Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | CARLA FRAGA TORRES | ||
Descritores: | HABILITAÇÃO DO ADQUIRENTE PROIBIÇÃO DA REFORMATIO IN PEJUS | ||
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Nº do Documento: | RP20250310781/21.8T8PRT-B.P1 | ||
Data do Acordão: | 03/10/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMAÇÃO | ||
Indicações Eventuais: | 5. ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Através da habilitação o adquirente fica na posição do transmitente em relação à totalidade do objecto da lide. II - A sentença de habilitação de adquirente certifica a transmissão do direito ou coisa litigiosa na medida em que a mesma tenha ocorrido. III - A habilitação de adquirente assegura a regularidade subjectiva da lide em relação à totalidade do objecto litigioso mesmo que parte desse objecto não tenha sido transmitido. IV - A sentença de habilitação de adquirente tem efeitos meramente processuais e não interfere com o mérito do objecto litigioso. V - O princípio da proibição da reformatio in pejus não permite que a decisão de mérito do tribunal de recurso que seja desfavorável ao recorrente prevaleça sobre a decisão adjectiva da 1.ª Instância. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 781/21.8T8PRT-B.P1 – Apelação em separado Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo ... Relatora: Carla Fraga Torres 1.º Adjunto: José Nuno Duarte 2.º Adjunto: Carlos Gil Acordam os juízes subscritores deste acórdão da 5.ª Secção Judicial/3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório. Recorrente: AA Recorrida: BB AA propôs contra Associação ... acção declarativa de condenação pedindo que esta seja condenada a: a) Conservar e preservar o imóvel sua propriedade; b) Eliminar a vegetação densa existente no logradouro do imóvel sua propriedade; c) Pagar ao Autor a indemnização pelos prejuízos sofridos no valor de € 1.230; d) Pagar ao Autor a indemnização referente aos danos não patrimoniais no valor de € 10.000. e) A cumprir com o encargo testamentário, nomeadamente, usar do imóvel para obtenção de rendimentos com vista a proteção dos animais em perigo tendo em conta os fins requeridos pelo testador, e, subsidiariamente, a resolução da disposição testamentária, de forma a que o imóvel seja transmitido para os herdeiros legítimos do testador. Para o efeito, alegou, em síntese, que a R., enquanto proprietária do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º ...38 e inscrito na respectiva matriz sob o art. ...14, que adquiriu por sucessão testamentária, não tem cumprido com o dever de o conservar nem com o encargo de o explorar com vista à obtenção de rendimentos destinados à protecção de animais em perigo, o que se traduz num estado de abandono que põe em risco os prédios vizinhos, como sucede com aquele de que o próprio recorrente é co-herdeiro e usufrutuário sito na Rua ..., inscrito na matriz sob o art. ...35, e lhe causa angústia e medo das consequências de tal situação. Citada, além de invocar a ilegitimidade do recorrente, a R. impugnou o comportamento omissivo que lhe é imputado e pugnou pela improcedência da acção. Em Resposta, o recorrente refutou a invocada excepção. A 14/07/2022, a R. informou os autos de que tinha alienado o imóvel dos autos. Por requerimento de 12/09/2022, o recorrente reiterou o por si peticionado e, em consequência, requereu a notificação da Ré para demonstrar o cumprimento do encargo testamentário ou, caso tal cumprimento não fosse demonstrado ou não tivesse sido efectuado, a resolução da disposição testamentária, nos termos e com os fins indicados na Petição Inicial, do que a sociedade R. foi notificada. Por despacho de 22/10/2022, o tribunal a quo, em face da informação prestada a 14/07/2022, determinou que os autos aguardassem a instauração do incidente de habilitação de adquirente pelo transmitente ou cedente, pelo adquirente ou cessionário, ou pela parte contrária. A 23/04/2023, o recorrente, alegando a aquisição do imóvel da R. sito na Rua ..., ..., ..., por BB, veio requerer que este fosse habilitado como adquirente e, assim, colocado processualmente na posição daquela. Subsequentemente, foi proferido o seguinte despacho “Cite e notifique, nos termos do artigo 356º, n.º1, a) do CPC, aplicável por força do seu n.º 2”, na sequência do qual o identificado BB apresentou contestação, opondo-se à sua habilitação por considerar que o objecto principal da lide é a condenação da R. a pagar ao recorrente danos por responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos ocorridos antes da transmissão do direito de propriedade para si sem quaisquer ónus ou encargos, e que, portanto, não lhe são imputáveis, antes lhe sendo exigível a conservação do imóvel que, contudo, não carece de decisão judicial. A 4/10/2023, por sentença que transitou em julgado, BB, por ter na pendência da acção adquirido a propriedade do imóvel objecto da acção, foi habilitado a intervir nos autos principais em substituição da primitiva R.. A 5/07/2024, o recorrente requereu a ampliação do pedido que formulou a título de danos patrimoniais e não patrimoniais em, respectivamente, 984,25 € e 6.000,00 €, resultando num pedido de 18.214,25 € e bem assim que seja aplicada sanção pecuniária compulsória, ao que o recorrido BB se opôs. A 24/09/2024, em fase de saneamento do processo, o Tribunal proferiu a seguinte decisão: “Resenha histórica do processo O Autor instaurou a presente ação contra a Sociedade ... (Após retificação da denominação da Ré, inicialmente identificada como Associação ...), peticionando a condenação da Ré nos seguinte termos: “a) Conservar e preservar o imóvel sua propriedade; b) Eliminar a vegetação densa existente no logradouro do imóvel sua propriedade; c) Pagar ao Autor a indemnização pelos prejuízos sofridos no valor de € 1.230 (mil duzentos e trinta euros); d) Pagar ao Autor a indemnização referente aos danos não patrimoniais no valor de € 10.000 (dez mil euros). e) A cumprir com o encargo testamentário, nomeadamente, usar do imóvel para obtenção de rendimentos com vista a proteção dos animais em perigo tendo em conta os fins requeridos pelo testador”. Requer ainda o Autor “a titulo subsidiário e no não cumprimento do pedido principal por parte da Ré, a resolução da disposição testamentária, de forma a que o imóvel seja transmitido para os herdeiros legítimos do testador”. Para tanto e em súmula, invoca o Autor danos no seu imóvel, imputando a sua causa e origem dos mesmos à Ré, que é proprietária do imóvel contíguo, uma vez que não o conserva, encontrando-se o imóvel (da Ré) devoluto e muito degradado. Refere ainda o Autor, agora na qualidade de co-herdeiro do testador, que a Ré adquiriu o imóvel, por sucessão testamentária, mas que como o abandonou, não satisfaz o encargo consignado no testamento, que previa que o imóvel deveria servir para a proteção de animais, nomeadamente com a obtenção de rendimentos, sendo o destino financeiro a proteção dos animais, o que justifica o pedido formulado na alínea e) (e o pedido subsidiário). A Ré contestou, pugnando pela improcedência da ação. Os autos prosseguiram os seus termos normais e, no que por ora releva, surgiu a notícia da aquisição do imóvel da Ré por um terceiro, em 13/4/2022. E, nessa sequência, o Autor deduziu incidente de habilitação de adquirente, contra o requerido BB, alegando que, na pendência da ação, este adquiriu a propriedade do imóvel objeto da ação. O Requerido contestou e, após, foi proferida sentença, em 4/10/2023, com o seguinte dispositivo: “Por todo o exposto considero habilitado a intervir nos autos, em substituição da primitiva ré Sociedade Protetora dos Animais, como adquirente, o requerido BB” (transcrição). Esta sentença (apenso A) transitou em julgado. Aqui chegados, importa apreciar o impacto desta decisão de habilitação no desfecho dos presentes autos. É que, desde logo, “não é admissível que se mantenha na lide, em simultâneo, a transmitente e a adquirente por a consequência jurídica típica do incidente de habilitação ser precisamente a substituição processual subjetiva de uma das partes”, conforme nos dá conta o Tribunal da Relação de Évora de 2/3/2023, publicado em www.dgsi.pt com o nº 1825/16.0 T8STR-B.E1. E, por conseguinte, a Ré (inicial) deixou de estar nos autos, em definitivo. Recorde-se que o Autor, na petição inicial, imputava à referida Ré atos ilícitos e culposos, alegando que a conduta da Ré lhe causou danos a si e ao seu prédio. Já acima elencamos os diversos pedidos formulados pelo Autor. O que dizer, então, quanto aos mesmos, em face da circunstância de, na parte passiva, surgir agora um terceiro? Assim e quanto aos dois primeiros pedidos [“a) Conservar e preservar o imóvel sua propriedade; b) Eliminar a vegetação densa existente no logradouro do imóvel sua propriedade”], entendemos que devem subsistir e ser apreciados em juízo, não obstante a modificação subjetiva operada. A nosso ver, estão aqui em causa obrigações propter rem e “as obrigações que derivam deste estatuto não são obrigações que tenham na sua fonte um contrato ou um ato ilícito, porquanto elas derivam da simples circunstância da titularidade de um direito real” – cfr. o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 20/2/2024, publicado em www.dgsi.pt com o nº 240/21.9 T8BNV.E2. Por outras palavras, estas obrigações podem definir-se como aquelas em que o sujeito ativo ou passivo se determina por referência à titularidade de um direito real – vide, para mais desenvolvimentos, HENRIQUE MESQUITA, Obrigações Reais e Ónus Reais, Almedina, 2003. E, assim sendo, essas obrigações “transmite[m]-se ao adquirente da coisa com o direito real de que ela decorre: o novo titular do direito real fica colocado, relativamente ao cumprimento dessa obrigação (…) na mesmíssima situação em que se encontrava o anterior” – assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22/9/2021, publicado em www.dgsi.pt com o nº 25348/18.0 T8PRT-A.P1.S1. Assim sendo e uma vez que o adquirente é o (atual) proprietário ou melhor, é o titular do direito real de propriedade sobre o imóvel contíguo ao do Autor, não há qualquer obstáculo ao prosseguimento dos autos, tal como os mesmos se encontram. Já não assim quanto aos restantes pedidos – os pedidos formulados nas alíneas c), d) e e): quanto a estes, não faz sentido a continuação da demanda. Quanto aos primeiros, está aqui em causa, sem qualquer sombra de dúvida, uma obrigação de natureza pecuniária e emergente de responsabilidade por facto ilícito, nos termos da alegação do Autor, pelo que não se trata de “uma obrigação inerente à titularidade de determinado direito real, cujo cumprimento devesse, necessariamente, ser realizado pelo titular desse direito”, na expressão utilizada pelo Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão acima citado. Ou seja, prossegue este aresto, “Dado que essa obrigação pecuniária não é inerente à qualidade de proprietário de um imóvel, ela não se transmite, automaticamente, ao novo adquirente desse imóvel (…) Para que a obrigação de indemnizar, baseada em responsabilidade por facto ilícito, na qual foi condenado um sujeito que é proprietário de determinado imóvel, se transmita ao novo adquirente desse imóvel, tal transmissão tem de ser convencionada (art. 595.º do CC)”. E não consta dos elementos disponíveis nos autos que entre o transmitente e o adquirente do referido imóvel tivesse existido acordo destinado à transmissão daquela obrigação, nos termos do artigo 595º do Código Civil. Em suma, nestes pedidos c) e d), não existe qualquer litígio atinente à propriedade, mas tão só um direito de crédito de indemnização por responsabilidade civil extracontratual, perante o Autor – vide o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 4/5/2022, publicado em www.dgsi.pt com o nº 3317/20.4 T8AVR-A.P1. De resto, já neste sentido HENRIQUE MESQUITA, ob. cit., pp. 101: “Os direitos de indemnização fundados em normas gerais sobre responsabilidade civil (…) não são pretensões reais” – citação transcrita no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça já identificado. Por fim e quanto ao pedido formulado em e), entende-se que a modificação subjetiva da instância operada, nos termos em que o foi, inviabiliza a sua análise e apreciação, ocorrendo assim e quanto a ele a impossibilidade superveniente da lide, prevista pelo artigo 277º, alínea e) do Código de Processo Civil – à semelhança dos anteriores c) e d). Prosseguem os autos para apreciação e decisão dos pedidos formulados em a) e b) da petição inicial. Quanto aos pedidos formulados em c), d) e e), verifica-se a impossibilidade superveniente da lide, nos termos expostos – cfr. artigo 277º, alínea e) do Código de Processo Civil. Custas, nesta parte, que se fixa em 70% da demanda, a cargo do Autor, porque vencido – cfr. artigo 527º do Código de Processo Civil. Notifique”. Inconformada com esta decisão, dela interpôs recurso o recorrente, que, a terminar as respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões: 1. “O presente recurso é interposto da decisão proferida em 24-10-2024, com a Refª 462297611, pelo Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Cível do Porto Juiz 5, no âmbito de Ação de Processo Comum, com a qual, não se concorda nem se pode concordar, por tal decisão padecer de nulidade, nos termos do disposto no art. 615º, nº 1, al. d) do CPC, bem como, de erro de julgamento, violando dispositivos legais. 2. Como se apura dos autos (após informação da primitiva ré sobre a alienação do imóvel em causa nos autos e antes de ocorrido o incidente de habilitação, na sequência do despacho proferido), em 15-07-2022 reiterou o ora recorrente o por si peticionado em sede da P.I e, consequentemente, requereu a notificação da ré para vir aos autos demonstrar o cumprimento do encargo testamentário ou, caso tal cumprimento não seja demonstrado ou não tenha sido efectuado contrário, a resolução da disposição testamentária, nos termos e com os fins indicados na petição inicial, bem como, em 5/07/2024 peticionou o autor/recorrente ampliação do pedido concernente aos danos patrimoniais e não patrimoniais peticionados na sua P.I., concretamente nas alíneas c) e d), e isto porque, o ora réu/recorrido, desde que é o proprietário do imóvel em causa nos autos, manteve os mesmos actos e omissões praticados pela primitiva ré cfr. fls…dos autos, concreta e respectivamente, requerimentos do ora recorrente de 15-07-2022 e de 5/7/2024 - arts. 1º a 4º. 3. Sobre os referidos pedidos o Meretíssimo juiz a quo nunca se pronunciou, Cfr. fls dos autos subsequentes a tais pedidos e sentença proferida. 4. Pelo que, a decisão proferida padece de nulidade (por omissão de pronúncia), nos termos do disposto no art. 615º, nº 1 al. d) do CPC, o que expressamente se argui com todos os efeitos e legais consequências. Acresce, 5. Verifica-se da sentença proferida, que quanto aos pedidos deduzidos pelo ora recorrente na sua P.I. em c), d) e e), julgou o Meretíssimo juiz ocorrer a impossibilidade superveniente da lide, Cfr. sentença. Ora, 6. Resulta dos autos, que o imóvel em causa nos mesmos, na pendência da ação, foi alvo de transmissão, o que justificou a habilitação de adquirente, promovida na sequência e em cumprimento do douto despacho de Refª 441222314, de 22-10-2022., cfr. fls…dos autos. 7. Transmissão que, foi efectuada por conta do contrato celebrado entre o ora recorrido e a primitiva Ré, cfr. contrato junto aos autos com o requerimento de 5-7-2024 (documento junto pelo Réu aquando contestou o incidente de habilitação). 8. Contrato, nos termos do qual, o ora recorrido comprou o referido imóvel pelo preço de € 181.500,00, tendo sido declarado que o imóvel foi transaccionado no estado e condições em que se encontrava, o qual o Réu declarou conhecer, bem como a sua situação administrativa e jurídica, registral, fiscal e camarária, considerando-o perfeitamente conforme à sua vontade de contratar, e que o preço acordado para a transmissão refletiu o seu estado de conservação e as suas condições (…), cfr. contrato junto, designadamente, 2ª e 6ª clausula. 9. Assim, e certo sendo que dúvidas não existem de que os pedidos formulados na P.I. em c), d) e e) o foram e são peticionados pelo ora recorrente a quem deteve e a quem ora detém o direito de propriedade sobre o imóvel identificado, atento o supra exposto bem como o disposto nos arts. 262º al. a) e art. 356º nº 1 ambos do CPC e, ainda, a relação substantiva em litígio e a transmissão da propriedade operada, salvo melhor e diferente opinião, devem tais pedidos ser apreciados e, a final, a ação obter provimento, se não pela procedência do pedido principal, pela procedência do pedido subsidiário. 10. Devendo em consequência, face ao ocorrido nos autos e à manifesta violação dos normativos supra citados, ser a decisão recorrida anulada/revogada, com todos os efeitos e consequências legais. Sem prescindir, 11. Verificando-se, como se verifica, do sentenciado, que o Meretíssimo juiz do tribunal a quo julgou, quanto aos pedidos deduzidos pelo ora recorrente na sua P.I., concretamente em c), d) e e), verificar-se a impossibilidade superveniente da lide, Cfr. sentença, salvo devido respeito por melhor opinião, incorreu o Meretíssimo juiz em manifesto erro, bem como violou o disposto nos arts. 260º, 262º, 263º, 265º e 356º todos do CPC dispositivos legais. 12. E isto desde logo porque, a transmissão do direito de propriedade do imóvel em causa nos autos ocorreu durante a pendência da acção, o ora recorrente nunca desistiu de nenhum dos seus pedidos e o ora réu foi, por despacho transitado em julgado, habilitado para ocupar na lide a respectiva posição da primitiva ré enquanto proprietária do imóvel. 13. Sendo destituída de razão ou fundamento, além de violadora de princípios constitucionais, designadamente do art. 20º da CRP, qualquer decisão e/ou interpretação donde se possa conceber que por conta de actos como os operados, alheios ao ora recorrente, se legitime ofensa dos seus direitos, quer processuais quer substanciais, direitos por si oportunamente exercidos e invocados. 14. No nosso processo civil, estipula-se o princípio da estabilidade dos elementos essenciais da instância (sujeitos, pedido e causa de pedir), nos termos do disposto nos artigos 564, al. b) e 260 do C.P.C., motivo pelo qual, após a citação a instância deve manter-se a mesma no que tange aos sujeitos, pedido e causa de pedir. 15. Contudo, este princípio da estabilidade da instância comporta exceções, as quais, em termos de modificação subjetiva, se concretizam no chamamento de terceiro para assegurar a legitimidade de alguma das partes (cfr. art. 261º, n.º 1 do CPC), na substituição de alguma das partes, quer por sucessão, quer por acto entre vivos, na relação substantiva em litígio (cfr. alínea a) do artigo 262º do CPC) e na dedução de incidentes da intervenção de terceiros (cfr. alínea b) do artigo 262º do CPC). 16. A habilitação por acto entre vivos mostra-se regulada no nosso ordenamento civil pelo disposto nos arts. 263º e 356º do C.P.C. e pressupõe a transmissão do direito, coisa ou dever litigiosos na pendência de uma determinada acção, termos em que, o incidente visa, tão só, operar a modificação dos sujeitos da lide, colocando o adquirente na posição processual antes ocupada pelo cedente, por forma a que a causa se decida entre os titulares da relação jurídica. 17. Todavia porque esta transmissão produz efeitos de natureza meramente processual, ao nível das partes que se defrontam na lide, não interfere com a discussão do direito que constitui o objeto da causa, tal como é configurado pelo pedido e pela causa de pedir. 18. Deduzido incidente com vista à habilitação do adquirente, a sua admissibilidade depende da verificação dos seguintes pressupostos: pendência de uma acção; existência de uma coisa ou de um direito litigioso; transmissão da coisa ou direito litigioso na pendência da acção, por acto entre vivos e conhecimento da transmissão durante a acção. 19. Requerida a habilitação do adquirente, resulta do disposto no artº 263, nº2 e 356, nº1, als. a) e b), do C.P.C., que a parte contrária pode opor-se à substituição invocando qualquer um de dois fundamentos: que o acto pelo qual se operou a transmissão é inválido (formal ou substancialmente), ou que a transmissão foi feita para tornar mais difícil a sua posição no processo. 20. O fundamento essencial da habilitação do adquirente consiste em permitir que este adquirente deduza os seus próprios meios de defesa numa causa na qual tem interesse directo. 21. A intervenção do proprietário do imóvel em causa nos autos tem como causa subjacente a necessidade de assegurar o litisconsórcio necessário natural quanto aos pedidos formulados afim de que, a decisão relativa a esse direito de propriedade produza o seu efeito útil normal, nos termos do artigo 33º, nº 2 do CPC. 22. Sendo de defender, que se ao adquirente é reconhecida legitimidade para a impugnação da decisão que o habilita no processo, essa impugnação apenas pode ter como causa a violação dos requisitos de admissibilidade da habilitação e não a ausência de interesse na causa ou com fundamento em serem deduzidos pedidos na acção, aos quais é alheio, sabido que a transmissão opera apenas em relação às questões relacionadas com o direito ou coisa transmitida. 23. Por tudo o exposto, julgando sem necessidade de mais e maiores considerações, é manifesto que o tribunal recorrido, ao decidir como decidiu, fez um errado julgamento bem como violou os normativos legais supra indicados, pelo que, e sempre salvo melhor opinião, é manifesto não se verificar a impossibilidade superveniente da lide quanto aos pedidos formulados em c), d) e) da P.I., porquanto os mesmos, ainda que se entenda não se encontrarem subsumidos na posição jurídica transmitida ao ora réu enquanto proprietário do imóvel em causa, encontram-se subsumidos na posição jurídica da primitiva ré (posição jurídica não transmitida ao ora réu/recorrido), motivo pelo qual, deve a decisão recorrida ser anulada/revogada, com todos os efeitos e legais consequências” * O recorrido apresentou contra-alegações em que pugnou pela improcedência do recurso, pedindo que, a entender-se que há omissão de pronúncia quanto à ampliação do pedido, este tribunal se pronuncie sobre a sua inadmissibilidade. * O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo. * Recebido o processo nesta Relação, proferiu-se despacho a considerar o recurso como próprio, tempestivamente interposto e admitido com o efeito e o modo de subida adequados. * Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. * II. Questões a decidir. Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas, as questões que se colocam a este Tribunal são as de saber: 1. Se a decisão recorrida é nula por omissão de pronúncia. 2. Se a substituição nos autos do R. transmitente pelo adquirente do imóvel torna a lide impossível relativamente aos pedidos do recorrente formulados sob as als. c), d) e e). * III. Fundamentação de facto. Os factos a considerar para apreciar as questões objecto do presente recurso são os que constam do relatório supra. * IV. Fundamentação de direito. Delimitada a questão essencial a decidir, nos termos sobreditos sob o ponto II, cumpre apreciá-las: 1. Da invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia. A nulidade que o recorrente aponta à sentença recorrida é a prevista na al. d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC, por o juiz não se ter pronunciado sobre questões que devesse apreciar. Vejamos. O art. 615.º do CPC, sob a epígrafe “Causas de nulidade da sentença”, dispõe no seu n.º 1 que é nula a sentença quando: a) não contenha a assinatura do juiz; b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, e e) o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora ensinam que “não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável” (in “Manual de Processo Civil”, 2.ª Edição, Coimbra Editora, Limitada, pág. 686). Por sua vez, Lebre de Freitas, esclarece que “…a sentença pode apresentar vícios que geram nulidade, tornando-a totalmente inaproveitável para a realização da função que lhe compete, e vícios de conteúdo, que podem afetá-la total ou apenas parcialmente. Os segundos podem respeitar à estrutura, aos limites ou à inteligibilidade da decisão, gerando anulabilidade, ou em erro material, a retificar, todos caracterizando o que a doutrina tradicional usava designar por error in procedendo, ou consubstanciar erro de julgamento (error in judicando), gerando a injustiça da decisão” (in “A Ação Declarativa Comum, à luz do Código de Processo Civil de 2013”, 4.ª Edição, Gestlegal, págs. 375/6). Concretamente a nulidade a que o art. 615.º, n.º 1, al. d), 1.ª parte do CPC se refere, é a que se verifica quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar por força do disposto no art. 608.º, n.º 2 do mesmo diploma legal, de acordo com o qual o juiz deve de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e de não se ocupar senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras. No caso, o juiz de 1.ª Instância conheceu oficiosamente da impossibilidade superveniente da lide relativamente aos pedidos formulados pelo recorrente na PI sob as alíneas c), d) e e), mais concretamente a condenação da R. a: c) pagar ao Autor a indemnização pelos prejuízos sofridos no valor de € 1.230 (mil duzentos e trinta euros); d) pagar ao Autor a indemnização referente aos danos não patrimoniais no valor de € 10.000 (dez mil euros). e) cumprir com o encargo testamentário, nomeadamente, usar do imóvel para obtenção de rendimentos com vista a proteção dos animais em perigo tendo em conta os fins requeridos pelo testador. Por sua vez, os requerimentos que o recorrente acusa de não terem sido apreciados são: primeiro a notificação da primitiva Ré para vir aos autos demonstrar o cumprimento do encargo testamentário ou, caso tal cumprimento não fosse demonstrado ou não tenha sido efectuado, a resolução da disposição testamentária, nos termos e com os fins indicados na petição inicial e, segundo, a ampliação do pedido concernente aos danos patrimoniais e não patrimoniais por si peticionados. Ora, estes requerimentos prendem-se com os apontados pedidos c), d) e e) que não foram objecto de apreciação de mérito por parte do tribunal recorrido, porquanto a ampliação dos pedidos indemnizatórios por danos patrimoniais e não patrimoniais, logicamente, depende da existência da instância relativa a este dois pedidos originários formulados sob aquelas duas primeiras alíneas, e a notificação da R. primitiva para demonstrar o cumprimento do encargo testamentário depende da existência da instância relativa ao pedido de condenação da mesma a cumprir o encargo testamentário formulado sob a última daquelas alíneas. Porque assim, com a extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide em relação aos referidos pedidos c), d) e e), o conhecimento dos requerimentos em apreço ficou prejudicado, situação que justifica a falta de pronúncia sobre as mesmas, ao abrigo do citado art. 608.º, n.º 2 do CPC. Termos em que se julga improcedente a invocada nulidade da sentença recorrida. 2. Da impossibilidade superveniente da lide em relação aos pedidos do recorrente formulado sob as als. c), d) e e) em virtude da substituição nos autos do R. alienante pelo adquirente do imóvel. No decurso dos presentes autos, a R. originária, foi, no âmbito do incidente de habilitação de adquirente que correu por apenso, substituída pelo recorrido BB, enquanto adquirente do prédio, cuja conservação e limpeza é exigida pelo recorrente sob as als. a) e b) dos seus pedidos, a par das pretensões indemnizatórias pelos danos decorrentes do abandono desse prédio pela primitiva proprietária e do cumprimento por esta do encargo testamentário vertidas nos pedidos discriminados nas als. c), d) e e), respectivamente, cuja instância veio posteriormente a ser julgada extinta por impossibilidade superveniente da lide, em suma, por os dois primeiros não corresponderem a “uma obrigação inerente à titularidade de determinado direito real, cujo cumprimento devesse, necessariamente, ser realizado pelo titular desse direito” e a análise do terceiro não ser viável em face da operada modificação subjectiva da instância. Vejamos. O art. 260.º do CPC, sob a epígrafe “Princípio da estabilidade da instância” dispõe que citado o réu, a instância, deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei”. A propósito do pretérito art. 268.º do CPC, ali reproduzido, Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora explicam que o mesmo se limita a identificar os elementos essenciais da causa (as pessoas, o pedido e a causa de pedir) e a ressalvar as modificações admitidas na lei, sem especificar quais elas sejam. As modificações consignadas na lei vêm referidas nas disposições seguintes e em outros lugares dispersos do código. Quanto às modificações subjectivas, avultam as provenientes dos incidentes da intervenção de terceiros e da transmissão, por sucessão mortis causa ou por acto entre vivos, da coisa ou direito litigioso (arts. 270.º e 271.º)” – in “Manual de Processo Civil”, 2.ª Edição, Revista e Actualizada, Coimbra Editora, Limitada, pág. 279. Concretamente para a habilitação do adquirente ou cessionário rege o art. 356.º, conexionado com os arts. 262.º e 263.º do CPC. Em anotação a este último preceito, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, sublinham que “O preceito confronta-nos com uma excepção à regra da coincidência entre a legitimidade processual e a substantiva, prescrevendo que, apesar da transmissão para terceiro, por ato inter vivos, da coisa ou do direito em litígio, a legitimidade processual continua a pertencer ao transmitente, enquanto o adquirente ou o cessionário não for habilitado, nos termos do art. 356.º” (in Código de Processo Anotado, Vol. I, pág. 297). Por sua vez, nos comentários ao art. 356.º do mesmo diploma legal, escrevem estes autores que “Atenta a norma especial de legitimidade ad causam do art. 263.º, a dedução deste incidente é facultativa: o cessionário fica vinculado à sentença com a ressalva da parte final do n.º 3. Assim sendo, por via do incidente da habilitação do cessionário, permite-se que o cedente seja substituído no processo pelo cessionário, o qual adquire a posição processual in totum que o cedente tinha no pleito, não sendo admissível que continuem ambos na lide” (in loc. cit., pág. 412). Neste sentido também se pronunciou a RP em acórdão de 26/06/2017 (Proc. 1701/15.4T8PVZ-A.P1; rel. Augusto de Carvalho) nos seguintes termos “A habilitação do cessionário apenas é possível se este substituir integralmente o autor primitivo. Não é possível a habilitação do cessionário da qual resulte a manutenção na acção do primitivo autor, ainda que para apreciação de parte do seu objeto. O incidente de habilitação do cessionário permite apenas duas opções: «ou a cedente continua na lide, já que a habilitação decorrente da transmissão entre vivos da coisa ou direito litigioso é facultativa; ou a cessionária intervém na lide, através da habilitação e, nesse caso, substitui a cedente, adquirindo a posição processual in totum que a mesma tinha no pleito. Não há a possibilidade de ambas permanecerem na lide, nem a possibilidade de se cindir o objeto da mesma, excluindo a apreciação do pedido reconvencional, por força da substituição do sujeito processual cedente pelo sujeito processual cessionário, quando este não adquiriu, na totalidade, por via do negócio transmissivo, a posição contratual do cedente” (in www.dgsi.pt). Assim, uma vez habilitado por sentença transitada em julgado, o adquirente assume na lide a posição de parte, no caso, de R.. É que, como se salienta no acórdão da RG de 24/04/2019 (Proc. 4490/16.1T8GMR-A.G1), “… o incidente da habilitação é o mecanismo processual que o legislador coloca à disposição das partes para em caso de morte de parte, pessoa singular, ou de extinção de parte, pessoa coletiva (seja autor ou réu), ou em caso de transmissão da coisa ou direito em litigio, colocar o sucessor na posição jurídico-processual que antes era ocupada pela parte falecida ou extinta ou para colocar o adquirente da coisa ou do direito em litígio na posição jurídico-processual que antes era ocupada pelo transmitente. Deste modo, em processo civil, a habilitação tem por objetivo necessário colocar o sucessor no lugar que o falecido ou o transmitente ocupava no processo pendente, e certificar que determinada pessoa sucedeu a outra na posição jurídica em que esta se encontrava (2), ou como escreve Lebre de Freitas, “a sua finalidade é promover a substituição da parte primitiva (autor ou réu) pelo seu sucessor na situação jurídica litigiosa, esteja em causa a sucessão universal de pessoa singular ou singular. Produzindo assim, quando procedente, a modificação subjetiva da instância, mediante a legitimação sucessiva do sucessor, enquanto tal, para a causa (…)”, concluindo que “… a habilitação (…) visa sempre colocar o sucessor no lugar do antecessor, independentemente da legitimidade desta para a causa” (3). Na mesma linha, Salvador da Costa, escreve que “a habilitação é, fundamentalmente, a prova da aquisição, por sucessão ou transmissão, da titularidade de um direito ou de um complexo de direitos ou de uma situação jurídica ou complexo de situações jurídicas, independentemente da sua existência efetiva (…)”, implicando a habilitação incidente “…a modificação da instância quanto às pessoas, ou seja, a substituição de alguma das partes na relação substantiva em litígio por sucessão ou por ato entre vivos”, tratando-se “…pois, de uma exceção ao princípio da estabilidade da instância, por via da qual ela é suscetível de se modificar quanto às pessoas, por virtude da substituição de alguma das partes na relação substantiva em litigio, seja, por sucessão, seja por ato entre vivos” (4). Note-se que atentas as finalidades prosseguidas pelo incidente de habilitação, que como se disse, se reconduzem a efeitos meramente processuais, na medida em que visa tão somente, produzir a modificação subjetiva dos sujeitos em determinada lide pendente, sem interferir com a discussão do direito que constitui o objeto daquela, tal como é configurado pelo pedido e causa de pedir (5), não comportando, por isso, a discussão e decisão sobre o direito que constitui o próprio objeto da causa” (in www.dgsi.pt). Por sua vez, no acórdão da RP de 4/05/2022 (Proc. 3317/20.4T8AVR-A.P1; rel. Anabela Dias da Silva), pode ler-se que “…a habilitação do adquirente nos termos do art.º 356.º só é admissível quando se verifiquem os pressupostos de aplicação do art.º 263.º, que são: - a pendência da acção; - a existência de uma coisa ou de um direito litigioso; - a transmissão da coisa ou direito litigioso na pendência da acção por acto entre vivos; e - o conhecimento da transmissão durante a acção. Assim, em processo civil, a habilitação tem por objectivo necessário colocar o transmitente ocupava no processo pendente, e certificar que determinada pessoa sucedeu a outra na posição jurídica em que esta se encontrava” (in www.dgsi.pt). Retomando o caso dos autos, verifica-se, portanto, que com a substituição da R. primitiva por BB, por sentença transitada em julgado, operou-se a modificativa subjectiva da instância, com a consequente legitimação deste último para a causa, o que, por força do caso julgado formal a que se refere o art. 620.º do CPC, tem força obrigatória dentro do processo. Recorde-se, com o auxílio de Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa que “O caso julgado formal, por oposição ao caso julgado material, restringe-se às decisões que apreciem matéria de direito adjetivo, produzindo efeitos limitados ao próprio processo e, ainda assim, com algumas exceções, designadamente a que decorre do art. 595º, nº 3, quanto à apreciação genérica de nulidades e exceções dilatórias. Despacho que recai sobre a relação processual é todo aquele que, em qualquer momento do processo, aprecia e decide uma questão que não seja de mérito” (in loc. cit., pág. 745). Ora, se a habilitação é a prova da aquisição pelo adquirente da coisa litigiosa, certo é que, o fundamento da habilitação do adquirente foi unicamente a transmissão do prédio da R. primitiva e não a transmissão de qualquer outra situação jurídica em litígio nos autos, como seja as obrigações decorrentes da responsabilidade civil extracontratual imputada pelo recorrente à primitiva R. ou o alegado encargo testamentário, a que o adquirente é alheio. Para mais, como bem resulta da decisão recorrida, o litígio relativo aos pedidos indemnizatórios de c) e d) da PI, provindo da responsabilidade civil extracontratual imputada à primitiva R., não derivam do direito de propriedade do prédio transmitido. Outrossim, o pedido de e) da PI provém da alegada disposição testamentária relativamente à primitiva R. a que o adquirente é igualmente alheio. De onde, uma vez que, como se escreveu no acórdão da RC de 26/09/2023 (Proc. 45/15.6T8NZR-B.C1), “a transmissão opera apenas em relação às questões relacionadas com o direito ou coisa transmitida” (in www.dgsi.pt), verifica-se que o litígio a que se referem estes pedidos (c), d) e e) da PI) não foi transmitido para o habilitado BB. Ainda assim, nos autos verifica-se que pela sentença de habilitação já transitada em julgado, o adquirente do prédio substituiu o transmitente, sucedendo na posição processual in totum que o mesmo tinha no pleito. Neste contexto, a substituição do R. primitivo pelo identificado BB, assegurando a regularidade da instância relativamente à totalidade do objecto da causa, permite, em relação a todos os pedidos, a demandada apreciação de mérito. Na verdade, “este incidente - clarifica Salvador da Costa a respeito da habilitação do adquirente ou cessionário - apenas visa a modificação dos sujeitos na lide, pelo que os seus efeitos são de natureza meramente processual, ou seja, não comporta a discussão e decisão sobre o direito que constitui o próprio objecto da causa” (in “Os Incidentes da Instância”, 2014 – 7.ª Edição, Almedina, pág. 228). Assim, reconhecendo-se que os pedidos c), d) e e) da PI extravasam da transmissão do prédio objecto de litígio da primitiva R. para BB, a regularidade da instância relativamente a esses pedidos nem por isso sofreu prejuízo por causa da habilitação, justamente porque, por esta via, o último ocupou a posição do primeiro não só quanto aos pedidos relativos à coisa transmitida como também quanto aos demais pedidos. Com efeito, à regularidade dos elementos subjectivos da instância, inclusive a dos pedidos relativos à responsabilidade civil extracontratual e ao encargo testamentário imputados à primitiva R., basta a habilitação do adquirente, porquanto na lide este passa a ocupar na totalidade a posição processual do transmitente, ainda que parte do objecto litigioso não lhe tenha sido transmitido. Neste contexto, nem a lide relativa aos apontados pedidos, nem, consequentemente, a apreciação do mérito dos mesmos, se tornou impossível em virtude de o respetivo objecto não ter sido transmitido. Inclusive, excedendo a transmissão, a habilitação só é demonstrativa de um nexo entre transmitente e adquirente, na parte com ela coincidente, e, como tal, o caso julgado formado com este na lide, só nessa medida pode vincular aquele (com interesse vide Castro Mendes e Teixeira de Sousa, in “Manual de Processo Civil”, Vol. I, AAFDL Editora, págs. 388/389). Volvendo à situação em apreço, não se conclui, pois, diferentemente do tribunal recorrido, pela impossibilidade superveniente da lide relativamente aos pedidos formulados em c), d) e e), que, quanto ao mérito, têm necessariamente de improceder em relação ao adquirente a quem nenhum dos factos correspondentes são imputados. Sucede que da sentença em causa apenas o A. recorreu, e a improcedência daqueles pedidos em recurso, com a inerente força de caso julgado material, e, portanto, eficácia intra e extraprocessual nos termos do art. 619.º do CPC, revela-se para o recorrente mais desfavorável do que a decisão recorrida, que, versando unicamente sobre a relação adjectiva, tem força de caso julgado formal, produzindo, portanto, efeitos limitados a este processo (art. 620.º, n.º 1 do CPC). Ora, de acordo com o art. 635.º, n.º 5 do CPC, os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso, o que significa, como se escreveu no sumário do acórdão do STJ de 3/03/2021 (Proc. 1310/11.7TBALQ.L2.S1; rel. Manuel Capelo), que “A decisão do tribunal não pode ser mais desfavorável para o recorrente que a decisão impugnada, e da qual a parte contrária não recorreu, atento o princípio da proibição da “reformatio in pejus” (art.º 635º, n.º 5, do CPC)” – in www.dgsi.pt. De onde, se verifica que, na comparação, o resultado da impugnação do recorrente tem efeitos para o próprio que são mais desfavoráveis do que os da decisão recorrida, e, nessa medida, é esta que prevalece sobre aquela e merece, por isso, ser mantida. As custas são da responsabilidade do recorrente por ter ficado vencido (art. 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC). * Sumário (ao abrigo do disposto no art. 663.º, n.º 7 do CPC): ………………………………………… ………………………………………… ………………………………………… * V. Decisão Perante o exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em confirmar a sentença recorrida. Custas pelo recorrente. Notifique. Porto, 10/3/2025. Carla Fraga Torres José Nuno Duarte Carlos Gil |