Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1316/22.0T9VCD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: LILIANA DE PÁRIS DIAS
Descritores: CONSTITUIÇÃO DE ASSISTENTE
PRAZO
NATUREZA
INCUMPRIMENTO
CONSEQUÊNCIAS
DEPOIMENTO INDIRECTO
VALORAÇÃO
PRESSUPOSTOS
HONRA
CONCEITO
ABRANGÊNCIA
PENAS
PREVENÇÃO
Nº do Documento: RP202510081316/22.0T9VCD.P1
Data do Acordão: 10/08/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA)
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE O RECURSO INTERPOSTO PELA ARGUIDA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O prazo para constituição de assistente é perentório e preclude o direito de apresentação de queixa pelos mesmos factos, noutro processo.
II - Assim, decorrendo na totalidade o prazo perentório para constituição de assistente, fica precludida a possibilidade de o ofendido, em novo processo de inquérito, apresentar nova queixa pelos mesmos factos e requerer a sua (obrigatória) constituição como assistente, como decorre da jurisprudência firmada com o AFJ n.º 1/2011.
III - O atual Código de Processo Penal, no seu artigo 129º, n.º 1, não estabelece qualquer proibição de produção dos depoimentos indiretos. Porém, prevê a proibição da sua valoração, na parte em que como tal devam ser qualificados, se o juiz não chamar a depor as pessoas indicadas pela testemunha como sendo a fonte originária do conhecimento por ela transmitido ao tribunal. Só assim não será se a inquirição dessas pessoas «não for possível por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas».
IV - Nos crimes contra a honra importa considerar, não só as expressões em si mesmas ou o seu significado, mas todas as circunstâncias envolventes, designadamente, a comunidade mais ou menos restrita a que pertencem os intervenientes, a relação existente entre estes, o contexto e a forma em que ocorre a imputação de factos ou a formulação de juízos de valor. Sem esquecer que o caráter fragmentário do direito penal determina que a sua intervenção, neste âmbito, deva reservar-se para as situações em que é atingido o núcleo essencial das qualidades morais inerentes à dignidade da pessoa humana.
V - A função preventiva das penas exige um sacrifício real para o condenado, visando a interiorização do agente em relação ao juízo de censura imanente à conduta delituosa, assim se apaziguando o sentimento de necessidade de realização contrafática da validade das normas.

(Sumário da responsabilidade da Relatora)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo: 1316/22.0T9VCD.P1

Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto.

I. Relatório

No âmbito do processo comum singular que, sob o nº 1316/22.0T9VCD, corre termos pelo Juízo Local Criminal de Vila do Conde, foi submetida a julgamento a arguida AA, tendo, a final, sido proferida sentença com o seguinte dispositivo:

«Pelo exposto, decide este Tribunal

1. julgar a acusação particular procedente, por provada e, em consequência:

a.) – Condenar a arguida AA, pela prática de um crime de injúrias, previsto e punido, pelo art. 181º, do CP, na pena de 135 (cento e trinta e cinco) dias de multa, à taxa diária de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos) que perfaz o montante total de € € 742,50 (setecentos e quarenta e dois euros e cinquenta cêntimos);

b.) - Condenar a arguida em 02 Uc de taxa de justiça e demais custas criminais do processo.

2. Julgo o pedido de indemnização civil parcialmente procedente e, em consequência:

c.) Condenar a arguida AA no pagamento à assistente BB, da quantia global de €2.000,00 (dois mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da notificação da demandada para contestar o pedido de indemnização civil ora em apreciação, a título de danos não patrimoniais sofridos com o evento, absolvendo-a do demais peticionado;

d.) Condeno a demandada e a demandante ao pagamento das custas do pedido cível na proporção do decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário de que possam beneficiar e do artigo 4º, alínea n) do RCP. […]».


*

Inconformada com a decisão condenatória, dela interpôs recurso a arguida para este Tribunal da Relação, com os fundamentos descritos na respetiva motivação e contidos nas seguintes “conclusões”, que se transcrevem:

«I. A Recorrente foi condenada pela prática de um crime de injurias, previsto e punido, pelo art. 181º, do CP, na pena de 135 (cento e trinta e cinco) dias de multa, à taxa diária de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos) que perfaz o montante total de € 742,50 (setecentos e quarenta e dois euros e cinquenta cêntimos) e no pagamento de uma indemnização civil à Assistente na quantia global de € 2.000,00 (dois mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da notificação da demandada para contestar o pedido de indemnização civil ora em apreciação, a título de danos não patrimoniais sofridos com o evento, absolvendo-a do demais peticionado.

II. Não se poderá manter a douta sentença e terá de ser substituída por douto Acórdão que absolva a Arguida, porquanto:

III. Parte significativa dos factos dados como provados foram alegadamente praticados mais de seis meses antes da apresentação da queixa que despoletou o processo subjacente a estes autos.

Com efeito:

IV. A queixa foi apresentada em 19 de julho de 2022 e, por conseguinte, ao abrigo do disposto no art. 115.º do Código Penal já se tinha extinguido o direito de queixa relativamente aos factos dados como provados nos pontos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24 e 25, por alegadamente terem ocorrido mais de seis meses antes da queixa, não podendo, assim, ser considerados pelo Tribunal a quo, sob pena de violação do princípio da legalidade e das razões de segurança jurídica que subjazem ao indicado prazo de caducidade.

V. O crime de injúria não é um crime continuado, pois o art. 30.º n.º 2 do Código Penal expressamente exclui relativamente aos crimes praticados contra bens eminentemente pessoais, como é o caso da injúria

Sem conceder:

VI. Essa mesma factualidade foi objeto de uma outra queixa-crime apresentada pela Assistente em 20/04/2022 e que deu origem ao processo n.º ... - cfr. certidão de fls. (Ofício com a ref. ª Citius n.º 36127368 de 04/07/2023).

VII. Por violação do princípio ne bis in idem, não é admissível, entre nós, apresentar duas queixas sobre os mesmos factos.

VIII. Ademais, no âmbito desse outro processo-crime a aqui Assistente foi notificada para se constituir Assistente e não o fez, o que levou ao seu arquivamento; na acusação particular que deduziu nestes autos (pontos 7 e 8), fez expressa referência a esse outro processo, tendo dito que desistiu dessa queixa-crime, o que reiterou no seu depoimento, pelo que, ao abrigo do disposto no art. 116.º, n.º 1 do Código Penal, tem que se considerar tal conduta como concludente de renúncia ao direito de queixa por esses factos, o que levará à mesma conclusão de que o direito de queixa relativamente a essa factualidade já se esgotara e não podia, por conseguinte, ser apresentada nova queixa.

IX. Assim, em face do exposto tem de se excluir toda a factualidade inserta nos pontos dados como provados 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24 e 25. não poderia ser considerada nos presentes autos e deverá, por conseguinte, ser eliminada com todas as consequências legais.

Sem conceder,

X. A factualidade dada como provada nos pontos 1, 5, 7, 8, 9, 11, 12, 14 e 17 trata-se de imputações genéricas ou conclusivas ou não estão minimamente circunstanciadas quanto ao tempo e modo como alegadamente ocorreram, o que viola o direito do contraditório e de defesa do arguido constitucionalmente consagrado no art. 32.º da CRP.

XI. Assim, esses concretos pontos, iguais ao que foi alegado na acusação particular, não obedecem ao imperativo legal do art. 283.º, n.º 3, b) do Código do Processo Penal que exige que a acusação tem de conter, sob pena de nulidade, “factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada;”.

XII. Nulidade que expressamente se invoca e que impõe que seja afastada a factualidade dada como provada nos pontos 1, 5, 7, 8, 9, 11, 12, 14 e 17.

Ainda sem conceder,

XIII. Impugna-se expressamente a matéria vertida nos pontos 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32,33, 34,35, 36, 37, 3, 39, 40, 41, 42, 43 e 44 dados como provados.

XIV. O ponto 26 não está minimamente circunstanciado, é totalmente omisso quanto ao modo como alegadamente a arguida insultou a assistente, sedo certo de que a própria Assistente declarou que nunca esteve com a Arguida, pelo que não se compreende como poderia ter apelidado daqueles nomes, em consequência também não foi feita qualquer prova que fundamente este facto, o que de resto a sentença não esclarece nem fundamenta por que motivo o deu como provado.

XV. No que concerne aos pontos 27 e 28, decorre que a Recorrente teria apelidado a Assistente de filha da puta numa chamada telefónica realizada para o local de trabalho da irmã da assistente e que essa chamada teria sido atendida por uma colega da sua irmã, tudo conforme a testemunha CC, irmã da assistente, também declarou.

XVI. Com exceção do depoimento da irmã (vd. gravação do depoimento de CC) que refere que a sua colega de trabalho lhe contou sobre o referido telefonema, não foi produzida qualquer outra prova, o que consubstancia um depoimento indireto nos termos e para os efeitos do art. 129.º do Código do Processo Penal e não pode, por conseguinte, servir como meio de prova, ou seja, não podia ter sido valorado pelo tribunal e impõe-se, por conseguinte, que seja dado por não provado.

XVII. Os pontos 29 a 32 dados como provados, de uma alegada publicação em rede social que é em parte ininteligível, parece pretender sugerir que a Assistente tem necessidade de ter relações sexuais, o que não contêm matéria com dignidade penal, porquanto trata-se de um comentário grosseiro, é certo, mas meramente desrespeitador das regras de convivência social, não suscetível de atingir o núcleo essencial da honra e dignidade da Assistente, pelo que seguindo a melhor jurisprudência sobre este tema, vd. Acórdãos TRC de 06/01/2010 e de 17/10/2018, de JORGE JACOB e MARIA JOSÉ NOGUEIRA, respetivamente, não preenchem o tipo legal de crime e não deverá ser-lhes atribuída relevância criminal.

Sem conceder,

XVIII. Em razão da alteração que se impõe que seja feita, não poderá manter-se a matéria de facto dada como provada nos pontos 38 a 44, respeitante ao pedido de indemnização civil, que de resto, no ponto 41 nunca poderia ser dado como provado um período anterior a 6 meses antes da apresentação da queixa-crime que despoletou os presentes autos e relativamente ao ponto 42 não foi feita qualquer prova que o sustente, sendo também a douta sentença do Tribunal a quo omissa na fundamentação quanto a esse concreto ponto de facto.

Sempre sem conceder:

XIX. A Arguida foi condenada pelo crime de injúria (art. 181.º do Código Penal), contudo com as alterações à factualidade que se impõem, não existe qualquer facto suscetível de integrar o tipo objetivo do crime, o que terá de necessariamente levar à absolvição Arguida.

XX. Foi ainda condenada de forma agravada por alegadamente ter praticado os factos através de meios ou em circunstâncias que facilitem a sua divulgação, o que atendendo à matéria que terá de ser alterada, deixa de existir qualquer circunstância agravante que justifique o agravamento da pena, o que sempre obrigaria a rever a moldura penal e, em consequência, pelo menos reduzir a pena fixada.

XXI. A matéria de facto dada como provada não é idónea a preencher o tipo objetivo do crime de injúrias, o que sempre impõe que seja proferida decisão absolutória.

XXII. A Mma. Juiz fixou a pena em 135 dias de multa, o que é quase o limite máximo da pena agravada, o que é manifestamente excessivo e desproporcional e sempre teria de ser substancialmente reduzido.

XXIII. De igual modo e pela mesma razão, foi a arguida condenada no pagamento de uma indemnização excessiva e desproporcional no montante de 2.000,00€, a qual não se compreende, levando em consideração a ordem de grandeza das indemnizações fixadas vulgarmente para o tipo legal de crime em quantias próximas dos 500,00€, não existindo fundamento para um valor tão avultado, como o fixado na douta sentença.

XXIV. Por fim, na sentença a quo a Recorrente foi condenada no pagamento da indemnização acrescida de juros que se vencerem desde a notificação do pedido de indemnização civil até integral pagamento, contudo a Assistente peticionou 3.500,00€ e a quantia foi liquidada em sentença em 2.000,00€. Ora, não podem acrescer juros enquanto a quantia não é líquida e exigível, o que só sucederá com o eventual trânsito em julgado de sentença condenatória, não podendo, assim, manter-se a condenação nesta parte nos termos em que foi decidido.

Termos em que deverá a douta sentença ser substituída por Acórdão que absolva a Arguida do crime e indemnização civil pelos quais foi condenada, com todas as legais consequências, fazendo-se, assim a acostumada JUSTIÇA!».


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O recurso foi admitido para subir nos próprios autos, de imediato e com efeito suspensivo.

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A Exma. Magistrada do Ministério Público, em primeira instância, apresentou resposta, defendendo a improcedência do recurso e consequente manutenção da sentença recorrida, nos termos que dela constam e que aqui damos por reproduzida.

*

Também a assistente, na resposta ao recurso, pugnou pela respetiva improcedência e consequente manutenção da sentença recorrida, posição condensada no conjunto de conclusões apresentadas que, pela sua extensão, aqui damos por reproduzidas.

*

O Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer fundamentado, aderindo à posição do Ministério Público na primeira instância e da assistente, concluindo, consequentemente, pela negação de provimento ao recurso.

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Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, tendo sido apresentada resposta ao parecer pela recorrente, reiterando os fundamentos e procedência do recurso.

Procedeu-se a exame preliminar e foram colhidos os vistos, após o que o processo foi à conferência, cumprindo apreciar e decidir.


*

II - Fundamentação

É pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (art.º 412.º, n.º 1 e 417.º, n.º 3, do CPP), que se delimita o objeto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior, sem prejuízo das questões que devem ser conhecidas oficiosamente, como sucede com os vícios a que alude o art.º 410.º, n.º 2 ou o art.º 379.º, n.º 1, do CPP (cf., por todos, os acórdãos do STJ de 11/4/2007 e de 11/7/2019, disponíveis em www.dgsi.pt).

Importa, assim, equacionar como questões colocadas à apreciação deste tribunal, as seguintes [1]:

1) Caducidade do direito de queixa.

2) Violação do princípio ne bis in idem.

3) Factos vagos e genéricos (nulidade da acusação).

4) Impugnação da matéria de facto.

5) Preenchimento dos elementos objetivos e subjetivos do tipo de crime (injúria).

6) Dosimetria da pena de multa.

7) Quantum indemnizatório.


*

Delimitado o thema decidendum, importa conhecer a factualidade e o exame crítico da prova em que assenta a decisão recorrida.

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Factos provados e não provados. Motivação da decisão de facto (segue transcrição):

«II – Fundamentação de facto:

1. - Factos provados:

Produzida a prova e discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:

Da acusação particular

1) Desde a data do início da relação amorosa com o Sr. DD, em 2018, a Ofendida tem sido vítima da arguida, ex-cônjuge daquele, de injúrias e afirmações difamatórias que esta lhe dirige, reiteradamente, até agora.

2) No mês de Maio de 2019, os comportamentos adotados pela arguida culminaram na apresentação de queixa-crime pelo Sr. DD, referindo na mesma, alguns episódios de injúrias, ameaças e perseguição que a Arguida fez na pessoa da aqui Assistente, dando origem ao processo n.° ..., que correu os seus termos no Juízo Local Criminal de Santo Tirso — Juiz 1.

3) Sucede que, o referido processo foi arquivado, em virtude da desistência de queixa pelo Queixoso, motivada pela convicção de que, com a desistência iria obter tranquilidade e paz por parte da Arguida.

4) Todavia, tal não sucedeu.

5) Na verdade, a desistência de queixa levou à exacerbação da gravidade dos ilícitos praticados pela Arguida.

6) Tendo em consideração que a desistência da supra indicada queixa-crime não teve o efeito pretendido, no ano de 2022, a Assistente apresentou uma queixa-crime contra a aqui arguida, que deu origem à instauração do Inquérito que correu os seus termos sob o n.° ....

7) Porém, o arquivamento do processo n.° ..., à semelhança do que já havia ocorrido aquando do arquivamento do processo n.° ..., levou à intensificação dos ilícitos praticados pela Arguida contra a honra, consideração e bom nome da Assistente, conforme se descreverá infra.

8) Com efeito, a Arguida elege como meio de comunicação com a Assistente, as redes sociais, onde escreve afirmações difamatórias e injuriosas, assim como faz comentários escritos depreciativos e ofensivos, em publicações da Assistente ou publicações de terceiros que esta comentou.

9) De facto, nessas comunicações, a arguida frequentemente insulta a Assistente com os seguintes epítetos: "vaca", "cangalho", "puta", "burra", "lerda", "merda", "ladra", "porca" e "vai enfiar no cu".

10) A arguida, apodando a Assistente de tais nomes, pretendeu, de forma clara, inequívoca e consciente, atingir a sua honra, dignidade, bom nome e reputação como veio, em rigor, a suceder durante vários anos.

11) Efetivamente, ao longo dos meses de fevereiro, março e abril de 2019, a Arguida, através dos perfis do Facebook denominados "EE","FF", "GG", "HH" enviou múltiplas mensagens injuriosas e ameaçadores à Assistente, nos seguintes termos: "Fixa bem a minha carinha” "É cangalhinha bloqueia lá. És mesmo cangalho. Sabes que estás sobre a minha visão;? Nada te serve. Fode a vontade. Não te aproximes mais dos meus filhos. Mesmo. Fica lá com a minha afilhada e tira as"; "Atende cangalho";

- "Ora toma mais uma e vai enfiar no cu de quem não conheces, nem vais conhecer."; "Se gostas de enfiar no cu. Olha vou te contar apenas um segredo...Prepara o cu pois ele também gosta de enfiar ... Espero que gostes..."; "Tens medo de atender!? Não faço mal nem a uma mosca. Só a merda pior que moscas....";"Puta, vaca. Ainda não percebeste!) ? És assim tão lerda! ? A sério!?"; "Faltante os tomates que uma mulher madura e mãe tem...Acredita que eu tenho...Lerda ";

- "Cangalhinho...Cangahinho...Vias mesmo querer bater de frente,!? Não irás fugir se o fizeres. Outro aviso....";

-"Vê lá os comentários no Instagram da tua irmã cangalho...É cangalhos a tua irmã tem dois....É cangalhinha...";

- "Se voltares a parar a minha porta depenote como as galinhas. Afaste de mim e dos meus filhos. Não volto a avisar...Cangalho"; "Olá vaca. Tudo bem, contigo e as restantes vacas!) E os bois!! Hum.,";

- Olá. Boa noite vaca...Avisei..Na próxima não há aviso...Estarei a porta. Com um pau para te enfiar nesse cu, que já experimentaste. Vai te Saber pela vida...Sim o meu filho está de férias e daí!? Em Évora, Alentejo os professores, não estão!? Ou simplesmente são mesmo ignorantes,.!? É cangalho, nem Sabia que havia vacas professoras.....".

12) Conforme resulta do teor dos insultos supra indicados, a Arguida, elege como forma principal de diminuir a autoestima da Assistente, apelidá-la de "cangalho", o que faz de forma sucessiva e reiterada, desde 2018 até ao momento presente, com o propósito firmado desde aquela data de ofender a sua honra e bom nome.

13) Ora, a circunstância de escolher o referido insulto, por excelência, para despir a Assistente da sua dignidade, constitui um ato de especial crueldade, porquanto a Arguida sabe que o sobrenome da Assistente é "Cangalhinho" e que o termo "cangalho" tem um significado popular extremamente pejorativo.

14) Para além de ferir a Assistente através do uso de palavras escritas, a Arguida envia também à Assistente, imagens de uma vaca e de um burro a acompanhar as mensagens.

15) Após ter sido alvo dos referidos insultos, de forma reiterada e ininterrupta, a Assistente bloqueou todos os perfis do Facebook criados pela Arguida.

16) Ao ter-se apercebido da circunstância de a Assistente ter bloqueado os perfis referidos, a Arguida, mantendo o propósito reiterado de continuar a atormentar, perturbar, injuriar, ofender a honra e o bom nome e, em geral, atentar contra a dignidade da Assistente, nos meses de maio e junho de 2019, passou a enviar-lhe mensagens ofensivas e ameaçadores através de novos perfis que criou com nomes completamente diferentes do seu, a saber: "II", "JJ" e "KK".

17) Antes que a Assistente conseguisse bloquear os aludidos perfis, e com o objetivo de continuar a ofender ainda mais fortemente a honra, consideração, reputação, bom nome e dignidade desta, a Arguida procedeu à publicação de comentários a publicações no mural do perfil de Facebook da Assistente, nos seguintes termos: "a sério vaca vlha! (Ficq com as vacas do Alentejo. É o melhor para ti."; e tu vaca velha ...Puchas onde ! Vaca velha....';

- "Também te achas cangalho BB cangalhinho!? A serio!? Vai tirar as tuas teias e deixa os filhos dos outros.... Os meus...Não sabes de merda nenhuma, também não interessa, mas podes ter certeza. Não irás nunca te meter com os meus filhos. Podes ficar com o meu ex marido...Boa sorte. Mais nada...Mesmo....Estou a dar um concelho.... Dúvidas!? Liga me...Eu esclareço. Sem dúvida...".

18) A Arguida, não satisfeita, ao longo do ano de 2020, recorrentemente, criou perfis falsos para chegar com mensagens injuriosas e ameaçadoras, até à Assistente e sua família (mãe, irmã, cunhado, namorado, amigos, etc...), todas do mesmo teor das acima enunciadas.

19) E até já chegou a fazer telefonemas para o seu local de trabalho e para os locais de trabalho da família da Assistente, a injuriá-la.

20) A Arguida telefona sistematicamente para a Assistente e tenta estabelecer contacto com ela por chamada de voz, mensagens e até vídeo chamadas.

21) Contudo, a Arguida, não satisfeita, mantendo o objetivo inicial de diminuir a honra, reputação, consideração, imagem e bom nome da Assistente, em 2020, fez ainda dois comentários numa publicação no Facebook de um pai de um aluno desta, através de um perfil falso denominado "GG Pala", nos seguintes termos: "É pá estuda também. Não te queixes. Singete a tua realidade. Alentejana" (note-se: a aqui denunciante é Alentejana) "Apenas mais uma fada ... Apenas mais uma. Good lucky"; "So soim/. Não é dada. Más vaca.. Desculpem... Mas faz taoda a diferença BB cangalhinho”

22) Mas, as ofensas à honra e bom nome da Assistente, perpetradas pela Arguida, não terminam e prosseguem, desta feita com novo perfil criado com o nome "LL", onde a mesma dirige à Assistente as seguintes mensagens: - "Pois. Se não fosses tu... Ele dava valor ao filho, sem dúvida. Mas aqui se faz aqui se paga."; "Portanto o comentário feito é digno de ti, Senhora do Alentejo. Mesmo".

23) Posteriormente, no ano de 2021, a Arguida, tomou conhecimento que a Assistente é professora e não tem filhos.

24) Ao tomar conhecimento da circunstância de a Assistente não ter filhos, a Arguida não tardou em criar um novo perfil, de nome "MM" e, no dia 6 de fevereiro de 2021, enviou-lhe a seguinte mensagem nas redes sociais: "Nlao és nada... Nem sabes o que e ser mãe... Nem tens perfil... Apenas perfil para merda nenhuma, professora...".

25) Acresce que, a Arguida, dirigindo-se à mãe da Assistente, formulou sobre esta juízos ofensivos da sua honra, nos seguintes termos: - "... Ela que se iluda, que tire as teias...";" Olá senhora... Não se dê novamente ao trabalho de fazer queixa..."; "Mas resguarde...É um concelho", " ... mais...Sou educada... Para quem quero. De resto, são restos... Mais vale malcriada do que ladra”.

26) No dia 18 de abril de 2022, segunda-feira depois da Páscoa, o filho da arguida, de nome NN, fez 17 anos de idade e como a assistente esteve a festejar o aniversário do NN, a arguida tornou a insultar, apelidando-a de "filha da puta" e "vaca".

27) Mais, no dia 19 de abril de 2022, a Arguida telefonou para o local de trabalho da irmã da Assistente — CC e OO —, a perguntar se a Assistente lá se encontrava, tendo-a apelidado de "filha da puta".

28) Quem atendeu a referida chamada telefónica foi a rececionista do hospital veterinário onde a irmã e o cunhado da Assistente trabalham, que transmitiu àqueles que "ligou para aqui a ex mulher do companheiro da sua irmã, a perguntar por ela e a dizer que ela era uma filha da puta".

29) Posteriormente, no dia 1 de maio de 2023, através da rede social Facebook, a Arguida comentou uma publicação feita pela Assistente, num grupo privado, com o seguinte teor:"E tu aguentas!? Ser chupada!? Deves ter mesmo necessidade... De homem... enfim... Pessoas com estudos... Pior de mentalidade...".

30) Como referido, a Arguida proferiu o comentário, num grupo privado, que não pertencia nem foi convidada a pertencer, cujo propósito se destina a partilhar fotografias dos cães dos membros.

31) Servindo somente para atormentar a Assistente, pois continua a injuriá-la nas redes sociais,

32) Humilhando-a, novamente.

33) Com os referidos comportamentos, a Arguida ofendeu a Assistente, imputando-lhe factos e dirigindo-lhe palavras que atentaram contra a sua honra, consideração, reputação, imagem, bom nome e dignidade.

34) Acresce que, as publicações na página de Facebook facilitaram a divulgação dos factos que, mesmo sabendo que eram falsos, imputou à Assistente e continuaram a facilitar essa divulgação, até porque a Arguida não retirou tais publicações, mesmo depois de ter sido apresentada queixa-crime.

35) Na verdade, a Assistente sempre foi uma pessoa respeitada no meio onde vive, sendo-lhe reconhecida uma grande autoridade moral e profunda honestidade.

36) Por outro lado, a Arguida sabia que estava a imputar factos à Assistente que não correspondiam à verdade.

37) A Arguida agiu livre e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei, sendo que, ao longo de toda a sua atuação persistiu o propósito inicial e reiterado de nadificar a honra da Assistente.

Do pedido de indemnização civil

38) A Demandante sentiu-se profundamente ofendida com as expressões que Demandada lhe imputou, ficando, inclusive, dominada por um sentimento de enorme injustiça.

39) A Demandante sempre foi uma pessoa respeitada no meio onde vive, sendo-lhe reconhecida uma grande autoridade moral, profunda honestidade e educação.

40) Com a conduta da Demandada, a Demandante ficou extremamente envergonhada perante os seus familiares, amigos, colegas de trabalho e pais dos seus alunos.

41) Acresce que, desde 2018, data em que os comportamentos injuriosos se iniciaram, a relação com o seu companheiro ficou dominada por um ambiente de aflição, stress, angústia, ansiedade, apreensão e inquietação.

42) Além disso, desde que a arguida assumiu esse estatuto processual, o seu filho NN, enteado da assistente, deixou de ter qualquer contacto com esta.

43) Tudo isto fez com que a Demandante ficasse deprimida e entristecida, deixando de apresentar a força de viver a que havia habituado os seus parentes e amigos.

44) Todas estas circunstâncias criaram na Demandante um forte e estigmatizante perturbação do equilíbrio social, psíquico e emocional, constituindo um grave atentado à sua personalidade moral.

Das condições pessoais e socioeconómicas da arguida

45) A arguida esteve casada cerca de 20 anos, encontrando-se divorciada há cerca 7/8 anos, no decurso de envolvimento extraconjugal do cônjuge. Desta relação tem dois descendentes, atualmente com 26 e 20 anos.

46) A arguida, de 48 anos, tem dois descendentes atualmente com 26 e 20 anos, e reside com o filho mais novo, desde a rutura conjugal, estando em situação de acompanhamento ao nível da saúde mental, pela fragilidade e sofrimento emocional que foi progressivamente evidenciando e cujos impactos sentiu, nomeadamente, na esfera laboral, com situação de incapacidade temporária, que manteve desde o ano transato até abril do corrente ano.

47) O descendente mais velho vive com o progenitor, desde a rutura conjugal, mantendo contacto com este com regularidade. As relações familiares são positivas, com registo de valores de partilha e entreajuda.

48) A arguida reside num apartamento na morada indicada nos autos há cerca de 7/8 anos, na sequência da venda de uma moradia, que lhe permitiu a compra do apartamento.

49) A arguida iniciou atividade laboral com 18 anos, em regime de tempo parcial, na abertura do hipermercado A... em Matosinhos. Posteriormente criou um negócio próprio no comércio têxtil, que, entretanto, fechou para ir trabalhar com o cônjuge (à data), como administrativa, na empresa “B... Unipessoal Lda”, onde laborou ate meados de 2018.

50) A arguida iniciou, há cerca de 5 anos, funções no agrupamento de Escolas ..., exercendo funções de assistente operacional, com contrato a termo resolutivo incerto, auferindo mensalmente o salário mínimo nacional, sendo que, no período antecedente, quando esteve desempregada, através do Centro de Emprego, foi colocada no agrupamento de Escolas ..., com contrato a termo e posteriormente, assinou contrato, ficando efetiva.

51) Aufere a remuneração mensal líquida de € 878.41, a que acresce a prestação do abono de família no valor de € 79.77€ e a pensão de alimentos de € 265,00.

52) Tem como despesas/encargos fixos do agregado o valor mensal total de € 221.67 (água 30.61€; energia elétrica 70€; NOS 65.61€; condomínio 34.36€, seguro da habitação 21.09€)

53) A arguida estrutura o seu quotidiano em função dos compromissos e rotinas profissionais, bem como nas responsabilidades parentais e na gestão das atividades domésticas.

54) Na deslocação ao meio de residência, não foram indicados problemas de integração e interação social.

55) No decurso do ano transato, a arguida esteve em situação de incapacidade temporária para o trabalho, devido ao seu estado psicológico, que associou a um quadro depressivo, aparentemente iniciado com a rutura conjugal e inerente sofrimento emocional que se foi agudizando, encontrando-se em acompanhamento na especialidade de psiquiatria e psicologia no Hospital ... na Maia, tendo retomado a sua atividade laboral em abril do presente ano.

56) A nível familiar, a arguida refere que o descendente mais novo tem conhecimento da presente situação, assim como a família alargada, designadamente a tia e a progenitora, de quem mantém apoio.

57) A nível social, refere que o presente processo não tem qualquer impacto na sua vida.

58) Possui o 12º ano de escolaridade.

59) A arguida não possui quaisquer antecedentes criminais registados.


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2. - Factos não provados:

Da prova produzida na audiência realizada e com interesse para a apreciação da causa, não resultaram provados os seguintes fatos:

a) No entanto, a aqui Assistente acabou por desistir da queixa-crime apresentada, em virtude dos diversos pedidos do Sr. DD nesse sentido, na esperança de que tal desistência poderia desencadear o afastamento da Arguida da sua vida.


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Com interesse para a decisão da causa não resultaram provados ou não provados quaisquer outros factos.

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3. - Motivação

Como dispõe o artigo 127.º do Código de Processo Penal, a prova é apreciada “segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”. Significa este princípio que o julgador tem a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos submetidos a julgamento com base no juízo que se fundamenta no mérito objetivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, tal como ele foi exposto e adquirido representativamente no processo, à luz das elementares regras da experiência, do senso comum e da normalidade. Não olvidando que foram objeto de atenta análise e ponderação, com respeito pelo princípio da livre apreciação da prova e sem postergar o princípio “in dubio pro reo”, os seguintes elementos que contribuíram para formar, para além de qualquer dúvida razoável, a convicção positiva deste Tribunal.

Em obediência ao disposto no artigo 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, enumerados que estão os factos provados e não provados, importa indicar as provas que serviram para fundamentar a convicção do Tribunal.

Antes, porém, importa que nos debrucemos sobre a questão prévia levantada pela defesa da arguida, de que o objeto dos presentes autos, tal como definido pela acusação, abarca dois conjuntos de factos, uns alegadamente ocorridos antes da queixa crime da assistente que deu origem ao processo de inquérito n.° ..., ou seja, anteriores a 1 de novembro de 2018, data da queixa- cfr. fls. auto de noticia constante da certidão de fls. 127 a 136, e outros, alegadamente ocorridos posteriormente a essa queixa, e de que, atendendo ao despacho de arquivamento proferido- cfr. fls. 136, os fatos denunciados naquele processo de inquérito não podem ser considerados neste processo.

Compulsado o objeto dos presentes autos delineado pela acusação particular deduzida nos autos bem como a identificada queixa e relatório fotográfico anexo -cfr. fls. 127 a 136, vemos que, o objeto dos presentes autos, abarca apenas as atuações da arguida de Fevereiro de 2019 a 2022, com referência no ponto 14 a uma atuação sucessiva e reiterada desde 2018, podendo dizer-se que, no ponto 11 da acusação particular deduzida nos presentes autos, haja uma genérica referência a factos participados no processo de inquérito n.°... (ou seja, fatos anteriores a 1 de novembro de 2018).

Na verdade, os pontos 13, 18 e referem-se a mensagens com injúrias, frases desprimorosas e pejorativas, ameaças, referências pejorativas ao nome da assistente, imagens de uma vaca e de um burro, enviadas pela arguida através dos perfis identificados ao longo dos meses de Fevereiro, Março e Abril, Maio, Junho de 2019 que resultam comprovadas pelos prints juntos a fls. 12 a 19, 25 a 27, 20, 22 e 23, bem como tentativas de contato por chamadas de voz, mensagens e videochamadas comprovadas pelos prints juntos a fls. 30, 31 e 32, bem como resulta ainda documentalmente comprovadas a atuação da arguida em 2020 consubstanciada nas mensagens que a arguida, por meio de perfis falsos, remetia não só à assistente com a pessoas da sua família – comprovados pelos prints de fls. 37 a 40, fazendo ainda comentários despropositados e desprimorosos, injuriosos, com referencia à pessoa da assistente com referência a esta ser alentejana e ao nome desta. Ainda, resulta provada a publicação de um comentário feito pela arguida em publicação da assistente na página do Facebook do pai de um aluno, como o comprovam os prints de fls. 35, 36, 28, e por último, já em 2021 (a 6.02.2021), o envio de mensagens pela arguida alusivas ao fato de a assistente não ter filhos -cfr. print de fls.21. Por ultimo em 2023, designadamente a 1.05.2023, comentários em publicação feita pela assistente num grupo privado que a arguida conseguiu aceder -cfr fls. 78 verso a 80 verso. Todos esses documentos/prints que comprovam as tentativas de contato da arguida pelos mais variados meios, o bloqueio do perfil da arguida e dos sucessivos perfis criados pela arguida ou usados por esta que foram sendo feito pela assistente, o teor das ameaças, expressões injuriosas, pejorativas, os comentários desprimorosos e o envio de imagens de uma vaca ou um burro, etc., foram corroborados pela assistente, que referenciou que, muitas colegas lhe ligaram por terem visto essas publicações pejorativas e de baixo tom, explicando que a última publicação ocorreu em maio de 2023 num grupo privado de que eram membro recente, tendo tido que dar explicações ao administrador do grupo e pedir para eliminarem a publicação feita pela arguida bem como teve de contatar o pai do seu aluno contando-lhe a situação de modo a explicar o comentário da arguida na sequencia do seu comentário sobre os bons resultados do seu aluno, cujo depoimento claro, contrito, sério e isento mereceu a credibilidade do tribunal bem como nessa corroboração foi secundada pelas testemunhas PP, QQ, RR, respetivamente funcionárias e colegas professoras da escola ... onde lecionava desde que saíra do Alentejo para vir viver para esta cidade com o seu companheiro, ex-marido da arguida, pelas testemunhas, SS, TT, amigas da assistente, e pelas testemunhas UU, CC, OO e DD, respetivamente mãe, irmã, cunhado e companheiro da assistente, este último, ex-marido da arguida, testemunhas que corroboraram a visualização de algumas dessas mensagens, os comentários da arguida em publicações bem como das imagens de uma vaca e um burro, que foram sabendo quer porque as viram publicadas no perfil da assistente, quer porque a assistente lhes mostravam e visualizavam diretamente, quer ainda, como no caso da mãe da assistente, a arguida lhe dirigiu algumas dessas mensagens injuriosas e/ou ameaçadores alusivas à assistente através do perfil pessoal desta testemunha. De referir que, todas estas testemunhas se recordavam bem dos comentários feitos pela arguida no referido grupo privado de partilha de fotos de cães da raça ali identificada, grupo este que, pelo menos, constam identificados a fls. 78 cerca de 26 membros, o que conduziu o tribunal a dar como provados os fatos em 10), 12), 13), 14), 15), 16), 17), 18), 19), 20), 21), 22), 23), 24), 25), 26), 30), 31) e 32).

De referir que também todas estas testemunhas descreveram o estado de transtorno, tormento, preocupação, medo em que vivia a arguida ao ser perseguida pela arguida por meio das redes sociais, contatos telefónicos pessoais e dos seu familiares, que a levaram a recear que essa perseguição digital passasse tentativas de abordagem/contatos pessoais, junto ou no seu local de trabalho que a levou a contar a situação aos seus familiares e identificados colegas de trabalho da escola, no sentido de os advertir dessa possibilidade e também de as fazer perceber porque, por vezes, com a chegada de uma nova mensagem, se sentia perturbada, transtornada, e que estas afirmaram observar.

A assistente descreveu ainda como tal situação a perturbou de tal modo que deixou de dormir, alterou sua saúde física atendendo à alteração do seu sistema nervoso, por não saber quando ia receber mensagens, que teor estas continham, com imputações de baixo nível, com imputações pejorativas e de cariz sexual e com menção à sua qualidade como professora, se esta ia aparecer ao pé de si, isso durante anos e desde que esta soube da sua relação com o ex-companheiro, só tendo parado com a queixa que deu origem aos presentes autos, situação que como pôde ver o tribunal, ainda é causa de perturbação da assistente, que não conseguiu deixar de chegar a chorar, choro e perturbação cuja genuinidade se aferiu. As amigas da assistente, as já referidas testemunhas SS, TT bem como a mãe, irmã e cunhado da arguida corroboraram tal estado de perturbação e alteração comportamental da assistente por via das atuações da arguida. Referiu ainda a testemunha DD que, por a arguida ameaçar que lhe enfiava com um pau e que ia atrás da mesma, a assistente ficou assustada e com medo que a arguida concretizasse essas ameaças, referido que esta andava angustiada, com stress, ansiosa, referindo que esta situação afetou a relação deles, apenas superada por a assistente saber que não era culpa sua e porque gostam muito um do outro. Em razão do que o tribunal deu como provado os fatos elencados supra de 39) a 45) respeitantes ao pedido de indemnização civil ora deduzido pela assistente.

As testemunhas CC e OO, confirmaram ainda terem sido alvo de tentativas de contato e de contatos por parte da arguida quer através do seus telemóveis pessoais quer profissionais quer ainda para o local de trabalho da testemunha CC que trabalha num hospital veterinário em Évora e para casa da mãe do seu companheiro (ex-sogra da arguida), com insultos dirigidos à assistente, conduzindo a dar como provados os fatos em 27) e 28).

De referir que, na sequencia do relatado pela testemunha OO, quanto ao telefonema que recebeu da arguida no telefone da empresa que possui, quando estava na casa da sua mãe, em convívio de família, e o que a arguida lhe disse quando atendeu o telefone de um número não identificado que fez com que identificasse que era a arguida que lhe telefonava pela referência que fez ao nome da sua cunhada, à sua familiaridade com esta bem como à expressão insultuosa que foi usada pela arguida identifica a todas as que a testemunha já conhecia por a sua cunhada, ora assistente, lhe mostrar em mensagens e lhe relatar, corroborado o recebimento desse telefonema pela assistente e pela testemunha CC e que não se aditou à acusação particular comunicando-se a alteração não substancial de fatos por não influir no objeto do processo designadamente face à reiteração das condutas da arguida de injuriar assistente através de contatos telefónicos para os familiares da assistente ou para os seus locais de trabalho,

O tribunal deu ainda como não provado em b) o fato 31 da acusação particular por ausência de prova quanto a este fato.

Importa, ainda dar nota, que, ao contrário do que consta do ponto 7 da acusação particular deduzida pela assistente nos presentes autos, do despacho de arquivamento de fls. 136 não resulta que o despacho de arquivamento proferido naqueles identificados autos de inquérito n.° ... tenha ocorrido por força da desistência de queixa da assistente. Na verdade, do que resulta do despacho de arquivamento de fls. 136 é que a ofendida foi notificada para, se constituir assistente no prazo legal de 10 dias, atendendo à natureza particular do crime denunciados sob pena de os autos serem arquivados e, apesar de assim notificada, não requereu a sua constituição como assistente naquele prazo, pelo que, como ali se diz, falece legitimidade ao MP para prosseguir o procedimento criminal atendendo à natureza do crime denunciado, e por isso determinou-se que os aqueles autos fossem arquivados. Em razão do exposto, e da identificada certidão, o tribunal deu como não provado o fato 7 da acusação particular em a).

Aqui chegados e tomando em conta as considerações da defesa da arguida atinentes ao caso julgado quanto ao elenco e/ou referência, na acusação particular, de fatos de 2018 ou reportados a 2018.

Como salienta Miguel Teixeira de Sousa1, “o caso julgado é a «insusceptibilidade de impugnação de uma decisão (despacho, sentença ou acórdão) decorrente do seu trânsito em julgado […]. O caso julgado traduz-se na inadmissibilidade da substituição ou modificação da decisão por qualquer tribunal (incluindo aquele que a proferiu) em consequência da insusceptibilidade da sua impugnação por reclamação ou recurso ordinário. O caso julgado torna indiscutível o resultado da aplicação do direito ao caso concreto que é realizada pelo tribunal, ou seja, o conteúdo da decisão deste órgão. […] estas decisões tornam-se irrevogáveis devido ao esgotamento do poder jurisdicional do juiz”.

Ademais, «O caso julgado é uma exigência da boa administração da justiça, da funcionalidade dos tribunais e da salvaguarda da paz social, […] obsta a que sobre a mesma situação recaiam soluções contraditórias e garante a resolução definitiva dos litígios que os tribunais são chamados a dirimir. Ele é, por isso, expressão dos valores de segurança e certeza que são imanentes a qualquer ordem jurídica»2 sendo aliás um princípio constitucional implícito3 como decorrência da caracterização dos tribunais como órgãos de soberania (cfr. o art.º 202.º, n.º 1, da CRP) e do facto das suas decisões serem obrigatórias para todas as entidades públicas (incluindo naturalmente para outros tribunais) e privadas (cfr. o art.º 205.º, n.º 2, da CRP).

Como salienta ainda o Professor Germano Marques da Silva (in Curso de Processo Penal, III, Lisboa, Verbo, 1994, pág. 34), a existência de caso julgado preclude a possibilidade de novo julgamento sobre o mesmo crime, configurando-se como um pressuposto negativo do procedimento.

Ao contrário do que sucedia com o seu antecessor, o Código de Processo Penal vigente não contém qualquer norma expressa sobre o caso julgado penal, sendo certo que o art.º 2.º do DL n.º 78/87, de 17.02, procedeu a uma revogação global do Código de Processo Penal aprovado pelo D.L. n.º 16 489, de 15 de fevereiro de 1929. É evidente que a circunstância de a lei adjetiva penal vigente não regular o caso julgado não significa que o processo penal prescinda daquele instituto, consabido que nesta concreta área do direito se sente com muito maior intensidade e acuidade a necessidade de proteção do cidadão contra situações decorrentes da violação do caso julgado, instituto que também encontra fundamento num postulado axiológico, qual seja o da justiça da decisão do caso concreto, para além de outros, com destaque para a garantia da segurança e da paz jurídicas. O instituto encontra, todavia, regulamentação implícita no código vigente. É esta a conclusão a que se chega conjugando os artgs 397.º, n.º 2; 399.º; 400.º; 411.º; 427.º; 432.º; 438.º; 447.º, n.º 1; 449.º, n.º 1; 467.º; 492.º e 498.º, n.º 3, todos do CPP.

Assim, quer se considerem aplicáveis, com as necessárias adaptações, as normas que regem o caso julgado civil quer se recorra aos princípios enformadores das normas que regiam o instituto no âmbito do Código de Processo Penal de 1929 (cf. a motivação do Assento do STJ n.º 2/93, de 27 de janeiro, publicado no Diário da República, I Série-A, de 10 de março de 1993), sempre se terá de concluir que há lugar ao funcionamento do caso julgado quando se verifique identidade do facto e de sujeitos constantes de uma decisão irrevogável sobre a mesma questão ou, quando se esteja perante o mesmo objeto processual.

A Constituição consagra de forma irrefutável o caso julgado penal, ao dispor no seu artigo 29.º, n.º 5, que ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pelo mesmo crime mas a lei fundamental ao referir-se ao duplo julgamento e ao mesmo crime carece, contudo, de interpretação, a qual, conforme referem Gomes Canotilho e Vital Moreira4 deverá ter em especial atenção que os preceitos constitucionais não podem ser considerados isoladamente e interpretados a partir de si próprios. Por outro lado, certo é também que a tarefa interpretativa dos preceitos constitucionais não prescinde igualmente de uma visão global dos ramos de direito em que se projetam e que pretendem nortear- cfr. a propósito, o Ac. do STJ de 15.03.2006 5.

Decorre assim que o conteúdo e limites do caso julgado só podem ser fornecidos pelo objeto do processo; sendo o objeto do processo o mesmo, estaremos perante a exceptio judicati, caso contrário não ocorrerá violação do princípio in bis in idem.

Ora, comportamento referenciado ao facto, como expressão da conduta penalmente punível, não pode deixar de ser o acontecimento da vida que, como e enquanto unidade, se submeteu à apreciação e julgamento de um tribunal. Daqui resulta que todos os factos praticados pelo arguido até decisão final e que diretamente se relacionem com o pedaço da vida apreciado e que com ele formam uma unidade de sentido haverão de ser considerados como fazendo parte do objeto do processo.

Decorre do teor do despacho de arquivamento de fls. 136 que não estarmos perante uma situação de caso julgado, pelo facto de não ter sido proferida qualquer decisão jurisdicional que conheça do mérito do objeto processual.

E mesmo atentando ainda, no entendimento jurisprudencial dominante, que vai no sentido de que o despacho final de arquivamento do inquérito proferida pelo Ministério Público, apesar de não se enquadrar na noção de trânsito em julgado, pode produzir os mesmos efeitos, comportando a noção de “caso decidido”, porque não foi impugnado por quem de direito, seja hierarquicamente seja por via de requerimento para abertura de instrução (cfr. os arts 278.º e 287.º do CPP), temos que, pelo fato de, as razões aduzidas para o referido arquivamento dizerem respeito a uma questão de procedibilidade do procedimento criminal (falta de legitimidade do M.P. para a ação penal por falta de constituição de assistente pela ofendida em que nunca se colocaria a hipótese de reabertura do inquérito nos termos do art.º 279.º do CPP (dispõe o n.º 1 de tal preceito o seguinte: «Esgotado o prazo a que se refere o artigo anterior, o inquérito só pode ser reaberto se surgirem novos elementos de prova que invalidem os fundamentos invocados pelo Ministério Público no despacho de arquivamento»), não se tratando de uma decisão com conclusão por referência a fatos ou fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão 6, nada impede que os factos denunciados no identificado inquérito sejam considerados no inquérito dos presentes autos, e que por eles seja a arguida acusada e, assim determinado o objeto processual, bem como sobre estes, haja a obrigação de o tribunal se pronunciar na sentença.

Como refere, João Conde Correia 7 «[…] casos há, porém, em que o impedimento é provisório, não obstando a uma nova investigação. No exemplo mais simples, se o MP arquivar o inquérito por falta de queixa (art. 49.º), nada impedirá que o ofendido supere essa deficiência, desde que o faça dentro dos prazos previstos para o efeito, dando origem a um novo processo»

É justamente o caso dos autos, e nestas circunstâncias, não ocorre a violação do princípio ne bis in idem por via do caso decidido, na medida em que, o despacho de arquivamento assentou “em questão de procedibilidade não exaurida ao tempo e, entretanto, revertida”8, com a continuidade da atuação da arguida e com a nova queixa da ofendida, dentro do prazo legal.

Acresce referir que, como resulta da matéria de fato da acusação que, como vimos, resultou assente por provada, resulta que a arguida praticou factos reiterados relativamente à ofendida, isto é, ações sucessivamente adequadas no seu conjunto a produzir o resultado, entendendo-se que a reiteração de factos deve ser globalmente apreciada e valorada como integrando um comportamento repetido relativamente à ofendida, dominado por um único sentido de desvalor jurídico-social e que, portanto, consubstanciaria vários crimes de injúria e /ou crimes de difamação e/ou perseguição, isso porque, não subsistem dúvidas de que arguida agiu sempre de forma homogénea, todavia não resultando dessa sua atuação, a existência de um condicionalismo exterior que tivesse facilitado a ação daquela, bem como a repetição da atividade criminosa e que, por isso, diminua a sua culpa. Aliás, no caso, as circunstâncias foram conscientemente procuradas e criadas pela arguida para concretizar a sua intenção criminosa, sendo que não há unidade temporal e não há circunstância exterior, mas sim uma predisposição anterior do agente e a simples reiteração de comportamentos não é suficiente para diminuir a culpa. Ademais, com a alteração ao n.º 3 do art. 30.º do CP, operada com a Lei 40/2010, de 03-09, em que foi suprimida a expressão final “salvo tratando-se da mesma vítima”, não é aplicável o crime continuado quando a conduta atinja bens essencialmente pessoais, mesmo quando a vítima dos diversos atos seja a mesma pessoa 9.

Face ao exposto, julga-se a questão suscitada pela defesa improcedente.

Por último, no que concerne aos factos atinentes ao conhecimento, vontade e propósito com que a arguida atuou [factos provados em 33) a 37)] os mesmos extraíram-se ainda dos respetivos factos objetivos, analisados à luz das regras da lógica e experiência comum, atentas as concretas circunstâncias do caso.

Para a prova dos elementos relativos à sua situação pessoal, socioeconómica e familiar da arguida conforme elencado nos factos 45) a 58), o tribunal teve em conta o relatório social para determinação da pena ora elaborado pela DGRSP.

O tribunal baseou a sua convicção, quanto ao facto provado em 60) da análise do teor dos certificados de registo criminal junto aos autos».


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Apreciando os fundamentos do recurso.

I) Caducidade do direito de queixa e violação do princípio «ne bis in idem».

Sustenta a recorrente que «No caso em apreço, os factos que fundamentam a acusação ocorreram mais de seis meses antes da apresentação da queixa. A queixa foi apresentada em 19 de julho de 2022. O conhecimento dos factos por parte da ofendida ocorreu respetivamente nas datas em que os mesmos foram alegadamente praticados. Assim, cotejada a matéria de facto dada como provada, quando a ofendida apresentou a queixa verifica-se que já estava extinto esse direito pelo menos relativamente aos factos dados como provados nos pontos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24 e 25 […]», configurando tal situação «a caducidade do direito de queixa relativamente a esses factos, pelo que não poderão ser considerados pelo Tribunal».

A questão em apreço foi conhecida e decidida na sentença recorrida, ali tendo o tribunal a quo concluído que «não ocorre a violação do princípio ne bis in idem por via do caso decidido, na medida em que, o despacho de arquivamento assentou “em questão de procedibilidade não exaurida ao tempo e, entretanto, revertida” com a continuidade da atuação da arguida e com a nova queixa da ofendida, dentro do prazo legal».

Para a análise da questão que nos ocupa importa sedimentar os seguintes dados processuais:

- No dia 20/4/2022 BB apresentou queixa contra a arguida AA, imputando-lhe múltiplos factos, ocorridos a partir de 1/11/2018 e ao longo dos anos subsequentes (até, segundo indicou a ofendida, àquele momento), os quais seriam suscetíveis de ofender a sua honra e consideração pessoal, tendo esta participação dado origem ao inquérito n.º ....

- Neste inquérito foi proferido despacho de arquivamento, com fundamento na circunstância de a queixosa, no prazo concedido para o efeito, não se ter constituído assistente no processo, carecendo, assim, «o Ministério Público de legitimidade para prosseguir o procedimento criminal, atenta a natureza particular do crime em causa» (cf. a certidão constante de fls. 127 a 136 e o despacho de arquivamento dela constante, datado de 16/5/2022).

- No dia 19 de julho de 2022 a ofendida apresentou nova queixa contra a arguida imputando-lhe factos parcialmente coincidentes com aqueles que integraram o NUIPC ... e, no dia 26 de julho, requereu a sua constituição como assistente, procedendo ao imediato pagamento da respetiva taxa de justiça.

Estabelece o artigo 115.º, n.º 1, do Código Penal, na parte que para aqui releva, que o direito de queixa extingue-se no prazo de seis meses a contar da data em que o titular tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores.

Por seu turno, dispõe o artigo 68.º, n.º 2 do Código de Processo Penal que, tratando-se de procedimento dependente de acusação particular, o requerimento de constituição de assistente tem lugar no prazo de 10 dias a contar da advertência referida no n.º 4 do artigo 246.º.

Ora, como é assinalado no acórdão da Relação de Coimbra de 6/5/2015 [2], da fundamentação do acórdão do STJ de fixação de jurisprudência n.º 1/2011 [in DR I Série de 26/1/2011, com o seguinte teor: «Em procedimento dependente de acusação particular, o direito à constituição como assistente fica precludido se não for apresentado requerimento para esse efeito no prazo fixado no n.º 2 do artigo 68.º do Código de Processo Penal»] resulta inequívoco que foi considerado o prazo do artigo 68.º, n.º 2, do CPP como prazo perentório, não podendo o ofendido renovar o seu pedido de constituição como assistente perante a apresentação de nova queixa.

Para uma melhor compreensão do alcance e teor do decidido, fundamenta-se, no aludido acórdão para uniformização de jurisprudência, nomeadamente, o seguinte:

«[…] A punição de um crime de natureza semipública e (ou) de natureza particular não depende, portanto, apenas do preenchimento de exigências substantivas reclamando, ainda, a verificação de condições do procedimento, verdadeiros pressupostos da admissibilidade do exercício da ação penal.

[…]

Com a Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, o n.º 2 do artigo 68.º sofreu nova alteração, passando a sua redação atual a ser a seguinte:

«2 – Tratando-se de procedimento dependente de acusação particular, o requerimento tem lugar no prazo de 10 dias a contar da advertência referida no n.º 4 do artigo 246.º»

[…]

7.3.1. No entanto, como vimos, o Código, na sua versão primitiva, era absolutamente omisso quanto ao momento até quando essa constituição de assistente teria de ocorrer.

Impondo o n.º 4 do artigo 246.º a declaração obrigatória do denunciante de “que deseja constitui-se assistente” não continha o Código qualquer regulamentação, nomeadamente, indicação de prazo, relativa à concretização desse anunciado desejo. Sendo patente que a redação do n.º 2 do artigo 68.º, na versão primitiva, tinha um âmbito de aplicação restrito aos crimes públicos e semipúblicos.

Com a consequência de, apresentada a queixa e anunciado o desejo de constituição de assistente por parte de quem tinha legitimidade para deduzir a acusação particular, o Ministério Público ficar a aguardar a constituição de assistente para poder dar início ao procedimento, nomeadamente, proceder oficiosamente a quaisquer diligências indispensáveis à descoberta da verdade.

No limite, a queixa podia ficar pendente até à prescrição do procedimento criminal pelo crime nela denunciado se, antes, o denunciante não viesse requerer a constituição de assistente.

[…]

7.3.2. Com a redação dada ao n.º 4, segunda parte, do artigo 246.º, pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, o denunciante deve ser advertido expressamente da obrigatoriedade de constituição como assistente e, ainda, dos procedimentos a observar. Passou, assim, a consagrar-se, o direito de informação do denunciante, devendo a autoridade judiciária ou o órgão de polícia criminal, nos casos em que a denúncia for efetuada verbalmente, advertir e elucidar cabal e convenientemente dessa obrigatoriedade e dos diversos procedimentos a observar.

A advertência quanto à obrigatoriedade da constituição como assistente compreende o esclarecimento da consequência da não constituição como assistente, qual seja, a de o Ministério Público carecer de legitimidade para iniciar o procedimento, ou, dito de outro modo, só com a queixa mas sem a constituição de assistente não pode haver promoção do procedimento criminal pelos factos constantes da queixa.

O dever de informação da autoridade judiciária ou do órgão de polícia criminal, compreendendo o esclarecimento adequado dos diversos procedimentos a observar para a constituição de assistente passa, necessariamente, e pelo menos, pela informação de que o requerimento para constituição como assistente tem de ser apresentado no prazo de 10 dias, a contar da data da declaração do denunciante de que pretende constituir-se assistente, que o assistente tem obrigatoriamente de ser representado por advogado e que pela constituição de assistente é devido o pagamento de taxa de justiça (artigos 68.º, n.º 2, 70.º, n.º 1, e 519.º).

[…] E, em casos de dúvida acerca do integral cumprimento do dever de informação e advertência estabelecido na lei, cabe ao Ministério Público ordenar a notificação do interessado para querendo manifestar o desejo de se constituir assistente, adverti-lo da obrigatoriedade da constituição como assistente e dos procedimentos a observar, fixando prazo para o efeito, sob pena de ser ordenado o arquivamento do processo por inadmissibilidade legal do procedimento decorrente da circunstância de o Ministério Público carecer de legitimidade para o exercício e prosseguimento da ação penal pelo crime particular.

[…] 9. Temos, assim, que, tratando-se de procedimento dependente de acusação particular, a lei fixa o prazo de 10 dias, a contar da advertência referida no n.º 4 do artigo 246.º, para que o denunciante requeira a constituição como assistente.

9.1. Podemos definir prazo como o período de tempo a que a lei sujeita a prática válida de um determinado ato em juízo.

Os prazos processuais permitem a coordenação dos diversos atos, sob um ponto de vista temporal, garantindo a celeridade da decisão dos processos, a certeza e estabilidade das situações jurídicas, o tempo necessário para a afirmação e defesa dos direitos e a salvaguarda de direitos fundamentais.

Por isso se pode afirmar que os prazos funcionam no processo como garantia de direito público, na medida em que servem a celeridade da decisão dos litígios e o interesse particular, assegurando às partes o tempo necessário para a afirmação e defesa dos seus direitos.

9.2. Os prazos podem classificar-se de dilatórios, perentórios e meramente ordenadores.

[…] Ora, parece que não subsistirão dúvidas de que a intenção do legislador foi a de, justamente, pôr termo a essa indefinida pendência dos processos por crimes particulares, fixando um prazo dentro do qual a constituição de assistente terá de ser requerida, com o objetivo de acelerar o andamento do processo, o que constitui, justamente, a finalidade dos prazos perentórios.

O elemento sistemático aponta também, decisivamente, no sentido de que o requerimento para constituição de assistente tem de ser apresentado dentro do prazo fixado na norma do n.º 2 do artigo 68.º; logo o contexto da lei mas também o postulado da coerência intrínseca do ordenamento, designadamente, no que se refere à matéria dos prazos processuais.

[…] 10.2. O resultado interpretativo a que se chega é o de se ter o prazo processual fixado no n.º 2 do artigo 68.º como um prazo perentório, sujeito à regra geral do n.º 2 do artigo 107.º, e, assim, é no prazo de 10 dias, a contar da advertência e esclarecimento referidos no n.º 4 do artigo 246.º, que o denunciante, por crime dependente de acusação particular, tem de requerer a sua constituição como assistente, sob pena de se extinguir o direito de requerer a sua constituição como assistente.

A inobservância do prazo torna inadmissível que, posteriormente, o denunciante por crime particular venha a requerer a sua constituição como assistente. Uma vez que é afetado de caducidade o direito de o denunciante se constituir assistente. “Extinguiu-se, caducando, o poder de causar quaisquer efeitos jurídicos através do ato que só era possível dentro do prazo.”

[…] Também a preclusão do direito (à constituição como assistente das pessoas de cuja acusação particular depender o procedimento), pelo seu não exercício no prazo legalmente fixado para o efeito, é a consequência comum a todos os outros casos de não exercício de um direito no prazo legal – a extinção do direito. V.g., no caso de o assistente não deduzir acusação, na sequência da notificação que lhe é feita, nos termos do n.º 1 do artigo 285.º, não se podendo ver, aqui, uma consequência menos gravosa do que aquela que resulta da não constituição como assistente, no prazo legal. Num e noutro caso, do que se trata é do arquivamento do procedimento por razões formais.

O artigo 20.º, n.º 1, da Constituição dispõe que “a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos”, o que, como o Tribunal Constitucional tem entendido, implica o reconhecimento da garantia da via judiciária, a qual se estende necessariamente a todos os direitos e interesses legítimos, ou seja, a todas as situações juridicamente protegidas.

É indiscutível a existência de um legítimo interesse específico do ofendido se constituir assistente no processo penal, especialmente no âmbito dos crimes particulares (mas também, no âmbito dos crimes públicos) e que encontra a sua consagração no direito de acesso à justiça, tutelado no artigo 20.º, n.º 1.

Este interesse é juridicamente protegido através do próprio instituto do assistente e do direito à sua constituição e dos diversos poderes de intervenção processual que a lei lhe reconhece.

[…] O n.º 7 do artigo 32.º da Constituição pretende dar legitimação constitucional ao direito do ofendido intervir no processo. Mas limita-se a consagrar, de forma ampla e genérica, o direito de o ofendido intervir no processo penal; diferentemente do que acontece em relação ao arguido, a lei constitucional não especifica as dimensões fundamentais do direito do ofendido intervir no processo, remetendo para a lei (“nos termos da lei”) essa tarefa.

Temos, assim, que o preceito constitucional atribui à lei ordinária a ação modeladora do direito de o ofendido intervir no processo, que passa necessariamente pela legitimidade de o ofendido se constituir assistente e pela definição do seu estatuto processual: delimitação dos direitos, deveres e ónus processuais inerentes.

[…] Neste entendimento, temos por certo que a consideração do prazo do n.º 2 do artigo 68.º como prazo perentório, com a implicada consequência de extinguir o direito de praticar o ato, não privando o ofendido de se constituir assistente nem limitando o exercício desse direito de forma desproporcionada, não comporta qualquer violação do direito constitucionalmente reconhecido ao ofendido pelo n.º 1 do artigo 20º e pelo n.º 7 do artigo 32º da Constituição.

[…] 11. A solução da preclusão do direito de o ofendido se constituir assistente pelo não exercício do direito no prazo fixado no n.º 2 do artigo 68.º, não resolve, todavia, aquela outra questão de saber se, precludido o direito de o ofendido se constituir assistente, pode o ofendido apresentar nova queixa (pelos mesmos factos) e, a partir dela, requerer a sua constituição como assistente, assim gozando, de tantas prazos para a constituição de assistente quantas as queixas que lhe aprouver apresentar.

Uma resposta afirmativa, por vezes sustentada na linha jurisprudencial em que o acórdão fundamento se insere, pressupõe o reconhecimento da figura da “renovação da queixa”.

Ora, como vimos, o regime da queixa é, essencialmente, regulado no Código Penal e, aí, não se contém qualquer norma que permita a “renovação do direito de queixa” já, antes, exercido. Por outro lado, quando o legislador quis consagrar a figura da “renovação da queixa”, fê-lo expressamente. Como é exemplo a Lei n.º 21/2007, de 12 de Junho, que criou o regime da mediação em processo penal. No artigo 5.º, n.º 4, deste diploma, prevê-se, expressamente, a possibilidade de o ofendido, caso o acordo não seja cumprido no prazo fixado, renovar a queixa no prazo de um mês.

Devendo, assim, concluir-se, com Paulo Pinto de Albuquerque, que “o legislador português propositadamente omitiu uma disposição que permitisse a “repropositura da ação penal” pelo mesmo facto, ao invés do artigo 359.º do Progetto Preliminare de 1978, correspondente ao artigo 345.º do CPP Italiano, que prevê a riproponibilitá dell`azzione penale no caso de mancanza di una condizione di procedibilità”.» (fim de citação)

É claro que, como resulta dos fundamentos do AFJ, o prazo do artigo 68º, nº 2, só deve considerar-se perentório e, por isso, precludido o direito de constituição como assistente – caso não seja exercido naquele prazo – se for escrupulosamente cumprido o disposto no artigo 246º, nº 4, do CPP.

Como se decidiu no acórdão da Relação de Évora de 29/5/2012 [3]:

1. O prazo do art. 68.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, está indissociavelmente ligado ao cabal cumprimento do dever de advertência e informação consagrado no art. 246.º, n.º 4, do mesmo diploma.

2. O mesmo art. 246.º, n.º 4, impõe ao Ministério Público o dever de informação do denunciante de crimes particulares, ainda que este esteja patrocinado por advogado e que a denúncia tenha sido feita por escrito e com a menção explícita de que irá constituir-se como assistente.

E, ainda, no acórdão da Relação de Guimarães, de 2/5/2012 (in CJ, T3, 2012, pág.310) [4]:

I. O requerimento para a constituição de assistente, tratando-se de procedimento dependente de acusação particular, tem de ser apresentado no prazo de dez dias, a contar da advertência referida no artº246º, nº4, do CPP.

II. Essa advertência consiste na informação ao denunciante da obrigatoriedade de constituição de assistente e dos procedimentos a observar, e deve ser feita, mesmo que o denunciante já esteja representado por advogado.

III. Se a advertência referida nos artºs 68º, nº2 e 246º, nº4, do CPP, não foi efetuada, não releva para o efeito preclusivo adjetivo, a que alude o AFJ nº1/2011, valendo, para constituição de assistente, o prazo de seis meses previstos no artº115º, n.º 1, do CP.

É certo que, na decisão recorrida, o tribunal a quo invoca e reproduz segmentos do acórdão proferido, em 22/1/2025, por esta secção criminal da Relação do Porto [5] [com o seguinte sumário: «I - Fundando-se o despacho de arquivamento na falta de queixa por parte do ofendido por crime de natureza semi-pública, tal não impede que os mesmos factos possam ser investigados noutro processo de inquérito e que por eles o arguido possa vir a ser acusado, se entretanto o ofendido, tempestivamente, veio a apresentar a respetiva queixa; II - Nessas circunstâncias, não ocorre a violação do princípio ne bis in idem por via do caso decidido, na medida em que, com referência aos seus fundamentos, o despacho de arquivamento assentou em questão de procedibilidade não exaurida ao tempo e entretanto revertida»], pretendendo, com base na jurisprudência aqui firmada, fundamentar a solução dada ao caso concreto e, em particular, justificar a possibilidade de a ofendida apresentar nova queixa pelos factos previamente abrangidos pela queixa apresentada no processo ....

Contudo, e muito embora concordemos com o referido aresto e, em particular, com a solução encontrada para resolver o caso concreto que lhe estava subjacente, os pressupostos materiais nos quais assentou esta decisão nenhuma similitude apresentam com a situação que agora nos ocupa.

Na verdade, ali estava em causa um despacho de arquivamento com base na falta de queixa por parte do ofendido por crime de natureza semi-pública - questão de procedibilidade, entretanto, suprida pelo ofendido mediante a apresentação tempestiva de uma nova queixa, legitimando, assim, a possibilidade de investigação dos mesmos factos noutro processo de inquérito.

Ou seja, no caso tratado por este TRP, no acórdão datado de 22/1/2025, o prazo de caducidade (e, por isso, perentório) para apresentação de queixa ainda não se mostrava esgotado, razão pela qual o ofendido ainda estava em tempo de apresentar nova queixa pelos mesmos factos [6], iniciando-se um novo processo de inquérito.

Diversamente, no presente caso, o prazo perentório para constituição de assistente decorreu na totalidade, precludindo a possibilidade de a ofendida, em novo processo de inquérito, apresentar nova queixa pelos mesmos factos e requerer a sua (obrigatória) constituição como assistente [7], como decorre da jurisprudência firmada com o AFJ n.º 1/2011.

Este impedimento só se verifica, porém, relativamente aos factos que constituíam objeto do processo de inquérito ..., que culminou com um despacho de arquivamento por falta de observância da obrigatoriedade de constituição de assistente, no prazo legal [8]- sendo este, como vimos, perentório e, assim, preclusivo daquele direito -, nada obstando a que a ofendida pudesse apresentar queixa por factos supervenientes ou ali não abrangidos, desde que ainda estivesse em tempo (cf. o artigo 115.º, n.º 1, do Código Penal), dando, assim, origem a um novo procedimento.

Na verdade, e como é assinalado no acórdão deste TRP de 22/1/2025, o caso decidido subordinou-se àqueles – e só àqueles - concretos fundamentos para arquivar.

Isto porque, como explica Miguel Teixeira de Sousa, citado no referido aresto, «Como toda a decisão é a conclusão de certos pressupostos (de facto e de direito), o respetivo caso julgado encontra-se sempre referenciado a certos fundamentos. Assim, reconhecer que a decisão está abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha, com esse valor, por si mesma e independentemente dos respetivos fundamentos. Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: O caso julgado incide sobre decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão» (in ESTUDOS SOBRE O NOVO PROCESSO CIVIL, 2.ª edição, Lex, Lisboa 1997, págs. 578 e 579).

Regressando ao caso concreto, concluímos, então, que estando a ofendida impedida de iniciar novo procedimento com a apresentação de outra queixa pelos factos abrangidos no inquérito n.º ..., por ter decorrido, quanto a eles, o prazo perentório de dez dias para constituição de assistente [sendo certo que, ainda que assim não fosse, nessa altura já havia decorrido, quanto à generalidade daqueles factos, o prazo de caducidade previsto no art.º 115.º do CP para apresentação de nova queixa [9], pois, sendo esta datada de 19 de julho de 2022, aqueles reportam-se, na sua maioria, aos anos de 2019 e de 2020, localizando-se outros no ano de 2021 [10]], o tribunal a quo apenas poderia ter considerado, de entre todos os que constam da acusação particular deduzida nestes autos, aqueles que veio a considerar provados incluídos nos pontos 26) a 32) [11] da sentença recorrida.

Na procedência parcial deste fundamento do recurso, importa analisar as demais questões suscitas pela recorrente que não se mostrem prejudicadas.


*

II - Análise da descrição fáctica contida na decisão recorrida e respetiva compatibilidade com o direito de defesa da recorrente.

Invoca a recorrente que a acusação, na parte em que enuncia factos genéricos ou conclusivos é nula, argumentando que se verifica uma «nulidade insanável, invocável a todo o tempo e suscetível de conhecimento oficioso pelo Tribunal, pelo que deverá ser declarada a nulidade parcial da acusação nessa parte e, em consequência, serem desconsiderados tais factos na decisão».

Concretizando, observa que «Os pontos nºs 1, 5, 7, 8, da matéria de facto provada, por consubstanciarem imputações genéricas ou conclusivas violam o direito do contraditório, enquanto parte integrante do direito de defesa do arguido constitucionalmente consagrado», o mesmo sucedendo com os pontos 9, 11, 12, 14 e 17 da matéria de facto provada, por não estarem «minimamente circunstanciados quanto ao tempo e modo».

Os descritos factos são do seguinte teor:

1) Desde a data do início da relação amorosa com o Sr. DD, em 2018, a Ofendida tem sido vítima da arguida, ex-cônjuge daquele, de injúrias e afirmações difamatórias que esta lhe dirige, reiteradamente, até agora.

5) Na verdade, a desistência de queixa levou à exacerbação da gravidade dos ilícitos praticados pela Arguida.

7) Porém, o arquivamento do processo n.° ..., à semelhança do que já havia ocorrido aquando do arquivamento do processo n.° ..., levou à intensificação dos ilícitos praticados pela Arguida contra a honra, consideração e bom nome da Assistente, conforme se descreverá infra.

8) Com efeito, a Arguida elege como meio de comunicação com a Assistente, as redes sociais, onde escreve afirmações difamatórias e injuriosas, assim como faz comentários escritos depreciativos e ofensivos, em publicações da Assistente ou publicações de terceiros que esta comentou.

9) De facto, nessas comunicações, a arguida frequentemente insulta a Assistente com os seguintes epítetos: "vaca", "cangalho", "puta", "burra", "lerda", "merda", "ladra", "porca" e "vai enfiar no cu".

11) Efetivamente, ao longo dos meses de fevereiro, março e abril de 2019, a Arguida, através dos perfis do Facebook denominados "EE","FF", "GG", "HH" enviou múltiplas mensagens injuriosas e ameaçadores à Assistente, nos seguintes termos: "Fixa bem a minha carinha” "É cangalhinha bloqueia lá. És mesmo cangalho. Sabes que estás sobre a minha visão;? Nada te serve. Fode a vontade. Não te aproximes mais dos meus filhos. Mesmo. Fica lá com a minha afilhada e tira as"; "Atende cangalho";

- "Ora toma mais uma e vai enfiar no cu de quem não conheces, nem vais conhecer."; "Se gostas de enfiar no cu. Olha vou te contar apenas um segredo...Prepara o cu pois ele também gosta de enfiar ... Espero que gostes..."; "Tens medo de atender!? Não faço mal nem a uma mosca. Só a merda pior que moscas....";"Puta, vaca. Ainda não percebeste!)? És assim tão lerda! ? A sério!?"; "Faltante os tomates que uma mulher madura e mãe tem...Acredita que eu tenho...Lerda ";

- "Cangalhinho...Cangahinho...Vias mesmo querer bater de frente,!? Não irás fugir se o fizeres. Outro aviso....";

-"Vê lá os comentários no Instagram da tua irmã cangalho...É cangalhos a tua irmã tem dois....É cangalhinha...";

- "Se voltares a parar a minha porta depenote como as galinhas. Afaste de mim e dos meus filhos. Não volto a avisar...Cangalho"; "Olá vaca. Tudo bem, contigo e as restantes vacas!) E os bois!! Hum.,";

- Olá. Boa noite vaca...Avisei..Na próxima não há aviso...Estarei a porta. Com um pau para te enfiar nesse cu, que já experimentaste. Vai te Saber pela vida...Sim o meu filho está de férias e daí!? Em Évora, Alentejo os professores, não estão!? Ou simplesmente são mesmo ignorantes,.!? É cangalho, nem Sabia que havia vacas professoras.....".

12) Conforme resulta do teor dos insultos supra indicados, a Arguida, elege como forma principal de diminuir a autoestima da Assistente, apelidá-la de "cangalho", o que faz de forma sucessiva e reiterada, desde 2018 até ao momento presente, com o propósito firmado desde aquela data de ofender a sua honra e bom nome.

14) Para além de ferir a Assistente através do uso de palavras escritas, a Arguida envia também à Assistente, imagens de uma vaca e de um burro a acompanhar as mensagens.

17) Antes que a Assistente conseguisse bloquear os aludidos perfis, e com o objetivo de continuar a ofender ainda mais fortemente a honra, consideração, reputação, bom nome e dignidade desta, a Arguida procedeu à publicação de comentários a publicações no mural do perfil de Facebook da Assistente, nos seguintes termos: "a sério vaca vlha!(Ficq com as vacas do Alentejo. É o melhor para ti."; e tu vaca velha ...Puchas onde ! Vaca velha....';

- "Também te achas cangalho BB cangalhinho!? A serio!? Vai tirar as tuas teias e deixa os filhos dos outros.... Os meus...Não sabes de merda nenhuma, também não interessa, mas podes ter certeza. Não irás nunca te meter com os meus filhos. Podes ficar com o meu ex marido...Boa sorte. Mais nada...Mesmo....Estou a dar um concelho.... Dúvidas!? Liga me...Eu esclareço. Sem dúvida...".

Dispõe o art.º 283.º n.º 3, alínea b), do CPP que a acusação contém, sob pena de nulidade, a narração, ainda que sintética dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo, a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada.

Na discussão desta questão, a jurisprudência tem sentido, com preocupação, a importância do contraditório, sustentando, por exemplo, este TRP, no acórdão datado de 30/9/2015 (in www.dgsi.pt) que “As imputações genéricas sem indicação precisa do tempo, lugar e circunstancialismo em que ocorreram, inviabilizam um efetivo direito de defesa devem considerar-se não escritas”.

Com efeito, desde há muito o STJ tem entendido que, devendo os factos imputados ser claros e precisos, não podem ser utilizados/imputados na acusação (e, consequentemente, na sentença) conceitos vagos e imprecisos, genéricos e conclusivos, porquanto isso não apenas impede um eficaz exercício do direito de defesa, como impede o exercício do contraditório ínsito naquele [12].

O facto genérico é um “não-facto”, excluído, por isso, da apreciação dos tribunais, não devendo constar do elenco dos factos provados e não provados. Nesta problemática, só são suscetíveis de imputação processual, com aptidão para serem judicialmente apreciados, factos que possam ser discutidos com respeito pelos princípios do contraditório e da legalidade.

No presente caso, afigura-se-nos que a descrição contida nos pontos 1, 5, 7, 8, 9, 12 e 14 não integra exatamente a enunciação de «factos», com o objetivo de constituírem objeto de prova e suscetíveis de, por si só, serem imputados à arguida, servindo unicamente para contextualizar o seu comportamento, segundo a acusação particular, repetido e prolongado no tempo.

De qualquer modo, tal narrativa, para além de se apresentar vaga, genérica e, portanto, destituída da necessária concretização espácio-temporal, nenhuma correlação denota com os factos constantes dos pontos 26) e seguintes da sentença recorrida (os únicos que se revelam, em abstrato, aptos para enquadrar o comportamento jurídico-penal imputado à arguida/recorrente, por não estarem abrangidos pelo efeito preclusivo decorrente da inobservância do prazo perentório para constituição de assistente, como já tivemos oportunidade de assinalar). Assim, e sem prejuízo dos elementos fácticos de natureza objetiva ali descritos (concretamente, o início da relação amorosa da assistente com DD, em 2018, e a circunstância de a arguida/recorrente ser ex-cônjuge daquele), a restante matéria terá de ficar excluída da consideração deste tribunal de recurso.

Já a descrição factual contida no ponto 11 apresenta-se com adequada concretização, diversamente do que refere a recorrente. Simplesmente, revela-se neste momento inócua, por se reportar a acontecimentos abrangidos pelo inquérito n.º ..., ocorridos no ano de 2019 e, por isso, necessariamente excluídos do universo cognoscitivo do tribunal.

Do mesmo modo, os factos descritos no ponto 17 reportam-se a ocorrências abrangidas pelo mesmo inquérito criminal, entretanto arquivado pelos motivos indicados, pelo que nenhum relevo neste momento apresentam, ficando, nessa medida, a questão prejudicada.

Com este enquadramento, procede o presente fundamento do recurso.


*

III – Impugnação da matéria de facto.

Insurge-se a recorrente quanto à decisão tomada pelo tribunal de primeira instância relativamente a parte da factualidade contida no elenco da matéria de facto provada (concretamente, a constante dos pontos 26 a 44), que considera erradamente julgada.

Vejamos.

A matéria de facto pode ser questionada por duas vias, a saber:

- no âmbito restrito, mediante a arguição dos vícios decisórios previstos no art.º 410.º, n.º 2, do Código Processo Penal, cuja indagação tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo, por isso, admissível o recurso a elementos àquela estranhos para a fundamentar, ainda que se trate de elementos existentes nos autos e até mesmo provenientes do próprio julgamento;

- mediante a impugnação ampla a que se reporta o art.º 412.º, nº 3, 4 e 6, do Código Processo Penal, caso em que a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência.

No presente caso, a discordância da recorrente relativamente à decisão do tribunal a quo quanto a diversos segmentos da matéria de facto provada pretende assentar nesta segunda modalidade de impugnação.

Ora, pretendendo impugnar amplamente a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas (cf. o art.º 412.º, nº 3, do CPP).

Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação, pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (n.ºs 4 e 6 do artigo 412.º do Código de Processo Penal) [13].

Tais imposições legais fundam-se na necessidade da delimitação objetiva do recurso da matéria de facto, na medida em que o recurso deste tipo não se destina a um novo julgamento com reapreciação de toda a prova, como se o julgamento efetuado na primeira instância não tivesse existido, sendo antes o recurso da matéria de facto concebido pela lei como remédio jurídico (cf. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 7.ª edição, atualizada e aumentada, 2008, pág. 105). E só a sua observância permite que o tribunal de recurso se pronuncie sobre o objeto que foi verdadeiramente escolhido pelo recorrente [14].

Cumpria, assim, à recorrente especificar, não só os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também as concretas provas que, na sua perspetiva, impõem decisão diversa da recorrida quanto a esses específicos pontos de facto e, tendo a prova sido gravada, as concretas passagens em que se funda a impugnação - tudo nos termos do art.º 412.º, n.ºs 3 e 4 do C. P. Penal -, o que não fez por referência à totalidade da matéria factual expressamente impugnada.

Na verdade, o ónus de especificação deve ser observado relativamente a cada um dos factos impugnados, e não «por atacado», impondo-se ao recorrente relacionar e fazer a necessária correspondência do conteúdo específico do meio de prova que, segundo ele, impõe decisão diversa da recorrida com o facto individualizado que considera incorretamente julgado [15].

Analisada a motivação e conclusões do recurso, e reportando-nos unicamente à factualidade subsistente para análise e apreciação (a constante dos pontos 26 e seguintes), é manifesto que a recorrente apenas observou de forma minimamente adequada o ónus de impugnação especificada quanto aos pontos 27 e 28, não indicando, relativamente aos demais, as concretas provas que, em sua opinião, impõem decisão diversa da recorrida, por referência ao consignado na ata ou mediante a indicação das concretas passagens em que se funda a impugnação – não explicitando também, consequentemente, por que razão se impunha decisão diversa da recorrida e qual o sentido em que devia ter sido proferida decisão -, nos termos legalmente exigidos (art.º 412.º, n.º 3, alíneas a) e b), do CPP).

Na verdade, a recorrente ou omite totalmente aquelas indicações legalmente impostas ou limita-se a formular considerações genéricas sobre a prova produzida, não expondo qualquer raciocínio que conexione os meios de prova genericamente apresentados como sendo aqueles que, na sua opinião, impõem decisão diversa da recorrida com um qualquer dos diferentes factos provados antes aglutinados.

A inobservância do ónus de impugnação especificada preclude a possibilidade de sindicar a matéria de facto sob a perspetiva da impugnação ampla a que se reporta o art.º 412.º, nº 3, 4 e 6, do Código Processo Penal. [16]

Deste modo, limitando-se a recorrente a divergir da valoração da prova efetuada pelo tribunal, sem que, de modo algum, se possa concluir, a partir da simples leitura da decisão recorrida, que a perspetiva do tribunal sobre a prova carece de fundamento, mostrando-se arbitrária, irracional, ilógica ou notoriamente violadora do valor de prova vinculada ou das regras da experiência comum [17], importa considerar definitivamente assente a factualidade impugnada constante dos pontos 26) e 29) a 44).

Analisemos, agora, os factos constantes dos pontos 27) e 28), tendo estes segmentos sido adequadamente impugnados pela recorrente. São do seguinte teor:

27) Mais, no dia 19 de abril de 2022, a Arguida telefonou para o local de trabalho da irmã da Assistente — CC e OO —, a perguntar se a Assistente lá se encontrava, tendo-a apelidado de "filha da puta".

28) Quem atendeu a referida chamada telefónica foi a rececionista do hospital veterinário onde a irmã e o cunhado da Assistente trabalham, que transmitiu àqueles que "ligou para aqui a ex mulher do companheiro da sua irmã, a perguntar por ela e a dizer que ela era uma filha da puta".

A recorrente indica segmentos do depoimento da testemunha CC para fundamentar a sua discordância relativamente a esta parte da decisão recorrida, invocando que deste depoimento decorre que o descrito insulto foi proferido perante terceira pessoa e posteriormente transmitido à testemunha, consubstanciando, assim, nesta parte, depoimento indireto que não podia ser valorado pelo tribunal.

A audição do depoimento prestado pela testemunha (a que procedemos integralmente através do citius media studio) revela que, efetivamente, foi por esta declarado ter sido num contacto telefónico mantido com uma colega de trabalho da testemunha que a mencionada expressão foi proferida e, de seguida, transmitida à testemunha, determinando que o tribunal a quo fizesse constar da sentença recorrida que «Quem atendeu a referida chamada telefónica foi a rececionista do hospital veterinário onde a irmã e o cunhado da Assistente trabalham, que transmitiu àqueles que "ligou para aqui a ex mulher do companheiro da sua irmã, a perguntar por ela e a dizer que ela era uma filha da puta".

Não se evidenciando da prova indicada ou de qualquer outra com ela relacionada, atendida pelo tribunal de primeira instância, que a referida expressão injuriosa foi diretamente ouvida pela testemunha, o seu depoimento configura, nesta parte, um depoimento indireto, apenas passível de ser valorado mediante observância do formalismo contido no artigo 129.º do CPP.

Na verdade, esta norma estipula, no n.º 1, que «Se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o juiz pode chamar estas a depor. Se o não fizer, o depoimento produzido não pode, naquela parte, servir como meio de prova, salvo se a inquirição das pessoas indicadas não for possível por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas», acrescentando o legislador, no n.º 3, «Não pode, em caso algum, servir como meio de prova o depoimento de quem recusar ou não estiver em condições de indicar a pessoa ou a fonte através das quais tomou conhecimento dos factos».

Como se observa no acórdão do TRL de 11/10/2006 [18], o atual Código de Processo Penal, no seu artigo 129º, n.º 1, não estabelece qualquer proibição de produção dos depoimentos indiretos. Porém, prevê a proibição da sua valoração, na parte em que como tal devam ser qualificados, se o juiz não chamar a depor as pessoas indicadas pela testemunha como sendo a fonte originária do conhecimento por ela transmitido ao tribunal. Só assim não será se a inquirição dessas pessoas «não for possível por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas».

Nada indica que o tribunal chamou a aludida colega de trabalho para depor na qualidade de testemunha. Deste modo, apoiando-se a convicção do tribunal, ao que tudo indica, exclusivamente no depoimento da testemunha CC, quanto ao referido segmento da matéria de facto, e devendo este, nesta parte, ser considerado indireto e, por esse motivo, insuscetível de valoração, impõe-se considerar como não provados os factos constantes dos pontos 27) e 28), procedendo, assim, parcialmente o presente fundamento do recurso.


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IV – Verificação dos elementos objetivos do tipo de ilícito.

Considera a recorrente que as palavras contidas no comentário a que alude o ponto 29) da matéria de facto provada não são suscetíveis de atingir o núcleo essencial das qualidades inerentes à dignidade da pessoa humana, não se justificando, consequentemente, a tutela jurídico-penal.

É de notar, porém, que o núcleo fáctico a tomar em consideração não se reduz aos factos contidos no ponto 29) da matéria de facto provada, compreendendo, ainda, o acontecimento descrito no ponto 26). Em todo o caso, tal conjunto de factos encontra-se substancialmente limitado por comparação com aquele que foi analisado e valorado pelo tribunal a quo (e que abrangia acontecimentos ocorridos ao longo de anos, desde 2019 até 6/2/2021 – cf. os pontos 11) a 24), pelo que importa realmente analisar se as expressões dirigidas pela arguida à assistente, ali descritas, são objetivamente desvaliosas da sua honra e consideração pessoal, integrando a tipicidade do crime de injúria por que a arguida foi condenada.

Dispõe o n.º 1 do art.º 181º do Código Penal que: “1 - Quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra ou consideração, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias».

Além disso, a lei penal estabelece uma agravação se a ofensa for praticada através de meios ou em circunstâncias que facilitem a sua divulgação, caso em que as penas da difamação ou da injúria são elevadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo (cf. o art.º 183.º, n.º 1, a), do CP).

Como observa o tribunal na sentença recorrida, a honra está ligada à imagem que cada um tem de si próprio, construída interiormente, mas também a partir de reflexões exteriores, repercutindo-se no apego a valores de probidade e honestidade; a reputação (e também a boa fama) representa a visão exterior sobre a dignidade de cada um, ao apreço social, o bom-nome de que cada um goza no círculo das suas relações.

A doutrina dominante no nosso ordenamento jurídico, acerca do conceito de honra, tempera a conceção normativa com uma dimensão fáctica (conceção dual): "a honra é vista como um bem jurídico complexo que inclui quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior”.

Na lição do Prof. Beleza dos Santos, a honra refere-se ao apreço de cada um por si, à autoavaliação no sentido de não ter um valor negativo, particularmente do ponto de vista moral. A consideração, ao juízo que forma ou pode formar o público no sentido de considerar alguém um bom elemento social, ou ao menos, de o não julgar um valor negativo (cf. “Algumas considerações jurídicas sobre crimes de difamação e de injúria”, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 92.º, pág. 166).

Vale por dizer que o bem jurídico - honra - traduz uma presunção de respeito, que decorre da dignidade moral da pessoa, sendo o seu conteúdo preenchido, basicamente, pela pretensão de cada um ao reconhecimento da sua dignidade por parte dos outros. Está em causa, mais do que tudo, a pretensão de se não ser vilipendiado ou depreciado no seu valor aos olhos da comunidade.

Contudo, não se pode aferir a potencialidade ofensiva da honra de determinadas expressões ou imputações a partir da mera suscetibilidade pessoal. Constitui entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência que nem todo o comportamento incorreto de um indivíduo merece tutela penal, devendo destrinçar-se as situações que traduzem, de facto, uma ofensa da honra de terceiros com dignidade penal, daquelas suscetíveis de revelar tão só indelicadeza, grosseria ou uma má educação do agente, sem repercussão relevante na esfera da dignidade ou do bom nome do visado. [19]

De facto, não se pode pretender que as conversas discordantes tenham todas um discurso sereno, com adjetivação civilizada e detentoras de uma argumentação racional. Importa ter em consideração que, por vezes, é normal algum grau de conflitualidade e animosidade entre os membros de uma comunidade, surgindo situações em que alguns deles se podem até expressar, ao nível da linguagem, de forma deselegante ou indelicada.[20] Apenas há um limite: não pode ser atingida a honra do visado – um bem jurídico complexo que inclui, quer o valor pessoal de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior.

Por isso, o direito não pode intervir sempre que a linguagem ou afirmações utilizadas incomodam o visado, devendo a sua intervenção reservar-se para as situações em que é atingido o núcleo essencial das qualidades morais inerentes à dignidade da pessoa, para que tenha apreço por si própria e não se sinta desprezada pelos outros.

Em conclusão, se a injúria anda associada à noção de insulto e de ultraje, nem todos os insultos ou palavras depreciativas são suscetíveis de integrar o crime de injúria, já que este não se confunde com a falta de polidez ou grosseria. Uma conduta pode ser censurável em termos éticos, profissionais ou outros e não ser censurável em termos penais, pois que não integra a tipicidade de qualquer crime, designadamente o crime contra a honra aqui em questão. Por outro lado, tem de reconhecer-se a relatividade que envolve a ação típica, já que a ilicitude pressuposta nos atos típicos dos crimes de injúria/difamação (nos atos que ofendem a honra ou a consideração alheias) não dispensa a análise do circunstancialismo em que os factos foram praticados. Ou seja, a ilicitude não pode ser avaliada fora do contexto em que as ofensas (da honra ou da consideração) se verificaram.

Com efeito, nos crimes contra a honra importa considerar, não só as expressões em si mesmas ou o seu significado, mas todas as circunstâncias envolventes, designadamente, a comunidade mais ou menos restrita a que pertencem os intervenientes, a relação existente entre estes, o contexto e a forma em que ocorre a imputação de factos ou a formulação de juízos de valor. Sem esquecer que o caráter fragmentário do direito penal determina que a sua intervenção, neste âmbito, deva reservar-se para as situações em que é atingido o núcleo essencial das qualidades morais inerentes à dignidade da pessoa humana.

De facto, se unanimemente vem sendo entendido que nem todo o facto que envergonha, perturba ou humilha é necessariamente injurioso ou difamatório, "tudo dependendo da «intensidade» da ofensa ou perigo de ofensa" - cf. Oliveira Mendes, in «O Direito à Honra e a Sua Tutela Penal», pág. 37 –, mais relevantemente cumpre considerar a natureza subsidiária do direito penal, decorrente do princípio da necessidade enquanto matriz orientadora em matéria de direitos fundamentais, e erigida a princípio jurídico-constitucional, com assento no preceito geral contido no art.º 18°, nº 2 da Lei Fundamental.

No caso em concreto, não temos dúvidas de que as palavras dirigidas pela arguida à assistente [«filha da puta» e «vaca»] e os comentários contidos na publicação efetuada no “Facebook” [«E tu aguentas?! Ser chupada?! Deves ter mesmo necessidade … De homem …enfim… Pessoas com estudos… Pior de mentalidade…»], possuem um carácter manifestamente ofensivo, pejorativo, humilhante e atentatório da honra e consideração pessoal da ofendida, revelando-se desnecessários para o exercício de um qualquer direito, designadamente o de realizar qualquer interesse legítimo, ou de informação, ou de crítica, integrando, assim, tais expressões, como bem assinala o tribunal a quo, as restrições elencadas no art.º 10.º, n.º 2 da CEDH, ao extravasarem largamente aquilo que se entende por liberdade de expressão.

Nesta matéria, acompanhamos totalmente a posição da assistente quando, na resposta ao recurso, observa: «[…] ao proferir as expressões em apreço, a Arguida exprimiu um juízo negativo sobre a Assistente, porquanto, a expressão “ser chupada” e a insinuação “deves ter necessidade… de homem” sexualizam de forma crua e vexatória a assistente […]. Tal atinge diretamente a sua dignidade, honra e reputação, não sendo uma mera atitude desrespeitosa. O remate “Pessoas com estudos… Pior de mentalidade” contém uma desvalorização moral e intelectual, com evidente potencial de descrédito social e reflexo na imagem profissional (tanto mais sendo a assistente professora, como resulta de outros pontos provados). Não é “crítica” a condutas específicas, tratando-se de desqualificação do caráter e idoneidade da Assistente. Ademais, o contexto comunicacional das aludidas expressões é revelador do propósito de humilhar: o comentário com as expressões indicadas é feito numa publicação da Assistente num grupo privado de partilha de cães de raça, num espaço em que a assistente se expunha em convívio social. A intrusão da Arguida — que “não pertencia nem foi convidada a pertencer” ao grupo (ponto 30) — demonstra intenção de hostilizar e vexar.

Nestes termos, para um destinatário médio, situado neste contexto, as expressões têm aptidão lesiva clara da honra. Não estamos perante “deselegância” socialmente tolerável, mas sim perante humilhação e desqualificação moral/profissional, matéria com dignidade penal, integrando a tipicidade objetiva do crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181º, n.º 1, do Código Penal».

Deste modo, e considerando ainda que a restante matéria de facto provada e que permaneceu inalterada integra os elementos subjetivos do tipo de ilícito (isto é, o dolo) e respetivo tipo de culpa (cf. os pontos 36 e 37), concluímos pela verificação do crime de injúria agravado por que a arguida/recorrente foi condenada, improcedendo, por conseguinte, o presente fundamento do recurso.


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V – Consequências jurídicas do crime.

a. Medida da pena de multa.

b. Quantum indemnizatório.

Discorda a arguida/recorrente da dosimetria da pena de multa (que o tribunal a quo fixou em 235 dias) e do quantum indemnizatório arbitrado para compensar a assistente/demandante dos danos não patrimoniais causados (no valor de € 2.000,00), reputando-os de desproporcionados e excessivos.

Comecemos por analisar a dosimetria da pena de multa, sendo certo que quer esta, quer o quantum indemnizatório deverão ser avaliados em função do núcleo fáctico substancialmente reduzido resultante da procedência parcial deste recurso [21], porque limitado aos comportamentos elencados nos pontos 26) e 29) e factualidade relacionada com a aqui retratada (ou seja, os pontos 30) a 37) e 38) a 44), esta última com as devidas adaptações [22]).

Como é sabido, a pena visa finalidades exclusivamente preventivas (de prevenção geral e especial), constituindo a culpa pressuposto e limite inultrapassável da pena [23].[24]

Através das exigências de prevenção dá-se satisfação à necessidade comunitária de reafirmação da confiança geral na validade da norma violada, bem como ao objetivo de reinserção social do delinquente e, por esta via, à realização dos fins das penas no caso concreto (art.º 40º, nº 1 do C. Penal).

A consideração da culpa do agente, liga-se à vertente pessoal do crime e decorre do incondicional respeito pela dignidade da pessoa humana - a culpa é entendida como um "princípio liberal, limitador do poder punitivo do Estado" (na expressão de Claus Roxin), e estabelece um limite inultrapassável às exigências de prevenção (art.º 40º, nº 2 do C. Penal).

O parâmetro primordial do «modelo» de determinação da pena judicial é primariamente fornecido pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos violados estabelecendo, in concreto, o limiar mínimo abaixo do qual se perde aquela função tutelar ou, noutra expressão, o limite a partir do qual a pena não satisfaz a necessidade de reafirmação estabilizadora das normas.

Parâmetro co-determinante do modelo de determinação da medida da pena judicial é também a culpa na execução do factoC:\Users\m.sofia.trindade_st\AppData\Local\Microsoft\Windows\Temporary Internet Files\Content.Outlook\QTP9OOH2\Proj Proc 13_17 3SWLSB L1 S1.docx - _ftn36, estabelecendo o limiar máximo acima do qual a pena aplicada é excessiva, subalternizando a dignidade pessoal do agente à «paz» comunitária.

Entre aquele limiar mínimo e este limiar máximo, o modelo de determinação da medida da pena completa-se com a finalidade de reintegração do agente na sociedade, ou finalidade de prevenção especial de socialização [25].

Necessidade, proibição do excesso ou proporcionalidade e adequação são os princípios orientadores que devem presidir à determinação da pena.

Relevantes para a determinação da medida concreta da pena são os fatores elencados no art.º 71.º do Código Penal e que, fundamentalmente, se relacionam quer com o facto típico praticado, quer com a personalidade do agente neles documentada, podendo tais fatores ser valorados, simultaneamente, por via da culpa e da prevenção [26].

Assim, o nº 2 do artigo 71º do Código Penal, manda atender, no caso concreto, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido, nomeadamente: “o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; a intensidade do dolo ou da negligência; os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; as condições pessoais do agente e a sua situação económica; a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena”.

As circunstâncias e critérios do art.º 71.º do CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afetação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objetivas para apreciar e avaliar a culpa do agente [27].

Finalmente, importa, quanto a esta matéria, ter presente que o recurso reveste-se das características e função de remédio jurídico. Como é assinalado no acórdão proferido por este Tribunal da Relação, datado de 2/6/2010 [28], “No recurso dirigido à reação penal aplicada, a pretensão recursiva incidirá sobre os seus critérios fundamentais (culpa, prevenção especial ou geral) no propósito de comprovar seja a inadequação quanto à escolha, seja um desajustamento relevante no quantum fixado. Observados que se mostrem os critérios de dosimetria concreta da pena, sobra uma margem de atuação do julgador dificilmente sindicável.”

A propósito da questão da determinação da medida concreta da pena de multa, o tribunal a quo fez constar da sentença recorrida o seguinte (segue transcrição parcial):

«Ao crime de injúria agravada, p. e p. pelos art. 181º e 183 nº 1, alínea a), ambos do Código Penal, pelo qual foi a arguida condenada, corresponde moldura penal abstrata de pena de prisão até 4 meses ou uma pena de multa entre 13 e 160 dias.

Ora, a aplicação de qualquer pena visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, sendo certo que em caso algum a pena poderá ultrapassar a medida da culpa (artigo 40º do Código Penal), devendo o juiz na operação de determinação da medida da pena, conduzir-se por duas ideias fundamentais: a culpa e a prevenção, quer geral, quer especial.

Em sede de finalidade da aplicação das penas e natural critério concretizador das respetivas medidas, perfilha-se a orientação expendida por Figueiredo Dias (“As consequências jurídicas do crime”, págs 227 a 231), que, em síntese, confere à culpa o papel limitativo do máximo de pena e às finalidades de prevenção o papel preponderante na determinação da medida concreta da pena, sendo as exigências de ressocialização do delinquente os fatores decisivos, em último termo, da medida concreta da pena a aplicar, na certeza de que toda a pena serve exclusivamente finalidades de prevenção geral e especial.

[…]

Na determinação da medida da pena deve o Tribunal tomar em conta, como diretrizes fundamentais, conforme imposição legal do nº 1 do artigo 71º do Código Penal, a culpa do agente e as exigências de prevenção, mas sempre com observância plena do princípio da proibição da dupla valoração, devendo ainda tomar em consideração, entre outros, os diversos fatores enunciados no nº 2 da norma acabada de enunciar.

Ou seja, escolhido o tipo de pena – não detentiva da liberdade -, importa agora fixar os fatores que influem no seu doseamento, atentas as circunstâncias enunciadas no nº 2 do artigo 71º do Código Penal.

Nesse sentido, defronte das medianas exigências ao nível da prevenção geral ou comunitária, desfavoravelmente contra a arguida impõe-se considerar:

- a sua atuação com dolo direto, que é o mais elevado grau de censura jurídico-penal;

- a elevada intensidade do grau de ilicitude da sua conduta, acentuada tendo em conta a gravidade das imputações efetuadas bem como a gravidade das suas consequências, destacando-se que é particularmente impressiva a forma de atuação da arguida, que depois de ver frustradas as suas tentativas de um confronto verbal pessoal envia as identificadas mensagens a esta pelo Facebook e coloca os comentários na “internet”, onde diversas pessoas os poderão ler, permanecendo os mesmos muito depois de serem publicados.

- as necessidades de prevenção geral que o caso reveste, atendendo à reiteração com que este tipo de condutas ocorre, a completa ausência de um juízo crítico sobre o comportamento criminoso, não denotando a arguida qualquer arrependimento, o que agrava as necessidades de prevenção especial.

- a motivação da arguida, nos moldes acima referidos, ou seja, uma separação do seu ex-companheiro mal resolvida associada a ciúmes da relação deste com assistente e desta com os seus filhos.

- o modo de execução dos factos e o grau de violação dos deveres que lhe eram impostos, denotando um comportamento incorreto perante as normas de vivência comunitária;

Favoravelmente importa salientar que:

- a inserção social, profissional e familiar da arguida.

- a ausência de antecedentes criminais.

Assim sendo, num juízo de ponderação global, salvaguardando as finalidades da punição que ainda se mostram asseguradas por uma pena não privativa da liberdade, será adequado e proporcional aplicar à arguida a pena de 135 (cento e trinta e cinco) dias de multa» [fim de citação].

Analisada a sentença condenatória, verificamos que todos os aludidos fatores foram atendidos, sendo certo que o tribunal ponderou o grau de ilicitude dos factos praticados pela recorrente, bem como a intensidade do dolo; referenciou as necessidades de prevenção especial e teve em conta as necessidades de prevenção geral, refletidas na danosidade social inerente ao ilícito em causa e na necessidade de preservar a paz social – tudo com observância do disposto nos artigos 40º, 70º e 71º, do C. Penal.

Mesmo considerando o conjunto de factos substancialmente mais limitado com que agora nos confrontamos, temos de reconhecer que o grau de culpa e de ilicitude permanece acentuado, considerando a específica motivação da arguida, a reiteração do seu comportamento e o modo de execução dos factos. Além disso, as necessidades de prevenção especial são elevadas pois, muito embora não apresente antecedentes criminais, a atitude persistente e persecutória (diríamos, até, obsessiva) da arguida em relação à assistente, associada ao transtorno psiquiátrico de que padece (estado psicológico associado a um quadro depressivo, aparentemente iniciado com a rutura conjugal e inerente sofrimento emocional, que se foi agudizando, encontrando-se em acompanhamento na especialidade de psicologia e psiquiatria no Hospital ... – cf. ponto 55), potencia o risco de repetição de comportamentos análogos no futuro.

Ora, a função preventiva das penas exige um sacrifício real para o condenado, visando a interiorização do agente em relação ao juízo de censura imanente à conduta delituosa, assim se apaziguando o sentimento de necessidade de realização contrafática da validade das normas [29].

Como assinala o STJ, no acórdão datado de 1/4/1998, «Não se deve esquecer que as expectativas da comunidade ficam goradas, a confiança na validade das normas esvair-se-ia, o elemento dissuasor não passa de uma miragem, quando a medida da pena não possui o vigor adequado à proteção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade, respeitando o limite da culpa. Se uma pena de medida superior à culpa é injusta, uma pena insuficiente para satisfazer os fins da prevenção constitui um desperdício».

Também Figueiredo Dias, referindo-se especificamente á espécie de pena que nos ocupa, considera indispensável que “a aplicação da pena de multa represente, em cada caso, uma censura suficiente do facto e, simultaneamente, uma garantia para a comunidade da validade e vigência da norma violada… com a clara consciência tanto para o legislador, como para o juiz, de que o único limite inultrapassável é constituído, em nome da preservação da dignidade da pessoa, pelo asseguramento ao condenado do nível existencial mínimo adequado às suas condições sócio-económicas” [30].

Deste modo, e tudo ponderado, julgamos que a pena de 100 dias de multa ajusta-se à ilicitude do comportamento da arguida e às elevadas exigências de prevenção especial assinaladas, sem exceder a medida da sua culpa, que permanece acentuada.

Analisemos, agora, a questão relacionada com o quantum indemnizatório fixado pelo tribunal a quo, reputado de excessivo pela recorrente.

De acordo com o nº 1 do art.º 483º do C.C., a obrigação de indemnizar, por imputação de um dano, exige a verificação dos seguintes pressupostos: existência de um facto ilícito; imputação subjetiva do facto ao lesante; nexo de causalidade entre o facto e o dano [31].

Decorre do disposto no nº 1 do art.º 483º e no art.º 563º, ambos do CC, que o lesante só tem a obrigação de reparar os danos que, em concreto, se tenham verificado como uma consequência necessária do evento danoso, e que, em abstrato, se tenham verificado como uma consequência adequada do mesmo. Ou seja, o evento danoso deve ter constituído, simultaneamente, uma causa necessária e uma causa potencialmente idónea da produção daqueles danos - de acordo com as teorias da causalidade naturalística e da causalidade adequada (rectius, jurídica). Só os danos que estejam por este modo conexionados com o facto ilícito é que serão reparáveis.

Como foi já salientado a propósito da análise da responsabilidade criminal da arguida, é inequívoco que a arguida/demandada atuou de forma ilícita e culposa, reclamando a demandante a reparação dos danos não patrimoniais que, por essa via, lhe foram causados. Na verdade, o tribunal de primeira instância considerou ter ficado provado o seguinte conjunto de factos, que se mantiveram inalterados (com exceção das restrições necessariamente introduzidas aos pontos 40 – parte final – e 41 – segmento inicial -, já assinaladas):

38) A Demandante sentiu-se profundamente ofendida com as expressões que Demandada lhe imputou, ficando, inclusive, dominada por um sentimento de enorme injustiça.

39) A Demandante sempre foi uma pessoa respeitada no meio onde vive, sendo-lhe reconhecida uma grande autoridade moral, profunda honestidade e educação.

40) Com a conduta da Demandada, a Demandante ficou extremamente envergonhada perante os seus familiares, amigos [, colegas de trabalho e pais dos seus alunos].

41) Acresce que, [desde 2018, data em que os comportamentos injuriosos se iniciaram], a relação com o seu companheiro ficou dominada por um ambiente de aflição, stress, angústia, ansiedade, apreensão e inquietação.

42) Além disso, desde que a arguida assumiu esse estatuto processual, o seu filho NN, enteado da assistente, deixou de ter qualquer contacto com esta.

43) Tudo isto fez com que a Demandante ficasse deprimida e entristecida, deixando de apresentar a força de viver a que havia habituado os seus parentes e amigos.

44) Todas estas circunstâncias criaram na Demandante um forte e estigmatizante perturbação do equilíbrio social, psíquico e emocional, constituindo um grave atentado à sua personalidade moral

Como é sabido, os danos não patrimoniais, reportando-se a valores de ordem espiritual, ideal ou moral [32], são insuscetíveis de avaliação pecuniária, visando, por isso, o seu ressarcimento uma compensação das dores físicas ou morais sofridas pelo lesado, bem como sancionar, em alguma medida, a conduta do lesante.

A ressarcibilidade destes danos está dependente de um juízo de valoração objetivo, tendente a afirmar a sua gravidade, nos termos do disposto no nº 1 do art.º 496º do C.C.

Como vem salientando a jurisprudência, a compensação por danos não patrimoniais, para constituir uma efetiva possibilidade compensatória, deve ser significativa e não meramente simbólica. Refere-se, a este propósito, no acórdão do STJ de 24/4/2013 (disponível em www.dgsi.pt), que a fixação da indemnização não deve ser simbólica, miserabilista ou arbitrária, mas nortear-se por critérios de equidade, tendo em atenção as circunstâncias referidas no art.º 494.º do CC. [33]

Assim, atendendo à gravidade do comportamento da arguida/demandada (aqui, naturalmente, levando-se em conta que apenas está integrado pelos factos constantes dos pontos 26) e 29) e seguintes, conforme já assinalado) e à natureza e gravidade dos danos demonstrados e considerando, para além disso, a condição económica da demandada (desconhecendo-se a da demandante), consideramos equitativa a quantia de € 1.500,00 para compensar a demandante por todos os danos de natureza não patrimonial que lhe foram causados e, pela mesma via, sancionar eficazmente o comportamento ilícito e culposo da arguida/demandada.

O montante indemnizatório arbitrado para compensação dos danos não patrimoniais sofridos pelo demandante (e não “atualizados” em função da taxa de inflação, à presente data), são acrescidos de juros de mora, à taxa legal, contados desde a notificação da demandada até integral pagamento (cf. artigos 804.º e 805.º, n.º 3 do C.C. e acórdãos do STJ de 14/6/2010 e de 20/4/2021, disponíveis em www.dgsi.pt). [34]

Procede, assim, parcialmente o presente recurso.


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III - Dispositivo

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em conceder parcial provimento ao recurso interposto pela arguida AA e, consequentemente:

1) Julgam precludido o direito de a ofendida iniciar novo procedimento criminal com a apresentação de outra queixa pelos factos abrangidos no inquérito n.º ..., por neste ter decorrido o prazo perentório a que alude o artigo 68.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.

2) Julgam procedente o fundamento do recurso relacionado com a descrição vaga, genérica e sem a necessária contextualização espácio-temporal de parte da descrição factual constante da sentença recorrida, nos termos constantes do segmento II. do presente acórdão, com a consequente impossibilidade de valoração dessa factualidade.

3) Julgam parcialmente procedente a impugnação da matéria de facto, considerando não provados os factos constantes dos pontos 27) e 28) descritos na sentença recorrida.

4) Em face da factualidade descrita nos pontos 26) e 29), julgam a arguida/recorrente autora material de um crime de injúria agravada, p. e p. pelos artigos 181.º, n.º 1 e 183.º, n.º 1, a), do Código Penal, reduzindo a pena aplicada para 100 dias de multa, à mesma taxa diária de 5,50 euros.

5) Reduzem o montante indemnizatório arbitrado para a quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora desde a notificação, absolvendo a arguida/demandada do restante peticionado.

Custas pela assistente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC (artigos 513º, nº 1, do CPP, 1º, nº 2 e 8º, nº 9, do RCP e tabela III anexa).

As custas do pedido de indemnização civil, sendo devidas, serão suportadas por demandante e demandada na proporção dos respetivos decaimentos.

Notifique.


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(Elaborado e revisto pela relatora – art.º 94º, nº 2, do CPP – e assinado digitalmente).

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Porto, 8 de outubro de 2025.
Liliana de Páris Dias
João Pedro Pereira Cardoso
Manuela Trocado
________________
[1] As questões que constituem o objeto do recurso serão conhecidas de acordo com as regras da precedência lógica a que estão submetidas as decisões judiciais (cf. o artigo 608º, nº 1, do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do artigo 4.º do Código de Processo Penal).
[2] Relatado pelo Desembargador Luís Teixeira e disponível para consulta em www.dgsi.pt.
[3] Relatado pelo Desembargador João Amaro e consultável em www.dgsi.pt.
[4] Conforme citação contida no referido acórdão do TRC de 6/5/2015, que aqui seguimos de perto.
[5] Publicado em www.dgsi.pt e relatado pelo Desembargador José Castro.
[6] Como é assinalado neste aresto, «Não subsistindo os fundamentos em que assentou aquele despacho de arquivamento, visto que a ofendida, nestes autos, a 07.02.2023 manifestou o desejo de procedimento criminal também quanto ao sucedido a 14.12.2022 (logo, dentro do período temporal a que se reporta ao art.º 115.º, n.º 1, do Código Penal), nada impedia que aqueles factos aqui fossem considerados no inquérito, por eles fosse o arguido acusado e – assim determinado o objeto processual – sobre eles houvesse a obrigação de o tribunal a quo se pronunciar na sentença recorrida.
Com efeito, «[…] casos há, porém, em que o impedimento é provisório, não obstando a uma nova investigação. No exemplo mais simples, se o MP arquivar o inquérito por falta de queixa (art. 49.º), nada impedirá que o ofendido supere essa deficiência, desde que o faça dentro dos prazos previstos para o efeito, dando origem a um novo processo» (João Conde Correia in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo III, 2.ª ed., pág. 1074, Almedina, fev. de 2022).».
[7] É de notar que nada vale argumentar, como se faz na decisão recorrida, que «o comportamento referenciado ao facto, como expressão da conduta penalmente punível, não pode deixar de ser o acontecimento de vida que, como e enquanto unidade, se submeteu à apreciação e julgamento de um tribunal. Daqui resulta que todos os factos praticados pelo arguido até decisão final e que diretamente se relacionem com o pedaço da vida apreciado e que com ele formam uma unidade de sentido haverão de ser considerados como fazendo parte do objeto do processo», para, a partir daqui, se concluir que «o despacho de arquivamento assentou em “questão de procedibilidade não exaurida no tempo e, entretanto, revertida” com a continuidade da atuação da arguida e com a nova queixa da ofendida, dentro do prazo legal».
Não é de aceitar esta orientação, pois que, como se adverte no acórdão do TRP, de 22/1/2025, o facto é de considerar, processualmente, como um evento naturalístico, objeto de investigação e de prova. Acresce que a lei é unívoca ao impedir nova apreciação dos mesmos factos, seja qual for a qualificação jurídica que lhes é atribuída.
Com efeito, o termo crime não deve ser interpretado literalmente, mas antes entendido como uma certa conduta ou comportamento, como um dado de facto ou um acontecimento histórico que, porque subsumível a determinados pressupostos de que depende a aplicação da lei penal, constitui crime. É a dupla apreciação jurídico-penal de um determinado facto já julgado – e não tanto de um crime – que se quer evitar. O que o artigo 29.º, n.º 5, da CRP, proíbe é, no fundo, que um mesmo e concreto objeto do processo possa fundar um segundo processo penal.
[8] Uma vez que nada indica que a advertência referida no artigo 246.º, n.º 4, do CPP não observou rigorosamente os requisitos aí previstos e, quanto a esta matéria, nada é invocado no recurso.
[9] Como bem observa a arguida/recorrente, não é possível considerar abrangidos por uma queixa apresentada tardiamente factos anteriores ao limite dos seis meses, sob pena de subversão do regime jurídico do direito de queixa. O prazo para o exercício do direito de queixa assenta em razões de segurança jurídica e proteção da confiança dos cidadãos.
[10] Obstáculo que o tribunal a quo procurou contornar, configurando todo o comportamento da arguida como um único crime, englobando os factos pretéritos e os factos supervenientes, e considerando que, pela atualidade dos últimos, a nova queixa por todos (incluindo os pretéritos e até muito longínquos) e a subsequente constituição de assistente seriam tempestivas – solução da qual discordamos pelas razões já explicitadas.
[11] Pois, sendo uns posteriores e outros anteriores à queixa apresentada no processo n.º ..., não foram por esta abrangidos.
[12] A esse propósito (embora relativo a outro tipo de crime) diz-se no Acórdão do STJ de 17/1/2007 (Proc. 06P3644, in www.dgsi.pt) que “uma imputação genérica …, sem individualização dos atos integrantes dessa atividade, não podendo relevar para o efeito do enquadramento jurídico-penal dos factos, já que inviabiliza o exercício do direito de defesa consagrado no art. 32.º da CRP.”, por ficar “ impedido de organizar adequadamente a sua defesa, contraditando as provas apresentadas e oferecendo provas…”.
Também no acórdão do STJ, de 15/12/2011 (relatado pelo Conselheiro Raúl Borges, no Proc. 17/09.0TELSB.L1.S1, in www.dgsi.pt) se confirma esta Jurisprudência:
“XXI - Como vem sendo afirmado pela jurisprudência dominante deste STJ, as imputações genéricas, …, sem qualquer especificação das condutas em que se concretizou o imputado comércio e do tempo e lugar em que tal aconteceu, por não serem passíveis de um efetivo contraditório e, portanto, do direito de defesa constitucionalmente consagrado, não podem servir de suporte à qualificação da conduta do agente.”
[13] O Acórdão do STJ n.º 3/2012 veio fixar jurisprudência nos seguintes termos: Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na ata do início e termo das declarações (Relator: Raul Borges, in DR 77 SÉRIE I, de 2012-04-18).
[14] Como se afirma no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.04.2006, Proc. nº 06P120, (disponível em www.dgsi.pt) com as especificações consagradas nos nºs 3 e 4 do art.º 412º do Código de Processo Penal “visou-se, manifestamente, evitar que o recorrente se limitasse a indicar vagamente a sua discordância no plano factual e a estribar-se probatoriamente em referências não situadas, porquanto, de outro modo, os recursos sobre a matéria de facto constituiriam um encargo tremendo sobre o tribunal de recurso, que teria praticamente em todos os casos de proceder a novo julgamento na sua totalidade. Impõe-se, por isso uma exigência rigorosa na aplicação destes preceitos”.
[15] Como se observa no acórdão deste TRP, datado de 13/12/2023 (relatado pelo Desembargador José António Rodrigues da Cunha e consultável em www.dgsi.pt), «Questionada a decisão matéria de facto através da impugnação ampla a que se reporta o art.º 412.º, n.º 3, do CPP, recai sobre o recorrente o ónus de especificar e individualizar os concretos factos que, em seu entender, se encontram incorretamente julgados, cabendo-lhe, também, indicar as concretas provas de onde resultem os alegados erros de julgamento e que impõem decisão diversa. Feita tal indicação, deverá ainda explicar a razão pela qual as provas ou os meios de prova que especifica impõem decisão diversa da recorrida. Por exemplo, não basta transcrever excertos de declarações ou de depoimentos e dizer que dali resulta o contrário do decidido. Acresce que o ónus deve ser observado relativamente a cada um dos factos impugnados, e não por atacado, impondo-se ao recorrente relacionar e fazer a necessária correspondência do conteúdo específico do meio de prova que segundo ele impõe decisão diversa da recorrida com o facto individualizado que considera incorretamente julgado.
Porque não se trata de um novo julgamento, e constitui apenas um remédio para os vícios do julgamento em primeira instância, faltando-lhe a imediação e a oralidade da prova, não pode o Tribunal da Relação fazer tábua rasa da livre apreciação da prova em que assentou o juízo do tribunal recorrido. Face a essa limitação, o tribunal de recurso, em sede de impugnação ampla da matéria de facto, só pode alterar o decidido pela primeira instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida e não apenas se a permitirem. Isto é, quando a convicção do julgador da primeira instância tiver na sua base erros de tal modo evidentes e óbvios que tornem a decisão inaceitável».
[16] Como se assinala no acórdão do TRP de 2/12/2015 (Relator Desembargador Artur Oliveira), consultável em www.dgsi.pt, “Visando o recurso sobre a matéria de facto remediar erros de julgamento, estes erros devem ser indicados ponto por ponto e com a menção das provas que demonstram esses erros, sob pena de não o fazendo a impugnação não ser processualmente válida”.
[17] Circunstancialismo que, a verificar-se, poderia integrar um «erro notório na apreciação da prova», vício decisório de conhecimento oficioso.
[18] Relatado pelo Desembargador Carlos Almeida e consultável em www.dgsi.pt.
[19] Cf., neste sentido, entre muitos outros, os acórdãos desta Relação de 7/12/2005 (Borges Martins), de 19/12/2007 (Olga Maurício), de 12/11/2014 (Ernesto Nascimento), de 20/4/2016 (Maria Luísa Arantes); da Relação de Lisboa de 9/2/2011 (Maria José Costa Pinto) e de 12/9/2019 (Maria do Carmo Ferreira); da Relação de Coimbra, de 18/5/2022 (João Novais) – todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.
Nas palavras do, então, Desembargador Manuel Braz (acórdão de 12/6/2002, proferido no recurso n.º 332/02, não publicado), “o direito não pode intervir sempre que a linguagem utilizada incomoda ou fere suscetibilidades do visado. Só o pode fazer quando é atingido o núcleo essencial de qualidades morais que devem existir para que a pessoa tenha apreço por si própria e não se sinta desprezada pelos outros. Se assim não fosse a vida em sociedade seria impossível. E o direito seria fonte de conflitos, em vez de garantir a paz social, que é a sua função”.
[20] Como se diz no acórdão deste TRP, de 7/12/2005, «É próprio da vida social a ocorrência de algum grau de conflitualidade entre os membros da comunidade. Fazem parte da sua estrutura ontológica as desavenças, diferentes opiniões, choques de interesses incompatíveis que causam grandes animosidades. Estas situações, entre outros meios, expressam-se ao nível da linguagem, por vezes de forma exagerada ou descabida. Onde uns reconhecem firmeza, outros qualificam de gritaria, impropérios, má educação ou indelicadeza».
[21] É de notar que o valor da sucumbência (inferior a metade da alçada do tribunal de primeira instância), não permitia o conhecimento do segmento do recurso relacionado com a condenação no pedido de indemnização (cf. a este propósito o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16/06/2010, Processo n.º 142/06.9GTAVR.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt). Contudo, tal apreciação impõe-se na decorrência da procedência parcial dos anteriores fundamentos do recurso, com repercussão na matéria factual suscetível de integrar o crime de injúria por que a arguida foi condenada (cf. o disposto no artigo 403.º, n.º 3 do CPP).
[22] Com efeito, por necessidade de coerência com a decisão tomada no ponto I deste acórdão e consequentes reflexos no universo factual subsistente, deve considerar-se que o ponto 40) fica expurgado da expressão «colegas de trabalho e pais dos seus alunos» e o ponto 41) do segmento «desde 2018, data em que os comportamentos injuriosos se iniciaram».
[23] Cf. Jorge Figueiredo Dias, “Direito Penal – Parte Geral”, Tomo I, 2004, pág. 75 e seguintes.
[24] Como é assinalado no acórdão do STJ de 18/2/2016 (relatado pelo Conselheiro Raúl Borges, in www.dgsi.pt)[24], “Está subjacente ao artigo 40.º uma conceção preventivo-ética da pena. Preventiva, na medida em que o fim legitimador da pena é a prevenção; ética, uma vez que tal fim preventivo está condicionado e limitado pela exigência da culpa.
No nosso regime penal, “as finalidades de aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade. Por outro lado, a pena não pode ultrapassar, em caso algum a medida da culpa. Nestas duas proposições reside a fórmula básica de resolução das antinomias entre os fins das penas; pelo que também ela tem de fornecer a chave para a resolução do problema da medida da pena” (cf. J. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Notícias Editorial, pág. 227).
[25] Cf. o acórdão do STJ, de 9/5/2019 (relatado pelo Conselheiro Nuno Gonçalves e disponível em www.dgsi.pt) e, ainda, para maiores desenvolvimentos, o acórdão do STJ, de 18/2/2016, relatado pelo Conselheiro Raúl Borges, igualmente disponível em www.dgsi.pt.
[26] Cf. Anabela Miranda Rodrigues, “A determinação da medida da pena privativa de liberdade”, 1995, pág. 658 e seguintes.
[27] Como bem salienta o Conselheiro Henriques Gaspar, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/4/2007, disponível em www.dgsi.pt.
[28] Relatado pelo Desembargador Joaquim Gomes e disponível em www.dgsi.pt.
[29] Cf. o acórdão do TRE de 13/9/2022, in www.dgsi.pt.
[30] In “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas, editorial notícias, 1993, pág. 119.
[31] Cf. Menezes Cordeiro, "Direito das Obrigações", 2º vol., p. 281.
[32] Cf. acórdão da Relação do Porto, de 7.4.97, publicado na CJ ano XXII, 1997, tomo 2, pp. 204-207.
[33] Como refere Antunes Varela ("Das Obrigações em Geral", 5ª edição, p. 567) e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29/6/2011 (disponível em www.dgsi.pt), os critérios de equidade a que o tribunal deverá atender para apurar o quantum indemnizatório devido a título de reparação de danos não patrimoniais serão, designadamente, o grau de culpabilidade do responsável, a sua situação económica e a do lesado, os padrões de indemnização geralmente adotados na jurisprudência e as flutuações do valor da moeda.
[34] Sobre esta matéria, atente-se no acórdão do TRP de 27/9/2022 (relatado pela Desembargadora Anabela Dias da Silva, consultável em www.dgsi.pt), com o seguinte sumário: “É hoje pacífico que sendo os valores da indemnização por danos não patrimoniais calculados de forma atualizada, por referência à data da sentença, só serão devidos juros de mora a partir desta data. Todavia não é aceitável a ideia de que essa atualização de valores se presume efetuada na sentença, a menos que essa presunção se considere ilidida pelos termos da própria sentença.
Assim sendo a sentença “in casu” totalmente omissa quanto à efetivação de qualquer atualização, inexiste fundamento legal para se presumir judicialmente que tenha havido atualização, e devem os juros moratórios serem fixados de harmonia com o peticionado – desde a data da citação.”.
Com efeito, preceituou-se no Acórdão de uniformização de jurisprudência 4/2002, de 9.05.2002, (publicado no Diário da República, 1.ª Série A, n.º 146 de 27.6.2002, agora com valor de Acórdão Uniformizador), que “sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objeto de cálculo atualizado, nos termos do n.º2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão atualizadora, e não a partir da citação”.
Esta jurisprudência uniformizadora encerrou a questão controvertida da cumulação da atualização da expressão monetária da indemnização, no período compreendido entre a citação e o encerramento da discussão, por um lado, e o pagamento de juros correspondentes ao mesmo lapso de tempo, por outro, no sentido da inadmissibilidade da cumulação de juros de mora, desde a citação, com a atualização da indemnização, em função da taxa de inflação, tendo subjacente a consideração de que, quando o Juiz faz apelo ao princípio da restituição por equivalente, que consagra a teoria da diferença, prevista no art.º 566.º, n.º 2, atribui uma indemnização pecuniária, aferida pelo valor que a moeda tem, à data da decisão da 1.ª instância, não podendo, sob pena de duplicação, mandar acrescer a tal montante os juros moratórios devidos, desde a citação, por força do preceituado pelo art.º 805.º, n.º 3, 2.ª parte, com referência ao art.º 806.º, n.º 1, ambos do C.Civil.
Ora, é pacífico que, sendo os valores da indemnização calculados de forma atualizada, por referência à data da sentença, só serão devidos juros de mora a partir desta data, mas já não é aceitável a ideia de que essa atualização de valores se presume efetuada na sentença, a menos que essa presunção se considere ilidida pelos termos da própria sentença.