Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1476/12.9TAMAI.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PEDRO VAZ PATO
Descritores: CUSTAS
ISENÇÃO
DIFAMAÇÃO
CRÍTICA
Nº do Documento: RP201312111476/12.9TAMAI.P1
Data do Acordão: 12/11/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC. PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO.
Área Temática: .
Sumário: I - A isenção de custas de que beneficiam os juízes e que decorre dos artigos 17º, nº 1, h), do Estatuto dos Magistrados Judiciais (Lei nº 21/85, de 30 de julho) e 4º, nº 1, c), do Regulamento das Custas Processuais (aprovado pelo Decreto-lei nº 34/2008, de 26 de fevereiro) tem aplicação em processo penal.
II - Uma linha de fronteira entre o exercício livre do direito de crítica e a criminal ofensa à honra passa pela distinção entre a crítica de atos, atitudes e procedimentos concretos e delimitados, ou obras que deles são fruto, por um lado, e o juízo sobre a própria pessoa, por outro lado. A distinção vale para o campo da crítica política (é lícita a crítica negativa da atuação de um político, numa ou mais situações concretas e determinadas, não a ofensa à sua pessoa), como para o da crítica artística ou desportiva (é lícita a crítica negativa de uma obra ou prestação, não a ofensa à pessoa do seu autor). E vale também para o âmbito da crítica a uma decisão judicial ou a uma peça processual: não constitui crime de difamação a crítica (ainda que exagerada, injusta ou descortês) a uma decisão judicial que não atinge a pessoa do juiz seu autor.
III - Que uma ofensa não tenha prejudicado a reputação social do visado não afasta a prática de um crime de difamação ou injúria, se com essa ofensa foi, de qualquer modo atingido o respeito que lhe é devido como pessoa. Se essa reputação foi também atingida, o dano será certamente maior, e a gravidade do crime também, mas não se trata de um elemento imprescindível para a verificação do tipo de crime. De outro modo, as pessoas de sólida reputação social dificilmente poderiam ser vítimas dos crimes de difamação e injúria.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
Proc. nº 1476/12.9TAMAL.P1
Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto

I – O Ministério Público veio interpor recurso do douto despacho do Juiz do 3º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal do Porto que não pronunciou B…. pela prática de um crime de difamação agravado, p. e p. pelos artigos 180º, nº 1, e 184º do Código Penal.

São as seguintes as conclusões da motivação do recurso:
«1. A nossa discordância com o douto despacho recorrido é total e frontalmente oposta às duas vertentes que determinaram essa douta decisão, que se prendem com a consideração de que, ilustre causídico, ora arguido, não teve actuação dolosa e não ter ocorrido qualquer lesão do bom nome e reputação profissional do assistente:
2. Entendemos ter agido dolosamente, tendo em atenção o tipo legal de crime - que apenas exige dolo genérico, em qualquer uma das suas modalidades -, tendo-se inferido da análise da situação e do circunstancialismo que ocorreu a sua actuação e todo o circunstancialismo daí decorrente, devemos concluir nesse sentido;
3. Na verdade, imputando ao Juiz de um dado processo, porque não lhe deferiu num processo cível - uma perícia à letra e referente a um titulo executivo, no âmbito de uma ação executiva, expressões objectivamente graves e conotadas com o mau desempenho de um profissional do foro e magistrado, dizendo não conseguir aceitar incompetência e prepotência de magistrados, bem como outras como sejam, referindo-se a esse despacho do assistente como tratando-se de "infeliz acto de desnecessária prepotência e incivilidade"(art.23 do articulado), mencionando a sua falta de qualidade das decisões anteriores (sic), " o despacho que indefere o recurso é mais uma, numa já vasta coleção (art.39°), uma decisão assustadoramente medíocre proferida pelo juiz "a quo", devendo este ter estudado a norma invocada (art.39°) incompetente, apelidando-o de pouco educado, delicado e ostentativo incorrecto argumento de que não existe livrança (art.21°), fez sentir humilhado e ofendido o magistrado, logo que tomou delas conhecimento;
4. O direito à liberdade de expressão, previstas no art. 37º da CRP, o qual, dizemos nós, não pode sobrepor-se ao direito ao bom nome e reputação igualmente constitucionalmente consagrado no seu art.26° da CRP;
5. Devendo concluir-se que como verificado o elemento subjectivo, por parte do aqui arguido, ilustre causídico, porquanto se deve concluir que tais expressões sendo proferidas escritas -, face ao contexto em que o foram, visaram denegrir a pessoa do assistente, na sua honra e consideração de homem sério, honesto e trabalhador, querendo igualmente atingi-lo (conseguindo-o), no seu brio e imparcialidade e honestidade intelectual;
6. Tanto mais que tais expressões, não aproveitaram, de forma alguma, à defesa da sua cliente e o direito legítimo de critica e discordância das decisões judiciais deve pautar-se por um dever de lealdade e de urbanidade - previstos no EOA e que o próprio Tribunal recorrido reconhece terem sido violados flagrantemente -, não se vislumbrando, também, qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, designadamente nenhum conf1ito de deveres;
7. Tal como vem sendo entendido pela jurisprudência dos Tribunais Superiores, particularmente a mais recente, como sejam a de 13-04-2011, dessa Veneranda Relação, onde se refere mesmo que o elemento doloso se extrai porque foram produzidas por forma escrita, numa peça processual, "in casu" no âmbito de alegações, como tal, pensadas e ponderadas, tendo o visado alguns anos de carreira e na altura em que as produziu encontrava-se no computador, dispondo de tempo e de calma para ponderar aquilo que escreveu;
8. Não tendo tais expressões servido, em nada, para a sua tese, sendo que parte dela se referirem ao tribunal, não poderá deixarem de ser entendidas como exclusivamente dirigidas ao Juiz desse processo, sob pena de aceitar-se a defesa do arguido e deste Tribunal recorrido - como do direito à liberdade de expressão e da crítica - estaríamos a abrir caminho a uma despenalização dos crimes contra a honra;
9. Já quanto à inexistência da ocorrência da lesão do bom nome e reputação profissional do assistente, entendida pelo Tribunal, não é verdadeira, porque levou ao desconforto e humilhação deste ultimo, sentindo necessidade se constituir como assistente nestes autos, tanto mais que o arguido reiterou o seu comportamento em varias peças processuais, as quais foram alvo de apreciação pelo Tribunal Superior, não se concordando com a conclusão tida por este nosso brilhante Tribunal, que entendeu inexistir dano para o assistente, pelo facto de o Tribunal da Relação ter entendido que inexistia fundamento legal para o ofendido ter admitido os recursos:
10. Pela nossa parte entendemos que, se duvidas se tivessem levantado, sobre esta matéria e quanto à existência ou não de lesão ao bom nome do assistente, sempre o douto Tribunal recorrido, deveria ter deixado prosseguir o processo para julgamento - local único e próprio - onde se deveria fazer a prova disso mesmo;
11. Consideram-se suficientes, para o sentido de uma pronúncia, os indícios recolhidos, tendo em atenção que o artigo 308° nº l do C.P.P., continua a exigir e apenas, que se tenham mantido, nesta sede processual os elementos que constam do art.283° nº2 do mesmo diploma, tendo em vista que o que se dispõe no art.286° desta lei adjetiva;
12. Tanto mais que na instrução as provas recolhidas não constituem pressuposto da decisão de mérito, mas de mera decisão quanto à prossecução do processo até à face de julgamento, exigindo a lei, apenas, para a pronúncia a exigência daqueles indícios, de sinais de um crime, da formação da convicção de que existe a possibilidade razoável - que não absoluta -, de que o crime foi cometido pelo arguido tal possibilidade, mais positiva que negativa, da existência de uma possibilidade particularmente qualificada de futura condenação;
13. Juízo de comprovação judicial essa que é a finalidade da instrução exigido ao JIC, que não se confunde com o julgamento da causa, aferindo-se tais suficientes indícios em função das probabilidades de a situação, levada a Juízo, vir a possibilitar uma decisão condenatória:
14. Prova feita em sede de inquérito que o Tribunal desprezou por completo, sendo que para a pronúncia a lei não exige a prova da existência do crime, mas, antes, da existência dos sinais do crime, porquanto a decisão instrutória não julga o mérito da acusação, o mesmo é dizer, a causa, mas apenas a admissibilidade de abertura da fase de julgamento;
15. Daí que se justifique que, com as provas recolhidas em inquérito e em instrução, o arguido deveria ter sido submetido a julgamento, por existiram provas bastantes de o mesmo ter cometido esse crime de difamação agravada da previsão dos arts. 180° nºl e 184°, ambos do C. Penal, pelo qual vinha acusado pelo MºPº, pronunciando-o;
16. Sob pena de frontal violação do disposto nos artigos 180° nº1, 184°, ambos do Código Penal, 308°, 286°, 283°, todos do C.P.P. e 26°, da CRP;
17. Solicitando-se a revogação deste douto despacho de arquivamento, substituindo-se por outro, que pronuncie o arguido pela autoria do crime por cuja prática vinha acusado.»

C…. constituiu-se assistente e também veio interpor recurso do mesmo despacho de não pronúncia
São as seguintes as conclusões da motivação deste recurso:
«i. Em conformidade com o decidido no douto Acórdão da Relação de Coimbra, de 03.02.2010, proferido no processo nº 73/08.8TAIDN.C1, as imputações feitas pelo Recorrido ao Recorrente, ao denegrir daquela forma a sua competência profissional perante os senhores Desembargadores do Tribunal da Relação do Porto são manifestamente atentatórias da sua honra e consideração;
ii. Tendo o Recorrido, agido do modo descrito, de forma livre, voluntária e consciente, está verificado o elemento subjetivo e objetivo do crime de difamação, verificação que não é afastada pelo direito à crítica, no âmbito do direito à liberdade de expressão, por terem sido ultrapassados não só os limites que impendem sobre todo e qualquer cidadão nas suas relações de participação ativa na vida em sociedade como também os limites impostos ao advogado no exercício da sua atividade profissional, isto é, o respeito da dignidade e do bom nome do visado enquanto Magistrado Judicial (em conformidade com o decidido pelo douto Acórdão da Relação do Porto, de 13.04.2011, proferido no processo nº 707/08.4TAMAL.P1);
iii. No caso em apreço, a natureza e gravidade das imputações feitas ao Recorrente ultrapassaram os limites das citadas restrições ofendendo injustificadamente valores como a capacidade profissional, a competência, a aptidão e diligência no exercício das suas funções, que integram a honra e consideração do Recorrente, sem que as mesmas fossem necessárias para defender os interesses e direito da constituinte do Recorrido, na medida em que os adjetivos utilizados contra a decisão e, inerentemente, contra o autor da mesma não têm a virtualidade de modificar o sentido ou o entendimento jurídico da decisão em causa e, por isso, constituem expressões e juízos que consubstanciam manifestamente desajustados e ineptos para as finalidades prosseguidas pelo exercício do patrocínio forense;
iv. A especificidade da profissão exercida pelo Recorrente, Magistrado Judicial, cujo exercício com a dignidade e o rigor que a profissão exige obriga a que esteja reunido um conjunto de requisitos, mormente de idoneidade moral (isenção, imparcialidade, probidade, urbanidade, entre outros), impõe uma especial proteção (cfr., neste sentido, o douto Acórdão da Relação de Guimarães, de 28.02.2011, proferido no processo nº 2765/07.0TABRG.G1);
v. Ora, considerando que não estamos perante um crítica objetiva à decisão do juiz, mas sim perante uma afirmação genérica e vaga desprovida de qualquer fundamento que, além da falta de competência técnica das decisões do Recorrente, imputa-lhe juízos subjetivos negativos na sua atuação como “prepotência”, “incivilidade”, “pouco educado”, “pouco delicado” não podem restar dúvidas que aquele núcleo essencial foi atingido no seu âmago, estando, assim, preenchido o tipo objetivo de ilícito do crime de difamação agravado;
vi. É igualmente inequívoco que existe dolo, dado que face ao teor das imputações feitas pelo Recorrido, este, no mínimo, idealizou que as mesmas eram aptas e suscetíveis de achincalhar e rebaixar a honra e consideração do Recorrente, pelo que também está preenchido este requisito, consciência que, aliás, decorre do prévio mea culpa feito pelo Recorrido nas suas alegações que, antes de fazer as afirmações que faz, exclama “Perdoe-me, Exmº(a) Sr.(a) Desembargador(a), este desabafo…”.
vii. É indiscutível que se existiu algum alvo nas afirmações do Recorrido foram direta e necessariamente as qualidades profissionais do Recorrente, resultando claro, para o homem médio, das afirmações proferidas (a saber “decisão que se destaca pela sua incivilidade”, “decisão, à semelhança de quase todas as outras proferidas até ao momento naqueles autos, muito infeliz, a realização da perícia requerida pela oponente foi indeferida com o pouco educado, pouco delicado e ostensivamente incorrecto argumento (…)”, “podem existir mil e um fundamentos para indeferir aquele requerimento de prova. No entanto, o escolhido pelo magistrado é um infeliz acto de prepotência e incivilidade”) que o Recorrido, ao atacar as decisões do Recorrente nos moldes gravíssimos em que o fez, pôs, forte e diretamente, em causa as suas aptidões e qualidades profissionais, que integram a sua honra e consideração.
viii. Assim, ainda que se deva individualizar a crítica profissional, a fronteira desta crítica é muitas vezes ténue, encerrando em muitos casos de forma implícita ou explícita a crítica pessoal ao seu autor, o que efetivamente sucede no caso em apreço, pois a adjetivação de prepotente, incivil ou pouco educada não é a caraterização idónea ou adequada para criticar a decisão em si, tendo, sim, a intenção de sob a “capa” da crítica profissional ofender e achincalhar a integridade moral e profissional de quem a proferiu;
ix. Se a douta decisão instrutória considera como mal escolhido o adjetivo medíocre para caracterização dos despachos do Recorrente, muito menos serão os adjetivos de prepotente, incivil ou pouco educado, pois estes não podem ter outro objetivo que não o de achincalhar e rebaixar a honra e consideração profissional e pessoal do Recorrente, o qual está intimamente ligado à decisão enquanto seu criador (cfr. neste sentido, o já referido douto Acórdão da Relação do Porto de 13.04.2011, proferido no processo nº 707/08.4TAMAL.P1 e o douto Acórdão da Relação de Évora, de 04.03.2010, proferido no processo nº 213/07.4TAARL.E1);
x. O facto do Tribunal da Relação do Porto ter corroborado e confirmado a decisão reclamada do Recorrente, não pode abonar a tese de que não se verificou o crime de difamação. Pelo contrário, a ratificação em 2ª instância da decisão do Recorrente acentua a gratuitidade e leviandade das afirmações ofensivas do Recorrido para com o Recorrente pois confirma que não havia qualquer motivo justificativo para efetuar tão acérrimas e violentas imputações;
xi. Bastando o dolo genérico para verificação do tipo subjetivo de ilícito de difamação agravada (cfr. o douto acórdão da Relação de Coimbra, de 17.12.2008, proferido no proc. nº 377/07.7TACNT.C1) face à gravidade das afirmações do Recorrido, é indiscutível que para o homem médio, as mesmas são suscetíveis e aptas para ofender a honra e consideração do visado, concluindo-se pela existência, pelo menos, de dolo genérico, e em consequência, verificando-se o animus injuriandi vel diffamandi, no caso em apreço.
xii. A credibilidade do Recorrente não constitui, ao contrário do defendido pela douta decisão recorrida, fator atenuante, na medida em que a presunção de idoneidade e competência resultante do enquadramento profissional do Recorrente não o torna absolutamente imune a imputações ou insinuações atentatórias da sua honra e consideração, como atestam várias decisões dos tribunais nacionais que culminaram com a condenação de advogados pela prática do crime de difamação, devido a imputações ou expressões caluniosas utilizadas em processos judiciais contra magistrados judiciais;
xiii. Na presente situação, estamos perante um ataque fortíssimo à honra, consideração e boa reputação do Recorrido, que ultrapassa, em grande medida, a proteção conferida pela presunção de idoneidade e competência reconhecida aos Magistrados Judiciais, pelo que não pode aquele deixar de ser responsabilizado criminalmente à luz das afirmações aqui em causa.
Em conclusão, existem sérios e fundados indícios para crer que o Recorrido, a ser pronunciado, irá ser condenado pelo crime de que havia sido acusado pelo Ministério Público, acrescendo a isso que a fundamentação expendida pelo Tribunal a quo não é suscetível de afastar tal posição, pelo que, salvo o devido respeito e em nosso entendimento, a douta decisão instrutória ora recorrida violou o artigo 308º do CPP e os artigos 180º e 184º, ambos do Código Penal.»

Da resposta à motivação dos recursos apresentada pelo arguido constam as seguintes conclusões:
«I. Na apresentação do recurso o recorrente ora assistente, não se inibe de usar da isenção de custas prevista no art. 4º nº 1 do RCJ e no art. 17º, nº 1, al. h) do Estatuto dos Magistrados Judiciais.
II. Cero é que, é entendimento do Tribunal da Relação de Lisboa no seu acórdão do processo nº 10072/07-S e do Supremo Tribunal de Justiça no seu acórdão do processo nº 047857, que tal isenção não se aplica em casos abrangidos pelo processo penal.
III. Assim sendo, e mais uma vez, o assistente viola de forma ostensiva jurisprudência consolidada.
IV. Revelando o seu desconhecimento do Estatuto dos Magistrados Judiciais.
V. O assistente usa a se bel-prazer de um poder que o seu estatuto enquanto magistrado judicial lhe transmite e permite.
VI. Assim, o Tribunal da Relação de Lisboa vem em acórdão do processo nº 5619/2003-9 dizer que a qualidade de assistente nunca lhe deveria ter sido aplicada senão após o pagamento das custas judiciais.
VII. Desta forma nem como recorrente o assistente deveria ter sido admitido.
VIII. Isto posto, várias firam as afirmações tecidas pelo arguido que o levaram a ser acusado por um crime de difamação agravado, p. e p. pelo artigo 180º nº 1 e 184º ambos do CP.
IX. Em sede de debate instrutório o Magistrado do Tribunal de Instrução Criminal do Porto decidiu pela não pronúncia do arguido.
X. Como já referido por diversas vezes, nestes autos, o arguido não tentou nem quis em momento algum, ofender a honra e consideração do aqui assistente.
XI. Aliás, o tom agressivo e sagaz do aqui arguido também foi usado no presente recurso pelo assistente, vejamos o ponto 7 do recurso apresentado pelo assistente
“Estas declarações imputam, de forma inequívoca, uma incompetência profissional, mais até, uma forma de exercer o múnus judicial de forma prepotente e mal educada, com reflexos altamente negativos e pejorativos também ao nível pessoal e comportamental do recorrente”
XII. Pois bem, se de facto o assistente se sente ofendido na sua honra e consideração pelas afirmações proferidas pelo aqui arguido, e defende com unhas e dentes que o mesmo cometeu um crime de difamação agravado, como é que utiliza vocábulos de igual agressividade no recurso que versa sobre a agressividade dos primeiros?
XIII. Assim o assistente pede a condenação do arguido e comete o mesmo crime ao defender tal condenação.
XIV. O que não se entende.
XV. Posto isto, o arguido nunca se dirigiu directamente ao aqui assistente, mas só `s suas decisões, e apenas àquelas decisões.
XVI. Nunca foi proferida expressão que afectasse a esfera pessoal do assistente.
XVII. São sempre utilizadas expressões como “um infeliz acto”, “falta de qualidade das decisões”, “o despacho que indefere o recurso é mais uma, numa vasta colecção de decisões”.
XVIII. O arguido nunca refere que o magistrado aqui assistente é a ou b, mas sim que as suas decisões são a ou b.
XIX. Quanto ao brio profissional do aqui assistente, esse não é posto em causa senão, unicamente, pelas decisões que o mesmo tomou, e não pelas considerações tecidas sobre as mesmas.
XX. Enquanto magistrado judicial, o assistente deve saber aceitar as críticas que são feitas ao seu trabalho.
XXI. Aliás, o trabalho de qualquer magistrado afecta directa e abruptamente a vida dos constituintes dos mandatários que na vida judicial se cruzam com estes.
XXII. Principalmente quando a tomada de decisões é errada, e que resultam numa agressão económica gigante.
XXIII. O assistente usa de violência económica nas decisões que profere, o que é facilmente comprovável pela consulta de outros processos além do aqui em causa.
XXIV. Tal actuação de um magistrado espartilha e sufoca a actuação de qualquer advogado cujo constituinte não esteja ao abrigo o regime de apoio judiciário.
XXV. O que efectivamente aconteceu no processo que levou ao arguido a tecer as considerações sagazes que teceu.
XXVI. O assistente violou ostensivamente jurisprudência consolidada quanto ao lapso manifesto, não admitindo a troca de uma palavra (contrato por livrança) usando uma postura juncosa e injustificada.
XXVII. O assistente violou de forma ostensiva jurisprudência consolidada quanto à condenação em custas, ao condenar o constituinte do aqui arguido em custas, nas decisões que tomou.
XXVIII. O arguido reagiu meramente de forma sagaz a uma decisão que prejudicou, e muito, a sua constituinte.
XXIX. Defendeu a sua constituinte de forma dura e implacável, agindo nos interesses da sua constituinte com o próprio EOA impõe.
XXX. Todas as considerações tecidas, apenas se referiram às decisões por este tomadas, enquanto magistrado.
XXXI. O próprio CP Espanhol no seu art.º 210 que infra se transcreve
“El acusado de injuria quedará exento de responsabilidad probando la verdad de las imputaciones cuando estas se dirijan contra funcionarios públicos sobre hechos concernientes al ejercicio de sus cargos o referidos a la comissión de faltas penales o de infracciones administrativas”
XXXII. entende que sempre que haja uma imputação a um funcionário público, só há crime se não existir prova da veracidade. Considera-se que as críticas a funcionários públicos sobre factos concernentes ao exercício dos cargos visam sempre realizar interesses legítimos.
XXXIII. Claramente, era o pretendido pelo aqui arguido.
XXXIV. Na verdade, se as decisões proferidas pela aqui assistente fossem reproduzidas em todos os tribunais, não era realizado o direito fundamental à justiça, por excessiva onerosidade.
XXXV: Assim sendo, tais decisões devem ser combatidas com a dureza necessária, especialmente quando se tem a noção de que a derrota nessa batalha implica que muitos dos que são forçados a recorrer à justiça ainda que não o queiram, como os réus, e que não preenchem as condições legais para atribuição de apoio judiciário, terão que poupar na sua comida e dos seus para pagar valores arbitrariamente fixados por decisões que violam frontalmente o nosso ordenamento jurídico.
XXXVI. Pelo que, o aqui arguido apenas e só usou da sua faculdade de se expressar de forma livre quanto a decisões tomadas pelo assistente, altamente prejudiciais à constituinte do arguido e ao bom serviço e funcionamento da justiça.
XXXVII. Embora Portugal seja um país de brandos costumes, no que concerne á liberdade de expressão este atributo não se verifica.
XXXVIII. Já que em Maio de 2011 Portugal já tinha treze condenações no TEDH por violações do direito de liberdade de expressão, consagrado no art.º 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
XXXIX. O arguido perfilha da opinião do Digníssimo magistrado do Tribunal de Instrução Criminal do Porto a quando das suas afirmações no despacho de não pronúncia:
“O assistente, Juiz de Direito, pertence reconhecidamente a uma elite social e profissional, beneficiando a priori de uma presunção de idoneidade e competência que não é, nem pode ser, beliscada por algumas afirmações manifestamente exageradas feitas pelos advogados no calor da lide judiciária”
XL. Pois, o aqui assistente jamais permite uma lide judiciária mais emocionante pois nas decisões que vai tomando ao longo da lide judiciária, vai abafando a actuação dos advogados com a aplicação quase aleatória de UC´s de que são um verdadeiro exemplo as decisões tomadas pelo assistente que fizeram o sangue do aqui arguido enquanto servidor da justiça, fervilhar.»

O Ministério Público junto desta instância apôs o seu visto.

Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora decidir.

II – A questão que importa decidir é, de acordo com as conclusões das motivações dos recursos, a de saber se o arguido deve, ou não, ser pronunciado pela prática de um crime de difamação agravada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 180º, nº 1, e 184º do Código Penal.
Por tal ter sido suscitado na resposta às motivações dos recursos apresentada pelo arguido, deverá ser analisada, como questão prévia a questão de saber se o assistente goza, ou não, de isenção de custas (sendo que, se isso não se verificar, não poderá intervir nos autos como assistente sem pagar a taxa devida pela sua constituição como tal)

III- É o seguinte o teor do douto despacho recorrido:
»O arguido B….. veio requerer a abertura da instrução por não se conformar com a acusação que lhe imputa a prática de um crime de difamação previsto e punível pelo artigo 180.º, n.º 1, e 184.º do Código Penal.
Alegou o que melhor consta do requerimento de fls. 256 a 268 no sentido de concluir, para a sua não pronúncia, que mais não fez que críticas legítimas a uma decisão proferida pelo aqui assistente, tendo actuado sempre tendo em vista a defesa dos interesses legítimos da sua constituinte no processo de execução referido na acusação.
Procedeu-se ao debate instrutório.
Não há questões prévias ou incidentais que ora cumpra conhecer.
Como é sabido a instrução visa a comprovação judicial da suficiência ou insuficiência dos indícios que devem suportar toda a acusação em ordem a justificar a submissão do arguido a julgamento.
Assim, o artigo 308.º do Código de Processo Penal preceitua que se até ao encerramento da instrução tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos, caso contrário profere despacho de não pronúncia.
Compulsando a prova produzida nos autos, com destaque para a prova documental e para as declarações do assistente e do arguido, consideramos suficientemente indiciados os seguintes factos:
O arguido B….. é advogado com cartão profissional n.º 49041 P.
Por procuração datada de 11/07/2011, o arguido B…. foi constituído mandatário de D…. para a representar no processo de execução comum n.º 936/11.3TBMAI, em que esta era executada.
Essa execução tinha como títulos executivos dois documentos particulares, contratos de mútuo, conforme melhor consta dos documentos reproduzidos a fls. 164 a 180.
No mesmo dia 11/07/2011, na sua qualidade de mandatário daquela executada, o arguido entregou, por via electrónica, para junção ao referido processo de execução, um requerimento de oposição nos termos e com os fundamentos que se encontram reproduzidos a fls. 183 a 211.
Nesse articulado, da autoria do arguido, refere-se nomeadamente:
"A requerente apresentou à execução, como título executivo, dois contratos de mútuo, o primeiro no valor de € 14.963,94, outorgado a 2 de Julho de 1998; e o segundo no valor de € 8.479,56, outorgado a 23 de Julho de 1998" (art. 2).
"Efectivamente, os mencionados contratos de mútuo encontram-se subscritos pela opoente.
Todavia, a oponente identificada desconhece por completo a existência destes contratos, bem como o Sr. (...) e sua mulher, aqui exequente, não tendo procedido à assinatura dos mesmos, facto esse que a leva a impugnar a titularidade da assinatura constante nos documentos.
Até porque, basta uma confrontação frugal entre a assinatura do BI da opoente, que aqui se junta como Doc. 2, e cartão de beneficiária da ADSE, que aqui se junta como Doc. 3, (...) com a assinatura constante nos contratos de mútuo para se tornar totalmente perceptível que a mesma não foi outorgada pelo seu punho – facto que a perícia melhor ajudará a elucidar.
Foi aliás com enorme surpresa que a aqui oponente recebeu a citação a informá-la da execução (...) pois em momento algum assinou os contratos de mútuo que servem de título executivo à presente execução, desconhecendo por completo a existência de qualquer empréstimo." (art. 16 a 23).
Ao longo do articulado de oposição, o arguido continua a referir-se aos contratos, nomeadamente nos art. 27, 28, 31, 32, 35, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 45, 83 e 89 da sua oposição.
No mesmo requerimento, o arguido requereu prova pericial, literalmente nestes termos:
"PROVA PERICIAL: requer-se a realização de exame pericial às assinaturas constantes da Livrança junta à Execução, a efectuar por organismo oficial, no sentido de determinar se as mesmas são dos Oponentes. Para tanto apresenta-se, em anexo, os respectivos quesitos."
E em anexo consta o requerimento de apresentação de quesitos, dirigido ao Ex.mo Senhor Juiz do Tribunal Judicial da Maia, nos seguintes termos:
"D…., Executada nos autos à margem referenciados vem apresentar os seus QUESITOS
DIGAM OS SENHORES PERITOS:
1 - Em confronto com as assinaturas apostas no Bilhete de Identidade e do cartão de beneficiária da ADSE da aqui Oponente, terão as assinaturas apostas nos dois contratos de Mútuo juntos ao Requerimento Executivo sido reproduzidas pelo punho daquela?
2 - Em função da vossa tabela, qual o grau de probabilidade das assinaturas apostas nos Contratos de Mútuo juntos ao Requerimento Executivo serem da Oponente supra referida?"
Naquele requerimento de “PROVA PERICIAL” a expressão “da Livrança junta à Execução” deveu-se a um mero lapso de escrita ou de processamento de texto.
Subsequentemente, procedeu-se à base instrutória que teve reclamações, tanto da exequente como da executada, reclamações que foram decididas pelo ora assistente, Juiz de Direito em exercício de funções no Juízo de Execução do Tribunal Judicial da Maia, Dr. C…., conforme despacho de 27/04/2012, reproduzido a fls. 3 a 7 dos autos.
Nesse despacho o aqui assistente apreciou também os requerimentos de prova apresentados pelas partes.
O assistente decidiu os requerimentos relativos à prova pericial nestes termos:
“Não admito a realização da prova pericial "à livrança"' requerida pela executada oponente a fls. 20, em virtude de inexistir qualquer livrança nos autos e ser por isso impertinente.
*
Custas do incidente pela executada, fixando-se a respectiva taxa de justiça em 2 (duas) UC's, nos termos do disposto nos arts. 446, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil e 7.º, n.º 3, do Regulamento das Custas Processuais.
*
Por não se nos afigurar impertinente, admito a realização da perícia requerida pela exequente a fls. 82, nos termos do disposto nos arts. 578.º, n.º 1 e 579.º, do Código de Processo Civil.
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Notifique, sendo a executada para, no prazo de 10 dias, querendo, pronunciar-se sobre o objecto proposto pela exequente, nos termos do disposto no art. 578.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. “
O arguido, na qualidade de mandatário da oponente executada, interpôs recurso deste despacho na parte tocante à condenação em custas, bem como da parte de outro despacho que condenara igualmente a oponente em custas incidentais por motivo do indeferimento da reclamação que apresentara contra a selecção da matéria de facto.
O assistente indeferiu o recurso daquela oponente por despacho de 1/06/2012, reproduzido a fls. 8 a 9 dos autos, fundamentando o indeferimento no disposto nos artigos 678.º, n.º 1, e 685.º-C, n.º 2, do Código de Processo Civil.
Ao ser notificado deste indeferimento, o arguido, como mandatário da oponente e recorrente, reclamou do mesmo, no dia 18/06/2012, para o Tribunal da Relação do Porto.
Nessa reclamação, reproduzida a fls. 11 a 12 dos autos, o arguido começa por tecer considerações sobre o caso daquele processo de execução e sobre a situação da oponente executada, para depois afirmar, nos artigos 7.º a 16.º o seguinte:
“7. São dramas como este que se escondem por detrás de autos e apensos, e cabe-nos a nós, advogados e juízes, trazer justiça à vida destas pessoas.
8. É certo que todos os agentes judiciários sentem enormes dificuldades na sua vida profissional, derivados de um conjunto de idiossincrasias do sistema judicial português, que provocam a tragédia de termos um sistema que roça o terceiro-mundista, por altamente ineficiente e desadequado às necessidades de cidadãos e empresas.
9. Não tenhamos dúvidas que a ineficiência do nosso sistema judicial é uma das grandes causas estruturais do atraso nacional em relação às nações desenvolvidas, pois ninguém investe num país sem a garantia de ter um sistema legal operante (ou, pelo menos, a garantia de que pode lucrar mais com a inoperância desse sistema do que as perdas que com ela sofre, como acontece nos Estados autoritários e párias, o que, felizmente, ainda não é o caso de Portugal).
10. É verdade que muitos dos problemas que existem no sistema judicial não são da responsabilidade dos agentes judiciários.
11. No entanto, enquanto profissionais do Direito e servidores da Justiça, devemos ter sempre o brio de cuidar do nosso sistema o melhor que sabemos e podemos.
12. Procedêssemos todos assim, e os problemas existentes teriam menos impacto.
13. Assim, é trágico que existam no nosso seio funcionários, advogados e magistrados que, mais do que contribuir para a solução dos problemas dos cidadãos, criem novos problemas em cima desses problemas – aos problemas de justiça material, somam-se os problemas criados pelo processo, o qual deveria estar ao serviço dos cidadãos, e não contra eles.
14. Pior ainda, é quando nessa prática são useiros e vezeiros, chegando o aqui signatário a ter a convicção de que os próprios, por intermédio de um qualquer processo de desumanização, já não têm noção da nobre tarefa que a sociedade lhes confia, e limitam-se a despachar sem paixão, sem estudo, sem convicção.
15. Com isso, fazem com que uma justiça com problemas sistémicos padeça de um outro problema de resolução bem mais difícil, mas cuja solução é decisiva para o futuro de toda esta nação: um problema de pessoas.
16. Perdoe-me, Exmo(a). Sr(a). Desembargador(a), este desabafo, mas simplesmente não consigo aceitar passivamente a incompetência e a prepotência, e sinto-me, enquanto servidor do Direito e da Justiça Portuguesa, no dever de combater ambas, venham elas de advogados, funcionários ou magistrados – a luta por uma sociedade melhor assim o exige.”
Prossegue o arguido na sua reclamação, do seguinte modo:
“Aqui chegados,
17. A decisão da qual se interpôs recurso começa por conter uma decisão que se destaca pela sua incivilidade.
18. A opoente requereu, na sua oposição, a realização de perícia à assinatura constante de dois contratos de mútuo, tendo, por lapso manifesto do signatário, indicado tratar-se de uma livrança em apenas uma das referências que fez aos títulos executivos constante desses requerimentos.
19. As restantes referências identificavam correctamente os títulos.
20. (...)
21. Numa decisão, à semelhança de quase todas as proferidas até ao momento naqueles autos, muito infeliz, a realização da perícia requerida pela opoente foi indeferida pelo Tribunal, com o pouco educado, pouco delicado e ostensivamente incorrecto argumento de que não existe “livrança”, quando é evidente que a opoente se referia aos títulos executivos.
22. Tratou-se de uma fundamentação profundamente deselegante para com o aqui signatário, o qual nem sequer conhece o magistrado em causa, e adequada a provocar na sua constituinte a sensação de que o seu requerimento havia sido indeferido porque o seu mandatário havia cometido um erro, quando, sendo certo que o aqui signatário errou, o sentido do requerimento era tão nítido e o lapso tão evidente que nunca poderia o Tribunal, de boa-fé, indeferir o requerido com aquele fundamento.
23. Podem existir mil e um fundamentos para indeferir aquele requerimento de prova. No entanto, o escolhido pelo magistrado é um infeliz acto de desnecessária prepotência e incivilidade.
24. A opoente não reagiu contra tão infeliz decisão porque a exequente requereu igualmente a realização dessa perícia, a qual veio a ser admitida (e cuja desistência requer agora o consentimento da opoente), e porque o signatário não quer recorrer à Relação com o mero intuito de obter vitórias com efeitos apenas morais, não por se ter conformado com a péssima decisão/fundamentação do Tribunal.
25. No entanto, do mesmo despacho constam duas condenações em custas, cada uma em duas unidades de conta, cuja flagrante ausência de fundamento legal fez com que a necessidade de recurso se tornasse incontornável.
26. É que não é aceitável que uma cidadã que, agora, tem escassos recursos (será uma das “novas pobres” que os media tanto têm falado), tendo sido vítima de um crime que lhe causa elevados prejuízos e, por esse motivo, tenha que recorrer à justiça, pague um cêntimo a mais do que as elevadas custas normais do processo (as quais pode sempre reaver em custas de parte), sem que para tal em nada tenha contribuído, sem possibilidade de as pedir à parte contrária em sede de custas de parte, atenta a deficiente fundamentação legal do despacho que a condena.
27. As penalidades aplicadas à opoente, das quais foi interposto recurso, não têm a coragem de aparecer com essa capa.
28. No entanto, verdadeiras penalidades elas são, por tributarem requerimentos que se enquadram na normal tramitação processual e a sua função se limitar a sancionar o indeferimento (veja-se que a prova pericial requerida pela contraparte foi admitida, e, por esse motivo, a contraparte não foi “tributada”).
29. Isto mesmo demonstra-se pelo facto de a responsabilidade por custas ser logo naquele despacho atribuída à opoente, impossibilitando-a de ser ressarcida em sede de custas de parte, o que é típico das sanções.
30. O Juiz “a quo”, em face do recurso interposto, dá um despacho com enormes deficiências técnico-jurídicas, ancorando-se no nº 1 do artº 678° do CPC.
31. O aqui signatário, já desconfiado, em virtude da falta de qualidade das decisões anteriores, fez questão de esclarecer que recorria ao abrigo do disposto no art. 27° nº 6 do Regulamento das Custas Processuais: 6 - Da condenação em multa, penalidade ou taxa sancionatória excepcional fora dos casos legalmente admissíveis cabe sempre recurso, o qual, quando deduzido autonomamente, é apresentado nos 15 dias após a notificação do despacho que condenou a parte em multa, penalidade ou taxa.
32. Isto porque a A. foi condenada numa multa ou penalização ou lá o que seja aquilo que o tribunal a condenou a pagar, sem qualquer fundamento legal, como é verificável pelo expediente que legalmente seguirá anexo a esta reclamação.
33. A norma ao abrigo da qual se recorre é clara na ausência de exigência de alçada, o que é perceptível a qualquer licenciado em direito.
34. Para começar, a fórmula legislativa utilizada neste artigo é diametralmente distinta da utilizada, por exemplo, no nº 6 do art. 31 do RCP, o qual estabelece uma alçada.
35. A norma do nº 6 do art. 27° rege sem margem para dúvidas que das condenações em multas, penalidades ou taxas sancionatórias excepcionais cabe sempre recurso.
36. A finalidade daquela norma é, precisamente, a de evitar que os magistrados possam, de forma menos correcta, aplicar sanções arbitrárias às partes e, até, aos próprios mandatários, como já sucedeu imensas vezes, sem que a adequação dessas sanções possa ser escrutinada.
37. Evita-se, assim, o exercício de represálias ilícitas, e dignifica-se também o trabalho dos advogados, que podem exercer o mandato sem medo de serem eles próprios, ou os seus clientes, sancionados, sem justificação válida, por magistrados que por qualquer motivo possam utilizar de forma ilegal os poderes que lhes são conferidos pelo exercício de tão nobre (quando bem exercido) poder soberano.
38. Esta norma é, evidentemente, excepcional em relação ao regime previsto no nº 1 do art. 678° do CPC, pelo que o despacho que indefere o recurso é mais uma, numa já vasta colecção, decisão assustadoramente medíocre proferida pelo juiz “a quo”.
39. O juiz “a quo”, se desconhecia, deveria ter estudado a norma invocada pelo signatário para interpor o recurso, e analisado o seu teor, pois em pouco tempo perceberia o quão desadequada é a norma jurídica invocada para indeferir o requerimento de interposição.
40. É que, em bom rigor, o juiz “a quo”, se dúvidas tivesse, nem precisava de sair do art. 27° para esclarecê-las, pois bastava fazer uma associação lógica entre o nº 6 e os nºs 1 e 2 desse artigo para perceber que, se se aplicasse o nº 1 do art. 678° do CPC, aquelas normas (como o art. 10° do RCP) estariam, na prática, revogadas, uma vez que o valor daquelas sanções nunca ultrapassa o valor da alçada – são sempre fixadas entre 0,5 e 10 Unidades de Conta.
41. Assim, o juiz “a quo” não só errou na condenação em custas e na, para além de desadequada, deselegante argumentação utilizada para indeferir a perícia requerida pela opoente, como persistiu em fazer tábua rasa do ordenamento jurídico português, indeferindo o recurso com base em normas que, sem muito estudo, perceberia serem desadequadas à apreciação da pretensão formulada.
42. O despacho que indefere o recurso violou o nº 6 do art. 27° do Regulamento das Custas Processuais, devendo, assim, ser substituído por outro que o admita.
Termos em que se requer a revogação do despacho que indefere o requerimento de interposição de recurso, devendo ser ordenada a sua admissão”.
Ao tomar conhecimento das expressões e afirmações supra referidas nos artigos 13, 14, 16, 17, 21, 23, 31, 37, 38, 39 e 41, na reclamação dirigida ao Tribunal da Relação do Porto, o assistente sentiu-se insultado e ofendido na sua honra e consideração pessoal e profissional como magistrado judicial, conforme assinalou no seu despacho de 20/06/2012, reproduzido a fls. 23 a 25 dos autos.
Ao elaborar o requerimento supra citado, o arguido sabia que o mesmo continha, além de uma crítica genérica aos profissionais do foro, advogados, funcionários e magistrados, expressões susceptíveis de ofender a honra e consideração pessoal e profissional do assistente, e, não obstante, apresentou esse requerimento em juízo, conformando-se com o eventual resultado danoso e ciente que infringia o Direito, nomeadamente o dever de urbanidade para com o juiz titular do processo.
Com efeito, ao escrever, nos artigos 38.º e 39.º, que “o despacho que indefere o recurso é mais uma, numa já vasta colecção, decisão assustadoramente medíocre proferida pelo juiz “a quo”, e que “o juiz “a quo”, se desconhecia, deveria ter estudado a norma invocada pelo signatário para interpor o recurso, e analisado o seu teor”, o arguido quis dar a entender que o assistente despachara aquele recurso sem estudar as questões suscitadas e que as suas decisões tinham sido medíocres.
O arguido agiu com o propósito, não alcançado, de convencer o Desembargador ou Desembargadora do Tribunal da Relação do Porto a deferir a sua reclamação e a admitir o recurso que o assistente indeferira.
Efectivamente, aquela reclamação foi indeferida por despacho da Desembargadora Relatora, que não admitiu o recurso, desatendendo as razões apresentadas pelo arguido.
Não conformado, o arguido, em representação da oponente executada, reclamou de seguida para a conferência ao abrigo do disposto no artigo 700.º, n.º 3, do CPC, reclamação que foi julgada improcedente, por Acórdão da 2.ª Secção (Cível) do Tribunal da Relação do Porto, de 20/11/2012, reproduzido a fls. 225 a 230 dos autos, que não admitiu o recurso.
Nesse acórdão, considerou-se que “como se mostra referido no despacho do relator, as decisões em causa, na parte em que se mostram impugnadas pela recorrente, não se enquadrando no nº 1, nem em nenhuma das alíneas do nº 2 do art. 691º do CPC, nunca seriam, desde logo, autonomamente recorríveis, mas, eventualmente, tão só impugnáveis com o recurso da decisão final (nº 3 do art. 691º)”, afirmando ainda o Tribunal da Relação o seguinte: “Concluindo, a decisão de condenação da apelante em custas, não só nunca seria susceptível de recurso autónomo de apelação, como, sendo a taxa de justiça em que foi condenada de valor inferior a metade da alçada da Relação, sempre seria irrecorrível face ao disposto no nº 1 do art. 678º do CPC. E, como tal, a indignação do apelante face às várias condenações em custas por si sentidas por ilegais, terá de ser feita valer por outros meios que não o do recurso”.
FACTOS NÃO INDICIADOS:
Da prova produzida não resulta:
- que o arguido tenha querido dar a entender que o assistente era indelicado, prepotente e mal educado;
- que o arguido tenha agido com o propósito alcançado de, através das expressões utilizadas, fazer constar no Tribunal da Relação do Porto, que o ofendido, como magistrado judicial, não estudava as questões, era indelicado e prepotente e proferia despachos medíocres.
- que o arguido tenha pretendido e conseguido atingir, dessa forma, a honra e consideração, pessoal e profissional, do ofendido, junto do Tribunal da Relação do Porto.
FUNDAMENTAÇÃO:
A prova da acusação é essencialmente documental, uma vez que os factos imputados ao arguido se reportam ao que ele escreveu em requerimentos processuais, como mandatário de uma executada oponente à execução, sendo também indicadas, como prova, as declarações do assistente, Juiz de Direito, e de duas testemunhas, colegas do assistente.
Como em todos os processos de difamação, as questões a analisar têm sobretudo a ver com as palavras que foram escritas e a interpretação e significado que lhes pode ser dado no contexto em que foram produzidas. Diferentes interpretações podem ser apresentadas, dependentes de inferências com maior ou menor subjectividade, mas que não podem ficar alheias ao contexto em que decorreu a comunicação que se pretenda analisar.
Assim, a análise daquilo que o arguido escreveu tem necessariamente que ter em conta aquilo que se passou no processo, nomeadamente a situação que esteve na origem dos despachos do assistente, quer do despacho recorrido, quer do despacho que não admitiu o recurso e do qual o assistente apresentou a reclamação, dirigida ao Ex.mo Sr. Desembargador da Relação do Porto, e que é objecto da acusação.
No tocante ao primeiro despacho do assistente, alega-se na acusação que o ofendido teve de apreciar o pedido “de realização de exame pericial às assinaturas constantes da Livrança junta à Execução, conforme requerido pelo arguido na oposição à execução”.
No entanto, conforme sublinhado pelo arguido nos seus requerimentos, a referência à “Livrança” constituiu um mero lapso de escrita, manifesto no contexto da declaração, tanto mais que os quesitos apresentados para a perícia evidenciavam o objecto da diligência pretendida, inexistindo qualquer livrança naquela execução.
O arguido tinha cometido um lapso de escrita, possivelmente devido a cansaço ou mau processamento do texto, lapso esse que o tribunal podia ter relevado atendendo aos critérios de interpretação que o artigo 236.º do Código Civil recomenda e ao princípio de cooperação previsto no artigo 266.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (na condução e intervenção no processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio).
O assistente entendeu diferentemente e decidiu despachar nos termos citados na acusação, indeferindo a prova pericial “à livrança” e condenando a executada nas custas do incidente fixando a taxa de justiça em duas UC.
O arguido interpôs recurso deste despacho e de outro que condenara a sua constituinte em custas pelo indeferimento da reclamação contra a selecção da matéria de facto, recurso que, presumivelmente, não era ofensivo para o assistente, uma vez que os autos não referem o seu teor. Só a reclamação surge como ofensiva, em reacção ao despacho do assistente, com data de 1/06/2012, que indeferira o recurso interposto contra os dois referidos despachos anteriores e condenara, mais uma vez, a oponente em custas.
Nas suas declarações no inquérito, a fls. 41 e 42, o arguido procurou justificar-se, afirmando que não atacou o Magistrado, atacou uma decisão, aliás três decisões. Explicou que o intróito da reclamação é uma crítica generalizada que hoje em dia a sociedade difunde, designadamente através dos jornais, sendo uma forma de relembrar os deveres que todos temos perante a sociedade.
Efectivamente, já na reclamação, no art. 16, o arguido pedia perdão pelo desabafo.
Por desabafo, entende-se “a expressão e partilha de alguma coisa que preocupa, que desgosta ou incomoda, geralmente com alguém que é compreensivo e pode consolar” (Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia de Ciências de Lisboa, p. 1121-1122).
Nesse contexto, o desabafo constante dos artigos 7.º a 16.º, ainda que relacionado com a matéria do recurso e da reclamação, e possivelmente destinado a convencer o seu destinatário, não se refere especificamente ao assistente, nem os termos e afirmações utilizados podem ser considerados ofensivos para este. Aliás, afigura-se-nos significativo o facto de o arguido se referir, naquele seu desabafo, aos funcionários, advogados e magistrados, sucessivamente por esta ordem, o que é indiciador de que não há intenção maliciosa de difamar o magistrado assistente que não é mencionado. Trata-se de dar livre curso a uma emoção ou sentimento, numa crítica genérica, eventualmente um argumento de emoção, talvez na esperança de comover igualmente o declaratário, mas sem qualquer significado objectivamente ofensivo para a honra e consideração social do assistente.
Assim, ainda que seja questionável a necessidade e pertinência deste tipo de “desabafos” em requerimentos e peças processuais, cumpre considerar que o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 29/06/2004, reproduzido a fls. 102 a 107 dos autos, perante um desabafo semelhante por parte de um arguido, também advogado, entendeu que “o arguido tece várias críticas sobre o mau funcionamento dos tribunais, o atraso dos processos, desrespeito pelas normas processuais referentes a prazos, fá-lo de uma forma violenta, mas sem exceder os limites da liberdade de expressão que lhe assiste e é consagrada constitucionalmente”.
Depois, analisando as expressões utilizadas pelo arguido e citadas na acusação, designadamente as expressões “decisão que se destaca pela sua incivilidade”, “decisão, à semelhança de quase todas as outras proferidas até ao momento naqueles autos, muito infeliz, a realização da perícia requerida pela opoente foi indeferida com o pouco educado, pouco delicado e ostensivamente incorrecto argumento (…)”, “podem existir mil e um fundamentos para indeferir aquele requerimento de prova. No entanto, o escolhido pelo magistrado é um infeliz acto de prepotência e incivilidade”, as mesmas referem-se unicamente à decisão que indeferira a perícia e à fundamentação invocada para esse indeferimento. O arguido criticou a decisão recorrida e a sua fundamentação, com uma linguagem algo violenta, mas sem se referir directa ou necessariamente às qualidades profissionais do assistente.
Criticam-se as decisões recorridas, juntamente com o despacho reclamado, mas não a pessoa que a proferiu, afigurando-se-nos abusiva a alegação, vertida na acusação, de que o arguido quis dar a entender que o magistrado era prepotente e mal educado. O arguido não escreveu isso, não utilizou a expressão mal educado e muito menos se referiu ao assistente. Referiu-se, sim, ao argumento utilizado na decisão.
Limitou-se a atacar, violentamente, a decisão que esteve na origem da condenação em custas.
Isso mesmo resulta a nosso ver das declarações do arguido que, a fls. 41 e 42, afirmou “estas expressões foram utilizadas para caracterizar as decisões que o Juiz (..) tomou, não querendo com estas expressões, caracterizar ou denegrir a personalidade do mesmo”.
Esta explicação afigura-se-nos atendível. Efectivamente, quem recorre não está satisfeito com a decisão recorrida, e por isso certamente não dirá bem da decisão. Costuma alegar-se o erro, a violação da lei, a nulidade da decisão, e alguma advocacia utiliza expressões mais violentas, na ânsia de “levar a água ao seu moinho”. O termo “incivilidade” não é particularmente violento ou ofensivo.
Alegar-se que não se conformou com a “péssima decisão/fundamentação do Tribunal”, não pode ser considerado ofensivo da honra e consideração do autor da decisão. O mesmo se dirá da expressão “infeliz decisão” ou “numa decisão (…) muito infeliz”.
Também a expressão “represálias ilícitas” não se refere ao juiz, tendo sido utilizada, no contexto dos artigos 35 a 38 da reclamação, para explicar a interpretação do artigo 27.º, n.º 6, do Regulamento das Custas Processuais.
Maior dificuldade é colocada pela alegação: “o despacho que indefere o recurso é mais uma, numa já vasta colecção, decisão assustadoramente medíocre proferida pelo juiz «a quo»”. Neste ponto em particular, constante do art. 38 da reclamação, o arguido parece extravasar a crítica da decisão para pretender passar a criticar uma “vasta colecção” de outras decisões do mesmo magistrado, adjectivando-as de medíocres, podendo eventualmente questionar-se se o arguido pretendeu significar que o assistente é um juiz medíocre.
Para respondermos a esta questão, mais uma vez é necessário interpretar aquela declaração no contexto em que foi produzida. No artigo 22.º da reclamação, o arguido tinha afirmado – “nem sequer conhece o magistrado em causa”. E no artigo 31 declarara-se “já desconfiado, em virtude da falta de qualidade das decisões anteriores”. Não o conhecendo, isto significa, muito provavelmente, que foi a primeira vez que teve intervenção num processo despachado por aquele juiz. Por isso, quando o arguido se refere à decisão muito infeliz, “à semelhança de quase todas as proferidas até ao momento naqueles autos” (art. 21) e à sua desconfiança “em virtude da falta de qualidade das decisões anteriores”, pode considerar-se como fortemente indiciado que o arguido se pretendia referir àquele processo e às decisões do assistente naqueles autos.
Isso mesmo foi afirmado pelo arguido quando das suas declarações no inquérito: “Relativamente às expressões que utilizou nos artigos 17.º e seguintes da referida reclamação continua a entender que estas expressões foram utilizadas para caracterizar as decisões que o Juiz, ora ofendido, tomou, não querendo, com estas expressões, caracterizar ou denegrir a personalidade do mesmo. Considera que as expressões que utilizou fazem parte da liberdade de expressão e ainda do seu direito e dever, como advogado, de defender o cliente, considerando que o tribunal é uma instituição de confronto de ideias e como tal entende que não cometeu qualquer crime. Apesar de considerar lícita a sua conduta, (…) caso assim se não entenda, considera que no caso em apreço, porque actuou como advogado, existe uma causa de exclusão da ilicitude” (cfr. fls. 41).
A este respeito, o arguido também apresentou no inquérito, a fls. 109 a 117, em prol da sua defesa, o texto de um acórdão da Relação do Porto, de 15/02/2006, também disponível em www.dgsi.pt, relatando uma situação bastante mais gravosa para o juiz ofendido, pelo tipo de linguagem e pelo envolvimento dos media, tendo o tribunal concluído que “lidas atentamente as afirmações que a decisão recorrida qualificou de injuriosas, verificamos que as mesmas não têm como alvo o normal desempenho de funções do Magistrado em causa, mas antes a sua actuação no âmbito de um determinado processo (…). A linguagem utilizada revela-se menos polida, grosseira e algo chocante perante o grau de cultura elevado que se presume existente no arguido. (…) Mas, sublinha-se de novo que se está perante uma crítica à intervenção judicial num caso concreto – não à honorabilidade ou capacidade profissional já desenvolvida em variados anos de serviço.”
Efectivamente, da prova recolhida, ao contrário do alegado na acusação, não nos parece ser possível concluir que o arguido tenha agido com o propósito alcançado de fazer constar, no Tribunal da Relação do Porto, que o ofendido, como magistrado judicial, não estudava as questões, era indelicado e prepotente e proferia despachos medíocres.
Em primeiro lugar, pela circunstância de o adjectivo medíocre ter sido mal escolhido pelo arguido, uma vez que os despachos do assistente, manifestamente, não podem ser considerados medíocres. O despacho que indeferiu a perícia “da livrança” pode ser qualificado de rígido, absoluto, inflexível, mas não cremos que possa ser considerado de medíocre. De igual modo o outro despacho recorrido nada tem de medíocre, nem o despacho que indeferiu o recurso contém “enormes deficiências técnico-juridicas”. Muito pelo contrário.
No caso dos presentes autos, os destinatários da reclamação aludida na acusação, Desembargadores na Relação do Porto, terão certamente compreendido que o mandatário, aqui arguido, estava indignado com as condenações em custas e com a rejeição do recurso, mas não lhe reconheceram razão como se infere da total improcedência dos fundamentos da reclamação.
O arguido pretendeu afirmar que o juiz a quo desconhecia a norma invocada para a admissibilidade do recurso, mas os Exmos Srs. Desembargadores não entenderam assim, reconhecendo implicitamente que o assistente decidiu correctamente ao rejeitar o recurso e que as normas jurídicas invocadas pelo arguido não eram aplicáveis. Ou seja, os próprios juízes da Relação não deram nenhum crédito às opiniões ressabiadas emitidas pelo mandatário aqui arguido, o que indicia que não houve lesão da honra e bom nome do assistente naquele Tribunal da Relação.
E de facto, no inquérito não foi produzida qualquer prova, testemunhal ou outra, sobre qualquer resultado danoso para a reputação profissional do assistente naquele Tribunal da Relação. As testemunhas inquiridas, colegas do assistente no Tribunal da Maia, por o conhecerem, também não alteraram a opinião positiva do colega por via das alegações do arguido, nem estas seriam idóneas a afectar a consideração devida ao colega.
APRECIAÇÃO DOS FACTOS E DO DIREITO:
Tendo presentes os factos indiciados acima descritos e a jurisprudência supra citada, afigura-se-nos ainda pertinente acrescentar o seguinte:
O assistente, Juiz de Direito, pertence reconhecidamente a uma elite social e profissional, beneficiando a priori de uma presunção de idoneidade e competência que não é, nem pode ser, beliscada por algumas afirmações manifestamente exageradas feitas pelos advogados no calor da lide judiciária.
Além disso, o contexto dessas afirmações e juízos não indicia um animus diffamandi ou injuriandi, mas antes um interesse ou vontade em criticar uma decisão considerada injusta, no intuito de defesa de um interesse próprio ou de terceiro.
A actuação do arguido, apesar de poder merecer alguma censura, por ter violado um dever de urbanidade, não deve ser considerada penalmente ilícita e punível, por não ter produzido qualquer lesão grave e relevante na reputação e consideração social do assistente, nomeadamente no Tribunal da Relação do Porto, e como tal não justificaria, em julgamento, uma condenação numa sanção criminal.
Efectivamente, resulta suficientemente indiciado, pelo contexto dos factos, que o arguido não quis atingir directamente o bom nome e consideração social do visado, mas apenas expressar, de forma enérgica, a sua indignação por uma sequência de decisões judiciais que, no seu entender, ofendiam os interesses da sua constituinte num processo concreto. Os juízos que formulou não se referiram directamente ao assistente, Juiz de Direito, mas apenas às decisões que este havia tomado num determinado processo.
A conduta do arguido poderá, eventualmente, ser censurada disciplinarmente, pelo competente órgão da Ordem dos Advogados, mas não deve ser perseguida criminalmente por não ter ficado provada uma lesão grave ao bom nome e consideração social do assistente nomeadamente junto do Tribunal da Relação do Porto ou dos seus Colegas na 1.ª instância.
A actuação do arguido pode, efectivamente, encontrar justificação no exercício do direito à liberdade de expressão como advogado na defesa dos interesses da sua constituinte, nos termos dos artigos 37.º e 208.º da Constituição da República.
Isso mesmo foi reconhecido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, no acórdão de 15/10/2008: “Não se concebe o Estado de Direito sem que o advogado, no exercício do patrocínio forense, actue de forma livre, exprimindo livremente o seu pensamento, apreciando e criticando tudo o que entenda conveniente ao bom desempenho do mandato”. “O advogado, na defesa de interesses dos seus clientes tem o dever e o direito de exprimir livremente o seu pensamento, ainda que tal importe o sacrifício da tutela da honra de outras pessoas, mesmo a de outros intervenientes processuais e entre eles, os próprios magistrados”.
No caso dos presentes autos, repete-se, não ocorreu qualquer lesão do bom nome e reputação profissional do assistente porquanto as afirmações consideradas ofensivas não tinham credibilidade no contexto em que foram produzidas, nomeadamente por o arguido não conhecer o percurso e o desempenho profissional do assistente, com quem nunca trabalhara, e porque o Tribunal da Relação concluiu que não existia fundamento legal para o assistente admitir os recursos.
Concluímos assim pela insuficiência de indícios para a pronúncia do arguido.
Por tudo o exposto e decidindo, nos termos dos artigos 307.º, n.º 1, e 308.º do C.P.P., não pronuncio o arguido B….., determinando o arquivamento dos autos.»

IV 1. –
Cumpre decidir.
Na sua resposta às motivações dos recursos, o arguido vem alegar que o assistente não goza de isenção de custas, por a isenção que decorre dos artigos 17º, nº 1, h), do Estatuto dos Magistrados Judiciais (Lei nº 21/85, de 30 de julho) e 4º. nº 1, c), do Regulamento das Custas Processuais (aprovado pelo Decreto-lei nº 34/2008, de 26 de fevereiro) não ser aplicável em processo penal.
Vejamos.
Estatui o referido artigo 17º, nº 1, h) do Estatuto dos Magistrados Judiciais que os juízes gozam de isenção de custas em qualquer ação em que sejam parte principal ou acessória, por via do exercício das suas funções.
Em sentido idêntico, estatui o referido artigo 4º, nº 1, c), do Regulamento das Custas Processuais que gozam de isenção de custas os magistrados em quaisquer ações em que sejam parte por via do exercício das suas funções.
Alega o arguido que no processo penal vigora apenas a norma de isenção de custas que consta do artigo 522º do Código respetivo. Invoca nesse sentido a doutrina dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de maio de 1995, proc. nº 047857, relatado por Herculano Lima, cujo sumário está acessível em www.dgsi.pt, e da Relação de Lisboa de 12 de fevereiro de 2008, proc. nº 10072/07-5, relatado por Ana Sebastião, acessível em www.dgsi.pt.
Afigura-se-nos que não se vislumbra qualquer motivo, à luz da ratio respetiva, para excluir a isenção em causa do processo penal.
E o mesmo poderá dizer-se em relação a outras isenções de custas previstas no extenso elenco do artigo 1º, nº 1, do Regulamento das Custas Processuais e não no artigo 522º do Código de Processo Penal. De resto, esta norma de isenção, na sua atual redação, inclui apenas o Ministério Público. Não se vislumbra algum motivo para excluir do processo penal e restringir a outros âmbitos processuais toda e qualquer isenção de custas prevista no extenso elenco do artigo 1º, nº 1, do Regulamento da Custas Processuais.
O referido artigo 522º do Código de Processo Penal não contém o regime completo das isenções de custas em processo penal. Esse regime decorre também da aplicação subsidiária do Regulamento das Custas Processuais ex vi do artigo 524º do mesmo Código.
Diga-se também que não seria coerente prever a isenção de custas em processo penal no caso de agentes de forças e serviços de segurança por ofensa sofrida no exercício das suas funções, ou por causa delas (como decorre da referida alínea m) do nº i do artigo 4º do Regulamento das Custas Processuais) e não prever essa isenção em processo penal no caso de magistrados que também sofram ofensa no exercício das suas funções ou por causa delas.
Assim, e porque não suscita dúvidas que a sua intervenção seja consequência do exercício das suas funções, deve considera-se que o assistente, que é juiz, goza de isenção de custas.

IV 2. –
Vêm os recorrentes alegar que o arguido deve ser pronunciado pela prática de um crime de difamação agravado, p. e p. pelos artigos 180º, nº 1, e 184º do Código Penal.
Nos termos do artigo 308º, nº 1, do Código de Processo Penal, «se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos».
E, nos termos artigo 283°, n° 2, ex vi do artigo 308º, n.º2, ambos do Código de Processo Penal, «consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma probabilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança».
Tem-se entendido que se consideram suficientes esses indícios quando a probabilidade de condenação for superior à probabilidade de absolvição (assim, Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1º vol. Coimbra Editora, Coimbra, 1974, pág.133 e Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. III, Verbo - U.C.P., Lisboa, 2ª edição, págs. 178 e 179).
O arguido foi acusado da prática de um crime de difamação agravado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 180º, nº 1, e 184º do Código Penal. Não foi, porém, pronunciado pela prática desse crime.
Está em causa o uso, por parte do arguido na sua qualidade de advogado, de expressões críticas no âmbito de um recurso judicial, que o assistente, juiz, considera ofensivas da sua honra e consideração. O teor dessas expressões e a descrição de todo o contexto processual em que se inserem vem bem descrito do douto despacho recorrido que acima se transcreve.
Há que ter presentes, na análise, da questão em apreço, as seguintes normas.
O artigo 26º, nº 1, da Constituição consagra o direito de qualquer pessoa ao bom nome e reputação.
O artigo 37º, nº 1, da Constituição consagra o direito de qualquer pessoa exprimir e divulgar livremente o seu pensamento.
O artigo 10º, nº 1, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos consagra o direito de qualquer pessoa à liberdade de expressão. Mas o nº 2 deste mesmo artigo, reconhece a admissibilidade de limitação deste direito para proteção da honra de outrém e para garantir a autoridade e imparcialidade do poder judicial.
O artigo 180º, nº 1, do Código Penal pune, como crime de difamação, a conduta de quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra e consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo. Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 132º, nº 2, l), e 184º do Código Penal, a pena é agravada quando o ofendido for um magistrado no exercício das suas funções ou por causa delas.
Estando em causa o exercício do patrocínio forense, pode verificar-se a causa de justificação decorrente do artigo 31º, nº 2, alíneas b) e c), se a conduta em causa for necessária a tal exercício e se enquadrar nas regras estatutárias respetivas. O artigo 154º, nº 3, do Código de Processo Civil (aplicável ao processo penal ex vi do artigo 4º do Código respetivo) estatui, a este respeito, que não é ilícito o uso de expressões e imputações indispensáveis à defesa da causa. E o artigo 105º, nº 1, da Lei nº 15/2005, de 26 de janeiro (Estatuto da Ordem dos Advogados), relativo ao dever deontológico de correção, declara que o advogado deve exercer o patrocínio dentro dos limites da lei e da urbanidade, sem prejuízo do dever de defender adequadamente os interesses do seu cliente.
À luz destes preceitos, considerou o douto despacho recorrido que as expressões utilizadas pelo arguido não configuram um crime de difamação, fundamentalmente porque representam a crítica de despachos judiciais (crítica que poderá ser exagerada, injusta e não urbana), sem atingir a personalidade do assistente.
Na verdade, pode, à partida, dizer-se que uma linha de fronteira entre o exercício livre do direito de crítica e a criminal ofensa à honra passa pela distinção entre a crítica de atos, atitudes e procedimentos concretos e delimitados, ou obras que deles são fruto, por um lado, e o juízo sobre a própria pessoa, por outro lado. A distinção vale para o campo da crítica política (é lícita a crítica negativa da atuação de um político, numa ou mais situações concretas e determinadas, não a ofensa à sua pessoa), como para o da crítica artística ou desportiva (é lícita a crítica negativa de uma obra ou prestação, não a ofensa à pessoa do seu autor). E vale também para o âmbito que agora nos ocupa: é lícita a crítica a uma decisão judicial ou a uma peça processual, não a ofensa ao seu autor (pode ver-se, em sentido próximo, o acórdão da Relação do Porto de 15 de fevereiro de 2006, proc. nº 0514321, relatado por Borges Martins, in www.dgsi.pt).
Estando em causa a crítica de um ato concreto, ou de uma decisão judicial, nem poderá dizer-se que opera uma causa de justificação de uma conduta típica; mas antes que a conduta não chega a preencher o tipo de crime de difamação, pois não está em causa um juízo sobre uma pessoa.
Parece-nos de seguir o raciocínio do douto despacho recorrido que leva a considerar que as expressões utilizadas pelo arguido se circunscrevem à crítica de decisões judiciais determinadas.
Na motivação do recurso em apreço, são feitas, numa consideração inicial, afirmações relativas ao mau funcionamento do sistema judicial, com críticas aos seus vários agentes, incluindo os magistrados, de quem se diz que não estão «ao serviço dos cidadãos, mas contra eles», e que «por qualquer processo de desumanização, já não têm a noção da nobre tarefa que a sociedade lhe confia, e limitam-se a despachar sem paixão, sem estudo, sem convicção»; aludindo a “incompetência” e “prepotência” desses agentes. Se tais expressões fossem dirigidas a pessoas determinadas, poderiam configurar um crime de difamação, pois contêm a imputação de factos (trabalhar sem estudar as questões, designadamente) ofensivos da honra e consideração dos visados, assim como juízos ofensivos dessa honra e consideração. Mas não o são. Não pode dizer-se, de forma certa e inequívoca, que tais expressões sejam dirigidas ao assistente, designadamente.
Quanto às expressões restantes e que poderiam ser consideradas ofensivas, não parece haver dúvidas de que sejam relativas à crítica de decisões judiciais. Na verdade, essas expressões são: «a decisão da qual se interpôs recurso começa por conter uma decisão que se destaca pela sua incivilidade»; «Numa decisão, à semelhança de quase todas as proferidas até ao momento naqueles autos, muito infeliz, a realização da perícia requerida pela opoente foi indeferida pelo Tribunal com o pouco educado, pouco delicado e ostensivamente incorrecto argumento de que não existe “livrança”, quando é evidente que a opoente se referia aos títulos executivos»; «Tratou-se de uma fundamentação profundamente deselegante»; «o escolhido pelo magistrado é um infeliz acto de desnecessária prepotência e incivilidade»; «tão infeliz decisão»; «um despacho com enormes deficiências jurídicas»; «falta de qualidade das decisões anteriores»; «o despacho que indefere o recurso é mais uma, numa já vasta colecção, decisão assustadoramente medíocre proferida pelo juiz “a quo”»; «para além da desadequada, deselegante argumentação».
As expressões são relativas às decisões e aos argumentos em que se baseiam. É uma das decisões que é «infeliz» e um «desnecessário acto de prepotência e incivilidade» e outra que contem «enormes deficiências jurídicas» e é «assustadoramente medíocre». É o argumento em que se baseia uma das decisões que é «pouco educado», «pouco delicado» e «ostensivamente incorrecto».
Quando o arguido alude à «falta de qualidade de decisões anteriores» e a uma «mais uma, numa já vasta colecção, decisão assustadoramente medíocre», poderia pensar-se que já está a criticar, mais do que a qualidade de decisões concretas e determinadas, a competência profissional do assistente enquanto juiz. Mas, como bem se salienta no douto despacho recorrido, a «colecção” a que se faz referência é apenas a dos despachos proferidos no processo, tanto mais que o arguido não lida habitualmente com o assistente.
Poderá, porém, alegar-se, como faz o assistente, que a crítica aos despachos em causa não deixa de atingir o autor dos mesmos. Se um despacho revela má educação e prepotência, é o seu autor que é mal educado e prepotente, pois estes defeitos são relativos a pessoas, não a algum despacho em si mesmo (veja-se, em sentido próximo, o acórdão desta Relação de 13 de abril de 2011, processo nº 707/08.4TAMAL.P1, relatado por Artur Vargues, in www.dgsi.pt).
Não nos parece de aceitar este tipo de raciocínio. Se o seguíssemos, esvaziar-se-ia o sentido da distinção de que partimos (entre a crítica de atos ou obras determinados, por um lado, e o juízo sobre a pessoa, por outro) para traçar a fronteira entre a livre crítica e a criminalização da difamação e da injúria, com sacrifício total dessa liberdade de crítica. Levado este raciocínio às suas últimas consequências, tal poderia significar que quando se critica uma sentença por ser injusta se está a atingir a pessoa do juiz, acusando-o de ser uma pessoa desprovida da virtude da justiça; que quando se alega que uma decisão é contrária ao bom senso se acusa o seu autor de falta de bom senso. Mas não é assim. Uma decisão determinada, tal como uma atuação determinada, podem, em si mesmas, revelar, falta de sentido de justiça e falta de bom senso, como podem revelar prepotência, incivilidade, deselegância ou falta de educação, e podem ser criticadas por isso, sem que isso represente um juízo sobre a personalidade do seu autor (que vai muito para além do juízo sobre uma ou mais decisões determinadas que possa ter tomado), o qual já seria injurioso ou difamatório e, por isso, punível. Ao criticar uma decisão, pode dizer-se que se critica o seu autor, mas a crítica restringe-se a uma sua atuação circunscrita, não à sua pessoa.
Sobre a forma de atuação do arguido, e para além da questão da qualificação jurídico-criminal (o cerne da questão que nos ocupa), poderá ser oportuno o comentário seguinte.
É perfeitamente compreensível a indignação do arguido perante um indeferimento de um requerimento, e uma consequente condenação em custas, que não atende a um lapso manifesto (lapso perfeitamente detetável pela leitura do requerimento no seu todo e pela atenção ao seu contexto processual). A decisão em causa pode ser qualificada de injusta e contrária ao bom senso. Mas os epítetos a que recorre para a qualificar são manifestamente exagerados e descorteses e poderão configurar a violação dos deveres deontológicos de urbanidade e correção que decorrem dos artigos 90º e 105º do Estatuto da Ordem dos Advogados (Lei nº 15/2005, de 26 de janeiro)[1].
Também deve dizer-se que a defesa a que o arguido estava vinculado em nada beneficia com a utilização desse exagero e dessa descortesia. Não é por ser mais agressiva, mas por ser mais solidamente fundamentada no plano da argumentação racional, que uma qualquer defesa é mais eficaz. Se estivesse em causa a justificação de uma conduta em si mesma típica (e vimos que não é assim neste caso, pois nos situamos fora do âmbito do próprio tipo de crime de difamação) pelo exercício do direito e cumprimento do dever de defesa forense, deveria considerar-se que o exercício desse direito e o cumprimento desse dever não tornavam necessária e proporcional a atuação do arguido, pelo que essa justificação não se verificaria.
Assim, o douto despacho recorrido não é merecedor de reparo quanto a este aspeto, devendo, por isso, ser negado provimento aos recursos.
Há um outro aspeto em que já o douto despacho recorrido poderá merecer reparo.
Considera tal despacho que também não se verificam, no caso em apreço, os elementos do tipo de crime de difamação, por o assistente não ter sido afetado na sua reputação (designadamente junto dos juízes desembargadores destinatários da motivação do recurso em que eram utilizadas as expressões em apreço). Aí se afirma que o «assistente, Juiz de Direito, pertence reconhecidamente a uma elite social e profissional, beneficiando a priori de uma presunção de idoneidade e competência que não é, nem pode ser, beliscada por algumas afirmações manifestamente exageradas feitas pelos advogados no calor da lide judiciária».
Parte esta conclusão do pressuposto de que só estaremos perante um crime de difamação quando é afetada a reputação social do visado: O bem jurídico protegido através da incriminação em causa reconduzir-se-ia a uma conceção fáctica e objetiva da honra (a reputação de que uma pessoa efetivamente goza no meio envolvente), quando o a incriminação dos crime contra a honra no nosso sistema penal acolhe e conjuga, como bem jurídico protegido, também outras conceções da honra; a conceção fáctica subjetiva (o juízo valorativo que cada pessoa faz de si mesmo), a conceção normativo-social (a merecida pretensão de respeito da pessoa no contexto da suas relações sociais) e a conceção normativo-pessoal (essa mesma pretensão de respeito independentemente da integração num qualquer grupo social) – ver José de Faria Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, anotação ao artigo 180º, pgs. 602 a 607.
Que uma ofensa não tenha prejudicado a reputação social do visado não afasta a prática de um crime de difamação ou injúria, se com essa ofensa foi, de qualquer modo atingido o respeito que lhe é devido como pessoa. Se essa reputação foi também atingida, o dano será certamente maior, e a gravidade do crime também, mas não se trata de um elemento imprescindível para a verificação do tipo de crime. De outro modo, as pessoas de sólida reputação social (como serão em princípio os juízes, de acordo com a parte da fundamentação do douto despacho recorrido agora transcrita) dificilmente poderão ser vítimas dos crimes de difamação e injúria.
Assim, o motivo para não pronunciar o arguido não será este, mas apenas o primeiro.
Deve, em conclusão, ser negado provimento ao recurso.

Não há lugar a custas, por delas estarem isentos os recorrentes (artigos 522º, nº 1, do Código de Processo Penal e 4º, nº 1, c), do Regulamento das Custas Processuais).

V - Pelo exposto, acordam os juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso, mantendo-se o douto despacho recorrido.

Sem custas.

Notifique.

Porto, 11/12/2013
(processado em computador e revisto pelo signatário)
Pedro Maria Godinho Vaz Pato
Eduarda Maria de Pinto e Lobo
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[1] Quem subscreve estas linhas não pode deixar de recordar com nostalgia os tempos (não tão longínquos como isso) em que iniciou funções, em que os despachos e sentenças eram sempre doutos, tal como o eram as peças processuais (as petições iniciais eram sempre doutas, ainda que titubeantes); os juízes sempre meritíssimos, os procuradores sempre dignos e os advogados sempre ilustres. Outros tempos…