Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3637/21.0T8VFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JUDITE PIRES
Descritores: RESPONSABILIDADE POR ACIDENTE DE VIAÇÃO
INCAPACIDADE PERMANENTE
DANO BIOLÓGICO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: RP202405233637/21.0T8VFR.P1
Data do Acordão: 05/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIAL
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A incapacidade permanente constitui um dano patrimonial indemnizável, quer acarrete para o lesado uma diminuição efectiva do seu ganho laboral, quer dela resulte apenas um esforço acrescido para manter os mesmos níveis dos seus proventos profissionais, exigindo tal incapacidade um esforço suplementar, físico ou/e psíquico, para obter o mesmo resultado.
II - Devendo o dano biológico ser entendido como uma violação da integridade físico-psíquica do lesado, com tradução médico-legal, tal dano existe em qualquer situação de lesão dessa integridade, mesma que sem rebate profissional e sem perda do rendimento do trabalho.
III - Na fixação da indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelo lesado está o julgador subordinado a critérios de equidade, que pondere, todavia, a situação económica do lesado e do obrigado à reparação, a intensidade do grau de culpa do lesante, e extensão e natureza das lesões sofridas pelo titular do direito à indemnização, considerando, como ponto de equilíbrio, as próprias finalidades prosseguidas pela indemnização por este tipo de danos.
IV - Os componentes de maior relevância do dano não patrimonial são:
a) o dano estético: traduzido no prejuízo anatomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima;
b) o prejuízo de afirmação social: dano indiferenciado que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, sexual, afectiva, recreativa, cultural, cívica);
c) o prejuízo da “saúde geral e da longevidade”: nele se destacam o dano da dor e o défice de bem estar, e que valoriza os danos irreversíveis na saúde e bem estar da vítima e o corte na expectativa de vida;
d) o pretium juventutis: que compreende a frustração de viver em pleno a designada “primavera da vida”;
e) e o pretium doloris - que sintetiza as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 3637/21.0T8VFR.P1

Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro

Juízo Central Cível de Santa Maria da Feira – Juiz 1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I.RELATÓRIO.

AA, residente na Rua ..., ..., propôs acção declarativa, com processo comum, contra A..., S.A., com sede na Av. ..., Lisboa, pedindo que seja esta condenada a pagar-lhe  a quantia global de € 51.408,01, acrescida de juros legais de mora, a partir da citação.

Alegou, para o efeito e em resumo, que no dia 16.05.2020, pelas 11.15 horas, ocorreu um acidente de viação, na Av. ..., em Arouca. Nesse acidente intervieram o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-RT-.., propriedade de BB e por este conduzido e um velocípede, pertencente ao A. e por ele tripulado e que, com culpa do condutor do RT, que seguia distraído e de forma descuidada, ao efectuar uma mudança de direcção, derrubou o A. causando-lhe graves danos.

Refere ainda que, em resultado do acidente, sofreu ferimentos vários, causadores de incapacidade para o trabalho, que melhor descreve na petição inicial.

No que respeita à dinâmica do acidente, o A. invoca factos donde pretende concluir pela culpa do condutor do veículo RT, veículo segurado na R..

Invoca ainda o A. factos relativos aos danos sofridos em consequência do acidente, referentes a danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescentando que por virtude do acidente viu danificado e inutilizado o equipamento que trazia consigo no dia daquele evento.

A R. A... apresentou contestação, aceitando a descrição do acidente feita pelo Autor e a sua responsabilidade pela reparação dos danos que dele resultaram, concluindo, porém, que os valores peticionados são exagerados.

A Segurança Social apresentou pedido de reembolso no montante de € 1.935,60.

Foi proferido despacho saneador, fixando-se o objecto do litígio, tendo sido enunciados os temas de prova.

Realizou-se a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

“Pelo exposto, e ao abrigo das referidas disposições legais, julgo a presente acção, em que é A. AA e R. A..., S.A., parcialmente procedente, por provada, e em consequência, condeno a R. A..., S.A. a pagar ao A. AA:

A - A quantia de € 7.500,00 [sete mil e quinhentos euros] (a título de dano biológico), acrescido de juros desde a citação até efectivo e integral pagamento;

B – A quantia global de € 1.526,56 [mil quinhentos e vinte e seis euros e cinquenta e seis cêntimos ](€ 970,40 + € 556,16) a título de danos patrimoniais, acrescido de juros desde a citação até efectivo e integral pagamento

C - A quantia de € 3.000,00 (três mil euros) a título de danos não patrimoniais, acrescido de juros desde a presente data (da sentença) até efectivo e integral pagamento.

D - Absolvo a R. A... do demais peticionado pelo A. nestes autos.

E – Mais condeno a R. A... a pagar ao ISS- IP, a quantia de € 1.935,60 (mil novecentos e trinta e cinco euros e sessenta cêntimos), a que acrescem juros de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento;

Custas pelo A. e R. na proporção dos respectivos decaimentos.

Registe e Notifique”.

Não se resignando o Autor com tal sentença, dela interpôs recurso de apelação para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões:

“1.ª -O presente recurso visa a revogação da douta Sentença, porquanto se discorda da indemnização fixada a título de danos não patrimoniais e a título de IPP – Dano Biológico;

2.ª - No que respeita à fixação da indemnização por danos de natureza não patrimonial: atendendo à gravidade das lesões sofridas, ao período de doença, às sequelas permanentes e ao sofrimento físico e moral, temos por inteiramente justo a indemnização peticionada, no nosso entender, por escassa a indemnização fixada pelo Tribunal recorrido, dada a dimensão dos danos.

3.ª - Entendemos, com o devido respeito, que a Mmº Juiz acabou por subvalorizar os danos assim advindos, nesta perspetiva, ao lesado, em claro e inequívoco alheamento dos dispositivos legais que regulam esta matéria, da doutrina e jurisprudência dominante e mais recente dos nossos Tribunais.

4.ª - A indemnização, porque visa oferecer ao lesado uma compensação que contrabalance o mal sofrido, deve ser significativa, e não meramente simbólica, devendo o juiz, ao fixá-la segundo critérios de equidade, procurar um grau de “compensação”, sendo fundamental, pois, a determinação do mal efectivamente sofrido por cada lesado, as suas dores e o seu sofrimento psicológico” – Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 29.10.2008, proferido no âmbito do Proc.  08P3380, pesquisado em www.dgsi.pt.

5.ª - O Autor sofreu graves danos.

Tais danos vêm devidamente plasmados nos factos dados como provados nos Autos.

E merecem, indubitavelmente, a tutela do direito.

6.ª - E não oferece hoje também dúvidas que a compensação por danos não patrimoniais – como se diz no Ac. STJ de 16.12.93 in CJ. STJ, III, 182 – deve ter um alcance significativo e não meramente simbólico, sendo tempo de acabar com miserabilismos indemnizatórios.

7.ª - O que é dizer que a verba arbitrada a este título pelo Tribunal recorrido é manifestamente escassa.

8.ª - Atento o quadro retratado nos Autos, o montante indemnizatório a atribuir ao Autor a título de danos não patrimoniais haverá de fixar-se em não menos da quantia de € 10.000,00, tal como foi peticionado.

9.ª - Ao decidir nos termos constantes da douta Sentença em recurso o Tribunal “A Quo” violou o disposto nos artºs. 494º; 496º nº. 3; 562º; 564º nºs. 1 e 2 e 566º, todos do Código Civil.

10.ª - Quanto à fixação da indemnização pela IPP que o Autor Passou a padecer: O valor indemnizatório nesta espécie de danos não é diretamente determinável e quantificável, sendo necessário recorrer à equidade na determinação do quantum indemnizatório, ainda que se possa recorrer a tabelas financeiras ou matemáticas, mas apenas e só como meros auxiliares, como critério geral de orientação para a determinação equitativa do dano.

11.ª - Quanto a este dano biológico há a considerar:

- À data da consolidação médico-legal das lesões sofridas – 06-04-2022

- A idade do autor – 52 anos à data do acidente;

- A esperança média de vida fixável nos 83 anos:

- o limite de vida ativa fixável nos 67 anos;

- o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 3 pontos;

- o rendimento auferido pelo lesado de 3.500,00 euros mensais e a necessidade de fazer esforços acrescidos para exercer essa profissão e da atividade do dia a dia;

- A progressão na carreira e os aumentos salariais daí decorrentes;

- a taxa de juro, hoje muito próxima dos 0% ou mesmo negativa.

12.ª Assim, considerando os fatores acima indicados, consideramos justo, adequado e proporcional, a fixação da quantia de € 20.000,00 a título de dano biológico.

13.ª - Ao assim não decidir, a sentença recorrida violou, entre outras disposições legais, o disposto nos art.ºs 483.º, 562.º e 564.º do Código Civil.

Nestes termos, deverá o presente Recurso ser julgado procedente e, em consequência, revogada a douta Sentença recorrida de acordo com as Conclusões aduzidas”.

 A apelada apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso e confirmação do decidido.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II.OBJECTO DO RECURSO.

A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.

B. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelo recorrente, no caso dos autos cumprirá apreciar:

- quais os montantes indemnizatórios devidos pelos danos não patrimoniais e pelo dano biológico sofridos pelo Autor.

III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

III.1. Foram os seguintes os factos julgados provados em primeira instância:

1.º - No dia 16 de Maio de 2020, pelas 11,15 horas, ocorreu um acidente de viação na Avenida ..., na localidade de Arouca;

2º - No qual foram intervenientes o veículo automóvel de matrícula ..-RT-.., propriedade de BB e na altura por si conduzido;

3.º- E um velocípede propriedade do aqui autor e, na altura, por si conduzido;

4º- O referido acidente traduziu-se no embate entre as viaturas indicadas, nas seguintes circunstâncias:

5º- O local onde ocorreu o acidente configura uma reta de boa visibilidade, e é constituída por duas vias de trânsito, cada uma afeta ao seu sentido de marcha.

6.º - Pela aludida artéria circulava o velocípede, no sentido descendente da via, no sentido nascente – poente;

7.º - Circulava a uma velocidade moderada, nunca superior a 20 km/h. e na hemi-faixa de rodagem destinada aos seu sentido de circulação.

8.º - Por seu turno, o condutor do veículo de matrícula RT, circulava pela mesma faixa de rodagem, mas em sentido contrário.

9.º - Completamente distraído e desatento ao trânsito que se processava naquela via àquela hora.

10.º - Quando se aproximava do entroncamento formado pela Avenida em que circulava e outra via que se apresentava à sua esquerda,

11.º- E, porque aí pretendia aceder,

12.º - Resolve guinar a direção do veículo para a sua esquerda.

13.º - E fê-lo sem efetuar qualquer sinalética indicativa,

14.º - Sem abrandar a marcha, e

15.º - Sem se ter certificado que podia dar inicio à manobra supra descrita em segurança, sem colocar em perigo o demais trânsito que processava naquela via àquela hora.

16.º - Com esse movimento contínuo transpôs o eixo médio da faixa de rodagem, atravessando-se perpendicularmente no corredor de circulação mais à esquerda, atento o seu sentido de marcha,

17.º - Quando o velocípede conduzido pelo Autor se encontrava apenas a 5/6 metros,

18.º -

Obstruindo de forma súbita e inopinada o sentido de marcha do velocípede conduzido pelo Autor;

19.º - A manobra levada a cabo pelo condutor do RT foi tão repentina e inusitada que o aqui Autor não logrou evitar o embate entre a parte da frente do velocípede por si conduzido e a lateral esquerda do RT;

20.º - Compelido pela violência do embate, o autor e o velocípede por si conduzido foram projetados para o solo;

21.º - O acidente de viação em apreço ocorreu na hemi-faixa de rodagem reservada ao sentido de marcha adotado pelo aqui Autor;

22.º - O proprietário do veículo ..-RT-.. tinha a sua responsabilidade civil emergente de acidente de viação, relativamente a danos causados a terceiros, transferida para a Ré, mediante a apólice ....

23.º - A Ré, logo após a deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente ação, levou a efeito as competentes averiguações sobre a forma como ocorreu o sinistro estradal que está na génese da presente ação e concluiu pela culpa, única e exclusiva do condutor do veículo seguro.

24º. - E, em conformidade, assumiu a responsabilidade pelas consequências danosas sofridas pelo autor, em consequência do acidente de trânsito que deu origem à presente ação, tendo suportado algumas despesas.

25.º - Por efeito da pancada, o Autor foi projetado do velocípede e embateu com o corpo desamparado no piso da via;

26º- Apesar da violência do embate, o Autor não perdeu a consciência.

27º - Ficou prostrado no piso da via, à espera de auxílio.

28º - Sofria dores lancinantes e encontrava-se em pânico.

29º - Como consequência direta e necessária do supra descrito acidente de viação, o Autor sofreu vários ferimentos e lesões traumáticas, tendo dado entrada no Serviço de Urgências do Centro Hospitalar ... – Hospital ... em Santa Maria da Feira, onde foi examinado;

30.º - Na admissão, o autor apresentava o seguinte quadro clínico:

Sem sinais ou sintomas de TCE

Sem sinais ou sintomas de trauma de toraco abd

Col vertebral-sem sinais ou sintomas de TVM

Membros inferiores – sem sinais ou sintomas de fracturas

Ombro esq. – sem sinais ou sintomas de fracturas/luxações-RX de aspecto normal

Cotovelo dto –mobilidade preservada. Sem sinais de fracturas RX normal

Dor a palpação da musculatura adutora da coxa esq

Mobilidade reduzida com dor na abdução e rotação externa

RX bacia anca: sem sinais de fracturas. Avulsão mínima do isqui o esq

31.º -

Foi o seguinte o diagnóstico clínico:

1 – Provável rutura dos adutores da coxa esq

2 – Contusão do cotovelo dto

3 – entusão do ombro esq

(cfr. Doc. 1 junto com a petição inicial para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido).

32.º - O autor foi observado e efetuados vários exames complementares de diagnóstico, pois apresentava escoriações no hemi-corpo direito com algum grau de profundidade.

33.º - Referia dores no membro superior direito, ombro direito, região trocantérica direita e mão esquerda.

34.º - O autor teve alta hospitalar nesse mesmo dia, com indicação de analgesia, aplicação de gelo, uso de canadianas e observação. (cfr. Doc. citado).

35.º - O autor permaneceu de cama durante três dias, tinha muitas dores que lhe impediam a locomoção,

36.º -

Dores essas que incidiam mais sobre a coxa esquerda, cotovelo direito e ombro esquerdo.

37.º - Que o impediam de se locomover – só com a ajuda de canadianas – e de dormir – não tinha posição devido às dores que sentia.

38.º - Entretanto, a Ré assumiu a responsabilidade pela ocorrência do sinistro e o autor começou a ser assistido nos seus Serviços Clínicos.

39.º - No dia 14 de Julho de 2020, o autor deslocou-se aos serviços clínicos da Ré – Casa de Saúde ..., no Porto -, tendo-lhe sido prescrito a realização de exames por imagiologia.

40.º - Por indicação clínica, o Autor realizou na Clínica ..., tratamentos de fisioterapia e reabilitação nos seguintes dias:

17, 20, 21, 22, 23, 24, 27, 28, 29 e 30 de Julho de 2020;

03, 04, 05, 06, 07, 08, 11, 12 e 23 de Agosto de 2020.

( cfr. Doc. 2 junto com a petição inicial para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido).

41.º- Os tratamentos consistiam no seguinte:

Ultrassonoterapia

Massagem manual

Mobilização articular passiva

Técnicas especiais de Cinesiterapia

42.º - Os tratamentos demoravam, em média, 1,30 horas e eram particularmente dolorosas para o autor, o que, no fim dos mesmos, se mostrava muito dorido e cansado.

43.º - A aqui Ré seguradora atribui-lhe a consolidação médico-legal das suas lesões em 14 de Agosto de 2020.

44.º - Entretanto, em Maio de 2021, o autor recorreu a um clínico com especialidade em avaliação de dano corporal - Dr. CC -, a fim de avaliar a sua situação clínica.

45.º - Em jeito de conclusão, a esta data – 10 de Outubro de 2020 – foi apurado o seguinte:

7- conclusão

- Consolidação médico-legal das lesões-16 de Agosto de 2020

-A incapacidade temporária geral total- 30 dias.

-Incapacidade temporária geral parcial- 28 dias.

- Incapacidade profissional parcial: 60 dias.

- -Incapacidade permanente geral fixável em 5,91 pontos.

- Quantum doloris fixável no grau 3/7.

-Dano futuro - previsível médio prazo (2 pontos).

- Prejuízo de afirmação pessoal fixável no grau 1/5.

46.º - Antes do sinistro transportava cargas no trabalho e no domicílio – superiores a 20 Kilos -, o que agora não lhe é permitido fazer de modo adequado.

47.º - Não consegue ajudar os operários na empresa, que era uma das funções que tinha, pois tem certas intervenções que exigem um funcionamento adequado de ambos os polegares, não o conseguindo fazer pela aparente deslocação posterior do dedo polegar esquerdo.

48.º - O autor é gerente da Sociedade B..., que se dedica ao fabrico de calçado, auferindo uma remuneração mensal de 3.500,00 euros, acrescida de um subsídio de alimentação de 4,50 euros por dia – cfr. Doc. 4 junto com a petição e Extractos de remunerações junto aos autos, para os quais se remete e aqui se dão por integralmente reproduzidos;

49.º - O autor, quando necessário, dava uma ajuda na produção, juntamente com os funcionários, mormente nas áreas do corte, costura, montagem e acabamento;

50.º - O que implica o manuseamento das mãos e braços, que o autor tem dificuldade em desempenhar as tarefas inerentes a esses processos de fabrico.

51.º - O Autor sofreu dores intensas, nomeadamente ao nível do cotovelo direito e mão esquerda, dores essas que continuam a afetar o Autor a partir da data do acidente e que vão continuar a afetá-lo ao longo de toda a sua vida;

52.º - O Autor continuará a sofrer no futuro, de fortes dores físicas, incómodos e mal-estar, designadamente a nível do braço e cotovelo direitos e mão esquerda;

53.º - Sendo que tais dores se exacerbam e se agravam com as mudanças de temperatura e com os esforços quotidianos.

54.º - O autor andava de bicicleta por longos percursos, pratica ténis e pádel e, em virtude das lesões e sequelas do acidente, já não consegue realizar tais práticas, por dor no cotovelo direito e na mão esquerda.

55.º - Como as limitações do autor se agravavam, na sequência do agravamento das queixas a nível do primeiro segmento da mão esquerda, o autor requereu nova avaliação com o Dr. CC.

56.º - O autor padecia de tumefação a nível da articulação carpo metacarpo, dismorfia da primeira articulação metacarpo falângica e marcada instabilidade da mesma articulação.

57.º - Ao exame clínico, o autor apresentava:

- deformação dolorosa na articulação trapézio metacarpiana, marcada instabilidade volar da articulação metacarpo falângica do polegar

- incapacidade de mobilizar adequadamente o mesmo dedo e de fazer pressão com o mesmo sobre objetos, inviabilizando parte das suas funções que efetuava no seu local de trabalho. (cfr. Doc. 5 junto com a petição, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido).

58.º - A Ré aceitou uma IPP de 3 pontos, assim como o Quantum Doloris de 3;

59.º - Propôs a seguinte indemnização:

- Dano Biológico 3 pontos: 1.935,00€

- Quantum Doloris grau 3: 400,00€

- Perdas Rendimentos: 1.541,66€

- Despesas e Bens: 274,06€

(cfr. Doc. 6 junto com a petição, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido).

60.º - O A. nasceu no dia ../../1967 – (cfr. Doc. 7 junto com a petição, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido.).

61.º - O A. lamenta-se bastante com o que lhe sucedeu, falando do acidente muitas vezes.

62.º - O autor sente uma acentuada diminuição da sua auto-estima com a consequente frustração de deixar de ter uma vida normal como vinha tendo.

63.º - Sente-se muito frustrado por não ter condições físicas para continuar a praticar ciclismo, padel e ténis, que tanto gostava e que tinha todo o material para o efeito.

64.º - No momento do acidente e nos instantes que o precederam, o Autor sofreu um enorme susto.

65.º - E dada a violência do embate, o carácter súbito e imprevisto que caracterizou o acidente e a sua incapacidade de lhe escapar, receou pela própria vida.

66.º - O Autor sofreu dores muito intensas, em todas as regiões do seu corpo atingidas;

67.º - Essas dores ainda hoje afetam o Autor.

68.º - Essas dores são intensas sempre que o A. faz força ou esforço com a perna esquerda.

69º. - E, invariavelmente, nas mudanças de tempo.

70º. - Sofreu e sofre muitas dores nas zonas lesionadas.

71º. - Antes do acidente, o autor era ágil, forte e robusto;

72.º. - Os factos vertidos supra causam-lhe um profundo desgosto.

73.º - Ainda por virtude do sinistro dos presentes autos, o autor viu danificado e inutilizado o equipamento que trazia consigo aquando do acidente, no valor total de 276,16 euros – (cfr. Doc. 8 junto com a petição, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido).

74.º - O Autor suportou, ainda, as seguintes despesas de deslocação para consultas, tratamentos médicos e de reabilitação:

13 deslocações à Clínica ...: 13 x 19 Kms = 169 Kms.

3 deslocações à Casa de Saúde ...: 3 x 106 Kms = 318 Kms.

75.º - Conforme resulta do relatório pericial de avaliação do dano corporal em Direito Civil junto aos autos, a avaliação baseada na Tabela Nacional de Incapacidades, considerando o valor global da perda funcional decorrente das sequelas e o facto destas, não afectando o examinado em termos de autonomia e independência, são causa de sofrimento físico, limitando-o em termos funcionais, foi-lhe atribuído um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica fixável em 3 pontos.

76.º - Mais resulta do exame do IML que:

- A Data de Consolidação/estabilização médico-legal das lesões é fixável em 14/08/2020.

- Período de Défice Funcional Temporário Total fixável num período de 1 dia.

- Período de Défice Funcional Temporário Parcial fixável em 90 dias.

- Período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total sendo fixável num período total de 91 dias.

- Quantum Doloris fixável no grau 2/7.

- As sequelas descritas, em termos de Repercussão Permanente na Actividade Profissional são compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares.

77.º - Conforme decorre do extracto de remunerações da Segurança Social, o A. auferiu € 3.500,00 de Remuneração base de Janeiro a Abril de 2020 ( cfr. Extrato de Remunerações emenado pela Seg. Social para o qual se remete e aqui se dá por reproduzido).

78.º - O Instituto da Segurança Social pagou ao aqui autor a quantia de 1.935,60 euros referente ao período de baixa médica subsidiada de 16/5/2020 a 26/6/2020– cfr.  Docs. 9 e 10 juntos com a petição inicial, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido.

79º.- Em despesas e consultas médicas, o autor suportou a quantia de 30,00 euros - cfr. Doc. 11 junto com a petição inicial, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido.

80.º - O Autor AA é beneficiário do Instituto de Segurança Social ..., com o n.º ....

81.º - Em consequência das lesões sofridas resultantes do acidente ocorrido em 16 de Maio 2020, o A. esteve com baixa médica subsidiada de 16/05/2020 a 26/06/2020.

82.º - Por tal facto pagou o Instituto de Segurança Social ... ao Autor a título de subsídio de doença, a quantia de € 1.935,60 (mil, novecentos e trinta e cinco euros e sessenta cêntimos) – cfr. certidão junta pelo Interveniente para a qual se remete e aqui se dá por reproduzida na íntegra.

83.º - Após o acidente o autor foi assistido clinicamente pela ré.

84.º - Teve alta em 14.08.2021, com uma ITA (incapacidade total absoluta para o trabalho) de 16.05.2020 a 14.08.2020, um QD (quantum doloris) de 1/3 e um défice funcional permanente, DFP/IPG (défice funcional permanente/incapacidade permanente geral), de 2/100 pontos.

85.º - Em face danos e para efeitos extrajudiciais a ré apresentou em 02.12.2020 ao autor a competente proposta de indemnização em sede de «proposta razoável», a prevista no artº 37º do DL. 291/07, e na Portaria 377/08, no valor global de € 4150,72 (assim discriminada: dano biológico 3/100 pontos = € 1935; QD 3/7 = € 400; perdas de rendimentos = € 1541,66; despesas e bens = € 274; cf. doc./mail daquela data junto com a p.i.), o que tudo o autor não aceitou.

86.º- Na altura o autor apresentou um relatório de avaliação do dano corporal da autoria do médico Dr. CC.

87.º - Depois de examinado pelos serviços clínicos da ré sobre ele foi emitido o seguinte parecer: “Após análise do relatório do Dr. CC, lamento mas não podemos aceitá-lo: § - ficou claro na consulta de que a dor do cotovelo era devida a uma epicondilite sem nexo causal com o acidente. § - a aplicação de 2 pts. por dano futuro, só existe na cabeça do Dr. CC, pois à muito tempo que o dito dano futuro deixou de ser valorizado. Portanto esta atribuição está fora de causa. § Deste modo excluindo os 3 pts. da dor do cotovelo + 2 pts. do DF, fica uma IPG de 3 pts., que se aceitam.” (sic).

III. 2. A mesma instância considerou não provada a matéria alegada nos artigos 83.º e 84.º da petição inicial.

 

IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

Dispõe o artigo 483.º, n.º 1 do Código Civil que “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.

Da simples leitura do preceito, resulta que, no caso de responsabilidade por facto ilícito, vários pressupostos condicionam a obrigação de indemnizar que recai sobre o lesante, desempenhando cada um desses pressupostos um papel próprio e específico na complexa cadeia das situações geradoras do dever de reparação.

Reconduzindo esses pressupostos à terminologia técnica assumida pela doutrina, podem destacar-se os seguintes requisitos da mencionada cadeia de factos geradores de responsabilidade por factos ilícitos: a) o facto; b) a ilicitude; c) imputação do facto ao lesante; d) o dano; e) e nexo de causalidade entre o facto e o dano.

No caso aqui em discussão sempre a Ré aceitou que o acidente que vitimou o Autor resultou exclusivamente da actuação culposa do condutor do veículo por si segurado, reputando, todavia, de excessivos os valores indemnizatórios reclamados pelo demandante.

Proferida sentença que fixou o montante da indemnização a suportar pela Ré para reparação dos danos sofridos pelo Autor em consequência do acidente, é este agora que não se conforma com os valores que lhe foram nela atribuídos para compensação dos danos não patrimoniais e pelo dano biológico.

Resta, assim, indagar se tais valores se ajustam aos danos que visam ressarcir.
O artigo 562.º do Código Civil, que consagra o princípio da reconstituição natural, preceitua que “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”.
Por dano deve entender-se “a perda in natura que o lesado sofreu em consequência de certo facto nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito viola ou a norma infringida visam tutelar”[1].
Podendo os danos ser patrimoniais ou não patrimoniais, os primeiros compreendem, por sua vez, o dano emergente e o lucro cessante, abrangendo este último “os benefícios que o lesado deixou de obter por causa do facto ilícito mas a que ainda não tinha direito à data da lesão”[2].
Não sendo possível a reconstituição natural, não reparando ela integralmente os danos ou sendo excessivamente onerosa para o devedor, deve a indemnização ser fixada em dinheiro[3].
Aos danos não patrimoniais refere-se o n.º 1 do artigo 496.º do Código Civil, quando determina: “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.
De acordo com o n.º 3 da mesma disposição legal, “o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º...”.
Com explica o Acórdão da Relação do Porto, 06.11.90[4] “... nos termos dos artigos 496º, nº 3 e 494º, como critério da sua determinação equitativa, há que atender à natureza e intensidade do dano causado, grau de culpa do lesado, e demais circunstâncias que seja equitativo ter em conta”.
Por outro lado, “sempre que se trate de compensar a dor física ou a angústia moral sofridas pela pessoa directamente lesada ou a dor pessoal sofrida pelos terceiros referidos no nº 2 do artigo 496º, segue-se normalmente o critério pelo qual a quantia em dinheiro há-de permitir alcançar situações ou momentos de prazer bastantes para neutralizar, na medida do possível, a intensidade dessa respectiva dor. A isso se chama impropriamente o “preço da dor[5].

Os danos não patrimoniais podem consistir em sofrimento ou dor, física ou moral, provocados por ofensas à integridade física ou moral duma pessoa, podendo concretizar-se, por exemplo, em dores físicas, desgostos por perda de capacidades físicas ou intelectuais, vexames, sentimentos de ergonha ou desgosto decorrentes de má imagem perante outrem, estados de angústia, etc., reflectindo, mais ou menos, melhor ou pior, manifestações de perturbações emocionais.

Nesta categoria de danos se compreendem todos aqueles que afectam a personalidade moral, nos seus valores específicos tais como “as dores físicas, os desgostos morais, os vexames, a perda de prestígio ou de reputação, os complexos de ordem estética que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a perfeição física, a honra ou o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização”[6].

Os interesses cuja lesão desencadeia um dano não patrimonial são infungíveis: não podem ser reintegrados mesmo por equivalente. Mas é possível, em certa medida, contrabalançar o dano, compensá-lo mediante satisfações derivadas da utilização. Não se trata, portanto (como já ensinava o professor Mota Pinto), de atribuir ao lesado um “preço de dor” ou um “preço de sangue”, mas de lhe proporcionar uma satisfação em virtude da aptidão do dinheiro para propiciar a realização de uma ampla gama de interesses, na qual se podem incluir mesmo interesses de ordem refinadamente ideal.

Nos danos não patrimoniais estão em causa lesões que não se refletem directamente sobre o património, não o diminuindo, nem frustrando o seu acréscimo. Tratam-se de danos que atingem bens de carácter imaterial, sem expressão ou tradução económica. A ofensa objectiva desses bens tem em regra um reflexo subjectivo na vítima, traduzido na dor ou sofrimento, de natureza física ou de natureza moral.

Os componentes de maior relevância do dano não patrimonial são:

 - o dano estético: traduzido no prejuízo anatomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima;

- o prejuízo de afirmação social: dano indiferenciado que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, sexual, afectiva, recreativa, cultural, cívica);

- o prejuízo da “saúde geral e da longevidade”: nele se destacam o dano da dor e o défice de bem estar, e que valoriza os danos irreversíveis na saúde e bem estar da vítima e o corte na expectativa de vida;

- o pretium juventutis: que compreende a frustração de viver em pleno a designada “primavera da vida”;

- e o pretium doloris - que sintetiza as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária.
Como esclarece Antunes Varela[7], “a indemnização reveste, no caso de danos não patrimoniais, uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa compensar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente”.

Resulta do exposto que o juiz, para a decisão a proferir no que respeita à valoração pecuniária dos danos não patrimoniais, em cumprimento da prescrição legal que o manda julgar de harmonia com a equidade, deverá atender aos factores expressamente referidos na lei e, bem assim, a outras circunstâncias que emergem da factualidade provada. Tudo com o objectivo de, após a adequada ponderação, poder concluir a respeito do valor pecuniário que considere justo para, no caso concreto, compensar o lesado pelos danos não patrimoniais que sofreu.
A doutrina nacional, pela voz de conceituados civilistas[8], tem, desde há algum tempo, vindo a tecer reparos pela parcimónia com que, no seu entender, o Supremo Tribunal de Justiça vem fixando os valores indemnizatórios para compensação dos danos não patrimoniais, embora reconheça o esforço positivo desenvolvido, sobretudo nos últimos anos, para alterar tal tendência.
Assim, sustenta Menezes Cordeiro que “é inegável a presença de um certo esforço, no sentido da dignificação das indemnizações. Importante é, ainda, a consciência do problema, por parte dos nossos tribunais. Há, agora, que perder a timidez quanto às cifras. A vida humana não tem preço. Mas quando haja que avaliá-la para efeitos de compensação, a cifra a reter será (actualmente), da ordem do milhão de euros, majorada ou minorada conforme as circunstâncias. Todos os outros danos são, depois, alinhados abaixo desse valor de topo”. E acrescenta o mesmo autor: “Entretanto, há que manter, de modo operacional, as várias parcelas indemnizatórias: supressão do bem vida; danos morais da vítima; danos morais dos familiares referidos no artigo 496º/2, devidamente alargado pela interpretação; danos patrimoniais da vítima; danos patrimoniais dos familiares; lucros cessantes. Não vale a pena dispormos de uma Constituição generosa, de uma rica e cuidada jurisprudência constitucional e de largos desenvolvimentos sobre os direitos de personalidade quando, no terreno, direitos fundamentais como a vida valham menos de 60.000 €”.
Essa tendência tem vindo, de facto, a revelar-se, sobretudo nos últimos tempos, havendo uma clara preocupação, ainda que manifestando-se de forma cautelosa e gradual, em conferir maior dignidade aos danos não patrimoniais, traduzida no aumento dos valores compensatórios em relação aos anteriormente fixados.

É dado incontroverso que o Autor sofreu, em consequência do acidente, as lesões corporais descritas no quadro dos factos dados por provados, as quais demandaram o seu internamento, ainda que por um só dia, mas exigiram a sua sujeição a diversos tratamentos médicos, alguns deles dolorosos, com os inerentes transtornos e incómodos que inevitavelmente aos mesmos estão associados, e com efeitos nefastos na dinâmica da sua vida pessoal, social e profissional.

Logo após o acidente e em consequência das lesões que dele resultaram, sofreu dores, as quais se manifestaram durante os tratamentos, e que ainda hoje perduram, tendo o Quantum Doloris sido fixado em 2 pontos, numa escala crescente de 0 a 7.

Como reflecte a sentença recorrida, “Em face da dimensão e gravidade das lesões físicas que o Autor sofreu e sequelas que mantém, têm que ser valoradas as inerentes dores e angústias, ao que acrescem as sequelas que apresenta e a atribuição de desvalorização acima mencionadas, atentos os critérios enunciados e também o que isso tem de negativo na capacidade de afirmação pessoal aos mais variados níveis, o que representa um prejuízo particularmente relevante. O A. mantém a necessidade de tomar medicações para as dores. Na maturidade da sua vida, aos 52 anos de idade, viu-se algo limitado na sua dinâmica, sofreu de imobilização, incómodos, dor vincada, continuará a sofrer de limitações durante todo o período expectável de vida com tendência para piorar, merecedor, sem qualquer margem para dúvida, da tutela do direito”.

Sendo, pois, merecedores de tutela reparadora os aludidos danos não patrimoniais sofridos pelo Autor, o correspondente valor indemnizatório há-de ser calculado com base em critérios de equidade, que assente numa ponderação prudencial e casuística, dentro de uma margem de discricionariedade que ao julgador é consentida e que não seja colidente com critérios jurisprudenciais actualizados e generalizantes, de forma a não pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio de igualdade.

Na quantificação dos mesmos deve ponderar-se o grau, intenso, de culpa do lesante, a situação económica dos abrangidos pelo dever de indemnizar, a idade do demandante à data do evento lesante e a sua expectativa de vida, não podendo ser ignorados os valores arbitrados pelas instâncias superiores para situações similares.

Ponderando todo este circunstancialismo fáctico e efectuando uma análise comparativa quanto a esses valores, não poderá deixar de se reputar de escasso o valor fixado em primeira instância (€ 3.000,00).

E é atendendo à extensão, natureza e gravidade desses danos, mas não podendo menosprezar os valores fixados pelos tribunais superiores para situações similares, que se entende ser ajustada à reparação dos danos em causa uma indemnização no valor de € 5.000,00.

Ainda em consequência do acidente e das lesões corporais que o mesmo lhe provocou, ficou o Autor permanentemente afectado de um défice funcional na sua integridade física quantificado em 3 pontos percentuais.
Pode extrair-se do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.01.2017[9]: “Devendo o dano biológico ser entendido como uma violação da integridade físico-psíquica de uma pessoa, com tradução médico-legal, tal dano existe em qualquer situação de lesão dessa integridade, mesma que sem rebate profissional e sem perda do rendimento do trabalho, já que, havendo uma incapacidade permanente, dela sempre resultará uma afetação da dimensão anátomo-funcional do lesado, proveniente da alteração morfológica do mesmo e causadora de uma diminuição da efetiva utilidade do seu corpo ao nível de atividades laborais, recreativas, sexuais, sociais ou sentimentais, com o consequente agravamento da penosidade na execução das diversas tarefas que, de futuro, terá de levar a cargo, próprias e habituais de qualquer múnus que implique a utilização do corpo”.

Afirma-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.01.2012: “o dano biológico merece, logo porque tem lugar, tutela indemnizatória, compensatória ou ambas;

A extrema amplitude que o nosso legislador confere ao conceito de incapacidade para o trabalho, aliada à orientação sedimentada da jurisprudência de que é de indemnizar, quer esta leve a diminuição de proventos laborais, quer não leve, já o contempla indemnizatoriamente, ainda que noutro plano;

Do mesmo modo a relevância que a nossa lei confere aos danos não patrimoniais também aliada à amplitude deste conceito que a jurisprudência vem acolhendo – englobando, nomeadamente os prejuízos estéticos, os sociais, os derivados da não possibilidade de desenvolvimento de actividades agradáveis e outros – já o contempla neste domínio.

Pelo que a conceptualização do dano biológico não veio “tirar nem pôr” ao que, em termos práticos, já vinha sendo decidido pelos tribunais, quanto a indemnização pelos danos patrimoniais de carácter pessoal ou compensação pelos danos não patrimoniais.

Onde releva é na fundamentação para se chegar a tal indemnização, afastando as dúvidas que poderiam surgir perante a não diminuição efectiva de proventos apesar da fixação da IPP ou, em casos de verificação muito rara, como aqueles em que o lesado já estava totalmente incapacitado para o trabalho antes do evento danoso ou até, no que respeita aos danos não patrimoniais, em que ficou definitivamente incapacitado para ter consciência e sofrer com a sua situação”.

Idêntico entendimento foi perfilhado pelo acórdão do mesmo Supremo Tribunal de Justiça de 16.12.2010[10], quando refere que a “compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades exercício de uma profissão e de futura mudança ou reconversão de emprego pelo lesado, enquanto fonte actual de possíveis e eventuais acréscimos patrimoniais, frustrada irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar, quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas”.

E no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.04.2022[11] pode ler-se: “Diverge a jurisprudência quanto à classificação, ou melhor, à natureza do chamado dano biológico (o decorrente da incapacidade permanente sem reflexo profissional): se um dano meramente patrimonial, se um dano moral, se um tertium genus. E procuram os vários arestos, cada um à sua maneira, justificar o quantum indemnizatório arbitrado para estes danos geradores de incapacidade permanente que se não repercutam directamente na capacidade de ganho do lesado (na medida em que não implicam uma diminuição da retribuição, embora implicando esforços acrescidos, ou, então, porque o lesado está fora do mercado de trabalho, como ocorre com desempregados, crianças, reformados).

O dano biológico tem suscitado especiais perplexidades na relação com a dicotomia tradicional da avaliação de danos patrimoniais versus danos não patrimoniais, por poder incidir numa, noutra ou em ambas as vertentes.

Este dano vem sendo entendido como dano-evento, reportado a toda a violação da integridade físico-psíquica da pessoa, com tradução médico-legal, ou como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com repercussão na sua vida pessoal e profissional, independentemente de dele decorrer ou não perda ou diminuição de proventos laborais[...]. É um prejuízo que se repercute nas potencialidades e qualidade de vida do lesado, susceptível de afectar o seu dia-a-dia nas vertentes laborais, sociais, sentimentais, sexuais, recreativas. Determina perda das faculdades físicas e/ou intelectuais em termos de futuro, perda essa eventualmente agravável em função da idade do lesado. Poderá exigir do lesado, esforços acrescidos, conduzindo-o a uma posição de inferioridade no mercado de trabalho[...]. Ou, por outras palavras, é um dano que se traduz na diminuição somático-psíquica do indivíduo, com natural repercussão na vida de quem o sofre.

Ora, o dano biológico tanto pode ser ressarcido como dano patrimonial, como pode ser compensado a título de dano moral; tanto pode ter consequências patrimoniais como não patrimoniais. Ou seja, depende da situação concreta sob análise, a qual terá de ser apreciada casuisticamente, verificando-se se a lesão originará, no futuro, durante o período activo do lesado ou da sua vida, e por si só, uma perda da capacidade de ganho ou se se traduz, apenas, numa afectação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, sem prejuízo do natural agravamento inerente ao decorrer da idade. Tem a natureza de perda ‘in natura’ que o lesado sofreu em consequência de certo facto nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar[...].

Como quer que seja visto ou classificado este dano, o certo é que o mesmo é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial. É indemnizável em si mesmo, independentemente de se verificarem consequências para o lesado em termos de diminuição de proventos”.

E acrescenta o mesmo acórdão: “O lesado não pode ser objecto de uma visão redutora e economicista do homo faber[...]. A incapacidade permanente (geral) de que está afectada a vítima constitui, nesta perspectiva, um dano em si mesmo, cingindo-se à sua dimensão anátomo-funcional.

A incapacidade permanente geral (IPG) corresponde a um estado deficitário de natureza anatómica-funcional ou psicosensorial, com carácter definitivo e com impacto nos gestos e movimentos próprios da vida corrente comuns a todas as pessoas. Pode ser valorada em diversos graus de percentagem, tendo como padrão máximo o índice 100. Esse défice funcional pode ter ou não reflexo directo na capacidade profissional originando uma concreta perda de capacidade de ganho”.

O dano biológico não se reporta apenas ao período temporal subsequente à alta clínica, devendo, por maioria de razão, abranger o período em que o facto incapacitante foi mais intenso (incapacidade temporária absoluta) e é indemnizável ainda que o lesado à data do evento lesante não exercesse actividade laboral remunerada[12].

Há ainda a notar, como o faz o Acórdão da Relação do Porto de 20.03.2012[13], que “os Tribunais, na fixação das indemnizações por danos decorrentes de sinistros rodoviários, não estão sujeitos ao regime previsto na Portaria n.º 377/2008, de 26/05, por este diploma não ter por objectivo a fixação definitiva dos valores indemnizatórios mas, apenas e só o estabelecimento de regras/princípios que visam agilizar a apresentação de propostas razoáveis numa fase pré-judicial”.
O dano biológico não se pode reduzir aos danos de natureza não patrimonial na medida em que nestes estão apenas em causa prejuízos insusceptíveis de avaliação pecuniária e naquele estão também em causa prejuízos de natureza patrimonial provenientes das consequências negativas ao nível da actividade geral do lesado.
Tal como refere o acórdão do Supremo Tribunal  de Justiça de 02.06.2016[14], “O chamado dano biológico abrange um espectro alargado de prejuízos incidentes na esfera patrimonial do lesado, desde a perda do rendimento total ou parcial auferido no exercício da sua atividade profissional habitual até à frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer outras atividades ou tarefas de cariz económico, passando ainda pelos custos de maior onerosidade no exercício ou no incremento de quaisquer dessas atividades ou tarefas, com a consequente repercussão de maiores despesas daí advenientes ou o malogro do nível de rendimentos expectáveis”.

Como já salientava o Acórdão da Relação do Porto, de 07.05.2001 (www.dgsi.pt), “sem dúvida que e é tarefa melindrosa calcular o valor indemnizatório, já que, tirando a idade do Autor e a incapacidade que o afecta, tudo o mais é aleatório. Com efeito é inapreensível, agora, qual vai a ser a evolução do mercado laboral, o nível remuneratório do emprego, a evolução dos níveis dos preços, dos juros, da inflação, a evolução tecnológica, além de outros elementos que influem no nível remuneratório, como por exemplo, os impostos.

Daí que, nos termos do n.º 3 do art. 566° do Código Civil, haja que recorrer à equidade ante a dificuldade de averiguar com exactidão a extensão dos danos”.

A Portaria n.º 377/08, de 26/5, com inspiração no direito espanhol e francês, no sistema dos “barèmes“, que estabelece meras propostas, indica critérios orientadores para apresentação aos lesados, em caso de acidente de viação, por dano corporal, estabelece no seu art.º 6.º b), que, para fins de cálculo de prestações em caso de violação do direito à vida e de prestações de vida ao cônjuge ou descendente incapaz por anomalia psíquica, se presume que o sinistrado trabalharia até aos 70 anos.

Também a jurisprudência dos tribunais superiores, na tentativa de adaptação às actuais condições socio-económicas do país, quando se perspectiva a possibilidade da idade da reforma vir a ser elevada para os 70 anos a relativamente curto prazo, vem abandonando a ideia de que o período de vida activa tem como limite os 65 anos de idade, antes se devendo atender ao tempo provável de vida do lesado, por referência à esperança média de vida estabelecida em relação à data em que ocorreu o facto danoso gerador do dever de indemnizar.

Como já defendia o acórdão do STJ de 28.09.1995[15], “finda a vida activa do lesado não é razoável ficcionar que também a vida física desaparece no mesmo momento e com ela todas as necessidades do lesado e, por outro lado, geralmente, continua a receber remunerações, ou como pensão de aposentação da própria profissão, ou como prestação da segurança social”, entendimento que passou a ser seguido pela jurisprudência dos tribunais superiores[16] após ter sido defendido no Parecer do Provedor de Justiça de 19.03.2001, elaborado a propósito do denominado caso “ponte Entre-os-Rios”.

Perante a constatação das dificuldades associadas à fixação do montante indemnizatório para reparação dos danos futuros, traduzidos em lucros cessantes, e perante a diversidade de resultados obtidos com o recurso a critérios diferentes, em Espanha sentiu-se necessidade de introduzir, através da Ley nº 30/1995, de 8/11, medidas de “baremación”, vinculativas para os tribunais. Ainda que sem o mesmo carácter vinculativo, mas sendo um sistema fundado em “barèmes”, o regime que se encontra implantado em França, assente numa Convenção destinada a regularizar sinistros de circulação automóvel, adoptada depois da publicação da Loi nº 85-677, de 5 de Julho de 1985, destinando-se à generalidade dos danos emergentes de acidente de viação, revela circunstâncias diversificadas, de forma a integrar a generalidade dos sinistros, com valores antecipada e objectivamente fixados, sem prejuízo da possibilidade de ponderação de situações específicas.

Sem idêntica consagração legislativa, os tribunais portugueses têm recorrido a diferentes fórmulas para determinar o quantum indemnizatório para a reparação desses danos.

Essas fórmulas oscilaram entre o recurso às tabelas de cálculo das pensões por incapacidade laboral e sua remição, que depressa foi abandonado, e o recurso a fórmulas matemáticas, além do recurso a critérios para cálculo do usufruto para fins fiscais.

O recurso às tabelas matemáticas ou tabelas legalmente fixadas para a regularização dos sinistros laborais tem vindo a ser posto em crise por não garantirem a justa reparação do dano em causa, já que “na avaliação dos prejuízos verificados o juiz tem que atender sempre à multiplicidade e à especificidade das circunstâncias que concorreram no caso e que o tornarão sempre único e diferente”[17].

Um dos outros critérios possíveis para ponderar o montante indemnizatório em discussão foi preconizado pelo Acórdão do STJ, de 18.01.79[18], segundo o qual “em relação ao futuro, a indemnização deve ser calculada em atenção ao tempo provável de vida activa da vítima, de forma a representar um capital produtor do rendimento que cubra a diferença entre a situação anterior e a actual até final do período, segundo as tabelas financeiras usadas para determinação do capital necessário à formação de uma renda periódica correspondente ao juro anual de 9%”.

A partir de então este critério passou a ser adoptado em várias decisões dos tribunais superiores, servindo-se, para o efeito, das taxas de juro estabelecidas para as operações bancárias activas de crédito, passando depois para as de depósito a prazo, adaptando a taxa de juro às flutuações respectivas no mercado financeiro.

Estes critérios foram sendo sucessivamente perfilhados por decisões do Supremo Tribunal de Justiça, que, todavia, não deixam de lhes reconhecer a natureza de índices meramente informadores da fixação do cálculo, meros instrumentos auxiliares de orientação, não dispensando o recurso à equidade, que pressupõe uma solução em sintonia com a lógica e o bom senso, com apelo às regras da boa prudência, da criteriosa ponderação das realidades da vida, sem submissão a critérios subjectivos de ponderação, e que pese a gravidade do dano.

 Note-se que o critério fundado nas tabelas financeiras não é isento de críticas: as taxas de capitalização devem corresponder à previsível remuneração do dinheiro no período a considerar, o que sendo impossível de quantificar de forma exacta, exige um juízo de previsibilidade, que, atendendo às modificações sociais e económicas, cada vez mais sentidas, se revela muitas vezes temerário.

Comprovando essa realidade, constata-se na jurisprudência uma larga oscilação nos valores das taxas de capitalização[19].

Talvez por isso, larga jurisprudência tende a defender que o recurso às tabelas deve ser posto de parte, devendo-se antes confiar no prudente arbítrio do tribunal, com recurso à equidade[20].

A discussão acerca da metodologia a seguir[21] continua, assim, em aberto, como já o reconhecia o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.06.2002[22], dada a incerteza que envolve o cálculo deste dano futuro, aceitando mesmo, como critério possível, permitindo uma certa flexibilização no cálculo, a aplicação de uma regra de três simples, na qual se procura determinar qual o capital produtor do rendimento anual que se deixou de obter, tendo em conta a taxa de juro de 3%; ou seja qual o capital que à taxa de juro em alusão reproduz aquele rendimento, a que é de deduzir um factor de correcção.

De todo o modo, tem-se vindo a consolidar na jurisprudência, como solução para definir os parâmetros da reparação deste tipo de dano, determinar o capital necessário, que, entregue de uma só vez, e diluído no tempo de vida do lesado, lhe proporcione o mesmo rendimento que auferiria se não tivesse ocorrido a lesão[23].

Entende-se que a determinação do montante indemnizatório deve ser obtida com recurso a processos objectivos (fórmulas matemáticas, cálculos financeiros, aplicação de tabelas), servindo para determinar um limite mínimo indemnizatório, o qual, deverá posteriormente ser corrigido com recurso a outros elementos, quer objectivos quer subjectivos, que possam conduzir a uma indemnização justa.

Seja qual for o critério norteador (já que todos os critérios até hoje seguidos não são vinculativos, são meramente indicadores), haverá que ter sempre presente a figura da equidade, a qual visa alcançar “a justiça do caso concreto, flexível, humana, independente de critérios normativos fixados na lei”, de forma que se tenha em “conta as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida…”[24].
Em todo o caso, o cálculo do quantum indemnizatório, fixado para reparação pela perda da capacidade aquisitiva futura, tem, necessariamente, por base, critérios de equidade, assente numa ponderação prudencial e casuística, dentro de uma margem de discricionariedade que ao julgador é consentida, sem que, todavia, colida com critérios jurisprudenciais actualizados e generalizantes, de forma a não pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio de igualdade.
De acordo com a jurisprudência seguida pelo Supremo Tribunal de Justiça, a determinação de indemnização por perda de capacidade geral de ganho, com recurso a critérios de equidade, tem variado, essencialmente, em função dos seguintes factores: a idade do lesado; o seu grau de incapacidade geral permanente; as suas potencialidades de aumento de ganho, antes da lesão, tanto na profissão habitual, ou previsível profissão habitual, como em profissão ou actividade económica alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações, a par de um outro factor que contende com a conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da actividade profissional habitual do lesado, ou da previsível actividade profissional habitual do lesado, assim como de actividades profissionais ou económicas alternativas, tendo em consideração as competências do lesado[25].
O Autor, como se disse, ficou afectado com um défice funcional na sua integridade física quantificado em 3 pontos percentuais, que não o impede de exercer a sua actividade profissional habitual, exigindo-lhe, contudo, esforços acrescidos.
Tem, por conseguinte, direito a ser indemnizado pelo dano biológico que passou a afectá-lo após o acidente, e em consequência do mesmo.
Em primeira instância foi fixada uma indemnização de € 7.500,00 para reparação do dano biológico, na aludida vertente, tendo sido ponderados os seguintes parâmetros:
“- as lesões sofridas;
- o grau de incapacidade permanente fixada (Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 3 pontos);
- as sequelas descritas, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional compatíveis com o exercício da atividade profissional, mas com necessidade de esforços suplementares;
- a idade do Autor, com 52 anos de idade à data do acidente pois que nasceu em ../../1967;
- a profissão exercida (sócio gerente de empresa);
- as lesões do A. atingiram a estabilidade clínica cerca de 91 dias após o acidente;
- o seu rendimento anual à data do acidente;
- a actual idade legal da reforma de 66,7 anos (cfr. Pordata);
- atendendo ainda à perspetiva de vida média dos homens em Portugal de 77,7 anos, segundo as projeções da população pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) e PORDATA (Fontes/Entidades: INE, PORDATA, Última actualização) (poisa tingida a idade da reforma, não significa que as pessoas deixem de trabalhar);
- a não atribuição de qualquer culpa ao Autor na eclosão do acidente;
- o fator da tabela financeira adequado ao tempo de vida ativa do Autor, considerando uma taxa de juro anual de 3-4%;
- o facto do cálculo ser feito com o pressuposto de que o Autor ficará sempre a auferir o mesmo salário;
- o facto do valor indemnizatório ser recebido de uma só vez;
- o facto do A. ser uma pessoa saudável até ao acidente”.
Ora, ponderando todos estes factores e também os valores fixados pelas instâncias judiciais para casos similares, mostra-se mais equilibrada e ajustada à reparação do concreto dano biológico sofrido pelo Autor uma indemnização no valor de € 10.000,00, ao invés dos € 7.500,00 fixados pelo tribunal recorrido.
Por conseguinte, fixam-se em € 5.000,00 e € 10.000,00, os valores indemnizatórios, respectivamente, para compensação dos danos não patrimoniais e dano biológico sofridos pelo Autor em consequência do acidente que o vitimou.
A primeira quantia vence juros desde a presente data, até integral e efectivo pagamento; a segunda, vence juros desde a citação da demandada, e igualmente até integral e efectivo pagamento.
Procede, assim, parcialmente o recurso, alterando-se, nos moldes fixados, os valores das referidas indemnizações.


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Síntese conclusiva:

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Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente o recurso do apelante AA, alterando o decidido nas alíneas A) e C) do dispositivo decisório, nos seguintes termos:

- Alínea A) – A quantia de € 10.000,00 (dez mil euros), a título de indemnização pelo dano biológico;

- Alínea C) - A quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros), a título de danos não patrimoniais.

Quanto ao mais, confirma-se a sentença recorrida.

Custas: por apelante e apelada, na proporção do respectivo decaimento - (art.º 527.º, n.º s 1 e 2, do Código de Processo Civil).

Notifique.


Porto, 23.05.2024
Acórdão processado informaticamente e revisto pela primeira signatária.
Judite Pires
Ernesto Nascimento
Isabel Ferreira
__________________
[1] Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 7ª ed., pág. 591.
[2] Ibid, pág. 593.
[3] Artigo 566º, nº1 do Código Civil.
[4] Colectânea de Jurisprudência XV, 5, pág. 186.
[5] Dario M. de Almeida, “Manual de Acidentes de Viação”, págs. 188-189.
[6] Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, volume I, Almedina, 7.ª ed., pág. 595.
[7] “Das Obrigações em Geral”, vol. I, pág. 488.
[8] Menezes Leitão, “Direito das Obrigações”, vol. I, 2.ª ed., pág. 318; Menezes Cordeiro, “Tratado de Direito Civil Português II, Direito das Obrigações, tomo III, 2010, págs. 748 a 756.
[9] Processo n.º 1862/13.7TBGDM.P1.S1, www.dgsi.pt
[10] Processo nº 270/06.0TBLSD.P1.S, www.dgsi.pt.
[11] Processo n.º 96/18.9T8PVZ.P1.S1, www.dgsi.pt.
[12] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 06.12.2011, processo nº 52/06.0TBVNC.G1.S1, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07.06.2011, processo nº 160/2002.P1.S1, ambos em www.dgsi.pt.
[13] Processo nº 571/10.3TBLSD.P1, www.dgsi.pt.
[14] Processo n.º 2603/10.6TVLSB.L1.S1, www.dgsi.pt
[15] CJ.STJ.95.III, pág. 36.
[16] Entre outros, cfr. acórdãos do STJ de 19/04/2012 (3046/09.0TBFIG.S1); de 20/10/2011 (428/07.5TBFAF.G1.S1); de 07/06/2011 (524/07.9TCGMR.G1.S1); de 20/05/2010 (103/2002.L1.S1); de 25/06/2009, do 08B3234, e de 17/06/2008 (08A1266), www.dgsi.pt
[17] Acórdão do STJ, 4/2/93, Colectânea de Jurisprudência/ Acórdãos do STJ, ano 1, tomo 1, pág. 129.
[18] BMJ 283º-275.
[19] A título de exemplo: Acórdão do STJ de 4/2/93, CJSTJ, tomo I, pág. 128: 9%; Acórdão do STJ de 5/5/94, CJSTJ, tomo II, pág. 86: 7%; Acórdão do STJ de 15/12/98, CJSTJ, tomo III, pág. 155: 5%; Acórdão do STJ de 16/3/99, CJSTJ, tomo I, pág. 167: 4%.
[20] Entre outros, Acórdão do STJ de 28/9/95, CJSTJ, 1995, tomo 3º, pág. 36.
[21] Uma das fórmulas habitualmente seguidas para a determinação dos danos futuros por perda ou redução da aquisição de rendimentos do trabalho surge desta forma enunciada:
C = [(1 + i)N – 1 / (1 + i)N x i] x P
Sendo:
C = capital;
P = prestação a pagar no 1º ano;
i = taxa de juro; e
N = o nº. de anos de vida provável,
e em que:
i = (1 + r / 1 + k) – 1,
sendo que:
r = taxa de juro nominal líquida, que actualmente se entende dever ser fixada em 1,5%.
k = taxa anual de crescimento de P (inflação + ganhos da produtividade + promoções profissionais (inflação de 0,5% + ganhos da produtividade de 0,375% + promoções profissionais de 0,375%) = 1,25%).
[22] CJ/Supremo Tribunal de Justiça, ano X, t. II, págs. 132, 133.
[23] Acórdão do STJ de 04.12.2007, processo n.º 07A3836, www.dgsi.pt.
[24] Acórdão do STJ, 10/2/98, CJSTJ, tomo I, pág. 65.
[25] Cfr, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Maio de 2014, Processo n.º 436/11.1TBRGR.L1.S1), de 19 de Fevereiro de 2015, Processo n.º 99/12.7TCGMR.G1.S1, de 4 de Junho de 2015, Processo n.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1, de 7 de Abril de 2016, Processo n.º 237/13.2TCGMR.G1.S1), e de 14 de Dezembro de 2016 , Processo n.º 37/13.0TBMTR.G1.S1), todos em www.dgsi.pt.)