral, ao inicio ou continuação do procedimento contraordenacional, “o qual suspende o respetivo prazo de prescrição do procedimento mal o obstáculo legal produza os seus efeitos” .
Ora, aplicando ao caso o regime da suspensão previsto no art.120º, nº1, al.a), do C. Penal, já que o procedimentos criminal não podia legalmente continuar por falta de autorização legal, essa suspensão limitou-se ao período de 159 dias (86 + 73 dias), sendo aquela uma causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal expressamente contemplada na lei ao tempo dos factos e, por isso, a coberto do princípio da legalidade e não retroatividade da lei penal e contraordenacional.
Como sobredito o prazo máximo de prescrição, se causa suspensiva não ocorresse, terminaria em 15 de fevereiro de 2022.
Contudo, ressalvados aqueles 159 (86 + 73) dias de suspensão - COVID, esse prazo prorrogou-se até 24ý de ýjulhoý de ý2022, sendo que antes não ocorreu qualquer causa de interrupção ou suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal em relação aos factos de que foi vítima AA.
Com efeito, o denunciado apenas foi constituído arguido em 17.07.2023, conforme termo e auto de fls.48-50, e ainda assim por factos diferentes daqueles de que foi vítima AA.
Ora, nesta data, ressalvado o tempo de suspensão da prescrição COVID (159 dias), encontrava-se prescrito o procedimento criminal em relação aos factos de que foi vítima AA.
--
Preenchimento tipo de crime de ameaça (factos 40, 75, 76), p. p. artigo 153º, nº 1, do C.P.
O arguido foi condenado pela prática de um crime de ameaça, p. e p. pelo art. 153º, nº1 do Código Penal (improcedendo a agravação a que alude o art.º 155º, nº 1, al. a), do Código Penal), na pena de 6 (seis) meses de prisão.
Nos termos do art.153º, nº1, do Código Penal:
“1 - Quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias”.
Argumenta o arguido recorrente que do elenco dos factos provados, designadamente os factos 40, 75, 76, não resulta o preenchimento do tipo-de-ilícito de ameaça, previsto e punido pelo artigo 153º, nº 1, do C.P.
Concretamente, defende que a verificação do tipo objetivo depende do seguinte:
a) a ocorrência do anúncio do mal tem de estar na primeira pessoa do singular e em discurso direto; e
b) dirigido para o futuro.
Ora, no entender do arguido, em face dos factos provados, as expressões em causa não consubstanciam nenhum mal futuro e em nenhuma das sobreditas expressões o agente anuncia (para o futuro) a prática de qualquer crime contra a «vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor».
Provado ficou que:
40. Em relação a DD destacam-se as seguintes mensagens:
- mensagem enviada 02.04.2023, pelas 14h36m, com o seguinte teor: “Sei onde Moras, as tuas filhas e ex Mulher (…)”, no mesmo dia pelas 15h18 e 15h23 com o seguinte teor: “Tens as pernas no sitio. E a tua ex sei quem é um amor de Mulher muito sofrida, mas chupa E Fode bem. Vez como é a vida. Até o nome das tuas filhas sei. Fica com ela e com a tua ex”;
“Já sei a tua morada, eu trato do assunto. Fica bem”.
75. Ao ler mensagens que lhe foram dirigidas pelo arguido, num contexto de grande conflitualidade, o ofendido DD ficou receoso, temendo que aquele viesse, num futuro próximo, a atentar contra a sua integridade física, bem como das suas filhas, com 12 e 15 anos de idade.
76. Sabia o arguido que tais afirmações eram idóneas a causar no ofendido, como efectivamente causou, receio pela sua integridade física, bem como das filhas menores daquele.
80. O arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal
--
Por apelo à matéria de facto julgada provada, entendeu o tribunal a quo que se mostrava preenchido o tipo legal de crime de ameaça.
Desde já se adianta que a alteração factual supra decidida não acarreta qualquer modificação quanto ao enquadramento jurídico penal dos factos aqui dados como assentes.
O bem jurídico protegido pelo art. 153.º do C.P. é a liberdade de decisão e de acção, já que a ameaça, ao provocar um sentimento de insegurança, intranquilidade ou medo na pessoa do ameaçado, afecta, naturalmente, a paz individual que é condição de uma verdadeira liberdade.
Há, efectivamente, uma conexão íntima entre a paz individual e a liberdade de decisão e de acção – cfr., neste sentido, Taipa de Carvalho “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Tomo I, p. 342.
No que tange aos elementos constitutivos do tipo de ilícito, dir-se-á que são três as características essenciais do conceito de ameaça: anúncio de um mal que configure a prática de um ilícito típico, que seja futuro (não iminente), cuja ocorrência dependa da vontade do agente, entendendo-se esta dependência segundo um critério objectivo-individual, na perspectiva do homem comum, isto é, da pessoa adulta e normal, sem prejuízo das características individuais do ameaçado.
O critério da adequação da ameaça a provocar medo ou inquietação ou a prejudicar a liberdade de determinação é objectivo-individual, de tal forma que dever-se-á ter em conta as características de personalidade do agente e as circunstâncias em que a mesma é proferida no sentido de averiguar se, face às mesmas, é susceptível de intimidar ou intranquilizar qualquer pessoa (critério do “homem comum”), bem como, concomitantemente, as características psíquico-mentais da pessoa ameaçada, exigindo-se, ainda, que, em concreto, seja adequado a produzir tais efeitos (crime de perigo concreto).
Com efeito, “ameaça adequada é a ameaça que, de acordo com a experiência comum, é susceptível de ser tomada a sério pelo ameaçado (tendo em conta as características do ameaçado e conhecidas do agente, independentemente de o destinatário da ameaça ficar, ou não intimidado)” - cfr. Taipa de Carvalho, ob. cit., p. 344.
O crime de ameaça configura-se, enquanto crime de mera ação ou de perigo, sempre que a ameaça com a prática de algum dos crimes referenciados na previsão da norma seja suscetível, segundo a experiência comum, de ser tomada a sério pelo destinatário da mesma, atendendo aos termos da atuação do agente e às circunstâncias do visado, conhecidas daquele, independentemente de o destinatário da ameaça ficar ou não com medo ou inquietação ou prejudicado na sua liberdade de determinação.
Necessário é, no entanto, que a ação reúna certas características, por forma a que seja adequada, do ponto de vista do agente e objetivamente, tendo em conta a generalidade das pessoas, a provocar medo. E a adequação da ameaça em vista a determinar ou provocar na pessoa do ameaçado um sentimento de insegurança, intranquilidade ou temor há-de aferir-se em função de um critério objectivo individual.
O medo é o temor ou receio de que o mal anunciado ou prometido venha efectivamente a acontecer, e a inquietação é a intranquilidade, desassossego que a ameaça provoca no destinatário.
Por outro lado, há prejuízo na liberdade de determinação quando o ameaçado fica constrangido pela ameaça e, em vez de agir de acordo com a sua livre vontade, actua por forma a não desagradar o ameaçador, ainda que isso lhe custe.
No que concerne ao tipo subjectivo de ilícito, trata-se de um crime essencialmente doloso, sendo absolutamente irrelevante que o agente tenha, ou não, a intenção de concretizar a ameaça. E “não é necessário que a acção do agente vise, especificamente, humilhar ou constranger o coagido (dolo específico), bastando que o agente, sejam quais foram as suas motivações, tenha consciência de que a violência que exerce ou a ameaça que faz é susceptível de constranger e com tal se conforme” – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22/10/2008, P.º 282/07. 7GAALB.C1 (www.dgsi.pt).
Ora, vista a comprovada conduta do arguido é mister concluir que a mesma preenche inteiramente o tipo de crime em causa, na sua forma simples.
A factualidade apurada em sede de audiência de discussão e julgamento permite concluir que o arguido, através de mensagens escritas, dirigiu direta e pessoalmente ao assistente mensagens escritas adequadas a causar nele a ameaça de um mal futuro.
Nessa medida, bem andou o tribunal a quo ao condenar o arguido pela prática do crime de ameaça pelo qual foi condenado, assim improcedendo o recurso.
Ao agir da forma descrita, o arguido, como provado, concretizou uma promessa séria de um mal futuro, cujo cometimento anunciado dependia naturalmente da vontade do arguido.
Ao decidir como decidiu, o tribunal a quo interpretou corretamente o artigo 153.º, n.º 1 do Código Penal, com a consequente subsunção da factualidade ao tipo legal de crime ali previsto, em relação ao qual consta a fls.239 verso a queixa apresentada pelo assistente em 2.08.2023.
--
Preenchimento do tipo de homicídio na forma tentada
O arguido foi condenado pela prática de um crime de homicídio, na forma tentada, p. e p. pelo art. 131º, 22º, nº1 e 2 al. b), 23º, nº1, e 14º, nº1, do Código Penal.
Nesta parte, o recorrente arguido veio impugnar a decisão sobre a matéria de direito no tocante à subsunção da sua conduta no tipo de homicídio, na forma tentada.
Concretamente, entende o arguido recorrente que, no pressuposto da alteração da matéria de facto conforme impugnado, ou seja, arredada dos factos provados a intenção de matar, a sua conduta integra o tipo de crime de ofensa à integridade física grave, p. e p. pelo artigo 144º, alínea d), do C.P.
Contudo, prejudicada a alegação recursiva, atento o resultado obtido no âmbito da impugnação da matéria de facto, demonstrado ficou o dolo direto de homicídio em relação ao assistente (factos descritos em 77 a 79).
Nenhuma censura merece, assim, a decisão recorrida, sendo manifesto que o comportamento do recorrente integra o tipo objetivo e subjetivo do crime de homicídio simples, na forma tentada, pelo qual foi condenado.
Donde, improcede nesta parte a pretensão recursiva.
--
Da escolha da espécie da pena quanto ao crime de ameaça
Entende o arguido que sendo o crime de ameaça, na forma simples, punível com pena de multa ou prisão, deveria o tribunal a quo ter optado pela primeira, conforme dispõe o art.70º, do Código Penal.
Tudo baseado no caso concreto na ausência de antecedentes criminais pelo mesmo tipo de crime, a não verificação de particulares exigências de prevenção geral, tratar-se de um episódio isolado da vida do Recorrente num contexto de abuso de consumo de álcool que atualmente se encontra em tratamento.
Também em relação ao convolado crime de ofensa à integridade física simples se coloca a questão da opção pela pena alternativa de multa – art.143º, nº1, do Código Penal.
O tribunal a quo fundamentou o afastamento da pena de multa com base no seguinte:
“No caso vertente, as necessidades de prevenção geral são elevadas, atenta a frequência com que crimes do jaez do praticado pelo arguido são cometidos no nosso ordenamento jurídico, sendo causadores de grande insegurança no seio da comunidade, perturbando a paz individual e comunitária, por desrespeito à liberdade de decisão e de ação dos cidadãos.
Em sede de prevenção especial, há que equacionar o enquadramento da actuação do arguido, o sucessivo cometimento de outros crimes, de natureza violenta revelador da sua propensão para comportamentos agressivos.
Tudo sopesado, mostra-se premente a aplicação ao arguido de uma pena privativa da liberdade, por se entender que as sobreditas exigências de prevenção geral e especial não poderão ser alcançadas com a aplicação de uma pena de multa, dado que esse caminho foi já trilhado, sem sucesso.
De facto, cremos ser fundamental demonstrar ao arguido a intolerabilidade dos seus comportamentos, por forma a afastá-lo da prática de novos crimes, sendo igualmente necessário transmitir à sociedade que este tipo de atuação não é tolerada pelo ordenamento jurídico”.
Cumpre apreciar.
Dispõe o artigo 70º C Penal que o tribunal deverá dar preferência à pena não privativa da liberdade sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, que, nos termos do artigo 40º/1, do Código Penal, são, por um lado, a proteção de bens jurídicos e, por outro, a reintegração do agente na sociedade.
Quando existem penas alternativas ou de substituição, a escolha pela pena de prisão ou pela pena de multa é algo que não tem diretamente a ver com o grau de culpa, mas com as finalidades da punição.
A escolha entre a pena de prisão e a alternativa ou de substituição depende unicamente de considerações de prevenção geral e especial.
Como refere o Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As consequências jurídica do crime, 227, “a culpa, cuja função em todo o processo de determinação da pena, consiste em estabelecer o limite inultrapassável do quantum da pena, artigo 40º/2, nada tem a ver com a questão da escolha da espécie da pena, exercício, este, que antecede, aquele.
A função da culpa exerce-se no momento da determinação quer da medida da pena de prisão – necessária como pressuposto da substituição – quer da pena alternativa ou de substituição: ela é eminentemente estranha, às razões históricas e político-criminais que justificam as penas alternativas e de substituição, não tendo sido em nome de considerações de culpa, ou por força delas, que tais penas se constituíram e existem no ordenamento jurídico.
Afastada a relevância da culpa no problema da escolha da pena, importa, então determinar como se comportam, neste âmbito, as exigências de prevenção geral e de prevenção especial.
As considerações de prevenção geral surgem, unicamente sob a forma de conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico, como limite à atuação das exigências de prevenção especial de socialização.
O que quer dizer que, desde que impostas ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias”, cfr. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, 331/3.
São, assim, finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral e não finalidades de compensação da culpa, que justificam, que impõem a preferência por uma pena alternativa.
Retomando o caso concreto, é indubitável a elevada frequência do cometimento do crime de ameaça e ofensa à integridade física simples, especialmente associado direta ou indiretamente a contextos de violência doméstica, como foi o caso.
O arguido tem outros antecedentes criminais, ainda que de natureza diferente.
Não sendo delinquente primário, está bom de ver que nenhuma capacidade persuasiva teve sobre ele a pena de multa que lhe foi aplicada em condenação anterior.
Independentemente dessas condenações anteriores, as duas por crime de condução sob influência do álcool, certo é que os factos espelham uma personalidade especialmente violenta com vítimas indiferenciadas.
Ante estes fatores de risco de reincidência, a opção pela pena de multa não satisfaz claramente as finalidades da punição.
São aqui notórias e prementes, as necessidades de prevenção geral, dada a assustadora e inusitada frequência, com que o tipo de crimes em causa é cometido, sendo necessário assegurar a tutela das expectativas comunitárias na validade das normas jurídicas violadas.
No caso concreto, uma sanção de natureza não detentiva, além de não assegurar de forma eficaz a proteção dos bens jurídicos tutelados, que importa defender e acautelar, em termos de prevenção geral, não satisfaz as finalidades de prevenção especial quando a reiteração criminosa do arguido deixa antever um risco assinalável de novos ilícitos.
Neste contexto, frustradas que se mostram as finalidades da punição anterior, as exigências de prevenção especial e geral opõem-se agora à opção pela pena de multa em relação aos crimes de ameaça e ofensa à integridade física simples, dos quais foram vítima o assistente e o filho menor BB respetivamente.
Por conseguinte, improcede o recurso nesta parte.
--
Da medida concreta das penas parcelares
O arguido veio impugnar a determinação da medida concreta das penas parcelares, com base nas circunstâncias atenuantes de que se encontra social e profissionalmente inserido, não tem antecedentes criminais pelo mesmo tipo de crimes, não verificação de particulares exigências de prevenção geral, tratar-se de episódios isolados da vida do Recorrente num contexto de abuso de consumo de álcool que atualmente se encontra em tratamento.
Resta assim sindicar a medida das penas parcelares aplicadas pela prática em autoria material e em concurso efetivo, nos termos do art. 26º e 30º, nº1 do Código Penal:
a) pela prática um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º, nº1, al. a), nº 2 al. a), nº 5 e 6 e 14º, nº1, do Código Penal:
3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão (vítima a ofendida EE);
sendo a moldura abstrata da pena de 2 anos a 5 anos de prisão.
-
b) pela prática de um crime de ameaça, p. e p. pelo art. 153º, nº1 do Código Penal (improcedendo a agravação a que alude o art.º 155º, nº 1, al. a), do Código Penal), na pena de 6 (seis) meses de prisão,
sendo a moldura abstrata da pena de 1 mês a 1 ano de prisão.
c) pela prática de um crime de homicídio, na forma tentada, p. e p. pelo art. 131º, 22º, nº1 e 2 al. b), 23º, nº1, e 14º, nº1, do Código Penal, na pena de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão,
sendo a moldura abstrata da pena de 1 ano, 7 meses e 6 dias (mínimo) até 10 anos e 8 meses (máximo).
O tribunal a quo fundamentou o quantum das penas parcelares no seguinte:
“Tendo presente o que acabou de se expor,
pesa em desfavor do arguido:
- a sua vontade criminosa que é intensa, uma vez que atuou com dolo direto, tendo representado os factos que preenchem o tipo de crime ora em causa e agido com intenção.
In casu, depõem ainda contra o arguido, agravando a sua responsabilidade pelos factos por si praticados, a elevada ilicitude do seu comportamento, que nada pode justificar, a significativa intensidade do respectivo dolo, que sempre foi directo, e o também elevado grau de culpa que das suas condutas promanam, ao ter ele explorado, na execução do seu comportamento delitivo, o seu ascendente relativamente à queixosa e ao seu filho e enteada, durante um período temporal prolongado, a um tratamento susceptível de os destruir física e, sobretudo, psicologicamente, e mantendo-os num estado de permanente e arbitrária sujeição aos seus caprichos e ímpetos violentos, causando-lhes medo e sujeitando todo o seu agregado familiar ao vexame e humilhação.
São também elevadas as exigências de prevenção (geral) manifestadas no caso sub-judice, atendendo não só à necessidade de combater a proliferação das situações de violência doméstica – de que a sociedade tem uma cada vez maior consciência e para as quais exige, por parte da ordem jurídica, uma resposta decidida e que não deixe quaisquer dúvidas quanto à intolerabilidade de comportamentos como aquele que aqui está em causa –, mas, igualmente, de evitar que o arguido, no futuro, adopte comportamentos similares àqueles por que aqui responde.
É certo que com a separação e divórcio as necessidades de prevenção poderiam estar já consideravelmente diluídas, contudo atente-se no que sucedeu e na sua actuação sobre a pessoa do actual companheiro da sua ex-mulher que tentou matar.
Contudo, a favor do arguido,
diminuindo as necessidades de prevenção especial, depõem as circunstâncias deste estar mínima e basicamente integrado socialmente (não obstante a ruptura familiar)- tudo conforme com uma profissão e remuneração estável.
Atentas as considerações expendidas, ao arguido aplicar-se-á aqui, pois, uma pena privativa da liberdade que permita realizar devidamente, no caso vertente, as finalidades visadas com a punição penal, tal como elas estão legalmente definidas nos artigos 40.º, n.º 1, e 70.º, ambos do Código Penal: acautelar a prática, pelo arguido, no futuro, de outros actos ilícitos como os que aqui se encontram sob escrutínio e, sobretudo, assegurar a sua necessária reintegração na sociedade
Tudo ponderado e sem esquecer que os ‘maus tratos’ infligidos pelo arguido à sua mulher, filho e enteada perduraram durante o casamento vários anos – sobretudo quanto à sua mulher - afigura-se-nos adequado fixar as penas de prisão parcelares a aplicar ao arguido quanto aos crimes de violência doméstica no seguintes termos:
- 3 anos e 6 meses de prisão (quanto à ofendida EE)
- 2 anos e 4 meses indistintamente e em relação a cada um ofendidos BB e AA, por não haver circunstâncias que possam distinguir cada uma das condutas delituosas, considerando os pormenores e violência, física e psicológica de cada um dos episódios apurados em relação a cada uma das vítimas.
Sobre o crime de ameaça, atentando na natureza das mesmas e de gravidade que não ultrapassa a mediania, ainda assim suficientemente perturbadoras e constrangedoras, devendo o Colectivo deixar para o exterior e para o arguido um sinal claro de censura da ‘agressividade’ patente e latente facilitada pelos meios de comunicação hoje em dia ao nosso dispor, reputamos por justa adequada e proporcional a imposição de uma pena de 6 meses de prisão
Em relação ao crime de homicídio na forma tentada
É intensa a ilicitude dos factos praticados considerando o modo de execução do crime, sendo elevadas as necessidades de prevenção geral.
Sendo a pena a fixar situada dentro de uma moldura de 8 a 16 anos de prisão, considerando que o crime de homicídio foi cometido na forma tentada, impõe-se proceder em conformidade com o regime estatuído nos artigos 23º, n.º 2, 72º, n.º 1 e 73º, todos do CP – à atenuação especial da pena: reduzir de um terço o limite máximo da pena de prisão e a um quinto o limite mínimo (vide als. a) e b) do n.º 1 do artigo 73º). Desta feita, é a seguinte a moldura penal abstractamente aplicável: 1 (um) ano e 6 (seis) meses a 10 (dez) anos e 9 (nove) meses de prisão Aqui ocorre lapso de calculo já que a moldura abstrata é de 1 ano, 7 meses e 6 dias (mínimo) até 10 anos e 8 meses (máximo)..
A nível da apreciação global dos factos importa salientar que ocorreram num passado ainda muito recente – em julho do ano passado.
Hoje em dia tem vindo a assistir-se, de modo preocupante, a um recrudescimento de fenómenos de enorme violência na nossa sociedade, e não só em particular nesta comarca, tanto mais com motivações reportadas a meras discussões e mal entendidos cuja ‘solução’ ou desfecho acaba por redundar em confrontos físicos e no recurso à violência.
Deve o Tribunal deixar uma censura firme e consistente a este tipo de comportamentos, com rigor punitivo para que a generalidade das pessoas e a comunidade em geral perceba que se deve abster de praticar este tipo de condutas, assim se repondo o valor contido na/s norma/s violada/s.
Em concreto e em função da conduta do arguido tal como apurada revelou uma actuação em manifestação de uma voluntariedade intensa porquanto em dolo directo. A sua actuação foi, pois, bastante censurável, considerando que o arguido desferiu no corpo do ofendido vários golpes, considerando que no mesmo deixaram pelo menos as cicatrizes tal como acima medicamente descritas e registadas nos factos tidos por provados. O que significa que o arguido não refreou ao longo da contenda física os seus intentos em função da força e insistência em deferir golpes com o objecto que tinha consigo – do primeiro ao último golpe.
A reacção do arguido foi desproporcionada em clara violação dos deveres que lhe eram impostos na ocasião.
A evidência da gravidade das lesões traduz a gravidade das consequências da sua conduta delituosa num patamar algo acima da mediania – relembramos as zonas do corpo atingidas; a dimensão dos golpes, as lesões/sequelas causadas por força dos mesmos.
Conjugadas as relevantes necessidades de prevenção geral e especial apontam no entender deste Colectivo para a fixação de uma pena concreta de 7 anos e 6 meses de prisão”.
-
Tudo visto, importa ainda determinar a medida concreta da pena aplicar pelo crime de ofensa à integridade física simples, punível com pena de prisão até três anos – art.143º, nº1, do Código Penal.
Na determinação da medida da pena a aplicar, de acordo com o disposto no artigo 71º do Código Penal, ter-se-á presente que «as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade.
Assim, a medida da pena há-de ser dada pela medida da tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto, que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada» (cfr. Figueiredo Dias, in «Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime», Aequitas, p.227) – cfr. artº 40º, nºs 1 e 2, do Código Penal.
Assim, para a determinação concreta da pena, balizada pela moldura penal abstrata, importa apreciar três fatores: a culpa manifestada pelo arguido na prática do(s) crime(s) em causa, como limite máximo da pena concreta; as necessidades de prevenção geral, como limite mínimo necessário para tutelar o ordenamento jurídico, de modo a repor a confiança no efeito tutelar das normas violadas em relação aos valores e bens jurídicos que lhe subjazem; e as necessidades de prevenção especial manifestadas pelo arguido, que vão determinar, dentro daqueles limites, qual o quantum da pena necessário para o reintegrar socialmente, se for caso disso, e/ou ter sobre ele um efeito preventivo no cometimento de novos crimes.
Nessa conformidade, nos termos do nº 2, do artº 71º, do Código Penal, há que atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime (na medida em que já foram valoradas pelo legislador ao fixar os limites abstratos da moldura legal), funcionem como atenuantes ou agravantes, circunstâncias essas que estão elencadas exemplificativamente no n.º 2 do referido preceito legal.
Consabidamente as necessidades de prevenção geral são, na atualidade, muito elevadas em relação ao crime de violência doméstica e outros praticados contra terceiros nesse contexto, como foi o caso, sendo fortes as preocupações que subsistem na sociedade em relação às vítimas deste tipo de crimes, havendo a medida concreta da pena de corresponder nessa medida às expectativas da comunidade de reforço de proteção dos interesses tutelados pela incriminação, sob pena de não satisfazer as necessidades (mínimas) de prevenção geral.
A experiência, apoiada em dados estatísticos, diz-nos que os casos de violência doméstica continuam a ter uma expressão muito significativa na sociedade e acarretam consequências devastadoras do equilíbrio da família e do harmonioso desenvolvimento dos filhos para além de conduzirem, numa percentagem elevada, a situações extremas de morte das vítimas de violência conjugal.
São, portanto, prementes as necessidades de prevenção geral positiva.
Milita a desfavor do arguido, o facto de ter atuado com dolo direto e intenso em relação a todos os crimes, sendo relativamente longo o período de tempo que perdurou a sua atuação quanto à vítima de violência doméstica EE.
Os crimes de homicídio tentado e ameaça de que foi vitima o assistente encontram-se estreitamente conexos entre si e com o crime de violência doméstica de que foi vítima EE.
O desvalor da ação mostra-se elevado em qualquer dos casos, sendo que o arguido elegeu um instrumento perigoso para matar o assistente, chegando a desferir-lhe quatro facadas com consequências danosas.
A mesma reiteração de ameaça contra a integridade física é espelhada nas mensagens enviadas ao assistente.
O desvalor de resultado em qualquer dos casos foi grave, sobretudo a extensão das lesões, o tratamento e o internamento que demandaram no assistente, lesões cuja consolidação ocorreu apenas em 26.09.2023.
No quadro da atuação do arguido, a motivação e os sentimentos revelados no seu comportamento, não sendo fúteis, são desprezíveis em termos de condicionar o agir de outro modo.
Em relação ao filho menor BB a agressão cometida não provocou lesões, pese embora a circunstância de ser filho e menor de idade, fator não integrado no tipo de crime considerado, deponham contra o arguido.
O arguido tem antecedentes criminais, embora por crimes de natureza diferente (duas condenações por crime de condução de veículo em estado de embriaguez).
O arguido beneficia de inserção social, profissional e familiar.
Não beneficia de arrependimento, nem consciência critica em relação aos factos que praticou.
Com efeito, não se vislumbra nos factos provados qualquer demonstração de um arrependimento sério e efetivo em relação aos crimes que cometeu, jamais tendo reparado o mal dos crimes. A relevância do arrependimento não se basta com a sua proclamação pelo arguido.
Como não beneficia do fator atenuante da confissão parcial que fez, atenta a força probatória com que se deparou em relação aos factos confessados.
A dependência aditiva do arguido em nada mitiga a censurabilidade do seu comportamento.
A culpa é ponderosa em relação a todos os crimes, na medida em que o Arguido possuía condições para ter atuado de forma distinta.
As necessidades de prevenção geral são atualmente muito prementes neste tipo de criminalidade especialmente violenta e conexa como é neste caso o crime de ameaça.
As necessidades de prevenção especial são consideráveis perante a personalidade especialmente violenta espelhada nos factos.
Sopesando todo o circunstancialismo e tendo presente o quanto se deixou dito quanto à medida da culpa e às razões de prevenção geral e especial, considerando a alteração de facto agora verificada,
temos por justa:
a) pela prática do crime de violência doméstica (vítima EE), p. e p. pelo art. 152º, nº1, al. a), nº 2 al. a), nº 5 e 6 e 14º, nº1, do Código Penal, a pena de 3 (três) anos de prisão;
b) pela prática de um crime de ameaça (vítima DD), p. e p. pelo art. 153º, nº1 do Código Penal, a pena de 6 (seis) meses de prisão;
c) pela prática de um crime de homicídio, na forma tentada (vítima DD), p. e p. pelo art. 131º, 22º, nº1 e 2 al. b), 23º, nº1, e 14º, nº1, do Código Penal, a pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão;
d) pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples (vítima filho Menor BB), p. e p. pelo art. 143º, nº1 do Código Penal, a pena de 5 (cinco) meses de prisão.
-
Pena única do cumulo jurídico (reformulação)
A sentida (re)formulação de algumas penas parcelares tem implicação na determinação da pena única emergente do cumulo jurídico, perante os fatores devidamente ponderados, no quadro da moldura correspondente ao concurso de crimes, nos termos do que dispõe o n.º 2 do artigo 77º do Código Penal.
A moldura penal abstrata correspondente ao concurso é:
- mínimo de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão; e
- máximo de 10 (dez) anos e 5 (cinco) meses de prisão.
Na determinação da pena única há que ponderar o conjunto de todos os factos, o grau de ilicitude dos mesmos, o grau de culpa, as exigências de prevenção especial, a personalidade do agente, as necessidades de prevenção geral, atenta a natureza e o número de crimes cometidos, nos termos do n.º 1 do artigo 77º do Código Penal.
Como ensina o Prof. Figueiredo Dias Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2005, §§ 420 e 421, págs. 290/292., a pena conjunta do concurso será encontrada em função das exigências gerais de culpa e de prevenção, fornecendo a lei, para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no artigo 71º, n.º 1, um critério especial: o do artigo 77º, nº 1, 2ª parte. “Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado; sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade - unitária - do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”.
Ponderados os critérios legais enunciados e as circunstâncias concretas para determinação da pena única aplicada ao arguido que o tribunal a quo considerou e se deixaram elencadas, tendo ademais em conta que alguns dos crimes que fundamentaram a condenação do arguido integram, atentos os bens jurídicos violados, o conceito de criminalidade violenta (art. 1º, al. j) do CPP), considerando que o arguido não é delinquente primário, não beneficia de comprovado arrependimento ou contrição, nem uma postura de autocritica, considerando ainda a natureza pessoal dos bens jurídicos violados, favorecendo a inserção social, familiar e profissional, mostra-se adequada a pena única de sete anos e dois meses de prisão.
Não se olvide, outrossim, que em relação à vítima de violência doméstica (EE) estão em causa atos que, pela sua repetição e duração no tempo, apontam para esse tipo de atuação como um padrão comportamental do arguido, cuja violência máxima se expressou nas quatro facadas desferidas no companheiro daquela muito depois do divórcio no dia ../../2019 e mesmo a separação de facto conjugal.
As considerações de prevenção especial têm a função de indicar a medida da pena, que se adeque às exigências de socialização do condenado, não apenas por contraposição aos efeitos perniciosos de uma pena excessivamente longa, mas também por contraposição a um mínimo necessário para que aquele interiorize a norma violada e a censura que lhe é dirigida por tal violação.
Conclui-se, igualmente, que é elevado o limiar mínimo das exigências de prevenção geral – o que o Tribunal a quo, e bem, teve em consideração.
Em face do decidido, ficou a concreta questão da suspensão da execução da pena de prisão esvaziada de qualquer conteúdo, já que a aplicada pena de prisão não é passível de ser substituída nos termos previstos no art. 50º do Código Penal, pelo que nesta parte carece de fundamento a pretensão recursiva.
--
Da responsabilidade civil
O arguido foi condenado no pedido de indemnização civil a favor do assistente DD e consequentemente a pagar-lhe as seguintes quantias:
a) €30.000,00 (trinta mil euros) a título de danos não patrimoniais
b) € 3.188,48 + € 65.671,20, perfazendo um total de €68.859,68 (sessenta e oito mil, oitocentos e cinquenta e nove euros e sessenta e oito cêntimos) a título de danos patrimoniais;
quantias a que acrescem os legais juros de mora contabilizados nos precisos termos peticionados.
Visto o pedido de indemnização civil verifica-se que o assistente demandante peticionou nesta parte a condenação do arguido requerido no pagamento de:
- de juros legais desde a notificação até efetivo e integral pagamento;
e cumulativamente
- numa sanção pecuniária compulsória ao abrigo do art.829º-A do CC, que deve computar-se em € 100,00 (cem euros) por dia, desde o trânsito em julgado da sentença até ao efetivo e integral pagamento.
Quanto aos €3.188, 48, a título de indemnização pela ITA sofrida pelo assistente, desde 17/7/24 até 26/9/24, impugna o recorrente o respetivo montante por considerar que:
- ao valor que deixou de auferir a título de remuneração, haverá que descontar o que o assistente recebeu da baixa médica;
- em relação ao mês de agosto de 2023, o assistente deixou de auferir o total liquido de €585,74 (quinhentos e oitenta e cinco euros e setenta e quatro cêntimos); e
- apenas o liquido da remuneração deve ser considerado no arbitramento da indemnização correspondente.
-
Ora, quanto ao primeiro fundamento da impugnação, não estando alegado e comprovado que o assistente efetivamente recebeu qualquer prestação social designadamente subsidio de doença, nada haverá que descontar, independentemente dos direitos sociais que lhe assistam.
No mais, assiste razão ao recorrente quanto à atribuição e só do valor liquido da remuneração que o assistente deixou de auferir durante a ITA.
Nesta parte, alterada/aditada que foi a matéria de facto provada, provado ficou que:
Am. Em consequência da conduta do arguido, o assistente deixou de auferir, durante a ITA de 17.07.2023 até 26.09.2023, o valor liquido:
- de 499,97€ no mês de julho de 2023;
- não inferior a 1.137,45€ o mês de agosto de 2023;
- de 933,46€ no mês de setembro de 2023.
Assim, o total da indemnização a arbitrar ao assistente, a título de compensação pela ITA, é de €2.570,88, à qual acrescem juros de mora legais desde a notificação, prevista no art.78º, do Código Processo Penal, até efetivo e integral pagamento.
-
Prossegue o arguido recorrente impugnando o arbitramento da indemnização civil a título de compensação por incapacidade permanente decorrente das sequelas do evento.
Argumenta que, em relação aos €65.671,20 em que foi o Recorrente condenado a título de danos futuros, não há aqui qualquer dano patrimonial a ser indemnizado, posto que não se verifica qualquer incapacidade permanente e menos ainda qualquer nexo de causalidade entre o facto (4 feridas cortocontusas de 2 cm) e o dano (perda futura de salários).
Também nesta parte assistente razão ao arguido recorrente.
Na verdade, independentemente de qualquer diferença salarial após o evento, o que releva para a atribuição da indemnização a título de perda da capacidade de ganho é o deficit funcional / incapacidade (parcial) permanente que o assistente comprovadamente sofreu.
Ora, em parte alguma da matéria de facto provada se colhe que o assistente sofreu essa incapacidade permanente, ainda que parcial, pressuposto da compensação pela alegada perda da capacidade de ganho.
Tanto basta para julgar procedente o recurso nesta parte, com a absolvição do arguido quanto ao pedido de indemnização civil correspondente.
-
O arguido recorrente impugnou também o arbitramento da indemnização civil correspondente aos danos morais, no montante total de €30.000,00 (trinta mil euros).
Nessa parte o arguido pugnou pela alteração da matéria de facto atinente a esses danos, a qual procedeu em parte, conforme reformulação a que se procedeu.
Cumpre assim indagar se os danos morais que restam comprovados merecem a tutela do direito e, na afirmativa, aferir do montante equitativamente adequado.
Contudo, importa antes de mais sublinhar que na economia do pedido de indemnização civil deduzido pelo assistente / demandante cível, os danos morais reclamados se reportam exclusivamente aos decorrentes do episódio do dia 16 de julho de 2023 (art.s 33º e ss) e não também das ameaças anteriores via SMS.
Ora, nesta parte ficou provado o seguinte:
44. No dia 14 de Julho de 2023 o arguido foi a casa de EE, buscar o filho para passar o fim-de-semana com ele, regressando no dia 16 de Julho de 2023, pelas 22h30m.
45. Quando chegou, o arguido tocou à campainha da residência de EE, acompanhado do seu filho.
50. Alertado pelo toque insistente, DD, que se encontrava no interior da habitação, questionou EE relativamente ao sucedido, sendo que aquela acabou por referir que era o arguido e que aquele tinha dito, “Se não vens tu cá abaixo, diz ao filho da puta do morcão do teu namorado para vir ele”.
51. DD ligou para o telemóvel do arguido dizendo-lhe que estava na altura de por termo àquele comportamento, ao que o arguido respondeu, em tom exaltado: “Eu já saí daí, mas vem cá fora que já falamos os dois”.
52. No momento em que o ofendido DD chegava à entrada do prédio, exaurido com o comportamento do arguido com a ofendida EE, o arguido, conduzindo o seu veículo da marca ..., de cor branca, passou a entrada do prédio, inverteu o sentido de marcha e estacionou no lugar existente defronte da farmácia, no lado oposto da via.
53. (eliminado).
54. DD, saiu, exaltado, e foi de encontro do arguido que se encontrava junto da sua viatura, estacionada parcialmente em cima do passeio do outro lado da Rua.
55. DD, atravessou a rua e foi ao encontro do arguido que estava a sair do interior da viatura enquanto lhe berrava, chamando-lhe repetidamente “filho da puta”.
56. De seguida, o arguido saiu do interior da viatura, deixando a porta do condutor aberta, tendo de imediato lhe desferido pontapés ao que DD reagiu, agarrando-se àquele tombando ambos para o interior da viatura, desferindo-lhe socos, iniciando-se uma altercação física entre ambos.
57. A dada altura saíram ambos do interior do carro, mas mantiveram-se as agressões, sendo que, em momento que não foi possível precisar, o arguido já havia atingido o DD com uma faca, no dorso, na zona lateral que de imediato começou a sangrar.
58. Ato seguido e ainda envolvidos fisicamente, já no exterior da viatura, o arguido desferiu com a mesma faca mais 3 outros golpes que atingiriam o DD no tórax e no braço.
59. Seguidamente, DD começou a correr, em direção aos acessos da praia e o arguido, sempre a empunhar a faca, foi atrás dele, por apenas alguns metros, pois começaram a juntar-se várias pessoas no local, o que o inibiu de continuar no encalce da vítima que se encontrava em fuga.
60. O arguido regressou à sua viatura e colocou-se em fuga.
61. Como consequência directa e necessária da conduta perpetrada, DD sofreu no tórax, na vertente lateral do hemitórax esquerdo, ao nível da linha axilar anterior e 5º espaço intercostal, apresenta uma cicatriz, ligeiramente ruborizada e espessada, com 3 cm por 1 cm de dimensões máximas. Na vertente lateral do hemitórax esquerdo, ao nível da linha axilar posterior ao nível do 6º espaço intercostal, apresenta cicatriz irregular com 6cm por 2 cm de dimensões máximas. Ao mesmo nível que esta cicatriz, em posição mais posterior, já na vertente póstero-lateral do hemitórax esquerdo apresenta uma cicatriz com 1, 5cm de comprimento. Duas cicatrizes irregulares na região esquerda, a maior com 1, cm por 1 cm de dimensões máximas. No membro superior esquerdo: ombro sem limitação de mobilidade ativa, passiva, contra-resistências, sem amiotrofias. Discreta dor na inserção da coifa dos rotadores nos extremos dos movimentos de abdução e flexão, Cicatriz na vertente posterior do braço, de forma triangular, com 1,5 cm por 1,5 cm de dimensões máximas.
62. Da conduta perpetrada pelo arguido resultou, em concreto, perigo para a vida de DD (hemopneumotórax hipertensivo e com necessidade de transfusão de glóbulos rubros devido a hipovolémia pelo hemopneumotórax)), cuja situação clínica ficou consolidada a 26.09.2023 – tudo sem prejuízo das sequelas e lesões permanentes infra descritas de j. a al.
--
j. No dia 17 de julho de 2023, o demandante (assistente) foi internado e assistido clinicamente no Hospital 2... EPE.
k. A qual teve como propósito intervencionar trauma torácico penetrante de baixa cinética (arma branca) à esquerda:
- 4 feridas cortocontusas de 2 cm (duas na omoplata esquerda, uma na linha axilar posterior e outra na linha axilar média), com pneumotórax;
- pneumomediatino e hemorragia abundante no local com compromisso respiratório imediato;
- disfunção cardiocirculatória (taquicardia e lactatos);
-enfisema subcutâneo na região cervical, axilar e do ombro esquerdos;
-hematoma bem circunscrito e flutuante subjacente às duas feridas
l. Manteve-se internado e sob observação até ao dia 24 de Julho de 2023, na sobredita unidade, data em que lhe foi dada alta, com consequente recuperação.
m. No que concerne ao processo de reabilitação profunda ainda esteve limitado e condicionado até 26 de setembro de 2023 e após, ainda com sequelas, não conseguiu reatar logo a sua vida de forma normal.
n. A reabilitação consistiu em repouso absoluto, cuidados de penso, toma de medicação e vigia de sinais de alarme, nomeadamente referentes a febres e dificuldades respiratórias.
q. O demandante exercia e exerce as funções de vendedor/comercial de vinhos.
v. A qual afetou o seu ritmo de vida e hábitos porque implicou que ficasse dependente de terceiros até pelo menos 26 de setembro de 2023 e porque lhe provocou dor, angústia e sofrimento.
x. Durante o período supra relatado o ora demandante viu cerceada a sua liberdade de movimentos e a possibilidade de usufruir da sua habitual vida social e profissional.
y. O demandante apresentou necessidade de recorrer a inúmeros tratamentos de pensos e de infeções com pontos.
w. Tais tratamentos realizados numa zona sensível e delicada como a zona do tórax, causaram-lhe sofrimento e incómodo.
z. Em consequência sofreu inúmeras dores com o incidente ao nível das zonas corporais envolvidas, foi obrigado à ingestão forçosa de substâncias medicamentosas para as atenuar e forçado ao período de recobro no hospital e em casa, bem como à redução parcial da sua mobilidade.
(…)
af. As cicatrizes que apresenta no tórax resultantes das punhaladas desferidas pelo arguido e consequentes intervenções realizadas produzem um dano estético que o irá perseguir o resto da sua vida e que o relembrarão desse evento.
ag. O demandante sentiu-se profundamente envergonhado e injustiçado com o ataque de que foi alvo pelo arguido, ficando inclusivamente dominado por um sentimento de enorme terror, angústia e intranquilidade face ao receio de represálias do arguido, ainda que por meio de terceiros.
ah. O demandante (assistente) sempre foi uma pessoa estimada e respeitada no seu meio profissional dos vinhos, sendo-lhe reconhecida uma grande autoridade moral e profunda honestidade.
ai. Que viu colocada em causa em virtude dos acontecimentos ocorridos, os quais foram expostos na imprensa nacional por meio de diversos noticiários e jornais, com contornos pouco precisos e que permitiram especulações infundadas.
aj. Tal levou a que algumas pessoas suscitassem dúvidas sobre a sua idoneidade e sobre o tipo de pessoa que mantinha no seu círculo íntimo.
ak. Sendo objecto de comentários, no seu meio e abordagens mais indecorosas para si próprio e envolvendo os seus familiares.
al. Tudo isto fez com que o demandante ficasse deprimido, receoso e entristecido.
-
No que concerne aos danos não patrimoniais, de acordo com o estatuído no artigo 496º, nº 1, do Código Civil, apenas serão atendidos aqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, gravidade que deve ser apreciada objetivamente.
Para além disso tal gravidade deve medir-se por padrões objectivos - cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil anotado, volume I, 3.ª ed., pág. 473 - em face das circunstâncias de cada caso, tendo presente que eles emergem directa e principalmente da violação da personalidade humana, não integrando propriamente o património do lesado, antes incidindo em bens como a vida, a saúde, a liberdade, a honra, o bom nome e a beleza, abrangendo vários danos como os derivados de receios, perturbações e inseguranças, causados pela ameaça em si mesma, e que o seu ressarcimento resulta directamente da lei, assumindo uma função essencialmente compensatória, embora sob a envolvência de uma certa vertente sancionatória.
Donde, a ressarcibilidade destes danos está dependente de um juízo de valoração objectivo, tendente a afirmar a sua gravidade, nos termos do citado dispositivo legal.
Dito de outra forma, a apreciação da gravidade do referido dano, embora tenha de assentar, como é natural, no circunstancialismo concreto envolvente, deve operar sob um critério objectivo, num quadro de exclusão, tanto quanto possível, da subjectividade inerente a alguma particular sensibilidade humana.
Os danos não patrimoniais reportam-se assim a valores de ordem espiritual, ideal ou moral, o que os torna insusceptíveis de avaliação pecuniária, visando, por isso, o seu ressarcimento uma compensação das dores físicas ou morais sofridas pelo lesado, bem como sancionar, em alguma medida, a conduta do lesante.
Como vem salientando a jurisprudência, a compensação por danos não patrimoniais, para constituir uma efectiva possibilidade compensatória, deve ser significativa e não meramente simbólica.
Revertendo ao caso concreto divisam-se danos que, presente o critério plasmado no art. 496.º, n.º 1 do Código Civil, se revestem de gravidade, e, em consequência, merecedores de tutela jurisdicional.
No caso vertente não se questionam os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos nem a obrigação de indemnização pelos danos não patrimoniais provocados e é indubitavelmente de reconhecer a sua gravidade e necessidade de tutela do direito.
A discordância reside agora na fixação do montante indemnizatório.
O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado segundo critérios de equidade, tendo em atenção o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso que o justifiquem. A indemnização não visa, então, propriamente ressarcir, tornar indemne o lesado, mas oferecer-lhe uma compensação que contrabalance o mal sofrido.
Para a fixação dos danos não patrimoniais a ressarcir neste caso há que considerar a factualidade provada, devendo ser tomados em consideração o contexto que despoletou a atuação do arguido, a própria atuação em si e as consequências da mesma, as lesões sofridas pelo demandante e a situação económica de ambos.
Em relação a estas últimas apurou-se:
CC constituiu a empresa “B... Unipessoal, Lda.”, a operar na área do turismo como agência de viagens, em data que não soube precisar, mas anterior a junho de 2023, na qual mantém até ao momento funções de sócio-gerente, sendo o único funcionário.
Presentemente, CC reporta auferir o salário mínimo nacional, valor ao qual acrescem prémios sazonais relativos às vendas efetuadas, em montantes que o mesmo não precisou. Avalia a sua situação financeira pessoal como precária, porquanto lhe exigirá uma gestão cuidada para colmatar as suas despesas fixas mensais, que neste momento se prendem com a renda do apartamento onde residia anteriormente à aplicação da medida de coação de Obrigação de Permanência na Habitação com Vigilância Eletrónica e que mantém, sito na ..., no valor de cerca de 650Euros, prestação do crédito para aquisição do veículo automóvel, cerca de 400Euros, pensão de alimentos do descendente, 150Euros, participação de 50% da mensalidade do colégio do descendente, no valor de cerca de 230Euros, contributo para as despesas no agregado da irmã, cerca de 150Euros.
O assistente exercia e exerce as funções de vendedor/comercial de vinhos, auferindo o salário médio não concretamente apurado, nunca inferior a 1.137,45€.
-
No presente caso releva a comprovada gravidade da ação do arguido, mas também a gravidade das lesões provocadas, com perigo concreto para a vida e défice funcional temporário prolongado com dor e angústia.
Concretamente sofreu período de doença até data da consolidação médico legal em 26 de setembro de 2023.
Em consequência de toda a relatada atuação do arguido, o demandante acabou por sofrer um episódio particularmente violento, com dores e lesões graves, que determinaram o socorro de imediato, internamento e tratamento hospitalar desde 17.07.2023 até 24.07.2023.
Em consequência das lesões o demandante sofreu cicatrizes, deixadas pela atuação do agressor e tratamentos que lhe demandaram, dano estético (cicatrizes), todavia, não quantificado.
O arguido e a vítima são de mediana condição social e económica.
Neste quadro da atuação do arguido e da vítima, atendendo às consequências da conduta daquele, ao contexto em causa e às condições socio-económicas do arguido e da vitima, considera-se ajustada para compensar a mesma dos danos não patrimoniais que sofreu em consequência da conduta do arguido a quantia, já atualizada, de €20.000 (vinte mil euros), ao que acrescem juros de mora legais, desde 8 de julho de 2024 (data do acórdão recorrido – AUJ (STJ) 4/2002, de 27 de junho) até efetivo e integral pagamento.
Conjugando estes factos, crê-se razoável, adequado e, dentro dos condicionalismos referidos, justo e equitativo, o montante indemnizatório referido por danos não patrimoniais, já atualizado por reporte à data do acórdão recorrido.
--
Termina o arguido recorrente impugnando o arbitramento da indemnização civil, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, com fundamento na culpa do lesado/assistente, já que contribuiu para a produção dos danos, devendo, por isso, ser excluída nos termos do art.570º, do Código Civil.
Contudo, discorda-se frontalmente do recorrente, pois não se reconhece na comprovada conduta do assistente que este tivesse praticado qualquer facto culposo que tivesse causalmente concorrido para a produção ou agravamento dos danos.
Assim, improcede nesta parte o recurso do arguido.
--

Da nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia
Vista a decisão recorrida, saltam à vista, duas omissões de pronúncia, que a ferem de nulidade do conhecimento oficioso (art.379º, nº1, al.c) e nº2):
1-a primeira relativa ao arbitramento oficioso e obrigatório da indemnização civil a favor:
a- da vítima especialmente vulnerável (filho menor BB), nos termos do art. 67º-A, nº1, al.b), do Código Processo Penal, conjugado com os artigos 82.º-A, n.º 1, do mesmo diploma e 16.º, n.º 2, do Estatuto da Vítima, aprovado pela Lei n.º130/2015, de 4 de setembro; e
b- da vítima de violência doméstica (ofendida EE) nos termos do
art.21º, nº2, da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro.
2- a segunda relativa à sanção pecuniária compulsória expressamente peticionada no pedido do demandante cível DD.
Ora, em relação à primeira, não sendo conhecida oposição expressa das vítimas em relação à sua atribuição, haverá antes de mais ser ordenada a baixa do processo ao tribunal recorrido para, após cumprimento do direito ao contraditório pelo arguido, se terminar o arbitramento da indemnização civil à vítima especialmente vulnerável (filho menor BB) e/ou à vítima de violência doméstica (ofendida EE).
Em relação à segunda, podendo e devendo o tribunal supri-la (art.379º, nº2, do Código Processo Penal), cumprido que foi o contraditório nos termos do art.78º, do Código Processo Penal, haverá que determinar a condenação do arguido na sanção pecuniária compulsória à taxa legal (art.829º-A, nº4, do Código Civil), desde o trânsito em julgado deste acórdão até integral e efetivo pagamento.
--

3. DECISÃO
Nesta conformidade, acordam os juízes desta Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto, em conceder provimento parcial ao recurso interposto pelo arguido e em consequência:
I) corrigir os factos provados e não provados da decisão recorrida, nos precisos termos constantes da reformulação supra que aqui se dá por inteiramente reproduzida;
II) condenar o arguido pela prática em autoria material e em concurso efetivo, nos termos do art.26º e 30º, nº1 do Código Penal:
a) de um crime de ofensa à integridade física simples (vítima filho menor BB), p. e p. pelo art. 143º, nº1 do Código Penal, na pena de 5 (cinco) meses de prisão;
b) de um crime de violência doméstica (vítima EE), p. e p. pelo art. 152º, nº1, al. a), nº 2 al. a), nº 5 e 6 e 14º, nº1, do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão;
c) de um crime de ameaça (vítima DD), p. e p. pelo art. 153º, nº1 do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão;
d) de um crime de homicídio, na forma tentada (vítima DD), p. e p. pelo art. 131º, 22º, nº1 e 2 al. b), 23º, nº1, e 14º, nº1, do Código Penal, na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão.
-
e) Em cúmulo jurídico das referidas penas parcelares condena-se o arguido na pena única de sete anos e dois meses de prisão efetiva.
--
III) julgar o pedido de indemnização civil formulado pelo assistente DD parcialmente procedente, por provado, e consequentemente condenar o arguido/demandado a pagar-lhe:
a) a quantia de €20.000,00 (vinte mil euros), a título de danos não patrimoniais, à qual acrescem juros de mora legais, desde 8 de julho de 2024, bem assim a sanção pecuniária compulsória à taxa legal (art.829º-A, nº4, do Código Civil) desde a data do trânsito em julgado desta condenação, tudo até efetivo e integral pagamento;
b) a quantia de €2.570,88, a título de compensação pela ITA, à qual acrescem juros de mora legais, desde a notificação prevista no art.78º, do Código Processo Penal, bem assim a sanção pecuniária compulsória à taxa legal (art.829º-A, nº4, do Código Civil), desde a data do trânsito em julgado desta condenação, tudo até efetivo e integral pagamento;
c) absolvendo-se o arguido do mais contra si peticionado pelo assistente demandante cível.
--
IV) declarar a nulidade do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia quanto ao arbitramento oficioso da indemnização civil a favor da ofendida EE e do filho menor BB.
--
Sem custas pelo arguido, por ter havido decaimento parcial do arguido/recorrente (art.513º, nº1, a contrario, do Código Processo Penal).
Custas cíveis a cargo do arguido/demandado e do demandante cível DD na proporção do decaimento (art.523º, do Código Processo Penal).
-
-

Notifique.





Porto, 18.12.2024

(Elaborado, revisto e assinado digitalmente– art. 94º, nº 2, do CPP).

João Pedro Pereira Cardoso

Paula Pires [VOTO VENCIDO: Na decisão proferida apenas não me revejo no enquadramento jurídico efetuado no acórdão que, no que tange ao filho do arguido, convola um crime de violência doméstica para um crime de ofensa à integridade física.
Segundo a mais recente análise e o modo como deve ser interpretado o art. 152º concluímos que no Douto Acórdão procede-se a enquadramento jurídico, quer objetiva quer subjetivamente, que ainda se estriba em conceitos há muito abandonados pelo legislador.
A violência exercida sobre pessoas incluídas no catálogo referido no n.º 1 do art. 152º (sujeitos passivos) está em condições de gozar de uma tutela penal especial, fundada no vínculo familiar presente ou passado que as ligue ao agente.
«Tutela que se pode manifestar em praticamente todos os graus de violência física ou psíquica praticada sobre tais vítimas, desde o mais ligeiro, como o que configura ofensa à integridade física simples ou qualificada, até àqueles que assumem crescente gravidade e conformam os crimes de maus tratos, de ofensa à integridade física grave qualificada e no limite de homicídio qualificado. É assim assegurada uma proteção reforçada destas vítimas, que em regra não conhecerá descontinuidades. Vale por dizer que em relação a todas estas formas de violência o regime legal confere a estas vítimas uma tutela mais forte do que a que prevê, via de regra, para outras pessoas que sofram ofensas de natureza semelhante, mas não tenham uma tal ligação familiar, atual ou passada, ao agente». – NUNO BRANDÃO In A TUTELA PENAL ESPECIAL REFORÇADA DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA (disponível em pdf na Internet).
Parece-me mais consentânea com a vontade do legislador a tese que conclui pela inexistência de uma diferença de natureza substancial entre a violência pressuposta pelo tipo do artigo 152.º e a pressuposta pelos tipos base que não se paute pela adição do elemento relacional típico (posição de Maria Elisabete Ferreira – “O Crime de Violência Doméstica Na Jurisprudência Portuguesa”, Estudos em Homenagem ao Professor Costa Andrade, Vol. I, Direito Penal (Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra) e que constitui a interpretação tipicamente mais adequada, face aos elementos interpretativos do artigo 9.º do CC, do tipo de crime previsto no artigo 152.º do CP e aos princípios da legalidade, tipicidade e máxima determinação do tipo vigentes em Direito Penal.
Defende a Autora que o legislador quis tutelar mais do que a saúde da vítima, ainda que de forma secundária ou reflexa, decidindo punir as condutas violentas que ocorram no âmbito familiar ou similar, concluindo que o bem jurídico protegido se relaciona com o núcleo de vínculos que se estabelecem no seio familiar ou doméstico: a pacífica convivência familiar, parafamiliar ou doméstica.
Da tutela reflexa de tal bem jurídico resultaria, como consequência, que a mera ofensa simples, a mera injúria ou ameaça poderá pôr em causa essa pacífica convivência, sem qualquer aferição da intensidade da mesma.
Razão porque consideramos que não há que apelar a qualquer situação de domínio ou de subjugação, muito menos a tratamento degradante ou desumano.
A solução punitiva diferenciada do crime base e do crime de Violência Doméstica resultaria do diferente juízo de danosidade social de uma ofensa à integridade física, de uma simples injúria ou de uma ameaça praticada entre dois estranhos (violência interpessoal entre dois estranhos) e a praticada no seio de relações familiares, parafamiliares, emocionais ou de coabitação.
Arredando, desde modo, o apelo a quaisquer critérios extra-típicos de destrinça entre a violência interpessoal e a intrafamiliar, como o das relações de imparidade (Inês Ferreira Leite), a aferição casuística de uma quebra de relação de confiança, a suscetibilidade de a ação colocar em causa a dignidade humana ou o livre desenvolvimento da personalidade no contexto relacional pressuposto (Taipa de Carvalho, Nuno Brandão, André Lamas Leite), admitindo que uma injúria, ofensa à integridade física ou uma ameaça praticadas em tal contexto relacional, ainda que isolada, integre sem mais indagações, o crime de Violência Doméstica.
“O que dá cor ao bem jurídico plural e complexo protegido pela incriminação do artigo 152º, n.º 1 do Código Penal é a relação de proximidade existencial entre o agressor e a vítima” – cfr, neste sentido, o Ac. do TRP proferido no âmbito do Processo n.º 435/21.5GBMTS.P1., disponível In www.dgsi.pt.
Acórdão onde se acrescenta que:
“Como elemento subjetivo exige-se o dolo genérico, sob qualquer das formas previstas no artigo 14º do Código Penal.” E que “Não são exigíveis quaisquer elementos adicionais, nomeadamente o objetivo ou intenção de exercer domínio sobre a vítima, ou de achincalhar, ou de degradar a pessoa ou a sua dignidade, esses sucedâneos disfarçados da antiga malvadez ou egoísmo consagrados no tipo incriminador do artigo 153º do Código Penal de 1982, abandonados pelo legislador em 1995 por força de uma nova tomada de consciência da gravidade e extensão do fenómeno da violência doméstica e da necessidade de reforço efetivo da sua prevenção.”
Também no âmbito do processo n.º 819/22.1GAVCD.P1 em acórdão deste TRP e publicado In www.dgsi.pt se decidiu que:
«I- O que dá cor ao bem jurídico ou bens jurídicos protegidos pela incriminação do artigo 152º, n.º 1 do Código Penal é a relação de proximidade existencial entre o agressor e a vítima.
II- Constituindo a relação de proximidade existencial sadia o meio ideal para o livre desenvolvimento, proteção e realização digna da pessoa, existe um interesse individual e da comunidade na sua manutenção, sendo juridicamente reconhecida como valiosa e protegida.
III- Essa relação de proximidade existencial impõe ao agressor um especial dever de respeito que ao ser violado importa um desvalor próprio, uma maior danosidade social, que justifica a incriminação autónoma da violência doméstica relativamente a outros tipos incriminadores que com ela concorrem ou com outros comportamentos que até poderiam ser atípicos não fora esta incriminação.
IV- De cada vez que nessas condições de proximidade existencial se mostre preenchido um tipo incriminador do Código Penal relacionado com a saúde e integridade pessoal, nomeadamente as ofensas à integridade física, injúrias, sequestro ou ameaças, forçosamente preenchido estará também o tipo de ilícito da violência doméstica. (…)»
Entendemos, assim, que ao nível da carga ofensiva pressuposta e da natureza do bem jurídico tutelado, inexiste qualquer destrinça substancial entre o tipo de violência doméstica e aqueloutros bens tutelados por tipos adjacentes que protejam bens jurídicos pessoais cuja lesão seja instrumentalmente suscetível de fazer perigar a saúde psicofísica da vítima, entendendo que a maior carga de ilicitude material subjacente ao programa legal de combate ao fenómeno da Violência Doméstica se alicerça, exclusivamente, no tipo de relação que intercede entre agente e vítima, não havendo, ao nível interpretativo, de lançar mão, pois, de quaisquer critérios extra-típicos para aferir da subsunção de uma dada conduta violenta ao tipo do artigo 152.º, n.º 1.
Tal posição, em nosso entendimento, e na linha do opinado no Manual CEJ-CIG, «terá a virtude de conferir maior segurança e homogeneidade na aplicação do direito, afastando a margem de incerteza e insegurança que hoje abunda e traduzida na prática generalizada de desqualificação inopinada de atos de violência doméstica em crimes de natureza diversa, muitas vezes de natureza semipública». – nota 8 ao acórdão do TRC de 18-5-2022 relatado pelo Ilustre Desembargador Paulo Guerra.
O legislador quis tutelar mais do que a saúde da vítima, ainda que de forma secundária ou reflexa, decidindo punir as condutas violentas que ocorram no âmbito familiar ou similar, concluindo que o bem jurídico protegido se relaciona com o núcleo de vínculos que se estabelecem no seio familiar ou doméstico: a pacífica convivência familiar, parafamiliar ou doméstica.
Os factos apurados (pontos 24, d, 73 e 74) traduzem, pois, uma inqualificável perturbação da existência da vítima (seu filho menor; pessoa que devia ser cuidada e a quem o arguido tinha obrigação de prover uma existência harmoniosa e sem receio, sem medo, sem terror) nas suas dimensões psíquica e/ou emocional, familiar e social resultantes do ato intrusivo fisicamente e perturbador emocionalmente levado a cabo pelo arguido (cfr. facto provados sob o ponto 24 e sob o ponto d).
Presenciar a mãe a ser fisicamente maltratada e insultada configura para uma criança mau trato psicológico, pelo menos sob a foram de dolo eventual – Cfr., neste sentido, o Ac, deste TRP proferido no âmbito do Processo 85/25.6GBVLG.P1, publicado In www.dgsi.pt.
Todavia, ser - o próprio menor - fisicamente agredido ao ser agarrado pelo pescoço de que lhe resulta dificuldade em respirar é – no mínimo - mau trato físico é uma ofensa à integridade física.
É assim manifesto que o arguido ao praticar tal ato ofensivo da saúde física do seu filho MENOR atingiu o bem jurídico protegido pela norma incriminadora em causa. Sem necessidade de qualquer outra indagação.
Pelo que objetivamente as ações praticadas/provadas pelo aqui arguido preenchem o tipo legal p. e p. pelo art. 152º do CP.
No que tange ao elemento subjetivo também nada impede, bem pelo contrário, a condenação do arguido pelo crime por que vinha acusado e condenado.
Já sabemos que o dolo é o conhecimento e vontade de praticar o facto, com consciência da sua censurabilidade.
O elemento intelectual do dolo – o conhecimento do facto – traduz-se na representação pelo agente, no momento em que pratica a ação, de todos os elementos do tipo de ilícito objetivo, sendo necessário e suficiente o conhecimento tido por indispensável para que a sua consciência ético-jurídica possa solucionar, corretamente, a questão da ilicitude da conduta, sendo que, relativamente aos elementos normativos do tipo, é irrelevante o desconhecimento do seu exato sentido e qualificação, bastando o conhecimento correspondente ao cidadão comum, a valoração paralela na esfera do leigo.
O elemento volitivo do dolo – a vontade de praticar o facto – significa que, além daquele conhecimento, o agente dirige a sua vontade para a realização do tipo de ilícito objetivo ou, pelo menos, que a sua vontade se conforma com tal realização. E aqui, perante as várias atitudes psicológico-volitivas do agente relativamente à realização do tipo objetivo, a lei distingue entre dolo direto (art. 14º, nº 1 do C. Penal), dolo necessário (nº 2 do mesmo artigo) e dolo eventual (nº 3 do mesmo artigo).
Já numa outra perspetiva, podemos distinguir entre dolo genérico, a intenção de cometer o facto no sentido do conhecimento e vontade de o praticar, e o dolo específico, a intenção de cometer o facto, associada a um determinado fim visado pelo agente (nesta caso, a lei usa, habitualmente, a expressão, «com intenção de …»).
No caso da violência doméstica, o tipo descrito no art. 152º, nº 1, do C. Penal não exige a verificação de um dolo específico, sendo suficiente para o preenchimento do tipo subjetivo o dolo genérico, traduzido no conhecimento e vontade de infligir “maus tratos físicos ou psíquicos ao descendente, com consciência da sua censurabilidade desta conduta”.
A este propósito, escreveu Américo Taipa de Carvalho (ob. cit., pág. 520) ser necessário o conhecimento da relação subjacente à incriminação da violência doméstica e o conhecimento e vontade da conduta (caso, p. ex., das ofensas sexuais) e do resultado (caso, p. ex., das ofensas corporais), consoante os comportamentos subsumíveis ao âmbito teleológico-normativo do art.152º configurem tipos de crimes formais ou materiais.
Com ressalva do respeito devido por opinião diversa, não existem fórmulas sacramentais para definir o dolo da violência doméstica, nem este tem que ser, necessariamente, descrito por referência ao bem jurídico tutelado, pois este apenas orienta a interpretação do tipo em questão.
Como tal - ponderando toda a factualidade - teria julgado improcedente o recurso nesta parte e teria mantido a condenação do arguido pelo crime de violência doméstica na pessoa do seu filho menor BB.
Tudo sem prejuízo de não poder ser desconsiderado desta análise o que resulta provado em g), designadamente que: «o arguido e o filho mantêm uma ligação próxima, fortalecida entre os dois com jogos, passeios, palavras carinhosas e mensagens de boa noite; desejam estar ao fim de semana juntos, mesmo o filho sabendo que o pai não pode sair de casa».
E, nesses termos, em nada nos chocaria a aplicação do disposto no art. 72º do CP procedendo-se a uma atenuação da pena.]

Jorge Langweg

______________________________
[1] João Pedro Pereira Cardoso, A FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA PENAL – Algumas notas sobre proibições de prova, Revista CEJ 1º Sem. 2023, pg.273.
[2] Código de Processo Penal Comentado, 2016, Almedina, pág. 1081,
[3] Como salienta Nuno Brandão, A tutela penal especial reforçada da violência doméstica, JULGAR - N.º 12 (especial) – 2010, pg.19, no crime de violência doméstica “devem estar em causa actos que, pela sua natureza, sejam (…) idóneos a reflectir-se negativamente sobre a saúde física ou psíquica da vítima”, para o que importa avaliar a “situação ambiente” e a “imagem global do facto”.
No ensinamento de Sérgio Miguel José Correia, in Maus-tratos Parentais – Considerações sobre a vitimação e a vulnerabilização da Criança”, RFDUL/LLR, LXii (2021) 1, pg.906, os maus-tratos parentais serão aqueles exercidos pela figura paterna e/ou materna sobre a criança, entendidos aqueles, essencialmente, como qualquer conduta que “atente, diretamente, contra os direitos e a satisfação das necessidades fundamentais das crianças, próprias da sua faixa etária e do estágio de crescimento que atravessam, colocando, assim, em causa o seu bem-estar, saúde, segurança, autonomia ou desenvolvimento das suas componentes pessoais, sejam físicas, cognitivas, psicológicas ou socio-emocionais”.
[4] Aqui ocorre lapso de calculo já que a moldura abstrata é de 1 ano, 7 meses e 6 dias (mínimo) até 10 anos e 8 meses (máximo).
[5] Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2005, §§ 420 e 421, págs. 290/292.