Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | JOÃO VENADE | ||
Descritores: | CONDOMÍNIO QUOTAS PRAZO DE PRESCRIÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RP202506261451/24.0T8VLG-A.P1 | ||
Data do Acordão: | 06/26/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | ALTERADA A DECISÃO | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - É de cinco anos o prazo de prescrição de quotas de condomínio, nos termos do artigo 310.º, g), do C. C.. II - A Lei n.º 8/2022, de 10/01, ao definir a abrangência do título executivo (ata de assembleia de condóminos) tem natureza interpretativa. III - Prescritas as quotas de condomínio, extinguem-se as penalidades pela respetiva falta de pagamento, atento o seu caráter acessório. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 1451/24.0T8VLG-A.P1.
João Venade. António Carneiro da Silva. Francisca da Mota Vieira. * 1). Relatório. Condomínio ..., Rua ..., ..., Valongo Intentou contra AA, residente naquele edifício, Rua ..., ..., Valongo Ação executiva para pagamento de quantia certa, pedindo o pagamento coercivo de 13.523,32 EUR, acrescido de juros de mora e penalidades. Alega que o executado se encontra em dívida em relação a quantias destinadas ao pagamento das despesas necessárias à conservação das partes comuns do edifício e dos serviços de interesse comum aprovadas em Assembleia Geral de Condóminos, no valor de: . setembro de 2013 a novembro de 2023 – 6.849,90 EUR – quotas, fundo de reserva, seguro; . as quotas devem ser pagas até ao dia 8 do mês a que correspondem; . ao referido valor, acrescem penalizações (15%), no valor de 5.268,49 EUR. * Foi indeferido parcialmente o requerimento executivo em relação a prestações devidas ao condomínio no período compreendido entre maio de 2020 e abril de 2022 por falta de título executivo, no valor de 1.989,45 EUR. * Citado o executado, o mesmo deduziu embargos onde, para o que releva para o presente recurso, alega que: . há falta de título executivo; . ocorre prescrição dos valores pedidos entre setembro de 2013 e junho de 2019, bem como em relação aos respetivos juros e penalidades. * Notificado o exequente/embargado, o mesmo, invocando justo impedimento, alegou que: . para a prescrição ocorrer tem de ser alegado o seu pagamento o que no caso não sucedeu, confessando o executado que deve esse valor; . nos termos do artigo 311.º, o prazo de prescrição é de vinte anos; . os prazos de prescrição estiveram suspensos por conta da pandemia do covid/19; . a ata torna-se titulo executivo após terem passados todos os prazos de impugnação da mesma que pode ir até os 90 dias. * Por decisão de 30/12/2024, o tribunal julgou improcedente o invocado justo impedimento e extinto o direito do embargado contestar os embargos de executado. * O exequente, a convite do tribunal, juntou regulamento do condomínio e atas de onde, alegadamente, resulta a estipulação de penalidades para o caso de falta de pagamento. * Foi proferida decisão onde, analisando-se a existência de título executivo e a prescrição das quotas de abril de 2017 a junho de 2019, se menciona e decide que: . existe absoluta falta de título quanto aos valores reclamados, respeitantes aos meses de setembro de 2013 a abril de 2017, porquanto das atas dadas à execução não consta qualquer deliberação sobre os valores a pagar ao condomínio que abranja o referido período, tendo que proceder os embargos nesta parte; . quanto às atas das assembleias de condóminos de 05/05/2017, 04/05/2018 e 10/05/2019, há título, sendo os juros devidos desde a citação do executado para os termos da ação executiva; . quanto às atas das de 13/05/2022 e 24/05/2023, são título executivo, vencendo-se os valores da primeira desde a citação e os da segunda são devidos a partir do último dia de cada um dos meses a que se reportam; . não são devidas penalidades; . o prazo de prescrição da obrigação de pagamento resultante da ata de 05/05/2017 completou-se em 06/05/2023 (pensamos que se queria mencionar 06/05/2022 por terem decorrido cinco anos desde 04/05/2018); . o prazo da obrigação de pagamento da ata de 04/05/2018 completou-se em 05/05/2023; . o prazo de prescrição das quotas correspondentes aos meses de maio e junho de 2019 (pois que só relativamente a essas foi invocada a prescrição) completar-se-ia em 11/05/2024; . a execução de que estes autos são apenso considera-se interposta em 17/04/2024; contudo, como resulta dos factos provados 5 e 6; . o requerimento executivo não veio devidamente instruído, o que determinou a prolação de despacho a convidar o exequente a juntar os documentos em falta e, considerando-se notificado de tal despacho em 06/05/2024, o exequente só veio cumprir o mesmo em 21/05, altura em que já ocorrera a prescrição. Face a tudo o exposto resulta que a ação executiva apenas pode prosseguir para cobrança da quantia de 1 219,24 EUR (correspondente às quotas ordinárias dos meses de julho de 2019 a abril de 2020 e dos meses de maio de 2022 a abril de 2023), acrescida dos juros vencidos e vincendo a contar da citação (ocorrida em 31/05/2024) e da quantia de 471,29 EUR (correspondente às quotas de junho a novembro de 2023) acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos calculados sobre o valor cada uma das quotas que integram aquela quantia (60,96 EUR) e desde o último dia do mês a que cada uma respeite, sendo os vencidos aquando da apresentação do requerimento executivo no valor de 4,90 EUR. * Inconformado, recorre o exequente-embargado, formulando as seguintes conclusões: «A- Considerou a MM JUIZ como provados os seguintes factos: (…) – não se reproduzem uma vez que que os factos estarão elencados infra. B - A douta sentença considera todos os factos alegados pela exequente aqui recorrente provados. C existe uma nítida contradição entre os factos dados como provados e a fundamentação, e consequentemente a decisão proferida. D-Considerou a douta sentença que “do exposto resulta desde logo razão ao embargante quanto á absoluta falta de título quanto aos valores reclamados respeitantes aos meses de setembro de 2013 a abril de 2017 porquanto as actas dadas á execução não consta qualquer deliberação sobre os valores a pagar ao condomínio que abranja o referido período tendo de proceder os embargos nesta parte. E- Devendo ao contrário do decidido, declarar-se que existe título executivo, que o mesmo preenche todos os requisitos exigidos quer na lei geral quer na lei especial e que são devidas as quantias peticionadas, e em consequência, indeferindo-se os embargos. F- das actas dadas á execução consta ao contrário do vertido na sentença a deliberação sobre os valores a pagar ao condomínio. G- Da matéria dada como provada ficou provado que o executado/recorrido devia o valor constante do peticionado, tendo tais factos dados como provados e não havendo qualquer menção do executado/recorrido quanto a estas actas de 2013 a 2017, e como tal os valores são devidos H- Mas mesmo que assim não fosse deveria MM Juíz a quo ter convidado o exequente juntar aos autos as atas referentes a esse período, o que não ocorreu. i- Quanto ás atas das assembleias de condóminos de 5 de maio de 2017, 4 de maio de 2018 e 10 de maio de 2019, vem a Mm juíz decidir quanto á data de vencimento das quotas, decidindo que nada consta quanto á data de vencimento, mas j- dos factos dados como provado foi considerado o seguinte: “Apesar das diversas interpelações o executado nunca efectuou qualquer pagamento sendo que tal como consta do regulamento as quantias devem ser pagas ate ao dia 8 do mês a que corresponde por transferência bancaria ou no escritório dos administradores de Condomínio. Ao valor supra referido acrescem as penalizações de 15% no valor de 5268,49 Ao valor da divida acrescem juros moratórios vencido e vincendos á taxa lega de 4% sendo os vencidos da contar da data da falta de pagamento atempado quês e contabiliza em 1404,93 Pelo que o ora executado deve á exequente aquantia de 13523,32” L- Duvidas não existem que ficou provado que consta do regulamento a data limite de pagamento das quotas condominais e que foram efetuadas diversas interpelações. M e como tal são os juros devidos desde a data de vencimento de cada quota conforme calculou a recorrente e não apenas da data da citação do executado como consta da fundamentação da sentença, devendo a mesma ser alterada nesse sentido de acordo como os factos dados como provados. N- Sendo que igual raciocínio de diga no que concerne ás penalidades. O- Foi junto ao processo o regulamento do condomínio e a acta que o aprovou, mencionando ainda todas as actas essa realidade, factos esses também dados como provados. P-Como tal encontrasse validamente deliberado as penalizações em regulamento e em acta que aprovou. Q- ao contrário do que vem na sentença deve o recorrido ser condenado nesses mesmas penalidades, desde logo, porque resulta dos factos dados como provados, e por outro lado da prova documental junta aos autos e para a qual se remete. R- pelo que deve a douta sentença nesta parte também ser alterada e ser o recorrido condenado no pagamento das penalidades. S- Vem ainda a douta sentença debruçar-se sobre a prescrição ou não das quotas referentes ao meses de abril de 2017 a junho de 2019 e respetivos juros. T - Da douta sentença consta que decidiu que considerou prescritas as quotas da acta de 5 de maio de 2017 que se completou em 6 de maio de 2023, o prazo de pagamento da acta de 4 de Maio de 2018 que se completou em 5 de maio de 2023 e o prazo de prescrição das quotas correspondentes aos meses de maio e junho de 1019 que se completou em 11 de maio de 2024. U- o recorrido admitiu a divida na sua totalidade e como tal confessou esse facto no seu articulado de embargos, e como tal valores terem dado dados como assente e como provados na douta sentença. v- Foram os valores aceites expressamente no seu articulado, pelo que a prescrição ser invocada ou prevalecer e foi admitido que não estavam liquidados os montantes peticionados x -Sendo que a prescrição não prevalece se a parte aceitar a divida e não invocar o seu pagamento e como tal nãos e encontram prescritas essas quotas, juros e penalidades quanto a esses períodos. Z- apenas e tão só por mero dever de patrocínio, caso a prescrição ocorresse, a douta sentença não teve em consideração douta sentença os prazos da suspensão de covid 19 do regime excecional. AA - Ora sendo assim nunca se poderiam considerar prescritas as quotas do ano de 2019 e as referentes ao ano de 2018 AB - Mas diga-se ainda que para aferir da prescrição, considerou, mal, a douta sentença que não existia data de vencimento das quotas, quando na verdade consta dos factos dados como provados que as quotas mensais vencem-se no dia 08 do mês seguinte. AC - motivo pelo qual jamais poderia operar a prescrição dos meses que forma invocado e que a MM juiz decidiu tendo por base ata de 5 de maio de 2018 e não mês a mês. AD- Não se encontram assim prescritas quaisquer quotas e como tal deve a sentença ser alterada e devem essas quotas serem todas consideradas devidas, alterando assim a sentença para não prescritas as quotas referentes e resultantes da ata de 5 de maio de 2017, 05 de Maio de 2018 e de maio e junho de 2019. AE- pelo que deve a douta sentença recorrida ser alterada e ser o executado nos valores peticionados. Por tudo o exposto, e sem necessidade de mais amplas considerações, deverá a presente apelação ser julgada procedente, por provada, e, consequentemente, alterar a decisão proferida pelo tribunal “a quo” com todos efeitos legais, condenando o recorrido no pedido e nos valores peticionados ASSIM SE FAZENDO INTEIRA E SÃ JUSTIÇA.». * Não foram apresentadas contra-alegações. * As questões a decidir são: . apreciação do alcance e significado do facto provado 1); . existência de título executivo quanto às dívidas das quotas de condomínio, fundo de reserva, eventualmente seguro e de penalidades; . possibilidade de convite a serem juntas atas que constituam título executivo; . utilidade desse convite; . prescrição das quantias peticionadas; . ocorrendo prescrição de quotas de condomínio, consequência em relação às respetivas penalidades estipuladas para o caso de não serem aquelas pagas. * 2). Fundamentação. 2.1). De facto. Resultaram provados os seguintes factos: «1 – Em 16 de abril de 2024 o Condomínio ..., sito na Rua ... em Valongo, deduziu a presente ação executiva para pagamento de quantia certa contra AA reclamando o pagamento da quantia de € 13.523,32 e alegando que “o executado é dono e legítimo proprietário da fracção designada pelas letras CD, descrita na Conservatória do Registo Predial de Valongo sob o número ... da freguesia ..., correspondente á HAB ..., sita na Rua ..., ... Valongo. O mesmo encontra-se em débito para com o condomínio das quantias destinadas ao pagamento das despesas necessárias à conservação das partes comuns do edifício e dos serviços de interesse comum aprovadas em Assembleia Geral de Condóminos, nomeadamente, obras de reabilitação do edifício, seguro e fundo de reserva e sensores, no valor de: - setembro de 2013 até novembro de 2023, num valor que se quantifica 6849,90 € (seis mil oitocentos e quarenta e nove euros e noventa cêntimos), valor este correspondente a quotas, fundo de reserva, bem como do seguro. Apesar das diversas interpelações, o executado nunca efetuou qualquer pagamento, sendo que, tal como consta do regulamento, as quotas devem ser pagas até ao dia 8 do mês a que corresponde, por transferência bancária ou no escritório dos administradores do condomínio. Ao valor supra referido acrescem as penalizações (15%), no valor de 5268,49 (cinco mil duzentos se sessenta e oito euros e quarenta e nove cêntimos calculadas de acordo com o regulamento aprovado por acta de condomínio, Ao valor da dívida acrescem-se juros moratórios, vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%, sendo os vencidos a contar da data da falta de pagamento atempado, que se contabiliza em: - 1404,93 € (mil quatrocentos e quatro euros e noventa e três cêntimos). Pelo que, o ora executado devem à exequente a quantia € 13523,32 (treze mil quinhentos e vinte e três euros e trinta e dois cêntimos)”. 2 – O requerimento executivo veio acompanhado das atas das assembleias de condóminos realizadas em: - 5 de maio de 2017 da qual resulta a aprovação do orçamento ordinário para o período de maio de 2017 a abril de 2018 no valor global de € 95.887,32, mais constando do ponto 4 da ordem de trabalhos ter “sido recordado, pelo Presidente da Assembleia, que aos valores em débito acresce ainda uma pena pecuniária por atraso, aprovada no Regulamento do Condomínio, de 15% por mês em atraso sobre o valor em dívida, bem como juros de mora à taxa legal”. - 4 de maio de 2018 da qual resulta a aprovação do orçamento ordinário para o período de maio de 2018 a abril de 2019, no valor global de € 95.887,32, mais constando do ponto 4 da ordem de trabalhos ter “sido recordado, pelo Presidente da Assembleia, que aos valores em débito acresce ainda uma pena pecuniária por atraso, aprovada no Regulamento do Condomínio, de 15% por mês em atraso sobre o valor em dívida, bem como juros de mora à taxa legal”. - 10 de maio de 2019 da qual resulta a aprovação do orçamento ordinário para o período de maio de 2019 a abril de 2020, no valor global de € 95.887,32. Mais consta do ponto 4 da ordem de trabalhos ter “sido recordado, pelo Presidente da Assembleia, que aos valores em débito acresce ainda uma pena pecuniária por atraso, aprovada no Regulamento do Condomínio, de 15% por mês em atraso sobre o valor em dívida, bem como juros de mora à taxa legal”. - 13 de maio de 2022 da qual resulta a aprovação do orçamento ordinário para o período de maio de 2022 a abril de 2023, no valor global de € 95.887,32. Mais consta do ponto 4 da ordem de trabalhos ter “sido recordado, pelo Presidente da Assembleia, que aos valores em débito acresce ainda uma pena pecuniária por atraso, aprovada no Regulamento do Condomínio, de 15% por mês em atraso sobre o valor em dívida, bem como juros de mora à taxa legal”. - 24 de maio de 2023 da qual resulta a aprovação do orçamento ordinário para o período de maio de 2023 a abril de 2024, no valor global de € 105.77,36. Mais consta da referida ata vindo a mesma acompanhada de um listagem denominada “quotizações atualizadas que entram em vigor a partir de junho de 2023 da qual consta que os valores da quota mensal e for respeitante à fração CD é de € 60,96 e € 6,10, respetivamente. 3 – O exequente junta ainda ao requerimento executivo um documento no qual procede à liquidação da quantia exequenda do qual consta a referência à fração CD, a permilagem da mesma e que o valor de € 6849,90 respeita ao valor de quotas mensais no valor de € 55,42 relativas aos meses de setembro de 2013 a abril de 2023 e no valor mensal de € 60,96 relativas aos meses de maio a setembro de 2023. 4 – Em 17 de abril de 2024 o exequente procedeu ao pagamento do valor a que alude o artº. 724º. nº. 6 al. a) do CPC. 5 – Em 30 de abril de 2024 foi proferido despacho a convidar o exequente a juntar aos autos documento comprovativo da titularidade da fração a que respeita ao valor cujo pagamento é peticionado. 6 – Enviada notificação do referido despacho em 2 de maio de 2024, veio o exequente, em 21 de maio de 2024, juntar certidão do registo predial da qual resulta que a propriedade da fração CD do prédio descrito sob o nº ... da freguesia ... está inscrita a favor do executado, casado no regime de comunhão de adquiridos com BB desde 6 de junho de 2001 – Ap. ... de 2001/06/06. 7 – Em 24 de maio de 2024 foi proferido despacho a rejeitar a execução quanto à quantia de € 1.989,45 por se considerar que o exequente não dispunha de título executivo que abrangesse o período de maio de 2020 a abril de 2022 e a ordenar a citação do executado. 8 – O executado foi citado para os termos da ação executiva de que estes são apenso em 31 de maio de 2024.». * Não há factos não provados. * 2.2). Do recurso. A). Do elenco dos factos provados. O tribunal recorrido, ao elencar o facto n.º 1, menciona os factos que o exequente alegou no seu requerimento executivo, transcrevendo a competente alegação, incluindo o valor que aquele entende estar em dívida. Todo o restante elenco que consta da factualidade provada ou consiste na descrição dos atos que ocorreram nos autos – pagamento que o exequente fez no processo, requerimentos apresentados, despachos proferidos, data de citação do executado – ou reprodução parcial de documentos (atas de condomínio) -. Poderá essa opção do tribunal recorrido, em especial quanto facto 1), estar relacionada com a natureza da oposição à execução em que, porventura, entendendo-se que não é uma contestação à execução mas antes uma petição inicial, acaba o embargante por não estar sujeito a ónus de impugnação (e daí, não questionando os factos alegados pelo exequente, tal não significa que estes se mostrem provados mas antes que não são discutidos nos autos). Não iremos aqui analisar qual a natureza da oposição (se petição inicial de ação declarativa ou contestação à execução) por tal não se afigurar necessário. O que iremos referir é que, não tendo o executado questionado os valores, as datas, o teor das atas e o próprio teor do regulamento junto pelo exequente (como infra se mencionará), tudo como alegado pelo exequente, não impugnando assim a versão do mesmo mas apenas suscitando exceções – ilegitimidade, falta de título, caducidade, prescrição -, pensamos que se pode aproveitar a alegação no sentido de que se trata de matéria que, na execução, não sofrerá alteração. Ou seja, tal como quando o executado não deduz oposição, não existe uma confissão de factos mas antes a conclusão de que a execução segue nos termos alegados pelo exequente, se o executado deduz oposição mas não questiona algum circunstancialismo que aquele aduziu, então, quanto a tal alegação não questionada, a execução segue como o exequente pretende. Assim, porque foi alegado e não questionado pelo exequente, temos que não se discute que: . o executado é dono da fração designada pelas letras CD, descrita na C. R. P. de Valongo sob o n.º ..., Valongo, correspondente à HAB ..., sita na Rua ..., Valongo; . o executado não pagou as quantias destinadas ao pagamento das despesas necessárias à conservação das partes comuns do edifício e dos serviços de interesse comum aprovadas em Assembleia Geral de Condóminos, nomeadamente, obras de reabilitação do edifício, seguro e fundo de reserva e sensores, no valor de: - setembro de 2013 até novembro de 2023 – 6 849,90 EUR - correspondente a quotas, fundo de reserva, bem como do seguro; . apesar de interpelado pagar, o executado não o fez; . como consta do regulamento, as quotas devem ser pagas até ao dia 8 do mês a que correspondem, por transferência bancária ou no escritório dos administradores do condomínio; . ao valor acrescem penalizações de 15%, no valor de 5 268,49 EUR conforme regulamento aprovado. Acresce, em abono da falta de impugnação pelo executado, que, no que se refere em específico às penalidades ora pedidas pelo embargado-exequente, a sua previsão está contemplada no artigo 12.º, n.º 2, do regulamento de condomínio junto aos autos (a pedido do tribunal) em 21/11/2024, penalidade essa correspondente a 15% do valor da fatura em cobrança, por cada mês; essa junção foi notificada ao executado, nada tendo o mesmo dito sobre esse documento. Feita esta abordagem ao facto 1), importa então analisar os fundamentos do recurso; assim: B). Da falta de título executivo. Valores referentes a 2013 a 2017. O tribunal recorrido menciona sobre estes valores o seguinte: Do exposto resulta desde logo que assiste total razão ao embargante quanto à absoluta falta de título quanto aos valores reclamados e respeitantes aos meses de setembro de 2013 a abril de 2017 porquanto das atas dadas à execução não consta qualquer deliberação sobre os valores a pagar ao condomínio que abranja o referido período, tendo que proceder os embargos nesta parte. O recorrente menciona, no recurso, três tipos de argumentação: . está provado que o executado deve aqueles valores; . das atas resulta a deliberação dos valores a pagar; . ainda que assim não se entenda, o tribunal deveria ter convidado o exequente a juntar tais atas. Vejamos. Efetivamente, o executado não discute o pagamento das referidas quantias, rectius, não alega que as pagou, o que, conforme acima referimos, faz com que a execução siga como o exequente alega: estão em dívida essas quantias. Mas daí não se pode retirar que haja título executivo que sustente a execução intentada para o seu pagamento, em relação a todas as quantias ou parte delas; ter-se-á de analisar se há ata de condomínio que se possa considerar como revestindo a força de título executivo, mesmo que o executado não as tenha pago (se não houver título, então não releva se pagou ou não pois o condómino não pode ser demandado na ação executiva). E, no caso, a resposta é, no imediato, simples: não foi junta qualquer ata relativa às prestações devidas pelos condóminos de setembro de 2013 a abril de 2017[1], pelo que não há, nos autos, título executivo que suporte o pedido de pagamento coercivo em questão. Quanto à formulação de convite ao aperfeiçoamento para a junção dessas atas, no caso concreto, a alegação do exequente no requerimento não contempla os valores parcelares em dívida, nem as datas respetivas de vencimento, apresentando-se unicamente um valor global de um período de 10 anos (de 2013 a 2023). Porém, com o requerimento executivo é junto um documento em que se concretizam os valores, data de emissão da dívida (sempre no dia 20 de cada mês), pelo que essa falta está sanada. O que não foi efetivamente junto pelo exequente foram as competentes atas que seriam o título executivo; importa então aferir se há algum indício de que possam existir tais atas para assim se colmatar essa falta de junção. Pensamos que esses indícios existem pois não se vislumbra que haja um motivo corrente/normal para que existam atas dos anos de 1997, 2011, 2014, 2017 e não hajam atas de setembro de 2013 a abril de 2017 que se debrucem sobre o pagamento de prestações pelos condóminos. Se resultassem dos autos indícios de que as atas não existiriam, poderia entender-se que havia manifesta falta de título executivo pois, da própria execução, se podia concluir que o exequente não dispunha de título executivo, devendo ser a execução indeferida liminarmente nessa parte – artigo 726.º, n.º 2, a), do C. P. C. -. Não se conseguindo atingir essa conclusão, há que admitir que o exequente pode dispor dessas atas de onde resulte que foi aprovada a obrigação de pagamento das quotas e respetivos valores, devendo assim ser convidado a juntá-las ou, não as tendo, corrigindo então o requerimento executivo de modo a não abranger os respetivos valores.[2] Por isso, na nossa visão, deveria o tribunal recorrido ter convidado o exequente a juntar tais atas para, sendo juntas, aferir da sua potencialidade como título executivo e a abrangência do mesmo ou, não o sendo, concluir que não há título executivo. Deste modo, nessa parte, o exequente/recorrente teria razão, devendo ser notificado para juntar as atas que constituam título executivo de setembro de 2013 a abril de 2017 ou, não dispondo das mesmas, para corrigir o requerimento executivo de modo a que a execução não abrangesse esse período e valores. No entanto, conforme explicitaremos adiante, não iremos decidir desse modo face à apreciação da exceção da prescrição. * C). Data de vencimento das prestações. O recorrente entende que está provada a data de vencimento de todas as prestações em causa. O tribunal recorrido analisou essa questão com a seguinte extensão: . Atas de 05/05/2017, 04/05/2018, 10/05/2019 - Nas atas dadas à execução e em cima referidas, não foi fixado prazo para o pagamento das quotas devidas por cada um dos condóminos e também não foi junto ao requerimento executivo qualquer documento comprovativo da interpelação do executado para o cumprimento das obrigações das mesmas decorrentes. Ficando tal falta de interpelação suprida com citação do executado para os termos da presente ação executiva, conforme decorre dos artigos 805.º, n.º 1, do CC e 610.º, n.º 2, alínea b), do CPC, os juros devidos são apenas os vencidos apos a referida citação; Está demonstrado, já que o executado não o questiona, que: . o executado foi interpelado para pagar os valores em causa; . os mesmos deveriam ser pagos até ao dia 8 do mês a que correspondem que foi a factualidade que o exequente alegou[3], data que o executado não questiona nos embargos que deduziu. O exequente pede juros a contar da data da falta de pagamento atempado, a qual é o 9.º dia do mês a que respeita o correspondente valor (a ser pago até ao 8.º dia de cada mês). Não é suscitada qualquer reserva ao cálculo aritmético efetuado pelo exequente, pelo que os juros de mora a pagar são devidos desde o 9.º dia de cada mês a que respeitam e não desde a data de citação do executado – artigo 805.º, n.º 2, a), do C. C. -. . Ata de 13/05/2022 - sendo os juros relativos ao valor devido em resultado da ata de 13 de maio de 2022, pelas razões já em cima referidas quanto às atas anteriores a 2022, devidos apenas a partir da citação. Mais se refere que: Como resulta do já em cima exposto, a L. 8/2022 veio alterar a redação do artº. 6º. Do D.L. do 268/94 de 25 de outubro, especificando que a ata da reunião da assembleia de condóminos “menciona o montante anual a pagar por cada condómino” e ainda “a data de vencimento das respetivas obrigações”. Tendo a referida lei entrado em vigor em 10 de abril de 2022 aplica-se às referidas atas. (…) Da ata da assembleia de 13 de maio de 2022 consta apenas a aprovação do orçamento ordinário para o período de maio de 2022 a abril de 2023, no valor global de € 95.887,32 e da ata da assembleia de 24 de maio a aprovação do orçamento ordinário para o período de maio de 2023 a abril de 2024, no valor global de € 105.77,36, vindo a mesma acompanhada de uma listagem com o valor das quotas mensais a pagar pelos condóminos a partir de junho de 2023, resultando da mesma que a quota mensal (sendo só esta que interessa porquanto só esta vem peticionada) respeitante à fração CD é de € 60,96. Na decisão recorrida optou-se por considerar que havia título executivo apesar de não constar da ata a data de vencimento das quotas (no sentido de, não constando essa data, não valer a ata como título executivo, veja-se Ac. R. P. de 13/05/2025, processo n.º 4335/24.9T8PRT-A.P1, www.dgsi.pt). Tendo o tribunal considerado que havia título executivo, não manifestando (naturalmente) exequente/recorrente discordância sobre essa decisão, então há que fazer apelo ao facto que está solidificado sobre a data de vencimento das obrigações: até ao 8.º dia de cada mês. Estando provada a data em que as prestações deveriam ser pagas, os juros de mora a pagar são devidos desde o 9.º dia de cada mês a que respeitam e não desde a data de citação do executado, conforme o citado artigo 805.º, n.º 2, a) -. Ata de 24/05/2023 - Já quanto aos valores devidos em resultado da ata da assembleia de 24 de maio de 2023, resultando da mesma que as quotas deviam ser pagas mensalmente, mas não constando o dia do pagamento por força do disposto na al. c) do artº. 279º. do CC, o vencimento das referidas quotas ocorreu no último dia de cada um dos referidos meses, pelo que os juros reclamados só são devidos a partir do último dia de cada um desses meses. Mantemos o nosso raciocínio: não sendo questionada a data limite de pagamento, a mora ocorre no dia seguinte, como mencionado quanto à outra deliberação de 13/05/2022. E, por fim, em relação às quotas que poderiam estar inscritas nas atas do período de 2013 a abril de 2017, também se teria de adotar o mesmo raciocínio: as respetivas quotas estariam vencidas a partir do 9.º dia de cada mês. Obtém assim provimento esta parte do recurso, sendo devidos pelo executado juros de mora desde o 9.º dia de cada mês em relação a cada quota em dívida, não prescrita. * D). Pagamento de penalidades. O tribunal entendeu que não havia lugar ao pagamento de penalidades por as prestações a pagar não terem prazo certo ou por não constar das atas a necessidade de pagamento nem estar junto aos autos o competente regulamento de condomínio. Já vimos que as obrigações têm prazo certo e que está junto aos autos o regulamento de condomínio. Ao abrigo desse regulamento, está prevista a cobrança de penalidades, como já vimos na análise que se efetuou à matéria de facto. Ora, como se faz menção na decisão recorrida, a Lei n.º 8/2022, de 10/01, definiu no artigo 4.º que o artigo 6.º, nºs. 1 e 3, do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25/10, passava a determinar que «A ata da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições a pagar ao condomínio menciona o montante anual a pagar por cada condómino e a data de vencimento das respetivas obrigações.» (n.º 1) e «Consideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante, bem como as sanções pecuniárias, desde que aprovadas em assembleia de condóminos ou previstas no regulamento do condomínio. (n.º 3)». O legislador tomou posição concreta e definida sobre se as penalidades (sanções pecuniárias) podem estar incluídas no título executivo, estipulando que pode o condomínio pedir o seu pagamento através de uma ação executiva. Para nós, desde logo, o legislador tomou posição expressa sobre a controvérsia que existia sobre esta questão (assumindo a natureza de lei interpretativa, nos termos do artigo 13.º, do C. C.). A indicada Lei 8/2022, teve por base o Projeto de Lei n.º 718/XIV/2.ª onde, de acordo com a Exposição de motivos, teve em vista introduzirem-se «… mecanismos facilitadores da convivência em propriedade horizontal, nomeadamente agilizando procedimentos de cobrança (…). O diploma pretende ainda contribuir para a pacificação da jurisprudência que é abundante e controversa a propósito de algumas matérias, como, por exemplo, os requisitos de exequibilidade da ata da assembleia de condóminos, a legitimidade processual ativa e passiva no âmbito de um processo judicial e a responsabilidade pelo pagamento das despesas e encargos devidos pelos condóminos alienantes e adquirentes de frações autónomas, colocando fim, neste último aspeto, à vasta e sobejamente conhecida discussão acerca das características de tais obrigações.». Estão assim preenchidos todos os pontos para que se considere a lei interpretativa, a saber: . recaiu sobre um ponto em que haviam divergências, no caso, jurisprudenciais; . exprime a vontade de resolver a dúvida de acordo com uma das soluções – no caso, ser possível intentar a execução pedindo esse pagamento -; . houve intenção de o fazer com tal lei; . não há qualquer óbice à retroatividade em se poder executar tais valores, apenas se define o âmbito do título, alargando-o para quem não entendesse de tal modo (Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, I, 4.ª, página 859). E ainda, definindo a Lei que não é necessário intentar uma ação declarativa para executar o valor das penalidades, diminuiu-se a exigência para que a ata possa constituir título executivo quanto a esses valores, aplicando-se assim a doutrina e argumentação fixada pelo Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 9/93, de 18/12, com o seguinte teor: «O artigo 51.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, com a redação dada pelo Decreto-Lei n.º 242/85, de 9 de Julho, é de aplicação imediata, mesmo em execuções pendentes». Aqui se menciona que a lei que fixe requisitos menos exigentes de exequibilidade do título é de aplicação imediata, mesmo em execuções pendentes, o que é o que sucede: a lei atribuiu desde logo força executiva à ata em relação às multas aplicadas ao condómino, ao invés do que anteriormente sucedia.[4] Deste modo, aplicando-se a lei às situações anteriores, tem a exequente direito a pedir o pagamento das penalidades que estão previstas no regulamento de condomínio (15% do valor da fatura em cobrança, por cada mês). Outras questões são: . saber se há título em relação a penalidades de setembro de 2013 a 2017; . se estão ou não prescritas, matéria que será posteriormente analisada nesta decisão. * E). Da prescrição. Num primeiro momento, apreciar-se-ão somente as quantias em dívida relativas aos períodos de abril de 2017 a junho de 2019 e respetivos juros; caso se entenda que a prescrição ocorre em data que torna seguro concluir que as relativas ao período temporal entre setembro de 2013 a março de 2017 também estão prescritas, então decidir-se-á nesse sentido. Concordamos com o embargante/recorrido quando conclui que o prazo de prescrição das quotas em causa é de 5 anos, conforme artigo 310.º, g), do C. C. – prescrevem no prazo de 5 anos quaisquer outras prestações periodicamente renováveis – (o tribunal, contabilizando cinco anos de prescrição, não indica porque entende que é esse o prazo aplicável, sendo que o exequente alega que será de 20 anos). Estão em causa, face ao alegado no requerimento executivo e que não foi alvo de impugnação, quotas de condomínio, fundo de reserva, bem como do seguro, ou seja, à partida, prestações que, periodicamente, o condómino tem de pagar[5]. E, em concreto, não conseguimos ter a segurança necessária para concluir que também está em dívida o pagamento de seguro (obrigatório de incêndio, ao que supomos, nos termos do artigo 1429.º, do C. C.) já que, no documento informativo junto pelo exequente, em relação ao item seguro, só surgem valores de zero. Entende-se assim que seguramente estão em causa prestações periódicas (quotas, contribuição para fundo comum de reserva[6]). Não se aplica, na nossa visão, o disposto no artigo 311.º, n.º 1, do C. C. - «O direito para cuja prescrição, bem que só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça, ou outro título executivo.». O que aqui se estabelece é que se, para se exercer um direito – no caso, pagamento de prestações de condomínio -, a lei estabelecer um prazo mais curto de prescrição do que o prazo de 20 anos (artigo 309.º, do C. C.) mas depois de ter começado esse prazo, sobrevier uma sentença ou um título executivo que assim reconheça esse direito, não podendo já ser discutida a existência desse direito, o prazo passa a ser de vinte anos. Quando o prazo se inicia, ainda pode existir a dúvida sobre se o credor terá esse direito pelo que a questão deve ser solucionada de modo mais célere, com um prazo mais curto de prescrição (até por causa do desgaste que a prova poderia sofrer com um prazo mais longo de prescrição); mas se está definido que o direito existe – por haver sentença que o declare, por as partes terem assumido documentalmente esse direito, com força de título executivo -, então já não há motivo para afastar o prazo de prescrição ordinário. Ora, no caso, o título executivo forma-se, em termos materiais, porventura até antes da dívida existir (quando se vence a obrigação) pois a assembleia de condóminos delibera qual o montante a pagar no período anual seguinte e só a partir dessa deliberação é que está fixado o valor devido pelo condómino e assim se determina qual o valor exigível; quando ocorre a falta de pagamento, passa então aquela mesma deliberação a valer como título executivo. No caso concreto, as atas juntas com o requerimento executivo têm data de maio do respetivo ano; logo, aí delibera-se o valor a pagar para o período seguinte (maio desse ano a abril do ano seguinte). E, por isso, o título executivo das quotas já em atraso quando essa deliberação é tomada não será esta mas a imediatamente anterior ou outra prévia, consoante a dívida em causa (se está é de março de 2019, será título a deliberação do ano de 2018, por exemplo). É o que resulta da documentação junta pelo exequente em que se apresenta, por exemplo, o resultado do exercício de maio de 2016 ou 2018 a abril de 2017 ou 2019, respetivamente. Mas ainda que se entenda que não é assim, se já havia quotas em atraso quando a deliberação que constitui título executivo é tomada (dívida de março de 2019, com assembleia em maio de 2019, por exemplo), passa efetivamente não só a saber-se qual o valor exigível ao condómino, como o condomínio passa a deter um título executivo. Mas aquela deliberação exemplificativa (de maio de 2019) não se está a debruçar, de modo algum, sobre as também exemplificadas quotas em dívida em março de 2019. O condomínio delibera sobre o valor a pagar das quotas e essa deliberação não tem um caráter de atribuir força executiva a dívidas anteriores, apenas visa fixar o valor a pagar no próximo ano. O legislador é que entendeu atribuir a qualidade de título executivo a essa deliberação mas não mais do que isso. Não se deve retirar que, com aquela deliberação de maio de 2019, se pretendeu obter a mesma força que uma sentença transitada em julgado que apreciasse a questão em concreto (as dívidas de março de 2019), assim permitindo a aplicação de um prazo de prescrição de 20 anos. A deliberação somente visa facilitar a cobrança de dívidas e não reconhecer dívidas anteriores. Ou seja, a formação do título executivo até pode ser contemporânea ao surgimento da dívida (se esta já existia – as exemplificadas de março de 2019 já existiriam em maio de 2019, tornando-se exigíveis nesta mesma data) mas não é posterior à dívida, como aquele artigo 311.º, do C. C. determina. Este visa a formação de caso julgado ou título executivo depois de nascer o direito e não quando se forma contemporaneamente à dívida.[7] Também não há que fazer depender a aplicação do prazo de cinco anos se a parte aceitar a divida e não invocar o seu pagamento como alega o recorrente; pensamos que estará a pensar no regime de prescrições presuntivas de cumprimento, previstas no artigos 312.º e seguintes, do C. C.. Aqui, pode existir um afastamento da alegação da presunção de cumprimento se o devedor alegar matéria factual incompatível com essa presunção (por exemplo, negar a dívida – se nega a dívida não se pode presumir que a cumpriu -). No entanto, a prescrição dos autos não é presuntiva mas extintiva, pelo que aquele raciocínio não encontra aqui aplicação. * Deste modo, tal como aplicou o tribunal recorrido, o prazo de prescrição é de 5 anos, a contar do 9.º dia da respetiva mensalidade em dívida já que a partir dessa data pode ser exigido o seu pagamento, conforme artigo 306.º, n.º 1, 1.ª parte, do C. C. - O prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido; se, porém, o beneficiário da prescrição só estiver obrigado a cumprir decorrido certo tempo sobre a interpelação, só findo esse tempo se inicia o prazo da prescrição -. A execução foi intentada em 16/04/2024 mas só se considerada intentada no dia seguinte (17/04/2024) por nessa data ter sido a paga quantia a que se reporta o artigo 724.º, n.º 6, a), do C. P. C.[8], tendo a citação do executado ocorrido em 31/05/2024 conforme acima indicado no facto provado 8) e resulta do aviso de receção junto em 06/06/2024. Nos termos do artigo 323.º, nºs. 1 e 2, do C. C., temos que: 1. A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente. 2. Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias. A citação tem assim um efeito interruptivo da prescrição; e se a mesma não se tiver efetuado dentro de cinco dias depois de requerida (leia-se, depois de proposta a ação já que não é necessário requerer-se a citação do Réu), considera-se interrompida ao 5.º dia. Foi o que sucedeu nos autos: o exequente propôs a execução e, ao 5.º dia, o processo ainda não tinha sido movimentado no sentido de determinar qual o despacho a proferir; tal apenas sucede em 30/04/2024 com o tribunal a determinar a correção da classificação da execução e que o exequente junte documento comprovativo da titularidade da fração a que respeitam as quotas cujo pagamento peticiona. E ainda é certo que, na data de 22/05/2024, o tribunal indefere liminar e parcialmente a execução; mas quando todos estes despachos são proferidos, já tinham decorrido cinco dias sem que se possa imputar ao exequente que a citação não se efetuou por motivo que lhe fosse imputável. Mesmo aquele primeiro despacho (de 30/04/2024) em que se pede que o exequente corrija o requerimento no sentido de juntar um documento que o tribunal entendeu ser essencial, não afastaria a interrupção ao fim do 5.º dia. Não se estaria perante uma atuação do exequente que pudesse impedir a citação (como o seria a falta de pagamento de algum encargo tributário ou de falta de junção do requerimento executivo completo) mas antes de um possível vício processual que visava a clarificação do que se requeria, permitindo também uma melhor compreensão ao executado mas não impedindo, objetivamente, que o executado fosse citado.[9] Temos então que em 22/04/2024 se interromperam os prazos de prescrição em curso; resta saber quais são esses prazos. É preciso notar que há que aplicar os prazos de suspensão da interrupção que advieram do regime do Covid que, em resumo, implicam que: . Os regimes excecionais de suspensão dos prazos de prescrição em curso criados pela “legislação Covid-19”, foram estabelecidos pelos seguintes preceitos: art.º 7.º, nºs 3 e 4 da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, vigorando entre o dia 09 de Março de 2020 até ao dia 03 de Junho de 2020, num total de 87 dias (cfr. art.º 5.º da Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril, e arts. 8.º e 10.º da Lei n.º 16/2000 de 29 de Maio), art.º 6.º-B, nº 3 da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, que, face ao seu art.º 5º, vigorou entre 22 de Janeiro de 2021 e o dia 5 de Abril de 2021, num total de 74 dias (cfr. art.º 4.º da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, e art.º 7.º da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de Abril); . Sendo assim, há que somar os dois períodos de suspensão do prazo em questão, obtendo um total de 161 dias, que deverão ser aditados ao termo que ocorreria ordinariamente – Ac. R. L. de 19/12/2024, processo n.º 14779/22.5T8LSB.L1-8, www.dgsi.pt -. Deste modo, todas as quotas vencidas desde abril de 2017 a 09/11/2018 estão prescritas – esta última, que sem aquele período de suspensão, prescreveria em 07/11/2023, acaba por prescrever em 18/04/2024, sendo que só em 22/04/2024 se interrompeu o prazo de prescrição. A quota vencida em 09/12/2018 prescreveria em 09/12/2023 mas, com o acréscimo daquele período de suspensão, só terminaria o prazo de prescrição em 18/05/2024, altura que a mesma prescrição já estava interrompida pela citação ficta do executado. O executado invocou a prescrição das quotas entre setembro de 2013 e junho de 2019 (artigo 35.º da petição inicial de embargos). O tribunal considerou que estavam prescritas as quotas (que entendeu serem ainda as que podiam ser devidas) até junho de 2019. Para nós, temos que: . quanto às quotas de setembro de 2013 a março de 2017, verifica-se, de modo seguro, que também elas estão prescritas pois até 09/11/2018 todas as quotas prescreveram. E, por isso, seria um ato inútil convidar o exequente a juntas as atas referentes a este período pois, tendo o executado alegado (também) a sua prescrição e o exequente não tendo suscitado qualquer outra questão que não tenha sido apreciada quanto a essas quotas que possa alterar aquela conclusão, pensamos que também se deve declarar que ocorreu a prescrição quanto a estas quotas. Poderá ter sido intenção do exequente alegar na contestação (que não foi admitida) que o executado reconheceu todas as dívidas porque este menciona na petição inicial de embargos: «o valor alegadamente em dívida, nos autos, o que não concede/concebe, mas que por mero dever de patrocínio se admite, sempre seria da responsabilidade de ambos os cônjuges…». Mas, na nossa opinião, não foi alegado qualquer reconhecimento com efeito interruptivo da prescrição, nos termos do artigo 325.º, n.º 1, do C. C.. Este dispõe que a prescrição é ainda interrompida pelo reconhecimento do direito, efetuado perante o respetivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido. Porém, daquela alegação, não se pode concluir que ocorreu um reconhecimento/confissão de dívida, expresso ou tácito, pois o executado menciona que, refutando a sua legitimidade processual, não concebe que estejam em dívida tais quantias, elaborando depois um raciocínio de que, mesmo que se pudesse entender que as quantias eram devidas, o que não aceita, também o seu cônjuge era responsável pelo seu pagamento. Não existe um reconhecimento esclarecido, nem expresso nem por qualquer meio de onde se possa retirar, com toda a probabilidade, que se reconhece a dívida conforme artigo 217.º, n.º 1, do C. C. (A declaração negocial pode ser expressa ou tácita: é expressa, quando feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio direto de manifestação da vontade, e tácita, quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam.). Assim, estando prescritas quaisquer quotas em dívida desde setembro de 2013 a abril de 2017, tendo a prescrição sido invocada pelo executado e nada estando demonstrado que afaste essa conclusão, seria inútil estar a pedir ao exequente que juntasse as atas das assembleias de condóminos deste período pois já se pode declarar a sua prescrição mesmo sem a junção dessas atas. Esse convite e posterior junção seria um ato inútil, proibido por lei – artigo 130.º, do C. P. C. - (ato inútil no sentido de irrelevante para a sorte da pretensão do exequente que sempre naufragaria nesta parte, mesmo que juntasse as atas quanto ao período em análise). No que respeita às restantes quotas, têm as partes parcial razão na sua alegação pois só estão prescritas as quotas vencidas desde 09/04/2017 a 09/11/2018 (e respetivos juros cuja prescrição só teria ser analisada isoladamente se não estivesse prescrita a obrigação principal[10]), procedendo assim parcialmente o recurso nesta parte. * As penalidades associadas ao pagamento de tais quotas extinguem-se pois, sendo uma obrigação acessória da principal (pagamento de quotas), deixam de ter vigência. Na verdade, tais multas constituem cláusulas penais moratórias, como se refere no Ac. R. L. de 13/11/2012, processo n.º 984/10.0XVLSB.L1-7, www.dgsi.pt: «Ora, do atraso no pagamento das comparticipações dos condóminos podem resultar danos colaterais lesivos do bom funcionamento da administração do condomínio e da sã convivência do colectivo de condóminos, não só de difícil determinação quantitativa, mas que até extravasem o estrito valor patrimonial decorrente da demora na prestação. Nesta linha de entendimento, afigura-se que, no caso em apreço, as penas pecuniárias estabelecidas como sanção pelo incumprimento das contribuições devidas pelos condóminos assumem a natureza de cláusula penal, nos termos definidos nos artigos 810.º e 811.º do CC. Com efeito, a estipulação daquelas sanções, visando claramente penalizar o condómino devedor pela mora no cumprimento das comparticipações devidas ao condomínio, traduz-se numa cláusula penal moratória, nos termos do n.º 1 do citado artigo 811.º do CC, sujeita aos limites previstos no artigo 811.º e 812.º, além do preceituado no n.º 2 do artigo 1434.º do CC, que não numa mera sanção compulsória de natureza puramente coercitiva.». E, extinta a obrigação principal (pagamento da quota), deve igualmente extinguir-se a obrigação acessória (pagamento de penalidade). É certo que existe alguma divergência nesta questão, como se menciona no Ac. da R. P. de 21/10/2014, processo n.º 83857/13.8YIPRT.P1, www.dgsi.pt; no fundo, essa discordância assenta sobre em que, não sendo a penalidade uma obrigação periódica, não lhe seria aplicado o prazo de cinco anos. A nossa opinião é a que se refere naquele Acórdão, a saber: . «outra corrente, na qual nos integramos, sufraga o entendimento de que, dada a acessoriedade da cláusula penal, esta não sobrevive à obrigação principal prescrita. Na verdade, a cláusula penal (artigo 810º, n.º 1, do CC), pressupõe a existência de uma obrigação, não constituindo um fim em si mesmo. Constitui antes um instrumento que visa reforçar antecipadamente a reação legal contra o não cumprimento da obrigação.». No caso, a penalidade só existe porque tem de ser cobrada uma quota; não podendo esta ser exigida, deixa de fazer sentido cobrar a penalidade em relação a um valor que não pode ser pedido. Assim, também está extinta, por força da lei, a possibilidade de exigir o pagamento das penalidades em relação àqueles períodos. Conclui-se, deste modo, pela procedência parcial do recurso. * 3). Decisão. Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o presente recurso e, em consequência, decide-se alterar a decisão recorrida nos seguintes termos: 1). Julgar prescritas as quotas de condomínio pedidas pelo exequente do período de setembro de 2013 a novembro de 2018 e respetivos juros de mora. 1.1). Julgar extintas as respetivas penalidades pelo não pagamento daquelas quotas prescritas. 2). Determinar o prosseguimento da execução pelo valor das restantes quotas e penalidades, com juros de mora, à taxa de 4%, a contar desde o 9.º dia de cada mês. Custas do recurso por embargante e embargado, na proporção do respetivo decaimento. Registe e notifique. |