Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | ÁLVARO MONTEIRO | ||
| Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL ACIDENTE DE VIAÇÃO DANOS FUTUROS PROPOSTA RAZOÁVEL | ||
| Nº do Documento: | RP202511132711/22.0T8PNF.P1 | ||
| Data do Acordão: | 11/13/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | ALTERADA | ||
| Indicações Eventuais: | 3. ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - Os danos futuros decorrentes de uma lesão física não se limitam à redução da sua capacidade de trabalho pois implicam, desde logo, uma lesão do direito fundamental do lesado à saúde e à integridade física pelo que a indemnização a arbitrar não pode atender apenas àquela redução. III - Será de improceder a condenação da Ré Seguradora no dobro de juros quando esta alegou ter respeitado e observado as referências e critérios estabelecidos na Portaria nº 679/2009, de 25/06, e não tendo o A. alegado e provado a não verificação de tais exigências, não podendo aquela ser censurada por apresentar proposta irrazoável ou desequilibrada (em desfavor do lesado) e, em consequência, ser condenada no pagamento de taxa de juros agravada, mesmo que tenha sido condenada em valores muito superiores aos por si apresentados. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Proc. nº 2711/22.0T8PNF.P1 Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo Local Cível de Paredes - Juiz 1 * Relator: Juiz Desembargador Álvaro Monteiro 1º Adjunto: Juíza Desembargadora Judite Pires 2º Adjunto: Juiz Desembargador António Carneiro da Silva * Sumário: ……………………………………….. ……………………………………….. ……………………………………….. *** I - Relatório: AA, NIF ...30, intentou a presente acção sob a forma de processo comum contra A..., SA., NIPC ...58, alegando, em síntese, que foi interveniente num acidente de viação, que se ficou a dever a culpa exclusiva do condutor segurado da R., pelo que esta é responsável pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que lhe advieram do aludido acidente. Conclui pedindo a procedência da acção e a condenação da R. no pagamento da quantia global de € 85.987,81, acrescida de juros de mora vincendos à taxa legal de 4%, desde a citação até efetivo e integral pagamento, assim como a quantia que se vier a apurar a título de despesas futuras havidas com medicamentos e psicoterapia. * Contestou a R., alegando, em suma, que assumiu a responsabilidade em relação ao acidente em causa nos autos, impugnando, contudo, a extensão dos danos e as indemnizações peticionadas. Conclui pelo julgamento da acção de acordo com a prova que se vier a produzir. * Foi proferido despacho saneador em 07/12/2022, que definiu o objecto do litígio (que consiste no direito da A. à indemnização por danos patrimoniais e danos não patrimoniais decorrentes do acidente de viação dos autos) e os temas da prova, o que não mereceu qualquer reclamação. * Foi realizada uma tentativa de conciliação em 25/02/2025 que não surtiu qualquer efeito. * Foi peticionado pela A., por requerimento de 10/03/2025, uma ampliação do pedido (com o valor global de € 134.867,81, acrescido de juros), impugnada pela R. a 24/03/2025 e admitida liminarmente por despacho de 27/03/2025 Designou-se dia para a audiência de julgamento que teve lugar com a observância do formalismo legal. * Após foi proferida sentença em que decidiu:“1. Condenar a Ré A..., SA., a pagar à Autora AA: a) a título de danos patrimoniais, a quantia global de €33.027,81 (trinta e três mil e vinte e sete euros e oitenta e um cêntimos); b) a título de incapacidade, que inclui o dano biológico e os esforços acrescidos, a quantia global de € 48.000,00 (quarenta e oito mil euros), acrescida de juros de mora à taxa de 4% ao ano, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento; c) a título de danos não patrimoniais, a quantia global de €45.000,00 (quarenta e cinco mil euros), acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da presente sentença, até efectivo e integral pagamento; d) o valor da medicação analgésica prescrita por médico assistente e suportada pela A., mediante a apresentação do comprovativo do respectivo pagamento; e) o valor das consultas de psicologia/psicoterapia que a A. já realizou e que venha a realizar, à razão de três por mês, mediante o comprovativo do respectivo pagamento. 2. No mais, absolve-se a R. do peticionado. * As custas serão a suportar pela Autora e pela Ré, na proporção do respectivo decaimento (art. 527º do CPC).* Notifique e registe.”É desta decisão que, inconformada, a Ré interpôs recurso, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: 1 - A DEMANDANTE NÃO SOFREU QUALQUER PERDA A TÍTULO DE LUCRO CESSANTE. 2 - A DEMANDANTE RECEBE, ACTUALMENTE, mais do que tinha expectativas de vir a receber antes do acidente. 3 - À DATA DO ACIDENTE, A DEMANDANTE ESTAVA DESEMPREGADA, TENDO A MERA EXPECTATIVA DE VIR A TRABALHAR, A PARTIR DE JANEIRO DE 2020. 4 - À DATA DO ACIDENTE, A DEMANDANTE NÃO AUFERIA DE QUALQUER RENDIMENTO. 5 - NÃO EXISTE NOS AUTOS QUALQUER PROVA DOCUMENTAL QUE DEMONSTRE A EXPECTATIVA DE A DEMANDANTE VIR A TRABALHAR COM UM SALÁRIO DE 1.000,00€. 6 - NÃO SÓ NÃO FICOU DEMONSTRADO NOS AUTOS QUE A DEMANDANTE TIVESSE QUAISQUER PERDAS SALARIAIS, PORQUE NÃO AUFERIA QUALQUER SALÁRIO. 7 - ASSIM COMO NÃO FICOU DEMONSTRADA QUALQUER EXPECTATIVA DE VIR A TRABALHAR NOS MOLDES QUE ALEGOU, QUE, INDEPENDENTEMENTE DE TUDO O RESTO, NUNCA PASSARIA DISSO MESMO: UMA MERA EXPECTATIVA. 9 - O entendimento vertido na Douta Sentença consubstancia um injusto e, mais ainda, um injustificado enriquecimento sem causa. 10 - O artigo 562º do Código Civil estabelece, como princípio geral, que quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação. 11 - A obrigação de reparar um dano supõe a existência de um nexo causal entre o facto e o prejuízo e abrange, não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (cfr. artigos 563º e 564º do Código Civil). 12 - Segundo o artigo 566º do citado diploma, deverá ser fixada em dinheiro a indemnização sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor. 13 - Essa indemnização tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não existissem danos. 14 - A norma ínsita no artigo em causa consagra a denominada teoria da diferença, que se traduz na afirmação legal de que o devedor de uma indemnização será responsável pelo pagamento de todos os prejuízos causados, por forma a reconstituir a situação que existiria se o acto lesivo não tivesse ocorrido. 15 - Quanto à perda da capacidade de ganho e consequentes danos futuros, a demandante peticiona o valor que consta dos autos. 16 - Sobre a indemnização devida pelos danos sofridos em geral, como é por demais sabido, ela tanto abrange os danos emergentes como os lucros cessantes resultantes do facto ilícito e da lesão, sendo que o tribunal pode atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis – cfr. artigo 564º, nºs. 1 e 2, também do Código Civil. 17 - Trata-se, normalmente, da reparação de danos futuros pela perda da capacidade de ganho da vítima e é devida pelo responsável ainda que aquela mantenha o seu posto de trabalho ou seja colocada noutra função compatível com a deficiência. 18 - A tutela geral deste dano encontra o seu substrato último, no âmbito do direito civil, no artigo 25º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, que considera inviolável a integridade física das pessoas, e no artigo 70º, nº 1, do Código Civil, que protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral. 19 - O ressarcimento imediato dos danos futuros depende da sua previsibilidade e determinabilidade (cfr. artigo 564º, nº 2, primeira parte, do Código Civil). São danos futuros previsíveis, a que a lei se reporta, essencialmente, os certos ou suficientemente previsíveis, como é o caso, por exemplo, da perda ou diminuição da capacidade produtiva de quem trabalha e, consequentemente, de auferir o rendimento inerente, por virtude de lesão corporal. 20 - Não resultou provada qualquer perda de rendimento proveniente das lesões originadas pelo acidente dos autos, ou seja, a demandante não passou a ganhar menos do que ganhava antes do acidente. 21 - O dano biológico não é mais do que uma nova definição, ou uma definição actualista, de dano patrimonial futuro, ou seja, dano pela IPP, ou seja, perda de capacidade de ganho. 22 - Mas, se assim se não entender, e se se concluir pela admissibilidade dessa indemnização, sempre esta deverá ser reduzida para uma quantia nunca superior a 30.000,00€. 23 - Em face, quer da IPP de 13 pontos, quer do rendimento de 1.000,00€ mensais, quer do templo expectável de actividade profissional. 24 - É muito mais correcto apurar o valor indemnizatório com base em fórmulas matemáticas. 25 - Foi o que fez a demandada, que, usando uma fórmula matemática, chegou ao montante de 35.249,51€, critério este que se revela mais justo e equitativo, que deverá representar a responsabilidade da demandada, caso se entenda ser devida indemnização a este título. 26 - Devem ainda os Tribunais tomar em atenção outras decisões proferidas em casos que ofereçam pontos de contacto com os casos decidendos, de forma a promover, dentro dos limites da justiça distributiva e do imperativo da equidade, a segurança jurídica decorrente da aproximação das decisões proferidas na jurisprudência. 27 - De facto, é entendimento da demandada que o valor arbitrado não se harmoniza com os critérios ou padrões que, numa jurisprudência atualista, são seguidos em situações análogas ou equiparáveis. 28 - Deste modo, entendemos que seria justo e correspondente ao efetivo dano patrimonial sofrido o valor máximo de €35.000,00. 29 - Não querendo, de todo, menosprezar as consequências do acidente, nomeadamente as que constam do Exame Pericial, é modesto entendimento da demandada que a quantia de 45.000,00 €, em função desses mesmos danos, afigura-se manifestamente exagerada e desconforme com a Jurisprudência dominante para casos análogos. 30 - Como se sabe, para a determinação da indemnização a atribuir por danos não patrimoniais, estes ressarcíveis desde “que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito” (nº 1 do artigo 496º do Código Civil), o tribunal há-de decidir segundo a equidade, tomando em consideração “o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso” (nº 3 do mesmo artigo 496º e artigo 494º). 31 - Temos desde logo como norteador os montantes constantes da Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho que são um reflexo das regras da experiência comum e das práticas jurisprudenciais às quais o legislador foi sensível na sua estipulação, ou seja, os valores indicados servirão como uma referência, um valor tendencial a ter em conta, assumindo carácter instrumental, mas estabilizador e norteador, cfr. Acórdão do STJ de 15-04-2009, disponível em www.dgsi.pt. 32 - De acordo com o disposto na Portaria 377/2008, temos que a título de danos morais próprios da demandante seria atribuída uma compensação nunca superior ao montante de €20.000,00. 33 - A recorrente não pode deixar de entender que seria sempre exagerada a quantia arbitrada, que corresponde, sensivelmente, a metade, àquela que, habitualmente, é atribuída para compensar a perda do bem supremo, que é a vida. 34 - Assim, nunca se poderá concordar com uma indemnização superior a €20.000,00, cfr. a Revista de 19-06-2018 n.º 230/13.5TBMNC.G1.S1 - 1.ª Secção, Relator Cabral Tavares: “A reparação do dano da morte, na jurisprudência do STJ, situa-se, em regra entre € 50 000 e € 80 000 ou, em alguns arestos mais recentes, €100 000”. 35 - Também não se pode deixar de ter em consideração que a demandante, apesar de ter sofrido as lesões e ter ficado portadora de sequelas, não ficou definitivamente impossibilitada de exercer uma profissão, nem dependente de terceira pessoa. 36 - Donde entende a demandante que o montante indemnizatório fixado a esse título é desajustado, quer face às concretas circunstâncias do caso, quer quando confrontado com o sentido das decisões que vêm sendo proferidas pela Jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores em casos análogos. 37 - Os nossos tribunais, em casos tão ou mais graves do que o presente, mormente em situações de amputação da perna, vêm atribuindo montantes indemnizatórios por danos não patrimoniais morais muito inferiores àquele que aqui fixado pelo Tribunal a quo: 1 – Acórdão de 07-09-2020, Revista n.º 5466/15.1T8GMR.G1.S1 - 6.ª Secção, Relator José Raínho; 2 - Acórdão de 21-09-2006 - Revista n.º 2016/06 - 2.ª Secção – Relator Ferreira Girão: 3 - Acórdão de 02-11-2006 - Revista n.º 3559/06 - 7.ª Secção – Relator Custódio Montes: 4 - Acórdão de 29-03-2007 - Revista n.º 709/07 - 7.ª Secção – Relator Ferreira de Sousa: 5 - Acórdão de 03-07-2008 - Revista n.º 1339/08 - 7.ª Secção - Relator Lázaro Faria: 6 - Acórdão de 27-01-2009 - Revista n.º 3131/08 - 2.ª Secção – Relator Serra Baptista: 7 - Acórdão de 21-05-2009 - Revista n.º 411/2001.C2.S1 - 1.ª Secção - Relator Urbano Dias: 8 - Acórdão de 08-11-2012 - Revista n.º 39-C/1998.G1.S1 - 7.ª Secção – Relator Lázaro Faria. 38 - E noutros, em que não tendo havido amputação, se revelaram extensos danos ao nível do prejuízo de actividade sexual, dano estético, quantum doloris, que têm sido atribuídos montantes indemnizatórios por danos não patrimoniais morais muito inferiores àquele que aqui fixado pelo Tribunal a quo: 1– Acórdão de 12-12-2017, Revista n.º 3088/12.8TBLLE.E1.S1 - 1.ª Secção Relator Roque Nogueira: 2 – O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23/02/2012, proferido no processo n.º 31/05.4TAALQ.L2.S1; 3 - Acórdão de 14-07-2021, Revista n.º 2624/17.8T8PNF.P1.S1 - 7.ª Secção Relatora Maria do Rosário Morgado: 4 - Acórdão de 15-01-2004 - Revista n.º 3926/03 - 2.ª Secção, Relator Ferreira de Almeida: 5 - Acórdão de 07-04-2005 - Revista n.º 516/05 - 2.ª Secção, Relator Ferreira de Almeida: 6 - Acórdão de 01-07-2010, Revista n.º 106/07.5TBMCD.P1.S1 - 2.ª Secção, relator Oliveira Rocha; 7 - O Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 13/02/2014, proferido no processo n.º 114/10.9TBPTL.G2, da 2.ª Secção: 8 - O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24-09-2015 Revista n.º 1579/09.7.TBBGC.P1.S1 - 7.ª Secção - Relator Orlando Afonso. 39 - Estes doutos acórdãos, que acabam de ser citados – e que são apenas alguns, entre muitos outros – evidenciam bem que o valor fixado pelo Tribunal a quo é excessivo, afastando-se, e muito, dos parâmetros que vêm sendo estabelecidos pela Jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores. 40 - Por conseguinte, considerando os factos provados nestes autos, com relevância para a fixação de uma indemnização pelos danos não patrimoniais morais sofridos pelo recorrida e o sentido da Jurisprudência conhecida, a indemnização a arbitrar a título de danos não patrimoniais, concebendo-se por mera hipótese académica existir responsabilidade da Ré, não deveria situar-se em montante superior a €30.000,00, também porque não se provaram quaisquer outros danos suscetíveis de inflacionar tais quantia indemnizatória. 41 - A Douta Sentença recorrida violou, pois, os artºs 496º, 562º e 566º, todos do Código Civil, assim como os artºs 615º, nº 1, alínea b), c), d) e e) e o nº 1, 4 e 5 do art. 609º, artigos 640.º do Código de Processo Civil. Conclui, assim, pela procedência do recurso, nos termos acima peticionados. * A Autora apresentou contra-alegações ao recurso apresentado pela R., pugna pela improcedência do recurso. Apresentou ainda recurso subordinado, apresentando alegações com as seguintes conclusões: 1ª- A fixação a que a sentença recorrida procedeu tomou em linha de conta a “vida ativa” provável da aqui Autora, até aos 70 anos de idade - não obstante ter afirmado que não esquecia a «esperança média de vida», que disse ser superior, adoptando porém aquele outro critério. 2ª- Todavia, a sentença em causa ponderou, e por forma acertada, que a indemnização por dano biológico não depende de o lesado exercer uma actividade laboral ou profissional – pois que tal dano reflecte a integridade física/psiquica do lesado, por referência a uma integridade de 100 %. 3ª- Reflectindo-se, pois, em toda e qualquer actividade que o lesado exerça, designadamente a nível de lazer ou de outras actividades a que deva dedicar-se (desde a confecção de refeições até ao tratamento dos filhos ou dos idosos, passando por toda uma panóplia que seria exaustivo estar a enumerar, por ser do senso comum). 4ª- Encarando-se, como se deverá encarar, o dano biológico, como algo que transcende uma actividade laboral, subsistindo mesmo que essa actividade não se verifique, deverá então considerar-se, não a idade de vida activa provável (que a sentença fixou em 70 anos), mas sim a esperança média de vida que actualmente em Portugal é de 83,67 anos para a mulher. 5ª- Em sede de contra-alegações, no capitulo respeitante aos danos não patrimoniais, citámos e defendemos que a jurisprudência tem defendido que, tratando-se de um julgamento decidido segundo a equidade, o tribunal de recurso deve limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, “as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida”. 6ª- Crê-se que - o que se diz sem qualquer quebra de respeito - que a sentença recorrida, ao orientar-se, nesta sede, pelo período de vida activa provável, em lugar de se orientar pela esperança média de vida da Autora, nessa perspectiva, e apenas nessa perspectiva, não terá acatado a «justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida». 7ª- Tendo em conta a idade da Autora ao tempo do acidente (25 anos), a sua esperança média de vida (83,67 anos), o seu grau de incapacidade (13 pontos) e o rendimento, não só actual, pois que, será necessariamente, ao longo do tempo, objeto de actualizações, afigura-se que será de todo equilibrado e justo fixar em €55.000,00 a quantia a que a Autora tem direito a título de dano biológico. Por outro lado: 8ª- Em sede de ampliação do pedido, a Recorrente requereu, nos termos do Artigo 38º n.º 3 do DL 291/2007, que os juros devidos sobre as quantias peticionadas fossem do dobro da taxa legal supletiva relativamente à diferença entre a quantia inicialmente proposta, em termos de indemnização, pela Seguradora e o montante global atribuído pela Sentença – no caso de manifesta insuficiência da quantia proposta pela seguradora. 9ª- Ora, caso a quantia global arbitrada pela Sentença não sofra alteração, ela totaliza o montante de € 126.027,81; tem-se por isso, como “manifestamente insuficiente” a quantia de € 5.634,67, pelo que sobre a respectiva diferença - €120.393,14 – deverão incidir juros à taxa de 8%, sem prejuizo, obviamente, de alteração do montante da indemnização global. 10ª- A sentença recorrida entendeu que o valor avançado pela Ré não seria “manifestamente insuficiente” o que cremos ter sumariamente comprovado não ser rigoroso; e, paralelamente, que o pedido dos juros nos termos vindos a explanar, não seria admissível como uma ampliação do pedido primitivo “uma vez que a Autora estava na posse de todos os elementos aquando da propositura da acção e não fez esse pedido ab initio”. 11ª- Ora, para a admissibilidade da ampliação de um pedido é tão só necessário que essa ampliação seja “mera consequência ou desenvolvimento do pedido primitivo” (art.º 265, n.º 2 do CPC), sendo, por isso, de todo irrelevante se a Autora estaria ou não, ab initio, na posse dos elementos para peticionar a ampliação do pedido. 12ª- Não se suscitarão duvidas de que um pedido de fixação de uma taxa de juro superior à inicialmente peticionada, constitui um mero desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo. Conclui pelo provimento do recurso, em conformidade com as conclusões que antecedem. * A R./Apelante apresentou contra-alegações ao recurso subordinado, pugnando pela improcedência do mesmo. * Os 2 recursos foram admitidos como de apelação, a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. No exame preliminar considerou-se nada obstar ao conhecimento do objecto do recurso. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. *** II - OBJECTO DO RECURSO O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos recorrentes, não podendo este tribunal conhecer de questões nelas não incluídas, salvo se forem de conhecimento oficioso (cf. artigos 635.º, n.º 4, 637.º, n.º 2, 1.ª parte, e 639.º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil). Assim, partindo das conclusões das alegações apresentadas pela Apelante e Apelada, as questões a decidir no presente recurso, são as seguintes: a) Se é de alterar do valor fixado a título de danos patrimoniais futuros/dano biológico, pugnando a R./Apelante não ter havido qualquer perda de rendimento proveniente das lesões originadas pelo acidente dos autos, ou seja, a demandante não passou a ganhar menos do que ganhava antes do acidente, em todo o caso, a ser fixado não deve ser fixado em valor superior a €30.000,00. Por sua vez a A./Apelada no recurso subordinado pugna pela fixação do valor de €55.000,00; b) Alteração do valor fixado a título de danos não patrimoniais; c) Se é de fixar o dobro da taxa legal nos termos do artº Artigo 38º n.º 3 do DL 291/2007. *** III - FUNDAMENTAÇÃO 1. OS FACTOS 1.1. Factos provados O tribunal de que vem o recurso julgou provados os seguintes factos; 1. No dia 13 de Dezembro de 2019, pelas 17:45 horas, na Rua ..., União de Freguesias ... (...), ..., ... e ..., concelho ..., distrito do Porto, ocorreu um embate, conforme Doc. n.º 1 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 2. Nesses, dia e hora, BB conduzia naquela mesma rua, no sentido ..., o automóvel de que é proprietário, correspondente a um veículo ligeiro de passageiros, marca ..., matrícula ..-..-PV. 3. A Autora no mesmo local e hora, iniciou a passagem para peões que corta a referida via. 4. O condutor do aludido veículo não parou, invadindo aquele trecho e consequentemente colheu a Autora, que foi projetada sobre o capot do veículo durante vários metros, só parando por ter embatido na valeta da identificada via. 5. Não obstante a época do ano (Dezembro), na altura do acidente não chovia e as condições da via eram ‘boas’. 6. À data do acidente, a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros pelo veículo motivador do mesmo, encontrava-se transferida para a Ré, por via de contrato de seguro titulado pela apólice n.º ...66, conforme documento (apólice) junto à contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 7. À data do acidente, a Autora contava com 25 anos de idade, tendo nascido a ../../1994, conforme documento junto a 22/12/2022, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 8. No dia do sinistro, a Autora foi transportada em ambulância do INEM para o Hospital 1..., em ..., onde deu entrada no Serviço de Urgência nesse mesmo dia pelas 18H54, apresentando amnésia para o sucedido, dores no joelho direito, escoriações no joelho e mãos; edema e equimosa da pirâmide nasal; hematoma facial perinasal; abrasões prépatelar bilateral, com derrame à esquerda, assim como mobilidade dolorosa, conforme documento 2 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 9. Aquando da realização de uma TAC CE, à Autora foi diagnosticado um hematoma epicraniano frontal esquerdo e epinasal e, aquando da realização de TAC maxilofacial, uma fratura do osso nasal direito, com descoaptação e ligeiro afundamento fratura occipital e ao nível do basioccipital posterior bilateral, com ligeiro desalinhamento dos topos fraturários 10. Nesse mesmo Serviço de Urgência, constatou-se ainda a existência de ferida frontal cortocontusa, pelo que veio a proceder-se à sutura da mesma. 11. No dia seguinte, em 14/12/2019, pelas 9H58, e devido à necessidade de cuidados pela especialidade de ORL, a Autora veio a ser transferida para o Hospital 2..., na cidade do Porto, onde deu entrada pelas 11H33, conforme documento n.º 3 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 12. No Hospital 2..., a Autora recebeu assistência em ORL, tendo sido sujeita ao procedimento de redução fechada de fratura dos ossos do nariz, sob anestesia local. 13. Posteriormente, mais concretamente às 14H55 do mesmo dia 14/12/2019, a Autora recebeu alta por transferência externa do Hospital 2..., tendo regressado ao Centro Hospital Vale do Sousa. 14. A Autora voltou a ser admitida no Serviço de Urgência do Hospital 1... quando eram 15H32, tendo-lhe sido concedida alta hospitalar mediante referenciação para consulta de ORL e para cuidados de pensos no centro de saúde. 15. A Autora passou a comparecer regularmente no centro de saúde para concretizar os cuidados de pensos prescritos, conforme doc. n.º 4 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 16. Posteriormente, e durante cerca de duas semanas, a Autora passou a mover-se com recurso a cadeira de rodas. 17. Decorridas cerca de três semanas, a Autora recorreu ao Hospital 3..., em Vila Nova de Gaia, para comparecimento em consulta de ortopedia, onde lhe foi prescrita uma Ressonância Magnética ao joelho direito. 18. A referida ressonância veio a realizar-se em 21/01/2020, tendo revelado “fratura do menisco externo, com grande fragmento pediculado luxado na fossa intercondiliana, numa laceração em asa de cesto”, conforme Doc. n.º 5 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 19. O relatório da referida ressonância destaca, ainda, a existência de: - “Rotura do ligamento cruzado anterior, completa. - Rotura do terço distal do ligamento colateral interno, de alto grau, completa. - Extenso edema do osso adjacente ao prato tibial interno. - Grande derrame articular. - Infiltrado edematoso pericapsular, difuso, mais extenso na região capsular posteromedial”. 20. Posteriormente, a Autora seguiu assistida no Hospital 4..., no Porto, que corresponde aos serviços médicos da Ré, tendo obtido assistência nas especialidades de ortopedia, neurocirurgia, psiquiatria, otorrinolaringologia, cirurgia vascular e avaliação do dano. 21. Numa das consultas de psiquiatria a que compareceu em 12/03/2020, a Autora “revelou hiperativação quando fala do acidente, medo de atravessar passadeiras de peões, preocupação em relação com a cicatriz frontal. IPP provável 0 a 4 pontos”, conforme Doc. n.º 6 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 22. A Autora realizou diversos exames complementares de diagnóstico: em 02/03/2020 realizou uma TAC cerebral e em 08/04/2020 realizou uma TAC dos seios perinasais, conforme Docs. n.ºs 7 e 8 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 23. Em 18/06/2020, a Autora teve que ser sujeita a uma 1.ª intervenção cirúrgica para tratamento das lesões do joelho direito, conforme Doc. n.º 9 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 24. Por força das lesões sofridas a Autora, para além de ter a necessidade de utilizar cadeira de rodas, também usou canadianas cerca de 11 meses. 25. A Autora acabou por ter alta hospitalar no dia seguinte, 19/06/2020, tendo sido medicada com analgesia e tromboprofilaxia e levado uma tala de DePuy, que devia usar para deambular e dormir; tala que a Autora utilizou durante mais de dois meses. 26. Posteriormente, a Autora manteve-se sujeita a tratamento fisiátrico, que já antes realizava, durante cerca de um ano, inicialmente na Clínica B... e posteriormente numa clínica em Amarante (C..., Unipessoal, Lda.), conforme Docs. n.ºs 10 e 11 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 27. Já no ano de 2021 a Autora foi sujeita a mais duas intervenções cirúrgicas, a primeira no âmbito da especialidade de cirurgia vascular, em 18/05/2021, em consequência da prévia realização (em 13/04/2021) de ecodoppler dos membros inferiores, que revelou insuficiência troncular do segmento infragenicular da veia grande safena direita; insuficiência osteal e troncular da veia safena acessória anterior direita e perfurante e varicosidades superficiais insuficientes no membro inferior direito, tudo conforme Docs. n.ºs 12 e 13 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 28. A cirurgia em causa realizou-se no Hospital 4... e teve como objetivo a concretização de safenectomia interna esquerda e flebectomia de colaterais e, em consequência da mesma, a Autora permaneceu dois dias no referido Hospital. 29. Em 16/06/2021, a Autora foi submetida a nova cirurgia, novamente no Hospital 4..., desta vez pela especialidade de otorrinolaringologia, conforme Doc. n.º 14 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 30. Nessa cirurgia, a Autora foi submetida a tratamento cirúrgico por otorrinolaringologia, por desvio do cepto com luxação do bordo caudal, para septoplastia de cottle, com regularização e reposição do bordo caudal e turbinectomia bilateral, sob anestesia geral, tendo tido alta no dia seguinte, dia 17/06/2021. 31. No dia 24 de janeiro de 2022 cerca da 1h, a A. foi levada às urgências do Hospital 5... onde foi assistida, tendo-lhe sido transmitido que a sua tensão arterial não estava bem, passando a ser acompanhada por médico especialista, no Hospital 3... em Amarante, conforme documento junto a 21/03/2023, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 32. A Autora encontrava-se desempregada há cerca de um mês, pois preparava-se para ingressar num novo trabalho, no departamento de logística de recursos humanos da empresa “D..., Unipessoal, Lda.”, uma vez que é fluente em alemão, inglês e português, onde auferiria uma retribuição mensal, ilíquida, global de € 1.000,00 (mil euros), com início em Janeiro de 2020. 33. Só em Janeiro de 2022 é que a Autora se sentiu capaz de reiniciar a sua vida profissional, quer por as dores constantes que sentia terem aliviado, quer por psicologicamente já se conseguir concentrar, tendo iniciado as suas funções em Maio desse ano, designadamente, na área dos recursos humanos, dimensão onde se tornam especialmente fulcrais as competências linguísticas da mesma, assim como no departamento de logística, sendo responsável pelo tratamento da documentação para o início de uma obra e bem assim pela gestão dos trabalhadores e, em concreto, pela contratação de alojamentos, meios de transporte e restaurantes sempre que aqueles necessitam de se deslocar em trabalho, conforme Doc. n.º 15 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 34. Atualmente, a Autora aufere um vencimento base de € 1.029,35 (mil e vinte e nove euros e trinta e cinco cêntimos), conforme Doc. n.º 16 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 35. Antes do acidente, a A. não tinha qualquer incapacidade psíquica, física ou orgânica que lhe dificultasse a sua normal vida pessoal e profissional, sendo uma pessoa saudável, dinâmica e expedita, ao contrário do que sucede ainda hoje: tem que fazer um esforço para se concentrar no que faz; esquece ou perde facilmente o raciocínio; também agravado pelas dores que muitas vezes sente ao longo do dia de trabalho; tem dificuldade em fazer certos movimentos. 36. A Autora ficou a padecer das seguintes sequelas: − Crânio: sem alterações − Face: complexo cicatricial estrelado, algo distrófico, com algum afundamento e indolor à palpação localizada no andar superior da face ao nível da região frontal esquerda com dois componentes de 6 cm e 3 cm, visível a curta distância − Pescoço: sem alterações − Ráquis: sem alterações − Tórax: sem alterações − Abdómen: sem alterações − Períneo: sem alterações − Membro superior direito: sem alterações − Membro superior esquerdo: sem alterações − Membro inferior direito: amiotrofia da coxa (cerca de 1 cm: 50 cm vs. 51 cm à esquerda), mais notada a nível do quadricípite femoral e vasto medial; zona com discreta alteração da pele por estase na face interna do terço distal da coxa medindo 5 cm por 3 cm; cicatriz normotrófica e alargada na face interna do joelho medindo 14 cm por 1 cm; cicatriz linear vertical normotrófica e hipocromatica na face anterior do joelho com 4 cm; cicatriz na face anterior do terço proximal da perna com características semelhantes à anterior com 3 cm; ligeiro edema dos tecidos moles do joelho, sem aparente derrame articular notado; ligeira laxidez anterior e lateral externa; arco de mobilidade em flexão/extensão conservado e simétrico. − Membro inferior esquerdo: sem alterações. – Apresenta um quadro de Perturbação de Stress Pós-traumático. 37. A A. tem, ainda, dificuldades em se ajoelhar, na condução de veículos automóveis, tem dores e dificuldades de concentração, deixou de poder dançar, que constituía um importante espaço de gratificação pessoal, assim como se encontra também incapaz de manter a sua prática de yoga, em função da dificuldade em manter-se ajoelhada, sendo que antes praticava exercício físico regularmente. 38. A Autora mostra-se profundamente inconformada e desgostosa com a sua autoimagem, em razão das cicatrizes que detém, quer na testa, quer nos joelhos, o que, inclusive a impeliu a recorrer a uma clínica de medicina estética com o intuito de indagar a possibilidade de minorar ou dissimular as mesmas, conforme doc. n.º 17 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 39. A partir de 11 de Janeiro de 2020, a Autora veio a ser submetida a diversas consultas de tratamento terapêutico, consultas essas que foram por si suportadas e corresponderam a um custo total de €105,00 (cento e cinco euros), conforme docs. n.ºs 18 e 19, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 40. Para esconder a cicatriz da testa, a Autora viu-se forçada a alterar o seu corte de cabelo habitual, tendo passado a usar franja, assim como a deixar de usar saias, vestidos, ou saltos altos, peças de roupa que a Autora sempre apreciou, uma vez que sente profundo constrangimento em exibir as suas cicatrizes, assim como se mostra incapaz de utilizar calçado que não seja raso, sendo toda a situação penosa para a Autora, uma mulher jovem e cuidada, que sempre apreciou o seu aspeto físico. 41. Por se sentir inferiorizada no que concerne à sua aparência, a Autora tornou-se insegura e extremamente ciumenta no âmbito do seu relacionamento amoroso, pelo que este sofreu diversas crises. 42. A Autora vê-se incapaz de movimentar livremente o membro inferior direito, pois que sente dor articular, o que afeta a qualidade do ato sexual, designadamente deixou de conseguir fazê-lo em determinadas posições e de modo mais vigoroso, porque sente dor, porque não consegue dobrar a perna, porque tem dificuldade em posicionar-se, além da inibição que sente resultante das cicatrizes que tem. 43. A A. sente desgosto, angústia e um complexo de inferioridade perante a sociedade em geral e sente receio de deambular na via pública e, principalmente, de se dirigir a passagens para peões e sempre que se vê obrigada a atravessar uma passadeira sente suores intensos e as pernas a tremer. 44. Desde o acidente que a Autora experimenta momentos de verdadeira letargia e apatia, sentindo-se fraca e com falta de ar, experiencia dificuldade em dormir, por ter pesadelos com o que aconteceu. 45. Motivo pelo qual a Autora decidiu recorrer a consultas de psicologia, no consultório Dr.ª CC – Psicóloga Clínica e da Saúde, conforme relatório junto sob Doc. n.º 20 da PI (e audiência de julgamento de 31/03/2025), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 46. As aludidas consultas têm um custo unitário de € 50,00, necessitando a A. actualmente de realizar as mesmas, à razão de três vezes por mês. 47. A Autora atualmente é uma pessoa pessimista, triste, tanto nas suas relações familiares como a nível social, o que contrasta com a alegria, vontade de viver e entusiamo com que levava a vida antes de ocorrer o acidente. 48. A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 18/11/2021. O Período de Défice Funcional Temporário Total é fixável num período de 8 dias. O Período de Défice Funcional Temporário Parcial é fixável num período de 699 dias. O Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total é fixável num período total de 707 dias. O Quantum Doloris é fixável no grau 5/7. O Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica é fixável em 13 pontos. As sequelas descritas, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares. O Dano Estético Permanente é fixável no grau 4/7. A Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer fixável no grau 2/7. A Repercussão permanente na Atividade Sexual é fixável no grau 2/7. 49. A Autora suportou, ainda, as seguintes despesas, por força do acidente dos autos: - Despesas de deslocação relativas a 24 (vinte e quatro) viagens de ida e volta desde a sua residência até à Clínica B..., sita na Rua ..., ..., Porto, para efeitos de realização de sessões de fisioterapia, conforme documento 21 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; - Despesas referentes a 273 (duzentas e setenta e três) viagens desde a sua residência até à clínica C..., sita na Rua ..., 4600-261, Amarante, para efeitos de realização de sessões de fisioterapia, conforme doc. 22 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; - Despesas de deslocação a 31 (trinta e uma) consultas realizadas na clínica B..., sita na Rua ..., ..., Porto, conforme doc. 23 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; - O valor referente a 16 (dezasseis) sessões de fisioterapia havidas na clínica C..., em Amarante, que foram suportadas pela aqui Autora e que correspondem ao valor total de € 400,00 (quatrocentos euros) (€25,00 x 16 sessões), conforme Docs. n.º 24 a 34 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; - Deslocações, de ida e volta, para o Hospital 4..., para efeito de aí ser submetida a três cirurgias; - Deslocações, de ida e volta, para a realização de testes à Covid-19, exigidos antes de cada uma das cirurgias e realizados no Queimódromo do Porto, no Complexo desportivo de Lousada e no laboratório Unilabs de Amarante; - Despesas com medicação num valor total de € 86,59 (oitenta e seis euros e cinquenta e nove cêntimos), conforme documentos 35 e 36 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 50. A Autora detém a necessidade de recorrer a medicação regular de analgésicos. B) FACTOS NÃO PROVADOS Todos os restantes factos foram dados como não provados, aqui se dando por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais (não tendo o Tribunal considerado os artigos conclusivos e de Direito). Assim, não se provou, designadamente, que: A) A A. pagou € 400,00 pelas consultas de psicoterapia que já realizou. B) A A. necessita de recorrer regularmente a anti-espasmódicos e anti-epiléticos. *** 2 - OS FACTOS E O DIREITO. A Apelante põe em causa: - O valor fixado a título de danos patrimoniais futuros/dano biológico; - O valor fixado a título de danos não patrimoniais; Conhecendo: O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado como os benefícios que o lesado deixou de obter na sequência da lesão, artº 564º. É o que se designa por danos emergentes e lucros cessantes. Por sua vez, o nº 2 do mesmo preceito estabelece que na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis. Assim, pode-se dizer que o dano patrimonial compreende também as utilidades futuras e as simples expectativas de aquisição de bens, quer privando-o do que tem, quer impedindo-o de adquirir o que estava a caminho de ter (cit. de Castro Mendes, do Conceito Jurídico de Prejuízo, pág. 29) Os danos patrimoniais futuros não determináveis serão fixados com a segurança possível e a temperança própria da equidade, sem aderir a critérios ou tabelas puramente matemáticas, ou seja, na avaliação dos prejuízos verificados, o juiz tem de atender sempre à multiplicidade e à especificidade das circunstâncias que concorreram no caso e que o tornarão sempre único e diferente. A indemnização é fixada em dinheiro sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos, ou seja excessivamente onerosa para o devedor, artº 566º, nº 1. Tal indemnização pecuniária tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal e a que teria nessa data se não existissem danos, artº 566º, nº 2. Flui do exposto que este artigo prescreve uma avaliação concreta e não abstracta do dano - Cfr. Prof. A. Varela, apud, " Das Obrigações " 663. * Do valor fixado a título de danos patrimoniais futuros/dano biológico; A sentença recorrida fixou a indemnização a este título no valor de €48.000,00 A R./Apelante pugna não resultou provada qualquer perda de rendimento proveniente das lesões originadas pelo acidente dos autos, ou seja, a demandante não passou a ganhar menos do que ganhava antes do acidente. Mas, se assim se não entender, e se se concluir pela admissibilidade dessa indemnização, sempre esta deverá ser reduzida para uma quantia nunca superior a 30.000,00€. Tem sido entendimento consensual da jurisprudência “De todo o modo, a incapacidade permanente geral com repercussão na perda de capacidade aquisitiva, constitui um dano patrimonial (sem esquecer a vertente não patrimonial que dela decorre), pois que se verifica uma vertente claramente patrimonial expressa no facto de o lesado ficar privado da sua inteira capacidade física, determinante da necessidade de esforço acrescido nas suas actividades produtivas e não produtivas (…). O sinistrado tem, pois, direito a ser indemnizado pelo dano biológico de que foi vítima e que compromete a sua qualidade de vida, para além de suportar uma limitação funcional e ter de despender esforços acrescidos no desempenho da profissão. Os danos futuros decorrentes de uma lesão física não se limitam à redução da sua capacidade de trabalho pois implicam, desde logo, uma lesão do direito fundamental do lesado à saúde e à integridade física pelo que a indemnização a arbitrar não pode atender apenas àquela redução. Acresce que a limitação da condição física que a deficiência, dificuldades ou prejuízo de certas funções ou actividades do corpo, o handicap que a incapacidade permanente geral acarreta, colocará sempre, até pelas consequências ao nível psicológico, uma diminuição da capacidade laboral genérica e dos níveis de desempenho exigíveis. O que releva, pois, é o dano biológico, isto é, o decorrente da implicação para o lesado de um esforço acrescido para manter os mesmos níveis de ganho ou exercer as várias tarefas e actividades gerais quotidianas. Importa, porém, ter também presente que a acrescer ao lucro cessante, decorrente da previsível perda de remunerações, calculada em função do grau de incapacidade permanente fixado, deve ser considerada uma quantia que constitua justa compensação do dano biológico, consubstanciado na privação de futuras oportunidades profissionais, precludidas irremediavelmente pela capitis diminutio de que passou a sofrer (o lesado), bem como pelo esforço acrescido que o grau de incapacidade fixado irá envolver para o exercício de quaisquer tarefas da vida profissional ou pessoal.”, vide ac do STJ, de 11/07/2019, processo 1456/15.2T8FNC.L1.S1, Relator Henrique Araújo, in www.dgsi.pt. E no âmbito dos danos futuros, em primeiro lugar, ainda que não resulte provado a perda de rendimentos por força da incapacidade, tal não significa que tal perda não terá lugar no futuro, vide Ac. Do Supremo Tribunal de Justiça, de 23 de Outubro de 2003, disponível em www.dgsi.jstj.pt/]; Em segundo, estando em causa, num primeiro momento, a afirmação da perda de capacidade de trabalho, se o lesado mantém o mesmo nível de rendimento, ou o aumenta, tal dever-se-á necessariamente a um esforço acrescido que desenvolve, de tal forma que razoavelmente será de supor que sem a incapacidade para o trabalho de que padece estaria apto a angariar rendimentos de nível superior, vide Ac. do Supremo Tribunal de Justiça nos seus acórdãos de 18 de Novembro de 1999 e de 18 de Junho de 2009, ambos disponíveis em www.dgsi.jstj.pt/. Tem sido ainda entendimento uniforme da jurisprudência que o julgador deve recorrer à equidade para fixar a indemnização devida pelo dano biológico, ainda que se sirva, num primeiro momento, do auxílio de tabelas financeiras ou de fórmulas matemáticas. Esta operação inicial consiste na utilização de um instrumento de carácter objectivo, a ajustar ulteriormente às situações ocorrentes na vida, vide AC. do STJ, de 16.01.2024, processo 3527/18.4T8PNF.P2.S1, Relator Luís Correia de Mendonça in www.dgsi.pt. Decorre da factualidade provada que a Autora encontrava-se desempregada há cerca de um mês, pois preparava-se para ingressar num novo trabalho, no departamento de logística de recursos humanos da empresa “D..., Unipessoal, Lda.”, onde auferiria uma retribuição mensal, ilíquida, global de € 1.000,00 (mil euros), com início em Janeiro de 2020. Atualmente, a Autora aufere um vencimento base de € 1.029,35 (mil e vinte e nove euros e trinta e cinco cêntimos), Considerando o Défice Funcional Permanente de 13 pontos de que a A. ficou a padecer, conjugado com o vencimento anual auferido pela mesma (€14.000,00=€1.000,00 x 14 meses), bem como o período provável de vida activa/esperança média de vida da Autora, respectivamente, 70 anos de idade, ou seja, 45 anos de vida activa e 58 anos de longevidade (78 anos de idade para os homens e 83,37 anos para as mulheres, vide INE -www.ine), tal significa que a A. auferiria durante o período de vida activa o montante total de €630.000,00 (€14.000,00 x 45 anos), correspondendo o montante de 13% de incapacidade ao valor €81.900,00 (€630.000,00 x 13%). A A. ficou a padecer de uma incapacidade permanente parcial de 13 pontos, tal significa que fará um esforço acrescido para obter os mesmos rendimentos que obteria caso não ficasse a padecer da incapacidade de 13 pontos, a que acresce o facto de continuar com a incapacidade durante o tempo de esperança média de vida, ou seja, até aos 83,7 anos, sendo certo que irá receber o dinheiro de uma só vez podendo fazer aplicações com o mesmo para produzir rendimento. Assim sendo, considera-se que o valor a fixar, equitativamente (artº 566º, nº 2, CC), será de €55.000,00, revogando-se a decisão recorrida nesta parte, dando-se, assim, provimento ao recurso subordinado da Autora e negando provimento ao recurso da Ré/Apelante. * Dos danos não patrimoniais. A R./Apelante pugna pela redução e fixação do valor de €30.000,00 em vez do valor de €45.000,00 fixado na sentença recorrida a título de danos não patrimoniais. Conhecendo: Danos não patrimoniais são aqueles cujos prejuízos são insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens que não integram o património do lesado (ex. a vida, a saúde, a liberdade, a beleza). Aliás, pode-se dizer que estes danos não atingem o património do lesado, a obrigação de os ressarcir tem mais uma natureza compensatória do que indemnizatória. Com efeito, em quanto, em termos de dinheiro, se pode avaliar a vida, as dores físicas, o desgosto, uma cicatriz que desfeia? O dano de cálculo não tem aqui aplicação, pelo que a lei (artº 496º, nº 1,) fez apelo a uma fórmula genérica, mandando atender só àqueles danos não patrimoniais que pela sua tutela mereçam a tutela do direito. Segundo o prof. Antunes Varela, in - Das Obrigações em geral, 1º, pág. 628, 9ª edição - a gravidade deve ser apreciada objectivamente. Quanto à fixação do montante indemnizatório por estes danos a lei remete para juízos de equidade, haja culpa ou dolo, cfr. artº 496º, nº 3, tendo em atenção os factores referidos no artº 494º (grau de culpabilidade do agente, situação económica deste e do lesado e quaisquer outras circunstâncias). Entre “as quaisquer outras circunstâncias” referidas no artº 494º, costumam a doutrina e a jurisprudência apontar a idade e sexo da vítima, a natureza das suas actividades, as incidências financeiras reais, possibilidades de melhoramento, de reeducação e de reclassificação. Reconduzindo-nos ao caso sub-judice constata-se que: O Quantum Doloris é fixável no grau 5/7. O Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica é fixável em 13 pontos. O Dano Estético Permanente é fixável no grau 4/7. A Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer fixável no grau 2/7. A Repercussão permanente na Atividade Sexual é fixável no grau 2/7. Sendo que ficou a padecer: − Face: complexo cicatricial estrelado, algo distrófico, com algum afundamento e indolor à palpação localizada no andar superior da face ao nível da região frontal esquerda com dois componentes de 6 cm e 3 cm, visível a curta distância − Membro inferior direito: amiotrofia da coxa (cerca de 1 cm: 50 cm vs. 51 cm à esquerda), mais notada a nível do quadricípite femoral e vasto medial; zona com discreta alteração da pele por estase na face interna do terço distal da coxa medindo 5 cm por 3 cm; cicatriz normotrófica e alargada na face interna do joelho medindo 14 cm por 1 cm; cicatriz linear vertical normotrófica e hipocromatica na face anterior do joelho com 4 cm; cicatriz na face anterior do terço proximal da perna com características semelhantes à anterior com 3 cm; ligeiro edema dos tecidos moles do joelho, sem aparente derrame articular notado; ligeira laxidez anterior e lateral externa; arco de mobilidade em flexão/extensão conservado e simétrico. – Apresenta um quadro de Perturbação de Stress Pós-traumático. - Foi sujeita a várias cirurgias, vide pontos 23 e ss dos factos provados. Face a tal circunstancialismo, considera-se ser adequada e proporcional o valor de €45.000,00 fixado na sentença recorrida, improcedendo o recurso/apelação também nesta parte. * A A. no recurso subordinado pugna ainda pela condenação da R. no dobro da taxa de juro. A sustentar o seu pedido invoca o artº 38º, nº 3, da Lei do Seguro Obrigatório. Na sentença fixaram-se juros à taxa legal, tendo indeferido o pedido por duas ordens de razões, uma processual, não admitindo a ampliação do pedido e outra substantiva. Conhecendo: Admissão da ampliação do pedido quanto ao pagamento dos juros em dobro. Após a citação do réu, a modificação dos elementos subjectivos ou objectivos da instância só pode operar nos estritos limites consentidos pelos artigos 261.º a 265.º do Código de Processo Civil, vide Ac. do TRP, de 10.07.2024, processo 1139/19.4T8FLG-A.P1, Relator Judite Pires, in www.dgsi.pt que aqui seguiremos. No que concerne especificamente à modificação dos elementos objectivos (causa de pedir e pedido), havendo acordo das partes, os mesmos “podem ser alterados ou ampliados em qualquer altura, em 1.ª ou 2.ª instância, salvo se a alteração ou ampliação perturbar inconvenientemente a instrução, discussão e julgamento do pleito. Na falta de acordo, a modificação da causa de pedir só pode ocorrer verificados os pressupostos exigidos pelo artigo 265.º, cujo n.º 1 determina: “Na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor, devendo a alteração ou ampliação ser feita no prazo de 10 dias a contar da aceitação”. Por sua vez, quanto à alteração do pedido, estabelece o n.º 2 do mesmo normativo: “O autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo”. Em termos substantivos, prevê, por sua vez, o artigo 569.º do Código Civil: “Quem exigir a indemnização não necessita de indicar a importância exacta em que avalia os danos, nem o facto de ter pedido determinado quantitativo o impede, no decurso da acção, de reclamar quantia mais elevada, se o processo vier a revelar danos superiores aos que foram inicialmente previstos”. Havendo acordo das partes o pedido pode ser alterado ou ampliado em qualquer altura, em 1.ª ou 2.ª instância, desde que a alteração ou ampliação não perturbe inconvenientemente a instrução, discussão e julgamento do pleito; na ausência de acordo, a ampliação do pedido tem como limite temporal, para ser exercida, o encerramento da discussão em primeira instância, exigindo-se ainda que a ampliação seja “o desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo”. Embora a lei não defina o que deve entender-se por “desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo”, a interpretação de tais conceitos deve orientar-se no sentido de a ampliação radicar numa origem comum. Esse é o entendimento que vem sendo sustentado na doutrina e na jurisprudência, ao defenderem que a ampliação do pedido será processualmente admissível, por constituir desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, quando o novo pedido (objecto de ampliação) esteja virtualmente contido no âmbito do pedido inicial, por forma a que pudesse tê-lo sido também aquando da petição inicial, ou da reconvenção, sem recurso a invocação de novos factos[5]. Ou seja: a ampliação do pedido constitui o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo quando o pedido formulado esteja virtualmente contido no pedido inicial e na causa de pedir da acção, pressupondo-se, para tanto, que dentro da mesma causa de pedir o pedido primitivo se modifique para mais. A ampliação pressupõe que, dentro da mesma causa de pedir, a pretensão primitiva se modifica para mais; a cumulação dá-se quando a um pedido, fundado em determinado acto ou facto, se junta outro, fundado em acto ou facto diverso. O que é necessário é que a ampliação ou o pedido cumulado seja desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, e que por conseguinte tenham essencialmente origem comum – causas de pedir, senão totalmente idênticas, pelo menos integradas no mesmo complexo de factos. Salvaguardadas eventuais situações manifestamente dolosas ou de negligência grave, não se justifica uma interpretação restritiva do Art. 265.º n.º 2 do C.P.C. apenas para sancionar uma parte, dado não existir nenhum princípio geral que justifique semelhante penalização em face do facto de o mencionado preceito fixar a preclusão do direito de ampliação do pedido no momento do «encerramento da discussão em 1.ª instância. O que está em causa é a consonância do princípio da estabilidade da instância com o princípio da economia processual, dando-se prevalência a este último na estrita medida em que se verificam reais vantagens na solução definitiva num único processo do conflito existentes entre as mesmas partes, desde que a relação controvertida seja essencialmente a mesma, assente virtualmente na mesma causa de pedir. In casu, discorda-se da decisão recorrida, porquanto tal como nada impedia o Autor de vir a peticionar juros de mora caso não fizesse na petição inicial, por maioria de razão, não se vislumbra razões para que tal pedido não seja admitido. Assim sendo, entende-se ser de admitir a ampliação de pedido de pagamento de juros em dobro feita pelo Autor em 19.03.2025. * De acordo com o disposto no nº 3, do art. 38º da Lei Seguro Obrigatório da Responsabilidade civil Automóvel, “se o montante proposto nos termos da proposta razoável for manifestamente insuficiente, são devidos juros no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante fixado na decisão judicial, contados a partir do dia seguinte ao final dos prazos previstos nas disposições identificadas no n° 1 até à data da decisão judicial ou até à data estabelecida na decisão judicial.”. Já no nº4, se dispõe que “para efeitos do disposto no presente artigo, entende-se por proposta razoável aquela que não gere um desequilíbrio significativo em desfavor do lesado”. O Regime Jurídico do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel, previsto instituído pelo DL nº 291/2007 de 21 de Agosto (entretanto alterado pela Retificação nº 96/2007 de 19/10, e pelo DL nº 153/2008 de 06 de Agosto), introduziu regras muito específicas nesta matéria, nos arts. 35º a 40º, relacionadas com as participações dos sinistros, e com a obrigatoriedade das seguradoras de dar resposta pronta às participações e respetivas indemnizações, tudo em vista a agilizar os sinistros e a sua rápida ressarcibilidade. A remissão que é feita na Lei (no citado art.º 39º nº3 e 5) para a Tabela Indicativa para Avaliação de Incapacidades Permanente em Direito Civil, tem sido feita, de forma pacífica, para “os critérios e valores orientadores constantes de portaria aprovada pelos Ministros das Finanças e da Justiça, sob proposta do Instituto de Seguros de Portugal” - a Portaria 377/2008, de 26 de maio, entretanto alterada pela Portaria 679/2009, de 25 de junho, e a tabela anexa à mesma. A Portaria 377/2008, de 26.5 “Fixa os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal”, resultando do seu Preâmbulo que “A defesa dos interesses das vítimas dos acidentes de viação tem sido uma das prioridades do Governo. A Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, viria entretanto a ser alterada pela Portaria nº 679/2009, de 25 de junho, de cujo preâmbulo consta o seguinte: “Decorridos cerca de 10 meses desde a sua publicação, pode afirmar-se que a Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, foi acolhida de forma muito positiva pelos vários agentes envolvidos na regularização de sinistros automóvel, registando-se um significativo aumento do número de casos resolvidos por acordo, com referência aos critérios e valores nela estabelecidos. Como se decidiu no Ac. da RP de19/11/2020, “O legislador não pode ter querido que se considerasse irrazoável uma proposta que seguisse os critérios por ele próprio indicados para fixação da proposta razoável. Seria um contrassenso, um absurdo jurídico mesmo, admitir o sancionamento do segurador quando cumpre os parâmetros de determinação e avaliação dos danos que o próprio legislador lhe forneceu com obrigação de cumprimento…”. Refere-se ainda no aludido Acórdão, o legislador nem sequer define o que seja a manifesta insuficiência da proposta, não resultando da lei que ela consista numa qualquer divergência entre o valor da proposta e o valor que o tribunal acabe por fixar na decisão final. Apesar de parecer apontar nesse sentido, ao estabelecer que a duplicação da taxa de juro recai “sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante fixado na decisão judicial”, no nº 4 do art.º 39º apenas esclarece que “para efeitos do disposto no presente artigo, entende-se por proposta razoável aquela que não gere um desequilíbrio significativo em desfavor do lesado.” Assim, ter-se-á de apreciar se a proposta apresentada ao lesado pela seguradora desrespeitou os “termos substanciais e procedimentais previstos no sistema de avaliação e valorização dos danos corporais por utilização da Tabela Indicativa para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil”, como lhe impõe o nº 3 do art.º 39º do DL 291/2007, mormente o desrespeito na mesma dos critérios e valores orientadores estabelecidos na Portaria nº 679/2009, de 25/06, a qual fixa os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados (por acidente automóvel) de proposta razoável para indemnização do dano corporal. Tem sido entendimento uniforme da jurisprudência que os valores da Portaria são vocacionados fundamentalmente para base de discussão de acordos extrajudiciais, estabelecendo os critérios e valores referenciais para efeitos de apresentação de proposta razoável aos lesados por acidente automóvel, vide Ac. do STJ de 24/03/2021, em www.dgsi.pt. Na proposta apresentada A. proposta feita pelo Réu ao Autor foi de €5.634,67 (doc. 1 junto com a ampliação do pedido em 10.03.2025), englobando a indemnização pelo quantum doloris (€910,68), €68,13 incapacidade temporária com internamento, €1.821,37 de dano estético e €2.834,49 de dano biológico). Não decorre da factualidade provada que o Autor tenha alegado e provado como fez a proposta, o que alegou, o que demonstrou, qual a prova carreada para que lhe fosse feita a proposta de modo a que a mesma pudesse ser considerada como não razoável à data em que foi feita e de acordo com os elementos que tidos por disponíveis para se apurar a mesma. Por sua vez a R. alegou ter efectuado a proposta de acordo com a fórmula e critérios estabelecidos na Portaria 377/2008 de 26 de Maio, a qual foi alterada pela Portaria nº 679/2009, de 25/06, e não tendo o A. alegado e provado a não verificação de tais exigências, não pode aquela ser censurada por apresentar proposta irrazoável ou desequilibrada (em desfavor do lesado) e, em consequência, ser condenada no pagamento de taxa de juros agravada, mesmo que tenha sido condenada em valores muito superiores aos por si apresentados. Assim sendo, ter-se-á de concluir pela improcedência do recurso da A./apelante, sendo os juros de mora apenas os devidos à taxa legal em vigor. *** IV – Dispositivo Pelo exposto, acordam os Juízes que integram a 3ª secção deste Tribunal da Relação do Porto: a) Na parcial procedência do recurso subordinado da Autora, em alterar a decisão apelada, fixando em €55.000,00 (cinquenta e cinco mil euros) a indemnização devida pelo dano patrimonial futuro/biológico; b) Em negar provimento ao recurso da Ré/Apelante, bem como no restante recurso subordinado interposto pela Autora. * Custas do recurso principal a cargo da Apelante – artigo 527º do Código de Processo Civil.Custas do recurso subordinado por Apelante e Apelada, na medida do respectivo decaimento, artº 527º do CPC. Notifique. Porto, 13 de Novembro de 2025 Álvaro Monteiro Judite Pires António Carneiro da Silva |