Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | PEDRO VAZ PATO | ||
| Descritores: | CRIME DE ABUSO SEXUAL DE MENORES CRIME DE PERIGO ABSTRATO IMPORTUNAÇÃO SEXUAL | ||
| Nº do Documento: | RP202511122970/22.9JABRG.P1 | ||
| Data do Acordão: | 11/12/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | CONFERÊNCIA | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO DO ARGUIDO | ||
| Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - O crime de abuso sexual de criança é um crime de perigo abstrato, e não um crime de perigo concreto; tal significa que o legislador presume (e trata-se de uma presunção inilidível) que os atos de conteúdo sexual em causa representam um perigo para o são e harmonioso desenvolvimento da criança ou adolescente (no plano da sexualidade, plano que se integra na sua personalidade global) alvo desses atos, sem que seja necessário provar tal perigo em concreto. II - Não se trata de uma opção arbitrária do legislador, mas de uma opção baseada em dados da ciência; esse perigo existe ainda que a criança não se aperceba, na altura da prática dos atos de conteúdo sexual em causa, do alcance e relevância destes; tal não obsta a que ela venha a aperceber-se mais tarde desse alcance e relevância, com os consequentes danos para o são e harmonioso desenvolvimento da sua personalidade, onde se integra o âmbito da sexualidade. III - A noção de “importunação” provocada por um ato exibicionista (ou outros atos de conteúdo sexual) numa criança não pode ser interpretada como se interpreta essa noção no caso de atos exibicionistas praticados perante um adulto (isto porque são substancialmente diferentes os crimes de importunação sexual p. e p. pelo artigo 170.º do Código Penal e o crime de abuso sexual de criança. p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 171.º, n.º 3, a), e 170.º do mesmo Código); nestes casos, estamos perante pessoas que compreendem o sentido e alcance desse ato exibicionista e cuja vontade de adesão ou rejeição desse ato é relevante; é óbvio que tal não se exige no caso de um ato exibicionista praticado perante uma criança que pode não se aperceber do sentido e alcance desse ato (será mesmo natural que não se aperceba se for de muito tenra idade) e cuja vontade de adesão ou rejeição do mesmo não assume relevância (como sucede com quaisquer outros tipos de crime de abuso sexual de criança), como assumiria se se tratasse de um adulto. IV - Se não fosse seguida esta diferente interpretação do conceito de “importunação”, ficaria em grande parte esvaziado de conteúdo o tipo de crime de abuso sexual de criança. p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 171.º, n.º 3, a), e 170.º do Código Penal; tal crime só seria praticado quando a criança vítima se apercebesse do sentido e alcance do ato exibicionista (ou outro ato de conteúdo sexual) em causa e pudesse, por isso, ficar incomodada ou chocada com a prática desse ato; não é seguramente essa a vontade do legislador, que não estabeleceu, neste como em qualquer outro crime de abuso sexual de criança, qualquer idade mínima, ou exigência de maturidade mínima, para as vítimas desse crime (pelo contrário, a mais tenra idade até poderá, eventualmente, ser fator agravante. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Pr. 2970/22.9JABRG.P1 Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto I – AA veio interpor recurso do douto acórdão do Juízo Central Criminal de Vila do Conde (Juiz 3) do Tribunal Judicial da Comarca do Porto que o condenou, pela prática de cada um de treze crimes de abuso sexual de criança, p. e p. pelos artigos 171.º, n.º 3, a), e 170.º do Código Penal, na pena de sete meses de prisão e, em cúmulo jurídico dessas penas, na pena única de dois anos e dez meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, com sujeição a regime de prova, e o condenou também a pagar, a título de indemnização de danos não patrimoniais, a quantia de mil e quinhentos euros a BB, mil euros a CC e quinhentos euros a DD. São as seguintes as conclusões da motivação do recurso: «1. A prova produzida em audiência de julgamento não permite que o Tribunal a quo tivesse dado com o provado que o Arguido, por seis ocasiões, exibiu e manipulou o seu pénis perante os menores BB E CC (facto provado nº 1). 2. Não foi possível determinar as circunstâncias de tempo e modo da prática dos atos imputados ao Recorrente. 3, Em nenhum momento o Assistente conseguiu precisar o dia e hora em que os factos ocorreram, se ocorreram em dias seguidos ou separados no tempo, de manhã ou de tarde, na primeira ou na segunda semana de julho. 4, A imputação genérica de atos de incidência criminal, sem a identificação e discnininacão das circunstâncias de cada um dos atos, impede o Arguido de exercer o seu direito de defesa e contraditório em relação a cada um desses atos. 5. Sem apurar as circunstâncias concretas em que ocorreram os atos imputados ao Recorrente, não é possível estabelecer e definir, em relação a cada uma das condutas, a culpa do agente. 6. As declarações prestadas pelo Assistente e pela testemunha EE, supra transcritas, com referência e transcrição das passagens concretas relevantes para o efeito, impõem uma decisão diferente quanto à matéria de facto, designadamente, que seja dado como não provado que a conduta do Arguido ocorreu por seis ocasiões. 7. Ao decidir que os factos imputados ao Arguido ocorreram seis vezes, o Tribunal recorridos violou o disposto nos artigos 127° do Código de Processo Penal e 32º nºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa. 8. Deve, assim, a decisão ser alterada e, em consequência, ser retirado do facto provado nº 1 que a conduta do Arguido ocorreu por seis vezes, sendo o Recorrente absolvido da prática desses crimes. 9. O Tribunal de primeira instância julgou incorretamente provado o facto descrito no ponto 2 dos factos provados. 10. Na verdade, as declarações do Assistente e o depoimento das testemunhas EE e FF, impõem que se conclua que a menor DD nunca esteve presente nos momentos em que BB diz ter visto o Arguido a exibir e manipular o pénis. 11. A única situação que as testemunhas alegam que a menor esteve presente foi no dia em que a testemunha EE diz ter chegado à praia com a sua filha e os dois filhos menores estavam dentro da barraca e a barraca fechada. 12. A testemunha EE referiu que após retirar os menores do interior da barraca, assistiu ao Arguido a exibir e manipular os pénis perante os menores, no entanto, o Assistente negou que tal tenha acontecido. 13. As declarações do Assistente, bem como do depoimento das testemunhas EE conjugado com o da testemunha FF, supra transcritas, com referência e transcrição das passagens concretas relevantes para o efeito, impõem uma decisão diferente quanto à matéria de facto, nomeadamente, que seja dado como não provado que alguma vez o Recorrente tenha exibido e manipulado o seu pénis diante da menor DD. 14. Deve, assim, o facto nº 2 dos factos provados passar a constar dos factos não provados e, em consequência, ser o Recorrente absolvido da prática de um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelos artigos 171º, n.º 3, alínea a) ex vi artigos 170º, 14º, nº 1 e 26º, do Código Penal, bem como ser absolvido do pagamento de qualquer quantia indemnizatória à menor DD. 15. Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 127º e 374° do Código de Processo Penal e 170° e 171° do Código Penal. 16. Os factos considerados provados, ainda que a matéria de facto constante do douto acórdão se mantenha, o que não se concede, não permitem a condenação do Arguido pela prática dos doze crimes de abuso sexual de crianças relativamente aos menores BB e CC. 17. O crime em apreço é um crime de perigo concreto e de resultado. 18. A razão de ser da punição do ato reside no perigo para a liberdade sexual da vítima e o tipo objetivo deste crime consiste na importunação de outra pessoa praticando perante ela atos de carácter exibicionista, formulando propostas de teor sexual ou constrangendo-a a contacto de natureza física. 19. O ato exibicionista consiste numa ação com conotação sexual realizada perante a vítima. 20. O Tribunal recorrido não deu, sequer, como provado que os menores viram os alegados atos praticados pelo Recorrente. 21. O Tribunal limitou-se a afirmar que os atos ocorreram diante dos menores, mas não especificou se os menores estariam a visualizar o Arguido ou se estariam de costas ou a brincar, distraídos. 22. A visualização pelos menores do ato exibicionista é um elemento do tipo objetivo do crime, pois, se os menores não viram a atuação do Recorrente, aquela não é suscetível de pôr em perigo a sua liberdade sexual 23. O Tribunal a quo também não dá como provado qualquer facto que preencha o tipo subjetivo do crime. 24. No caso de ato exibicionista, o tipo subjetivo consiste na intenção do agente de importunar (surpreender, chocar ou atemorizar) a vítima. 25. Os atos de exibir os órgãos sexuais constituem, só por si, ato exibicionista, mas não suficiente para a punição se faltar o dolo de importunar quem o rodeia. 26. O facto provado nº 5 não é suficiente para que se considere preenchido o tipo subjetivo do crime em apreço, uma vez que, falta o dolo do Recorrente de querer importunar quem o rodeia. 27. Não estão preenchidos os elementos objetivo e subjetivo do crime de abuso sexual de crianças p. e. p. pelo artigo 171º nº 3, al. a) ex vi artigos 170º, do Código Penal, pelo que, deve o Recorrente ser absolvido da prática dos mesmos. 28. Ao decidir de forma diversa, o Tribunal recorrido violou o disposto nos artigos 170° e 171º, do Código Penal. 29. O ato descrito no douto acórdão — "o arguido ... exibiu e manipulou o seu pénis..." — não configura, só por si, uma ação de conotação sexual, muito menos sem que se descreva em que consistiu concretamente essa alegada "manipulação". 30. Sem que esteja descrita em que consiste a alegada "manipulação", os factos dados assentes, só por si, não são suficientes para que se considerem preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do tipo legal do crime de abuso sexual de crianças. 31. Os menores CC e DD, à data dos factos tinham cinco anos e um ano e nove meses, respetivamente. 32. Não tinham a consciência necessária para perceber o alcance da conduta do Arguido. 33. Ainda que a tivessem visto, o eu não ocorreu, não entenderiam a ação, pelo que, a mesma não seria suscetível de limitar a liberdade sexual daqueles, de os importunar, chocar, surpreender ou atemorizar. 34. Não estão, assim, preenchidos os elementos tipo do crime de abuso sexual de crianças. 35. Pelo exposto, deve o Recorrente ser absolvido da prática dos crimes de abuso sexual de crianças por que foi acusado, bem como do pagamento de qualquer quantia aos Ofendidos.» O Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância apresentou resposta à motivação do recurso, pugnando pelo não provimento do mesmo. Dessa resposta constam as seguintes conclusões: «1. Recorre o arguido AA do acórdão que o condenou, em autoria material, pela prática de treze crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelos artigos 171.º, n.º 3, al. a) ex vi artigos 170.º, 14.º, n.º 1 e 26.º, do Código Penal na pena única de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão, suspensa na sua execução com regime de prova. 2. Inconformado com tal decisão, o arguido recorre de tal acórdão condenatório esgrimindo as considerações de facto e de direito constante das doutas motivações e consequentes conclusões que, por questão de mera economia de tempo, aqui as damos por integralmente por reproduzidas para os devidos efeitos legais. 3. Quanto à matéria de facto, o assistente foi peremptório e firme ao reportar que o arguido mostrou os seus genitais e mexia nos mesmos à frente do assistente e dos seus irmãos “seguramente 6 vezes (…) nunca menos” 4. E tal afirmação por parte de BB não é isolada nem descontextualizada da restante prova. 5. Pois, ao contrário do que quer fazer crer, vejamos a motivação do tribunal é diáfana e firme na justificação probatória que sustenta a sua motivação. 6. Não havendo ainda qualquer contradição entre o depoimento do assistente BB e a sua mãe, EE, pois resulta clara do depoimento de ambos que a factualidade em si não incompatível pois a testemunha é afirmativa quando diz que os filhos, viram, tal como ela, o arguido a acariciar os seus órgãos genitais e tal não é minimamente incompatível com as declarações do ofendido que referiu que também viu e que depois foi colocado dentro da barraca. 7. Do mesmo modo, dos depoimentos das três testemunhas resulta que a DD também estaria no local pelo menos uma das vezes, das pelo menos 6 vezes que o arguido praticou os factos, 8. Pois não há nenhuma das testemunhas que afirme perentoriamente que a DD nunca tivesse lá estado… esteve e viu pelo menos uma das vezes, 9. Precisamente na qual também estava a testemunha EE. 11. Quer o recorrente isolar os depoimentos de cada testemunha para os colocar em questão, quando na análise holística realizada pelo Tribunal a quo é patente e óbvio, sem margem para dúvidas que a ofendida DD estava no local numa das ocasiões. 12. Já quanto à questão de direito, não cabe, também, qualquer razão ao recorrente que defende os crimes de abusos sexual de crianças relativamente aos menores BB, CC e DD é um crime de perigo concreto e de resultado defendendo que o tipo objectivo do crime consiste na importunação de outra pessoas praticando perante ela atos de caracter exibicionista, formulando proposta de teor sexual ou constrangendo-se a contacto de natureza física. 13. pois os menores não tinham capacidade, face a idade que tinham, de perceber o alcance da conduta do Recorrente. 14. O Recorrente confunde o artigo 170.º com o artigo 171.º, ignorando que o artigo 171.º tem a especificidade de ser um ilícito criminal contra crianças. 15. Querendo fazer uma interpretação extensiva e literal do artigo 170.º para o artigo 171.º, querendo transportar a necessidade da importunação da vítima (maior de idade e de sexualidade já madura) para as crianças, menores de 14 anos, querendo assim um escopo de impunidade total para todos os actos de importunação sexual a menores de um mês, dois anos, 18 meses, até terem a mínima consciência do que foram alvo. 16. Ora não é claramente esse a intenção do legislador a punir a importunação sexual de menores, sob pena de termos de avaliar a capacidade de compreensão e de percepção de cada vítima. 17. O arguido usa a função interpretativa que lhe convém para fazer uma aplicação directa e sem qualquer adaptação do artigo 170.º (aplicável a pessoas adultas) ao artigo 171.º bem sabendo que são ilícitos criminal distintos pois a pessoa ofendida de ambos os crimes são completamente distinta! 18. A razão de ser da distinção prende-se com o facto de proteger, sem fazer acepção de idade, a liberdade (e/ou a autodeterminação) sexual de todas as pessoas, a auto-conformação da vida e das práticas sexuais da pessoa, mas atribuindo especial sensibilidade e acutilância nos menores por estarem em desenvolvimento e estarem naturalmente mais desprotegidos, protegendo-os até em situações fáticas sexuais entre os adultos poderiam nem ser crime ou sendo-o, de uma gravidade bem inferior. 19. Pode assim afirmar-se que nos abusos sexuais de crianças o bem jurídico protegido é também, a liberdade e autodeterminação sexual, mas ligado a um outro bem jurídico que é do livre desenvolvimento da personalidade do menor na esfera sexual. 20. A lei presume que a prática de actos sexuais em menor, com menor ou por menor de certa idade, prejudica o seu desenvolvimento global protegendo-se uma vontade individual ainda insuficientemente desenvolvida, e apenas parcialmente autónoma, dos abusos que sobre ela executa um agente. 21. Nenhum dos tipos da condenação exige o abuso da inexperiência ou a prova duma especial imaturidade ou incapacidade da vítima para compreender o sentido social dos actos sobre a mesma praticados. 22. Assim, até aos catorze anos de idade, a protecção (penal) do livre e harmonioso desenvolvimento da personalidade da criança na esfera sexual (o bem jurídico protegido) pressupõe precisamente (ou presume) que esse desenvolvimento não está completo. Logo, a ofendida, enquanto menor de catorze anos, beneficiaria sempre dessa protecção, da protecção do desenvolvimento duma personalidade ainda não formada. 23. A conjugação da prova produzida, a motivação superior apresentada, não há quaisquer réstias de dúvidas que o enquadramento legal-técnico jurídico-penal da medida da pena é diafanamente escorreito e perfeito ao caso concreto, não merecendo qualquer reparo. 24. O tribunal “a quo” fez uma mais que correcta aplicação de todos os normativos legais.» O Ministério Público junto desta instância emitiu douto parecer, pugnando também pelo não provimento do recurso. Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora decidir. II – As questões que importa decidir são, de acordo com as conclusões da motivação do recurso, as seguintes: - saber se o facto de não ter sido possível identificar as circunstâncias de tempo e modo da prática dos factos imputados ao arguido e recorrente impediu este de exercer o seu direito de defesa e contraditório; - saber se a prova produzida impõe decisão diferente da que foi tomada no acórdão recorrido no que se refere aos facto de o arguido e recorrente ter exibido e manipulado o seu pénis perante os menores BB e CC em seis ocasiões; - saber se a prova produzida impõe decisão diferente da que foi tomada no acórdão recorrido no que se refere aos facto de a menor DD ter estado presente num dos momentos em que o assistente BB afirmou ter visto o arguido e recorrente exibir e manipular o seu pénis. Caso tal não se entenda e ainda que se considerem provados os factos como tal elencados no acórdão recorrido: - saber se o arguido e recorrente dever ser absolvido da prática dos crimes por que foi condenado, por desse elenco não constar que os menores viram os atos de exibição e manipulação do pénis a ele imputados; - saber se o arguido e recorrente deve ser absolvido da prática dos crimes por que foi condenado, por no elenco dos factos provados constante do acórdão recorrido não se especificar em que consistiu a manipulação do pénis a que aí se faz referência - saber se o arguido e recorrente dever ser absolvido da prática dos crimes por que foi condenado, por desse elenco não constar que ele atuou com intenção de importunar, chocar, surpreender ou atemorizar; - saber se o arguido e recorrente deve ser absolvido da prática dos crimes por que foi condenado, porque os menores CC e DD, devido às suas idades (cinco anos e um ano e nove meses, respetivamente), não tinham a consciência necessária para perceber o alcance da conduta daquele, não sendo, por isso, tal conduta passível de limitar a sua liberdade sexual, ou de os importunar, chocar, surpreender ou atemorizar. III – Da fundamentação do douto acórdão recorrido consta o seguinte: « (…) II- Fundamentação: Feito o julgamento e com relevância para a decisão da causa, resultou provada a seguinte factualidade: 1. Na primeira quinzena de Julho de 2015, em datas não concretamente apuradas, durante o dia, na praia da ..., na zona das barracas de praia ali existente, por seis ocasiões, o arguido, introduzindo para o efeito a mão por dentro dos seus calções, exibiu e manipulou o seu pénis diante de BB, nascido em ../../2004, CC, nascido em ../../2010, ao mesmo tempo que dirigia o seu olhar para estes. 2. Numas dessas ocasiões, o arguido exibiu e manipulou o seu pénis ainda diante de DD, nascida em ../../2013, que estava na praia com os irmãos, ao mesmo tempo que dirigia o seu olhar para os três irmãos. 3. Em datas não concretamente apuradas, entre os anos de 2016 e 2018, GG, nascido em ../../2001, enviou ao arguido um número indeterminado de fotogramas dos seus órgãos genitais, assim recebendo e detendo o arguido no seu telemóvel imagens que representavam o pénis de GG. 4. O arguido sabia que GG tinha à data menos de 18 anos de idade. 5. Ao actuar da forma supra descrita, arguido agiu com o desígnio de exibir o seu pénis a BB, CC e DD, à data crianças com idade inferior a 14 anos de idade, agindo ainda com o propósito de constranger o livre e são desenvolvimento da personalidade e liberdade de determinação pessoal e sexual das referidas crianças, não obstante ser ciente das suas idades. 6. Em todos os momentos acima indicados, o arguido agiu de modo livre, deliberado e consciente, e com pleno conhecimento de que os seus comportamentos eram proibidos e punidos por lei criminal, e, mesmo assim, não se absteve de os praticar. 7. O arguido não tem antecedentes criminais. 8. À data dos factos subjacentes à instauração dos presentes autos, AA, padre, residia sozinho, em ..., em residência paroquial, situada em meio rural. Atualmente, reside sozinho, na localidade de ..., no concelho de Lousada, em habitação propriedade dos progenitores, já falecidos, situada em meio rural. 9. Oriundo de um agregado numeroso, de condição modesta e descrito como funcional, AA, licenciado em Teologia, entrou no seminário aos 24 anos de idade, sendo ordenado padre em 2007. 10. Cumpriu as suas funções eclesiásticas em ... até 2018, e, posteriormente, em Guimarães até à sua suspensão, em 2023, pela instauração dos presentes autos. 11. À data dos factos, auferia mensalmente cerca de 1700,00€, atribuídos em função das paróquias que detinha a seu cargo. Atualmente trabalha como motorista de A..., para a empresa B..., horário diurno, auferindo 1200,00€ mensais. A título de despesas fixas aponta uma prestação de crédito pessoal, no valor de 270,00€ mensais, e uma prestação de crédito de habitação, no montante mensal de 700,00€, respeitante à construção de habitação própria situada em lote de herança parental, e despesas correntes –medicamentos, eletricidade, água, comunicações e combustíveis – no valor mensal de 500,00€. O arguido avalia a sua situação económica como modesta. 12. Do seu percurso vivencial constam alguns relacionamentos curtos, na fase da adolescência, sem contactos íntimos, uma vez que, segundo o arguido, desde muito jovem que sentiu inclinação para o sacerdócio e atividades eclesiásticas. 13. À data dos factos, a rede social era constituída por jovens e adultos relacionados com o meio religioso pertencentes às paróquias onde exercia as suas funções eclesiásticas. 14. Atualmente, a sua rede social centra-se exclusivamente no círculo familiar, composto pelos seus irmãos e respetivos agregados de quem beneficia de retaguarda e que residem na proximidade, gerindo o seu quotidiano de acordo com a sua ocupação laboral, sem atividades de lazer estruturadas. 15. Sem antecedentes, como repercussão dos presentes autos no quotidiano do arguido, assinala-se a suspensão da sua atividade eclesiástica, que implicou um agravamento da sua situação económica. 16. Igualmente, é de assinalar o impacto gerado com o mediatismo da situação judicial do arguido, a qual lhe provocou sintomatologia depressiva e crises de ansiedade, encontrando-se sujeito a acompanhamento psiquiátrico com prescrição medicamentosa. 17. Em caso de condenação, o arguido verbaliza adesão a um encaminhamento para avaliação /intervenção psicoterapêutica no âmbito da desviância sexual, embora não reconheça essa necessidade. 18. No meio social onde reside o presente processo é conhecido, todavia, o arguido beneficia de uma imagem associada ao ajustamento no relacionamento interpessoal. Motivação: A convicção do tribunal sobre a factualidade provada e não provada formou-se na análise critica e conjugada da prova produzida em audiência e julgamento, conjugada com as regras de experiência comum e do normal acontecer, atendendo-se à prova documental e pessoal produzida. Assim, o tribunal atendeu nomeadamente a: - Certidões de nascimento; - certificado de registo criminal actualizado; - relatório social junto aos autos; - às declarações do arguido, o qual negando ter praticado os factos em que são ofendidos BB, CC e DD, admitiu no entanto deslocar-se à praia e ali permanecer apanhando sol em frente à barraca quando ia visitar a HH, que ali se encontrava com uma empregada. Sempre que esteve na praia estava com essas duas pessoas. As barracas eram perpendiculares ao mar, havia pessoas em todas as barracas. A barraca da HH era a meio da fila das barracas. Só ia para a praia à tarde. Usava calções pelo joelho, soltos. Não conhecia os menores, os quais só conheceu posteriormente enquanto reitor do santuário, porquanto a mãe dos mesmos era juíza da irmandade. Soube com o processo que eram eles. Assumiu funções como reitor em 2018, houve problemas com a mãe dos meninos. Conheceu o ofendido GG através do facebook com o qual manteve uma relação amorosa entre 2016/2018. Nunca lhe solicitou o envio de qualquer tipo de fotografias. Mas o ofendido enviou-lhe fotografias do corpo, não se recorda se recebeu dos órgãos genitais, mas está certo que não lhe pediu. O relacionamento terminou por iniciativa do arguido e o ofendido arranjou outra pessoa. Ficaram amigos e ainda hoje são amigos. Sabia que ele tinha menos de 18 anos de idade. Não apagou fotografias de natureza sexual. - às declarações do assistente BB, que contou ao tribunal que conheceu o arguido na praia. Ia com os irmãos e os avós para a praia. Ficava numa barraca acima da deles, acompanhado com 2 senhoras. Não se recorda de falar com ele. Não sabia que era padre. Eles iam de manhã e de tarde para a praia; o arguido ia mais à tarde. Tinha 10 anos e recorda-se perfeitamente do que aconteceu. O arguido ora estava sentado, ora deitado. Usava calções bastantes largos, castanhos escuros, até ao joelho. Arregaçava, puxava para o lado os calções e manipulava os órgãos genitais (metia a mão pela cintura), eles viam parte dos órgãos genitais. Estava sempre a olhar para eles. Tocava-se a olhar para eles. Aconteceu estando o arguido deitado, ora sentado numa cadeira. De forma segura, convicta e convincente referiu que aconteceu pelo menos por 6 vezes. Podem ter sido mais. Nunca falou com os avós sobre o assunto. De tarde os avós dormiam a sesta ou conversavam na barraca. Eles ficavam a brincar no exterior. Um dia a avó meteu-os na barraca. Tinha acontecido o mesmo com o arguido. Depois não sabe se o arguido repetiu a conduta já na presença dos pais. Mas recorda-se de os pais depois estarem chateados e terem saído de junto deles. - ao depoimento da testemunha EE, mãe dos ofendidos BB, CC e DD, a qual é responsável pela irmandade da nossa senhora ... desde 2016 e em 2018 foi informada que teriam um novo sacerdote responsável pelos serviços de culto; era o arguido. Contactou-o e ficou com a sensação de que o conhecia de algum lado. Em Janeiro de 2019 as senhoras que o acompanhavam (HH e uma empregada) disseram que ela era a mãe dos meninos, que eram as vizinhas da mãe dela na praia. Em 2015 a mãe ia para a praia com os filhos, na 1ª quinzena de Julho. Os meninos iam de manhã e de tarde com a avó. Ela não ia de manhã, iam até ao parque. Ela não gostava muito de praia costumava chegar à praia pelas 16/17 h (excepto quando tinha de se deslocar a Guimarães). Um dia de muito calor chegou de tarde à praia, os toldos estavam levantados e o da barraca deles baixado e os filhos dentro da barraca. Tirou-os para fora. De repente viu um sr. com uns calções largos, pelo meio do joelho a acariciar-se, viam-se os genitais dele. Estava deitado de barriga para cima com as pernas em direcção ao mar. Os filhos estavam os três; tinham visão privilegiada, o filho mais velho estava aos pés dele e o arguido a olhar para ele. Ela estava sentada (com o marido), quando se levantou o senhor parou de se acariciar. Foi à concessionária, Dona II, dizer o que estava a passar. Ela disse que ele era sacerdote. E que já outros pais se tinham queixado nos anos anteriores. O filho costumava ajudar a senhora HH. As barracas junto à delas estavam ocupadas. A da HH era imediatamente a seguir para cima. Naquele dia chegou à praia com o marido. Passou junto à barraca da HH e estavam os três cá fora. Nunca tinha visto nada de anormal. Em casa questionou a mãe sobre o sucedido e a mãe disse que tal já tinha acontecido (mais do que 1, 2,3 vezes) e que algumas vezes não seriam só os 3 filhos dela. Mas nunca disse por receio do marido da filha, que é polícia. Havia mais crianças na praia naquele dia. Quem viu naquele dia foi ela e o marido. Em 01.07.2019 denunciou a situação ao JJ. Em 04.07.2019, o arguido apresentou carta de demissão renunciando ao sacerdócio. Elas ficaram na mesma barraca no ano seguinte. Já tinha visto o arguido lá anteriormente, tanto de manhã como de tarde. Naquele dia meteu os filhos dentro da barraca novamente. - ao depoimento da testemunha FF, que referiu que ia à praia com os netos e que deixou de ir quando surgiu o covid. Em 2015 levava sobretudo os dois mais velhos, a menina ficava às vezes com a filha (“ela não a queria deixar com ela”); outras vezes ela levava os três netos. Via o arguido deitado com as pernas viradas para o mar “e a ferramenta saía para fora”, ele a “mexer na ferramenta”. Puxava para o lado os calções. Disse à empregada da “HH” que ia trazer uns calções do marido para o sr. e a outra disse que era padre. A pequenina não estava naquele dia. A filha chegou e perguntou porque estavam na barraca e depois a filha viu. A filha trouxe a menina com ela. Viu talvez 3 vezes aquela conduta por parte do arguido. A primeira vez foi de manhã. A menina não estava. As outras vezes foi de tarde, dias diferentes. Não sabe se a menina esteve em algum desses dias. Ele olhava para os miúdos. A barraca da “HH” era acima da dela. Quando ela se apercebia ele mudava de posição. - ao depoimento da testemunha GG, amigo do arguido, a quem conheceu aos 15/16 anos através das redes sociais. Começou com uma amizade e depois teve uma relação amorosa com o arguido, de namoro, com contactos de cariz sexual. Trocaram fotografias entre eles, também de cariz sexual, também dos seus órgãos genitais. Nunca lhe foram pedidas fotografias; enviou por iniciativa própria através do Messenger. O nome que colocou ao arguido no Messenger era “meu querido”. Quando enviou as fotografias já teria 16 anos. - ao depoimento da testemunha KK, que conhece o arguido e a testemunha GG; o arguido porque foi pároco em ... e o GG porque ia algumas vezes à residência paroquial de .... Via-o entrar e sair, mas nunca falou com ele. Vi uma vez a notificação de s.m.s. do facebook (meu fofinho, meu menino), no chat. Se houve troca de fotografias não sabe quem pediu. - ao depoimento da testemunha LL, reformada, que referiu ao tribunal que conviveu muitos anos com o arguido. Ia todos os anos com a dona HH à praia, em julho. Ela estava sempre junto à sra. Era raro o arguido ir à praia. Chegava e deitava-se de rabo para o ar na praia, pernas para o mar, era raro estar de barriga para cima. Nunca viu exibir ou manipular os órgãos sexuais. É mentira que tal tenha acontecido. Nunca ninguém se queixou. A barraca delas era sempre a mesma. Usava calção “bem honesto”, compridinhos. Não é verdade que tenham ido falar com ela, para dizer que o arguido estava a “mexer na ferramenta”. - ao depoimento da testemunha MM, que acompanhou a dona HH quando ela ia à praia um ano, por volta de 2011/2012 (o que situa temporalmente por logo de seguida ter iniciado o curso). Foi durante 15 dias. O arguido levou-as à praia e foi no ultimo dia busca-las. Talvez tenha ido lá uma vez ter com elas. Assim, sendo esta a prova produzida, a convicção do tribunal quanto à factualidade que resultou provada, designadamente quanto aos factos ocorridos em Julho de 2015 na praia da ..., formou-se na conjugação das declarações do assistente BB com os depoimentos das testemunhas EE e FF, respectivamente mãe e avó daquele, que robustecendo aquelas declarações, de forma sincera, objectiva (e ausente de qualquer tipo de ressentimento no caso da testemunha EE, sem prejuízo dos acontecimentos ocorridos nos meandros eclesiásticos que os autos espelham e o arguido e a testemunha relataram e que relevaram para o tribunal apenas quanto ao contexto em que a testemunha reconheceu o arguido vários anos após o sucedido), consistente, credível, pormenorizada e no essencial coerente entre si, lograram convencer o tribunal e formar a convicção positiva quanto à apurada conduta do arguido, sobrepondo-se à negação do arguido e ao depoimento da testemunha LL que sustentou com convicção mas de forma ineficaz a inocência daquele, referindo que os factos não ocorreram (sendo certo que sempre poderiam ter ocorrido sem a testemunha os ter presenciado) e que o arguido até costumava apanhar sol de barriga para baixo, assim revelando, decorridos 10 anos memória injustificável para facto irrelevante (revelando-se igualmente irrelevante o depoimento da testemunha MM, que nada sabia sobre os factos nem esteve na praia com o arguido naquele ano), Contudo, o joeirar da prova, as referidas declarações e depoimentos já não permitiram uma convicção mais alargada nomeadamente quanto à presença da DD em outros dias para além do dia em que a mãe presenciou os factos e assegurou a presença da filha, formando-se a tal propósito a dúvida no tribunal e a encruzilhada dubitativa, já que ademais a avó referiu que a menina não iria sempre com ela para a praia e que seguramente não esteve num dia em que os factos terão ocorrido pela manhã, dúvida adensada pelo depoimento da mãe que referiu que de manhã “costumava ir ao parque” e pelo facto de, segundo o assistente, os avós costumarem “dormir a sesta na barraca à tarde” quando eles ficavam a brincar, e assim sem poder exercer a necessária vigilância da DD, que em Julho de 2015 tinha 1 ano e 9 meses de idade (se a menina dormia a sesta na barraca- hipótese que colocamos atenta a sua tenra idade- não estava necessariamente sempre presente quando os irmãos estavam a brincar e de facto o relato da avó ficou aliás aquém do assistente quanto ao número de ocasiões em que o arguido levou a cabo a sua conduta, o que bem se compreende, por estar dentro da barraca ou por não os ter presenciado). No mais, quanto ao ofendido GG, a factualidade provada resultou do seu depoimento no que sustentou a factualidade imputada, confirmando o envio ao arguido dos fotogramas (que o arguido recebeu, sem contudo apresentar memória do conteúdo), decorrendo a factualidade não provada da ausência de prova da sua verificação. No plano subjectivo, ponderou-se o iter criminis apurado. No caso, a conduta objectiva permite concluir, pelo dolo apurado, tendo em consideração a concreta idade dos menores perceptível pela simples observação dos mesmos e a ausência de qualquer outra explicação plausível para a conduta do arguido, que este não deu e o tribunal também não vislumbra. Foi considerado certificado de registo criminal e relatório social juntos aos autos. (…)» IV 1. - Cumpre decidir. Vem o arguido e recorrente alegar que o facto de não ter sido possível identificar as circunstâncias de tempo e modo da prática dos factos que lhe são imputados (se o foram em dias seguidos ou separados no tempo, de manhã ou de tarde, na primeira ou na segunda semana de julho) o impediu de exercer o seu direito de defesa e contraditório. Vejamos. Decorre dos princípios acusatório e da vinculação temática e é entendimento uniforme da jurisprudência que as imputações genéricas sem indicação precisa do tempo, lugar e circunstancialismo em que ocorreram poderão inviabilizar um efetivo direito de defesa, devendo, por isso, ser consideradas não escritas ou podendo conduzir à nulidade da acusação ou da pronúncia se as imputações que destas constarem forem, todas elas, redigidas dessa forma genéricas. No entanto, também é entendimento uniforme da jurisprudência (ver, por exemplo, o acórdão desta Relação de 11 de setembro de 2024, proc. n.º 1214/20.2PPPRT.P1 (acessível em www.dgsi.pt) que, pelas naturais dificuldades em situar no tempo condutas passadas e recorrentes, alguma imprecisão a esse respeito poderá ser admissível (mas essa imprecisão não pode chegar ao ponto de tornar impossível qualquer defesa); exigir uma identificação precisa do dia e hora da ocorrência dos factos que integram uma prática repetida pode ser uma exigência quase impossível e desse modo poderá ser inviabilizada qualquer condenação pela prática destes crimes; nestes casos, há outras formas de contextualização dos factos que permitem identificá-los sem essa precisa identificação temporal (há uma identificação temporal menos precisa, uma localização espacial, a referência a determinado episódio) e, assim, assegurar os direitos de defesa do arguido; com essa contextualização, este pode saber a que acontecimento concreto se refere a acusação ou a pronúncia e defender-se a respeito da sua eventual ocorrência. É isso mesmo que se verifica no caso em apreço, como decorre da redação do n.º 1 do elenco dos factos provados constante do acórdão recorrido (há uma identificação temporal menos precisa, uma identificação espacial e uma referência à presença simultânea no local indicado do arguido e dos ofendidos). Não se afigura, pois, que tenham sido de algum modo violados os princípios acusatória e da vinculação temática, nem os direitos de defesa e contraditório do arguido. Deverá ser negado provimento ao recurso quanto a este aspeto. IV 2. - Vem o arguido e recorrente alegar que a prova produzida impõe decisão diferente da que foi tomada no acórdão recorrido no que se refere ao facto de ele ter exibido e manipulado o seu pénis perante os menores BB e CC em seis ocasiões. Invoca e transcreve parte das declarações do ora assistente BB e da testemunha EE. Alega que as declarações do assistente não são credíveis por ele não ter precisado as datas dessas seis ocasiões e que se verifica uma contradição entre essas declarações e as dessa testemunha, a qual terá afirmado que na ocasião em que colocou os menores, seus filhos, na barraca, eles não viram o arguido a manipular o pénis. Vejamos. O ora assistente BB foi perentório, ao afirmar que os atos em apreço foram praticados, pelos menos, em seis ocasiões (aos minutos 4.56 a 4.59 das suas declarações gravadas), como decorre claramente da própria transcrição constante da motivação do recurso. E não é certamente o facto de ele não ter precisado as datas dessa prática (omissão perfeitamente compreensível considerando a sua idade na altura e o tempo entretanto decorrido) que retira credibilidade a essas declarações. Também não se verifica, por outro lado, alguma contradição entre as declarações do assistente e as dessa testemunha, sua mãe (estas aos minutos 17.14 a 18.24 da gravação junta aos autos). Também decorre claramente da própria transcrição dessas declarações que consta da própria motivação do recurso que foi precisamente porque os menores viram o arguido e recorrente a manipular o seu pénis que os colocou dentro da barraca. Deverá, pois, ser negado provimento ao recurso quanto a este aspeto. IV 3. - Vem o arguido e recorrente alegar que a prova produzida impõe decisão diferente da que foi tomada no acórdão recorrido no que se refere ao facto de a menor DD ter estado presente num dos momentos em que o menor BB afirmou ter visto o arguido e recorrente exibir e manipular o seu pénis.. Invoca e transcreve parte das declarações do ora assistente BB e da testemunha EE, em conjugação com parte das declarações da testemunha FF. Vejamos. As declarações da testemunha EE, mãe dos menores ofendidos, são inequívocas (como resulta até da transcrição da motivação do recurso) no sentido de que ela presenciou, numa ocasião a exibição e manipulação do pénis pelo arguido perante os seus três filhos, incluindo, pois, a sua filha DD. As declarações do assistente BB confirmam esse facto. Que as declarações algo confusas da testemunha FF (invocadas e transcritas na motivação do recurso), avó dos menores, não sejam desse modo inequívocas não retira credibilidade às primeiras, sendo certo, de qualquer modo, que esse juízo de credibilidade do Tribunal de primeira instância se baseia em fatores dependentes da imediação de que nesta sede estamos privados. Deve, assim, ser negado provimento ao recurso também quanto a este aspeto. IV 4. - Vem o arguido e recorrente alegar que deve ser absolvido da prática dos crimes por que foi condenado, por do elenco dos factos provados constante do acórdão recorrido não constar que os menores viram os atos de exibição e manipulação do pénis a ele imputados. Aí se afirma apenas que ele exibiu o seu pénis sem se especificar se os menores o visualizaram ou estavam de costas ou a brincar. Vejamos. Afigura-se-nos claro que o ato de “exibir” (sinónimo de “mostrar” ou “dar a ver”) supõe que esse ato seja visto pela pessoa que é alvo e a que se destina essa “exibição”. Se assim, não fosse, não estaríamos perante uma verdadeira “exibição”. Poderíamos estar apenas perante uma tentativa, mas não é dessa forma que os factos em apreço estão descritos no acórdão recorrido (e não há que apurar, quanto a este aspeto, se essa descrição está de acordo com a prova produzida). Deverá, pois, ser negado provimento ao recurso também quanto a este aspeto. IV 5. - Vem o arguido e recorrente alegar que deve ser absolvido da prática dos crimes por que foi condenado, por no elenco dos factos provados constante do acórdão recorrido não se especificar em que consistiu a manipulação do pénis a que aí se faz referência. Vejamos. Afigura-se que a não se revela necessário especificar de que forma se verificou a manipulação do pénis para, em face do contexto em que a mesma ocorreu, podermos concluir que ela configura um ato exibicionista que objetivamente integra a prática de vários crimes de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 171.º, n.º 3, a), do Código Penal com referência ao artigo 170.º do mesmo diploma, por que o arguido e recorrente foi condenado. Nesse contexto, qualquer forma de manipulação do pénis associada à exibição desse órgão configura o ato exibicionista a que se reporta o referido artigo 170.º do Código Penal. Deverá, pois, ser negado provimento ao recurso também quanto a este aspeto. IV 6. - Vem o arguido e recorrente dever ser absolvido da prática dos crimes por que foi condenado, por desse elenco não constar que ele atuou com intenção de importunar, chocar, surpreender ou atemorizar. Não estará, pois, verificado o elemento subjetivo dos crimes de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 171.º, n.º 3, a), do Código Penal, com referência ao artigo 170.º do mesmo diploma, por que ele foi condenado. Vejamos. Que consta do elenco dos factos provados do acórdão recorrido o elemento subjetivo dos crimes de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 171.º, n.º 3, a), do Código Penal, com referência ao artigo 170.º do mesmo diploma, por que foi o arguido e recorrente condenado, verifica-se pela leitura do ponto 5 desse elenco: «Ao actuar da forma supra descrita, o arguido agiu com o desígnio de exibir o seu pénis a BB, CC e DD, à data crianças com idade inferior a 14 anos de idade, agindo ainda com o propósito de constranger o livre e são desenvolvimento da personalidade e liberdade de determinação pessoal e sexual das referidas crianças, não obstante ser ciente das suas idades». Deve, pois, ser negado provimento ao recurso quanto a este aspeto. No entanto, saber se para a verificação desse crime, se exige algo mais, designadamente o perigo concreto de constrangimento desse livre e são desenvolvimento da personalidade dos menores no plano da sexualidade (o que exigiria a intenção de provocar esse perigo em concreto, importunando, chocando, surpreendendo ou atemorizando a criança ofendida) é questão que se apreciará de seguida. IV 7. - Vem o arguido e recorrente alegar que deve ser absolvido da prática dos crimes por que foi condenado, porque os menores CC e DD, devido às suas idades (cinco anos e um ano e nove meses, respetivamente), não tinham a consciência necessária para perceber o alcance da sua conduta não sendo, por isso, tal conduta passível de limitar a sua liberdade sexual, ou de os importunar, chocar, surpreender ou atemorizar. Alega que estamos perante crimes de perigo concreto, perigo que nestes casos não se provou. Vejamos. Tem inteira razão o Ministério Público no que alega em resposta a este aspeto da motivação do recurso. Em primeiro lugar, importa salientar, como é entendimento unânime da doutrina (ver, entre outros, José Mouraz Lopes, Os Crimes contra a Liberdade e Autodeterminação Sexual no Código Penal, Coimbra Editora, 3ª edição, 2007, pg. 86, e Jorge de Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal – Parte Especial, tomo I, Coimbra Editora, 1999, anotação ao artigo 172.º, §4, pg. 542) e da jurisprudência, que o crime de abuso sexual de criança é um crime de perigo abstrato, e não um crime de perigo concreto. O que significa que o legislador presume (e trata-se de uma presunção inilidível) que os atos de conteúdo sexual em causa representam um perigo para o são e harmonioso desenvolvimento da criança ou adolescente (no plano da sexualidade, plano que se integra na sua personalidade global) alvo desses atos, sem que seja necessário provar tal perigo em concreto. Não se trata de uma opção arbitrária do legislador, mas de uma opção baseada em dados da ciência. Esse perigo existe ainda que a criança não se aperceba, na altura da prática dos atos de conteúdo sexual em causa, do alcance e relevância destes. A previsão dos crimes de abuso sexual de criança não exige que a vítima se aperceba desse alcance e relevância, pois, se assim fosse, não poderiam ser vítimas desse crime crianças abaixa de determinada idade (mas são-no efetivamente, até de idades muito precoces, com muito nefastas consequências). O facto de a criança não se aperceber do alcance e relevância dos atos de conteúdo sexual em causa não obsta a que ela se venha a aperceber mais tarde desse alcance e relevância, com os consequentes danos para o são e harmonioso desenvolvimento da sua personalidade, onde se integra o âmbito da sexualidade. A este respeito, não será descabido reproduzir aqui os seguintes trechos da fundamentação do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de maio de 2025, proc. n.º 370/22.0JAAVR.P1.S1, relatado por Jorge Reis Bravo (acessível em www.dgsi.pt): «(…) É consensual que as perturbações e traumas provocados por abusos sexuais na infância têm consequências múltiplas, causando danos psicológicos e emocionais que persistem ao longo da vida, sendo, muitas vezes, a sua completa perceção pela vítima, quando muito jovem, adquirida já em idades distantes da prática dos factos, comprometendo o seu desenvolvimento físico, psíquico e social e afetando os seus futuros relacionamentos íntimos e sociais. Daí que, embora normalmente dotadas de resiliência, as pessoas que foram vítimas de abusos, não deixam de sofrer consequências permanentes de tais atos. (…) Os estudos científicos das perturbações e doenças resultantes de crimes desta natureza revelam que os efeitos danosos se estendem, muitas vezes, ao longo da vida e que a sua completa perceção pela vítima, quando muito jovem, é adquirida, em número considerável de casos, em idades distantes da prática dos factos (assim, entre outros, Ac. STJ de 15-03-2023; P. 4991/21.0JAPRT.S1 – rel. Cons. Teresa de Almeida). Sintetiza, neste sentido, Laura Jardim Maciel, «No que se refere ao primeiro objetivo, o abuso sexual na infância ou adolescência é um fator de risco para sintomas de stress, ansiedade e depressão, bem como para a versatilidade do comportamento desviante no início da idade adulta. Relativamente à saúde mental, estes resultados são congruentes com os estudos de Spataro, Mullen, Burgess, Wells e Moss (2004) e Afifi e colaboradores (2014) que sugerem que a presença de sintomas de ansiedade, stress e depressão são proeminentes em adultos que experienciaram abuso sexual infantojuvenil, sendo assim possível hipotetizar que, tal como demonstrado na literatura, esta população específica detém uma maior probabilidade de desenvolver perturbações de humor, ansiedade e stress (Collin-Vézina & Hébert, 2005; Pollio et al., 2011; Spataro et al., 2004). Este estudo sugere, por conseguinte, um vínculo associativo entre o abuso sexual infantojuvenil e indicadores de psicopatologia ao longo da vida.» («Abuso sexual infanto-juvenil e as suas características: impacto na saúde mental e comportamento desviante», ISPA, 2018, p. 33 (in: https://repositorio.ispa.pt)).» Há que considerar, por outro lado, o seguinte: A noção de “importunação” provocada por um ato exibicionista (ou outros atos de conteúdo sexual) numa criança não pode, como bem refere o Ministério Público, ser interpretada como se interpreta essa noção no caos de atos exibicionistas praticados perante um adulto (isto porque são substancialmente diferentes os crimes de importunação sexual p. e p. pelo artigo 170.º do Código Penal e o crime de abuso sexual de criança. p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 171.º, n.º 3, a), e 170.º do mesmo Código). Nestes casos, estamos perante pessoas que compreendem o sentido e alcance desse ato exibicionista e cuja vontade de adesão ou rejeição desse ato é relevante. Pode dizer-se que para que a pessoa adulta seja vítima do crime de importunação sexual, forçoso é que o ato exibicionista nela cause alguma forma de repulsa (que se sinta incomodada ou chocada). Mas é óbvio que tal não se exige no caso de um ato exibicionista praticado perante uma criança que pode não se aperceber do sentido e alcance desse ato (será mesmo natural que não se aperceba se for de muito tenra idade) e cuja vontade de adesão ou rejeição do mesmo não assume relevância (como sucede com quaisquer outros tipos de crime de abuso sexual de criança), como assumiria se se tratasse de um adulto. É claro que se não fosse seguida esta diferente interpretação do conceito de “importunação”, ficaria em grande parte esvaziado de conteúdo o tipo de crime de abuso sexual de criança. p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 171.º, n.º 3, a), e 170.º do Código Penal. tal crime só seria praticado quando a criança vítima se apercebesse do sentido e alcance do ato exibicionista (ou outro ato de conteúdo sexual) em causa e pudesse, por isso, ficar incomodada ou chocada com a prática desse ato. Não é seguramente essa a vontade do legislador, que não estabeleceu, neste como em qualquer outro crime de abuso sexual de criança, qualquer idade mínima, ou exigência de maturidade mínima, para as vítimas desse crime (pelo contrário, a mais tenra idade até poderá, eventualmente, ser fator agravante). Não deixam de ser significativas as declarações prestadas pelo ora assistente BB em audiência, a respeito da sua própria consciência do sentido e alcance dos atos exibicionistas em causa à data da sua prática (quando tinha dez anos e já alguma consciência tinha) e a que tem hoje (passados dez anos) e da ausência dessa consciência da parte dos seus dois mais novos irmãos na altura, a qual, mesmo assim, não o deixava indiferente (nem muito menos deixava a sua mãe indiferente) perante o efeito que tais atos exibicionistas neles poderiam ter. Deverá, pois, ser negado provimento ao recurso também quanto a este aspeto. O arguido e recorrente deverá ser condenado em taxa de justiça (artigo 513.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e Tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais). V – Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido, mantendo o douto acórdão recorrido. Condenam o arguido e recorrente em quatro (4) U.C.s de taxa de justiça. Notifique Porto, 12 de novembro de 2025 (processado em computador e revisto pelo signatário) Pedro Vaz Pato José Quaresma Maria Ângela Reguengo da Luz |