Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | PAULO DIAS DA SILVA | ||
Descritores: | BENS COMUNS DO CASAL ALIENAÇÃO DISPOSIÇÃO DE BENS CONSENTIMENTO CONJUGAL ANULABILIDADE | ||
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Nº do Documento: | RP202303231655/20.5T8OVR.P1 | ||
Data do Acordão: | 03/23/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Indicações Eventuais: | 3. ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Um dos cônjuges pode administrar bens próprios do outro cônjuge se este lhe conferir mandato para o efeito (e não dizendo a lei que o mandato seja expresso, parece que nada obsta a que o mesmo seja tácito) e administrar bens comuns mediante consentimento do outro cônjuge (que parece poder revestir a forma de simples autorização, expressa ou tácita, ou constituir um verdadeiro contrato de mandato). II - No caso vertente, a factualidade provada é manifestamente insuficiente para que se possa inferir que, da circunstância de o apelado ter adquirido e registado os veículos em seu nome, ter realizado trabalhos de restauro e manutenção e utilizado exclusivamente os motociclos se possa concluir que a Apelante tinha tacitamente conferido a administração dos referidos bens em exclusivo ao Apelado. III - Ou seja, o consentimento tácito não é dessumível ou inferível de “facta concludência”. IV - A venda de dois motociclos, bens comuns do casal, não constitui acto de administração ordinária, estando dependente de autorização do outro cônjuge. V - A consequência desta “ilegitimidade conjugal” é a anulabilidade do acto de disposição a requerimento do cônjuge que não deu o consentimento (artigo 1687.º do Código Civil). | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Recurso de Apelação - 3ª Secção ECLI:PT:TRP:2023:1655/20.5T8OVR.P1 Acordam no Tribunal da Relação do Porto 1. Relatório AA, residente na Rua ..., ... ..., instaurou acção declarativa, sob a forma de processo comum contra BB, residente na Rua ..., ... ..., Ovar, onde concluiu pedindo que sejam anuladas as vendas que o réu fez dos motociclos LR-..-.. e LT-..-.., por falta de consentimento da autora para as referidas alienações e seja ordenado o cancelamento do registo automóvel a favor dos terceiros adquirentes. * Citado, contestou o réu, admitindo as vendas, mas excepcionando que o LR é bem próprio seu, que a autora teve conhecimento das vendas logo que foram feitas e deu a sua anuência às mesmas, para além de ser ele quem administrava os referidos bens.* Foi proferido despacho saneador e foi determinada a intervenção principal provocada passiva dos compradores dos motociclos, CC e DD, que intervieram na acção, fazendo seus os articulados do réu.* Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com observância das formalidades legais.* Após a audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu o réu do pedido.* Não se conformando com a decisão proferida, a recorrente AA, veio interpor recurso de apelação, em cujas alegações conclui da seguinte forma:I. Por sentença proferida a 26/10/2022, notificada à apelante com data de 27/10/2022, decidiu o tribunal “a quo” julgar totalmente improcedente a acção e, em consequência, absolver o R./apelado do pedido. II. O presente recurso versa sobre matéria de direito! III. Atento a decisão sobre a matéria de facto - provada e não provada, e considerando que a apelante nesta acção deduziu pedido de anulação das vendas dos dois motociclos LR-..-.. e LT-..-.. que o apelado realizou sem o seu consentimento, e consequente cancelamento do registo automóvel a favor dos terceiros adquirentes, não se concebe a decisão proferida que decidiu válidas as referidas vendas. IV. Está em causa apreciar/decidir se para as vendas dos motociclos pelo apelado, este necessitaria do consentimento da apelante para que essas vendas fossem válidas. V. Pretende a apelante ver tutelado o seu direito à anulação das vendas de dois motociclos, bens comuns do casal, que o foram pelo apelado sem o seu consentimento. VI. Atento os factos provados, não há dúvidas que, apelante e apelado eram casados no regime de comunhão de adquiridos, que as vendas pelo apelado foram realizadas na pendência do casamento e que a apelante não prestou a sua autorização/consentimento para tais vendas. VII. Para dar como válidas as vendas, o tribunal “a quo” entendeu, que o consentimento a que alude a segunda parte do n.º 3 do art.º 1678º do código civil pode ser um mero consentimento tácito, o que não se concebe!. VIII. Decisão do tribunal “a quo”: “Ora, no caso dos autos, se é certo que não resultou provado que a autora tenha conhecido e declarado expressamente autorizar as vendas dos motociclos, não o é menos que, tendo necessariamente conhecimento, por força da coabitação, que o réu, por sua iniciativa e sozinho, adquiriu e registou em seu nome, fez trabalhos de restauro e manutenção e utilizou exclusivamente os motociclos, não pode deixar de se entender que lhe conferiu, tacitamente, a administração de tais bens, nos termos da parte final do n.º 3 do artigo 1678.º, o que confere ao réu legitimidade para os onerar, nos termos do n.º 2 do artigo 1682.º. Assim sendo, as vendas são válidas e, consequentemente, improcede o pedido.” IX. Defende a apelante que foram violadas as normas jurídicas previstas no n.º 3 do art.º 1678º, n.º 1 do art.º 1682º e n.º 1 do art.º 1687º todos do Código Civil. X. Não havendo lugar, no caso aqui em crise, à aplicação do n.º 1 do art.º 1678º dado não se tratar de bens próprios, nem a factualidade se enquadrar em nenhuma das alíneas do n.º 2, ter-se-á que observar o constante no n.º 3 do art.º 1678º. XI. Para o efeito há que aferir o que são actos de administração ordinária! XII. Atento a jurisprudência e doutrina maioritárias, constituem actos de administração ordinária, todos aqueles que atendam a necessidades ordinárias/correntes e quotidianas da família, actos que visam a conservação do bem ou da sua frutificação normal e que não comportam decisões de fundo, nem uma alteração da composição do património comum. XIII. Ver os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto indicados, proferidos nos processos n.º 271/16.0T8ETR.P1 de 21/02/2018, processo n.º 5822/15.5T8MTS.P1 de 27/09/2016 e processo n.º 57/07.3TBSBR.P1 de 21/03/2013, todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt. XIV. Pelo que, a venda de bens comuns, móveis sujeitos a registo, como são os dois motociclos cuja anulação da venda se pretende, não é um acto de administração ordinária, e dispõe expressamente o n.º 3 do art.º 1678º do CC parte final que “ …os restantes actos de administração só podem ser praticados com o consentimento de ambos os cônjuges”. XV. Ao decidir como decidiu o tribunal “a quo” o mesmo violou o disposto no n.º 3 do art.º 1678º do CC, porque para a venda dos dois motociclos, impunha-se o consentimento de ambos os cônjuges. XVI. Não estando provado que a apelante autorizou ou consentiu tais vendas, esta ausência de consentimento ou autorização importa o direito à anulação pela apelante, desse acto de disposição /venda, atento os preceitos legais previstos no n.º 3 do art.º 1678º, n.º 1 do art.º 1682º e n.º 1 do art.º 1687º todos do Código Civil. XVII. Assim, por violação destes normativos legais, ao decidir que as vendas eram válidas sem o consentimento da apelante, decidiu erradamente o tribunal “ a quo”. XVIII. Impondo-se a revogação da sentença proferida por uma outra que decida pela anulação das vendas realizadas pelo apelado em 04/02/2020 dos motociclos LT-..-.. e LR-..-.. bens comuns do casal, por falta de consentimento da apelante e consequente cancelamento dos registos automóveis a favor dos terceiros adquirentes, chamados na acção. * Foram apresentadas contra-alegações. * Colhidos que se mostram os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.* 2. Fundamentação de Facto 2.1 Factos provados O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos: 1. Autor e ré casaram no dia 24/09/2004, sem convenção antenupcial e coabitaram até 15/02/2020. 2. Em 12/03/2020, deu entrada ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, intentada pela aqui autora contra o aqui réu, a qual corre termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo de Família e Menores de Gondomar - Juiz 2, processo n.º 884/20.6T8GDM. 3. Foi registada a favor do réu, em 11/12/2008, por compra, a propriedade do motociclo de marca Vespa, modelo ..., com a matrícula LT-..-... 4. Foi registada a favor do réu, em 08/01/2013, por compra, a propriedade do motociclo de marca Vespa, modelo ..., com a matrícula LR-..-... 5. Em 04/02/2020, o réu vendeu o motociclo LR-..-.., ao chamado CC, mediante o pagamento do preço de €2.000 (dois mil euros). 6. Em 04/02/2020, o réu vendeu o motociclo LT-..-.., ao chamado DD, mediante o pagamento do preço de €1.600 (mil e seiscentos euros). 7. Foi o réu quem, por sua iniciativa, celebrou os negócios de compra e venda dos motociclos referidos nos pontos 3 a 6, dos factos provados. 8. Foi o réu quem, nas horas vagas, reparou e restaurou os motociclos referidos nos pontos 3 a 6, dos factos provados. 9. Somente o réu conduzia os motociclos referidos nos pontos 3 a 6, dos factos provados. * 3. Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar: Das conclusões formuladas pela recorrente as quais delimitam o objecto do recurso, tem-se que a questão a resolver prende-se com saber se as vendas dos dois motociclos realizadas pelo apelado necessitam do consentimento da apelante para a sua validade. * 4. Conhecendo do mérito do recurso Pede a Apelante a anulação da venda de bens móveis comuns, pelo Apelado, por carecer de autorização para tanto. Ora, resulta da factualidade provada que a autora/Apelante e o réu/Apelado casaram, em 24/09/2004, sem convenção antenupcial, pelo que se considera, por força do artigo 1717.º, do Código Civil, o casamento celebrado segundo o regime de comunhão de adquiridos. Como é consabido, no regime de comunhão de adquiridos existem fundamentalmente duas massas patrimoniais: a dos bens próprios de cada um dos cônjuges (artigos 1722.º e 1723.º do Código Civil) e a dos bens comuns (artigos 1724.º a 1726.º do Código Civil). Dispõe a respeito da venda de bens comuns do casal o artigo 1682.º, do Código Civil, que: «1. A alienação ou oneração de móveis comuns cuja administração caiba aos dois cônjuges carece do consentimento de ambos, salvo se se tratar de ato de administração ordinária. 2. Cada um dos cônjuges tem legitimidade para alienar ou onerar, por ato entre vivos, os móveis próprios ou comuns de que tenha a administração, nos termos do n.º 1, do artigo 1678.º e das alíneas a) a f), do n.º 2, do mesmo artigo, ressalvado o disposto nos números seguintes. 3. Carece do consentimento de ambos os cônjuges a alienação ou oneração: a) De móveis utilizados conjuntamente por ambos os cônjuges na vida do lar ou como instrumento comum de trabalho; b) De móveis pertencentes exclusivamente ao cônjuge que os não administra, salvo tratando-se de ato de administração ordinária. 4. Quando um dos cônjuges, sem consentimento do outro, alienar ou onerar, por negócio gratuito, móveis comuns de que tem a administração, será o valor dos bens alheados ou a diminuição de valor dos onerados levado em conta na sua meação, salvo tratando-se de doação remuneratória ou de donativo conforme aos usos sociais.» No caso vertente, não se provou a autorização concedida pela Apelante, em concreto, para as vendas dos motociclos, alegando o Apelado que não necessitava de tal autorização em concreto, por os bens alienados estarem sob a sua administração. Ora, quanto ao conceito ou conteúdo da administração dos bens, dispõe o artigo 1678.º, do Código Civil, que: «1. Cada um do cônjuges tem a administração dos seus bens próprios. 2. Cada um dos cônjuges tem ainda a administração: a) Dos proventos que receba pelo seu trabalho; b) Dos seus direitos de autor; c) Dos bens comuns por ele levados para o casamento ou adquiridos a título gratuito depois do casamento, bem como dos sub-rogados em lugar deles; d) Dos bens que tenham sido doados ou deixados a ambos os cônjuges com exclusão da administração do outro cônjuge, salvo se se tratar de bens doados ou deixados por conta da legítima desse outro cônjuge; e) Dos bens móveis, próprios do outro cônjuge ou comuns, por ele exclusivamente utilizados como instrumento de trabalho; f) Dos bens próprios do outro cônjuge, se este se encontrar impossibilitado de exercer a administração por se achar em lugar remoto ou não sabido ou por qualquer outro motivo, e desde que não tenha sido conferida procuração bastante para administração desses bens; g) Dos bens próprios do outro cônjuge se este lhe conferir por mandato esse poder. 3. Fora dos casos previstos no número anterior, cada um dos cônjuges tem legitimidade para a prática de atos de administração ordinária relativamente aos bens comuns do casal; os restantes atos de administração só podem ser praticados com o consentimento de ambos os cônjuges.» De acordo com esta norma, os bens comuns estão sujeitos à administração de ambos os cônjuges, tendo cada um deles apenas a administração dos seus bens próprios, a administração dos bens expressamente indicados nas diversas alíneas do n.º 2 do normativo, independentemente de serem bens próprios ou comuns, e ainda a administração dos bens na qual consentir o outro cônjuge. Pode, portanto, um dos cônjuges administrar bens próprios do outro cônjuge se este lhe conferir mandato para o efeito (e não dizendo a lei que o mandato seja expresso, nada obsta a que o mesmo seja tácito) e administrar bens comuns mediante consentimento do outro cônjuge (que pode revestir a forma de simples autorização, expressa ou tácita, ou constituir um verdadeiro contrato de mandato). É por essa razão que os n.ºs 1 e 2, do artigo 1682.º, distinguem duas situações diversas: no n.º 1 os casos em que a administração dos bens comuns é feita por o cônjuge administrador estar autorizado a fazê-la (por se tratar de um bem compreendido na previsão de uma das alíneas do n.º 2, do art.º 1678.º ou por existir consentimento do outro cônjuge que não advenha da celebração de um contrato de mandato), no n.º 2 os casos em que a administração é realizada ao abrigo de um contrato de mandato celebrado entre os cônjuges. Reportando-nos ao caso vertente, constata-se ter-se provado que: “Apelante e apelado casaram em 24/09/2004 sem convenção antenupcial, e coabitaram até 15/02/2020; A acção de divórcio sem consentimento deu entrada a 12/03/2020; O motociclo LT-..-.. registado a favor do apelado a 11/12/2008 por compra, foi por este vendida a 04/02/2020 ao chamado DD mediante pagamento de €1.600,00; O motociclo LR-..-.. registado a favor do apelado a 08/01/2013 por compra, foi vendido por este a 04/02/2020 ao chamado CC por €2.000,00; - Foi o apelado que por sua iniciativa celebrou os contratos quer de compra quer da posterior venda dos motociclos; - Era o apelado quem nas horas vagas reparou os motociclos; - E era só o apelado quem conduzia os mesmos.”. Assim, resulta da referida factualidade que, apelante e apelado eram casados no regime de comunhão de adquiridos, que as vendas pelo apelado foram realizadas na pendência do casamento e, porque não ficou provado o contrário, que a apelante não prestou a sua autorização/consentimento para tais vendas. Entendeu, todavia, o Tribunal a quo que: “(…) no caso dos autos, se é certo que não resultou provado que a autora tenha conhecido e declarado expressamente autorizar as vendas dos motociclos, não o é menos que, tendo necessariamente conhecimento, por força da coabitação, que o réu, por sua iniciativa e sozinho, adquiriu e registou em seu nome, fez trabalhos de restauro e manutenção e utilizou exclusivamente os motociclos, não pode deixar de se entender que lhe conferiu, tacitamente, a administração de tais bens, nos termos da parte final do n.º 3 do artigo 1678.º, o que confere ao réu legitimidade para os onerar, nos termos do n.º 2 do artigo 1682.º. Assim sendo, as vendas são válidas e, consequentemente, improcede o pedido.” Ora, pode ler-se no sumário do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no processo n.º 5822/15.5T8MTS.P1, de 27/09/2016, publicado in www.dgsi.pt, que: “(…) III - A venda de um automóvel, bem comum do casal, não constitui acto de administração ordinária, estando dependente de autorização do outro cônjuge. IV - A consequência desta “ilegitimidade conjugal” é a anulabilidade do acto de disposição a requerimento do cônjuge que não deu o consentimento ou dos seus herdeiros (artigo 1687.º CC).”. Por sua vez, nas palavras de Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. IV, 2.ª edição, Coimbra Editora, pág. 289, em anotação ao artigo 1678.º, n.º 3, do Código Civil, afirma que este artigo, qual “águia de duas cabeças” enuncia duas regras distintas mas complementares: “A 1.ª, da administração concorrente, refere-se aos actos de administração ordinária. Qualquer dos cônjuges tem legitimidade para a prática de actos de administração ordinária, relativamente a bens comuns do casal. A 2.ª, da administração conjunta, abrange os actos de administração extraordinária”. Os actos desta natureza, relativos aos bens comuns, só podem ser validamente praticados com o consentimento de ambos os cônjuges.”. De resto, do artigo 1682º, do Código Civil, resulta uma tendencial coincidência entre a legitimidade dos cônjuges para administrar bens móveis e a legitimidade para praticar actos de alienação e oneração dos mesmos, se a administração for comum a alienação pressupõe a intervenção dos dois cônjuges ou a intervenção de um com a prestação do consentimento pelo outro, salvo se o acto de disposição consubstanciar apenas a administração ordinária do bem, ou seja, quanto o acto se dirija à conservação ou frutificação normal de um bem, sem afectar a substância do mesmo. Assim, constituindo actos de administração ordinária, todos aqueles que atendam a necessidades ordinárias/correntes e quotidianas da família, actos que visam a conservação do bem ou a sua frutificação normal e que não comportam decisões de fundo, nem uma alteração da composição do património comum, logo, não podemos enquadrar num acto de administração ordinária a venda de dois motociclos que integram o património comum do casal. Pelo que, a venda de bens comuns, móveis sujeitos a registo, como são os dois motociclos cuja anulação da venda se pretende, não é um acto de administração ordinária, dispondo expressamente o n.º 3, do artigo 1682º, do Código Civil, que “Só podem ser praticados com o consentimento de ambos os cônjuges a alienação ou oneração de móveis pertencentes exclusivamente ao cônjuge que os não administra, salvo tratando-se de ato de administração ordinária”. Ou seja, para a venda dos dois motociclos aqui em questão, impunha-se o consentimento de ambos os cônjuges, nas referidas circunstâncias. Defende, designadamente, o Apelado, tese aceite pelo Tribunal a quo, que da factualidade assente infere-se que a apelante tacitamente conferiu a administração dos veículos ao Apelado, pelo que, assim, este não carecia do seu consentimento para a alienação dos dois motociclos. Como é consabido, pode um dos cônjuges administrar bens próprios do outro cônjuge se este lhe conferir mandato para o efeito (e não dizendo a lei que o mandato seja expresso, parece que nada obsta a que o mesmo seja tácito) e administrar bens comuns mediante consentimento do outro cônjuge (que parece poder revestir a forma de simples autorização, expressa ou tácita, ou constituir um verdadeiro contrato de mandato). Afigura-se-nos, porém, que a factualidade provada é manifestamente insuficiente para que se possa inferir que, da circunstância de o apelado ter adquirido e registado os motociclos em seu nome, ter realizado trabalhos de restauro e manutenção e utilizado exclusivamente os mesmos se possa concluir, sem mais, que a Apelante tenha tacitamente conferido a administração dos referidos bens ao Apelado. Com efeito, nada obstava a que, no futuro, a Apelante adoptasse outra conduta relativamente aos motociclos, remetendo-se, certamente, a uma posição mais passiva por esses cuidados estarem a ser garantidos pelo Apelado e não ter perícia para os conduzir. Além disso, a situação fáctica exposta é corrente no dia a dia no que tange aos veículos automóveis, sem que daí se possa concluir ter existido consentimento presumido para a sua administração exclusiva por um dos elementos do casal, com o inerente poder para a sua alienação, sem a anuência do outro cônjuge. Assim, não se tendo provado a existência de consentimento expresso, sendo certo que se nos afigura que da factualidade provada também não se infere ter existido consentimento tácito para a administração exclusiva dos motociclos, não sendo o mesmo dessumível ou inferível de “facta concludência”, não os podia alienar o Apelado sem o consentimento da Apelante. Ou seja, a ausência de consentimento ou autorização importa o direito à anulação pela apelante, desses actos de disposição/venda. Impõe-se, assim, a procedência do recurso de apelação interposto pela autora. * Sumariando em jeito de síntese conclusiva: ……………………………………………. ……………………………………………. ……………………………………………. * 5. Decisão Nos termos supra expostos, acordamos neste Tribunal da Relação do Porto, em julgar procedente o recurso de apelação interposto pela autora, revogando a decisão recorrida e determinando a anulação das vendas realizadas pelo apelado em 04/02/2020 dos motociclos LT-..-.. e LR-..-.. bens comuns do casal, por falta de consentimento da apelante e consequente cancelamento dos registos automóveis a favor dos terceiros adquirentes, chamados na acção. * Custas a cargo do apelado.* Notifique.Porto, 23 de Março de 2023 Paulo Dias da Silva Isabel Silva João Venade (a presente peça processual foi produzida com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas e por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem) |