Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | LINA CASTRO BAPTISTA | ||
Descritores: | PROVIDÊNCIA CAUTELAR RATIFICAÇÃO DE EMBARGO DE OBRA NOVA CAUSA DE PEDIR DANOS PATRIMONIAIS | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RP202202221511/21.0T8PRT.P2 | ||
Data do Acordão: | 02/22/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | RECURSO IMPROCEDENTE/DECISÃO CONFIRMADA. | ||
Indicações Eventuais: | 2.ª SECÇÃO. | ||
Área Temática: | . | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I - A causa de pedir da providência cautelar de Ratificação de Embargo de Obra Nova é constituída pela titularidade de um direito de propriedade ou de qualquer outro direito real ou pessoal de gozo ou de posse; pela ofensa neste direito em consequência de obra, trabalho ou serviço novo e pela ameaça de que tal obra, trabalho ou serviço venha a causar prejuízos. Constitui cumulativamente condição de procedência a apresentação do pedido da sua ratificação judicial no prazo de 05 dias. II - O prejuízo previsto na lei equivale à ofensa ao direito real, não sendo necessária a prova de danos patrimoniais concretos. | ||
Reclamações: | |||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Processo n.º 1511/21.0T8PRT.P2 Comarca: [Juízo Local Cível do Porto (J5), Comarca do Porto] Relatora: Lina Castro Baptista Adjunta: Alexandra Pelayo Adjunto: Fernando Vilares Ferreira SUMÁRIO …………... …………... …………... Acordam no Tribunal da Relação do Porto I - RELATÓRIO AA, residente na Rua ..., ..., ..., Porto, instaurou a presente providência cautelar de ratificação judicial de embargo efectuado por via extrajudicial contra “D..., LDA”, sociedade com sede na Travessa ..., ..., ..., e “R..., LDA.”, sociedade com sede na Rua ..., ..., ..., pedindo que: A - Se ratifique o embargo extrajudicial efectuado a 21 de Janeiro de 2021, sendo lavrado o Auto a que se refere o art.º 400.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e que B - Seja notificado o dono da obra, ou na sua ausência, o encarregado ou quem o substitua para não continuar, sob pena de, desrespeitando tal determinação judicial, poder ser destruída qualquer inovação abusiva e incorrer em responsabilidade penal pela prática de crime de desobediência qualificada, como prevê o art.º 375.º do Código de Processo Civil. Alegou, em síntese, ser proprietário do imóvel sito na Rua ..., ..., Porto, composto com casa de três pavimentos e anexo com logradouro e sendo a 1.ª Ré proprietária do prédio contíguo. Afirma que, aquando dos trabalhos de demolição realizados no prédio da 1.ª Ré, e levados a cabo pela 2.ª Ré, esta danificou parte do seu imóvel, nomeadamente o muro de divisão do respectivo logradouro, bem como parte da parede da sala de estar. Acrescenta que, tendo em conta os estragos ocorridos, as partes acordaram, através de acordos escritos, que ambas as Requeridas ficariam responsáveis por executar as obras de reposição e reparação necessárias. Alega que, apesar dos acordos assinados, as Embargadas continuaram a executar as suas obras de edificação sem o zelo e cuidos devidos, danificando ainda mais o seu imóvel. Declara que, ao deslocar-se ao seu imóvel, no dia 15 de Janeiro de 2021, foi confrontado com o derrube da parede do anexo situado no logradouro do seu imóvel, a qual foi substituída por tiras de madeira, colocando em risco a sustentação do próprio anexo. Concretiza que esta parede é a do lado norte, referente ao anexo sito no logradouro, do lado nascente, da sua propriedade e que confina com o cemitério (a nascente) e com o prédio da 1.ª Embargada, do lado norte. Diz que, existiu ainda invasão da sua propriedade por parte das Requeridas, tendo em conta a disposição dos bens existentes no anexo, encontrando-se no presente a construir em terreno da sua propriedade, derrubando uma parede interior do anexo e, ainda, apropriando-se de um muro meeiro, sem o seu consentimento. Expõe que, perante esta situação, no dia 21/01/21,o seu Mandatário, na presença de duas testemunhas, notificou verbal e presencialmente o Sr. BB, director adjunto da 2.ª Ré e responsável pelos trabalhos. Citadas as Requeridas, a 2:º Requerida veio apresentar oposição excepcionando a sua ilegitimidade passiva, alegando que no contrato de empreitada outorgado entre si e a 1.ª Requerida apenas assumiu a posição de empreiteira. Supletivamente alega que os danos negligentemente causados no muro que separa as duas propriedades foram já reparados por si. Diz que não existia qualquer parede interior do anexo, encontrando-se este anexo, no lado norte, erigido a partir do muro existente. Acrescenta que, uma vez derrubado o muro, a equipa encarregada da obra decidiu colocar uns painéis de madeira com o objectivo de proteger a vista lateral e impedir o acesso ao seu interior. Alega que o anexo permanece “em pé” e totalmente incólume, nunca tendo existido qualquer risco de derrubamento ou queda daquela estrutura. Conclui pedindo que se julgue procedente, por provada, a excepção dilatória de ilegitimidade processual passiva, com a sua absolvição da instância. Caso assim se não entenda, pede que se julgue a presente Oposição totalmente procedente, não ratificando o embargo extrajudicial e absolvendo-a dos demais pedidos contra si formulados. Também a 1.ª Requerida veio apresentar oposição, excepcionando litispendência com o procedimento cautelar de obra nova que deu entrada em Juízo no dia 19/01/21 e se encontra pendente com o n.º 1081/21.9T8PRT. Mais excepciona a caducidade do exercício do direito, alegando terem decorrido mais de 30 dias entre o conhecimento da alegada ofensa, pelo menos a 28/11/20, e o embargo extrajudicial levado a efeito a 21/01/21. Suscita a irregularidade do embargo extrajudicial, invocando que o mesmo não foi transmitido ao dono da obra ou ao respectivo encarregado. Supletivamente alega que o muro divisório de pedra, existente em toda a demarcação do seu prédio, e nomeadamente ao longo de toda a confrontação com o Requerente, sempre foi de sua propriedade exclusiva. Impugna que existisse uma parede interior no anexo do Requerente. Afirma ter, no legítimo exercício de um direito, demolido o seu muro no topo nascente que confina com o anexo do Requerente, ocasião em que constatou que tal muro estava a ser utilizado como parede do indicado anexo, tendo isolado o lado norte do anexo com um taipal de madeira, para evitar que o mesmo ficasse exposto. Invocando um conjunto de prejuízos previsíveis decorrentes da procedência da presente providência cautelar, sustenta que, vindo a ser procedente a ratificação do embargo, a mesma deve ficar dependente da prestação de caução pelo Requerente, a fixar em montante nunca inferior a €200 000,00. Remata pedindo que seja julgada procedente a excepção de litispendência invocada, com a sua absolvição da instância. Caso assim se não entenda, que seja julgada procedente a excepção de caducidade invocada, com a sua absolvição do pedido. Caso assim se não entenda, que seja liminarmente julgado improcedente o pedido de ratificação judicial face à manifesta irregularidade formal do embargo extrajudicial levado a cabo. Caso assim se não entenda, que a presente providência cautelar seja julgada improcedente, por não provada. Caso assim também se não entenda, que a concessão da providência fique dependente da prestação de caução pelo Requerente, em montante nunca inferior a €200 000,00, por forma a assegurar os danos que se vierem a liquidar terem sido causados pela injustificabilidade da providência requerida. Notificada para o efeito, a Requerente veio responder às matérias de excepção suscitadas, por forma a impugnar as factualidades invocadas como fundamento das mesmas. Proferiu-se despacho que julgou improcedentes as suscitadas excepções de ilegitimidade passiva e de litispendência. Procedeu-se à inquirição das testemunhas arroladas e proferiu-se despacho final que julgou procedente a excepção de caducidade, absolvendo-se as Requeridas do pedido contra elas formulado. Tendo sido interposto recurso de apelação, revogou-se esta decisão e determinou-se o prosseguimento dos autos. Proferiu-se despacho final com a seguinte decisão: “Pelo exposto e nos termos dos fundamentos supra mencionados, julga-se o presente procedimento cautelar procedente e, em consequência, ratifica-se judicialmente o embargo de obra nova efectuado pelo Requerente AA no dia 21JAN2021 e determina-se que as Requeridas D..., LDA e R..., Lda. não continuem a obra.” Inconformada com esta decisão, a 1.ª Requerida apresentou o presente recurso pedindo a revogação da decisão recorrida, substituindo-a por outra que indefira a requerida ratificação judicial de embargo de obra nova, terminando com as seguintes CONCLUSÕES (na sequência de despacho a ordenar o respectivo aperfeiçoamento): …………………. …………………. …………………. O Requerente apresentou contra-alegações, pedindo que se julgue improcedente o recurso, confirmando-se a sentença recorrida, terminando com as seguintes CONCLUSÕES: ………………… ………………… ………………… O presente recurso foi admitido como Apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. * II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSOResulta do disposto no art.º 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil[1], aqui aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, e 639.º, n.º 1 a 3, do mesmo Código, que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso. Como questão prévia, deixa-se consignado que as irregularidades suscitadas pelo Recorrido atinentes à impugnação da matéria de facto ficaram prejudicadas com a apresentação de novas Conclusões de recurso rectificadas, na sequência de convite endereçado para o efeito. As questões a apreciar, delimitadas pelas conclusões do recurso, consistem nas seguintes: ◦- Modificabilidade da matéria de facto, por reapreciação das provas produzidas; ◦- Apreciação do mérito da decisão de decretamento da providência cautelar. * III - MODIFICABILIDADE DA DECISÃO DE FACTODecorre do disposto no art. 662.º, n.º 1, do CP Civil que "A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa." A Recorrente pretende que os factos constantes dos Itens 6.[2], 8.[3] e 9[4]. dos Factos indiciariamente provados sejam eliminados. Sustenta, em síntese, que a instrução revelou existir evidente discrepância entre a factualidade alegada como suporte da existência do direito dito violado e a insofismável constatação da realidade que foi depois trazida para os autos, através de diversos meios probatórios, nomeadamente fotografias, suporte vídeo datado de 15Jan2021 - apresentado como documento nº 13 e visualizado em audiência - e relatório elaborado em sede de verificação não judicial qualificada, o qual foi até entendido pelo senhor Juiz a quo como “sendo rigoroso e complexo”. Alega que da referida prova documental integrada nos autos resultou de forma indubitável e cristalina a inexistência de qualquer parede interior do anexo do Recorrido. Bem como que do Relatório da diligência de verificação não judicial qualificada resultou clara exactamente a mesma inexistência dessa parede. Conclui que da prova constante dos autos se poderá ter como seguramente assente que a dita parede do anexo do Recorrido (alegadamente derrubada pela Recorrente) nunca existiu no domínio da realidade física, pelo que se impunha que o Tribunal não pudesse dar como factos provados o derrube da mesma (item 6), as suas confrontações (item 8), a sua destruição e muito menos a sua função de sustentação do anexo em causa (item 9). Apreciamos a totalidade das provas produzidas nos autos e, perante estas, é manifesta a validade das razões invocadas pela Recorrente. Parece-nos inclusivamente que estaremos perante uma mera imprecisão de linguagem na redacção dos factos indiciariamente dados como provados que, sendo relevante em termos de definição dos factos naturalísticos verificados, se impõe aclarar. Com efeito, quer a prova documental, quer a prova pericial, quer ainda a prova testemunhal foram unânimes na consideração de que inexistia uma parede interior privativa do anexo em referência nos autos e na explicação de que este mesmo anexo tinha apenas três paredes autonomamente construídas, estando apoiado, no local da outra parede, no muro divisório das duas propriedades. Refere-se, em síntese, que o relatório da diligência de verificação não judicial qualificada é peremptório a este respeito, tendo o Sr. Perito, em sede de resposta a esclarecimentos suscitados, dito expressamente: “O anexo estava construído adossado ao muro que foi demolido (…) não existia outra parede, que encerrasse o compartimento daquele espaço do anexo, sendo isso observável no corte perfeito das paredes do anexo, da sua laje de cobertura/terraço e do próprio pavimento (…). Por tudo isto fica claro que não existia naquele anexo, outra parede do lado norte, que não fosse o muro que foi demolido.” Apontam precisamente no mesmo sentido quer o vídeo datado de 15/01/21, quer as fotografias juntas aos autos, quer os depoimentos das testemunhas CC (Engenheiro), DD (amiga pessoal do Requerente e testemunha do embargo extrajudicial) e EE (Director de Fiscalização da Requerida/Recorrente), explicando inclusivamente esta última testemunha que estava apenas colada uma tela impermeabilizando a este muro divisório. Aliás, o próprio embargo extrajudicial levado a cabo refere: “Nestes termos o Embargante comunica, desde já, o embargo dos trabalhos de demolição e reconstrução do muro na parte do anexo (…).” Esta situação não acarreta – nos termos defendidos pela Recorrente - a eliminação dos Itens em causa, já que a essencialidade dos factos aí existentes se mantém como indiciariamente verificada. Tendo já ficado dito acima que se trata de factualidade naturalisticamente relevante, deverá diversamente alterar-se a redacção dos indicados Itens 6), 8) e 9), adaptando-os a tal realidade. Os Itens 6), 8) e 9), passam assim a ter a seguinte redacção: Item 6) – O Requerente, quando se deslocou ao seu imóvel no passado dia 15JAN2021, foi confrontado com o derrube de parte do muro divisório da sua propriedade e da propriedade da 1.ª Requerida, e que constituía suporte para o anexo situado no logradouro do seu imóvel, que ocorreu nesse mesmo dia. 8) O muro divisório das propriedades, na parte em que constituía suporte para o anexo identificado em 6), situa-se do lado nascente da propriedade do Requerente, confina com o cemitério (a nascente) e com o prédio da D... (a norte). 9) A destruição de parte deste indicado muro divisório, que foi substituído por tiras de madeira, coloca em risco a sustentação do próprio anexo. Estamos conscientes de que a 1.ª Requerida alega nos autos que este muro divisório de pedra, existente em toda a demarcação do seu prédio, e nomeadamente ao longo de toda a confrontação com o Requerente, sempre foi de sua propriedade exclusiva. Contudo, não foi produzida nos autos qualquer prova indiciária neste sentido e, no decurso da inquirição das testemunhas, a generalidade delas (e até os Ilustres mandatários das partes) se referiram a este muro divisório como sendo um “muro de meação” ou uma “parede meeira”. Assim sendo, esta questão da propriedade do muro divisório terá que ficar relegada para a acção principal. Procede, portanto, parcialmente este específico fundamento de recurso. * IV - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTOFeita a alteração parcial dos factos, são os seguintes os factos considerados indiciariamente provados pelo Tribunal a quo: 1 - O Requerente AA é proprietário do imóvel sito na Rua ..., ..., Porto, inscrito na Conservatória do Registo Predial do Porto, sob o registo ....., composto por casa de três pavimentos e anexo com logradouro. 2 - A 1.ª Requerida D... [doravante D..., para evitar esforço ocular], é proprietária do prédio contíguo, afecto ao comércio, sito na praça ..., ..., inscrito na Conservatória do Registo Predial do Porto, sob o registo ....., e dona da obra. 3 - A 2.ª Requerida R..., Lda. [doravante R...], é responsável pela execução das obras de edificação no prédio identificado no número anterior. 4 - O Requerente é proprietário do imóvel descrito no ponto 1. Desde 2008, data em que o adquiriu, passando-o a utilizar livremente e sem qualquer oposição de terceiros. 5 - Aquando de uns trabalhos de demolição realizados no prédio contíguo ao imóvel do Requerente, a R... danificou parte do imóvel daquele, nomeadamente o muro de divisão do respectivo logradouro, bem como parte da parede da sala de estar. 6 - O Requerente, quando se deslocou ao seu imóvel no passado dia 15JAN2021, foi confrontado com o derrube de parte do muro divisório da sua propriedade e da propriedade da 1.ª Requerida, e que constituía suporte para o anexo situado no logradouro do seu imóvel, que ocorreu nesse mesmo dia. 7 - No dia 21JAN2021, pelas 10 horas, o Mandatário do Requerente – Dr. FF -, na presença das testemunhas i) GG, titular do cartão de cidadão n.º ... e residente na Rua ... Porto e ii) DD, titular do cartão de cidadão n.º ..., residente na Rua ..., ..., ... Porto, notificou verbal e presencialmente o director adjunto da R... e responsável pelos trabalhos – Eng. BB – do seguinte: “Nestes termos o Embargante comunica, desde já, o embargo dos trabalhos de demolição e reconstrução do muro na parte do anexo, entenda-se, no canto sito do lado nascente e norte do prédio do requerente com o canto sito do lado poente e sul do prédio da embargada D..., visto que foi danificada uma parede do embargante, devendo, como tal, ser imediatamente reposta a situação que existia, de acordo com os limites de divisão dos prédios que preexistiam.” 8 - O muro divisório das propriedades, na parte em que constituía suporte para o anexo identificado em 6., situa-se do lado nascente da propriedade do Requerente, confina com o cemitério (a nascente) e com o prédio da D... (a norte). 9 - A destruição de parte deste indicado muro divisório, que foi substituído por tiras de madeira, coloca em risco a sustentação do próprio anexo. 10 - A notificação oral do embargo extrajudicial foi acompanhada de um auto, que foi assinado pelas testemunhas identificadas em 7. 11 - O Eng. BB recusou assinar o referido documento. 12 - O procedimento deu entrada em 27JAN2021 – facto por nós aditado, ao abrigo do disposto no artigo 607.º, n.º 4 do Código de Processo Civil. * V - DECISÃO DE DECRETAMENTO DA PROVIDÊNCIA CAUTELARA decisão em recurso entendeu que resultou demonstrada uma ofensa ao direito de propriedade do Requerente, através do derrube da parede do anexo situado no logradouro da sua moradia. Aderimos a esta fundamentação jurídica e à subsequente decisão de ratificação judicial do embargo de obra nova efectuado pelo Requerente no dia 21/01/21, condenando-se as Requeridas a não continuarem a obra. Como veremos, a alteração à matéria de facto indiciariamente provada em nada contende com esta apreciação, pela sua irrelevância fáctico-jurídica. A causa de pedir da providência cautelar de Ratificação de Embargo de Obra Nova é constituída pela titularidade de um direito de propriedade ou de qualquer outro direito real ou pessoal de gozo ou de posse; pela ofensa neste direito em consequência de obra, trabalho ou serviço novo e pela ameaça de que tal obra trabalho ou serviço venha a causar prejuízos (cf. art. 397.º do CP Civil). Constitui cumulativamente condição de procedência a apresentação do pedido da sua ratificação judicial no prazo de 05 dias. Trata-se de uma providência com um escopo preventivo, sendo o seu domínio típico as situações em que se apresente em execução ou iminente a lesão do direito de propriedade ou de qualquer outro direito real. No caso em análise, o direito invocado pelo Requerente é um direito de propriedade sobre um imóvel sito na Rua ..., ..., no Porto, e concretamente sobre um anexo a si pertencente e construído no logradouro deste seu prédio. Estando tal propriedade provada, deve ter-se por preenchido o primeiro requisito previsto na lei. Considerou-se depois indiciariamente provado que, no dia 15/01/21, as Requeridas derrubaram parte do muro divisório da propriedade do Requerente e da 1.ª Requerida, e que constituía suporte para o anexo em causa. Mais se considerou indiciariamente provado que a destruição de parte deste indicado muro divisório, que foi substituído por tiras de madeira, coloca em risco a sustentação do próprio anexo. Esta matéria factual, independentemente da propriedade sobre o dito muro divisório traduz-se na verificação do segundo requisito legal: a ofensa do direito de propriedade, em concreto de um anexo construído no logradouro do Requerente, em consequência de obra em curso e colocando em risco a sua própria sustentação. Tal como se explica no Código de Processo Civil Anotado de Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa[5]: “A lei dirige-se a actos (obras, trabalhos ou serviços) que causem ou ameacem causar prejuízos nos bens a que tais direitos se reportam, abarcando designadamente as obras de construção, de demolição e de escavação ou plantação e o corte de árvores.” Por outro lado, deve entender-se que não é necessária a prova de danos patrimoniais concretos, bastando-se o prejuízo previsto na lei com a ofensa ao direito de propriedade ou outro direito menor. Veja-se neste sentido, e a título meramente exemplificativo, o Acórdão desta Relação de 23/02/12, tendo como Relatora Anabela Calafate[6], onde se decidiu que “O embargo de obra nova não pressupõe a demonstração de lesão grave ou dificilmente reparável. No caso de embargo extrajudicial importa que no momento em que ele é feito a obra ainda esteja em curso, sendo indiferente que tendo prosseguido, já esteja concluída à data do pedido de ratificação ou da apreciação judicial sobre esse pedido.” Esta conclusão somente seria afastada caso se tivesse apurado – nos termos alegados pela Recorrente – que o muro divisório das propriedades pertence em exclusivo a esta. Contudo, tal como ficou referido acima, não foi produzida nos autos qualquer prova indiciária neste sentido. Permanecendo por apurar a propriedade de tal muro, deverá ter-se em conta, para efeitos de decisão da presente providência cautelar, a presunção consagrada no Código Civil. A este respeito, a disposição legal do art.º 1371.º do Código Civil estabelece, no seu n.º 1 e 2, que a parede ou muro divisório entre dois edifícios ou pátios e quintais de prédios urbanos se presume comum em toda a sua altura, sendo os edifícios iguais ou até à altura do inferior, se não o forem. Na base desta presunção tem-se entendido estar, por um lado, a habitual dificuldade em fazer prova da compropriedade e, por outro lado, a probabilidade de tal comunhão. No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/02/15, tendo como relator Abrantes Geraldes[7], defende-se mesmo tratar-se da melhor composição dos interesses de proprietários de prédios confinantes: “(…) ao invés do que ocorre noutras situações de compropriedade que naturalmente tendem para a conversão em propriedade plena, através dos mecanismos da divisão ou da adjudicação do bem a algum dos titulares ou a terceiro (nos termos do art.º 1412.º do CC e dos arts. 925.º e segs. do CPC), em relação aos muros divisórios de prédios rústicos ou de pátios e quintais de prédios urbano o regime jurídico é precisamente o inverso, favorecendo e incentivando o estabelecimento de situações de comunhão.” Em face de tudo o exposto, atendendo a que a natureza urgente da presente providência cautelar não comporta uma análise demorada e rigorosa quanto à titularidade efectiva do direito invocado, deve entender-se estar suficientemente demostrada a verosimilhança do direito que o Requerente invoca estar a ser ameaçado. Deverá manter-se a regulação provisória ordenada pelo tribunal recorrido, até que o Direito seja declarado e reconhecido na acção principal de que esta providência depende. Conclui-se, portanto pela improcedência do presente recurso. * VI - DECISÃOPelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso no que concerne à reapreciação da matéria de facto, mas improcedente quanto à reapreciação da fundamentação e decisão de Direito, confirmando-se a decisão recorrida. * Custas do presente recurso a cargo da Recorrente - art.º 527.º do CP Civil.* Notifique e registe.(Processado e revisto com recurso a meios informáticos) Porto, 22 de Fevereiro de 2022Lina Baptista Alexandra Pelayo Fernando Vilares Ferreira __________________________________ [1] Doravante apenas designado por CP Civil, por questões de operacionalidade e celeridade. [2] Do seguinte teor: “O Requerente, quando se deslocou ao seu imóvel no passado dia 15JAN2021, foi confrontado com o derrube da parede do anexo situado no logradouro do seu imóvel que ocorreu nesse mesmo dia.” [3] Do seguinte teor: “A parede do lado norte, referente ao anexo identificado em 6., que se situa do lado nascente da propriedade do Requerente, confina com o cemitério (a nascente) e com o prédio da D... (a norte).” [4] Do seguinte teor: “A destruição da parede, que foi substituída por tiras de madeira, coloca em risco a sustentação do próprio anexo.” [5] Volume I, 2018, Almedina, pág. 471/472. [6]. Proferido no Processo n.º 1543/11.6T8MCN.P1 e disponível em www.dgsi.pt na data do presente Acórdão. [7] Proferido no Processo n.º 607/06.2TBCNT.C1.S1 e disponível em www.dgsi.pt na data do presente Acórdão. |