Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | JOSÉ MANUEL CORREIA | ||
| Descritores: | CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA ALTERAÇÃO ANORMAL DAS CIRCUNSTÂNCIAS VALOR DA DECLARAÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RP20251023128/23.9T8PVZ.P1 | ||
| Data do Acordão: | 10/23/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA | ||
| Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - A resolução do contrato por alteração superveniente das circunstâncias depende, à luz do art.º 437.º, n.º 1 do Código Civil, dos seguintes requisitos: (i) que haja uma alteração das circunstâncias que fundaram a decisão de contratar; (ii) que essa alteração seja anormal; (iii) que a exigência das obrigações assumidas pela parte afete gravemente a boa fé; (iv) que a alteração não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato. II - Não configura alteração, muito menos anormal, das circunstâncias que fundaram a decisão de contratar a existência de inquilino no prédio objeto mediato de contrato-promessa de compra e venda, entretanto vendido no correspondente negócio definitivo de compra e venda, quando esse facto se verificava aquando da celebração de qualquer destes contratos e era, já nessa altura, do conhecimento de ambas as partes. III - A crise económica que, após a celebração dos contratos, possa ter afetado o país também não configura alteração relevante das circunstâncias para efeitos de resolução de qualquer deles, por se tratar de circunstância estranha à base dos negócios celebrados e, bem assim, de circunstância inerente aos riscos próprios dos contratos. IV - O objeto do negócio celebrado deve estar, sob pena de nulidade, individualmente concretizado aquando da sua celebração, ou poder vir a sê-lo ulteriormente segundo critério estabelecido no próprio negócio ou na lei (art.º 280.º, n.º 1 do Código Civil). V - Não padece de tal vício a declaração negocial em que o declarante expressamente ‘se confessa solidário obrigado com o promitente vendedor perante os promitentes vendedores, pelo cumprimento de todas e quaisquer obrigações emergentes do contrato-promessa nela identificado’, já que, além de não oferecer dúvida quando às obrigações assumidas pelo declarante, estas surgem identificadas por referência a um concreto contrato. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Processo n.º 128/23.9T8PVZ.P1 - Recurso de apelação Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim, Juiz 2 *** .- Sumário……………………………… ……………………………… ……………………………… *** .- Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto, I.- Relatório A Herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de AA; a Herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de BB; a Herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de CC; DD, casado com EE; FF, casado com GG; HH; II; JJ; e KK instauraram a presente ação declarativa de condenação contra LL e MM, pedindo que, pela sua procedência: a.- fosse declarado que a sociedade A..., Ld.ª não cumpriu perante os Autores com as obrigações que havia assumido com os falecidos AA e BB, no contrato promessa de compra e venda de 05/02/2004; b.- fosse declarado que os Réus LL e MM também não cumpriram perante os Autores com as obrigações que haviam assumido com os falecidos AA e BB, no cumprimento daquele contrato promessa de compra e venda de 05/02/2004 e na declaração por eles outorgada em 16/04/2004; c.- fossem os Réus LL e MM condenados a pagar solidariamente aos Autores a quantia de 250.000 €, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até efetivo e integral pagamento. Para tanto, alegaram o seguinte (valendo-nos do que, a esse respeito, consta da sentença recorrida): ‘Os falecidos AA e BB, de quem os demais autores são herdeiros (por si e em representação do falecido CC), celebraram com a sociedade A..., Lda. os seguintes contratos: a.- em 02/02/2000, um contrato promessa de compra e venda, através do qual AA e BB prometeram vender à referida sociedade, que prometeu comprá-lo, o prédio urbano sito na Av. ..., ..., em Matosinhos, descrito na CRP de Matosinhos sob o número .../Freguesia ..., atualmente sob o nº ... da mesma freguesia, de que eram proprietários, tendo sido estipulado o preço total de escudos 57.500.000$00, correspondente a € 286.808,79, preço esse que incluía a entrega de duas frações autónomas, com a tipologia T2, destinadas a habitação, a contruir e à escolha dos primeiros, às quais foi atribuído o valor global de cinquenta milhões de escudos e a entregar no prazo de dois anos após a emissão da licença de construção; b.- em 05/02/2004, um contrato promessa de compra e venda, através do qual a sociedade A..., Lda., representada pelo réu LL, prometeu vender a AA e BB, que prometeram comprar, duas frações autónomas no 1º e 2º andar centro, de tipologia T2, destinadas a habitação, com o respetivo lugar de garagem e arrumos, a edificar no referido prédio e a constituir em propriedade horizontal, tendo as partes fixado a tais frações autónomas o valor de € 250.000,00; c.- em 16/04/2004, um contrato de compra e venda, através do qual AA e BB declararam vender à mencionada sociedade, ali representada pelo réu, que declarou comprar, o referido prédio. No mesmo dia (16/04/2004), os Réus assinaram uma declaração, com as respetivas assinaturas reconhecidas, confessando-se solidários obrigados com a identificada sociedade e perante os promitentes compradores AA e BB pelo cumprimento de todas e quaisquer obrigações emergentes do contrato promessa de compra e venda celebrado em 05/02/2004, tendo como objeto duas frações autónomas no segundo e terceiro andares, de tipologia T2, destinadas a habitação, com o respetivo lugar da garagem e arrumos, a edificar no prédio vendido. Não obstante os referidos contratos e o declarado pelos réus, a sociedade A..., Lda. nunca chegou a transmitir tais frações para os falecidos AA e BB, não obstante as interpelações feitas para o efeito. Em 06/02/2007, a sociedade A..., Lda. outorgou uma escritura pública de permuta com a sociedade B..., Lda., através da qual declarou entregar, juntamente com outros três prédios contíguos, o prédio que lhe fora vendido por AA e BB, recebendo em troca sete frações autónomas, como bens futuros a integrar no edifício em propriedade horizontal a ser implantado no terreno abrangido pela área total dos indicados quatro prédios. Entre as referidas sete frações autónomas encontravam-se as duas frações autónomas que a sociedade A..., Lda., em 05/02/2004, havia prometido vender a AA e BB. Instauraram uma outra ação para execução específica do referido contrato promessa de compra e venda, não tendo tal ação sido julgada apenas porque o prédio ainda não se encontrava submetido ao regime da propriedade horizontal. Tendo, no dia 06/04/2021, sido efetuado o registo da constituição da propriedade horizontal, correspondendo as duas frações em causa às denominadas letras N e S, nesse mesmo dia, os réus foram notificados para a marcação da escritura pública, o que nunca veio a acontecer. A sociedade A... Lda., da qual os Réus eram os únicos sócios e gerentes, foi dissolvida e liquidada, tendo o registo do encerramento da liquidação sido efetuado em 07/11/2016. Donde, como as duas frações autónomas identificadas no contrato promessa de compra e venda outorgado a 05/02/2004 já não poderão ser transmitidas e não foi salvaguardado o crédito, os Réus terão de suportar o encargo patrimonial decorrente dessa situação, compensando o prejuízo patrimonial sofrido, por força da declaração que emitiram’. * Citados, contestaram os Réus, invocando a nulidade do processo por ineptidão da petição inicial e pugnando pela improcedência da ação.Além da matéria concernente à referida exceção dilatória, alegaram, em síntese, o seguinte (de acordo, novamente, com o constante da sentença recorrida). ‘Os falecidos AA e esposa BB, bem assim os aqui Autores sabiam que a sociedade A... Lda. pretendia construir um edifício que abrangia o espaço ocupado pelos prédios contíguos aos de que foram proprietários, tendo aqueles, em 02/02/2000, prometido transmitir o seu imóvel livre de ónus e encargos e livre de pessoas e coisas. Com a celebração daquele contrato, os falecidos AA e esposa BB declararam que a arrendatária que ocupava o imóvel tinha-se obrigado a fazer cessar o contrato de arrendamento e a entregar o prédio, logo que a sociedade dele necessitasse para dar início à construção. A sociedade iniciou o seu projeto pela demolição dos prédios contíguos, que se encontravam livres de pessoas e coisas, convicta que após a celebração do contrato com AA e mulher também demoliria o prédio vendido por estes. No entanto, após a celebração do contrato de compra e venda, a sociedade enfrentou dificuldades, uma vez que o prédio se encontrava arrendado e contrariamente ao que tinha sido transmitido a arrendatária recusou sair sem que lhe fosse proporcionada uma outra habitação. A sociedade foi então obrigada a comprar uma habitação, que ficou registada em nome dos filhos da arrendatária, encargo este que não tinha projetado aquando das negociações realizadas com os falecidos AA e BB, o que constituiu uma alteração superveniente das circunstâncias do negócio e da formação da vontade de contratar. A escritura de compra e venda foi celebrada em 16/04/2004, data em que era esperado que os vendedores tivessem entregue livre de pessoas e bens e de ónus e encargos o prédio urbano e não tendo sucedido assim a sociedade sofreu avultados prejuízos económicos e financeiros por ter ficada impossibilitada de concretizar a pretendida construção, prejuízos esses que se vieram a agravar com a crise económica que surgiu. Com o decurso dos anos, o falecido CC e mulher comunicaram à sociedade que se encontravam necessitados de realizar dinheiro para pagar algumas dívidas, tendo então todos acordado em “pôr termo” ao contrato promessa de compra e venda outorgado em 16/04/2004. A sociedade, no âmbito de tal acordo, procedeu ao pagamento de dívidas daqueles que se encontravam em execução judicial, além de ter ainda pago a quantia de € 35.000,00. Só depois de se verificar a resolução daquele contrato promessa de compra e venda é que a sociedade A... negociou com a sociedade “B...” a venda das frações autónomas que se encontravam reservadas para cumprimento da obrigação contratualmente assumida (pelo contrato promessa de compra e venda). Por outro lado, os valores entregues pela sociedade conjugados com os montantes que se viu obrigada a despender para desocupar o imóvel foram muito acima do valor médio do mercado para os prédios vendidos e não fosse também o facto de a sociedade ter demolido os prédios contíguos, na expectativa de iniciar de imediato a construção, com toda a certeza tinha anulado o negócio realizado com os falecidos AA e mulher. Donde, com a resolução do contrato promessa de compra e venda, também ficaram extintas todas e quaisquer obrigações que a sociedade “A...” assumiu perante os falecidos AA e mulher. A presente ação consubstancia, assim, manifesto abuso de direito por parte dos autores, nos termos do disposto no artigo 334º do Código Civil. Os réus alegaram ainda que a declaração por eles subscrita em 16/04/2004 não é válida, na medida em que a garantia de obrigações futuras, de conteúdo à partida indeterminado, só será válida quando haja elementos que permitam a sua determinação, ou seja, se no momento da constituição o seu objeto for determinável, devendo assim ser considerado como um ato nulo, porque contrário à lei, nos termos dos artigos 280º nº 1 e 294º do Código Civil.’ * Responderam os Autores, impugnando o alegado na contestação.Em síntese, referiram ‘que o réu LL, por si e em representação da sociedade, sabia que havia uma inquilina a morar no prédio, tendo ficado responsável por tratar de todos os procedimentos legais, incluindo negociações, para aquela entregar o prédio e o deixar desocupado, o que, aliás, determinou o valor monetário constante do contrato promessa, pois, se estivesse livre de pessoas, o seu valor comercial era, então, muito superior. Acrescentaram que, no contrato de 02/02/2000, ficou a constar que a venda seria efetuada livre de quaisquer ónus ou encargos, querendo significar que o prédio não estava onerado com penhoras ou hipotecas, dela não constando “e livre de pessoas e coisas”. Negaram, ainda, que a sociedade tenha pago dívidas e a invocada revogação do contrato-promessa, revogação esta que, caso tivesse existido, teria de ser feita por escrito, atendendo ao disposto nos artigos 219º a 221º e 875º do Código Civil. Negaram, ainda, qualquer situação de abuso de direito’. * Em audiência prévia, foi proferido:.- despacho saneador julgando improcedente a exceção dilatória deduzida pelos Réus; .- despacho a fixar em € 250.000,00 o valor da causa; .- despacho a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova, o que não mereceu reclamação das partes. * Teve lugar a audiência de discussão e julgamento.* Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, julgando a ação totalmente procedente e, consequentemente, condenando os Réus LL e MM a pagar aos Autores, na qualidade de herdeiros das heranças abertas por óbito de AA e de BB, a quantia de duzentos e cinquenta mil euros (€ 250.000,00), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a citação até integral pagamento.* Inconformados com esta decisão, dela vieram os Réus interpor o presente recurso, batendo-se pela sua revogação e consequente absolvição do pedido.Para o efeito, formularam as seguintes conclusões: 1.- Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nos autos em epígrafe que decide julgar a presente ação totalmente procedente e em consequência condena os réus LL e MM a pagar aos autores, na qualidade de herdeiros das heranças abertas por óbito de AA e de BB, a quantia de duzentos e cinquenta mil euros (€ 250.000,00), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a citação até integral pagamento, condenando os réus no pagamento integral das custas da ação; 2.- Impugna-se a decisão proferida sobre a matéria de facto com reapreciação da prova gravada. 3.- Em conformidade com o disposto nos nºs 1 e 2 do artº 640º do C.P.Civil, impugnando a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente especifica: a) Quais os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; Consideram os recorrentes que os pontos infra, por referência à identificação dos que consta na sentença recorrida, correspondem aos que estão incorretamente julgados, face á prova produzida, especialmente testemunhal; DOS FACTOS CONSIDERADOS PROVADOS 38) O réu LL quando declarou o referido em 3), sabia que havia uma inquilina a morar no prédio, tendo este assumido, em representação da sociedade A..., Lda., os custos daí decorrentes e tratar de todos os procedimentos legais, incluindo negociações, para aquela entregar o prédio e deixá-lo desocupado, o que determinou o valor do preço acordado DOS FACTOS CONSIDERADOS NÃO PROVADOS c.-Quando foi outorgado o documento referido em 3) a sociedade A..., Lda. já tinha demolido os prédios contíguos, na expectativa de poder vir a iniciar a construção. g.- Quando assinaram o documento referido em 3), AA e BB declararam que a arrendatária que ocupava o imóvel tinha-se obrigado a fazer cessar o contrato de arrendamento e a entregar o prédio, logo que a sociedade dele necessitasse para dar início à construção. h.- Após a celebração da escritura referida em 19), de imediato a sociedade A..., Lda. enfrentou dificuldades, uma vez que o prédio encontrava-se arrendado a duas pessoas diferentes e de idade avançada e contrariamente ao que tinha sido transmitido no momento da celebração do contrato, não se dispuseram a abandonar o imóvel, sem que lhes fosse proporcionada uma habitação nas proximidades do locado e com idênticas condições, sem prejuízo do que se provou em 37). i.- As demolições foram embargadas e, pelo menos, uma arrendatária exigiu a realização de obras na empena da habitação que ficou descoberta. j.- Para que a arrendatária referida em 37) entregasse o locado, a sociedade A..., Lda. foi obrigada a comprar uma habitação na Rua ... em Matosinhos, que foi registada na Conservatória do Registo Predial em nome dos filhos da arrendatária, por assim ter sido exigido. k.- Encargo este que a sociedade não tinha projetado aquando das negociações realizadas com os falecidos AA e mulher. l.- A construção pretendida realizar não era viável economicamente se a sociedade A..., Lda. não conseguisse comprar o conjunto dos imóveis e este foi o primeiro dos pressupostos para a concretização do negócio celebrado entre aquela e os falecidos AA e mulher. m.- Se a sociedade A..., Lda. tivesse conhecimento que o prédio referido em 19) não seria entregue livre de pessoas e bens, na data da escritura, com toda a certeza não teria sido celebrado o contrato nos termos em que o foi. n.- Na data da escritura outorgada em 16/04/2004, era esperado que os vendedores tivessem entregue o prédio urbano referido em 19) livre de pessoas e bens. o.- Assim não tendo acontecido, a sociedade ficou impossibilitada de concretizar a pretendida construção e sofreu prejuízos que se avolumaram com a difícil conjuntura económica que começou a despontar no ano de 2006 e que atingiu a atividade de construção civil e o mercado imobiliário. p.- Com o decurso do tempo a sociedade A..., Lda. enfrentou dificuldades com a aprovação do projeto de construção pela Câmara Municipal ... e viu-se forçada a suspender a pretensão de construir, uma vez que a Câmara Municipal durante um considerável período aplicou taxas muito elevadas para emitir as licenças de construção. q.- Na elaboração do plano de negócio pela sociedade A..., Lda. calculou custos que supervenientemente sofreram substanciais alterações. r.- Com o decurso dos anos, CC e mulher comunicaram à sociedade A..., Lda. que se encontravam necessitados de realizar dinheiro para pagar algumas dívidas, sob pena de ser objeto de venda judicial a habitação onde residiam. s.- Face a esta situação, CC e mulher e a sociedade A..., Lda., acordaram pôr termo contrato promessa referido em 14). t.- No âmbito de tal acordo, a sociedade A..., Lda. procedeu ao pagamento de dívidas de CC e mulher que se encontravam em execução judicial, através de prestações acordadas com a respetiva agente de execução, que se verificou sempre, com a solicitação e intervenção destes últimos. u.- A sociedade A..., Lda. a pedido de CC e mulher, por conta da resolução do contrato promessa de compra e venda, procedeu ao pagamento de uma importância de cerca de € 35.000,00. v.- Se não se tivesse verificado a resolução do contrato promessa celebrado entre a sociedade e os falecidos AA e BB, não seria possível efetuar o pagamento das referidas dividas, que se encontravam em sede de execução judicial. (…) z.- Foi no âmbito de uma relação de mútua confiança que se resolveu o contrato promessa de compra e venda sem que tenha sido assinado qualquer documento. aa.- O que aconteceu também quando a sociedade procedeu ao pagamento das dívidas de CC e esposa. b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunha decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; Da reapreciação dos depoimentos gravados prestados pelas testemunhas Dr. NN e OO, consideram os recorrentes que se impõe decisão diversa da que é objeto de impugnação, por se entender estarmos perante erro na apreciação da prova testemunhal sob apreciação. Com efeito, indicam-se as passagens dos respetivos depoimentos, com referência ao registo dos depoimentos prestados em audiência de julgamento; DR. NN – Inicio do depoimento 14:50 e termo a 15:15, conforme consta da ata da audiência de julgamento do dia 13 de Janeiro de 2025: 1:50 a 1:53 2:03 a 2:20 2:23 a 5:30 5:44 a 6:37 7:14 a 7:20 9:03 a 9:20 9:50 a 11:28 11:34 a 12.04 12:14 a 12:30 12:45 a 12:55 13:20 a 13:30 13:18 a 14:50 OO - Inicio do depoimento 15:15 e termo a 15:59, conforme consta da ata da audiência de julgamento do dia 13 de Janeiro de 2025; 3:01 a 3:25 4:08 a 4:22 5:50 a 6:14 6:30 a 7:12 9:20 a 9:50 10:30 a 11:25 11:30 a 16:07 26:00 a 27:00 29:12 a 30:10 30:17 a 30:35 31:14 a 31:53 c) A decisão; Conjugando os depoimentos das supra identificadas testemunhas que depuseram com conhecimento direto e pessoal sobre a factualidade em apreciação nesta impugnação, de forma isenta, desapaixonada e clara, a factualidade impugnada dos factos considerados provados, deve passar ao elenco dos factos não provados e a factualidade impugnada dos factos considerados na sentença recorrida, como não provados, deve passar ao elenco dos factos provados. A testemunha Dr. NN revelou conhecimento direto e pessoal dos factos, por ser filho da inquilina do prédio que AA e esposa venderam à sociedade “A...”. Tendo revelado que sua mãe, recebeu uma notificação para exercer o direito de preferência na compra o imóvel mas não tem conhecimento de qualquer negociação efetuada pelos falecidos PP e esposa para que o arrendamento fosse rescindido. Teve conhecimento, uma vez que, participou nas negociações que ocorreram entre a sociedade “A...” e a sua mãe, para fazer cessar o contrato de arrendamento e permitir a construção de um edifício, conjuntamente com as moradias contiguas. Explicou que, as negociações levaram a que a sociedade “A...” tivesse comprado uma habitação que permutou com a testemunha, tendo sido valorizado este negócio para efeitos de compensação em cerca de €25.000 naquela data. Referiu a testemunha que, este negócio concretizou-se em 18 de Abril de 2008, pelo que, cerca de quatro anos após a data em que a sociedade “A...” realizou o negócio com os falecidos AA e esposa. Tendo esta testemunha a certeza que só após a concretização deste acordo de rescisão do contrato de arrendamento se tornou possível a construção do prédio que lá se encontra construído. Disse ainda esta testemunha que, os prédios contíguos foram demolidos e que o próprio informalmente reclamou junto do presidente da Câmara Municipal ..., por entender que o estado em que ficaram, colocou em risco a segurança da habitação ocupada pela mãe. Situação esta que se manteve por muitos anos e até á celebração do acordo que permitiu a demolição do locado ocupado pela sua mãe. Por sua vez, a testemunha OO, que desempenhou as funções de administrativa na sociedade “A...”, revelou ter tido conhecimento da compra dos imóveis pela sociedade na Avenida ... em Matosinhos, para ali construir um edifício. Para o qual era indispensável a desocupação do imóvel que tinha sido vendido pelos falecidos PP e esposa pela inquilina. Referiu esta testemunha que, apesar de não ter participado em reuniões entre o gerente da sociedade “A...” e os falecidos AA e esposa, sabia que o imóvel deveria ter sido entregue, tal como consta do contrato promessa de compra e venda, livre de ónus e encargos, ou seja, livre do arrendamento. Não se tendo verificado esta situação, acabou por ser a sociedade “A...” que teve de negociar com a inquilina a cessação do contrato de arrendamento, a fim de permitir a execução do projeto. Revelou a testemunha ter conhecimento que a sociedade “A...” tinha aprovado o projeto de construção pela Câmara Municipal ... e financiamento bancário destinado à construção. O que acabou por caducar, face ao decurso do tempo que levaram as negociações com a inquilina. Referiu esta testemunha que, face às citadas vicissitudes, a sociedade “A...” teve de vender o projeto para viabilizar o negócio. Mas, face à crise que se viveu no período em entre 2006 e 2013, também a empresa que comprou não conseguiu concretizar a construção. Esta testemunha disse ainda que, a sociedade “A...” não perspetivou que a inquilina não entregasse o locado e que se demorasse tanto tempo a conseguir desbloquear a situação. Caso a “A...” tivesse tido conhecimento destas dificuldades, não teria celebrado o negócio. Disse também esta testemunha que a sociedade “A...” iniciou a demolição das casas que se encontravam incluídas no projeto, tendo sido embargada pela inquilina da habitação arrendada e até à concretização do aludido acordo. Referiu esta testemunha que, quando se convencionou no contrato de compra e venda que os falecidos AA e esposa entreparariam o imóvel livre de ónus e encargos, pressupunha também que fosse livre de pessoas e bens. Pois assim sempre lhe foi transmitido pelo Réu no tratamento da documentação que lhe entregava no âmbito da sua atividade profissional. Esta testemunha revelou ter conhecimento da compra que a sociedade “A...” fez de uma habitação na Rua ... para a concretização do acordo celebrado com a inquilina, confirmando o depoimento da testemunha Dr. NN. E, que, teve conhecimento da entrega de dinheiro aos falecidos AA e esposa para pagamento de uma divida em execução de um filho e nora destes. Não conseguindo precisar com rigor o montante mas crê ter sido entre €35.000 e €40.000. Questionada sobre a versão dos autores que a importância entregue constituiu um empréstimo, foi esta testemunha perentória em afirmar que a sociedade “A...” não emprestava dinheiro nem tinha condições para o fazer. 4.- Saliente-se que a sentença recorrida não fundamenta o facto 38) considerado como provado, como se regista infra; “Afigurando-se-nos que a controvérsia,, nesta parte, se resumiu à circunstância de saber se os falecidos AA e BB garantiram que a mesma não se oporia à saída (versão apresentada pelos réus) ou se a sociedade assumiu os custos e a responsabilidade de tal desocupação (versão dos autores).” “Na resolução de tal controvérsia deu-se como provado que se consignou sob o ponto 38) dos factos provados e não provado o que se consignou nas alíneas g), h), j), k), m), n), e o) dos factos atendendo ao seguinte:” “No que concerne ao que foi acordado antes da celebração do contrato promessa de compra e venda assinado em 02/02/2000 e da escritura de compra e venda do prédio outorgado em 16/04/2004, teve-se presente que nenhum dos intervenientes diretos depôs sobre tal questão, uns porque, entretanto, infelizmente faleceram e o réu porque não depôs.” 5.- Conforme foi entendido na sentença recorrida, a total ausência de prova do facto 38) não permite que o mesmo conste como provado. 6.- Ponderados os depoimentos gravados das duas testemunhas atrás identificadas, com recurso às regras da experiência comum, verifica-se erro na apreciação da prova pelo Mº Juiz “a quo”, o que permite nesta instância de recurso a sua alteração. Estamos assim, perante uma situação que permite a alteração da matéria de facto pelo Tribunal da Relação, pois, procedendo-se à audição efetiva da prova gravada, permite concluir, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência final, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direção diversa, e delimitaram uma conclusão diferente daquela que vingou na primeira Instância. 7.- As testemunhas cujos depoimentos gravados são indicados pelos recorrentes, foram as únicas que intervieram na audiência de julgamento que revelaram conhecimento direto e pessoal acerca dos factos em discussão. 8.- Os demais intervenientes não revelaram qualquer conhecimento direto e pessoal acerca dos factos em discussão. 9.- Deve assim a factualidade em discussão ser apreciada na conjugação dos depoimentos das testemunhas Dr. NN e OO. 10.- Os Autores peticionam o pagamento da importância de €250.000,00 correspondente ao prejuízo sofrido pelo facto de não terem sido transmitidas pela sociedade “A...” as frações autónomas identificadas no contrato promessa atrás identificado, que mereceu acolhimento na sentença recorrida. 11.- A aludida quantia fundamenta-se na declaração que os recorrentes assinaram e consta do ponto 20) dos factos considerados provados. 12.- Em primeiro lugar, resulta evidente que os falecidos AA e esposa não cumpriram a obrigação que assumiram, por não terem entregue à sociedade “A...” o imóvel livre de ónus e encargos. 13.- Facto este que foi determinante e foi causa direta para o envolvimento da sociedade “A...” em diversas vicissitudes que a levaram até ao encerramento. 14.- As negociações para a desocupação do imóvel demoraram cerca de 4 anos e custaram à sociedade “A...” alguns milhares de euros. 15.- Não se podendo deixar de ter em consideração que a sociedade “A...” não podia resolver o negócio, um a vez que, o prédio vendido pelos falecidos AA e esposa era imprescindível à construção, conjuntamente com os demais que a sociedade começou por demolir, conforme se alcança do ponto 33) e 36) dos factos considerados provados. 15.- Tal circunstância colocou a sociedade no centro da maior crise económica e social do século XX, vivida especialmente entre os anos de 2006 e 2013, que não carece de prova por ser do conhecimento público e generalizado. 16.- Se a sociedade “A...” tivesse tido a imediata disponibilidade do imóvel vendido pelos falecidos AA e esposa, teria construído o edifício e entregue as frações autónomas a que se tinha obrigado, como se alcança do ponto 36) dos factos provados. 17.- A declaração que os Réus subscreveram ocorreu, assim, em circunstâncias que se alteraram profundamente em relação à data em que o fizeram. 18.- Tal declaração remeteu-se clara e expressamente para o contrato promessa de compra e venda e para o facto que era do conhecimento dos falecidos AA e BB, que a sociedade “A...” pretendida demolir todos os prédios que comprara para ali edificar um edifício sob o regime da propriedade horizontal – facto provado 36). 19.- Não vislumbraram os Réus a possibilidade da sociedade “A...” não poder iniciar a construção, pelo facto de uma inquilina do prédio que os falecidos AA e esposa venderam à identificada sociedade não entregar o imóvel livre de pessoas e coisas, conforme ponto 37 dos factos provados. 20 - Com toda a certeza que os Réus jamais teriam subscrito a declaração correspondente sob facto provado sob o ponto 20), se tivessem conhecimento que o imóvel vendido pelos falecidos AA e esposa não era entregue de imediato livre de pessoas e coisas. E, com toda a certeza a sociedade “A...” não teria celebrado o contrato de compra e venda e posteriormente a promessa de compra e venda, nos termos em que o fez. 21.- Dedicando-se a sociedade “A...” à construção de edifícios, jamais admitiria a compra sem a possibilidade imediata de construção. 22.- Foram assim os falecidos AA e esposa responsáveis pela impossibilidade da sociedade “A...” cumprir com o que consta do contrato promessa de compra e venda e que consubstancia uma efetiva permuta. Pois, a sociedade “A...” obrigou-se como forma de pagamento do preço da habitação que comprou aos falecidos AA e esposa, a entregar frações autónomas. Estas constam do contrato promessa de compra e venda, onde é conferida a quitação do preço pela sociedade “A...”. 23.- Uma drástica alteração das circunstâncias que constituem a base bilateral da declaração (que levou os contraentes, comummente, a contratar nos termos em que o fizeram); que configura um obstáculo anómalo (grave e extraordinário) ao normal desenvolvimento do quadro contratual previsto; que afetou supervenientemente o equilíbrio patrimonial e a funcionalidade própria do negócio, de modo que a exigência da prestação por um contraente comporte uma desproporção inadmissível entre a vantagem própria e o sacrifício, ou seja, uma prestação excessivamente onerosa para um contraente face à da contraparte, como se verifica no nosso caso, afasta a responsabilidade dos Réus no pagamento da indemnização aos autores. 24.- Conforme já se alega na contestação, a suscitada obrigação dos Réus não é válida. 25.- A garantia de obrigações futuras, de conteúdo à partida indeterminado, só será válida quando haja elementos que permitam a sua determinação, ou seja, se no momento da constituição o seu objeto for determinável. 26.- No momento da emissão da declaração, os Réus apenas perspetivaram a obrigação da sociedade “A...” contruir o edifício e entregar as frações autónomas. Obrigação esta inerente ao contrato promessa de compra e venda. 27.- Jamais os réus tiveram a possibilidade de prever que a construção não ocorreria, uma vez que, a sociedade “A...” dispunha de projeto aprovado pela Câmara Municipal ... e disponibilidade financeira para a concretização da construção, por isso, para o cumprimento da obrigação prometida. 28 – Pelo que, através do documento subscrito pelos Réus, não lhes pode ser imputada alguma responsabilidade a qualquer título. 29.- Do referido documento consta apenas que “por esta declaração LL e esposa MM, confessam-se solidários obrigados com a supra identificada sociedade e perante os promitentes compradores PP e esposa BB, pelo cumprimento de todas e quaisquer obrigações emergentes do aludido contrato promessa de compra e venda.” 30.- Declaração esta vaga e indefinida, pelo que, inválida. 31.- Por conseguinte, além das alterações supervenientes ao momento em que o documento foi subscrito pelos Réus que afetam a validade da sua declaração, como já se viu, verificou-se ainda o incumprimento da obrigação dos falecidos AA e esposa de entrega do imóvel livre de ónus e encargos, que, por sua vez, impediu o cumprimento da prometida entrega das frações autónomas. 32.- Essencialmente, aquele documento não pode constituir qualquer obrigação para os Réus, pelos motivos atrás invocados. 33.- Portanto, o entendimento de que ocorreu uma assunção de dívida pelos Réus, tem de ser considerado como um ato nulo, porque contrário à lei, nos termos dos art. 280º nº 1 e 294º do Código Civil. 34.- Afigura-se ainda relevante apreciar se o facto de constar do contrato de compra e venda dos falecidos AA e esposa que o prédio foi vendido livre de ónus ou encargos lhes imputava a responsabilidade de o entregar à sociedade “A...” sem o arrendamento e desocupado. Até porque, sabiam da necessidade que a sociedade “A...” tinha para o demolir e dar lugar a nova construção. 35.- A existência de contrato de arrendamento relativo a parte do prédio vendido, face ao disposto no art. 1057 do C. Civil, deve ser entendido como um ónus ou limitação que não foi tomado em consideração e que exceda os limites inerentes aos direitos da mesma categoria e que seria essencial para o adquirente formar a sua decisão, pois influenciava o valor do bem e o destino que o comprador lhe pretendia dar. 36.- Por conseguinte, os falecidos AA e esposa não cumpriram o contrato celebrado com a sociedade “A...”, também não podendo assim, agora os herdeiros, exigir dos recorrentes que estes cumpram qualquer obrigação. 37.- Se as partes contratantes previssem que a venda era efetuada com o ónus e encargos do arrendamento, com toda a certeza teriam feito constar do próprio documento. Mas, a este respeito não se encontra qualquer referência, além que a venda era feita livre de ónus e encargos. 38.- Os falecidos AA e esposa violaram o dever de negociarem e agirem de boa-fé, expressamente previsto no art. 227º, nº 1 do Código Civil, que vigora tanto para os contratos consensuais como para os contratos formais. 39.- Viola esse imperativo da lei a conduta que traduza uma reprovável falta de consideração pelos legítimos interesses da outra parte. 40.- A sentença recorrida faz errada interpretação e aplicação de todas as disposições legais atrás identificadas e decide contrariamente à doutrina e jurisprudência dominante acerca da nulidade da fiança. * Responderam os Autores ao recurso, batendo-se pela sua improcedência, concluindo do seguinte modo:1.- Os recorrentes afirmam nas suas conclusões que pretendem impugnar a matéria de facto, por alegado erro na apreciação da prova, não fazendo qualquer referência expressa (ou tácita) a qualquer facto, com referência às transcrições da prova gravada, inserto nos articulados ou referido nos factos provados ou não provados, que se tenha por mal julgados, não explicitando os respetivos fundamentos que a tal conduziriam. 2.- O seu raciocínio, para pôr em crise a douta decisão impugnada, baseia-se nos factos efetivamente dados como assentes, em contraposição com os factos dados como não provados, concluindo que a sentença recorrida, na sua opinião, “faz uma errada interpretação e aplicação de todas as disposições legais” identificadas e decidiu “contrariamente à doutrina e jurisprudência dominante”, com o que, desde já, os recorridos não podem concordar. 3.- O recurso interposto, tal como emerge das conclusões versa, substancialmente, sobre a matéria de direito, ou seja, sobre desajustada subsunção dos factos ao direito aplicável. 4.- A prova carreada para o recurso pelos ora recorrentes, que não foi sequer transcrita, limitando-se a enunciar os tempos de gravação em minutos e segundos, fazendo meramente referência aos depoimentos em causa, que não são reproduzidos em texto transcrito pelos recorrentes, violando as normas processuais cíveis aplicáveis, nunca poderá, salvo melhor opinião, fundamentar e impor a alteração da decisão judicial, atento o facto de as testemunhas Dr. NN e OO nada referirem quanto à matéria, que os recorrentes visam impugnar, como bem consta da douta sentença, que refere que as testemunhas demonstraram “um conhecimento nada circunstanciado ou concretizado acerca das condições em que o negócio foi realizado e em que tal terá sido acordado”. 5.- Se os aqui recorrentes pretendem impugnar a matéria de facto, mas não cumprem o ónus que lhe é imposto pelo artigo 640º, nº1, alínea a), do CPC, o prazo para a interposição do recurso é de 30 dias, face ao disposto no artigo 638º, nº1, do CPC, não podendo eles beneficiar do acréscimo de 10 dias a tal prazo (30+10), a que se refere o nº 7 do citado preceito legal. 6.- O legislador exige que o recorrente seja meticuloso, incisivo e concernido na forma como impugna a decisão de facto, impondo-lhe a especificação dos concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados e quais os concretos meios probatórios, constantes e existentes no processo, que impõem decisão factual diversa. 7.- O presente recurso tem de ser considerado extemporâneo, pois que o prazo para apresentar as alegações de recurso é de apenas 30 dias, porquanto incumpriu o preceituado nos artigos 638º e 640º do CPC, tendo o referido prazo terminado no dia 17/03/2025. 8.- Vêm os ora recorrentes alegar que se verificou “um erro na apreciação da prova pelo Mº Juiz “a quo””, assim como alegam que “a sentença recorrida faz uma errada interpretação e aplicação de todas as disposições legais” identificadas e decidiu “contrariamente à doutrina e jurisprudência dominante acerca da nulidade da fiança”, o que, desde já, se impugna. 9.- A sentença deu como assente que “o réu LL […] assumiu, em representação da sociedade A..., Lda., os custos daí decorrentes e tratou de todos os procedimentos legais, incluindo negociações, para aquela entregar o prédio e deixá-lo desocupado, o que determinou o valor do preço acordado”. 10.- Essa conclusão assenta na factualidade de que, no “concerne ao que foi acordado antes da celebração do contrato promessa de compra e venda assinado em 02/02/2000 e da escritura de compra e venda do prédio outorgada em 16/04/2004, teve-se presente que nenhum dos intervenientes directos depôs sobre tal questão, uns porque, entretanto, infelizmente faleceram e o réu porque não depôs”, sendo que as testemunhas que depuseram em sede de julgamento, denotaram um conhecimento nada circunstanciado ou concretizado acerca das condições em que o negócio foi realizado e em que tal terá sido acordado, o que afasta qualquer vício de apreciação da prova. 11.- Mais alegam os ora recorrentes que, quanto aos factos considerados “não provados” (alíneas c), g), h), i), j), k), l), m), n), o, p), q), r), s), t), u), v), z), e aa)), teriam sido omitidos factos essenciais como, por exemplo, a demolição prévia dos prédios contíguos ou a obrigação dos vendedores de garantir a desocupação. 11.- A sentença analisou de forma exaustiva os autos, concluindo que tais factos não foram comprovados por ausência de testemunhos diretos (falecimento dos intervenientes diretos e omissão de depoimento, com ausência de depoimentos específicos) e que não se tratava de factos essenciais, cuja prova direta fosse impraticável, sendo que tais factos não foram provados e não há provas documentais que os respaldem. 12.- A mera invocação genérica de “prova gravada”, que não foi transcrita pelos apelantes, sem menção a contradições concretas na decisão de primeira instância não reúne os requisitos do artigo 662.º do CPC para reverter a convicção formada. 13.- Quanto à testemunha NN, cujo depoimento foi prestado na audiência de julgamento do dia 13/01/2025, aqui se transcrevem as passagens (a sublinhado nosso) que os recorrentes indicaram no recurso apresentado: (…) 15- Por sua vez, quanto à testemunha OO, cujo depoimento foi prestado na audiência de julgamento do dia 13/01/2025, aqui se transcrevem as passagens (a sublinhado nosso) que os recorrentes indicaram no recurso apresentado: (…) 16.- O Tribunal a quo deu por provado que o réu LL sabia da inquilina em 2000 e assumiu a responsabilidade e os custos da desocupação em nome da sociedade, o que influenciou o valor do preço. 17.- A testemunha NN (filho da inquilina) confirmou ter negociado apenas com LL e que a sociedade pagou à mãe, afirmando que nunca tinha falado com os ..., mas sempre com os representantes da sociedade, que se assumiram como proprietários do imóvel. 18.- Por outro lado, não se provou que os vendedores (os falecidos) tivessem garantido a saída da inquilina, como alegam os ora recorrentes, não resultando tal factualidade de qualquer depoimento prestado. 19.- Não se provou que o contrato de 02/02/2000 estipulasse a venda livre de pessoas e bens (apenas ónus/encargos), não se tendo provado quaisquer factos concretos que, à luz da boa-fé, justificassem a modificação ou resolução do contrato devido a dificuldades económicas ou custos de desocupação, especialmente porque a sociedade assumiu essa responsabilidade inicialmente. 20.- No conjunto de factos, considerações e conclusões tiradas pelos recorrentes parece indiscutível que os mesmos não colocam em causa o erro de construção do raciocínio judiciário, mas antes se dirigem claramente à injustiça do decidido por, no seu entendimento, a sentença ter feito incorreta interpretação e aplicação do direito, quando, na sua ótica, “a total ausência de prova do facto 38) não permite que o mesmo conste como provado”. 21.- Com efeito, a fundamentação constante da sentença recorrida é clara, exaustiva e consistente, tendo o tribunal a quo esclarecido como formou a sua convicção, como valorou a prova, como a articulou, e qual a análise crítica a que a submeteu. 22.- Atentos todos os depoimentos prestados, nomeadamente os aqui transcritos, ponderando as razões de facto expostas pelos recorrentes em confronto com as razões de facto consideradas na decisão, entendemos que bem andou o Tribunal a quo na douta sentença proferida. 23.- Tal como se impõe que o Tribunal faça a análise crítica das provas (de todas as que se tenham revelado decisivas), também os recorrentes, ao enunciar os concretos meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa, devem seguir semelhante metodologia, não bastando nomeadamente para o efeito reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos. 24.- Ouvida aquela prova, a que aludem os recorrentes, que direta e pessoalmente não intervieram no negócio celebrado entre as partes, produzida em audiência, e analisada a documentação dos autos, os ora recorrentes, não têm, no essencial, qualquer razão. 25.- Os réus acusam os autores de “ressuscitarem” efeitos de contrato alegadamente revogado verbalmente, o que configura uma situação de abuso de direito, nos termos do artigo 334.º do CC. 26.- A douta sentença, porém, concluiu que não foi provado qualquer acordo de revogação verbal, visto que não se produziu qualquer prova direta sobre tal factualidade, sendo que o exercício do direito de exigir cumprimento contratual respeitou os limites da boa-fé, não se configurando uma situação de abuso. 27.- Alegam os ora recorrentes ter havido, verbalmente, a resolução do contrato-promessa por mero acordo de confiança, sem instrumento escrito, sendo que tal revogação verbal, sem respeito pela forma exigida, o que significa, que mesmo que se tivesse provado tal revogação verbal, a mesma seria nula, por falta de forma. 28.- Os ora recorrentes alegam, ainda, alteração superveniente das circunstâncias, nos termos do artigo 437.º CC, invocando a crise económica e os encargos imprevistos, como fundamento para revisão ou resolução do contrato. 29.- O Tribunal a quo, na douta decisão, entendeu que esses riscos são inerentes ao negócio imobiliário e que foram assumidos pelas partes, não configurando uma alteração imprevisível e gravemente desequilibrante que justifique revisão equitativa. 30.- Os ora recorrentes, nas suas alegações de recurso, invocam a nulidade da garantia solidária, nos termos dos artigos 280.º e 294.º CC, sustentando que a declaração de fiança de 16/04/2004 seria vaga e indeterminada. 31.- A douta sentença, porém, analisou e ponderou tal declaração, na qual os réus “confessam-se solidários obrigados […] pelo cumprimento de todas e quaisquer obrigações emergentes do aludido contrato-promessa”, concluindo, indubitavelmente, que o objeto de tal declaração é claro, preciso e inequívoco, sendo este perfeitamente identificável nos documentos juntos. 32.- Resultou provado que, no mesmo dia da escritura de venda do prédio (16/04/2004), os réus LL e MM assinaram uma declaração, com assinaturas reconhecidas, onde se confessaram solidariamente obrigados com a sociedade A... pelo cumprimento de todas e quaisquer obrigações emergentes do contrato promessa de 05/02/2004. 33.- O Tribunal a quo interpretou esta declaração como clara, inequívoca e direta, como uma fiança solidária, tendo os réus alegado a nulidade desta declaração por garantir obrigações futuras indeterminadas. 34.- Na douta sentença, tal argumento foi rejeitado, considerando que, embora fossem obrigações futuras, o seu objeto era perfeitamente determinável por referência ao contrato promessa específico de 05/02/2004, identificando as partes, o objeto (as duas frações) e as obrigações garantidas. 35.- A lei permite a fiança de obrigações futuras ou condicionais, desde que o objeto seja determinável, o que se verifica. 36.- A condenação dos ora recorrentes pelo Tribunal a quo resultou da validação da garantia solidária prestada pelos réus para com as obrigações da sociedade e do incumprimento definitivo e culposo da sociedade ao não entregar as frações prometidas, devido à sua extinção. 37.- Deve manter-se, integralmente, a douta decisão recorrida, com a condenação solidária dos réus ao pagamento aos autores da quantia de 250.000,00 €, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde a citação, assim como foram condenados no pagamento integral das custas, sendo certo que a douta sentença ora recorrida em momento algum violou o preceituado dos artigos 221.º, n.º 2, 227.º, 280.º, 294.º, 334.º, 364.º, 410.º, n.º 1, 437.º, 875.º e 1057.º do Código Civil e dos artigos 607.º, 621.º e 662.º do CPC. * O recurso foi admitido em 1.ª instância como apelação, com subida nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.* Foram colhidos os vistos legais.* Cumpre, pois, apreciar e decidir.*** .- Questão prévia: da intempestividade do recursoO recurso foi corretamente admitido em 1.ª instância no que diz respeito à espécie, efeito e regime de subida. Os Apelados suscitam, contudo, a questão prévia da sua intempestividade, pelo que se impõe tomar conhecimento da mesma. A posição dos Apelados é a seguinte: os Apelantes interpuseram o recurso além dos 30 dias previstos no art.º 638.º, n.º 1 do CPC, pretendendo beneficiar do acréscimo de 10 dias previsto no 7 do preceito, no pressuposto de o recurso ter por objeto, além do mais, a reapreciação da prova gravada. Não cumpriram, porém, os ónus que os n.ºs 1 e 2 do art.º 640.º do CPC impõem para que o recurso em matéria de facto seja admissível, pelo que, não podendo beneficiar da aludida extensão do prazo de 10 dias, seria o recurso extemporâneo. Tal, contudo, não é assim. Com efeito, a admissibilidade do recurso e a admissibilidade da impugnação da decisão em matéria de facto constituem realidades distintas. A primeira tem a ver com a admissibilidade do recurso propriamente dito. A segunda, por seu turno, tem a ver com a admissibilidade de um específico segmento de um recurso já admitido. A questão de saber se o recurso é admissível precede, por isso, a de saber se a impugnação da decisão em matéria de facto também o é, além de se basear em requisitos de apreciação distintos, sem que a decisão desta possa de algum modo influenciar a decisão daquela. No caso, os Apelantes impugnaram a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida e basearam essa impugnação, além do mais, naquilo que resultou da prova gravada, indicando os tempos da gravação em que fundaram o recurso e apreciando dois dos depoimentos prestados em julgamento. É o bastante para concluirmos que o seu recurso tem por objeto a prova gravada e, consequentemente, que beneficiam da extensão do prazo de 10 dias prevista no supra citado preceito. Questão diversa é a de saber se cumpriram efetivamente os ónus previstos nos n.ºs 1 e 2 do art.º 640.º do CPC, a qual, dizendo respeito à admissibilidade da impugnação da decisão da matéria de facto, deverá ser apreciada noutra sede que não nesta. Em face do exposto, e não sendo questionado que o recurso tenha sido interposto dentro do prazo resultante da referida extensão, forçoso é concluir que é tempestivo. Nada obsta, pois, à sua admissão, improcedendo a pretensão dos Apelados aqui em apreço. *** II.- Das questões a decidirO âmbito dos recursos, tal como resulta das disposições conjugadas dos art. ºs 635.º, n.º 4, 639.º, n.ºs 1 e 2 e 641.º, n.º 2, al. b) do Código de Processo Civil (doravante, CPC), é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente. Isto, com ressalva das questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado ou das que se prendem com a qualificação jurídica dos factos (cfr., a este propósito, o disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 663.º, n.º 2 e 5.º, n.º 3 do CPC). Neste pressuposto, as questões que, neste recurso, importa apreciar e decidir são as seguintes, de acordo com a sua precedência lógica: i.- da admissibilidade da impugnação da decisão da matéria de facto; ii.- na afirmativa, da correção dessa decisão quanto ao facto provado n.º 38 e quanto aos factos não provados das alíneas c), g) a v) e z) e aa); iii.- da obrigação dos promitentes vendedores no contrato-promessa de 02-02-2020 de diligenciarem pela desocupação do prédio por parte da inquilina; iv.- da alteração superveniente das circunstâncias que estiveram na origem da subscrição, pelos Apelantes, da mesma declaração e da virtualidade dessa alteração para eximi-los da obrigação de indemnizarem os Apelados; v.- da nulidade da declaração referida no facto provado n.º 20 decorrente da indeterminação do seu objeto. *** III.- Da FundamentaçãoIII.I.- Na sentença proferida em 1.ª Instância e alvo deste recurso foram considerados provados os seguintes factos: 1.- Os autores são os únicos e universais herdeiros de AA e BB, falecidos, respetivamente, em 28/04/2007 e 27/04/2018, sendo que os autores HH, II, JJ e KK, em representação de CC, também já falecido. 2.- AA e BB tiveram inscrita a seu favor, na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos, desde 15/02/1993, a aquisição, por partilha, do prédio sito na Av. ..., ..., em Matosinhos, descrito na referida Conservatória sob o nº .../Freguesia ..., inscrito na antiga matriz predial urbana da Freguesia ... sob o artigo .... 3.- Por documento escrito datado de 02/02/2000, denominado de contrato promessa de compra e venda AA e BB declararam prometer vender à sociedade A..., Lda., ali representada pelo réu LL, na qualidade de gerente, o prédio urbano sito na Av. ..., ..., em Matosinhos, descrito na Conservatória de Registo Predial de Matosinhos sob o número .../Freguesia ... e artigo matricial ..., pelo preço total de escudos 57.500.000$00 (cinquenta e sete milhões e quinhentos mil escudos), preço esse que incluía a entrega de duas frações autónomas, com a tipologia T2, destinadas a habitação, a contruir e à escolha dos primeiros, às quais foi atribuído o valor global de cinquenta milhões de escudos e a entregar no prazo de dois anos após a emissão da licença de construção, tudo nos termos que resultam do teor documento nº 12 junto com a petição inicial e que aqui se dá por integralmente reproduzido. 4.- Na cláusula terceira do documento referido em 3) ficou a constar o seguinte: “Esta venda é efetuada livre de quaisquer ónus ou encargos” 5.- A sociedade comercial sociedade A..., Lda. entregou, na data da assinatura do documento referido em 3), a quantia de um milhão e quinhentos mil escudos (1.500.000$00) e ficou estipulado o pagamento de mais quatro prestações de igual montante em 02/05/2000, 02/08/2000, 02/11/2000 e 02/02/2001. 6.- No entanto, AA e BB receberam apenas mais três milhões e quinhentos mil escudos (3.500.000$00), perfazendo um total de cinco milhões de escudos (5.000.000$00), já que ficaram dois milhões e quinhentos mil escudos (2.500.000$00) na posse da sociedade A..., Lda., que iria construir o imóvel, para os dois lugares de garagem e dois arrumos, que se associaram às duas frações autónomas T2, destinadas a habitação, como também consta do apontamento manuscrito por AA e assinado pela sua esposa BB, conforme documento nº 13 junto com a petição inicial. 7.- No documento referido em 3), a sociedade A..., Lda. declarou obrigar-se a entregar aos primeiros outorgantes, duas frações autónomas de tipologia T2 no prédio a edificar, no valor de vinte e cinco milhões de escudos (25.000.000$00) cada uma, perfazendo assim o valor global de cinquenta milhões de escudos (50.000.000$00). 8.- No documento referido em 3) ficou ainda previsto que “quando estiver aprovado o projeto de construção a sociedade promitente compradora obriga-se a conceder aos promitentes vendedores a faculdade de escolher de entre todas as frações autónomas as duas que lhes serão adjudicadas”, que “o prazo para entrega das frações autónomas é de dois anos após a emissão da licença de construção” e que “a escritura pública do prédio urbano supra identificado, será realizada no prazo de seis meses a contar da data da assinatura do presente contrato”. 9.- A sociedade A..., Lda. foi constituída, em 05/09/1985, com um capital social de € 250.000,00, dividido numa quota no valor de € 175.000,00, na titularidade de LL e em duas outras quotas, no valor de € 37.500,00 cada uma, sendo delas titulares, respetivamente, QQ e RR, tendo LL sido constituído seu gerente nessa data. 10.- A sociedade foi criada com o seguinte objeto: Compra de imóveis, revenda de prédios adquiridos para esse fim, investimentos imobiliários. Construção de prédios para venda. 11.- Em 05/06/2009, MM foi nomeada gerente da sociedade A..., Lda. 12.- Em 21/12/2009, LL adquiriu a quota de QQ e MM adquiriu a quota de RR 13.- A referida sociedade foi dissolvida por decisão proferida no procedimento administrativo oficioso de Dissolução/Liquidação nº ..., datada de 15 de Setembro de 2016, tendo o encerramento da liquidação sido registado em 07/11/2016. 14.- Por documento escrito datado de 05/02/2004, denominado de contrato promessa de compra e venda, a sociedade comercial A..., Lda., representada por LL, prometeu vender a AA e BB, que prometeram comprar, duas frações autónomas no 1º e 2º andar centro de tipologia T2, destinadas a habitação, com o respetivo lugar de garagem e arrumos, com +/- 92 m2, a edificar no prédio sito na Av. ..., ..., em Matosinhos e a constituir em propriedade horizontal, pelo preço de € 250.000,00, já pago, do qual o réu LL deu quitação em representação da sociedade, conforme planta que se anexou, tudo nos termos que resultam dos documentos nºs 14 e 15 juntos com a petição inicial e que aqui se dão por integralmente reproduzidos. 15.- As frações referidas em 14) corresponderam às frações referidas em 3). 16.- No documento referido em 14), na cláusula terceira, ficou a constar o seguinte: “A escritura pública de compra e venda será celebrada logo que se encontre concluída a construção e obtida toda a documentação necessária para o efeito. Parágrafo Primeiro: Para o efeito a sociedade representada do primeiro outorgante fica obrigada a de antecedência de oito dias, dia, hora e Cartório Notarial onde se realiza a escritura pública de compra e venda Parágrafo Segundo: A escritura pública de compra e venda será celebrada em nome do Segundo Outorgante, ou a quem este indicar, até trinta dias antes da data da escritura”. 17.- No documento referido em 14), na cláusula quarta, ficou a constar o seguinte: “As frações autónomas prometidas vender, serão transmitidas livre de ónus ou encargos”. 18.- No documento referido em 14), na cláusula sexta, ficou a constar o seguinte: “Os Outorgantes declaram que, submetem o presente contrato ao regime da execução específica, previsto no disposto nos artigos 830º e 442º do Código Civil”. 19.- Por escritura de compra e venda outorgada em cartório notarial, no dia 16/04/2004, AA e BB declararam vender à sociedade A..., Lda., ali representada pelo réu LL, na qualidade de gerente, tendo esta declarado comprar, pelo preço de € 287.000,00, já recebido, o prédio urbano sito na Av. ..., ..., em Matosinhos, descrito na Conservatória de Registo Predial de Matosinhos sob o número .../Freguesia ... e artigo matricial ..., tudo nos termos que resultam do teor documento nº 16 junto com a petição inicial e que aqui se dá por integralmente reproduzido. 20.- No documento escrito datado de 16/04/2004, denominado declaração e assinado pelos réus, LL e MM declararam o seguinte: “A – Tendo em consideração que o primeiro outorgante marido na qualidade de sócio-gerente em nome e representação da sociedade gira sob a denominação “A... LIMITADA” (…) celebrou em cinco de Fevereiro de dois mil e quatro, com: AA e esposa BB, (…) Contrato promessa de compra e venda, tendo como objeto duas frações autónomas no segundo e terceiro andares, de tipologia T2 (Tdois), destinadas a habitação, com o respetivo lugar de garagem e arrumos, com + /- 92m2 no prédio que será demolido e a edificar de novo, sito na Av. ..., ... . freguesia e concelho ..., atualmente inscrito na matriz predial urbana sob o artº ...- Freguesia .... Por esta declaração LL e esposa RR, confessam-se solidários obrigados com a supra identificada sociedade e perante os promitentes compradores PP e esposa BB, pelo cumprimento de todas e quaisquer obrigações emergentes do aludido contrato promessa de compra e venda. Por corresponder à livre e expressa vontade dos declarantes, vão assinar em duplicado aos dezasseis dias do mês de Abril de dois mil e quatro.”. 21.- Em virtude do acordo verbal, nesse mesmo dia 16/04/2004, ficou estipulado que os apartamentos situar-se-iam nos 2º e 3º andares do prédio e não no 1º e 2º andares, o que corresponde à retificação manuscrita, nesse dia, pelo próprio LL na planta junta ao documento referido em 14) e como ficou exarado na declaração referida em 20). 22.- Ainda em vida, AA fez diversos contactos, com vista à concretização do negócio, com LL, que era tratado por «Sr. SS», em virtude da denominação ou firma da sociedade comercial «A...», nunca tendo aquele corrigido essa identificação nominativa, conformando-se com a mesma, utilizando-a mesmo por si, como «SS», como fez no e-mail de 17/07/2008, cuja cópia foi junta como documento nº 19 da petição inicial. 23.- Em 16/07/2008, CC enviou um e-mail ao réu, tendo este respondido através de e-mail de 17/07/2008, emails esses com o teor que resulta do documento nº 19 junto com a petição inicial, cujos respetivos teores se dão aqui por integralmente reproduzidos. 24.- Houve também diversa troca de e-mails entre o mesmo CC, durante a vida da mãe Infância, e o ilustre Advogado Sr. Dr. TT, com escritório na Rua ..., em ... Porto, em representação da sociedade A..., Ld.ª, e do seu sócio-gerente, LL, entre 12/10/2011 e 24/12/2015, a propósito da imperiosa necessidade de cumprimento do contrato, sempre reafirmado pela empresa e seu sócio-gerente, tal como sucedeu com os e-mails, no decurso de 2019, entre aquele mesmo advogado e o mandatário judicial dos AA, aqui signatário, visando a marcação de reuniões e a resolução da questão. 25.- Por escritura publica, outorgada em 06/02/2007, no Cartório Notarial da Notária UU, LL, como primeiro outorgante, em representação da sociedade A..., Lda. e VV, como segunda outorgante, em representação da sociedade B..., Lda., declararam permutar os prédios ali descritos, nos termos que resultam da cópia da escritura junta como documento nº 20 e que aqui se considera integralmente reproduzida. 26.- Entre os quatro prédios que a A..., Lda. declarou dar em troca à sociedade B..., Lda. encontrava-se o imóvel referido em 19), tendo esta última declarado dar em troca as seguintes sete frações autónomas, bens futuros, a integrar o edifício a constituir em propriedade horizontal e a ser implantado no terreno dos quatro prédios entregues por aquela: Quatro habitações do tipo T2, no primeiro, segundo, terceiro e quarto andares, cada uma com um lugar de garagem e um arrumo na cave, e com a área aproximada de noventa e dois vírgula zero quatro metros quadrados, cada, e o valor atribuído de cento e cinco mil oitocentos e quarenta euros, a cada uma; Duas habitações do tipo T3, uma no primeiro e outra no sexto andar, cada uma com um lugar de garagem e um arrumo na cave; Uma habitação do tipo T3 recuado, no sétimo andar, com um lugar de garagem e um arrumo na cave. 27.- Na escritura referida em 25) os ali outorgantes declararam ainda que “a representada da segunda outorgante se obriga a entregar à representada do primeiro outorgante, no prazo de trinta meses a contar do levantamento da licença de construção, todas as frações objeto desta permuta”. 28.- As frações autónomas do tipo T2, no 2º e 3º andares do prédio a edificar, com lugares de garagem e arrumos, na cave, referidas em 26), correspondem às frações referidas em 14) e 20). 29.- CC, DD e FF, na qualidade de herdeiros das heranças abertas por óbitos de AA e BB requereram, em 17/12/2019, a notificação judicial avulsa da A..., Lda. e dos réus LL e MM, nos termos que resultam do documento nº 21 junto com a pi e que aqui se considera integralmente reproduzido. 30.- CC, DD e FF, na qualidade de herdeiros das heranças abertas por óbitos de AA e BB instauraram uma ação contra A..., Lda., LL e MM, que correu termos sob o nº 319/20.4 T8PVZ, no Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim - J4, tendo ali sido proferida nos termos e com os fundamentos que resultam do documento nº 24 junto com a petição inicial e que aqui se considera integralmente reproduzido. 31.- A..., Lda. teve inscrita a seu favor, na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos, desde 04/05/2004, a aquisição, por compra, do prédio sito na Av. ..., ..., em Matosinhos, descrito na referida Conservatória sob o nº .../Freguesia ..., inscrito na antiga matriz predial urbana da Freguesia ... sob o artigo .... 32.- B..., Lda. teve inscrita a seu favor, na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos, desde 12/02/2007, a aquisição, por compra, do prédio sito na Av. ..., ..., em Matosinhos, descrito na referida Conservatória sob o nº .../Freguesia ..., inscrito na antiga matriz predial urbana da Freguesia ... sob o artigo .... 33.- Os prédios descritos na referida Conservatória sob o nºs ..., ..., ... e ... da Freguesia ... foram anexados, dando origem ao prédio descrito sob o nº ... da Freguesia ... e inscrito na matiz sob o artigo .... 34.- Por escritura pública, outorgada em 11/03/2021, VV, em representação da sociedade B..., Lda., declarou que a sua representada é dona e legitima proprietária do prédio urbano, composto por terreno para construção, sito na Avenida ..., ... da união das freguesias ... e ..., do concelho de Matosinhos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o nº ... da Freguesia ... e pretender proceder à constituição do regime da propriedade horizontal do referido prédio, nos termos que resultam da escritura cuja cópia foi junta como documento nº 25 da petição inicial e que aqui se dá como integralmente reproduzida. 35.- A sociedade A..., Lda. nunca marcou a escritura referida em 16), tendo sido encerrada a sua liquidação sem que tais frações descritas em 14) tivessem sido transmitidas, quer aos falecidos AA e BB, quer aos autores. 36.- AA e BB sabiam que a sociedade tinha comprado os prédios contíguos com a finalidade de os demolir e conjuntamente com o referido em 3) construir um prédio em regime de propriedade horizontal. 37.- Em 02/02/2000, um dos pisos do prédio referido em 3) encontrava-se cedido a titulo de arrendamento, tendo-se a arrendatária recusado a entregar o locado logo que lhe foi solicitado. 38.- O réu LL quando declarou o referido em 3), sabia que havia uma inquilina a morar no prédio, tendo este assumido, em representação da sociedade A..., Lda., os custos daí decorrentes e tratar de todos os procedimentos legais, incluindo negociações, para aquela entregar o prédio e deixá-lo desocupado, o que determinou o valor do preço acordado. * .- Na mesma sentença não foi considerado provado que:a.- Os RR foram notificados em 03/01/2020, através de Oficial de Justiça da Unidade de Serviço Externo de Matosinhos do Tribunal Judicial do Porto. b.- No dia 06/04/2021, por e-mail, o mandatário dos autores notificou os réus, através do mandatário, para a marcação da escritura pública. c.- Quando foi outorgado o documento referido em 3) a sociedade A..., Lda. já tinha demolido os prédios contíguos, na expectativa de poder vir a iniciar a construção. d.- O projeto de construção que a sociedade A..., Lda. submeteu à apreciação e aprovação da Câmara Municipal ..., era totalmente diferente do que veio a ser apresentado e edificado pela sociedade B..., Lda. e.- O que era do conhecimento direto e pessoal dos autores que se deslocaram ao Município ... e consultaram o respetivo processo. f.- Na cláusula terceira do documento referido em 3) ficou a constar que a venda seria livre de pessoas e coisas. g.- Quando assinaram o documento referido em 3), AA e BB declararam que a arrendatária que ocupava o imóvel tinha-se obrigado a fazer cessar o contrato de arrendamento e a entregar o prédio, logo que a sociedade dele necessitasse para dar início à construção. h.- Após a celebração da escritura referida em 19), de imediato a sociedade A..., Lda. enfrentou dificuldades, uma vez que o prédio encontrava-se arrendado a duas pessoas diferentes e de idade avançada e contrariamente ao que tinha sido transmitido no momento da celebração do contrato, não se dispuseram a abandonar o imóvel, sem que lhes fosse proporcionada uma habitação nas proximidades do locado e com idênticas condições, sem prejuízo do que se provou em 37). i.- As demolições foram embargadas e, pelo menos, uma arrendatária exigiu a realização de obras na empena da habitação que ficou descoberta. j.- Para que a arrendatária referida em 37) entregasse o locado, a sociedade A..., Lda. foi obrigada a comprar uma habitação na Rua ... em Matosinhos, que foi registada na Conservatória do Registo Predial em nome dos filhos da arrendatária, por assim ter sido exigido. k.- Encargo este que a sociedade não tinha projetado aquando das negociações realizadas com os falecidos AA e mulher. l.- A construção pretendida realizar não era viável economicamente se a sociedade A..., Lda. não conseguisse comprar o conjunto dos imóveis e este foi o primeiro dos pressupostos para a concretização do negócio celebrado entre aquela e os falecidos AA e mulher. m.- Se a sociedade A..., Lda. tivesse conhecimento que o prédio referido em 19) não seria entregue livre de pessoas e bens, na data da escritura, com toda a certeza não teria sido celebrado o contrato nos termos em que o foi. n.- Na data da escritura outorgada em 16/04/2004, era esperado que os vendedores tivessem entregue o prédio urbano referido em 19) livre de pessoas e bens. o.- Assim não tendo acontecido, a sociedade ficou impossibilitada de concretizar a pretendida construção e sofreu prejuízos que se avolumaram com a difícil conjuntura económica que começou a despontar no ano de 2006 e que atingiu a atividade de construção civil e o mercado imobiliário. p.- Com o decurso do tempo a sociedade A..., Lda. enfrentou dificuldades com a aprovação do projeto de construção pela Câmara Municipal ... e viu-se forçada a suspender a pretensão de construir, uma vez que a Câmara Municipal durante um considerável período aplicou taxas muito elevadas para emitir as licenças de construção. q.- Na elaboração do plano de negócio pela sociedade A..., Lda. calculou custos que supervenientemente sofreram substanciais alterações. r.- Com o decurso dos anos, CC e mulher comunicaram à sociedade A..., Lda. que se encontravam necessitados de realizar dinheiro para pagar algumas dívidas, sob pena de ser objeto de venda judicial a habitação onde residiam. s.- Face a esta situação, CC e mulher e a sociedade A..., Lda., acordaram pôr termo contrato promessa referido em 14). t.- No âmbito de tal acordo, a sociedade A..., Lda. procedeu ao pagamento de dívidas de CC e mulher que se encontravam em execução judicial, através de prestações acordadas com a respetiva agente de execução, que se verificou sempre, com a solicitação e intervenção destes últimos. u.- A sociedade A..., Lda. a pedido de CC e mulher, por conta da resolução do contrato promessa de compra e venda, procedeu ao pagamento de uma importância de cerca de € 35.000,00. v.- Se não se tivesse verificado a resolução do contrato promessa celebrado entre a sociedade e os falecidos AA e BB, não seria possível efetuar o pagamento das referidas dividas, que se encontravam em sede de execução judicial. w.- Só depois de se verificar a resolução daquele contrato promessa de compra e venda é que a sociedade A..., Lda. negociou com a sociedade B...” a venda das frações autónomas que se encontravam reservadas para cumprimento da obrigação contratualmente assumida (pelo contrato promessa de compra e venda). x.- A valorização das frações, na data da resolução, era muito inferior ao que se encontrava estabelecido no contrato promessa, face à grave crise económica e à forte desvalorização do património imobiliário. y.- Não fosse também o facto de a sociedade ter demolido os prédios contíguos, na expectativa de iniciar de imediato a construção, com toda a certeza tinha anulado o negócio realizado com os falecidos AA e esposa. z.- Foi no âmbito de uma relação de mútua confiança que se resolveu o contrato promessa de compra e venda sem que tenha sido assinado qualquer documento. aa.- O que aconteceu também quando a sociedade procedeu ao pagamento das dívidas de CC e esposa. bb.- Os réus confiaram que os autores não iriam pretender fazer ressuscitar os efeitos do contrato que resolveram verbalmente. *** III.II.- Do objeto do recurso 1.- Da admissibilidade da impugnação da decisão da matéria de facto O presente recurso versa, desde logo, sobre a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida. Os Apelados, na resposta, manifestam a posição de que a impugnação dos Apelantes não é admissível, designadamente, por não terem cumprido os ónus previstos nos n.ºs 1 e 2 do art.º 640.º do CPC. Vejamos. Dispõe o art.º 640.º, n.º 1 do CPC que quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: .- os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados (alínea a); .- os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida (alínea b); .- a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (alínea c). Por outro lado, de acordo com a alínea a) do n.º 2, sempre que os meios de prova que, nos termos da alínea b) do n.º 1 devem ser especificados, tenham sido gravados, incumbe ao recorrente indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes. Resulta de tais normativos legais que sobre o recorrente que pretenda ver sindicado pela Relação o julgamento da matéria de facto feito em 1.ª instância recai o ónus de, não só circunscrever e delimitar a concreta matéria de facto de cujo julgamento discorda, como o de enunciar os meios de prova que deveriam ter conduzido a decisão diversa - apontando, neste caso, em se tratando de depoimentos gravados, as passagens da gravação ou procedendo à transcrição dos excertos relevantes - e, ainda, o de indicar o sentido da decisão que, na sua perspetiva, deve ser proferida. O sistema adotado pelo legislador quanto ao julgamento da matéria de facto pela Relação, em vez de uma solução pautada pela simples “repetição dos julgamentos” e “pela admissibilidade de recursos genéricos contra a decisão da matéria de facto”, consiste, pois, num sistema caracterizado “por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente”, como corolário do “princípio do dispositivo que se revela através da delimitação do objeto do recurso (da matéria de facto) através das alegações” (v., neste sentido, António Santos Abrantes Geraldes, in ob. cit., p. 195 e 341). Isto, aliás, com reflexos na aferição da própria admissibilidade do recurso em matéria de facto, já que, como decorre expressamente do corpo do preceito que acaba de ser transcrito, o ónus que recai sobre o recorrente deve ser cumprido sob pena de rejeição do próprio recurso. Do sistema assim concebido pelo legislador podemos entrever, em suma, e como se referiu no Acórdão do STJ de 29-10-2015, um “ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação”, bem como de “um ónus secundário – tendente, não propriamente a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes” (sublinhados nossos; Acórdão disponível na internet, no sítio com o endereço www.dgsi.pt). No caso, concluímos que os Apelantes cumpriram o duplo ónus primário e secundário acima exposto. Na verdade, individualizaram, quer na motivação, quer nas conclusões do recurso, os concretos pontos de facto que reputaram incorretamente julgados pela 1.ª instância - facto provado n.º 38 e factos não provados das alíneas c), g) a v) e z) e aa) – e justificaram a sua posição. Outrossim, indicaram os meios de prova que, na sua perspetiva, impunham um julgamento diverso e, no que tange à prova por declarações, precisaram, relativamente a dois depoimentos prestados, as passagens da respetiva gravação de que se serviram para fundamentar o recurso. Finalmente, enunciaram o sentido em que, na sua perspetiva, tais factos devem agora ser julgados – ou seja, que deviam ser julgados não provados. Ademais, como decorre do recente Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Plenário das Secções Cíveis do STJ de 17-10-2023, a ponderação sobre a admissão ou rejeição do recurso em matéria de facto deve ser feita no quadro dos “princípios da proporcionalidade e da razoabilidade”, pelo que, cumprido o essencial do ónus a cargo do recorrente, o princípio será o da admissão da impugnação em matéria de facto “se da conduta processual do recorrente resultar de forma clara e inequívoca o que o mesmo pretende com a interposição do recurso”. E é esse, quanto a nós, o caso dos autos, em que, como se viu, da leitura da peça recursória dos Apelantes resulta evidenciado aquilo que visam com a impugnação. Em conclusão, nada obsta ao conhecimento da impugnação da decisão da matéria de facto, improcedendo a pretensão dos Apelados aqui em apreço. * 2.- Da impugnação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida2.1.- Do facto provado n.º 38 e dos factos não provados das alíneas g), h), j), k), m), n) e o) O facto provado n.º 38 é do seguinte teor: .- “38.- O réu LL quando declarou o referido em 3), sabia que havia uma inquilina a morar no prédio, tendo este assumido, em representação da sociedade A..., Lda., os custos daí decorrentes e tratar de todos os procedimentos legais, incluindo negociações, para aquela entregar o prédio e deixá-lo desocupado, o que determinou o valor do preço acordado.” Nos factos não provados, por seu turno, diz-se o seguinte: .- “g.- Quando assinaram o documento referido em 3), AA e BB declararam que a arrendatária que ocupava o imóvel tinha-se obrigado a fazer cessar o contrato de arrendamento e a entregar o prédio, logo que a sociedade dele necessitasse para dar início à construção. h.- Após a celebração da escritura referida em 19), de imediato a sociedade A..., Lda. enfrentou dificuldades, uma vez que o prédio encontrava-se arrendado a duas pessoas diferentes e de idade avançada e contrariamente ao que tinha sido transmitido no momento da celebração do contrato, não se dispuseram a abandonar o imóvel, sem que lhes fosse proporcionada uma habitação nas proximidades do locado e com idênticas condições, sem prejuízo do que se provou em 37). i.- As demolições foram embargadas e, pelo menos, uma arrendatária exigiu a realização de obras na empena da habitação que ficou descoberta. j.- Para que a arrendatária referida em 37) entregasse o locado, a sociedade A..., Lda. foi obrigada a comprar uma habitação na Rua ... em Matosinhos, que foi registada na Conservatória do Registo Predial em nome dos filhos da arrendatária, por assim ter sido exigido. k.- Encargo este que a sociedade não tinha projetado aquando das negociações realizadas com os falecidos AA e mulher. l.- A construção pretendida realizar não era viável economicamente se a sociedade A..., Lda. não conseguisse comprar o conjunto dos imóveis e este foi o primeiro dos pressupostos para a concretização do negócio celebrado entre aquela e os falecidos AA e mulher. m.- Se a sociedade A..., Lda. tivesse conhecimento que o prédio referido em 19) não seria entregue livre de pessoas e bens, na data da escritura, com toda a certeza não teria sido celebrado o contrato nos termos em que o foi. n.- Na data da escritura outorgada em 16/04/2004, era esperado que os vendedores tivessem entregue o prédio urbano referido em 19) livre de pessoas e bens. o.- Assim não tendo acontecido, a sociedade ficou impossibilitada de concretizar a pretendida construção e sofreu prejuízos que se avolumaram com a difícil conjuntura económica que começou a despontar no ano de 2006 e que atingiu a atividade de construção civil e o mercado imobiliário.” Está aqui em causa a questão de saber sobre qual dos outorgantes do contrato-promessa de 02-02-2000 recaía, segundo o acordado entre todos, a responsabilidade pela desocupação do prédio urbano objeto mediato do mesmo pela inquilina que nele habitava. Se, como sustentado pelos Apelados, Autores na ação, da sociedade promitente-compradora A..., Lda.; se, como sustentado pelos Apelantes, Réus na ação, dos promitentes vendedores, os falecidos AA e esposa BB. Na decisão recorrida concluiu-se no sentido da primeira hipótese, a isso se devendo a consideração como provado do facto n.º 38 e como não provados os restantes; já para os Apelantes, a decisão deveria ter sido em sentido contrário, julgando-se não provado o primeiro facto e provados os restantes. Em face da prova produzida em audiência de julgamento e da demais que consta dos autos, concluímos que a razão está do lado da sentença recorrida. Vejamos porquê. É um dado absolutamente adquirido nos autos o de que o Apelante, aquando da outorga, em nome da sociedade de que era sócio-gerente, do referido contrato-promessa sabia da existência da inquilina. Tratou-se aqui, além do mais, de facto reconhecido pela testemunha OO (secretária da sociedade A... entre 1996 e 2008), ao referir expressamente que “a situação que se encontrava… portanto, sabíamos que havia inquilinos”. É um dado adquirido, também, que a sociedade promitente adquirente tinha projetado para o local (local não só do imóvel do contrato-promessa dos autos, como de outros dois contíguos), um projeto imobiliário de dimensão expressiva e de importância significativa para a prossecução normal da sua atividade. Neste contexto, e como bem se referiu na decisão recorrida, não é verosímil que, “numa questão de vital importância no quadro negocial”, “a sociedade não tivesse garantido que ficasse expressamente prevista tal questão, ainda que, no limite, por mera referência a uma venda livre de pessoas e bens” e que, pelo contrário, “se tivesse bastado com a mera declaração verbal (…) dos promitentes-vendedores, no sentido de que a arrendatária se havia comprometido a deixar o locado logo que necessário e sem contrapartida”. Acresce que, como resultou do depoimento da testemunha NN (filho da inquilina), foi a própria testemunha quem, no interesse da mãe, negociou a saída desta do locado. Tais negociações, contudo, tiveram como interlocutor, não os falecidos promitentes-vendedores, mas o Apelante, enquanto sócio-gerente da sociedade adquirente do prédio. Por outro lado, tais negociações foram levadas a cabo já depois de adquirido o prédio por esta sociedade em 2004 e anteriormente a esta data nunca a sua mãe teria tido contactos relevantes para efeitos de desocupação do locado (exceção feita a uma carta para o exercício do direito de preferência que teria recebido). Finalmente, a desocupação do locado pela mãe da testemunha teve na origem um acordo feito com a sociedade A..., no âmbito do qual esta assumiu a obrigação de a compensar com a quantia de € 25.000,00 (embora a imputar num negócio de permuta de imóveis feito na mesma altura com a própria testemunha; isto é, entre a testemunha e a A... foi feita uma permuta de imóveis, mas, no respetivo valor, foi imputado o da compensação devida à mãe da testemunha). Ou seja, segundo a testemunha, quem, de facto, interveio nas negociações para que a sua mãe desocupasse o locado foi a sociedade A... e não os promitentes vendedores, além do que foi aquela sociedade e não estes últimos quem suportou a compensação acordada para a desocupação. Temos, assim, uma realidade de facto só compaginável com a circunstância de, como consta do facto provado n.º 38, ter sido da sociedade A... e não dos promitentes vendedores a responsabilidade por que a inquilina desocupasse o locado – estes, ao longo dos anos, sempre foram como que estranhos à questão da saída da sua inquilina do locado. É, finalmente, concludente neste sentido, o teor do documento n.º 19 junto pelos Apelados com a petição inicial. Tal documento, datado de 17-07-2008, constitui um email dirigido pelo Apelante, na qualidade de sócio-gerente da sociedade A..., ao filho dos falecidos promitentes vendedores, a respeito do negócio dos autos. Lida a comunicação, dela resulta que o Apelante, não só justifica (à exaustão) a razão pela qual o negócio ainda não fora cumprido, como, também, que reafirma a sua intenção de o vir fazer, dizendo expressamente: “nunca houve, há, nem haverá qualquer intenção de minha parte de não cumprir com os meus compromissos e a minha palavra que assumi á 5 anos atrás com os seus pais, pelo qual é para cumprir na íntegra”; “(…) os vossos apartamentos que irão ser brevemente construídos, serão da vossa pertença, e só vossa”. Outrossim, dela resulta que o Apelante, não só não imputa aos falecidos promitentes-vendedores qualquer incumprimento do negócio realizado, como, pelo contrário, justifica o arrastar da situação com as “incompatibilidades com a vossa inquilina”. Dela resulta, finalmente, que tais vicissitudes com a inquilina terão sido assunto assumido, tratado e resolvido pelo próprio – e não, portanto, pelos falecidos promitentes-vendedores –, sendo que tanto assim teria sido que o assunto teria terminado “com muito prejuízo monetário para o meu lado”. Ou seja, em comunicação escrita oito anos depois da subscrição do primeiro contrato-promessa e praticamente quatro anos depois de a propriedade do imóvel já ter sido transferida para a sociedade que representava, o Apelante: (i) mantinha a intenção de cumprir o contrato; (ii) eximia os promitentes-vendedores de qualquer responsabilidade; (iii) e associava à inquilina do prédio o impasse da situação. Temos, assim, a assunção, pelo próprio, de realidades de facto só compatíveis com o facto de ter sido a sociedade que representava quem, de facto, assumiu a responsabilidade pela desocupação do locado pela inquilina. É certo que a testemunha OO (relembre-se, secretária da sociedade A...) depôs no sentido de que tal responsabilidade era dos promitentes vendedores e não da sociedade para a qual trabalhava. O seu depoimento não deve, contudo, ser valorizado. Com efeito, a testemunha, como reconheceu, não interveio nas negociações que estiveram na origem da subscrição do contrato-promessa e o conhecimento que teve das questões a ele associadas emergiu do manuseio que, enquanto secretária da sociedade, fez dos documentos que chegavam ao seu poder ou daquilo que lhe ia sendo transmitido pelo Apelante. Ou seja, relativamente àquilo que relevava, que era saber o que é que tinha sido verdadeiramente acordado entre as partes aquando da subscrição do contrato-promessa, a testemunha nada sabia. Acresce que a afirmação da testemunha de que eram os promitentes vendedores quem tinha a responsabilidade por que a inquilina desocupasse o locado assentou, no essencial, no facto de, no contrato-promessa, ter sido estipulado expressamente que a venda definitiva seria feita “livre de quaisquer ónus ou encargos”. Independentemente de tal expressão permitir ou não a interpretação que a testemunha lhe deu ou que lhe foi transmitida, o certo é que se tratou de interpretação subjetiva sua e não de interpretação feita em função das circunstâncias que nortearam a celebração do contrato-promessa e da vontade das partes (circunstâncias e vontade essas que, como se viu, desconhecia). Em suma, nenhum reparo merece a decisão recorrida quanto à apreciação que fez dos factos em apreço, impondo-se a manutenção como provado do facto n.º 38 e, consequentemente, como não provados os das alíneas g), h), j) (como se viu do depoimento da testemunha NN, o negócio realizado foi distinto do descrito no facto), k), m), n) e o). * 2.2.- Dos factos não provados das alíneas c), i), l), p) e q)Tais factos são do seguinte teor: c.- Quando foi outorgado o documento referido em 3) a sociedade A..., Lda. já tinha demolido os prédios contíguos, na expectativa de poder vir a iniciar a construção. i.- As demolições foram embargadas e, pelo menos, uma arrendatária exigiu a realização de obras na empena da habitação que ficou descoberta. l.- A construção pretendida realizar não era viável economicamente se a sociedade A..., Lda. não conseguisse comprar o conjunto dos imóveis e este foi o primeiro dos pressupostos para a concretização do negócio celebrado entre aquela e os falecidos AA e mulher. p.- Com o decurso do tempo a sociedade A..., Lda. enfrentou dificuldades com a aprovação do projeto de construção pela Câmara Municipal ... e viu-se forçada a suspender a pretensão de construir, uma vez que a Câmara Municipal durante um considerável período aplicou taxas muito elevadas para emitir as licenças de construção. q.- Na elaboração do plano de negócio pela sociedade A..., Lda. calculou custos que supervenientemente sofreram substanciais alterações. Segundo o Apelante, tais factos resultaram provados em função, designadamente, dos depoimentos das testemunhas já acima mencionadas, NN e OO. Mas sem razão. Os factos em apreço não foram atestados ou confirmados, com a segurança exigida, por qualquer uma destas (ou outras) testemunhas. O próprio Apelante, a este respeito, como que transcreve os depoimentos das testemunhas em causa, mas, quanto à específica matéria dos factos em apreço, não retira deles qualquer expressão ou sentido de expressão que pudesse sustentar algum deles – no fundo, impugna por impugnar, situando-se a sua impugnação no limiar do genérico. Acresce que, à semelhança do que foi dito na sentença recorrida, além de não resultarem da prova testemunhal produzida em julgamento, a verificação dos factos também não “resulta de qualquer documento junto aos autos. Nenhum reparo merece, por isso, a sentença recorrida também nesta parte, impondo-se a manutenção como não provados dos factos em questão. * 2.3.- Dos factos não provados das alíneas r), s), t), u), v), z) e aa)Nestes factos diz-se o seguinte: r.- Com o decurso dos anos, CC e mulher comunicaram à sociedade A..., Lda. que se encontravam necessitados de realizar dinheiro para pagar algumas dívidas, sob pena de ser objeto de venda judicial a habitação onde residiam. s.- Face a esta situação, CC e mulher e a sociedade A..., Lda., acordaram pôr termo contrato promessa referido em 14). t.- No âmbito de tal acordo, a sociedade A..., Lda. procedeu ao pagamento de dívidas de CC e mulher que se encontravam em execução judicial, através de prestações acordadas com a respetiva agente de execução, que se verificou sempre, com a solicitação e intervenção destes últimos. u.- A sociedade A..., Lda. a pedido de CC e mulher, por conta da resolução do contrato promessa de compra e venda, procedeu ao pagamento de uma importância de cerca de € 35.000,00. v.- Se não se tivesse verificado a resolução do contrato promessa celebrado entre a sociedade e os falecidos AA e BB, não seria possível efetuar o pagamento das referidas dividas, que se encontravam em sede de execução judicial. z.- Foi no âmbito de uma relação de mútua confiança que se resolveu o contrato promessa de compra e venda sem que tenha sido assinado qualquer documento. aa.- O que aconteceu também quando a sociedade procedeu ao pagamento das dívidas de CC e esposa. Subjacente a tais factos estava a suposta extinção, por acordo dos outorgantes, do contrato-promessa subscrito em 05/02/2024 e supostas contrapartidas dessa extinção estipuladas para os (agora) promitentes-compradores, AA e BB. Os Apelantes sustentam que tais factos resultaram provados em razão dos depoimentos das mesmas testemunhas já acima referidas. Mas também aqui sem razão, pelas razões que, de resto, foram clara e proficientemente expostas na sentença recorrida e que aqui, por merecerem a nossa total adesão, se transcrevem: “Por sua vez, não se provaram os factos elencados sob as alíneas r) a w) e z) a bb) dos factos não provados. Desde logo teve-se presente que, tratando-se de um contrato promessa de compra e venda de imóveis, com exigência de forma legal escrita, qualquer acordo, no sentido de pôr termo contrato promessa referido em 14), não poderia nunca ser provado através de mera prova testemunhal (artigos 221º nº 2, 364º, 393º, 394º, 410º nº 1 e 875º do Código Civil). Sendo certo que tal acordo não resulta de qualquer documento ou mesmo de qualquer depoimento (sem prejuízo do que se expôs). Por outro lado, a ré não juntou aos qualquer comprovativo dos pagamentos que alegadamente efetuou e essencialmente qualquer documento que permita ligar os pagamentos alegados à revogação por acordo do contrato. Sem prejuízo de se ter presente que, aquilo que a ré alegou foi que tal revogação ocorreu a pedido de CC e mulher, sendo o primeiro apenas filho dos promitentes compradores (os falecidos AA e BB) e não o interveniente no contrato em causa. Resultando dos autos que o falecido CC nem sequer era o único herdeiros dos falecidos AA e BB. E pese embora a autora HH tenha declarado que o réu lhe fez vários empréstimos, nunca confessou que tais empréstimos tivessem sido contrapartida para colocar termo ao contrato ou confirmado sequer o valor recebido de cerca de € 35.000,00.” De referir, ainda, que os Apelantes sustentam a impugnação dos factos aqui em apreço nos depoimentos das testemunhas NN e OO. À semelhança do que fizeram quanto aos factos acima apreciados em 2.2., todavia, como que transcrevem os respetivos depoimentos, mas, quanto à específica matéria dos factos aqui em análise, não retira deles qualquer expressão ou sentido de expressão que pudesse sustentar algum deles, impugnando-os por impugnar. Em suma, nenhum reparo merece a decisão recorrida também quanto a estes factos, impondo-se a sua manutenção no elenco de factos não provados. A impugnação da decisão da matéria de facto dos Apelantes improcede, pois, na totalidade. * 3.- Da obrigação dos promitentes vendedores no contrato-promessa de 02-02-2020 de diligenciarem por que a inquilina desocupasse o imóvel O quadro com que nos deparamos no recurso é o seguinte. Por contrato-promessa de 02-02-2000 os falecidos AA e BB prometeram vender à sociedade comercial A..., Lda. e esta prometeu comprar-lhes o prédio urbano sito na Avenida ..., ..., em Matosinhos. O preço acordado para a venda incluía a entrega pela segunda aos primeiros de duas frações autónomas, tipo T2, para habitação, inseridas em edifício que a iria construir no local onde se situava o imóvel prometido vender, depois da sua demolição. Por novo contrato-promessa de 05-02-2004, a referida sociedade prometeu vender aos falecidos AA e BB, que prometeram comprar-lhe, as duas frações autónomas referidas no contrato-promessa anteriormente celebrado, identificadas neste contrato como estando situadas no 1.º e 2.º andares, com lugar de garagem e arrumos, com cerca de 92 m2. Por escritura pública de compra e venda outorgada em Cartório Notarial em 16-04-2004, o mesmo casal vendeu à referida sociedade o prédio urbano referido no contrato-promessa de 02-02-2000. Nesta mesma data, 16-04-2004, os Apelantes LL e MM subscreveram uma declaração escrita, confessando-se solidários obrigados com a [referida] sociedade e perante os promitentes compradores PP e esposa BB pelo cumprimento de todas e quaisquer obrigações emergentes do aludido contrato promessa de compra e venda [o de 05-02-2024]. O contrato-promessa de 05-02-2004 acabou por não ser cumprido pela sociedade A..., revelando-se tal incumprimento, mesmo, impossível, já que esta sociedade acabou por, em 06-02-2007, transmitir a propriedade do prédio urbano sito na Avenida ... para uma sociedade terceira, além de ter sido, entretanto, dissolvida e liquidada. Na sentença recorrida, concluiu-se que com a extinção da dita sociedade ocorreu uma impossibilidade de cumprimento imputável à sociedade do contrato-promessa de 05-02-2004, que a cometeria na obrigação de indemnizar os Autores, na qualidade de sucessores das heranças dos falecidos AA e BB, pelo prejuízo causado. Tal prejuízo, no caso, corresponderia ao valor da contraprestação fixada no contrato-promessa, isto é, a quantia pecuniária de € 250.000,00. E porque os Apelantes, através da declaração que subscreveram em 16-04-2004, assumiram as obrigações da extinta sociedade resultantes do contrato-promessa, na sentença recorrida concluiu-se, também, que estes eram responsáveis pelo pagamento de tal indemnização aos Autores. A obrigação de indemnização a cargo dos Apelantes é, pois, uma obrigação originária da sociedade A..., tendo a sua fonte no incumprimento do contrato-promessa de 05-02-2004, mas que, mercê da declaração subscrita pelos Apelantes em 16-04-2004, foi, também, assumida por estes. Ora, os Apelantes insurgem-se contra a condenação a que foram sujeitos em 1.ª instância desde logo, porque, segundo eles, houve incumprimento do contrato-promessa de 02-02-2000 por parte dos promitentes vendedores, AA e BB. O incumprimento teria advindo do facto de estes se terem comprometido a diligenciar por que a inquilina que residia no prédio urbano objeto mediato do contrato desocupasse o locado e não o terem feito, levando a um impasse tal que comprometeu a própria concretização da obra que a sociedade promitente compradora tinha projetada para o local. Ademais, não fosse a assunção dessa responsabilidade pelos promitentes-vendedores, os Apelantes nunca teriam subscrito a declaração de 16-04-2004, pela qual assumiram as obrigações da sociedade decorrentes dos contratos-promessa celebrados. Esta pretensão dos Apelantes é, contudo, manifestamente improcedente. Com efeito, não só não resultou provado que sobre os promitentes vendedores recaísse tal obrigação, como, pelo contrário, provou-se que era da sociedade de que o Apelante era sócio gerente que recaía o ónus de diligenciar pela desocupação do imóvel pela inquilina (v. facto provado n.º 38). Não só não há, pois, incumprimento dos promitentes vendedores, que não tinham a obrigação que os Apelantes dizem que tinham, como a presença da inquilina no locado foi tomada em consideração pela sociedade promitente vendedora no momento da formação da sua vontade em celebrar o negócio, a ponto de assumir, ela própria, o ónus de diligenciar por que a inquilina desocupasse o locado. Improcede, pois, a pretensão dos Apelantes. * 4.- Da alteração superveniente das circunstâncias do negócio Invocam os Apelantes, também, a alteração superveniente das circunstâncias que estiveram na origem da celebração dos contratos-promessa para se eximirem à obrigação de ressarcir os Apelados. Segundo os mesmos, a sociedade A... adquiriu aos falecidos AA e BB o prédio da Av. ..., em Matosinhos, no pressuposto de que o mesmo estivesse livre de inquilinos e, porque tal não ocorreu, daí advieram prejuízos significativos para a mesma e a própria impossibilidade de execução da obra que tinha projetada, considerando a grave crise económica que a determinada altura se instalou no país e no mundo. Tal pretensão também é, contudo, manifestamente improcedente. Com efeito, a questão da alteração superveniente das circunstâncias tal como colocada pelos Apelantes remete-nos para o regime previsto no art.º 437.º do Código Civil. Dispõe este preceito que se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afete gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato. Da sua leitura resulta que são, no essencial, quatro as condições em que é admissível à parte contratante a resolução do contrato com o fundamento nele previsto: i.- que haja uma alteração das circunstâncias que fundaram a decisão de contratar; ii.- que essa alteração seja anormal; iii.- que a exigência das obrigações assumidas pela parte afete gravemente a boa fé; iv.- que a alteração não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato. A estas condições soma-se o fator excludente previsto no art.º 438.º do CC, que veda à parte lesada o direito de resolução em causa se, no momento em que a alteração das circunstâncias se verificou, estava em mora. Subjacente ao instituto jurídico em apreço esteve a ideia de que, apesar do valor da segurança jurídica e da estabilidade dos contratos que importa preservar, casos há em que, no decurso da execução do programa negocial, alterações das circunstâncias ocorrem que, porque excecionais e imprevisíveis, não podem deixar de ser consideradas pela ordem jurídica, sempre que, por causa dessa alteração, se torne intolerável para a parte lesada manter-se sujeita à obrigação a que, por força do contrato, estava adstrita. Trata-se aqui, contudo, de uma solução absolutamente excecional e que, como se referiu no Acórdão da Relação de Lisboa de 14-06-2017, “deve ser significativa, ou seja, deve assumir proporções tais que subvertam a própria economia do contrato, tornando-o lesivo para uma das partes contratantes ao ponto de, caso o contrato se mantenha nos termos em que foi celebrado, a exigência das obrigações por ela assumidas, sem se mostrar coberta pelos riscos próprios do contrato, afete gravemente os princípios da boa-fé.” (Acórdão disponível na internet, no sítio com o endereço www.dgsi.pt). Sublinhe-se que as circunstâncias que sofreram a alteração anormal são, como salienta Sandra Reis Luis, “necessariamente aquelas que serviram de base à decisão de contratar, i.e., que constituam a base do negócio, que sejam objetivas e comuns a todos os contraentes”, excluindo-se, assim, “situações subjetivas da vida do devedor”, como será o caso de “uma alteração da sua situação económica” (In ‘A alteração anormal das circunstâncias: o artigo 437.º do Código Civil e a situação pandémica: reflexos contratuais’, publicado na Revista Julgar online, julho de 2020, t. 3, p. 5). No caso, há que sublinhar, desde já, que, apesar de os Apelantes invocarem o instituto em apreço, desconhece-se, contudo, que efeito jurídico é que dele pretenderiam retirar: se a resolução, se a modificação do contrato e, em qualquer caso, de que contrato. Como quer que seja, nenhum dos requisitos previstos no referido preceito legal se verifica no presente caso. Assim, a presença da inquilina no locado – que, como se viu, foi a realidade que verdadeiramente esteve na origem da invocação deste instituto jurídico pelos Apelantes – era já uma realidade existente aquando da celebração do primeiro contrato-promessa. Além de realidade existente, era conhecida, não só dos promitentes-vendedores, como da promitente-compradora, a ponto de esta assumir o ónus de diligenciar por que a inquilina desocupasse o locado. Não só não há, pois, alteração, muito menos anormal, das circunstâncias que fundaram a decisão de contratar (estas sempre foram as mesmas), como também não há afetação, muito menos grave, da boa fé de qualquer das partes, mormente da sociedade A..., já que esta era conhecedora da existência de uma inquilina no locado. E não se invoque a crise económica entretanto surgida no país e no mundo para justificar essa alteração. Independentemente da sua ocorrência e de a mesma poder ter afetado a concretização do projeto que a sociedade A... tinha para o local, o certo é que sempre se trataria, quer de circunstância estranha à “base do negócio” efetivamente celebrado (base do negócio que compreendia, como se viu, que a própria sociedade diligenciasse pela desocupação do prédio pela inquilina), quer de circunstâncias inerentes aos ‘riscos próprios do contrato’. O instituto jurídico em apreço não tem, pois, aplicação no presente caso, improcedendo, consequentemente, a pretensão dos Apelantes aqui análise. * v.- da nulidade da declaração referida no facto provado n.º 20 decorrente da indeterminação do seu objetoInvocam os Apelantes, finalmente, a nulidade substancial da declaração que subscreveram em 16-04-2004 e à qual se refere o facto provado n.º 20. Na sua perspetiva, tal declaração garantia obrigações futuras e de conteúdo à partida indeterminado, pelo que, por indeterminabilidade do seu objeto, seria nula nos termos do art.º 280.º do Código Civil. Mas sem razão. Na verdade, de acordo com o preceito em apreço é, de facto, nulo o negócio jurídico cujo objeto seja, além do mais, indeterminável. Como referia Carlos Alberto da Mota Pinto, “o objecto negocial deve estar individualmente concretizado no momento do negócio ou poder vir a ser individualmente determinado, segundo um critério estabelecido no contrato ou na lei”. Serão, como tal, “nulos por falta deste requisito, os negócios cujo objeto não foi determinado nem é determinável, por nem as partes, nem a lei terem estabelecido o critério de harmonia com o qual se deva fazer a individualização do objeto” (in Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra, 1991, p. 548). No caso, a declaração em apreço é do seguinte teor: “A – Tendo em consideração que o primeiro outorgante marido na qualidade de sócio-gerente em nome e representação da sociedade gira sob a denominação “A... LIMITADA” (…) celebrou em cinco de Fevereiro de dois mil e quatro, com: AA e esposa BB, (…) Contrato promessa de compra e venda, tendo como objeto duas frações autónomas no segundo e terceiro andares, de tipologia T2 (Tdois), destinadas a habitação, com o respetivo lugar de garagem e arrumos, com + /- 92m2 no prédio que será demolido e a edificar de novo, sito na Av. ..., ... . freguesia e concelho ..., atualmente inscrito na matriz predial urbana sob o artº ...- Freguesia .... Por esta declaração LL e esposa RR, confessam-se solidários obrigados com a supra identificada sociedade e perante os promitentes compradores PP e esposa BB, pelo cumprimento de todas e quaisquer obrigações emergentes do aludido contrato promessa de compra e venda. Por corresponder à livre e expressa vontade dos declarantes, vão assinar em duplicado aos dezasseis dias do mês de Abril de dois mil e quatro.”. Da sua leitura, feita à luz do critério do declaratário normal, diligente e sagaz, colocado na posição do verdadeiro declaratário (v. art.º 236.º do Código Civil), resulta manifesto que, através dela, os Apelantes assumiram expressa e unilateralmente o cumprimento de todas as obrigações emergentes do contrato promessa de 05-02-2004 para a sociedade A.... Ou seja, como se referiu na sentença recorrida, que da questão fez uma apreciação adequada e com a qual concordamos, a obrigação assumida pelos Apelantes “encontra-se perfeitamente delimitada, por referência a um contrato concreto e com cabal identificação dos seus outorgantes e das obrigações garantidas”. A declaração em causa não padece, pois, do vício de natureza substancial que lhe é apontado pelos Réus. Em suma, improcede, na totalidade, a apelação. *** Porque vencidos no recurso, suportarão os Apelantes as custas da apelação (art.ºs 527.º e 529.º do CPC).*** IV.- DecisãoTermos em que acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o presente recurso de apelação e, consequentemente, confirmar, na íntegra, a sentença recorrida. Custas pelos Apelantes. Notifique. *** Porto, 23-10-2025Os Juízes Desembargadores, José Manuel CorreiaJudite Pires João Venade (assinado eletronicamente) |