Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
490/24.6GAVFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DO ROSÁRIO MARTINS
Descritores: ART.º 80 CÓDIGO PENAL - INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO PRÁTICA
Nº do Documento: RP20251029490/24.6GAVFR.P1
Data do Acordão: 10/29/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO O RECURSO DO ARGUIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O desconto na pena de prisão efectiva aludido no artigo 80º do Código Penal, sendo obrigatório, não tem que ser ordenado na decisão condenatória para ser tomado em conta no cumprimento da pena de prisão.
II - Nos casos de penas de prisão suspensa na sua execução o desconto aludido no artigo 80º do Código Penal não pode ser determinado na sentença condenatória.

(Sumário da responsabilidade da Relatora)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo 490/24.6GAVFR.P1
Comarca de Aveiro
Juízo Local Criminal de Santa Maria da Feira – Juiz 1

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto:

I-RELATÓRIO
I.1 Por sentença proferida em 01.07.2027 foi decidido:
“Julga-se procedente a acusação, na qualificação perfilhada, e condena-se AA, pela autoria material e em concurso efectivo de:
- Um crime de violência doméstica simples, p. e p. pelo art.° 152.°, 1 b), do Cód. Penal; e
- Um crime de detenção de arma proibida (munições), p. e p. pelos art.os 86.°, 1 e) e 2, conjugado com os art.os 2.°, 3 a) e p), e 52.°, 1 e 2, todos da Lei n.° 5/2006, de 23.02,
nas penas respectivas de:
- Um (1) ano e cinco (5) meses de prisão,
que, pelas razões supra expostas, se suspende na sua execução, por igual período de tempo, com regime de prova, que inclua a proibição de contactos com a vítima não solicitados por esta e a obrigação de frequência de programa específico de prevenção da violência doméstica;
e
- Noventa (90) dias de multa, à razão de quinze euros (€ 15) dia, num total de mil, trezentos e cinquenta euros (€ 1 350).
Verificada que seja a hipótese do art.° 49.°, 1, do Cód. Penal, cumprirá sessenta (60) dias de prisão subsidiária.”
***
I.2. Recurso da decisão
O arguido AA interpôs recurso da sentença, terminando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição parcial, com exclusão da reprodução de preceitos legais e da citação de jurisprudência e doutrina):
“1 - O presente recurso tem por objecto a douta Sentença proferida pela primeira instância, que condenou o arguido aqui recorrente pela autoria material e em concurso efectivo de um crime de violência doméstica simples, p. e p. pelo art.° 152.°, 1 b), do Cód. Penal, na pena de um (1) ano e cinco (5) meses de prisão, suspensa na sua execução, por igual período de tempo, com regime de prova, que inclua a proibição de contactos com a vítima não solicitados por esta e a obrigação de frequência de programa específico de prevenção da violência doméstica; e de um crime de detenção de arma proibida (munições), p. e p. pelos art.os 86.°, 1 e) e 2, conjugado com os art.os 2.°, 3 a) e p), e 52.°, 1 e 2, todos da Lei n.° 5/2006, de 23.02, na pena de noventa (90) dias de multa, à razão de quinze euros (€ 15) dia, num total de mil, trezentos e cinquenta euros (€ 1 350).
2 - No que concerne ao crime de violência doméstica pelo qual o arguido foi condenado, o tribunal a quo não efectuou uma correcta fixação da medida da pena concretamente aplicada ao arguido, posto que a mesma é, salvo o devido respeito por melhor opinião, manifestamente desproporcionada e excessiva, em face das circunstâncias concretamente dadas como provadas.
Na verdade,
3 - Tal como consta da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, o crime de violência doméstica praticado pelo arguido é punível abstratamente com pena de prisão entre um e cinco anos.
4 - Dentro desta moldura abstracta acabada de referir, o Tribunal a quo optou pela pena de um ano e cinco meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período e tempo, sujeito aos condicionalismos acima referidos.
Todavia,
5 - A medida da pena concretamente aplicada ao arguido e da pena acessória de inibição de conduzir é manifestamente exagerada, violando o disposto no artigo 71° do C.P.
Na verdade,
6 - Tendo em conta que a medida concreta da pena é determinada, nos termos do disposto no artigo 71° do C.P., em função da culpa do agente; das exigências decorrentes do fim preventivo especial ligadas à reinserção social do delinquente; das exigências decorrentes do fim preventivo geral ligadas à contenção da criminalidade e à defesa da sociedade; bem como todas as circunstâncias que deponham a favor do agente ou contra ele, a verdade é que, no caso concreto dos presentes autos,o Tribunal a quo não fez uma adequada ponderação de tais critério.
7 - Isto porque, não teve em consideração nem sopesou devidamente:
- o facto de estarmos perante um arguido primário, não tendo quaisquer antecedentes criminais;
- a sua idade, porquanto, à data dos factos tinha 61 anos de idade;
- o efeito previsível que toda esta situação já teve sobre o seu comportamento futuro, posto que, adoptou uma postura humilde, de consternação e demonstrou um arrependimento sincero e profundo, denotando um juízo de auto-censura e que, já interiorizou o desvalor da sua conduta no espaço de tempo que mediou entre o dia da ocorrência dos factos e o dia em que foi submetido a julgamento, tanto mais que o período de reclusão a que foi sujeito por virtude da aplicação da medida de coação de prisão preventiva surtiu efeito no seu comportamento, induzindo o arguido à reflexão e à interiorização do desvalor da sua conduta, sendo sua vontade (conforme expressou), afastar-se da criminalidade, tendo-se tornado um cidadão melhor, não se mostrando evidenciado nos autos qualquer factor de risco de que o arguido volte a delinquir, permitindo antes a formulação de um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido.
- o facto de ter confessado integralmente e sem reservas os factos de que vinha acusado, demonstrando total capacidade de auto-censura e consciência crítica para os seus comportamentos, "contribuindo de forma relevante para a descoberta da verdade material", tal como consta da douta sentença recorrida;
- as suas condições pessoais, designadamente o facto de se encontrar integrado, pessoal, familiar e socialmente, sendo reformado, por virtude do que aufere de uma pensão de reforma mensal de cerca de 1700,00 euros mensais;
- a sua baixa escolaridade, na medida em que tem a 4- classe.
8 - Tudo circunstâncias demonstrativas de que o recorrente é um cidadão perfeitamente normal e integrado, quer social, quer profissionalmente, o que significa que as exigências de prevenção, quer geral, quer especial, não podem ser tão elevadas como o Tribunal a quo as considerou.
9 - E assim sendo, como efectivamente é, na ponderação de tais critérios, deveria o arguido ter sido punido com uma pena de prisão fixada no seu mínimo legal de um ano (suspensa igualmente na sua execução por igual período de tempo e ainda que sujeita aos mesmos condicionalismos acima referidos), uma vez que esta seria suficiente para satisfazer as necessidades de reprovação e prevenção.
10 - Quanto às exigências de prevenção geral, estas realizam-se igualmente com a aplicação ao arguido de uma pena de prisão fixada no seu mínimo legal de um ano, uma vez que esta seria suficiente para satisfazer as necessidades de reprovação e prevenção, discordando o arguido do entendimento subjacente à pena efectivamente aplicada ao arguido, no sentido de que se exige uma especial e enérgica reação, sendo através do agravamento da pena concretamente aplicada que tais exigências de prevenção geral ficam satisfeitas.
11 - Dessa interpretação decorre, desde logo, a adesão a um direito penal de pendor repressivo (desajustado à actual concepção do direito penal português, enquanto ultima ratio, instrumento de tutela subsidiária de bens jurídicos, que se deve reduzir «ao mínimo indispensável», assim garantindo as condições mínimas e básicas para a promoção da auto-realização de cada pessoa na sociedade, quase um apelo ao "direito penal do inimigo" (em que uns são os maus, os inimigos do ordenamento, a quem se devem retirar os direitos e punir exemplarmente e, os outros são os bons, os que merecem os direitos.), revelando igualmente uma perspectiva muito retributiva, em detrimento de um direito penal de prevenção (cf. art. 40 n° 1 do CP).
12 - Para além disso, mostra um total alheamento pela filosofia subjacente à aplicação das penas, dando primazia à ideia de que o arguido deve sentir um poder punitivo hostil e coercitivo e não um poder virado para a vertente humana.
13 - O Tribunal a quo esteve mais preocupado em castigar ou punir severamente e não em chamar a atenção para os valores minimamente necessários à convivência em sociedade, que deveriam ser, aliás, o caminho a seguir para a ressocialização do arguido e que seria muito mais eficaz ao nível da prevenção, quer da geral (enquanto necessidade de restabelecer a confiança na validade da norma violada), quer especial (enquanto carência de socialização).
14 - Ora, nunca tendo o arguido beneficiado de suspensão provisória do processo, não tendo antecedentes criminais, tendo confessado integralmente e sem reservas os factos pelos quais foi condenado e mostrando-se arrependido e consciente da gravidade da sua conduta, tudo indica que a aplicação de uma pena de prisão pelo mínimo legal lhe irá proporcionar as necessárias condições para alcançar com êxito a sua socialização e, ao mesmo tempo, reparar a comunidade (assegurando a confiança na norma violada), melhor interiorizando a necessidade de levar uma vida conforme ao direito.
15 - Pelo exposto, no que concerne ao crime de violência doméstica, a condenação do arguido nos moldes em que o foi é manifestamente exagerada, devendo ser aplicada uma pena de prisão bem maisleve, de um ano de prisão, suspensa na sua execução por igual período e sujeita aos mesmos condicionalismos em que o foi, posto que esta realizará, do mesmo modo as finalidades da punição, isto é, a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (art. 40° do C.P.).
16 - Tanto mais quando o Tribunal fixou como condição da suspensação de tal pena o regime de prova e as demais proibições e obrigações acima referenciadas que auxiliarão a plena integração social do arguido, sendo certo que, em caso de incumprimento, haverá naturalmente lugar à revogação de tal suspensão de execução da pena.
17 - Assim sendo, como efectivamente é, ao aplicar ao arguido a pena de um ano e cinco meses de prisão nos moldes em que o fez, o Tribunal a quo violou os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito, para a protecção dos bens ou interesses constitucionalmente protegidos, atentando frontalmente contra o fim das penas e à previsão dos artigos 40° e 71° do C.P..
18 - Nestes Termos e nos Melhores de Direito, Deve Ser Revogada a Sentença Recorrida, e em Sua Substituição, ser proferida outra que reduza a pena de Prisão a um ano, suspensa na sua execução por igual periodo e sujeita aos mesmos condicionalismos determinados pelo Tribunal a quo.
De referir ainda que:
19 - Tal como decorre dos autos, o arguido esteve preso preventivamente à ordem dos presentes autos desde 07/11/2024 a 23/04/2025, num total de 168 dias.
(…)
21 - In casu, o arguido foi condenado na pena de um ano e 5 meses de prisão, suspensa na sua execução, e na pena de multa de 90 dias, à taxa diária de 15 euros, com 60 dias de prisão subsidiária.
22 - Todavia, o tribunal a quo não efectuou o desconto do tempo de prisão preventiva cumprida na pena de prisão aplicada, nos termos do preceito legal acima citado, o que, no caso de se entender que tal desconto não opera ope legis (no sentido de que resulta da lei para ser tomado em conta no cumprimento da pena) e que cabe ao Tribunal a quo ordená-lo na decisão condenatória, consubstancia uma nulidade, por omissão de pronúncia sobre uma questão que lhe competia decidir conforme resulta imperativamente da lei, que assim, expressamente se invoca, com as legais consequências, ou, se assim não se entender, pelo menos, um erro material grosseiro que cumpre corrigir, também com as legais consequências, devendo determinar-se o abatimento dos dias de prisão preventiva sofridos pelo arguido na pena de prisão aplicada ao arguido, ou naquela que vier a ser fixada na procedência do presente recurso respeitante à dosimetria da mesma, o que expressamente se requer.
De outra banda,
23 - No que concerne ao crime de detenção de arma proibida, o tribunal a quo considerou como provada a seguinte factualidade que, com a devida vénia se passa a transcrever:
."18. No dia 07.11.2024, no interior do quarto da sua residência, sita na Travessa ..., ... Vale de Cambra, o arguido detinha e armazenava, dentro de uma gaveta da mesinha da cabeceira, 16 (dezasseis) munições de calibre 6,35 mm Browning, da marca "GECO", de origem Alemã. 19. Naquelas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido também detinha e armazenava no interior da sua residência, uma réplica de espingarda. 20. O arguido não era titular de licença de uso e porte de arma."
."28. Ao actuar da forma descrita, agiu o arguido de modo livre, voluntário e consciente, com o intuito concretizado de deter e guardar no interior da sua residência 16 (dezasseis) munições de calibre 6,35 mm Browning, sabendo que essas munições eram aptas à utilização de pistolas semiautomáticas e sabendo que não era portador da legalmente imposta licença ou autorização para as deter, guardar e armazenar, por se tratarem de munições da classe B1. "
."29. O arguido sabia da censurabilidade e punibilidade criminal das suas condutas."
24 - Tais factos foram enquadrados na prática de um crime de detenção de arma proibida, (munições), p. e p. pelos artigos 86.°, 1 e) e 2, conjugado com os art.os 2.°, 3 a) e p), e 52.°, 1 e 2, todos da Lei n.° 5/2006, de 23.02.
25 - São elementos objectivos do tipo de crime (atento a factualidade imputada ao arguido):
- O agente, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente;
- Detiver, transportar, importar, transferir, guardar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação, transferência ou exportação, usar ou trouxer consigo;
- - Quaisquer dos objectos descritos na supra transcrita alínea e), e nas condições aí referidas.
26 - É elemento subjectivo do tipo o dolo, uma vez que o crime não é punido a título negligente.
27 - In casu, ante a factualidade dada como provada, não há duvida que se encontra preenchido, na sua globalidade, o elemento objectivo do tipo legal do artigo 86°.
28 - Porém, já o mesmo se não pode dizer com relação ao elemento subjectivo.
29 - Isto porque, a este propósito, apenas se provou a seguinte factualidade:
."18.Ao actuar da forma descrita, agiu o arguido de modo livre, voluntário e consciente, com o intuito concretizado de deter e guardar no interior da sua residência 16 (dezasseis) munições de calibre 6,35 mm Browning, sabendo que essas munições eram aptas à utilização de pistolas semiautomáticas e sabendo que não era portador da legalmente imposta licença ou autorização para as deter, guardar e armazenar, por se tratarem de munições da classe B1. "
."29. O arguido sabia da censurabilidade e punibilidade criminal das suas condutas
30 - Tal factualidade é insuficiente para o preenchimento do elemento subjectivo, na medida em que, na acusação, não consta especificado factualmente qualquer das situações de representação previstas no artigo 14° do Código Penal, o mesmo é dizer, por exemplo, que o arguido representou que, ao estar na posse das mencionadas 16 munições, cujas características conhecia, estava na posse de tais objectos fora da condições legais e, ainda assim, quis ter consigo tais objectos, ou representou que, ao estar na posse de tais munições em apreço, cujas características conhecia, necessariamente estaria na posse de tais objectos fora da condições legais, e, ainda assim, quis agir, ou representou que, ao estar na posse dos mesmos, cujas características conhecia, eventualmente estaria na posse deles fora da condições legais e, ainda assim, conformando-se com tal possibilidade, quis agir.
31 - Por conseguinte, não constando da acusação tal factualidade e não podendo o tribunal fixá-la como provada, sob pena de contrariar, ostensivamente, o acórdão de fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, o qual fixou jurisprudência no sentido de que "A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no artigo 358° do Código de Processo Penal." - (Acórdão de fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, de 1/2015, publicado no Diário da República, 15 série, n.° 18, de 27.01.2015) -, conclui-se que a factualidade fixada como provada é, por si só, insuficiente para responsabilizar criminalmente o arguido pela actuação que lhe é imputável.
(…)
33 - Por conseguinte, impõe-se absolver o arguido da prática do crime em apreço de que se encontra acusado e pelo qual foi condenado, na medida em que os factos dados como provados não permitem a conclusão de que se encontra preenchido o elemento subjectivo do tipo, sob a forma de dolo, designadamente o elemento volitivo deste.
(…)
36 - Em face da disposição legal acima transcrita, age com dolo quem:
- representando um facto que preenche um tipo de crime (elemento intelectual),
- actua com intenção de o realizar (elemento volitivo).
37 - Assim, em todos os tipos de dolo, é necessário,em primeiro lugar, tal como ensina a autora que se tem vindo a citar, e como diz a lei, representar no seu intelecto um facto que preenche um tipo de crime e age depois com o intuito de levar a cabo essa mesma "cena" que representou no seu intelecto.
38 - E não se diga que a inclusão na acusação e nos factos dados como provados da sacramental fórmula o arguido agiu livre, deliberada e conscientemente é suficiente para demonstrar o preenchimento da tipicidade subjetiva, posto que assim não ocorre.
39 - O agente que age livre, fá-lo sem qualquer espécie de coação ou condicionamentos, ao passo que quando age de modo deliberado, fá-lo de forma decidida, determinada, e fazê-lo conscientemente quer dizer que não estava tolhido por qualquer contingência que lhe impedisse o normal pensamento (v.g. embriaguez, surto psicótico).
40 - Na verdade, é possível atuar com todos estes parâmetros impecavelmente afinados e desconhecer, neste caso, o essencial: o tamanho da lâmina e o campo de aplicação da arma detida.
41 - Basta pensar, por exemplo, na possibilidade de o agente ter transportado o objeto a pedido de um amigo, sem saber do que, em concreto, se tratava; ele acedeu ao pedido e tudo o que fez, fê-lo livre, deliberada e conscientemente, mas não sabia, em concreto, o que transportava.
42 - O mesmo se diga de uma pessoa que pede a outra para lhe levar um saco com pó branco para um amigo, ao que ele acede, vindo a apurar-se, por exemplo, numa operação de fiscalização de trânsito, que era cocaína: também fez o obséquio de modo livre, deliberado e consciente, mas é necessário assegurar que sabia que era cocaína, que conhecia as características do produto; se isso se não alegar e provar, não poderá, obviamente, ser condenado. Na verdade, esta parte dos textos das acusações e das decisões tem mais que ver com as questões de imputabilidadedo agente do que com quaisquer outras, designadamente com o dolo.
43 - É verdade que autores há que usam a palavra consciência também para se referirem ao elemento intelectual do dolo - cfr. Teresa Beleza, ob. ct., pag. 169, e nota 97, mas o termo conscientemente usado de modo formatado nas acusações e decisões não quer normalmente referir-se ao elemento intelectual do dolo, mas antes ao estado de domínio comportamental do agente, com relevância para o juízo de culpa.
44 - Para assim concluir basta pensar que em todas, ou quase todas, as acusações em que se encontra corretamente articulado o elemento intelectual do dolo também constatamos a articulação de que o agente agiu livre, deliberada e conscientemente, o que, não fora como acima se afirmou, constituiria tão recorrente quanto inútil redundância.
45 - E nestas coisas tão fulcrais do direito penal não pode nem deve haver necessidade de interpretações ou de afirmações implícitas. Tudo deve ser simples, claro e objetivo.
46 - E muito menos se poder inferir ou deduzir ou concluir o preenchimento do elemento intelectual do dolo através do segmento final: sabia que a sua conduta era proibida e punível por lei, elementos que têm que ver com a culpa.
47- Na verdade, esta também usual fórmula tem que ver, dentro da culpa, sobretudo com a consciência da ilicitude e não com o dolo, sendo até mais rigoroso alegar que o agente conhecia a proibição e punição legais daquela conduta em vez da sua conduta - efetivamente, não fora o caráter padronizado e quase robotizado deste procedimentos, poderia até dizer-se que decisão seria nula, por contradição insanável entre os factos dados como provados, pois, por um lado, segundo a própria decisão, não existem factos para o elemento intelectual do dolo (portanto, não sabemos se o agente sabia, em concreto, o que tinha), e, por outro, dá-se como provado que ele sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei!
(…)
49 - Assim, muito mais do que expressões pré-fabricadas, formatadas, sacramentais, ou como se lhe queira chamar, é deveras importante individualizar todos os elementos descritivos e normativos do tipo de crime que estiver em causa e escrever na acusação e na decisão de modo simples e claro esses factos, sejam eles provados ou não provados.
50 - O dolo traduz-se num saber (ou, pelo menos, representar) e num querer, tendo factualmente que resultar dos factos narrados na acusação que o agente representou e quis os factos do tipo objetivo - os factos do dolo do tipo, os quais não são de especificação obrigatória no despacho de acusação, sob pena de o terem de ser todos os restantes elementos da doutrina do crime.
(…)
53 - In casu, da redacção factual vertida na acusação pública não consta o elemento volitivo do dolo, isto é, não é mencionada a vontade agente em realizar o facto depois de ter previsto ou representado os elementos constitutivos do tipo objectivo, porquanto, para tal efeito, deveria na acusação pública, constar, a título exemplificativo, a seguinte redacção: O arguido sabia que que tinha tais objectos na sua posse, que essa detenção de tais objectos, cujas características conhecia, era proibida por lei, não obstante isso, quis detê-los nas circunstancias descritas, agindo de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que, actuando da forma descrita praticava acto proibido e punido por lei penal.
54 - E assim, sendo a acusação pública totalmente omissa quanto ao mencionado elemento volitivo do dolo, concomitantemente, padece o libelo acusatório de nulidade, que expressamente se invoca, com as legais consequências.
(…)
56- Em face do exposto, deve a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que absolva o arguido da prática do crime que lhe vem imputado, com as legais consequências.
57- Acaso assim se não entenda, o que não se concede e só por mera hipótese de raciocínio se admite, a verdade é que, também no que tange à medida da pena concretamente aplicada ao arguido pela prática do crime de detenção de arma proibida revela-se a mesma manifestamente exagerada, violando o disposto no artigo 71° do C.P. .
Com efeito,
58 - Tal como consta da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, o crime em causa é punível abstratamente com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.
59 - Dentro desta moldura abstracta acabada de referir, o Tribunal a quo optou pela pena de multa de 90 dias, à razão de 15,00 euros diários.
60 - Porém, a medida da pena de multa concretamente aplicada ao arguido é claramente exagerada, sobretudo tendo em consideração tudo quanto acima se deixou expresso relativamente à medida concreta da pena aplicada ao arguido pela prática do crime de violência doméstica, o que aqui se dá por integralmente reproduzido e integrado para todos os legais efeitos, assim se evitando repetições inúteis.
61 - Sendo que, na ponderação dos mesmos critérios e da factualidade ali referenciados, deveria o arguido ter sido punido com uma pena de multa fixada no mínimo legal, quer em número de dias, quer quanto ao seu quantitativo diário, uma vez que esta seria suficiente para satisfazer as necessidades de reprovação e prevenção.
62 - Sempre sem perder de vista as regras de fixação da taxa diária da pena de multa, dada a técnica usada pelo legislador num primeiro momento há que quantificar a pena de multa a aplicar ao caso, determinada segundo os critérios estabelecidos no art. 71°, e depois fixar a respectiva taxa diária.
(…)
65 - Ou seja, o tribunal tem que atender à situação presente para adequar a pena de multa de modo a não fixar uma pena nem que seja de cumprimento impossível, nem que se traduza numa quase absolvição: se o montante for desajustado porque demasiado elevado o que resulta é que o condenado não poderá, simplesmente, cumprir, mesmo que nisso faça questão; se for demasiado baixo o cumprimento da pena não gera nem sacrifício, nem desconforto, e acaba por não se fazer sentir.
66 - A pena, qualquer que seja a óptica por que seja encarada, ainda que com fins meramente preventivos, justamente porque o é implica sacrifício, relevante à função preventiva e retributiva.
67 - E por isso que mesmo pessoas carenciadas são passíveis de condenação em pena de multa. Defender tese diferente redundaria ou na defesa da aplicação de pena detentiva, o que evidentemente não pode ser, ou numa situação de dispensa de pena, que também não é defensável.
68 - No que à situação económica e financeira do arguido respeita o tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos, que o arguido não impugna: aufere 1700,00 € a titulo de reforma mensal; vive com o filho em casa deste em frança e alguns períodos do ano em casa própria, em Portugal;
69 - Face a tais condições económico-financeiras do arguido, o valor da multa é desproporcional às suas capacidades para a cumprir mantendo a razoável estabilidade de vida.
70 - Nesta medida, torna-se incompreensível a fixação de um tão elevado número de dias de multa, bem assim como de um quantitativo diário, também ele de tão elevado valor.
71 - Assim sendo, como efectivamente é, ao aplicar a pena de multa nos moldes em que o fez, o Tribunal a quo violou os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito, para a protecção dos bens ou interesses constitucionalmente protegidos, atentando frontalmente contra o fim das penas e à previsão dos artigos 40° e 71° do C.P..
72 - Como tal, deve a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que fixe a pena de multa no mínimo legal, bem assim como a sua respectiva taxa diária.”
Pugna pela revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra em conformidade com o supra expendido nas conclusões.
***
I.3. Resposta do Ministério Público
O Ministério Público, na resposta ao recurso, pronunciou-se pela sua improcedência, concluindo nos seguintes termos (transcrição integral):
“a. Os factos dados como provados na sentença constituem descrição suficiente do elemento subjectivo do crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º nº 1 al. e) e 2 do RJAM e da consciência da ilicitude e, estando também preenchidos os seus elementos objectivos, impõe-se a condenação do recorrente pela sua prática.
b. A pena de prisão e a pena de multa em que o recorrente foi condenado mostram-se adequadas à sua culpa, às finalidades de prevenção que com elas se visam alcançar e aos demais critérios fixados pelo art. 71.º nº 1 e 2 do Código Penal, e o quantitativo diário da pena de multa encontra-se correctamente fixado, atendendo à sua situação económico-financeira e aos seus encargos pessoais.
c. Tendo a pena de prisão aplicada ao recorrente sido substituída por pena de substituição de suspensão da sua execução e não tendo ele, por isso, qualquer pena de prisão a cumprir, não carece de ser efectuado, em sede de sentença, o desconto do período de privação da liberdade por si sofrido, decorrente da medida de coacção de prisão preventiva, no cumprimento da pena de prisão.
d. Não foram violadas quaisquer normas jurídico-penais.”
***
I.4. Parecer do Ministério Público
Nesta Relação o Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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I.5. Resposta ao parecer
Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, n.º 2 do CPP, não tendo sido apresentada resposta ao parecer do Ministério Público.
***
I.6. Foram colhidos os vistos e realizada a conferência.
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II- FUNDAMENTAÇÃO
II.1. Objecto do recurso
Conforme jurisprudência constante e assente, é pelas conclusões apresentadas pelo recorrente que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior (cfr. Acórdão do STJ, de 15/04/2010, acessível em www.dgsi.pt).
Da análise das conclusões do recorrente AA extraímos sequencialmente as seguintes questões que importam apreciar e decidir:
1ª Medida concreta da pena de prisão aplicada ao crime de violência doméstica;
2ª Aplicação do desconto previsto no artigo 80º do Código Penal;
3ª Falta do elemento subjectivo do crime de detenção de arma proibida;
4ª Nulidade da acusação;
Subsidiariamente,
5ª Medida concreta da pena de multa aplicada ao crime de detenção de arma proibida e respectiva taxa diária.
*
Conheceremos os fundamentos do recurso pela sua ordem lógica das consequências da sua eventual procedência e influência preclusiva.
***
II.2. Sentença Recorrida (que se transcreve parcialmente nas partes relevantes)
“III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A. OS FACTOS.
A audiência de julgamento realizou-se com observância de todo o formalismo legal, dela resultando os seguintes factos provados:
1. O arguido e BB iniciaram uma relação de namoro em Outubro de 2023, que terminou a 05.06.2024.
2. Logo a partir da segunda semana após o término do relacionamento e até Novembro de 2024, o arguido deslocou-se à residência de BB, sita na Rua ..., habitação ..., ..., ..., SMF, e depositou na caixa de correio papéis por si manuscritos, nos quais adoptou um discurso desesperado, insistente e até fatídico, ora anunciando o seu amor profundo, ora insistindo para que BB reatasse a relação amorosa, ora anunciando o futuro suicídio.
3. Mas entre o discurso escrito, naqueles termos, também culpabilizava BB pelo fim da relação, insinuando ou afirmando que a mesma o traíra.
4. Com efeito, remeteu um manuscrito com os dizeres: "BB e com muito custo que aceito a nossa separação gosto mesmo muito de ti sou capaz de isto tudo te fazer feliz para aceitar se não me quiseres mais quero tudo que te dei também ao teu ex namorado. Quero-te deixar em paz mas foste o meu grande amor".
5. No mesmo manuscrito, redigiu:"Desbloqueia-me o telefone para falar contigo não te quero procurar mais fico doente tu estas a levarme ao suicídio não aguento-te perder. As coisas não são como tu dizes, falhas em muitas coisas tu e que fazes a pergunta e a resposta para me ofender se me amas como te amo vamos continuar".
6. Num outro manuscrito, que enviou a BB, escreveu: "ola boa tarde quero tudo te dei e que apagues as fotos que tens no telefone (...) já que não queres nada comigo não tens o direito de ter nada que te dei".
7. Contudo, no mesmo manuscrito, e logo de seguida, redigiu: "gosto mesmo muito de ti era capaz de te fazer feliz depois desta novela toda quando te conheci foi com gosto mas correu mal (...) ".
8. Em outro manuscrito, redigido e enviado nos termos descritos, escreveu: "vai ser difícil ver te com outro homem mas não es obrigada andar comigo nos tratamonos muito mal se me perdoares se quiseres caso contigo podes ir a policia assumo todos os erros arranja um homem que seja bom para o teu filho como eu fui (...) ".
9. Num outro manuscrito, pelo arguido redigido e remetido a BB, escreveu, entre o demais:"eu gosto de ti mas sei acho que não queres nada comigo mas vais-te arrepender".
10. Na verdade, em data não apurada BB bloqueou o contacto telefónico do arguido, uma vez que este, por várias vezes, em datas não apuradas, lhe ligou, dizendo-lhe: "EU FODO-TE O FOCINHO", "ATIRO-TE DE UMA RIBANCEIRA ABAIXO", "TU ÉS UMA PUTA", "ANDAS COM OUTROS HOMENS", "VAI PARA A VIDA PORCA QUE ANDAVAS", "AGORA JÁ TENS QUEM TE COMPRE OS CIGARROS", "ÉS UMA VACA", "UMA GRANDE PUTA".
11. Também nas diversas chamadas telefónicas efectuadas pelo arguido a BB, aquele lhe anunciou: "EU VOU ANDAR CÁ POUCO TEMPO, MAS TU TAMBÉM CÁ NÃO FICAS".
12. Num outro manuscrito, redigido e enviado pelo arguido a BB, aquele escreveu: "BB ve se me consegues perdoar as (acções/agressões?) verbais que aconteceu entre nos isso na se volta a repetir eu falote assim mas gosto muito de ti e do teu filho já me conheces eu te prometo... não vás conhecer outro sabes como e difícil (...) ".
13. O arguido também se deslocou várias vezes ao local de trabalho de BB, pretendendo interagir com esta, apesar de saber que a vítima não pretendia falar consigo.
14. O arguido foi notificado por via postal para comparência no Posto Territorial 1..., no dia 24.10.2024, a fim de ser constituído enquanto tal e interrogado, o que sucedeu.
15. Sucede que, após aquela data, o arguido continuou a remeter vários manuscritos nos termos descritos e a depositá-los na caixa de correio de BB.
16. Na verdade, remeteu um manuscrito a BB redigido na própria notificação postal que havia recebido para comparência no Posto Territorial 1..., com os seguintes dizeres: "quando me bloqueaste o telefone para para me começar a trair pelo telefone e agora fazes isto"; "BB achas que eu merecia isto mas ter que saber faz de mim o que quiseres fica sabendo que gosto muito de ti estou a escrever isto as lagrimas".
17. Todos os manuscritos foram recebidos e lidos por BB.
18. No dia 07.11.2024, no interior do quarto da sua residência, sita na Travessa ..., ... Vale de Cambra, o arguido detinha e armazenava, dentro de uma gaveta da mesinha da cabeceira, 16 (dezasseis) munições de calibre 6,35 mm Browning, da marca "GECO", de origem Alemã.
19. Naquelas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido também detinha e armazenava no interior da sua residência, uma réplica de espingarda.
20. O arguido não era titular de licença de uso e porte de arma.
21. Durante a busca domiciliária decorrida neste dia 07.11.2024, e perante os militares da GNR, CC, DD, EE, FF e GG, todos a exercer funções no Posto Territorial ..., o arguido anunciou por diversas vezes: "EU JÁ TENHO POUCO TEMPO DE VIDA, VOU MATÁ-LA E A SEGUIR MATO-ME A MIM COM VENENO", "ATÉ JÁ TENHO AÍ UM FRASCO", referindo-se à pessoa de BB.
22. Fruto das condutas reiteradas e muito frequentes, mesmo após a constituição como arguido, e perante o discurso paranóico adoptado pelo arguido, BB sente-se amedrontada e receosa que aquele a mate ou atente contra a sua integridade física.
23. BB sente-se também condicionada na sua liberdade de acção e decisão, e subjugada às condutas persistentes do arguido, sempre contra a sua vontade.
24. Ao actuar da forma descrita, agiu o arguido de modo livre, voluntário e consciente, com o intuito concretizado de, mostrando grande instabilidade emocional e estando inconformado com o término da relação, condicionar a liberdade de acção e decisão de BB, de impor a sua presença física ou psicológica constante, de a humilhar e enxovalhar atentando contra a sua honra, de a fazer sentir-se receosa e amedrontada, de condicionar o seu bem estar psicológico também através da anunciação que se irá suicidar e de que a irá matar.
25. Ao actuar da forma descrita, agiu o arguido de modo livre, voluntário e consciente, com o intuito concretizado de imprimir uma grande intensidade e frequência no envio das missivas escritas, de as redigir com um discurso desesperado e desesperante que sabia e quis fossem decisivos a fazer BB ceder na vontade imposta de reatar a relação.
26. Ao actuar da forma descrita, agiu o arguido de modo livre, voluntário e consciente, com o intuito concretizado de utilizar a notificação para comparência no posto territorial da GNR que havia recebido para manuscrever como descrito, culpabilizando a vítima pelo facto de ser constituído arguido, e ainda com o intuito concretizado de depositar esse manuscrito na caixa de correio de BB, sabendo que esta o leria, querendo com essa actuação imprimir medo na vítima e dissuadi-la de contribuir probatoriamente para a sua responsabilização criminal.
27. Ao actuar da forma descrita, agiu o arguido de modo livre, voluntário e consciente, com o intuito de condicionar o quotidiano de BB e agir sempre contra a vontade desta.
28. Ao actuar da forma descrita, agiu o arguido de modo livre, voluntário e consciente, com o intuito concretizado de deter e guardar no interior da sua residência 16 (dezasseis) munições de calibre 6,35 mm Browning, sabendo que essas munições eram aptas à utilização de pistolas semiautomáticas e sabendo que não era portador da legalmente imposta licença ou autorização para as deter, guardar e armazenar, por se tratarem de munições da classe B1.
29. O arguido sabia da censurabilidade e punibilidade criminal das suas condutas.
Elementos pessoais do arguido:
30. Aufere € 1700 mensais, a título de reforma (francesa); vive com o filho (economicamente autónomo), em casa deste, em França, e alguns períodos do ano em casa própria em Portugal; tem a 4.a Classe; tem acompanhamento psicológico, em consultas, achando-se medicado;
31. Não se lhe conhecem outras práticas criminais.
*
factos não provados:
Inexistem.
*
[De salientar aqui que não se fez constar dos factos provados e/ou não provados a matéria da contestação que conforma juízos de valor, conclusões ou se considerou irrelevante, face à confissão integral e sem reservas do arguido].
*
B. A CONVICÇÃO.
Convicção do tribunal:
Foram determinantes para a fundamentar:
Factos 1.° a 29.°: As declarações do arguido - confessando integralmente e sem reservas os factos imputados (art.° 344.°, 2 a), do CPP) - e o teor do doc. de fls. 297 (exame pericial das munições efectuado pelo Núcleo de Armas e Explosivos do Comando Distrital de Aveiro);
30°: As declarações do arguido - informando o tribunal sobre as suas condições económicas e situação vivencial - que, na ausência de outros elementos mais consistentes, se consideraram atendíveis;
31°: O teor do doc. de fls. 377 (CRC do arguido, de onde resulta nada constar).
(…)
2. Escolha e medida da sanção: determinação da medida concreta.
(…)
Importa, assim, atender à natureza dos bens jurídicos violados, ao vínculo da relação de ex-namorada - associado a personalidade com propensão para o controle e violência psíquica, no contexto de ciúmes e baixa auto-estima -, razões das ocorrências e ao desvalor da conduta relativa à detenção de munições;
A gravidade das suas consequências é elevada (na violência doméstica), considerando não só a obrigação de respeito mútuo, como o desrespeito pela integridade psíquica da visada, e, finalmente, as vezes e espaço de tempo em que os actos foram praticados e variedade respectiva; a detenção de munições é de considerar de relevo reduzido, tendo em conta que não detinha arma para as usar;
A intensidade do dolo é elevada, porque de dolo directo se trata -, porquanto o arguido representou os factos e actuou com intenção de os realizar;
Os motivos determinantes fundaram-se em pretensão de posse, inseguranças, baixa auto-estima, tentativas de condicionamento e irracionalidades, que descarrilaram em violência psíquica,desvios de conduta e comportamentos anti-sociais conexos, reflexo de diluição de referências valorativas comportamentais de conformidade social, e nas particulares características da personalidade do arguido, pouco determinada a adoptar uma conduta pacífica e respeitadora para com essa pessoa e decisões pela mesma tomadas; e ainda em incapacidade ou impreparação para resolução de conflitos pela via do diálogo e opção pela violência e intimidação como forma de marcar uma posição e impor regras de conduta; finalmente, no que tange às munições, em gosto pela sua detenção (o arguido revelou ter sido militar), sem olvidar que nunca se pode descartar a possibilidade de utilização futura;
As condições pessoais e a situação económica do arguido aferem-se acima da média - sopesando a sua idade, situação vivencial e profissional, rendimentos auferidos e despesas necessárias;
A confissão integral e sem reservas é expressão da sua vontade de colaborar com a justiça, revelando também que se acha arrependido, contribuindo de forma relevante para a descoberta da verdade material, sendo, por isso, valorada como atenuante;
O desconhecimento de antecedentes criminais é valorado como atenuante, por indiciar percurso de vida conforme o direito e ser considerado primário;
Finalmente a necessidade de prevenção geral é elevadíssima, atento o cada vez maior número de crimes de violência doméstica no meio, que é transversal a todas as camadas sociais, impondo-se a premência de radicar na consciência pública e, principalmente, individual a solidificação de valores cívicos como o respeito pelo outro, como individualidade sujeito de direitos, ao que acresce a urgência de desmotivar os comportamentos que privilegiam a composição de interesses pela intimidação e em que os valores subjectivos da liberdade e segurança são cada vez mais diluídos, não olvidando a premência de evitar que a proliferação de armas proibidas atinja foros preocupantes - o que se vem verificando nos tempos mais recentes com o aumento considerável de crimes graves com utilização de armas proibidas.
Face a tudo o exposto, julgam-se concretamente adequadas as penas de:
- Um (1) ano e cinco (5) meses de prisão (crime de violência doméstica simples); e
- Multa - considerando a idade do arguido, o seu passado criminal impoluto, a sua indiciada inserção social, familiar e já profissionalmente reformado, afigura-se-nos aquela pena susceptível de facilitar (e alcançar) a sua socialização, sem se mostrar incompatível com as exigências mínimas de integração, sob a forma de tutela do ordenamento jurídico -, que se fixa em 90 dias, à razão de € 15 dia (artos 70.° e 47.°, 1 e 2, ambos do Cód. Penal).”
***
II.3. Apreciação do recurso
II.3.1. Da nulidade da acusação
§1. O recorrente sustenta que a acusação pública padece de nulidade por nela não constar o elemento volitivo do dolo do crime de detenção de arma proibida.
Invoca como norma violada o artigo 283º, n.º 3, al. b) do CPP.
Adiantamos, desde já, que não assiste razão ao recorrente.
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§2. Dispõe o artigo 283.º, n.º 3, al. b), do CPP, que “A acusação contém, sob pena de nulidade: A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada”.
Como é sabido, o nosso Código de Processo Penal estabelece em matéria de nulidades o princípio da legalidade e tipicidade que se traduz em só haver nulidade dos actos quando expressamente cominada na lei, sendo que quando a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular - cfr. n.ºs 1 e 2 do artigo 118º do citado diploma legal.
No caso em análise, dada a ausência de qualquer previsão nesse sentido, não estamos perante uma nulidade insanável, que é oficiosamente declarada (artigo 119.º do CPP), até ao trânsito em julgado da decisão final do processo.
Como tal, trata-se de uma nulidade sanável que terá que ser arguida, nos termos definidos no artigo 120.º, n.º 3, al. c) do CPP, “até ao encerramento do debate instrutório ou, não havendo lugar a instrução, até cinco dias após a notificação do despacho que tiver encerrado o inquérito.”
Ora, o arguido /recorrente veio arguir a nulidade da acusação no presente recurso, muito depois do decurso do prazo que dispunha para o efeito, pelo que, a ter ocorrido, terá que se considerar sanada.
Por isso, por extemporaneidade da arguição da nulidade da acusação, improcede o recurso neste segmento.
***
II.3.2. Do preenchimento do elemento subjectivo do crime de detenção de arma proibida
§1. O recorrente entende que os factos provados vertidos na sentença recorrida são insuficientes para o preenchimento do elemento subjectivo do crime de detenção de arma proibida por não conterem o elemento volitivo do dolo, isto é, não é mencionada a vontade do agente em realizar o facto.
Antecipa-se que não assiste razão ao recorrente.
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§2. No caso em apreço, está em causa a prática de um crime doloso – o crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, al. e) e n.º 2, conjugado com os artigos 2.º, n.º 3, als. a) e p), e 52.º, n.ºs 1 e 2, todos da Lei n.º 5/2006, de 23.02.
Do artigo 14º do Código Penal descortina-se que o dolo é composto por dois elementos: o elemento intelectual ou cognitivo e o elemento volitivo.
O elemento intelectual do dolo implica a previsão ou representação por parte do agente das circunstâncias do facto [actuação], que constituem o tipo objectivo, ou seja, o conhecimento delas por parte do agente.
E o elemento volitivo consiste na vontade por parte do agente de realização do facto, depois de ter previsto ou representado os elementos constitutivos do tipo objetivo.
Assim, nos crimes de detenção de arma proibida é necessário, para que se considere que a conduta é dolosa que se alegue e prove que o possuidor do objecto conhecia as suas características para que possamos afirmar que o agente representou o facto descrito na lei como crime e que o agente tomou a decisão de actuar com o intuito de o realizar.
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§3. Revertendo ao caso em apreço, recordemos os factos que o tribunal a quo deu como provados no que concerne ao crime de detenção de arma proibida (com sublinhado da nossa autoria):
“18. No dia 07.11.2024, no interior do quarto da sua residência, sita na Travessa ..., ... Vale de Cambra, o arguido detinha e armazenava, dentro de uma gaveta da mesinha da cabeceira, 16 (dezasseis) munições de calibre 6,35 mm Browning, da marca "GECO", de origem Alemã.
20. O arguido não era titular de licença de uso e porte de arma.
28. Ao actuar da forma descrita, agiu o arguido de modo livre, voluntário e consciente, com o intuito concretizado de deter e guardar no interior da sua residência 16 (dezasseis) munições de calibre 6,35 mm Browning, sabendo que essas munições eram aptas à utilização de pistolas semiautomáticas e sabendo que não era portador da legalmente imposta licença ou autorização para as deter, guardar e armazenar, por se tratarem de munições da classe B1.”
Daqui resulta que ficou apurado que o arguido actuou de forma livre (isto é, podendo ele agir de modo diverso, em conformidade com o direito ou o dever-ser jurídico-penal), voluntária (isto é, agir como se decidiu agir), conscientemente (isto é, tendo representado na sua consciência todas as circunstâncias do facto) e com intenção (isto é, querendo a realização do facto).
Na verdade, neste particular, agir com o intuito concretizado de deter e guardar no interior da residência 16 (dezasseis) munições – sabendo que essas munições eram aptas à utilização de pistolas semiautomáticas e sabendo que não era portador da legalmente imposta licença ou autorização para as deter, guardar e armazenar – é agir com intenção/vontade de realizar o facto típico.
Deste modo, da factualidade dada como provada acima transcrita, ao contrário do que o recorrente sustenta, resulta inequivocamente que está preenchido o elemento volitivo do dolo do crime de detenção de arma proibida por que foi condenado o recorrente.
Assim, a sentença recorrida integrou jurídico-penalmente de forma correcta os factos provados, não merecendo qualquer censura.
Improcede, nesta parte, o recurso.
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II.3.3. Das penas aplicáveis ao recorrente
II.3.3.1. Quanto ao crime de violência doméstica
II.3.3.1.1. A medida concreta da pena de prisão
§1. De acordo com os quadros normativos relativos à finalidade das penas (a aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e em caso algum poderá ultrapassar a medida da culpa -artigo 40º, nºs 1e 2, do Código Penal) e determinação da sua medida (em função da culpa e das exigências de prevenção – artigo 71º, nº1, do Código Penal) deve à pena (destinada a proteger o mínimo ético-jurídico fundamental) ser imputada uma dinâmica para que cumpra o seu especial dever de prevenção.
Entre aquele limite mínimo de garantia da prevenção e máximo da culpa do agente, a pena é determinada em concreto por todos os factores do caso, previstos nomeadamente no nº 2 do referido artigo 71º, que relevem para a adequar tanto quanto possível à ilicitude da acção e culpa do agente.
Neste sentido, a culpa (pressuposto-fundamento da pena que constitui o princípio ético-retributivo), a prevenção geral (negativa, de intimidação ou dissuasão, e positiva, de integração ou interiorização) e a prevenção especial (de ressocialização, reinserção social, reeducação mas que também apresenta uma dimensão negativa, de dissuasão individual) representam três exigências atendíveis na escolha da pena, principio este tendencial uma vez que podem apresentar incompatibilidade.
**
§2. Importa referir que o recurso dirigido à concretização da medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correcção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso. Deste modo, a intervenção correctiva do Tribunal Superior, no que diz respeito à medida da pena aplicada, só se justifica quando o processo da sua determinação revelar que foram violadas as regras da experiência ou a quantificação se mostrar desproporcionada.
Neste sentido, o acórdão do TRP de 02.10.2013, relatado por Joaquim Gomes (acessível em www.dgsi.pt/jtrp) escreveu que “o recurso dirigido à medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correcção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso” e o acórdão do STJ de 18.05.2022, relatado por Helena Fazenda (acessível em www.dgsi.pt/jstj) consignou que “A sindicabilidade da medida concreta da pena em recurso abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada” (Figueiredo Dias, DPP, As consequências Jurídicas do Crime, 1993, §254, p. 197)”.
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§3. Revertendo para o caso concreto, o arguido AA foi condenado pelo tribunal recorrido na pena de um (1) ano e cinco (5) meses de prisão, suspensa na execução por igual período de tempo, com regime de prova, que inclua a proibição de contactos com a vítima não solicitados por esta e a obrigação de frequência de programa específico de prevenção da violência doméstica.
O recorrente entende que a pena de prisão que lhe foi aplicada é exagerada, devendo ser reduzida para um (1) ano de prisão, suspensa na execução por igual período e sujeita aos mesmos condicionalismos determinados pelo tribunal a quo.
Para tal, alega que na fixação da medida concreta da pena o tribunal recorrido não ponderou devidamente as seguintes circunstâncias atenuantes:
i) A ausência de antecedentes criminais;
ii) A sua idade à data dos factos (61 anos de idade);
iii) O arrependimento sincero e profundo, denotando um juízo de auto-censura e que já interiorizou o desvalor da sua conduta no espaço de tempo que mediou entre o dia da ocorrência dos factos e o dia em que foi submetido a julgamento;
iv) A confissão integral e sem reservas dos factos de que vinha acusado, demonstrando total capacidade de auto-censura e consciência crítica para os seus comportamentos, contribuindo de forma relevante para a descoberta da verdade material;
v) As suas condições pessoais, designadamente o facto de se encontrar integrado, pessoal, familiar e socialmente, sendo reformado, por virtude do que aufere de uma pensão de reforma mensal de cerca de 1700,00 euros mensais;
vi) A sua baixa escolaridade, na medida em que tem a 4ª classe.
vii) O facto de nunca ter beneficiado de suspensão provisória do processo.
Vejamos.
Quanto às circunstâncias aludidas em i), ii), iii), iv) e v) – ausência de antecedentes criminais, idade, arrependimento, confissão integral e sem reservas e condições pessoais – as mesmas foram devidamente sopesadas pelo tribunal a quo para a determinação da medida da pena.
No que concerne à circunstância elencada em vi) – baixa escolaridade – apesar de o tribunal a quo não a ter mencionado expressamente, cremos que não se mostra de todo relevante para se reduzir a pena concreta de prisão nos termos pretendidos pelo recorrente.
Por fim, no que respeita à circunstância enunciada em vii) – não ter beneficiado de suspensão provisória do processo – para além de não constar dos factos provados e, por isso, não poder ser atendida, também não é critério legal de determinação da medida da pena.
Reconhece-se que as necessidades de prevenção especial são pouco intensas, atendendo à ausência de antecedentes criminais, sinal de uma vida conforme ao direito, à inserção familiar e social, à confissão dos factos (com relevo para a descoberta da verdade) e ao arrependimento.
Contudo, prevalecem as exigências de prevenção geral.
Assim, tendo em consideração a moldura penal aplicável ao referido crime, os referidos critérios de determinação da pena concreta previstos nos artigos 40º, nºs 1 e 2 e 71º, ambos do CP e atendendo ao conjunto dos factores com relevo na determinação da medida concreta da pena parcelar aqui posta em causa elencados na decisão recorrida nos termos acima transcritos e que aqui se dão por inteiramente reproduzidos, consideramos que a pena parcelar aplicada pelo tribunal a quo não ultrapassa o limite da culpa do arguido, revelando-se adequada, proporcional e ajustada às necessidades de prevenção geral que se fazem sentir no caso concreto.
Improcede igualmente, nesta parte, o recurso.
**
II.3.3.1.2. Do desconto previsto no artigo 80º do Código Penal
§1. O recorrente entende que a decisão recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia por não ter efectuado o desconto do tempo de prisão preventiva cumprida na pena de prisão aplicada.
O recorrente não tem qualquer razão.
*
§2. Nos termos do artigo 80º, nº 1 do Código Penal "A detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação sofridas pelo arguido são descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão, ainda que tenham sido aplicadas em processo diferente daquele em que vier a ser condenado, quando o facto por que for condenado tenha sido praticado anteriormente à decisão final do processo no âmbito do qual as medidas foram aplicadas."
Tal preceito legal não refere se tal desconto terá de ser efectuado obrigatoriamente na sentença condenatória ou se poderá ser efectuado em despacho posterior, na fase da execução da pena.
Na resposta a tal questão tem sido entendimento maioritário da jurisprudência que o desconto na pena de prisão efectiva aludido no artigo 80º do Código Penal, sendo obrigatório, não tem que ser ordenado na decisão condenatória para ser tomado em conta no cumprimento da pena de prisão (neste sentido, entre outros, o acórdão do STJ de 15.03.1985, publicado no BMJ 345/228, os acórdãos do TRC de 19.11.2008, relatado por António Alberto Mira e de 09.04.2025, relatado por Isabel Gaio Ferreira de Castro, o acórdão do TRL de 11.07.2013, relatado por Carlos Benido e o acórdão do TRG de 08.10.2018, relatado por Armando Azevedo, todos acessíveis em www.dgsi.pt).
Seja qual for a posição que se adopte quanto ao momento adequado em que deve ser efectuado o desconto na pena de prisão efectiva aludido no artigo 80º do Código Penal – na sentença condenatória ou na fase da execução da pena de prisão – é pacífico que nos casos de penas de prisão suspensa na sua execução (como é o caso dos autos) o desconto não pode ser determinado na sentença condenatória conforme se sustentou no citado acórdão do TRG de 09.04.2025 “Só haverá lugar a desconto se esta vier a ser revogada, findo o prazo da suspensão – que pode atingir o máximo de cinco anos – ou antecipadamente – em casos menos frequentes. Naturalmente, só na fase da execução da pena haverá lugar ao desconto que se imponha, segundo as circunstâncias que então se apurem, que poderão ser muito distintas daquelas que existiam à data da prolação da sentença, pelo que, nessa medida, até a mera menção, na sentença, da necessidade de, oportunamente, se proceder a desconto de acordo com os dados até ali conhecidos, poderá estar perfeitamente desatualizada.”
Donde, o desconto do período de prisão preventiva a que o arguido esteve sujeito no âmbito dos presentes autos, não tinha que ser, como não foi, ordenado na sentença condenatória.
Nestes termos, conclui-se que a sentença recorrida não padece da apontada nulidade por omissão de pronúncia.
Improcede, neste segmento, o recurso.
***
II.3.3.2. Quanto ao crime detenção de arma proibida
II.3.3.2.1. A medida concreta da pena de multa
§1. O recorrente considera que a pena de multa que lhe foi aplicada é exagerada, devendo ser reduzida para o mínimo legal.
Invoca em abono da sua pretensão a mesma argumentação no ponto precedente quanto à determinação da medida concreta da pena de prisão.
O recorrente não tem qualquer razão.
*
§2. O arguido AA foi condenado pelo tribunal recorrido na pena de noventa (90) dias de multa.
Como vimos de quanto acima exposto no ponto precedente relativo à determinação da medida concreta da pena de prisão e que aqui damos por reproduzido, também aqui as circunstâncias invocadas pelo recorrente não permitem de todo alterar a medida concreta da pena de multa fixada pelo tribunal a quo nos moldes preconizados pelo recorrente.
Assim, tendo presente as considerações expendidas nos parágrafos §1. e §2 do ponto II.3.3.1.1. precedente, ponderando todos os factores aplicáveis e sopesando as exigências de prevenção geral que se fazem sentir e de acordo com os referidos critérios de determinação da pena concreta, consideramos que a pena aplicada de 90 (noventa) dias de multa não ultrapassa o limite da culpa do arguido, revelando-se adequada, proporcional e ajustada. Uma pena inferior à aplicada, mormente situada no seu limite mínimo como pretendido pelo arguido, revelar-se-ia manifestamente insuficiente face mormente às necessidades de prevenção geral que no caso se fazem sentir.
Improcede igualmente, nesta sede, o recurso.
**
II.3.3.2.2. A quantia diária da pena de multa
§1. O recorrente insurge-se contra o valor da taxa diária fixada pelo tribunal a quo de € 15,00, pugnando pela sua redução para o mínimo legal tendo em consideração a sua apurada situação económica e financeira.
Não acolhe a pretensão do recorrente.
*
§2. A quantia diária da pena de multa é fixada entre € 5,00 e € 500,00 de acordo com a situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais – cfr. artigo 47º, n.º 2 do CP.
Quanto ao limite mínimo legalmente aplicável - € 5,00 – afigura-se-nos que o mesmo deverá ser aplicado apenas aos condenados de mais baixos rendimentos, designadamente àqueles que se demonstre não ganharem o suficiente para fazer face às suas necessidades elementares, sob pena de se desvirtuar a essência da pena de multa e se criarem injustiças relativas.
Acresce que a fixação da pena de multa necessita de criar na vida do condenado um sacrifício para o seu cumprimento, já que de outra maneira jamais cumpriria as suas finalidades, desacreditando-se esta pena, os tribunais e a própria justiça, gerando um sentimento de insegurança, de inutilidade e impunibilidade (veja-se, neste sentido, entre outros, o acórdão do TRG de 07.04.2008, relatado por Cruz Bucho, o acórdão do TRP de 09.02.2011, relatado por Joaquim Gomes, o acórdão do TRC de 04.05.2016, relatado por Orlando Gonçalves e o acórdão do TRL de 18.05.2022, relatado por Rui Miguel Teixeira, todos acessíveis em www.dgsi.pt).
A situação económica e financeira que o tribunal deve ter em consideração reporta-se ao momento do proferimento da decisão condenatória e, na mesma, determinou-se que:
“30. Aufere € 1700 mensais, a título de reforma (francesa); vive com o filho (economicamente autónomo), em casa deste, em França, e alguns períodos do ano em casa própria em Portugal; tem a 4.a Classe; tem acompanhamento psicológico, em consultas, achando-se medicado;”
Assim, atento o apurado quadro económico (do qual ressalta o valor mensal da reforma auferida pelo arguido e a inexistência de gastos significativos designadamente com a sua habitação) e ponderadas as considerações expendidas, entendemos que ainda pode ser considerada adequada a quantia diária de € 15,00 fixada pelo tribunal recorrido.
Improcede também, nesta parte, o recurso.
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II.3.4. Da responsabilidade pelas custas
Atento o sentido da presente decisão proferida por este tribunal, o recorrente será responsável pelo pagamento da taxa de justiça e dos encargos a que a sua actividade deu lugar – artigos 513º, n.º 1 e 514º, n.º 1, ambos do CPP.
Atendendo à tramitação processual ocorrida, nos termos do disposto no artigo 8º, nº 9, do Regulamento das Custas Processuais, com referência à Tabela III anexa, afigura-se adequado fixar a taxa de justiça devida em 4 UC´s.
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III- DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes Desembargadores que compõem a 1ª Secção deste Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
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Custas criminais pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UCS.
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Porto, 29.10.2025
Maria do Rosário Martins
Nuno Pires Salpico
Paula Natércia Rocha