Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
8628/22.1T8VNG-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: LINA BAPTISTA
Descritores: DIREITO DE REGRESSO
CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL
PRESCRIÇÃO EXTINTIVA
PRAZO
Nº do Documento: RP202401168626/22.1T8VNG-A.P1
Data do Acordão: 01/16/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A prescrição extintiva é o instituto de ordem pública por via do qual os direitos subjectivos se tornam inexigíveis, transformando-se em meras obrigações naturais, quando não são exercidos durante o lapso de tempo fixado na lei (cf. art.º 298.º, n.º 1, e 304.º do C Civil). Em termos processuais, a prescrição traduz-se numa excepção peremptória de direito material, de tipo modificativo, por eliminação de um dos elementos do vínculo obrigacional: a exigibilidade da prestação.
II - O direito de regresso da seguradora com base em condução sob o efeito do álcool do responsável por acidente de viação é um direito novo que tem por base o próprio contrato de seguro e que surge na esfera patrimonial da seguradora com o pagamento da indemnização, sendo-lhe aplicável o prazo prescricional consagrado no n.º 2 do art.º 498.º do Código Civil.
III - A interpretação deste normativo legal é pacífica no sentido de que o prazo de prescrição se inicia com o último pagamento efetuado, já que apenas com o último pagamento se pode efetivamente concluir ter ocorrido cumprimento total, para os fins previstos nos art.º 406.º, nº 1, e 762.º, n.º 1, ambos do C Civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 8628/22.1T8VNG-A.P1
Comarca: [Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia (J3); Comarca do Porto]

Relatora: Lina Castro Baptista
Adjunto: João Proença
Adjunta: Maria da Luz Meneses de Seabra
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SUMÁRIO
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO

“A..., S.A.”, com sede na Avenida ..., Lisboa, instaurou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra AA, residente na ..., ..., ..., Vila Nova de Gaia, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de EUR 22.507,12, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até pagamento integral.
Alega, em síntese, que entre si e o Réu foi celebrado o contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel titulado pela apólice nº ..., tendo por objeto seguro o veículo de matrícula n.º ..-..-DV.
Afirma que, no dia 06 de junho de 20219, ocorreu um acidente na Avenida ..., em Vila Nova de Gaia, em que foram intervenientes aquele dito veículo automóvel seguro, conduzido pelo Réu, e o veículo automóvel, de matrícula n.º ..-BS-.., conduzido por BB e propriedade da mesma.
Mais alega que a culpa exclusiva na produção do descrito acidente foi do Réu, sendo que, na altura, este conduzia o veículo seguro com uma TAS de pelo menos, 1,17 g/l.
Declara ter suportado indemnizações decorrentes deste sinistro num total de EUR 22.507,12, designadamente pela perda total do veículo de matrícula n.º ..-BS-.. e por tratamentos hospitalares e médicos e indemnizações às lesadas CC e DD.
Defende que, por força dos factos supra e do previsto no art.º 27º/1, alínea c) do DL. N.º 291/07, de 21 de agosto, é titular do direito de regresso e reembolso contra o Réu pelo que pagou.
O Réu veio contestar, excecionando a prescrição parcial dos montantes peticionados.
Alega, para tanto, que o alegado pagamento da perda total do veículo foi feito a 09/08/2019.
Advoga que este pagamento, referente à perda total do veículo, é juridicamente diferenciado e normativamente cindível dos demais, pelo que, ao abrigo do artigo 498.º, n.º 2do Código Civil[1] o suposto direito de regresso da Autora se encontra prescrito.
De igual modo, invoca, da mesma forma, a prescrição, nos moldes supramencionados, em relação aos pagamentos realizados em 14/10/2019 à “B...”, no valor de €97,52; em 20/09/2019 a EE, no valor de €22,20 e em 30/08/2019 a FF, no valor de €5,00.
Veio ainda impugnar a essencialidade da matéria de facto atinente à dinâmica do acidente e aos danos, contrapondo que o mesmo ocorreu por culpa única e exclusiva da condutora do veículo de matrícula n.º ..-BS-...
Conclui pedindo que seja julgada procedente a exceção perentória de prescrição parcial do montante peticionado pela Autora e, em qualquer caso, que a presente ação seja julgada totalmente improcedente por não provados os pressupostos do direito de regresso alegados pela Autora, com a sua consequente absolvição.
Notificada para o efeito, a Autora veio responder à matéria de exceção contrapondo que o último pagamento feito foi a 12/10/2020, pelo que o prazo prescricional terminaria apena a 12/10/2023.
Defende que todos os pagamentos foram feitos em cumprimento das mesmas normas legais, sem qualquer diferenciação jurídica, as dos artºs 483º, 487º e 562º e ss. do C Civil, ou seja, com base na responsabilidade civil aquiliana/extracontratual transferida, por força do seguro, para a autora.
Remata pedindo a improcedência da matéria de exceção invocada, concluindo como na Petição Inicial.
Proferiu-se despacho saneador que, entre o mais, apreciou a exceção de prescrição do direito da Autora, com a seguinte fundamentação resumida: “(…) Por via da presente ação, a autora pretende exercer perante o réu o direito de regresso sobre as quantias pagas em virtude de um acidente de viação com culpa exclusiva o mesmo, que circulava com TAS. (…)
No caso em apreço, a ré efetuou diversos pagamentos em momentos diferentes a título de indemnização pelos danos sofridos em virtude do acidente.
O entendimento unânime da jurisprudência é de que esse prazo se conta a partir da data do último pagamento. Neste sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24.01.2012, processo nº 644/10.2TBCBR-A.C1, disponível em www.dgsi.pt. O réu não pôs em causa as datas dos pagamentos resultando da factualidade alegada que o último ocorreu no dia 12.10.2020. Será a partir dessa data que se conta o prazo de três anos. A ação deu entrada no dia 25.10.2022, sendo que o prazo de prescrição se interrompeu cinco dias após a distribuição (artigo 323º, nº 2 do CC). Mostra-se assim manifesto que o prazo de prescrição ainda não decorreu, improcedendo a exceção perentória invocada.”
Inconformado com esta decisão, o Réu interpôs o presente recurso quanto à decisão da exceção perentória da prescrição, terminando com as seguintes
CONCLUSÕES:
I. O recorrente é réu no processo supramencionado que corre termos no Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia- Juiz 3.
II. Na contestação apresentada o recorrente defendeu-se por exceção perentória de prescrição, nos termos do artigo 498.º, n.º2 do CC.
III. Não obstante a letra da lei referir que a prescrição do direito de regresso só se inicia a contar do pagamento realizado pelo titular do direito a jurisprudência faz uma interpretação do preceito legal diferenciando os pagamentos realizados pelo titular do direito de regresso, nomeadamente quando os mesmos são núcleos indemnizatórios autónomos, juridicamente diferenciados e normativamente cindíveis dos demais.
IV. Entendendo a jurisprudência que esses núcleos indemnizatórios autónomos, juridicamente diferenciados e normativamente cindíveis dos demais iniciam o seu prazo prescricional desde a data do seu pagamento e não a contar do último pagamento realizado pelo titular do direito de regresso.
V. Ora o recorrente alegou expressamente essa jurisprudência na sua contestação.
VI. Não obstante, o Tribunal a quo proferiu despacho saneador declarando a exceção perentória de prescrição improcedente, invocando exatamente a mesma jurisprudência alegada pelo recorrente, mas fazendo dela uma interpretação contrária, em colisão expressa com a decisão constate no acórdão invocado.
VII. De facto, a autora na sua PI diferencia o pagamento alegadamente feito à proprietária do veículo BS, a título de perda total, relativamente aos demais danos que alega ter suportado junto daquela.
VIII. Tendo a autora no próprio doc. n.º 62 junto com a PI separado o pagamento de € 3.590,00, excecionado pelo recorrente, colocando-o num bloco à parte em relação aos demais pagamentos, num bloco autónomo e normativamente diferenciado.
IX. Procedendo assim a autora a um adiantamento da indemnização, cujo o prazo prescricional se inicia desde a data da sua realização e não desde a data do último pagamento realizado.
X. Uma vez que, o pagamento do referido adiantamento da indemnização relativamente à perda total do veículo BS se deu a 09/08/2019 e tendo o recorrente sido citado para a ação a 28/10/2022, o alegado direito de regresso da autora estava e está prescrito.
XI. Não existem causas de suspensão ou interrupção da prescrição excecionada.
XII. E não obstante o recorrente a ter expressamente alegado na contestação, o Tribunal a quo considerou que o recorrente estava em contradição com a jurisprudência invocada para demonstrar o mérito da exceção alegada.
XIII. O Réu cumpriu com ónus de alegar os factos diferenciadores e normativamente cindíveis atinentes ao pagamento realizado pela autora a título de perda total do veículo BS.
XIV. Nestes termos e melhores de direito deverá considerar-se totalmente procedente a exceção perentória de prescrição alegada pelo recorrente na contestação, em relação ao alegado pagamento de 3.590,00€ entregue pela autora à proprietária do veículo BS, a título de perda total do mesmo, revogando-se parcialmente o despacho saneador proferido pelo Tribunal a quo.
A Autora veio apresentar contra-alegações pugnando pela confirmação da decisão recorrida, reiterando a tese por si defendida nos autos.
Proferiu-se despacho a admitir o recurso, com subida em separado e efeito meramente devolutivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Resulta do disposto no art.º 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil[2], aqui aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, e 639.º, n.º 1 a 3, do mesmo Código, que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
A questão a apreciar, delimitada pelas conclusões do recurso, prende-se com a verificação da excepção peremptória de prescrição do direito invocado pela Autora.
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III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A factualidade relevante resume-se aos trâmites processuais atrás consignados no Relatório e ao teor da decisão recorrida, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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IV – EXCEPÇÃO PEREMPTÓRIA DE PRESCRIÇÃO DO DIREITO INVOCADO PELA AUTORA

O tribunal recorrido julgou improcedente a invocada excepção de prescrição, com fundamento em que a Autora efetuou diversos pagamentos em momentos diferentes a título de indemnização pelos danos sofridos em virtude do acidente dos autos, devendo o prazo prescricional contar-se a partir do último pagamento. Tendo em conta que o último pagamento ocorreu no dia 12/10/20 e que a ação deu entrada em Juízo no dia 25/10/22, conclui por tal improcedência.
O Recorrente defende no presente recurso que, não obstante a letra da lei referir que a prescrição do direito de regresso só se inicia a contar do pagamento realizado pelo titular do direito, a jurisprudência faz uma interpretação do preceito legal diferenciando os pagamentos realizados pelo titular do direito de regresso, nomeadamente quando os mesmos são núcleos indemnizatórios autónomos, juridicamente diferenciados e normativamente cindíveis dos demais.
Advoga que esses núcleos indemnizatórios autónomos, juridicamente diferenciados e normativamente cindíveis dos demais iniciam o seu prazo prescricional desde a data do seu pagamento e não a contar do último pagamento realizado pelo titular do direito de regresso.
Descendo ao caso dos autos, afirma que a Autora na sua Petição diferencia o pagamento alegadamente feito à proprietária do veículo BS, a título de perda total, relativamente aos demais danos que alega ter suportado junto daquela.
Conclui que, uma vez que o pagamento do referido adiantamento da indemnização relativamente à perda total do veículo BS se deu a 09/08/2019 e tendo o recorrente sido citado para a ação a 28/10/2022, o alegado direito de regresso da autora estava e está prescrito.
Cumpre decidir.
A prescrição extintiva é o instituto de ordem pública por via do qual os direitos subjectivos se tornam inexigíveis, transformando-se em meras obrigações naturais, quando não são exercidos durante o lapso de tempo fixado na lei (cf. art.º 298.º, n.º 1, e 304.º do C Civil).
Em termos processuais, traduz-se numa excepção peremptória de direito material, de tipo modificativo, por eliminação de um dos elementos do vínculo obrigacional: a exigibilidade da prestação[3].
Como já expunha Manuel de Andrade[4], o fundamento específico da prescrição “reside na negligência do titular do direito em exercitá-lo”, negligência que “faz presumir ter ele querido renunciar ao direito, ou pelo menos o torna (o titular) indigno de protecção jurídica”.
As partes estão de acordo em que o prazo prescricional aplicável aos presentes autos é o consagrado no n.º 2 do art.º 498.º do C Civil.
Com efeito, o direito de regresso é um direito novo que tem por base o próprio contrato de seguro e que surge na esfera patrimonial da seguradora com o pagamento da indemnização[5].
É a esta luz que devemos interpretar o art.º 27.º, n.º 1, alínea c), do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel, aprovado pelo D.L. n.º 291/2007, de 21/08[6], nos termos do qual “Satisfeita a indemnização, a empresa de seguros apenas tem direito de regresso: (…) c) Contra o condutor, quando este tenha dado causa ao acidente e conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida, ou acusar consumo de estupefacientes ou outras drogas ou produtos tóxicos.”
A disposição legal deste art.º 498.º, n.º 2, do C Civil refere expressamente que o direito prescreve no prazo de 03 anos “a contar do cumprimento.”
A interpretação desta expressão legal é pacífica no sentido de que o prazo de prescrição se inicia com o último pagamento efetuado: apenas com o último pagamento é que se pode efetivamente concluir ter ocorrido cumprimento total, para os fins previstos nos art.º 406.º, nº 1, e 762.º, n.º 1, ambos do C Civil.
O Recorrente aceita esta interpretação legal, mas enquadra a situação dos autos como uma situação excecional.
Sendo certo que todas as regras contêm, na sua própria génese, a possibilidade de lhe serem opostas situações excecionais, não é, a nosso ver, a situação em litígio nos presentes autos.
O Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão de 07/04/2011, tendo como Relator Lopes do Rego[7] introduziu os critérios de exceção à enunciada regra geral nos seguintes termos: “Nos casos de pagamento faseado de valores indemnizatórios a um mesmo lesado, incumbe ao R. que suscita a prescrição do direito de regresso da seguradora o ónus de alegar e demonstrar que o conjunto de recibos ou faturas por ela pagas até ao limite do período temporal dos 3 anos que precederam a citação na ação de regresso, representam um núcleo indemnizatório, autónomo e bem diferenciado relativamente aos restantes valores indemnizatórios peticionados na causa, - não lhe bastando, consequentemente, limitar-se a alegar, como fundamento da prescrição que invoca, a data constante desses documentos.”
Explica-se, desta forma, a razão de ser deste tratamento diferenciado: “Não sendo a letra da lei - ao reportar-se apenas ao «cumprimento», como momento inicial do curso da prescrição – suficiente para resolver, em termos cabais, esta questão jurídica, será indispensável proceder a um balanceamento ou ponderação dos interesses envolvidos : assim, importa reconhecer que a opção pela tese que, de um ponto de vista parcelar e atomístico, autonomiza, para efeitos de prescrição, cada um dos pagamentos parcelares efetuados ao longo do tempo pela seguradora acaba por reportar o funcionamento da prescrição, não propriamente à «obrigação de indemnizar», tal como está prevista e regulada na lei civil (arts. 562º e segs.) mas a cada recibo ou fatura apresentada pela seguradora no âmbito da ação de regresso, conduzindo a um - dificilmente compreensível – desdobramento, pulverização e proliferação das ações de regresso, no caso de pagamentos parcelares faseados ao longo de períodos temporais significativamente alongados. Pelo contrário, a opção pela tese oposta – conduzindo a que apenas se inicie a prescrição do direito de regresso quando tudo estiver pago ao lesado - poderá consentir num excessivo retardamento no exercício da ação de regresso pela seguradora, manifestamente inconveniente para os interesses do demandado, que poderá ver-se obrigado a discutir as causas do acidente, de modo a apurar se o estado de alcoolemia verificado contribuiu ou não para o sinistro, muito tempo para além do prazo-regra dos 3 anos a que alude o nº1 do art. 498º do CC.”
Surgiram sequencialmente vários outros Acórdãos no Supremo Tribunal de Justiça a defender idêntica tese argumentativa, designadamente o Acórdão de 03/07/18, tendo como Relator Pinto de Almeida, que veio ainda realçar que “Esta autonomização de núcleos da indemnização, para este efeito de contagem do prazo de prescrição, será admissível apenas em relação a danos autónomos e consolidados, de natureza claramente diferenciada e inteiramente ressarcidos.”, e o Acórdão de 26/11/20, tendo como Relatora Maria Rosário Morgado[8].
O Acórdão da Relação de Coimbra de 24/01/2012, tendo como Relator Henrique Antunes[9], invocado nas alegações de recurso, seguiu estas orientações: depois de enunciar a regra geral acima referida, exceciona as situações de indemnização em renda, referindo “É, pois, de três anos o prazo de prescrição do direito de regresso da seguradora relativamente à indemnização que tenha satisfeito aos lesados em acidente de viação causalmente conexionado com o estado de alcoolémia do condutor do veículo automóvel. Este prazo de prescrição inicia o seu curso com o último ato de pagamento parcelar da indemnização, exceto no tocante à indemnização em renda e, por aplicação de um critério funcional, aos núcleos indemnizatórios autónomos e juridicamente diferenciados e normativamente cindíveis, casos em que a prescrição inicia o seu curso no momento em que ocorreu o adiantamento da indemnização.”
Trata-se, sem dúvida, de uma situação excecional: a indemnização sob a forma de renda é, pela sua estrutura, autónoma e de natureza diversa das demais indemnizações de pagamento imediato e integral.
No caso dos autos, o Recorrente pede que se considere procedente a exceção perentória de prescrição em relação ao alegado pagamento de 3.590,00€ entregue pela autora à proprietária do veículo BS, a título de perda total.
Justifica tal tratamento apenas referindo que a Autora na sua Petição diferencia o pagamento alegadamente feito à proprietária do veículo BS, a título de perda total, relativamente aos demais danos que alega ter suportado.
Sendo tal alegação verdadeira, não consubstancia, de acordo com o critério apontado pelo Supremo Tribunal de Justiça, a existência de um núcleo indemnizatório e juridicamente diferenciado.
O motivo por que a Autora diferenciou, em termos de alegação, a indemnização em causa é evidente: ao contrário das restantes indemnizações que terão alegadamente correspondido ao valor dos danos sofridos, a indemnização atribuída a título de danos no veículo acidentado foi “corrigida” pelo facto de a Autora ter entendido tratar-se de uma situação de “perda total”.
Não sendo este critério atendível, nenhum outro foi invocado ou releva: o dano resultante da perda total é um dano patrimonial suportado pela Autora idêntico à generalidade dos demais danos elencados nos autos.
Reitera-se, portanto, que a indemnização individualizada pelo Recorrente não constitui um núcleo juridicamente diferenciado das demais indemnizações.
Por inerência, e sem necessidade de mais considerações, improcede o recurso do Recorrente, mantendo-se a decisão recorrida.
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V - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação em julgar o recurso interposto pelo Réu/Recorrente improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
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Custas do presente recurso a cargo do Recorrente - art.º 527.º do CP Civil.
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Notifique e registe.

(Processado e revisto com recurso a meios informáticos)

Porto, 16 de janeiro de 2024
Lina Baptista
João Proença
Maria da Luz Seabra
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[1] Doravante apenas designado por C Civil, por questões de operacionalidade e celeridade.
[2] Doravante apenas designado por CP Civil, por questões de operacionalidade e celeridade.
[3] Veja-se, neste sentido, Menezes Cordeiro in Tratado de Direito Civil, V, Parte Geral, 2015, 2.ª Edição, pág. 207 e ss., Almeida Costa in Direito das Obrigações, 12.ª Edição, 2016, pág. 1121 e ss., Luís Carvalho Fernandes in Teoria Geral do Direito Civil-II, 2010, 5.ª Edição, Universidade Católica Editora, pág. 693, Pedro Pais de Vasconcelos in Teoria Geral do Direito Civil, 2012, 7.ª Edição, Almedina, pág. 327, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão in Direito das Obrigações, Volume II, 2018, 12.ª Edição, Almedina, pág. 117, e Ana Filipa Morais Antunes in Prescrição e Caducidade, 2008, Coimbra Editora, pág. 16 e ss. Em sentido diverso, veja-se designadamente Rita Canas da Silva in Código Civil Anotado com coordenação de Ana Prata, 2017, pág. 378, onde se defende que “Nesta medida, a prescrição não constitui forma de extinção, nem de modificação de direitos – os direitos prescritos subsistem, sem alteração de natureza; com o decurso do prazo apenas se concede ao devedor um meio de defesa; ou, noutra perspectiva, o titular assiste ao enfraquecimento do seu direito, admitindo-se a recusa do cumprimento.”
[4] In Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, 1974, Almedina, pág. 445/446.
[5] Veja-se, a este propósito, Lei do Contrato de Seguro Anotada (2016, 3ª Edição, Almedina) onde se refere “O direito de regresso é um direito novo do qual é titular aquele que extinguiu a relação creditícia anterior, e que não implica qualquer transmissão, não devendo confundir-se com a sub-rogação (art.º 136.º e 181.º); em que o sub-rogado é colocado na titularidade do direito de crédito primitivo.” No mesmo sentido, Sinde Monteiro in “Seguro Automóvel Obrigatório. Direito de Regresso” in Cadernos de Direito Privado, n.º 2, Abril/Junho de 2003, pág. 49, Menezes Cordeiro in Direito dos Seguros, 2013, Almedina, pág. 764, e Antunes Varela in Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10.ª Edição, Almedina, 2000, pág. 781.
[6] Na redação do D.L. n.º 153/2008, de 06/08.
[7] Proferido no Processo n.º 329/06.4TBAGN.C1.S1 e disponível em www.dgsi.pt na data do presente Acórdão.
[8] Proferidos respetivamente nos Processos n.º 2445/16.5T8LRA-A.C1.S1 e n.º 235/18.0T8VRL.G1.S1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt na data do presente Acórdão.
[9] Proferido no Processo n.º 644/10.2TBCBR-A.C1 e disponível em www.dgsi.pt na data do presente Acórdão.