Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | JOÃO RAMOS LOPES | ||
| Descritores: | FACTOS CONCLUSIVOS OU DE DIREITO CONTRATO-PROMESSA OBJECTO MEDIATO DO CONTRATO CONTEÚDO DO DEVER DE PRESTAÇÃO CUMPRIMENTO PONTUAL DA OBRIGAÇÃO RECUSA DE CUMPRIMENTO | ||
| Nº do Documento: | RP202510281084/21.3T8PVZ.P1 | ||
| Data do Acordão: | 10/28/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA | ||
| Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - Tendo-se o nosso ordenamento jurídico afastado da matriz assente na clássica distinção entre matéria de facto/matéria conclusiva e/ou de direito, não é agora de excluir nem de rejeitar, no âmbito da decisão de facto, o uso de expressões de conteúdo mais genérico, jurídico ou até conclusivo, desde que (suportadas e substanciadas nos demais factos que adjectivam, qualificam ou valorizam – e, claro está, excluída a hipótese de se referir a questão jurídica que solva a sorte da acção) permitam percepcionar a realidade invocada e concretizar a realidade subjacente ao litigo (ou seja, que permitam uma correta e inteligível compreensão da realidade que o Tribunal conseguiu isolar), acautelado o exercício do contraditório e circunscrita a realidade a apreciar jurisdicionalmente para efeitos de delimitação do caso julgado material. II - Devem ter-se por consubstanciando incumprimento definitivo as situações em que, sendo ainda a prestação objectivamente realizável com interesse para o credor, o devedor manifesta perante o credor o propósito de que não vai cumprir ou declara, de forma inequívoca, que não realizará a prestação III - Manifestação de incumprimento que, contudo (além de cumprir outras exigências – deve traduzir propósito inequívoco, definitivo, peremptório e consciente de não cumprir), para relevar (tornando desnecessária e inútil a interpelação admonitória prevista no art. 808º do CC), deve ser dirigida ao credor IV - Sendo-lhe oferecida prestação imperfeita, pode o credor recusá-la e exigir uma prestação exacta - o cumprimento defeituoso faculta ao credor o direito a recusar a prestação que lhe seja oferecida quando, apreciando objectivamente a situação, seja de concluir, à luz da boa fé, que não a mesma se apresenta idónea e apta a satisfazer o seu interesse. V - Não estando a promitente vendedora em condições de cumprir o contrato pontualmente, não pode impor-se aos promitentes compradores o dever de aceitar a prestação defeituosa. VI - Aplica-se no contrato promessa, por força do regime da equiparação (art. 410º, nº 1 do CC) o regime geral dos contratos, sendo de reconhecer ao credor o direito de recusar prestação defeituosa. VII - A recusa, por parte dos promitentes compradores, de celebração da escritura do contrato definitivo sem que as patologias existentes na moradia objecto do contrato (que impediam a sua fruição em condições de salubridade e conforto e que implicavam riscos para a saúde de quem nela habitasse) fossem eliminadas/reparadas mais não significa do que uma exigência de pontual cumprimento do contrato por parte da contraparte – não traduz nem indicia qualquer manifestação de recusa (do propósito de não cumprir), antes a afirmação de que não estavam a aceitar (e justificadamente) o cumprimento defeituoso ou imperfeito que, como correspectivo sinalagmático, a contraparte se propunha oferecer e prestar. VII - O comportamento da promitente vendedora ao agendar a escritura definitiva renovando o oferecimento da sua prestação defeituosa tem de ser valorizado como consubstanciando uma verdadeira recusa da prestação (de reparação/eliminação dos defeitos) – tem de ser havido como manifestação do inequívoco e peremptório propósito de manter o oferecimento da prestação defeituosa e, por isso, como manifestação do definitivo propósito de recusar o oferecimento da prestação devida e que lhe seria exigível, de acordo com a regra do cumprimento pontual. IX - Atenta a postura clara e consistente dos promitentes compradores de que não aceitavam a prestação defeituosa que vinha sendo oferecida pela promitente vendedora, sempre recusando a outorga do contrato definitivo por a moradia prometida vender ter anomalias e defeitos que impediam a sua fruição em condições de salubridade e conforto e o seu uso habitacional sem riscos para a saúde, tem de considerar-se que nunca eles tiveram comportamento que pudesse ter criado na promitente vendedora expectativa (muito menos legítima), à luz da boa fé, de que nas concretas circunstâncias em que as partes vinham dando execução ao relacionamento contratual nunca viriam a exercer o direito a resolver o contrato (e exigir a devolução do presado em dobro) caso os defeitos na moradia não fosse eliminados. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Apelação nº 1084/21.3T8PVZ.P1 Relator: João Ramos Lopes Adjuntos: Alberto Taveira Maria Eiró * Acordam no Tribunal da Relação do Porto
RELATÓRIO Apelante: A..., Ld.ª (autora reconvinda). Apelados: AA e mulher, BB (réus reconvintes). Juízo central cível da Póvoa de Varzim (lugar de provimento de Juiz 5) – Tribunal Judicial da Comarca do Porto. * Intentou a autora, A..., Ld.ª, a presente acção declarativa comum contra os réus, AA e mulher BB, alegando, em síntese: - ter com os réus celebrado contrato (em Julho de 2020) através do qual prometeu vender-lhes (e eles prometeram comprar), pelo preço de 335.000€, imóvel que identifica e descreve, ainda em fase de construção, clausulando a celebração da escritura do contrato definitivo no prazo de dez dias após emissão de licença de utilização do imóvel (a agendar pelos promitentes compradores, com comunicação à promitente vendedora com antecedência de cinco dias), - terem os réus pago 35.000€ na data da celebração do contrato, passando a ocupar o imóvel, autorizados por si (celebraram aditamento referente à autorização para que os réus habitassem o imóvel logo que reunisse condições de habitabilidade e pagassem 35.000€, o que os réus fizeram em Novembro de 2020), - emitido em Março de 2021 o alvará de construção e dado disso conhecimento aos réus, estes não providenciaram pela marcação da escritura, tendo-os a autora (pretendendo celebrar o negócio prometido) convocado para comparecer a comparecer em Cartório (em 29/04/2021) e, apesar de aí comparecerem, recuaram os réus celebrá-la, - ter agendado nova escritura para 23/06/2021 em cartório de Matosinhos, novamente se recusando os réus a outorgar o contrato definitivo, reclamando a existência de defeitos no imóvel que originavam desconforto e insalubridade, sendo certo que em Fevereiro fora efectuada vistoria ao imóvel e detectado tão só problema no pavimento na entrada da sala, que a autora se prontificou a eliminar (assim como se prontificou a eliminar outros defeitos de construção eventualmente existentes), sendo que os réus, solicitados a tanto, recusaram à autora o acesso ao imóvel para vistoriar o imóvel e proceder às necessárias reparações. Formulou os seguintes pedidos: a) seja proferida sentença que produza os efeitos da declaração negocial dos réus, com a consequente transmissão do direito de propriedade do prédio para a sua esfera jurídica, b) a condenação dos réus no pagamento do remanescente do preço de 226.500€, c) a fixação do prazo para eliminar os defeitos que eventualmente sejam apurados durante a instrução do processo e os réus condenados a permitir o acesso ao imóvel para tal efeito. Contestaram e deduziram reconvenção os réus. Alegam, em súmula, que tendo passado a ocupar o imóvel objecto do contrato promessa, verificaram que os acabamentos não se apresentavam de acordo com o caderno de encargos, tendo também surgido por todo o imóvel infiltrações e humidades, que a autora, apesar de a tanto se ter comprometido, não reparou/solucionou, não tendo comparecido para a realização de combinada e acordada vistoria ao imóvel, razão que os determinou a recusar a outorga da escritura. Em reconvenção pedem o reconhecimento da excepção de não cumprimento do contrato e o incumprimento definitivo da autora enquanto causa de resolução do contrato promessa, a condenação da autora a pagar-lhes o sinal em dobro e, assim não se entendendo, a anulação do contrato com base em erro, nos termos do art. 252º, nº 2 do CC e condenação da autora a restituir-lhes a importância de 108.500€. Respondeu a autora alegando, além do mais, ter eliminado os defeitos comunicados pelos réus em Janeiro de 2021, tendo depois sido contactada por eles com argumentação de que os defeitos seriam mais graves e que era necessário completar o isolamento exterior, parede lateral e rufos no telhado (que seriam, segundo eles, a causa da humidade), reparações que se viu impedida de realizar prontamente por a proprietária do prédio contíguo não lhe ter facultado o acesso, sendo que em Abril de 2021 procedeu ao isolamento do prédio, mantendo todavia os réus a recusa de agendamento da escritura e de facultar o acesso ao imóvel para verificação dos defeitos denunciados, fixando então eles, em 29/04/2021, prazo de trinta dias para eliminação de todos os vícios (que não identificaram e cuja verificação não permitiram à autora) sob pena de considerarem incumprido o contrato, vindo entretanto, em programa de televisão a afirmar ter desistido da aquisição do imóvel (e ter já comprado outra). Observada a legal tramitação, instruída a causa (com realização de perícia) e realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou improcedente a acção, absolvendo os réus do pedido, e procedente a reconvenção, reconhecendo a resolução do contrato promessa por incumprimento definitivo imputável à reconvinda, condenando-a a entregar aos reconvintes o montante de 217.000€, correspondente ao sinal em dobro. Inconformada com a sentença, pretendendo a sua revogação, apela a autora reconvinda, formulando as seguintes conclusões: I) A decisão proferida pelo Tribunal recorrido é, com todo o respeito – que é, naturalmente, muito -, contrária ao Direito, aos Factos e à Justiça que ao caso concreto cabe, tendo o presente recurso por objeto a impugnação da decisão e julgamento que a instância a quo fez da matéria de facto e de Direito. II) Em primeiro lugar, Conforme resulta dos autos, em 03.05.2024 realizou-se a última sessão da audiência de julgamento que se havia iniciado no dia 21.11.2023, e que contou ainda com sessão intermédia no dia 06.03.2024, sendo que a Autora apenas foi notificada da sentença em 18.03.2025 – cfr. referência CITIUS 470005625 – ou seja, praticamente um ano depois da conclusão da audiência final. III) Estabelece o artigo 607.º, n.º 1, do Código de Processo Civil que, encerrada a audiência final, o processo é concluso ao juiz, para ser proferida sentença no prazo de 30 dias, podendo este, se entender que a causa não se encontra suficientemente esclarecida, ordenar a reabertura da audiência, ouvindo as pessoas que considerar necessárias e determinando diligências adequadas, sendo que este preceito visa garantir que a decisão judicial é tomada com a memória viva dos factos, das expressões, das hesitações e dos comportamentos testemunhados durante a audiência – isto é, com base na imediação e na oralidade da prova, princípios estruturantes do processo civil. IV) Ora, como pode alguém – por mais boa vontade e profissionalismo que tenha – recordar com rigor, quase um ano depois da última sessão, o que se passou em audiência? Como pode o Tribunal recorrido decidir, com base na imediação, quando já toda a imagem e vivência da prova produzida em audiência se encontra necessariamente esbatida, quer pelo decurso do tempo, quer pelas inúmeras outras diligências que durante um ano o Juiz do Processo terá feito? V) A resposta é, infelizmente, evidente: não se recordava e é isso que, infelizmente, transparece a decisão recorrida, sendo que não se ignora que a jurisprudência vem tendencialmente entendendo que o prazo de 30 dias é de natureza ordenadora, mas, tal não pode nunca significar que o mesmo se transforme numa autorização tácita para uma sentença ser proferida onze meses depois da última sessão, sem consequência alguma. VI) Aceitar que se possa ultrapassar em quase 12 vezes o prazo legalmente fixado, com a maior das leviandades, é negar ao cidadão a tutela jurisdicional efetiva e célere que a Constituição impõe, nos termos do artigo 20.º, n.ºs 1 e 4 da CRP, sendo assim, inconstitucional a interpretação segundo a qual o prazo de 30 dias descrito no art. 607.º do CPC é meramente ordenador por violação do acesso à tutela jurisdicional efetiva consagrado no art. 20.º da CRP. VII) Em suma: não se pode tolerar que o prazo de 30 dias se transforme, sem justificação válida e sem consequência, em 300, e se o direito ainda se afirma como justiça, este excesso deve ter resposta, sendo que a única resposta admissível é a nulidade da sentença e a repetição do julgamento, o que expressamente se invoca nos termos conjugados dos arts. 2.º, 607.º e 195 do CPC e, também, art. 20.º da CRP. VIII) Em segundo lugar, o presente recurso tem por objeto a impugnação da matéria de facto (melhor transcrita nos pontos 49 e 50 das alegações que aqui se considera integralmente reproduzida para os devidos e legais efeitos) mais precisamente, estão em crise a. Os seguintes factos provados: Omissis (omite-se a transcrição dos factos provados 9, 21, 22, 23, 34, 39 e 42, impugnados pela apelante – à sua desnecessária transcrição, tal qual consta da decisão de facto, procede à apelante) b. E os seguintes factos não provados: Omissis (omite-se a transcrição dos factos não provados sob as alíneas a), b), c), d), e) e f), impugnados pela apelante – à sua desnecessária transcrição, tal qual consta da decisão de facto, procede à apelante). IX) Nos termos do artigo 640.º do Código de Processo Civil a Recorrente impugna a decisão do Tribunal a quo quanto à matéria de facto acima descrita, por errónea da prova testemunhal, documental, e declarações de parte produzida nos autos, em especial a decisão em crise incorreu em erro de julgamento ao valorizar em sentido determinante os depoimentos prestados por testemunhas que revelaram forte comprometimento pessoal ou processual com os Réus, ou cuja intervenção foi condicionada por limitações técnicas e circunstanciais. X) Em sentido oposto, foram injustificadamente desvalorizados depoimentos prestados por testemunhas independentes, com conhecimento direto, técnico ou documental do processo construtivo e dos factos essenciais. XI) Desde logo, o Tribunal recorrido deu excessivo relevo ao depoimento do Eng.º CC, que foi contratado exclusivamente para os efeitos deste litígio, visitou o imóvel apenas uma vez, já em contexto de contenda, e com base numa inspeção condicionada pela ausência de uso normal da habitação, tal como valorou o depoimento de DD (conforme depoimento prestado em 21.11.2023), amigo pessoal dos Réus, sem qualquer formação técnica e cuja intervenção se baseia em conversas informais e perceções subjetivas, como admitiu (é uma testemunha abonatória, não uma fonte objetiva de prova). XII) O mesmo se diga de EE (conforme depoimento prestado em 21.11.2023), primo dos Réus, envolvido em tarefas de mudança e com conhecimento indireto dos factos, tendo este deposto a pedido direto dos Réus, sem autonomia técnica nem observação relevante. XIII) Já FF (conforme depoimento prestado em 21.11.2023), colega de trabalho do Réu e casada com seu primo direito, referiu-se a informações obtidas por “conversas” e “fotografias” vistas ocasionalmente, tendo sido um testemunho emocional e mediado, sem valor probatório autónomo já que a sua proximidade afetiva e profissional compromete qualquer ilusão de objetividade. XIV) No que toca a GG (conforme depoimento prestado em 04.10.2023), sendo testemunha técnica, o seu depoimento apenas pode ser considerado parcialmente útil — e, mesmo nesse âmbito, confirmou que os materiais foram corretamente aplicados, nada indicando que houvesse qualquer falha estrutural, tendo a sentença recorrida parece ter ignorado essa parte do seu depoimento. XV) Diferentemente, existiu uma Injusta desvalorização de testemunhos objetivos e tecnicamente qualificados. XVI) O Tribunal recorrido desvalorizou injustamente os depoimentos de várias testemunhas com formação técnica, contacto direto com o imóvel e papel relevante no processo construtivo, cujos testemunhos deveriam ter sido considerados credíveis e determinantes para a decisão da matéria de facto. XVII) Desde logo, HH, que acompanhou todo o processo de construção e confirmou a execução regular da obra, bem como a pronta resposta da Autora às comunicações dos Réus. A sua narrativa foi clara, concreta e imune a contradições. XVIII) II, por seu lado, explicou de forma técnica o comportamento dos materiais e da existência de ventilação no imóvel e JJ relatou que os Réus solicitaram voluntariamente a antecipação da entrada no imóvel, reforçando o sinal (confirmando que a Autora respondeu às queixas e agendou a escritura e inspeções com a intenção de sanar as questões levantadas) XIX) O Eng.º KK depôs com rigor técnico, não tendo o Tribunal recorrido valorado positivamente, sem que exista qualquer justificação, o mesmo sucedendo com a Sra. Eng.ª LL que confirmou que os defeitos apontados foram pontualmente tratados e que o imóvel apresentava condições de habitabilidade, reiterando a disponibilidade da Autora para intervir. XX) E, quanto a GG, responsável pela colocação do pavimento, cumpre valorizar a parte do seu depoimento em que confirmou que no momento da instalação — realizada sobre camada de cortiça diretamente aplicada sobre a laje — não havia qualquer indício de humidade ou defeito (Cfr. transcrição do depoimento na alegação n.º 106.º que aqui se considera integralmente reproduzida). XXI) Mas mais grave se torna a decisão recorrida quando esta cuidou de salientar a “reportagem emitida pela B... a 03 de Maio de 2021” considerando o seu conteúdo verdadeiro e passível de ser considerado não tendo feito o juízo crítico que se impunha atentos os factos em discussão. XXII) Não se aceita a resposta dada pelo Tribunal recorrido ao ponto 9 dos factos provados porquanto o que se passou foi que com a intensificação do tempo de chuva, no final do ano de 2020 devido a condensações pelo facto dos Réus não arejarem a casa surgiram pontos de humidade no imóvel conforme depoimento da Sra. Eng.ª LL Cfr. transcrição do depoimento nas alegações n.ºs 111., 112.º e 113.º que aqui se consideram integralmente reproduzida) e o Sr. Perito Eng.º MM (Cfr. transcrição do depoimento na alegação n.º 114.º que aqui se considera integralmente reproduzida). XXIII) Acresce que não é possível negligenciar que entre a saída dos Autores do imóvel (em Fevereiro de 2021) e a realização da peritagem (janeiro de 2023) decorreram, praticamente, 2 anos, sendo que resultou da prova produzida que o imóvel ficou fechado, sem arejamento e sem que alguém o frequentasse, com impacto no estado do mesmo. XXIV) O mesmo Sr. Engenheiro MM, que o Tribunal recorrido estranhamento não considerou, nos esclarecimentos prestados foi bastante claro (Cfr. transcrição do depoimento na alegação n.º 116.º que aqui se considera integralmente reproduzida) nesse sentido bem como o Sr. Eng.º NN (Cfr. transcrição do depoimento na alegação n.º 117.º que aqui se considera integralmente reproduzida). XXV) Não se pode negligenciar que, conforme resultou da prova produzida, as chaves do imóvel estiveram sempre na posse dos Réus mesmo após a sua saída da habitação pese embora a Autora tenha pedido formalmente, por carta, a entrega das chaves para inspecionar e corrigir os alegados defeitos, e, por conseguinte, não é possível concluir que as infiltrações ou humidades que o Tribunal deu como provadas no ponto 39) sejam provenientes de atos ou omissões da Autora já que esta nem sequer tinha acesso ao imóvel. XXVI) Não se aceita a resposta dada no ponto 21 relativamente à data da visita à moradia tendo o Tribunal recorrido considerado que a data não ficou apurada face à prova produzida, sendo tal data foi enquadrada e referenciada por JJ, da imobiliária que promoveu a venda do imóvel, bem como tal resultou das declarações de parte prestadas pelo Sr. OO, gerente da Autora, prestadas em 21.11.2023:“(...) Mas confirma a data? 5 de fevereiro…” “Confirmo, sim senhora, dia 5.”(02m das suas declarações), tendo acrescentado quem, também, esteve presente: “Duas pessoas da imobiliária, Eng. KK, o taqueiro, eu, a advogada da outra parte, o Sr. AA e a mulher. XXVII) Acresce que não é verdade que a Autora nada tenha feito quanto às patologias do imóvel, sendo totalmente inusitada a resposta dada pelo Tribunal recorrido ao ponto 22 da matéria de facto, salientando-se, desde logo, as declarações de parte prestadas pelo Sr. OO, gerente da Autora, prestadas em 03.05.2024, ao minuto 01:04:33 da transcrição“[Pedi] a entrega da chave para ir lá e reparar o que tivesse que reparar, apesar que eu já tinha visto que…” (Cfr. transcrição de ponto 126 das alegações que aqui se considera integralmente reproduzida). XXVIII) Analisada a documentação junta aos autos verifica-se, desde logo de Doc. 5 junto com a Contestação o e-mail do RR., datado de 03 de Fevereiro de 2021, através do qual este dirige ao legal representante da Autora, Sr. OO, assume que vai seguir “o seu conselho e consultar alguns especialistas em construção”. XXIX) JJ, da imobiliária, referiu que o Gerente da Autora “foi sempre muito prestável, e quis ver como é que estava a casa, quis entrar e quis ir lá conhecer e ver o que se passava.” (Minuto 00:09:32), confirmando ainda noutras passagens que a Autora — pela pessoa do gerente — teve efetiva preocupação com o estado do imóvel e se deslocou ao local; Também o Sr. Eng. KK, engenheiro civil que acompanhou a obra, referiu aos 00:01:06 a 00:01:10 do seu depoimento ter ido ao local com vista a aquilatar eventuais problemas passíveis de serem reparados. XXX) E, ainda, GG, Taqueiro que fez reparações, entre os minutos 00:13:58 a 00:14:41 (do depoimento prestado em 04.10.2022) confirmou a ida ao local e prática habitual de reparação de defeitos por parte da Autora, porquanto nunca negou a Autora que pudessem existir problemas: o que disse é que os iria reparar, o que os RR. não permitiram ao atuarem como atuaram. XXXI) Não resultou da prova produzida – insuficiência de prova – que os RR. tenham saído da moradia devido ao estado da moradia que, aliás, estes sabiam estar no estado em que se encontrava de término de construção, não se aceitando, com todo o respeito, a resposta dada pelo Tribunal ao ponto 23. XXXII) Também não é compreensível como pôde o Tribunal recorrido responder como respondeu ao ponto 34 já que inexistia qualquer prova produzida em audiência, testemunhal ou documental, que justificasse esta resposta dada. XXXIII) O Tribunal deu como provado “uma outra moradia” que os RR “compraram”. Que moradia? Qual? Em que local? Em que Rua? Qual o número da descrição predial? E a inscrição na matriz? Comparam? Os RR. juntaram comprovativo da aquisição? XXXIV) Não...para alicerçar esta resposta o Tribunal recorrido disse o seguinte: “[…] quatro dias depois, num programa televisivo, afirmavam ter desistido da casa e haviam comprado uma outra.” Lê-se e não se acredita que a resposta dada a este facto foi baseada numa reportagem televisiva, ou seja, nas declarações de parte que os RR. não quiseram prestar porque das mesmas prescindiram, naturalmente, não se sujeitando ao contraditório que as mesmas se impunham. XXXV) Para além disso, o Tribunal a quo deu como provado, sob o ponto 39, um elenco exaustivo de supostas “anomalias” no imóvel, nas suas componentes exteriores, cave, lavandaria, sala, hall, cozinha e quartos, referindo-se patologias estruturais e construtivas, muitas delas graves e com impacto direto na habitabilidade. XXXVI) Tal resposta foi fundamentada essencialmente com base num relatório técnico unilateral, junto como documento n.º 14 da contestação, subscrito pelo Eng.º CC, que terá visitado o imóvel em 23 de abril de 2021, sendo que tal prova não foi sujeita a contraditório efetivo porquanto a Autora nunca teve acesso ao imóvel para realizar inspeção própria, nem sequer para confirmar ou infirmar os dados constantes do dito relatório já que os Réus recusaram entregar as chaves, mesmo após interpelados por carta da Autora (cf. doc. n.º 9 da contestação), o que ficou confessado por diversas testemunhas, incluindo o próprio OO. XXXVII) O Tribunal valorizou ainda algumas admissões parciais e genéricas feitas pelo gerente da Autora (OO), como a existência de água na garagem ou falta de grelhas em caleiras, sendo que tais afirmações são pontuais, extraídas fora de contexto e não sustentam — nem podem sustentar — a longa lista de 39 subalíneas que integram o ponto 39, não tendo existido qualquer assentada que permitisse o Tribunal referir o que referiu quanto a uma suposta confissão em manifesta violação do art. 463.º do Cód. de Processo Civil por falta de redução a escrito da suposta confissão. XXXVIII) É patente, ainda, que o relatório técnico em causa não é imparcial nem validado pela perícia realizada, já que a mesma foi realizada muito tempo depois da saída dos RR. do imóvel, tendo sido produzido unilateralmente pelos Réus, num momento processual oportuno para sustentar a sua posição, não houve nomeação de perito pelo Tribunal, nem pedido de segunda perícia, nem sequer foi concedida à Autora a possibilidade de apresentar um relatório técnico alternativo. XXXIX) Contudo, sempre se dirá que diversas testemunhas técnicas contradisseram expressamente a gravidade das supostas patologias, destacando-se a este propósito, o Sr. Eng. KK, o técnico GG, a Eng.ª LL declarou com veemência que as patologias relatadas são compatíveis com ausência de ventilação (cfr. 00:35:01 a 00:36:51 do depoimento) (Cfr. transcrição do depoimento na alegação n.º 158.º que aqui se considera integralmente reproduzida). XL) O Eng. MM, perito, confirmou nos seus esclarecimentos, que a ventilação e o aquecimento são fundamentais para prevenir condensações, e que a ausência prolongada de arejamento em edifícios novos leva a fenómenos como os descritos e, além disso, não é minimamente exigível que um imóvel novo, no final do inverno, fechado durante meses por causa da pandemia, não apresente qualquer traço de condensação ou desgaste pontual, sobretudo quando não foram feitas manutenções mínimas ou uso contínuo. Isso não configura vício construtivo, nem afasta a possibilidade de entrega do imóvel. XLI) Finalmente, parte significativa das “anomalias” descritas são irrelevantes ou puramente estéticas (ex: ausência de espelhos em tomadas, remates de esquinas, falhas de pintura, etc.) — e outras não foram sequer objeto de reclamação antes da rutura contratual, pelo que a fixação acrítica de um catálogo tão extenso de pretensas falhas infla artificialmente a gravidade do incumprimento e inverte o ónus da prova, favorecendo indevidamente os Réus. XLII) Cumpre, ainda, referir que o ponto 42 é um facto conclusivo que não poderia merecer a sua presença no acervo da factualidade dada como provada (cfr. entre outros, Ac. do TRP de 27.09.2023, processo n.º 9028/21.6T8VNG.P1 em www.dgsi.pt). XLIII) A decisão recorrida não fez constar, como deveria ao abrigo do art. 607 n.º 4 facto essencial relativa à reportagem da B... de 03 de Maio de 2021 e o que, efetivamente, foi pelos RR. referido, designadamente, que pelo R. AA foi dito que a água que exibia na reportagem era água proveniente de infiltrações, quando tal água é absolutamente límpida, conforme explicou o Sr. Eng. KK no seu depoimento (Cfr. transcrição do depoimento na alegação n.º 168.º que aqui se considera integralmente reproduzida). XLIV) O Tribunal recorrido não atentou que os RR. na reportagem da B... acabaram por contrariar, substancialmente, aquilo que referiram ao Tribunal, designadamente, os facto dos RR. dizerem “foi depois de termos esta reunião todos juntos que decidimos desistir da casa” – cfr. 08m35s da reportagem consultável através do seguinte link:.... XLV) E, referiu ainda o Sr. AA o seguinte: “semana passada recebi uma carta a marcar a escritura para 29 às 10h” – cfr 11m36s. XLVI) A reportagem foi gravada na semana de 12 e 17 de Abril pelo que a carta a que os RR. se referem é de 12 de Abril junta como Doc. 11 da P.I. através da qual é comunicado o agendamento de escritura para o dia 29 de Abril de 2021 no cartório notarial da Dra. PP. XLVII) No dia 29 de Abril de 2021, no cartório da Dra. PP, os RR. já decididos a não cumprir o contrato, segundo as suas próprias palavras, compareceram para manter a Mise-en-scène fazendo constar na escritura que não faziam a escritura porque a casa “não apresenta condições de habitabilidade e salubridade” – cfr. Doc. 12 junto com a P.I. XLVIII) E, apesar de já terem decidido mudar de casa porque, segundo o Tribunal recorrido os RR. até compararam outro imóvel, os RR. remeteram a carta junta como Doc. 8 da Contestação que consubstancia a interpelação admonitória para cumprir datada de 29 de Abril de 2025 através da qual notificam a Autora para “proceder à eliminação dos vícios e patologias existentes, bem como a conclusão da obra no prédio supra referido” (...) fixa-se o prazo peremptório de 30 dias para V. Exa. Elimine todos os vícios existentes e conclua a obra”- cfr. Doc. N.º 8 junto com Contestação. XLIX) Ou seja, os RR Réus, nessa reportagem, dizem que não querem a casa, mas, apesar disso, vão à escritura, sentam-se no cartório da escritura, dizem: “eu não quero a casa, porque a casa tem defeitos e eu quero que repare os defeitos”. E, no mesmo dia, enviam uma carta a notificar a Autora para reparar a casa e corrigir os problemas. L) A conduta dos Réus no presente processo não pode ser dissociada da sua atuação extrajudicial, marcada por um comportamento objetivamente abusivo, que ultrapassa largamente os limites de um diferendo contratual e assume contornos de escândalo público e mediático. LI) Com efeito, a reportagem transmitida em canal televisivo de alcance nacional — B... — exibiu o Réu Sr. AA a destruir elementos da própria habitação, perante câmaras de televisão, com intenções evidentemente performativas e de descredibilização da Autora. LII) As imagens, juntas aos autos e confirmadas pela visualização da reportagem, mostram o Réu a enfiar os dedos no revestimento da parede e a arrancá-lo deliberadamente, em direto, perante milhões de telespectadores, com o intuito claro de dramatizar um cenário de ruína que em nada corresponde à realidade construtiva da moradia. LIII) Esta atuação revelou-se dolosa e gratuita, constituindo não só uma violação do princípio da boa-fé (art. 762.º n.º 2 do Código Civil), como uma forma de exposição pública humilhante da Autora e do seu legal representante, que foi “enxovalhado” em praça pública, sem possibilidade de contraditório ou defesa. LIV) O comportamento mediático dos Réus não é compatível com a posição de parte de boa-fé. A própria destruição parcial dos elementos construtivos comprometeu qualquer possibilidade de inspeção técnica contraditória, tendo os Réus criado um facto consumado mediático e probatório. LV) Acresce que, como é do conhecimento comum — e foi admitido por várias testemunhas — todas as construções novas apresentam defeitos ou pequenas patologias de acabamento, especialmente quando habitadas prematuramente, como foi o caso. LVI) Daí que o legislador tenha previsto o regime da responsabilidade por defeitos na empreitada, com garantias legais e obrigações de reparação, sendo que nos termos do artigo 1225.º e seguintes do Código Civil, o dono da obra deve comunicar os defeitos ao empreiteiro, concedendo-lhe a possibilidade de os corrigir no prazo legalmente fixado — e só em caso de incumprimento dessa obrigação é admissível a resolução ou substituição judicial. LVII) O que os Réus fizeram, no entanto, foi ignorar o dever de comunicação e colaboração, optando por uma via pública, mediática, teatral, que transformou um eventual litígio contratual num espetáculo punitivo, comprometendo toda a boa-fé exigível em fase pré-contenciosa. LVIII) Esta atuação foi, pois, determinante para a rutura do contrato-promessa. A conduta destrutiva, mediática e desleal dos Réus justifica que se reconheça o incumprimento definitivo por sua iniciativa, afastando qualquer direito à devolução de valores ou à imputação da culpa à Autora. LIX) Os factos são estes: os Réus decidiram que não queriam aquela casa muito antes de qualquer escritura e de qualquer interpelação que apenas foram realizadas para compor o ramalhete de desistirem do negócio realizado com a Autora, e, por isso tais factos deveriam constar na matéria dada como provada, em especial, o que pelos RR. foi dito na referida reportagem por se tratarem de factos essenciais e imprescindíveis aos factos sob apreciação. LX) Pelo exposto, ao julgar como julgou o Tribunal recorrido violou, entre outras, os arts. 343.º, 762.º, 410.º, 442.º e 1225.º do Cód. Civil, bem como os arts. 411.º, 463.º, 607.º e 3.º do CPC, devendo, por via disso, ser alterada decisão de facto nos seguintes termos. LXI) Ser dado como provado o ponto 9: Com a intensificação do tempo de chuva, no final do ano de 2020 devido a condensações pelo facto dos Réus não arejarem a casa surgiram pontos de humidade no imóvel identificado em 1) [resposta ao artigo 28º da contestação]. Ser dado como o ponto 21: Em 05 de Fevereiro de 2021 teve lugar uma visita à moradia para verificar a existência de anomalias, na qual, além dos Réus e do gerente da Autora, estiveram presentes o Engenheiro autor dos projetos e responsável pela fiscalização da obra, o instalador do pavimento da moradia e duas pessoas da mediadora imobiliária [resposta ao artigo 36º da petição inicial]. Ser dado como não provado o ponto 22: A Autora nada fez quanto às patologias existentes no imóvel, salvo quanto a uma lomba no pavimento entre o corredor e a sala, dando instruções ao instalador para que oportunamente fizesse a sua retificação [resposta ao artigo 35º da contestação]. Ser dado como não provado o ponto 23: Devido ao estado da moradia e aos riscos para a saúde do agregado, os Réus saíram do imóvel em data não apurada do final de Fevereiro de 2021 [resposta ao artigo 36º da contestação]. Ser dado como não provado o ponto 34: Pelo menos desde a semana de 19 a 25 de Abril de 2021, os Réus passaram a residir numa outra moradia que compraram [resposta ao artigo 37º da réplica]. Ser dado como não provado o ponto 39: No final de Abril de 2021 a moradia apresentava as seguintes anomalias: A) no exterior do edifício (zonas comuns – coberturas, fachadas, terraços e escadaria de acesso ao prédio): a) acumulação de águas pluviais no terraço do alçado posterior revestido a tijoleira; b) inexistência/má execução de impermeabilização na junta entre a laje/terraço e parede exterior da fachada posterior (preenchida com silicone);c) fissuras e manchas de humidade nos muros de vedação exterior, na zona do logradouro; d)juntas de transição preenchidas com espuma de poliuretano; e)inexistência de drenagem no logradouro em terra; f)muros de vedação com cotas do topo superior diferentes entre si; g)tubo de queda a drenar diretamente para o pavimento junto à entrada principal; h)inexistência de rufos em algumas zonas e outros com remates mal executados e por acabar; i)painéis solares não ligados na cobertura; j)inexistência de rufos nos muretes da pequena cobertura plana sobre a zona de acesso à cave; k)falta de ralos ou grelhas nas caleiras de recolha das águas fissuras e falta de impermeabilização do paramento; l)impermeabilização com poliuretano; m)acumulação de águas na cobertura devido à falta de pendentes e de caleira contínua; B) no interior da cave-garagem, arrumos e escada interior: a)paredes da cave com forte infiltração de água na zona do arrumo/salão; b)no teto situado na zona sob rampa de acesso à cave os pilares e as paredes apresentavam rebocos podres, destacados e tinta empolada; c)falta uma porta para o desvão da escada (arrumo); d)entrada de água pelas paredes a partir do logradouro; e)paredes manchadas pela humidade no arrumo/salão; f)má execução do acabamento do revestimento em gesso, dos espelhos dos degraus da escada entre cave e rés-do-chão e das paredes da caixa de escadas; C) no interior da cozinha e da lavandaria: a)aros de madeira da janela da cozinha/lavandaria manchados pela humidade; b)tubos de esgoto da caldeira à vista na lavandaria; c)má execução do acabamento dos ladrilhos aplicados nas paredes da lavandaria, nomeadamente na dobra do vão, ombreira e padieira, de acesso à lavandaria, por falta de revestimento e junta aberta entre o pavimento em tijoleira e a parede em ladrilho, falta de esquineiro de remate nas arestas das paredes; d)tomadas da cozinha com remate mal executado e sem espelhos; D) no interior do hall de entrada e da sala: a)paredes com manchas de humidade na sala; b)pavimento flutuante AC5 de 8mm assente sobre corticite, levantado/empolado e com man- chas de bolor, provocado pela humidade, na sala e corredores; c)rodapés em madeira degradados, manchados e retirados devido a humidade; d)aros das portas degradados pela humidade; e)junta de transição entre pavimento flutuante do corredor de acesso à sala e pavimento em tijoleira da cozinha com acabamentos deficientes; f)porta de entrada principal com manchas de bolor pelo interior e com deficiente remate na zona das ombreiras e padieira; g)tinta empolada e manchada no nicho do radiador de aquecimento central na sala; h)má execução do acabamento do reboco em gesso das paredes pintadas; i)acabamento final da parede/laje da caixa de escadas entre o piso do rés-do-chão e o piso 1, por executar; E)no interior do primeiro piso: a)pavimento em flutuante e rodapé em madeira estragados, no quarto situado a norte devido à entrada de água a partir da cobertura da entrada da garagem; b)pavimento em flutuante com manchas de bolor, no quarto situado a sul; c)rodapé em madeira manchado pela humidade no quarto referido em b); d)apainelado e aro da janela, quarto referido em b) manchados pela entrada de água a partir do caixilho; e)portas do armário-roupeiro em madeira, não fecham devido à humidade, no mesmo quarto; f) ladrilhos lascados na casa de banho de apoio aos dois quartos; g)tetos falsos manchados e danificados pelas infiltrações da cobertura, na casa de banho de apoio aos dois quartos; h)junta de transição entre pavimento flutuante do corredor e pavimento na casa de banho de apoio aos dois quartos com acabamento deficiente; i)remates de seral mal executados nas paredes da casa de banho de apoio aos quartos; j)pavimento flutuante com manchas de bolor, no quarto-suite; k)rodapé em madeira manchado pela humidade no quarto suite; l)apainelado e aro da janela do quarto-suite manchados pela entrada de água a partir do caixilho; m)portas do armário-roupeiro em madeira não fecham devido à humidade no quarto-suite [resposta ao artigo 74º da contestação]. Ser dado como não provado o ponto 41: O referido em 41) impede a fruição da moradia em condições de salubridade e conforto [resposta ao artigo 79º da contestação]. Face ao acima descrito deverá ser alterada a matéria dada como não provada. LXII) E, assim, ser dado como provado que a) no momento referido em 21) não foram detetados problemas na habitação para além do referido em 22), provado que b) a Autora prontificou-se sempre a reparar “todos os defeitos de construção eventualmente existentes que fossem da sua responsabilidade”, provado que c) após a missiva de 6 de Maio de 2021, os Réus recusaram sempre permitir o acesso ao local por parte da Autora, provado que durante os contactos referidos em 18) o gerente da Autora prometia resolver os problemas existentes, provado que e) o gerente da Autora chamou de imediato o taqueiro quanto à humidade e bolor referidos em 12) a) e provado que f) os Réus não deram qualquer satisfação ou resposta à missiva identificada em 34). LXIII) Deverá, ainda, ser adicionado ao acervo dos factos provados que os RR. intervieram numa reportagem da B... de 03 de Maio de 2021 gravada na semana de 12 e 17 de Abril, bem como provado que na mesma reportagem, o Réu AA referiu “foi depois de termos esta reunião todos juntos que decidimos desistir da casa”. LXIV) Tendo presente a alteração da matéria de facto que se impõe, impõe-se, necessariamente, a alteração da decisão de mérito, com a revogação da sentença recorrida e a condenação dos Réus no pedido formulado na petição inicial: a execução específica do contrato-promessa de compra e venda. LXV) Na verdade, o que resulta de forma cristalina da análise conjugada da prova testemunhal, documental e das gravações mediáticas é que os Réus nunca quiseram efetivamente cumprir o contrato-promessa. LXVI) Desde cedo, traçaram um percurso estratégico de desresponsabilização, procurando criar um cenário artificial de incumprimento por parte da Autora que lhes permitisse quebrar o vínculo contratual sem consequências. LXVII) A reportagem transmitida pela B... é, a esse respeito, absolutamente reveladora: os Réus surgem no imóvel, perante câmaras de televisão, a destruir intencionalmente elementos da habitação, com gestos teatrais, como o de enfiar os dedos no revestimento e arrancá-lo, despejar água no soalho, apontar para zonas “humedecidas” e afirmar perante milhões de telespectadores que a casa não tinha condições de habitabilidade. LXVIII) A atuação não é ingénua nem impulsiva. Trata-se de uma verdadeira mise-en-scène mediática, construída com frieza e cálculo, para fabricar uma versão de “casa em ruínas” que nunca existiu. Os próprios testemunhos dos técnicos que participaram na construção e fiscalização da obra (Eng.º KK, GG, Eng.ª LL) desmentem qualquer falha estrutural ou vício grave. Confirmam que os fenómenos observados são compatíveis com condensações decorrentes da ausência de ventilação e má utilização do imóvel pelos próprios Réus. LXIX) É por demais evidente que os Réus estragaram deliberadamente a casa, colocaram água no chão, levantaram pavimento, desligaram ou não ativaram sistemas, tudo com o propósito de gerar uma aparência de incumprimento. Não se tratou de uma reclamação legítima, mas de um plano meticulosamente desenhado para legitimar a fuga à obrigação de comprar o imóvel prometido LXX) Este comportamento não pode ser acolhido pelo Tribunal, sob pena de se inverter o sistema de justiça: em vez de proteger quem cumpre, sanciona-se quem, como a Autora, agiu de boa-fé, investiu recursos, executou a construção, esteve disponível para reparar e foi constantemente impedida de aceder ao imóvel pelos próprios Réus. LXXI) É necessário reafirmar: não havia incumprimento da Autora, nem motivo legítimo para resolução do contrato. Os Réus invocam um incumprimento que eles próprios provocaram. Fizeram-no por conveniência, por razões económicas ou estratégicas, mas em total desrespeito pelas regras da boa-fé e pelo valor da palavra dada. LXXII) Ficou demonstrando-se que as “anomalias” não são vícios estruturais, mas fenómenos induzidos pelos próprios Réus, que a Autora agiu com diligência, pediu chaves, marcou visitas e mobilizou técnico e que os Réus sempre recusaram cooperar com as diligências da Autora pelo que se impõe, s.m.o. a alteração da resposta à matéria de facto e, por consequência, a procedência da ação. LXXIII) Isto porque nos termos do artigo 830.º do Código Civil, estando verificados os pressupostos legais, deve ser decretada a execução específica do contrato-promessa, com condenação dos Réus a outorgar a escritura de compra e venda, nos termos contratualmente assumidos, sendo que a justiça material do caso exige esta solução, bem como a boa-fé contratual (art. 762.º n.º 2 do CC), sendo, por isso, a decisão recorrida revogada e substituída por decisão que julgue a ação procedente e condene os Réus a cumprir o contrato, nos termos peticionados pela Autora. LXXIV) Sem prescindir, sempre se dirá que a sentença recorrida alicerça a posição dos Réus num quadro normativo próprio do contrato-promessa, como se se tratasse de um incumprimento do tipo previsto no artigo 442.º do Código Civil, com as inerentes consequências indemnizatórias ou liberatórias. LXXV) Todavia, este enquadramento não é juridicamente admissível, atento o conteúdo material da controvérsia: o incumprimento invocado pelos Réus não se prende com a obrigação típica de celebração do contrato prometido, mas com a insatisfação quanto ao estado do bem — uma questão que se situa no plano do contrato definitivo e não no plano do contrato-promessa. LXXVI) Como vem sendo pacificamente entendido na doutrina e jurisprudência, quando o incumprimento alegado respeita a qualidades do bem prometido vender, e não à recusa de celebrar o contrato, o regime aplicável não é o do contrato-promessa, mas sim o regime geral do incumprimento contratual, constante dos artigos 801.º, 433.º e 289.º do Código Civil – cfr. entre outros, Ac. TRL de 19.02.2015, no processo n.º 7437/11.8TBSXL.L1-2 em www.dgsi.pt. LXXVII) Mais ainda: nos termos do mesmo acórdão, nestas situações não se deve aplicar o regime da compra e venda de coisas defeituosas (arts. 913.º e ss.), uma vez que este se destina a bens já transmitidos, mas sim, quando muito, o regime da anulabilidade do negócio por erro essencial nas qualidades da coisa, ex vi dos artigos 905.º, 251.º e 247.º do Código Civil. LXXVIII) Ora, os Réus nunca requereram a anulação do contrato com fundamento em erro, nem alegaram erro essencial com os pressupostos legais e probatórios exigidos, invocando vícios para justificar uma resolução do contrato-promessa, sem qualquer suporte jurídico que o permita (cfr. Prof. Antunes Varela (RLJ, Ano 128, pág. 126 e ss) LXXIX) Os Réus, que não eram proprietários do imóvel, não podiam invocar o regime dos vícios da coisa vendida, nem muito menos comportar-se como se tivessem legitimidade plena sobre o bem, designadamente para o alterar, vandalizar ou dele se retirar sem aviso nem contraditório. LXXX) Acresce que não foi realizada qualquer interpelação admonitória à Autora, nos termos exigidos pelo artigo 808.º do Código Civil, sendo que o documento que se tenta fazer passar por tal, remetido a 29 de abril de 2021, surge depois dos Réus já terem publicamente exposto na televisão que não pretendiam celebrar o contrato, sendo que esse comportamento é incompatível com a boa-fé contratual a que alude o art. 762.º n.º 2 do Cód. Civil. LXXXI) ´A carta não constituiu qualquer convite real ao cumprimento, mas antes uma peça para instrumentalização processual, coerente com a mise-en-scène pública montada pelos Réus para criar um cenário fictício de incumprimento da Autora pois que a decisão de incumprir já havia sido tomada muito tempo antes, o que é contrário ao direito e à eficácia da interpelação cominatória – cfr. c. do STJ de 23.06.2022 (proc. n.º 831/19.8T8PVZ.P1.S1): LXXXII) É exatamente o que se verificou no caso sub judice: os Réus revelaram, por atos públicos, pela recusa de acesso ao imóvel, pela destruição parcial da habitação e pelo silêncio subsequente, uma inequívoca intenção de não celebrar o contrato prometido. Por conseguinte, não se pode aplicar o regime do contrato-promessa, nem a disciplina do artigo 442.º do Código Civil, nem pode ser aceite a resolução contratual como válida, por ausência de requisitos legais e por manifesta má-fé dos Réus. LXXXIII) Na remota hipótese de se admitir a existência de defeitos com relevo jurídico (o que apenas se concebe por dever de patrocínio), então, a única consequência admissível seria a anulabilidade do contrato-promessa por erro essencial sobre as qualidades da coisa, nos termos dos artigos 905.º, 251.º e 247.º do Código Civil, normativos que o Tribunal recorrido desconsiderou ao julgar nos termos em que julgou, e, nessa eventualidade, então apenas a A. estaria obrigada a proceder à devolução em singelo do montante pago pelos RR. a título de sinal, o que deveria ter sido determinado e que expressamente se argui para os devidos e legais efeitos. LXXXIV) Sem prescindir, a invocação pelos Réus de um alegado direito à resolução do contrato promessa, com devolução em dobro do sinal, não pode ser acolhida pelo Tribunal, por configurar um verdadeiro e manifesto abuso de direito, nos termos do artigo 334.º do Código Civil. LXXXV) Nos termos desta norma, “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”. A atuação dos Réus, tal como ficou demonstrado nos autos, não apenas contraria os princípios da boa-fé, da justiça e do equilíbrio contratual, como os atropela com escândalo. LXXXVI) Os Réus celebraram livremente um contrato, ocuparam o imóvel, organizaram festas e viveram nele durante meses, sem pagar qualquer renda, — e apenas quando lhes deixou de ser conveniente o negócio, fabricaram uma narrativa de vícios, procederam à manipulação e destruição do imóvel, expuseram a Autora publicamente e invocaram um direito de resolução que eles próprios deslegitimaram pelas suas ações. LXXXVII) Como esclarecem os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, a concepção adoptada pelo artigo 334.º do Código Civil é objetiva: “Não é necessária a consciência de que se excederam os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. É suficiente que esses limites sejam ultrapassados. O excesso deve ser manifesto.” E mais: “os tribunais só podem, pois, fiscalizar a moralidade dos actos praticados no exercício de direitos ou a sua conformidade com as razões sociais ou económicas que as legitimam, se houver manifesto abuso.” (Pires de Lima e Antunes Varela, C. Civil Anotado, Vol. I, 4.ª ed., pág. 299). LXXXVIII) O que se verifica no caso sub judice é, pois, uma atuação clamorosamente ofensiva dos valores sociais que o sistema jurídico visa proteger porquanto os Réus, através de uma atuação processualmente estratégica e mediaticamente planeada, criaram uma situação de desproporção violenta entre a invocação de um direito (resolução contratual com sinal em dobro) e a sua conduta real e pregressa, contrária a todos os deveres de lealdade e cooperação contratual. LXXXIX) A invocação da resolução contratual pelos Réus — e pior, o pedido de devolução em dobro do sinal — constitui um uso desproporcionado, escandaloso e ofensivo da boa-fé, que deve ser neutralizado por este Colendo Tribunal. XC) Trata-se de um caso de venire contra factum proprium, modalidade clássica do abuso de direito: os Réus passaram meses a usufruir do imóvel, a dar garantias de cumprimento e a promover interações construtivas com a Autora, e só mais tarde invocaram um direito de resolução que contradiz frontalmente a conduta anterior. XCI) Como refere o Prof. Antunes Varela (Das Obrigações em Geral, Vol. I, 9.ª ed., pág. 566), o venire contra factum proprium ocorre quando “a pessoa pretende destruir uma relação jurídica […] depois de fazer crer à contraparte que não lançaria mão de tal direito ou depois de ter dada causa ao facto invocado como fundamento da extinção”. Ora, a Autora confiou nas manifestações e comportamentos dos Réus. Investiu, construiu, marcou escrituras, mobilizou técnicos, notificou, insistiu. XCII) E viu, como recompensa, o imóvel vandalizado e a sua reputação enxovalhada em televisão nacional, numa coreografia mediática cuidadosamente executada pelos Réus, pelo que a manter-se a sentença recorrida, o sistema de justiça validaria essa atitude grave dos RR comportamental e esse abuso da figura contratual do contrato-promessa. XCIII) A boa-fé, a estabilidade negocial e a confiança no Direito exigem, ao caso concreto, subsidariamente, que o direito dos Réus seja, no limite, de atribuição do sinal em singelo e não em dobro e, assim, a invocação do direito à resolução contratual e ao sinal em dobro deve, pois, ser julgada ilegítima e juridicamente inadmissível com base no artigo 334.º do Código Civil, por manifesto e intolerável abuso de direito, normativo que o Tribunal recorrido violou ao julgar nos termos em que julgou. XCIV) Por tudo isto, ao julgar como julgou, o Tribunal recorrido violou, entre outras, as disposições dos artigos 2.º e 607.º do Código de Processo Civil, 20.º da Constituição da República Portuguesa, 334.º, 433.º, 442.º, 801.º, 808.º, 913.º a 917.º e 289.º do Código Civil. Contra-alegaram os réus reconvintes em defesa da sentença recorrida e pela improcedência da apelação. * No despacho em que se pronunciou sobre a admissibilidade do recurso, a Exma. Juíza concluiu pela não verificação da invocada nulidade da sentença. * Colhidos os vistos, cumpre decidir. * Delimitação do objecto do recurso – questões a apreciar. Considerando a decisão recorrida e as conclusões das alegações, o objecto do recurso consiste em apreciar: - da nulidade da decisão, - da impugnação da decisão de facto, - do incumprimento do contrato – por causa imputável aos réus ou por causa imputável à autora, - do abuso do direito dos réus. * FUNDAMENTAÇÃO * Fundamentação de facto A decisão recorrida considerou: Factos provados 1. Por escrito datado de 28 de Julho de 2020, assinados pelo gerente da autora e os réus, a primeira declarou ser proprietária do terreno urbano para construção descrito na Conservatória de Registo Predial de Matosinhos sob o nº ... e inscrito na matriz urbana sob o artigo ... da União de Freguesias ..., ... e ..., tendo sido submetido à aprovação da Câmara Municipal ... com o alvará de obras nº ... emitido em 24 de Fevereiro de 2020 e prometer vender aos segundos, que declararam prometer comprar, prédio autónomo correspondente a uma habitação do tipo T4 com entrada pelo nº ... da Travessa ..., dela fazendo parte a garagem e um arrumo, ambos situados na cave, pelo preço global de 335.000€, com a escritura ou ato equivalente a realizar no prazo de dez dias contados da emissão da licença de utilização do imóvel que se previa vir a ser obtida no prazo máximo de seis meses a contar da data de emissão do alvará de construção [alínea A) do despacho proferido em 28 de Junho de 2022 e documento 1 junto com a contestação]. 2. Foi declarado que o preço seria pago do seguinte modo: a) a quantia de 33.500€, na assinatura do escrito identificado em 1), a título de sinal e princípio de pagamento através do cheque nº ... sobre o Banco 1...; b) o remanescente no ato de celebração da escritura por cheque visado ou bancário [alínea B) do despacho proferido em 28 de Junho de 2022 e documento 1 junto com a contestação]. 3. Foi declarado que cabia aos réus promover a marcação da escritura ou ato equivalente e avisar a autora, por escrito, com cinco dias de antecedência, da data, hora e local em que teria lugar [alínea C) do despacho proferido em 28 de Junho de 2022 e documento 1 junto com a contestação]. 4. Por escrito datado de 18 de Novembro de 2020, assinado por autora e réus, os mesmos declararam que, uma vez que ainda não fora reunida toda a documentação que permitisse a outorga da escritura, fora acordado que os segundos poderiam habitar o prédio logo que reunisse boas condições de habitabilidade e que efetuariam um reforço de sinal no valor de € 35.000, logo que aquelas condições estivessem reunidas e pudessem habitá-lo [alínea D) do despacho proferido em 28 de Junho de 2022 e documento nº 3 junto com a contestação]. 5. Os réus pagaram os montantes de: - 33.500€ no momento referido em 2) a); - 10.000€ em 26 de Setembro de 2020; - 30.000€ em 22 de Outubro de 2020; - 35.000€ em 25 de Novembro de 2020 [alínea E) do despacho proferido em 28 de Junho de 2022]. 6. Os réus passaram a ocupar o imóvel a partir de 25 de Novembro de 2020 [alínea F) do despacho proferido em 28 de Junho de 2022]. 7. O prédio identificado em 1) encontra-se descrito na Conservatória de Registo Predial de Matosinhos sob o nº ...-C da Freguesia ... com a seguinte descrição: habitação de cave, rés-do-chão e primeiro andar, ligados entre si por escada interior, com acesso pedonal pelo nº ... da Travessa ... e acesso automóvel pelo nº ... da mesma travessa, possuindo garagem ao nível da cave, com a área de 41,8 m2, um logradouro na parte posterior do edifício com 122,70 m2 e uso exclusivo de um terraço contíguo à fachada posterior com 35,05 m2 [alínea H) do despacho proferido em 28 de Junho de 2022 e documento nº 1 junto com a petição inicial]. 8. No momento referido em 1) o prédio encontrava-se na fase de acabamentos, tendo os réus procedido à venda do apartamento onde viviam a 21 de Outubro de 2020 [resposta ao artigo 10º da contestação]. 9. Com a intensificação do tempo de chuva, no final do ano de 2020 surgiram pontos de humidade no imóvel identificado em 1) [resposta ao artigo 28º da contestação]. 10. Em 2 de Janeiro de 2021 o réu remeteu um email para a mediadora imobiliária que lhes apresentara o imóvel comunicando a existência de problemas neste e anexando fotografias [resposta ao artigo 30º da contestação]. 11. Subsequentemente, no dia 4 de Janeiro o réu esteve nas instalações da imobiliária relatando os problemas do imóvel [resposta ao artigo 31º da contestação]. 12. Em 7 de Janeiro de 2021 o réu remeteu novo email para a imobiliária informando que: a) existia humidade/bolor no chão da sala, quartos e closet, b) o chão entre o corredor da sala e a cozinha estava com o soalho a levantar como acontecera no corredor da sala para a entrada, c) havia humidade no arrumo e garagem, d) havia mau acabamento na parte inferior das paredes junto aos rodapés, nos embutidos nos radiadores e na pintura das escadas, e) havia problemas nas casas de banho, f) havia rachadelas nos muros do jardim, g) havia acumulação de água numa pequena zona do chão no exterior [resposta ao artigo 32º da contestação, 15º da réplica]. 13. No email referido em 12), quanto aos problemas identificados em a) e b), o réu informou que combinara com o gerente da autora aguardar alguns dias para reavaliar alguns dos pontos, mas este chamara de imediato o taqueiro, contudo, devido a avaria da campainha, a ré não ouvira tocar, sendo agendada para a segunda feira seguinte nova visita [resposta aos artigos 16º, 17º da réplica]. 14. No email referido em 12), relativamente ao problema identificado em c), o réu comunicou que o gerente da autora estava a proceder à reparação/alteração do tubo de descarga de água que vinha da parte superior da entrada na garagem e que descarregava junto das escadas de entrada e a preparar andaimes para colocar chapas sandwich na parede virada ao mar para verificar se os problemas se mantinham ou iam desaparecer, aguardando mais uns dias [resposta ao artigo 18º da réplica]. 15. No email referido em 12), relativamente ao problema identificado em d), o réu informou que assistira a uma discussão telefónica do gerente da autora com a pessoa da empresa e que a mesma não estava interessada em reparar, referindo o primeiro que lhes enviara uma carta registada para obrigar a fazer a reparação [resposta ao artigo 19º da réplica]. 16. No email referido em 12), relativamente ao problema identificado em e), o réu informou ter combinado com o gerente da autora colocar um seu funcionário a limpar as juntas, para se proceder a nova colocação de massas [resposta ao artigo 20º da réplica]. 17. No email referido em 12), relativamente aos problemas referidos em f) e g), o réu informou que não tivera tempo de falar com o gerente da autora sobre esses assuntos, mas na sua opinião, quanto ao primeiro, ainda era cedo e deveria ser deixado mais para o Verão e, quanto ao segundo, ia ser necessário retificar algumas das tijoleiras [resposta ao artigo 21º da réplica]. 18. Durante o mês de Janeiro e início de Fevereiro de 2021, houve diversos contactos entre o réu, a imobiliária e a autora, designadamente, reuniões na moradia, com a presença do gerente da autora [resposta ao artigo 33º da contestação]. 19. A 3 de Fevereiro de 2021 o réu remeteu para o gerente da autora novo email salientando que: a) era urgente terminar o isolamento exterior da casa, a parede, os rufos da cobertura, por ser essa a causa das humidades, b) havia infiltrações nos arrumos e na garagem logo que começava a chover, c) existia bolor no chão mesmo em locais onde não existia humidade, d) era necessário retirar toda a madeira do pavimento, eliminar a causa da humidade e colocar novo soalho, e) não existia qualquer drenagem de água no quintal, o que levava à sua acumulação, f) havia problemas estéticos a resolver [resposta aos artigos 34º da contestação, 26º da réplica]. 20. O réu anexou fotografias no email referido em 19) retratando humidades no chão da sala, de um dos quartos, no apainelado de madeira da janela de outro quarto, no teto de uma das casas de banho e no chão da garagem e do acesso à mesma, acumulação de água no logradouro, assim como mau acabamento das paredes em diversos pontos da casa e levantamento do chão [resposta ao artigo 34º da contestação]. 21. Em data não apurada, teve lugar uma visita à moradia para verificar a existência de anomalias, na qual, além dos réus e do gerente da autora, estiveram presentes o Engenheiro autor dos projetos e responsável pela fiscalização da obra, o instalador do pavimento da moradia e duas pessoas da mediadora imobiliária [resposta ao artigo 36º da petição inicial]. 22. A autora nada fez quanto às patologias existentes no imóvel, salvo quanto a uma lomba no pavimento entre o corredor e a sala, dando instruções ao instalador para que oportunamente fizesse a sua rectificação [resposta ao artigo 35º da contestação]. 23. Devido ao estado da moradia e aos riscos para a saúde do agregado, os réus saíram do imóvel em data não apurada do final de Fevereiro de 2021 [resposta ao artigo 36º da contestação]. 24. Em 3 de Março de 2021 a Câmara Municipal ... emitiu alvará de utilização com o nº ... [alínea G) do despacho proferido em 28 de Junho de 2022 e documento nº 8 junto com a petição inicial]. 25. Por email de 25 de Março de 2021, a mediadora imobiliária remeteu ao réu em anexo os documentos necessários para o agendamento da escritura recordando o conteúdo da cláusula identificada em 3) [resposta aos artigos 26º da petição inicial, 37º da contestação]. 26. Em 30 de Março de 2021 o réu remeteu email de resposta ao referido em 24) comunicando que a casa não apresentava condições de habitabilidade [respostas aos artigos 38º da contestação, 31º da réplica]. 27. Os réus não marcaram a escritura [alínea I) do despacho em referência]. 28. A autora procurou ter acesso ao prédio contíguo para poder completar o isolamento da parede exterior poente, o que foi totalmente vedado pela respetiva proprietária [resposta ao artigo 29º da réplica]. 29. A autora encontrou uma solução técnica alternativa que passou pela contratação de uma plataforma suspensa e pessoal especializado em construção em altura, que procedeu à colocação de chapa sandwich na fachada poente, no período compreendido entre 29 de Março e 12 de Abril de 2021 [resposta ao artigo 30º da réplica]. 30. Por missiva datada de 12 de Abril de 2021, a autora comunicou aos réus que havia marcado a escritura para 29 desse mês às 10h00 no Cartório Notarial de PP, sito na Rua ..., Sala ... Galeria Maurit em Matosinhos [alínea J) do despacho proferido em 28 de Junho de 2022 e documento nº 9 junto com a petição inicial]. 31. A notária identificada em 30), em 29 de Abril de 2021, certificou que estivera agendada para esse dia escritura pública em que outorgariam, na qualidade de vendedora, a autora representada pelo sócio gerente OO e o réu, casado no regime de comunhão de adquiridos com a ré, na qualidade de comprador, o qual fizera exposição para não outorga articulando que a fração não apresentava condições de habitabilidade e salubridade e não cumpria escrupulosamente o determinado no caderno de encargos, o que comunicara ao promitente vendedor, nos termos de documento com fotografias anexas, bem como a declaração de vistoria levada a efeito por técnico habilitado dando conta de diversas anomalias que constituíam erros de execução e concluindo pela ausência de conforto e salubridade, não tendo sido promovida, até à data, qualquer intervenção do vendedor no local para as corrigir [alínea K) do despacho proferido em 28 de Junho de 2022 e documento nº 10 junto com a petição inicial]. 32. Os réus dirigiram à autora carta registada com aviso de receção remetida em 29 de Abril de 2021 com o seguinte teor: “Na sequência das declarações prestadas no dia de hoje no Cartório Notarial da Notária PP, fica V. Exa, por este meio e modo, interpelado para proceder à eliminação dos vícios e patologias existentes, bem como a conclusão da obra no prédio supra referido. Todos os vícios/defeitos já são do seu conhecimento, tendo sido interpelado várias vezes para a sua eliminação (pelo menos desde Dezembro de 2020), sem que até à presente data o tivesse feito. Assim, e face ao supra referido, fixa-se o prazo peremptório, de 30 dias para que V. Exa. elimine todos os vícios existentes e conclua a obra; sendo certo que a obrigação de eliminação e conclusão se terá por definitivamente não cumprida se não se verificar o seu cumprimento dentro do prazo” [alínea L) do despacho proferido em 28 de Junho de 2022 e documento nº 8 junto com a contestação]. 33. A missiva identificada em 32) foi recebida pelo gerente da autora [alínea M) do despacho proferido em 28 de Junho de 2022 e documento nº 9 junto com a contestação]. 34. Pelo menos desde a semana de 19 a 25 de Abril de 2021, os réus passaram a residir numa outra moradia que compraram [resposta ao artigo 37º da réplica]. 35. Com data de 6 de Maio de 2021 a autora endereçou aos réus uma carta com o seguinte teor: “Como bem sabem não temos acesso ao imóvel para podermos avaliar a existência desses pretensos problemas, tanto mais que tem estado fechado. Assim, porque estamos de plena boa fé e queremos a celebração do contrato prometido, vimos pela presente carta notificá-lo para no prazo impreterível de cinco dias a contar da sua recepção nos entregarem as chaves do imóvel, para que possamos fazer uma inspeção e resolver qualquer eventual problema de construção que lá encontremos. Caso mantenham a recusa em nos entregar a chave procederemos imediatamente ao agendamento de nova data para a celebração da escritura de compra e venda do imóvel” [alínea N) do despacho proferido em 28 de Junho de 2022 e documento nº 9 junto com a contestação]. 36. Na sequência de telefonema do réu ao gerente da autora que teve lugar a dia 7 de Maio de 2021, a inspeção referida em 35) ficou agendada para o subsequente dia 11 pelas 10h00 [resposta ao artigo 43º da contestação]. 37. O gerente da autora não compareceu na data referida em 36) nem se fez representar por pessoa que realizasse a inspeção [resposta ao artigo 44º da contestação]. 38. Em 23 de Junho de 2021, a Notária em substituição, QQ, com Cartório Situado na Rua ..., Matosinhos, certificou que fora marcada por OO uma escritura de compra e venda pelas 10h00 desse dia e nesse Cartório em que seriam outorgantes a autora e o réu que declarou não outorgar a escritura uma vez que a fração não apresentava condições de habitabilidade e salubridade como já constava do certificado aludido em 30) [alínea O) do despacho proferido em 28 de Junho de 2022 e documento nº 11 junto com a petição inicial]. 39. No final de Abril de 2021 a moradia apresentava as seguintes anomalias: A) no exterior do edifício (zonas comuns – coberturas, fachadas, terraços e escadaria de acesso ao prédio): a) acumulação de águas pluviais no terraço do alçado posterior revestido a tijoleira, b) inexistência/má execução de impermeabilização na junta entre a laje/terraço e parede exterior da fachada posterior (preenchida com silicone), c) fissuras e manchas de humidade nos muros de vedação exterior, na zona do logradouro, d) juntas de transição preenchidas com espuma de poliuretano, e) inexistência de drenagem no logradouro em terra, f) muros de vedação com cotas do topo superior diferentes entre si, g) tubo de queda a drenar diretamente para o pavimento junto à entrada principal, h) inexistência de rufos em algumas zonas e outros com remates mal executados e por acabar, i) painéis solares não ligados na cobertura, j) inexistência de rufos nos muretes da pequena cobertura plana sobre a zona de acesso à cave, k) falta de ralos ou grelhas nas caleiras de recolha das águas fissuras e falta de impermeabilização do paramento, l) impermeabilização com poliuretano, m) acumulação de águas na cobertura devido à falta de pendentes e de caleira contínua, B) no interior da cave-garagem, arrumos e escada interior: a) paredes da cave com forte infiltração de água na zona do arrumo/salão, b) no teto situado na zona sob rampa de acesso à cave os pilares e as paredes apresentavam rebocos podres, destacados e tinta empolada, c) falta uma porta para o desvão da escada (arrumo), d) entrada de água pelas paredes a partir do logradouro, e) paredes manchadas pela humidade no arrumo/salão, f) má execução do acabamento do revestimento em gesso, dos espelhos dos degraus da escada entre cave e rés-do-chão e das paredes da caixa de escadas, C) no interior da cozinha e da lavandaria: a) aros de madeira da janela da cozinha/lavandaria manchados pela humidade, b) tubos de esgoto da caldeira à vista na lavandaria, c) má execução do acabamento dos ladrilhos aplicados nas paredes da lavandaria, nomeadamente na dobra do vão, ombreira e padieira, de acesso à lavandaria, por falta de revestimento e junta aberta entre o pavimento em tijoleira e a parede em ladrilho, falta de esquineiro de remate nas arestas das paredes, d) tomadas da cozinha com remate mal executado e sem espelhos, D) no interior do hall de entrada e da sala: a) paredes com manchas de humidade na sala, b) pavimento flutuante AC5 de 8mm assente sobre corticite, levantado/empolado e com manchas de bolor, provocado pela humidade, na sala e corredores, c) rodapés em madeira degradados, manchados e retirados devido a humidade, d) aros das portas degradados pela humidade, e) junta de transição entre pavimento flutuante do corredor de acesso à sala e pavimento em tijoleira da cozinha com acabamentos deficientes, f) porta de entrada principal com manchas de bolor pelo interior e com deficiente remate na zona das ombreiras e padieira, g) tinta empolada e manchada no nicho do radiador de aquecimento central na sala, h) má execução do acabamento do reboco em gesso das paredes pintadas, i) acabamento final da parede/laje da caixa de escadas entre o piso do rés-do-chão e o piso 1, por executar, E) no interior do primeiro piso: a) pavimento em flutuante e rodapé em madeira estragados, no quarto situado a norte devido à entrada de água a partir da cobertura da entrada da garagem, b) pavimento em flutuante com manchas de bolor, no quarto situado a sul, c) rodapé em madeira manchado pela humidade no quarto referido em b), d) apainelado e aro da janela, quarto referido em b) manchados pela entrada de água a partir do caixilho, e) portas do armário-roupeiro em madeira, não fecham devido à humidade, no mesmo quarto, f) ladrilhos lascados na casa de banho de apoio aos dois quartos, g) tetos falsos manchados e danificados pelas infiltrações da cobertura, na casa de banho de apoio aos dois quartos, h) junta de transição entre pavimento flutuante do corredor e pavimento na casa de banho de apoio aos dois quartos com acabamento deficiente, i) remates de seral mal executados nas paredes da casa de banho de apoio aos quartos, j) pavimento flutuante com manchas de bolor, no quarto-suite, k) rodapé em madeira manchado pela humidade no quarto suite, l) apainelado e aro da janela do quarto-suite manchados pela entrada de água a partir do caixilho, m) portas do armário-roupeiro em madeira não fecham devido à humidade no quarto-suite [resposta ao artigo 74º da contestação]. 40. O custo da reparação das patologias referidas ascende a 74.880€, a que acrescerá IVA à taxa legal [resposta ao artigo 75º da contestação]. 41. As anomalias descritas em 39) A) b), h), j), k), m) conduzem a infiltrações de água e produção de humidades na moradia com consequente criação de bolor e apodrecimento das madeiras [resposta ao artigo 79º da contestação]. 42. O referido em 41) impede a fruição da moradia em condições de salubridade e conforto [resposta ao artigo 79º da contestação]. Factos não provados a) no momento referido em 21) não foram detetados problemas na habitação para além do referido em 22); b) a autora prontificou-se sempre a reparar “todos os defeitos de construção eventualmente existentes que fossem da sua responsabilidade”; c) após a missiva de 6 de Maio de 2021, os réus recusaram sempre permitir o acesso ao local por parte da autora; d) durante os contactos referidos em 18) o gerente da autora prometia resolver os problemas existentes; e) o gerente da autora chamou de imediato o taqueiro quanto à humidade e bolor referidos em 12) a); f) os réus não deram qualquer satisfação ou resposta à missiva identificada em 34). * Fundamentação jurídica A. Da nulidade da sentença. Invoca a apelante (conclusões IIª a VIIª) a nulidade da sentença apelada por proferida mais de trinta dias – no caso, quase dez meses e meio – após a realização da última sessão de audiência de discussão e julgamento, argumentando que o estabelecimento do prazo para a sua prolação tem por propósito garantir que é tomada ‘com a memória viva dos factos, das expressões, das hesitações e dos comportamentos testemunhados durante a audiência’, não podendo o tribunal decidir com rigor decorrido quase um ano decorrido sobre a última sessão da audiência de discussão e julgamento; sustenta, assim, que tal constitui violação da tutela jurisdicional efectiva e, por isso, que é inconstitucional a interpretação que considera meramente ordenador o prazo previsto no art. 607º do CPC, donde decorre dever anular-se a sentença e, bem assim, o julgamento. Arguição de evidente e manifesta improcedência. A primeira (e básica) observação que a arguição da apelante merece é a de que o proferimento da sentença depois de decorrido o prazo legalmente estabelecido para a sua prolação (nº 1 do art. 607º do CPC) não é causa de nulidade da sentença – apesar de não traçar o conceito de nulidade da sentença, a lei (nas alíneas do nº 1 do art. 615º do CpC) enumera (taxativamente) as várias hipóteses de desconformidade de tal peça com a ordem jurídica e que, uma vez constatadas, arrastam à sua nulidade[1], não constando entre elas o desrespeito do prazo para a sua prolação[2]. Tampouco o desrespeito do prazo de prolação da sentença importa a nulidade do julgamento (das diligências probatórias produzidas em audiência de discussão e julgamento), acto que lhe é anterior, ou mesmo a perda de eficácia da prova produzida, com consequente necessidade de repetição do julgamento (e repetição da prova aí produzida) – o próprio desrespeito do princípio da continuidade da audiência (desrespeito do nº 3 do art. 606º do CPC) não tem tais consequências processuais (a violação de tal regra não tem sanção no processo, não gera qualquer nulidade)[3]. Interpretação (dos arts. 606º e 607º do CPC), segundo a qual se tratam de prazos meramente ordenadores os aí estabelecidos (ainda que o seu desrespeito seja valorizável no âmbito disciplinar), que não contraria o princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva, com objectivação no direito processual através dos princípios da imediação e da concentração – tal princípio constitucional não demanda (mesmo na vertente do direito à decisão da causa em prazo razoável ou do processo equitativo, que exige a conformação do processo à razoabilidade dos prazos) o estabelecimento de prazos preclusivos, quer no âmbito da continuidade da audiência, quer para prolação de decisões (fossem tais prazos de natureza preclusiva e estaria então, sim, eventualmente, violado do direito à jurisdição e à satisfação do direito à decisão da causa pelo tribunal que aos litigantes é constitucionalmente garantido, em decorrência do direito de acesso aos tribunais e tutela jurisdicional efectiva estabelecido no art. 20º da CRP). Evidente, pois, a improcedência da arguição. B. Da censura dirigida à decisão da matéria de facto. B.1. Da inclusão de matéria conclusiva na decisão de facto. A apelante censura a decisão sobre a matéria de facto argumentando que nela foi vazada matéria conclusiva (conclusão XLIIª) – argumenta que o ponto 42 dos factos provados não pode constar, por conclusivo, no acervo da factualidade provada. Argumentação improcedente, mesmo que seja de considerar tal matéria conclusiva (produto de juízo valorativo), pois entendemos que o nosso ordenamento jurídico se afastou da matriz assente na clássica distinção entre matéria de facto/matéria conclusiva e/ou de direito, não sendo agora de excluir nem rejeitar, no âmbito da decisão de facto, o uso de expressões de conteúdo mais genérico, jurídico ou até conclusivo, desde que (suportadas e substanciadas nos demais factos) permitam percepcionar a realidade invocada e concretizar a realidade subjacente ao litigo[4] (ou seja, que permitam uma correta e inteligível compreensão da realidade que o Tribunal conseguiu isolar[5] ), acautelado o exercício do contraditório e circunscrita a realidade a apreciar jurisdicionalmente para efeitos de delimitação do caso julgado material. Assim, estando a realidade a retratar exposta em factos a que os ‘factos conclusivos’ se reportam, e não resolvendo o ‘facto conclusivo’, atento o objecto do litígio, a questão jurídica (a sorte da acção) senão com a consideração da realidade a que se reporta e acompanha (e que se limita a adjectivar, qualificar, valorizar – sem substituir ou prescindir da enunciação concretizadora daquela realidade objectiva), permitindo-se sobre a matéria o integral e efectivo cumprimento do contraditório (respeitando-se, pois, os limites materiais da acção e da defesa) e alcançando-se a circunscrição/delimitação da realidade a apreciar jurisdicionalmente para efeitos de delimitação do caso julgado material, não poderá censurar-se o recurso matéria conclusiva/valorativa (sequer de direito – excluída a hipótese de se referir a questão jurídica que solva a sorte da acção). Assim que ainda que fosse de considerar a matéria indicada como conclusiva, não seria de censurar o seu uso pela 1ª instância – o censurado facto 42 está suportado na demais matéria provada, mormente nos factos 19, 22, 23, 39 e 41. De recusar, pois, a sua eliminação (com tal fundamento) do elenco da matéria provada – sem prejuízo do que, também quanto a ele, for decidido em resultada da apreciação da impugnação de decisão de facto. B.2. Da impugnação da decisão de facto. Impugna a apelante a decisão da primeira instância sobre a matéria de facto sustentando que a correcta valorização e apreciação dos meios de prova produzidos impõe julgamento diverso de factos julgados provados e não provados que identifica. Acolhe-se a impugnação nos art. 662º e 640º do CPC – pretende a apelante a reapreciação de elementos probatórios sujeitos à livre apreciação do juiz (art. 607º, nº 5, 1ª parte, do CPC – depoimentos testemunhais) –, constatando-se terem sido observadas as exigências impostas pelo art. 640º do CPC ao recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto, pois especifica os pontos impugnados e o concreto sentido que defende para o seu julgamento, indica os concretos meios de prova que, no seu entender, impõem decisão diversa, enunciando os motivos da sua discordância e indica as passagens de cada um dos depoimentos que fundamentam a sua posição. Impõe-se, assim, a este tribunal proceder à reponderação dos elementos probatórios produzidos nos autos, averiguando se os mesmos conduzem, com estribo racional, ao julgamento pretendido pelos apelantes (principais e subordinada) quanto aos factos impugnados ou, antes, a julgamento idêntico ao da primeira instância a seu propósito. Conhecimento da impugnação que se não impõe, porém, em toda a extensão pretendida. B.2.2. Da não apreciação da impugnação na parte que tem por objecto matéria irrelevante à apreciação e decisão da causa. B.2.2.1. Da matéria que a apelante pretende ver aditada aos factos provados. Patente a desnecessidade de apreciar da impugnação na parte em que a apelante pretende ver aditada aos factos provados matéria que a decisão apelada terá desconsiderado – melhor e com mais rigor: impõe-se à Relação o dever de rejeitar a apreciação desta parte da impugnação, abstendo-se de a conhecer. A apreciação da modificabilidade da decisão de facto é actividade reservada a matéria relevante à solução do caso, devendo a Relação abster-se de conhecer da impugnação cujo objecto incida sobre factualidade que não interfira de modo algum na solução do caso, designadamente por não se visionar qualquer solução plausível da questão de direito que esteja dependente da modificação que o recorrente pretende operar no leque da matéria de facto a ponderar na decisão[6]. O propósito precípuo da impugnação da decisão de facto é o de possibilitar à parte vencida a obtenção de decisão diversa (total ou parcialmente) da proferida pelo tribunal recorrido quanto ao mérito da causa, o que faz circunscrever a sua justificação às situações em que a matéria impugnada possa ter interferência na solução do caso, ou seja, aos casos em que a solução do pleito em favor do recorrente esteja dependente da modificação que o mesmo pretende ver introduzida nos factos a considerar na decisão a proferir. Sendo a matéria dela objecto indiferente e alheia à sorte da acção, não interferindo de modo algum na solução do caso, de acordo com o direito (considerando as soluções plausíveis da questão de direito[7]), não deverá a Relação conhecer da impugnação (da pretendida alteração), sob pena de estar a levar a cabo actividade inútil, infrutífera, vã e estéril – se os factos impugnados não forem relevantes, considerando as soluções plausíveis de direito da causa, é de todo inútil a reponderação da correspondente decisão da 1ª instância, como sucederá nas situações em que a substituição pretendida pelo impugnante seja indiferente à solução da causa e irrelevante ao enquadramento jurídico do objecto da lide[8]. Tal é, precisamente, o que ocorre no caso dos autos relativamente à matéria que a apelante pretende ver aditada à fundamentação de facto (e relativamente à qual a primeira instância se não terá pronunciado) – entende a apelante dever ser aditado ao acervo dos factos provados (conclusão LXIIIª) que os réus ‘intervieram numa reportagem da B... de 3 de Maio de 2021 gravada na semana de 12 e 17 de Abril’ e que, na mesma reportagem, o réu ‘AA referiu «foi depois de termos esta reunião todos juntos que decidimos desistir da casa»’. Anódino e neutro à sorte da causa e da apelação (à concludência/procedência das pretensões – mormente da apreciação do pedido reconvencional, pois que a matéria foi alegada pela autora na resposta à reconvenção e, por isso, enquanto matéria de excepção) é a intervenção dos réus em programa televisivo – tal facto não integra factualidade essencial (aquela que individualiza ou identifica a causa de pedir da pretensão deduzida ou de excepção alegada – factos essenciais nucleares), complementar (aquela que, não desempenhando tal função identificadora é imprescindível à concludência da pretensão ou excepção, por também constitutiva do direito invocado ou excepção arguida) ou até instrumental (aquela que permite a afirmação, por indução, de factos de cuja prova depende o reconhecimento do direito ou da excepção)[9], susceptível de alterar o sentido da decisão, pois não traduz realidade que signifique mora ou impossibilidade material ou jurídica definitiva da prestação (seja consubstanciando declaração antecipada de recusa de cumprimento por parte dos réus, seja constituindo comportamento destes desconforme ao pontual cumprimento do contrato e conformando justa causa que afaste qualquer inexecução imputável e censurável à autora e, assim, qualquer razão para considerar a ela imputável o incumprimento contratual). Irrelevantes, também, as concretas afirmações feitas pelo réu em tal programa televisivo – mormente a de que, após determinada reunião, teriam decidido ‘desistir da casa’. Sabido que o incumprimento definitivo abrange os casos de declaração antecipada de não cumprimento, certo é que a factualidade em questão não permitirá concluir pela verificação desta (e assim que é aos réus que, em razão dela, pode imputar-se o incumprimento, não podendo por isso eles, enquanto parte inadimplente, resolver o contrato e exercer os demais direitos decorrentes) – por incumprimento definitivo (que apenas ao contraente não inadimplente faculta o exercício do direito à resolução, ainda que em tais situação não prejudique o recurso à acção de cumprimento e à execução da obrigação) devem ter-se as situações em que, sendo ainda a prestação objectivamente realizável com interesse para o credor, o devedor manifesta perante o credor o seu propósito de que não vai cumprir ou declara, de forma inequívoca, que não realizará a prestação[10]. Manifestação de incumprimento que, contudo (além de cumprir outras exigências – deve consubstanciar uma manifestação da intenção inequívoca, definitiva, peremptória e consciente de não cumprir), para relevar, deve ser dirigida ao credor[11]; só se uma tal declaração (ou comportamento revelador de tal intenção) for dirigida o credor poderá considerar-se existir recusa categórica e definitiva de cumprimento (tornando desnecessária e inútil a interpelação admonitória prevista no art. 808º do CC[12]). Ainda que pudesse vir a interpretar-se a matéria que a apelante pretende ver aditada à factualidade provada como consubstanciando uma afirmação do propósito de não cumprir por parte do réu (o que não é seguro – pois que a afirmação alegada é reportada a um acto já então passado, a uma ‘desistência’ que já teria ocorrido, sem se saber se fundada nas mesmas razões que os determinaram a recusar a outorga da escritura do contrato definitivo), certo é que uma tal manifestação não era dirigida à apelante, faltando por isso pressuposto essencial e básico para que se lhe reconheça o necessário relevo para poder consubstanciar uma declaração antecipada de incumprimento (e, assim, basear a conclusão de que o réu é a parte inadimplente – a ele sendo imputável o incumprimento definitivo do contrato – que não goza da faculdade de resolver o contrato e exercer os consequentes direitos contra a autora). Sequer uma tal declaração dirigida pelo réu a terceiros alheios ao contrato releva para justificar a paralisação do eventual direito dos réus à resolução do contrato, com fundamento na boa fé – não é essa declaração inter alius que consubstancia violação da confiança ou legítima expectação de conduta (venire contra factum proprium) que a autora poderia ter criado com o contrato e relacionamento contratual mantido com os réus, tanto mais quando tal declaração revela um facto anterior (um facto passado - a ‘desistência’), esse sim, perturbador da pontualidade do cumprimento e gerador da inexecução da obrigação, cujos verdadeiros e concretos contornos não são alegados (contornos de tal declarada ‘desistência’). O aditamento de tal matéria (conclusão LXIIIª) é, pois, irrelevante e indiferente à solução da apelação, em razão do que a Relação se abstém de a apreciar. B.2.2.2. Da impugnação deduzida aos factos provados 21 e 22. Irrelevante e indiferente a modificação que a apelante pretende ver introduzida no ponto 21 da matéria provada – pretende que se julgue provada a data exacta em que teve lugar a reunião referida (considerou-se provada a ocorrência de reunião em data não apurada, pretendendo a apelada se julgue provado que a mesma ocorreu em 5 de Fevereiro de 2021). Alteração que nada acrescenta à concludência dos fundamentos da acção (em atenção aos pedidos formulados pela autora) ou sequer da defesa (aqui ponderando a posição da apelante quanto à reconvenção) – o acrescento da data exacta em que tal reunião ocorreu não permitirá alterar a decisão em sentido favorável à autora, pois nem da sua consideração (mesmo considerando a demais matéria) se poderá concluir pela inexecução (em sentido lato) do contrato por acto imputável aos réus, nem por outro lado permite afastar a imputabilidade do incumprimento que a si, reconvinda, foi apontada na decisão apelada (a data exacta da reunião não integra o conjunto dos factos imprescindíveis à concludência da acção e ou da excepção invocada – factos complementares – ou, muito menos, o núcleo dos factos necessários a indicar e individualizar a causa de pedir ou a excepção – factos essenciais –, ou até facto que indicie aqueles – factos instrumentais). Conclusão (irrelevância) que vale também, inteiramente, quanto à impugnação dirigida ao facto 22 - pretende a autora se julgue como não provado tal facto (nele se considera provado que a autora nada fez quanto às patologias existentes no imóvel, salvo quanto a uma lomba no pavimento entre o corredor e a sala, dando instruções ao instalador para que oportunamente fizesse a sua rectificação). Na verdade, o facto foi trazido aos autos pela parte a quem não cabe (quanto à matéria) o ónus da prova – a eliminação/rectificação dos defeitos da coisa é matéria que ao obrigado a ela (seja o empreiteiro, na empreitada, seja o vendedor da coisa, na compra e venda) cabe alegar e demonstrar, e por isso que tal matéria só revestirá interesse na versão (positiva) e com a extensão alegada pela parte que está obrigada à eliminação/reparação. Considerando o objecto da acção (seja ponderando a pretensão formulada em via de acção, seja a pretensão reconvencional – e matéria de defesa alegada a propósito), em que os defeitos da coisa se apresentam como perturbação impossibilitadora do negócio (fundando a conclusão da inexecução contratual imputável à autora), a reparação/eliminação dos defeitos (sem agora curar da existência e/ou extensão destes) constituirá matéria de excepção, pois matéria extintiva de causa que é apresentada como facultando direito à resolução do contrato[13], e não matéria constitutiva do direito a provar pelo comprador/dono da obra (no caso, promitente comprador do bem alegadamente defeituoso); assim que retirar tal matéria dos factos provados nada retirará ao acervo factual constitutivo do invocado direito dos réus (direito à resolução e decorrente indemnização) nem nada acrescentará à causa enquanto acervo factual integrador de matéria de excepção. Indiferente, pois, à sorte da apelação, a modificação que a autora pretende ver introduzida no facto provado 21 e, também, a completa eliminação do facto provado 22 – e por isso a Relação abster-se-á de apreciar da impugnação a eles dirigida. B.2.2. Da restante matéria impugnada – impugnação fundada na valorização de elementos probatórios sujeitos ao princípio da livre apreciação. Funda a apelante a censura que dirige à decisão da primeira instância quanto aos factos provados 9, 23, 34, 39 e 42 e factos não provados sob as alíneas a), b), c), d), e) e f) em elementos probatórios (depoimentos testemunhais, declarações de parte e documentos particulares) sujeitos ao princípio da livre apreciação da prova. Pretende-se neste segmento impugnatório, que a Relação proceda à reponderação dos elementos probatórios produzidos nos autos, averiguando se os mesmos conduzem, com estribo racional, à conclusão pretendida pelo apelante ou, antes, a julgamento idêntico ao da primeira instância. Tarefa em que a Relação deve empregar os poderes que lhe são atribuídos enquanto tribunal de segunda instância que garante um duplo grau de jurisdição em matéria de facto, procedendo a uma autónoma apreciação crítica das provas produzidas (em vista de, a partir delas, expressar a sua convicção com total autonomia, formar uma convicção autónoma[14]), alterando a decisão se em face dessa autónoma apreciação dos elementos probatórios a que há-de proceder adquirir uma diversa convicção[15]. Apreciação crítica que se consubstancia na análise de todos os elementos probatórios[16], valorizando-os lógica e racionalmente – a decisão da matéria de facto (enquanto resultado da prudente convicção formada pelo julgado) não se reconduz ao resultado duma mera e acrítica certificação do declarado por depoentes ou testemunhas, do constante em documentos particulares ou de contributos fornecidos por elementos probatórios não munidos de força probatórioa plena, antes assentando numa convicação objectivável (trata-se de obter uma justificação racional da decisão - elemento verdadeiramente estruturante e legitimador desta, que lhe confere a natureza de decisão, afastando-a do que seria uma simples imposição judicial, puramente subjectiva ou voluntarista, fundada na sinceridade do julgador), a que a se acede por via da razão, alicerçada na apreciação e valorização de todos os elementos probatórios, tanto individual como conjugadamente (na sua relacionação reversiva e sujeitação a mútuos testes de compatibilidade – constatando-se ou a confrimação e corroboração duns nos outros, ou antes a infirmação/negação duns pelos outros), tudo à luz da lógica e da racionalidade, das regras da normalidade, do bom senso, da experiência da vida e até, quando for o caso, das regras e leis da ciência, ponderados os contornos da situação factual submetida a julgamento. O princípio da livre apreciação da prova (art. 607º, nº 5 do CPC) não comete ao juiz a arbitrária faculdade de escolher a versão dos factos em litígio, antes lhe impõe a formação de convicção em obedicência a critérios de lógica e racionalidade – a valoração das provas pelo juiz deve ser feita de forma livre e segundo a prudente convicção, sem o condicionamento de critérios legais pré-estabelecidos caros aos sistemas da prova legal ou tarifada, antes resultando da sua ponderação à luz da lógica, objectivdade, racionalidade, da experiência da vida e das regras da normalidade[17]. Trata-se de um processo de análise de todos os elementos probatórios cujo produto final há-de ser o resultado da sua valorização e conciliação lógica e racional – interessa analisá-los numa visão de conjunto e global, pois só esta permite apreciar a consistência, coerência, congruência e racionalidade concernente ao objecto do processo. A demonstração da realidade dos factos em juízo não pressupõe a certeza absoluta – ‘se a prova em juízo de um facto reclamasse a certeza absoluta da verificação do facto, a actividade jurisdicional saldar-se-ia por uma constante e intolerável denegação de justiça’[18] –, antes o que para a justiça é imprescindível e suficiente – um grau de probabilidade bastante, face às circunstâncias do caso e às regras da experiência da vida. A prova, consubstanciada na demonstração efectiva (segundo a convicção do juiz) da realidade de um facto ‘não é certeza lógica mas tão-só um alto grau de probabilidade suficiente para as necessidades práticas da vida (certeza histórico-empírica)’[19]. A reapreciação de elementos probatórios produzidos nos autos leva-nos a concluir pela improcedência da impugnação e consequente confirmação do julgamento feito pela primeira instância. A propósito das anomalias (e suas causas) existentes no bem (imóvel) que seria objecto do prometido contrato de compra e venda contrato (factos provados 9º e 39º), importa começar por reconhecer estar em causa a apreciação de realidade cuja apreensão não prescinde dos contributos de área do conhecimento (área da engenharia cívil) que o juiz não domina (art. 388º do CC), sendo a prova pericial a adequada e idónea à sua demonstração em juízo. Sendo certo que a força probatória da perícia é fixada livremente pelo tribunal (à luz do princípio da livre apreciação e da prudente convicção do juiz – artigos 389º do CC e 607º, nº 5 do CPC – pois o resultado da perícia não é vinculativo, ‘estando sempre sujeito à livre apreciação do julgador, feita perante o confronto de todas as provas produzidas’[20]), tem de reconhecer-se (sob pena de completa frustração da racionalidade em que a formação da convicção do juiz se traduz) que o princípio da livre apreciação sofre, a propósito da prova pericial, importante restrição motivada pelo ‘diferencial de conhecimentos técnicos’ – donde resulta a necessidade de maior obediência ao que emergir da prova pericial quando os resultados sejam sustentados em conhecimentos de natureza científica que não suscitem dúvidas e de uma maior liberdade de apreciação nas situações em que os resultados periciais não permitam atingir o grau de elevadíssima probabilidade[21]. De todo o modo, mesmo nas situações em que os resultados periciais não permitem atingir o grau de elevadíssima probabilidade, o contributo de tal elemento probatório é marcante para conseguir o que para a justiça é imprescindível e suficiente, qual seja o atingir o grau de probabilidade bastante sobre a realidade do facto. Contributos periciais (relatório pericial colegial junto aos autos em 23/01/2013 e subsequentes esclarecimentos de 13/03/2013) que se mostram decisivos quanto às causas das humidades referidas no facto provado número 9. O relatório pericial (unânime) é inequívoco na identificação da existência de humidades (de vários pontos de humidade) cuja causa radica em defeitos de construção – nele se afirma serem visíveis ‘infiltrações em diversos locais da habitação’ (e afectando todo o interior da habitação) que permitem concluir pela ‘deficiente vedação e deficiente execução de todo o sistema de impermeabilização’, tendo sido ainda verificada a ‘existência de deficiente ventilação ou mesmo a sua inexistência, nomeadamente nas casas de banho’, verificando-se para lá da deficiente ventilação a existência de locais ‘onde a água entra’ e ‘zonas de paredes e pavimentos com elevado grau de humidade’ (sendo que como consequência das infiltrações de água no interior da habitação existem ‘sintomas de humidade nas paredes, tectos e chão’). Conclusões que os senhores peritos reafirmam nos esclarecimentos que lhes foram solicitados e que renovaram nos esclarecimentos prestados oralmente em audiência, refutando que a ocupação precoce da moradia fosse a causa das humidades, pois a ocupação leva a maior ventilação (e a não existência desta potencia o agravamento). Conclusões periciais não rebatidas pelos outros elementos probatórios, antes por eles corroboradas: - o documento número 5 junto com a contestação (e que é concomitantemente parte do documento 13 junto com a petição) consubstancia uma comunicação por correio electrónico enviada pelo réu à autora logo em Fevereiro de 2021, pouco mais de dois meses depois de começar a habitar o imóvel (os réus começaram a habitar a casa em final de Novembro de 2000, como julgado provado, face ao acordo das partes, no facto 6), em que lhe dá notícia da existência de vários pontos de humidade e bolores (que descreve pormenorizadamente), assim como de patologias associadas ao fenómeno, que tudo comprova com fotografias que o retratam, que afectam toda a casa (queixas de aparecimento de bolor apresentadas pelo réu decorrido um mês e meio de habitar a casa de que também deu nota a testemunha JJ, sócia gerente de imobiliária que promove, normalmente, a venda dos imóveis da autora); patologias cuja causa é incompatível com o (simples) fenómeno das ‘condensações’ advindas da simples falta de arejamento a promover pelo utilizador durante um curto período de dois meses - a simples falta de arejamento (causa que os apelantes pretendem ver julgada provada) duma habitação, por dois meses, não tem como consequência humidades (e consequências) como as verificadas; - os depoimentos das testemunhas DD e RR, pessoas que privam com os réus e frequentam a sua casa, referiram-se, ponteando os respectivos depoimentos com elucidativos pormenores, às humidades e infiltrações que logo verificaram na casa (e suas consequências), que nunca ‘secaram’ (assim o DD) e que determinavam a necessidade (assim o RR) de afastar mobiliário das paredes ‘molhadas’ (à passagem da mão). Pequena nota para refutar o argumento que a apelante pretende retirar da circunstância de a perícia ter sido realizada decorridos quase dois anos sobre a realidade a que se reporta o facto 9 – tal circunstância não inquina, minimamente, a fiabilidade e validade das conclusões e juízos afirmados, pois os peritos estão habilitados (em razão dos conhecimentos específicos que detêm) para distinguir entre as humidades causadas por falta de arejamento (pelo fenómeno da condensação) e as humidades com causa em deficiências construtivas (mormente por deficiente vedação ou até sua ausência e deficiente execução do sistema de impermeabilização), que o simples decurso do tempo não elimina (estando por isso, se não eliminadas, presentes para serem apreendidas e verificadas nas inspecçoes e averiguações pertinentes). De corroborar, pois, o julgamento da primeira instância a propósito do facto 9 – e de recusar a alteração proposta pela autora (os elementos probatórios, são suficientes para concluir que a causa das humidades referidas no facto 9 são defeitos de construção e não simples condensações provindas de qualquer falta de arejamento). Confirmação merece também o julgamento quanto à existência das anomalias descritas no facto 39º e da falta de condições de habitabilidade (de condições de salubridade e conforto) afirmada no facto 42º. Ponto de partida primeiro na análise é o relatório pericial colegial de 23/01/2021, completado pelos esclarecimentos escritos de 13/03/2023 (e até pelos esclarecimentos prestados pelos senhores peritos em audiência) – apontam-se aí as infiltrações existentes no imóvel (com causa na deficiente vedação e deficiente execução do sistema de impermeabilização), os locais por onde se verifica a entrada da água (apontando como possível origem a má execução da fachada poente), a humidade espalhada pelas superfícies (paredes e chãos), em algumas zonas no nível de total saturação, os bolores e fungos consequência da humidade, a má execução da fachada poente (má aplicação do painel ‘sandwich’), potenciador de infiltrações (entrada de água) e pontes térmicas (estas também originadas pela falta de continuidade do isolamento térmico – capoto – em toda a envolvente exterior do imóvel). Conclusões que os senhores peritos renovaram em audiência – esclareceram ter apurado o nível de humidade utilizando aparelho de medição, estando a humidade relacionada com a má execução da empena poente, mais exposta aos elementos (vedação insuficiente no remate com o rufo e ao longo da empena – a folga é visível, permitindo a entrada de água vertical e horizontalmente); aludiram às infiltrações de água pelo tecto da garagem (com formação de pingentes), com causa na falta de revestimentos e de impermeabilização; referiram que na garagem a água cai do tecto, no fundo, encostado à parede, havendo mesmo formação de pingentes, também caindo na escada de acesso no lado oposto por falta de revestimento e de impermeabilização, pois as pedras de granito do revestimento não têm acabamento nas juntas; aludiram aos danos existentes em pilar da garagem (o revestimento encontra-se podre e as cantoneiras foram removidas, em zona onde se verificavam sinais de humidade e onde chovia, designadamente nas escadas); esclareceram que o uso de tijolo térmico e acústico melhora mas não tem função de impermeabilização, que deve ser assegurada no local pelos painéis e rufos, sendo que estes não se ajustam em virtude de aqueles estarem desencontrados; referiram a existências de zonas de bolor e explicaram que o gesso, absorvendo a humidade, atinge também ponto de saturação; notaram que a casa de banho do rés-do-chão não tem saída de ventilação (extractor) e que a do primeiro andar não tem parede até ao tecto (a ventilação faz-se para o resto das divisões); deram nota da retirada da cortiça e pavimento flutuante (possivelmente para inspecionar o estado da laje), da existência de humidades nas paredes e de escorrimentos provenientes do exterior, de bolor nas molduras das janelas e portas da parede sul; aludiram e explicaram as fragilidades térmicas que afectam o imóvel (desde logo porque o painel ‘sandwich’ tem resistência térmica inferior ao capoto e que por isso a parede poente tem uma temperatura inferior, o que leva a que o ar em contacto produza condensação, por ponte térmica - seria necessário usar capoto ou ‘etics’ nessa parede); concluíram que o imóvel não cumpre os requisitos mínimos traçados na legislação e que, tal como se encontra, não tem condições de habitabilidade. Contributos periciais que corroboram (e são por ele corroborados e secundados) o relatório de peritagem elaborado pelo Eng.º CC em Junho de 2021 (junto como documento 14 com a contestação – com requerimento de 29/10/2021), a solicitação dos réus – tal relatório evidencia todas as patologias observadas (e que se mostram elencadas no facto 39), sendo acompanhado por reportagem fotográfica que sustenta todas as afirmações e conclusões aí apresentadas (mormente as que principalmente contribuem para a falta de qualidade da obra e para desconforto e insalubridade, como as fortes infiltrações pelos pisos e paredes exteriores, infiltrações e fissuras pelas coberturas, inacabadas e mal executadas, fortes infiltrações na cave, a partir dos muros de cave ou terreno de fundação e a partir do piso exterior de entrada para a moradia, em zona de escadas e em zona de rampa de acesso a garagens, acabamentos e pavimentos em madeira, bem como outras carpintarias tais como orlas, rodapés e armários-roupeiros, fortemente degradados pela humidade – patologias devidas a má execução, inacabamento na zona de cobertura, falta de cuidado nos remates e acabamentos e falta de impermeabilização e drenagem, para lá de faltar a colocação de todos os isolamentos térmicos e a ligação dos painéis solares, situação que referia ilegal e incompatível com a emissão de um certificado energético e de se verificar o incompreensível encaminhamento das águas pluviais recolhidas acima do nível da rua para a cave em vez de serem encaminhadas para o exterior). Afirmações e conclusões que encontram confirmação e reforço no auto de vistoria de 14/02/2022 (junto pelos réus com requerimento de 18/05/2022) elaborado por entidade municipal (C...) na sequência de requerimento apresentado em vista de dar início a ‘procedimento de Vistoria e Segurança, Salubridade e Arranjo Estético, conforme previsto no art. 89º do Regime Jurídico de Urbanização e Edificação’ – constata-se em tal auto a existência de anomalias graves no imóvel, indicando as obras tidas por razoáveis, necessárias e estritamente indispensáveis para conferir condições de habitabilidade e de salubridade ao imóvel (condições que, ao menos no momento da vistoria, não dispunha); expressamente se refere em tal auto de vistoria, no que concerne às condições de salubridade, que o imóvel ‘oferece perigo para a saúde das pessoas’, atenta a degradação de revestimento de paredes e caixilharias, bem como a proliferação de bolores e/ou odor a mofo, apontando ainda pormenores construtivos que contribuem para manutenção e aumento da insalubridade e indicando diversos pontos de infiltração de água (e pontos com escorrência) e de humidades (patologias que se encontram indicadas e pormenorizadas no relatório de peritagem elaborado pelo Eng.º CC e bem assim no relatório da perícia realizada nos autos). A análise crítica a que estes elementos probatórios conduz (consistente com o julgamento da decisão recorrida) resiste ao confronto com os depoimentos testemunhais e das declarações de parte – as testemunhas arroladas pelos réus apresentam versão conforme à por eles alegada e as testemunhas alegadas pela autora (e o seu legal representante, nas declarações de parte), ainda que apresentem versões que negam (não todas, como o caso da testemunha GG) a existência das patologias evidenciadas naqueles relatórios e vistorias, não deixam, em alguns pontos, de as admitir (e por isso que até nestes depoimentos e declarações aqueles relatório de peritagem, vistoria e perícia encontram conforto): - o legal representante da autora, OO, prestou declarações de parte e admitiu a existência de rebaixamento na zona do terraço do alçado posterior, que não corrigiu por não ter tijoleira igual (alínea a) do ponto A do facto 39), referiu ter-se prontificado perante o réu (que se lhe queixou da falta de drenagem nas traseiras, da dificuldade de escoamento) a fazer a drenagem do terreno logo depois da emissão de licença camarária, pois a Câmara não autorizaria que fosse feito o encaminhamento da drenagem para a via pública (alínea e) do ponto A do facto 39), admitiu a existência de um tubo de queda a escorar directamente para o pavimento (alínea g) do ponto A do facto 39) e admitindo ainda a existência de água na garagem junto do pilar que sustenta a escada de entrada na casa (alínea d) do ponto B do facto 39). - a testemunha KK (engenheiro civil, autor do projecto da moradia e fiscal da obra), admitiu os problemas de drenagem no logradouro, a não ligação dos painéis solares e a existência de manchas em parede num quarto (com causa em humidade/infiltração com origem em soleira ou caixilharia), o que confirma (no mínimo), as patologias elencadas nas alíneas e) e i) do ponto A e alínea d) do ponto E do facto 39, - a testemunha LL, engenheira civil, que procedeu à certificação energética do imóvel, reconheceu não ter sido feito a ligação do painel solar e, bem assim, a existência de defeito estrutural na sala, tendo o soalho (o flutuante) levantado em razão do elevado teor de humidade, assim confirmando as patologias indicadas nas alíneas i) do ponto A e b) do ponto D do facto 39, - a testemunha GG (sócio da empresa que colocou o pavimento na moradia prometida vender), reconheceu que havia flutuante levantado devido a humidades, revelando que a colocação do flutuante consistiu na aplicação de uma camada de cortiça diretamente sobre a laje, seguida da aplicação do flutuante; afirmou que quando em Janeiro de 2021 se deslocou à moradia, verificou que na sala a cortiça por baixo do flutuante estava molhada (levantou o pavimento flutuante), assim como a laje (atribuindo isso ao facto da parede lateral da moradia estar em tijolo sem isolamento, estando a parede interior manchada e os rodapés húmidos, já escurecidos); afirmou ainda que apareceu, posteriormente, humidade nos quartos (primeiro num cuja parede exterior não tinha revestimento, em que humidade escorria pela parede, depois, ainda que em menor intensidade, nos outros ); referiu também que o pavimento e os rodapés instalados não podiam ser aproveitados na reparação que teria de ser realizada; fez coincidir o aparecimento da humidade (e subsequente aparecimento de bolor nas juntas e roupeiros, com cheiro a mofo) com a ocorrência de chuvas; referiu ainda que na garagem era visível a água a cair do tecto e que no jardim podiam observar-se dificuldades de escoamento. Depoimento que confirma as deficiências notadas no relatório pericial, no relatório de peritagem e no auto de vistoria, designada e especificamente a alínea e) do ponto A, alínea d) do ponto B), alíneas a), b) e c) do ponto D e alíneas a), b) e c) do ponto E do facto 39. Nenhuma censura merece (antes confirmação), pois, a decisão da primeira instância quanto aos factos provados 39 e 42. Também não merece censura o julgamento dos factos provados 23 e 34. Havendo que reconhecer, para lá da falta de condições de habitabilidade do imóvel, que o mesmo, em razão do seu estado, apresentava riscos para a saúde dos ocupantes, como expressamente mencionado no auto de vistoria de 14/02/202, apresenta-se como conforme às regras da experiência da vida (com o grau de probabilidade suficiente para as necessidades práticas da vida) o facto de os réus terem deixado de nele habitar – o que as testemunhas por eles arroladas afirmaram e também se conclui de reportagem televisiva emitida pela estação B... a 3 de Maio de 2021 (acessível no suporte digital junto pela autora em requerimento de 4/12/2023), esta permitindo situar tal abandono da moradia em momento anterior aos inícios de Abril de 2021 e afirmar que os réus habitavam já na semana de 19 a 25 de Abril de 2021 outra moradia que compraram (a realização de tal entrevista aos réus pode ser situada em momento anterior à primeira quinzena de Abril de 2021 – os réus aludem nessa reportagem ao recebimento de carta a marcar a escritura para 29 de Abril, que se verifica, confrontando a cópia do registo junta com a petição inicial, ter sido depositada pelo distribuidor postal a 13 de Abril noutro endereço que não a da moradia prometida vender, percebendo-se também que nessa entrevista os réus se encontram noutro imóvel – visiona-se imóvel distinto do que é retratado nas fotografias juntas aos autos e relativas ao imóvel prometido vender, mormente no relatório de peritagem junto aos autos com o requerimento de 29/10/2021 – que, afirma a ré, haviam comprado); considerando as circunstâncias do caso, os termos e circunstâncias (e momento cronológico) em que tal compra é afirmada pela ré são suficientes para permitir ao tribunal concluir, com a segurança necessária à formação da convicção em juízo, pela veracidade da afirmação. Igual conclusão (de improcedência da impugnação) vale relativamente à matéria de facto jugada não provada (e que a apelante pretende ver julgada integralmente provada), pois os elementos probatórios produzidos nos autos ou não permitem (com a segurança necessária e exigível para fundar a convicção judicial) concluir pela sua veracidade ou antes permitem afastá-la (ou, no mínimo, questioná-la racional e razoavelmente). Na verdade, - a propósito da alínea a) dos factos não provados, mais do que apontar-se ter o próprio legal representante da autora, nas suas declarações de parte, admitido a existência, naquela circunstância cronológica, de outras patologias além da referida no ponto 22 (afirmou ter então verificado a existência de água na garagem junto ao pilar que suporta a escada de entrada na habitação), importa evidenciar que a comunicação electrónica enviada pelos réus à autora em Fevereiro de 2021 (anterior à reunião aludida no facto 21 e a que se reporta tal matéria não provada) e as fotografias que a acompanham e suportam (e que ilustram, de modo esclarecedor, outras várias patologias que então afectavam a moradia) são só por si bastantes para concluir pela não veracidade do facto julgado não provado na alínea a) da fundamentação (se outras patologias existiam e haviam sido comunicadas à autora pelos réus, certamente que na reunião havida teriam sido objecto de análise), - para justificar e sufragar o julgamento das alínea b), d) e ) dos factos não provados, basta atentar na solução proposta pela autora (como afirmado pelo seu legal representante em declarações de parte) aos réus para solucionar o problema da falta de drenagem (dificuldade de escoamento) do terreno (como acima já referido, prontificou-se a fazer a drenagem do terreno logo depois da emissão de licença camarária, pois a Câmara não autorizaria que fosse feito o encaminhamento da drenagem para a via pública, como se propunha fazer para corrigir o problema) para se concluir que a autora não se prontificou a reparar, de modo adequado, idóneo e respeitador das exigências legais, os defeitos e patologias existentes; ademais (alínea e)), a chamada do taqueiro não foi promovida para que este solucionasse a causa da humidade que afectava os pavimentos e outras carpintarias, pois como por ele referido as reparações que ele teria de fazer no piso flutuante e carpintarias impunham a prévia solução das humidades e infiltrações, - que os réus se não recusaram, após a missiva de 6/05/2021, a permitir à autora aceder ao prédio e que deram resposta a tal missiva, resulta evidente ponderando (o que aliás resulta provado) que após a referida comunicação foi agendada reunião na casa para 11/05 - o legal representante da autora admitiu nas suas declarações de parte que o réu o contactou posteriormente, quer por telefone quer por correio electrónico (veja-se a comunicação de correio electrónico de 7/05/2021, junta com a petição), agendando reunião na moradia com a finalidade de se proceder à verificação dos defeitos; justificado, pois, se julgue não provada a matéria das alíneas c) e f) dos factos não provados. Improcedente, pois, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto deduzida pela apelante. C. Do mérito da causa – a inexecução do contrato. C.1 Do mérito da causa – o incumprimento do contrato por causa imputável aos réus. Sustenta a autora apelante que os réus nunca quiseram cumprir o contrato promessa, traçando cenário artificial de incumprimento que a si (autora) imputam e que lhes permite a quebra do vínculo contratual sem se responsabilizarem por isso (criam um cenário de casa ‘em ruínas’ que não corresponde à realidade – não sofre a casa prometida vender de patologias estruturais) – alega que os réus não apresentaram qualquer reclamação legítima, antes executaram plano ‘para legitimar a fuga à obrigação de comprar o imóvel prometido’ e por isso se tem de concluir terem sido eles a incumprir o contrato, assistindo-lhe por isso o direito à execução específica do contrato (e por contraponto devendo negar-se aos réus o direito a resolver o contrato e a haver a restituição do sinal em dobro). Manifesta a inconcludência da alegação. Tendo a obrigação por fonte contrato bilateral, a inexecução da prestação faculta ao contraente não inadimplente o direito à acção de cumprimento e à execução da obrigação ou, mesmo, o direito à resolução (art. 801, nº 1 e 2 do CC). Nos modos de inexecução da obrigação há uma primeira distinção capital a estabelecer, consoante a prestação se atrasa ou se torna definitivamente impossível. Na primeira hipótese, chegado o vencimento o devedor não cumpre mas a prestação poderá ainda ser realizada com interesse para o credor, podendo vir a ser executada mais tarde (a prestação continua a ser materialmente possível e o credor continua a ter interesse nela); na segunda hipótese, a prestação impossibilita-se de vez, tornando-se, em definitivo, irrealizável[22]. Ocorre esta última hipótese quando a prestação, sendo inicialmente realizável, se impossibilita subsequentemente, em termos definitivos, ficando o devedor impedido de cumprir a prestação, bem como nos casos em que a prestação, em consequência do retardamento, deixa de ter utilidade para o credor[23]. O incumprimento definitivo abrange os casos de impossibilidade da prestação, seja porque esta se torna absolutamente inviável (jurídica ou materialmente), seja porque a probabilidade da sua realização se torna extremamente improvável (por não depender exclusivamente da vontade do devedor), seja porque o devedor manifesta perante o credor o propósito de não cumprir (declaração antecipada de não cumprimento), seja porque, em consequência do retardamento culposo da prestação por um dos contraentes, o outro perde, objectivamente, o interesse na realização da prestação. A par da impossibilidade (total ou parcial) e da mora, outra categoria integra a hipótese de incumprimento (lato senso), qual seja a do cumprimento defeituoso ou cumprimento imperfeito[24] - cumprimento inexacto (violação contratual positiva[25]) que se verifica sempre que a prestação efectuada ‘não tem os requisitos idóneos a fazê-la coincidir com o conteúdo do programa obrigacional, tal qual este resulta do contrato e do princípio geral da correcção e boa fé negocial’, podendo traduzir-se em inexactidão qualitativa, que consubstancia um vício ou falta de qualidade da mesma, podendo o credor, sendo-lhe oferecida recusar a prestação e exigir uma prestação exacta[26]. Mais do que ponderar que o regime geral do cumprimento defeituoso merece a observância do art. 802º do CC (para lá das regras dos contratos especiais – empreitada, compra e venda, e até locação)[27], interessa atentar que, constituindo uma violação positiva do dever de prestar, o incumprimento defeituoso faculta ao credor o direito a recusar a prestação que lhe seja oferecida quando, apreciando objectivamente a situação, seja de concluir, à luz da boa fé, que não a mesma se apresenta idónea e apta a satisfazer o seu interesse. O contrato promessa é um contrato bilateral ou sinalagmático, já que dele nascem obrigações para ambas as partes, obrigações que se encontram unidas por vínculo de reciprocidade, enquadrável por isso na previsão do nº 2 do art. 801º do CC. Não está em causa na presente apelação apreciar do incumprimento definitivo do contrato por superveniente impossibilidade material ou jurídica da prestação ou por superveniente improbabilidade manifesta ou patente da sua realização – a prestação é material e juridicamente possível, não revelando a matéria provada que a qualquer das partes se tenha tornado altamente improvável a possibilidade de a realizar. Não pode também considerar-se que dos factos provados resulte que os réus apelados tenham manifestado perante a autora apelante o inequívoco propósito de não cumprir a prestação (e isto é apreciado ponderando não a pretensão formulada pela apelante em via de acção, mas antes o alegado enquanto defesa à pretensão reconvencional) – como já acima se referiu, nas situações de não cumprimento definitivo devem incluir-se os casos em que, sendo ainda a prestação objectivamente realizável com interesse para o credor, o devedor manifesta perante este o propósito de não cumprir ou demonstra, de forma inequívoca, que não realizará a prestação. Da matéria de facto não pode concluir-se qualquer declaração dos réus apelantes dirigida à autora apelada recusando, de modo inequívoco, peremptório, categórico e definitivo, a prestação a seu cargo (a celebração do contrato prometido) ou dando nota da impossibilidade de a realizar, tão pouco se podendo concluir, conjugando toda a matéria de facto apurada, pela verificação de declaração tácita nesse sentido (ou seja, que os réus tenham observado comportamento que signifique uma inequívoca e consciente manifestação de não cumprimento definitivo – o que a matéria de facto tão só permite concluir é que os réus manifestavam perante a autora o propósito de só celebrar o contrato definitivo depois de eliminadas/reparadas as patologias verificadas na moradia objecto do contrato e que impediam que a mesma fosse fruída em condições de salubridade e conforto, apresentando até riscos para a saúde de quem a habitasse). Tal recusa de celebração da escritura sem que as patologias existentes na moradia fossem eliminadas/reparadas mais não significa do que uma exigência de pontual cumprimento do contrato por parte da contraparte – não traduz nem indicia (em termos de lógica e racionalidade, considerando a posição dum declaratário normalmente sagaz e diligente – art. 236º do CC –, norteado pelo proceder correcto e honesto, de boa fé) qualquer manifestação de recusa (do propósito de não cumprir) por parte dos réus apelados, antes a afirmação de que não estavam a aceitar (e justificadamente) o cumprimento defeituoso ou imperfeito que a autora apelante, como correspectivo sinalagmático, se propunha oferecer e prestar. A prestação a cargo da autora apelante consistia na celebração do contrato prometido – na celebração da compra e venda –, cujo efeito essencial, para lá da transmissão da propriedade da coisa, é a entrega da coisa (veja-se o art. 879º, a) e b) do CC) – e não podendo a autora entregar a ‘coisa’ nos concretos termos a que se vinculara, sem defeitos (mormente sem os defeitos que, como ponderado, impediam a sua fruição em condições de salubridade e conforto, apresentando mesmo riscos para a saúde dos ocupantes), era inexigível aos réus a aceitação duma tal defeituosa prestação. Não estando a autora, promitente vendedora, em condições de cumprir o contrato pontualmente, como legalmente imposto (art. 406º, nº 1 do CC – cumprimento pontual que significa, para lá de tempestivo, cumprimento sem vício, de forma a satisfazer integralmente o interesse do credor, como decorre do princípio geral estabelecido no art. 762º do CC), não pode impor-se aos promitentes compradores, réus, o dever de aceitar a prestação defeituosa – no contrato promessa, por força do regime da equiparação (art. 410º, nº 1 do CC), aplica-se o regime geral dos contratos[28] e, por isso, é de reconhecer ao credor (como acima dito) o direito de recusar prestação defeituosa (não se podia exigir que os réus aceitassem da autora a transferência da propriedade da moradia e a sua entrega com defeitos para exercer depois, contra a autora, os direitos que a lei, atendendo a eles, confere ao comprador). A autora, promitente compradora, oferecia aos réus, promitentes compradores, prestação defeituosa, inexacta, inidónea a satisfazer os seus interesses, não sendo exigível aos réus que a aceitassem - tratava-se de moradia destinada a habitação que não tinha condições de salubridade e conforto e que, face aos defeitos que apresentava, criava riscos para a saúde de quem a habitasse. Justificado, pois, que os réus, promitentes compradores, recusassem a prestação da autora, promitente vendedora – a coisa cujo direito de propriedade se propunha para eles transferir (e entregar-lhes) tinha defeitos tal que a tornavam imprestável para habitar (que é a finalidade duma moradia). De afastar, também, valorizando a matéria provada, que os réus apelados nunca tenham querido, efectivamente, cumprir o contrato, que tenham traçado estratégia para se desvincularem do adstrição contratual sem que qualquer responsabilidade lhes fosse assacada (conclusões LXVª e LXVIª), que tenham sido eles a destruir intencionalmente elementos da habitação, criando e fabricando, fria e calculadamente, uma versão de ‘casa em ruínas’ desconforme à realidade, tudo na execução de plano desenhado pra legitimar à fuga à sua obrigação de comprar o imóvel (conclusões LXVIIª e LXIXª) – o que a matéria de facto revela, é tão só, que a autora se propunha oferecer aos réus prestação defeituosa, insuspcetível de satisfazer o seu direito, sendo inexigível aos réus a sua aceitação. Do que se diz conclui-se que não só não houve incumprimento definitivo (mormente na modalidade de recusa da prestação) imputável aos réus, como ainda que a eles não é imputável qualquer retardamento da prestação, ou seja, atraso na outorga do contrato definitivo – a recusa de outorga do contrato definitivo era, ponderando a factualidade, justificada. De recusar, pois, que à autora assista o direito à execução específica do contrato (art. 830º do CC) – não se verifica qualquer inexecução contratual imputável (censurável) aos réus. C.2 Do mérito da causa – o incumprimento do contrato por causa imputável à autora. De reconhecer, antes, o direito dos réus à resolução do contrato e a haver a restituição do sinal em dobro (2ª parte do nº 2 do art. 442º do CC). Não tendo as partes pactuado, através da lex contractus, a resolução convencional (não estabeleceram, por acordo, qualquer cláusula resolutiva), interessa a resolução com fundamento na lei. A resolução opera a extinção das relações obrigacionais – destrói a relação contratual (validamente constituída), sendo operada por um dos contraentes, com base num facto posterior à celebração do contrato[29]; tem lugar em situações de variada natureza, resultando, não de um vício da formação do contrato, mas dum facto posterior à sua celebração, normalmente um facto que vem iludir a legítima expectativa duma parte contratante[30]. A resolução dos negócios jurídicos está prevista na lei para as situações de impossibilidade definitiva da prestação (art. 801º do CC) e bem assim para os casos previstos no art. 808º do CC. As situações de mora ou de retardamento da prestação não geram direito à resolução – apenas as situações de incumprimento (incluindo as situações de recusa da prestação) ou situações de mora convertidas em incumprimento definitivo. Depois de em 12/04/2021 agendar (para 29/04/2021), em cartório notarial, a realização de escritura para outorgarem o contrato definitivo (e quando os réus já lhe haviam comunicado as várias patologias que afectavam a moradia pretendida vender e comprar, solicitando as reparasse – factos 9 a 20 – e quando haviam já saído da moradia cuja utilização fora autorizada pela autora desde finais de Novembro de 2020 por tais patologias impedirem a fruição da casa em condições de salubridade e conforto e implicarem riscos para a saúde dos moradores) e de ver os réus recusarem a outorga da escritura (com fundamento em tal circunstancialismo), foi a autora por eles intimada (por comunicação remetida nesse mesmo dia 29/04/2021) para proceder à eliminação dos vícios e patologias existentes na moradia prometida vender, no prazo peremptório de trinta dias, sob pena de ter por verificado o não cumprimento (facto 32). A autora respondeu a tal comunicação solicitando a entrega das chaves da moradia para proceder à inspecção dos defeitos e resolver qualquer problema de construção que encontrasse, logo advertindo que, não fosse entregue a chave, procederia ao agendamento de nova data celebração da escritura (facto 35). Agendada data para que a autora procedesse à inspecção (e resolvesse os problemas de construção existentes), a autora não compareceu (facto 37), tendo agendado para 23/06/2021 a escritura de compra e venda, que não se realizou por o réu declarar não a outorgar por a moradia não apresentar condições de habitabilidade e salubridade. Comportamento da autora, que mais do que ser valorizável à luz da segunda parte do nº 1 do art. 808º do CC (conversão de mora em incumprimento definitivo[31]) – em que o credor dirige ao devedor em mora interpelação admonitória [interpelação formal dirigida ao devedor moroso e destinada a permitir ao credor por cobro a uma situação de mora perpétua daquele que deve ‘conter três elementos: a) a intimação para o cumprimento; b) a fixação de um termo peremptório para o cumprimento; c) admonição ou a cominação (declaração admonitória) de que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida se não se verificar o cumprimento dentro daquele prazo’[32]] –, ponderando que a autora não iniciou os trabalhos necessários a reparar/eliminar os defeitos no prazo assinalado (que para o efeito teria de ser havido como proporcionado e adequado), se tem de haver como consubstanciando uma verdadeira recusa da prestação (de reparação/eliminação dos defeitos). Alertada para que os réus não outorgavam o contrato definitivo em razão do bem objecto do contrato (uma moradia destinada a habitação) apresentar defeitos que impediam a sua fruição (o estado da moradia acarretava riscos para a saúde de quem a habitasse), que os mesmos pretendiam que os corrigisse eliminasse, tendo-a já intimidado admonitoriamente para tal (eliminação/correcção), a autora, ao invés de se dirigir à moradia para inspecionar os defeitos e iniciar a sua correcção (como também se comprometera), agendou, mais uma vez, escritura para a outorga do contrato definitivo – tal comportamento assume significado declarativo tácito, claro e inequívoco (à luz da teoria da impressão do destinatário – art. 236º do CC), pois qualquer declaratário normal, colocado na posição dos réus, retiraria de tal nova marcação de escritura (após não comparecer para vistoriar a moradia e nela iniciar a correccção dos defeitos, como antes agendado) a manifestação do inequívoco e peremptório propósito de manter o oferecimento da prestação defeituosa e de recusa de reparação/eliminação dos defeitos (e por isso, o definitivo propósito de recusar o oferecimento da prestação devida e que lhe seria exigível, de acordo com a regra do cumprimento pontual e que não podia deixar de saber que os réus recusariam). Recusa antecipada de prestar sem defeito que importa o incumprimento definitivo do contrato promessa, imputável à autora – por força do regime da equiparação, aplicando-se ao contrato promessa o regime geral dos contratos, a oferta de prestar com defeito a coisa objecto do contrato significa não cumprimento e a manifestação de recusa de corrigir/eliminar o defeito importa incumprimento definitivo, que faculta ao credor a resolução do contrato (e, no caso de contrato promessa, à luz da segunda parte do nº 2 do art. 442º do CC, o direito a haver a restituição em dobro do que prestou). De confirmar (ainda que com esta diversa ponderação jurídica), pois, a decisão apelada que reconheceu aos réus apelados a faculdade de resolver o contrato e haveram da autora apelante a restituição do dobro que haviam prestado. D. Do abuso do direito. Alega a apelante (conclusões LXXXVª e seguintes) que os apelados, ao exercerem o direito à resolução do contrato promessa, com devolução em dobro do sinal, actuam em manifesto abuso de direito, nos termos do artigo 334.º do Código Civil – alega que a actuação dos réus contraria e atropela, com escândalo, os princípios da boa fé, da justiça e do equilíbrio contratual, pois celebraram livremente o ‘contrato, ocuparam o imóvel, organizaram festas e viveram nele durante meses, sem pagar qualquer renda’ e ‘apenas quando lhes deixou de ser conveniente o negócio, fabricaram uma narrativa de vícios, procederam à manipulação e destruição do imóvel, expuseram a autora publicamente e invocaram um direito de resolução que eles próprios deslegitimaram pelas suas ações’; através de actuação processualmente estratégica e metodicamente planeada, continua a autora alegando, ‘criaram uma situação de desproporção violenta entre a invocação de um direito (resolução contratual com sinal em dobro) e a sua conduta real e pregressa, contrária a todos os deveres de lealdade e cooperação contratual’, e por isso que a invocação do direito à resolução e, pior, o pedido de devolução em dobro do sinal, ‘constitui um uso desproporcionado, escandaloso e ofensivo da boa-fé, que deve ser neutralizado’ pelo tribunal, constituindo um ‘caso de venire contra factum proprium, modalidade clássica do abuso de direito’, pois ‘passaram meses a usufruir do imóvel, a dar garantias de cumprimento e a promover interações construtivas com a Autora, e só mais tarde invocaram um direito de resolução que contradiz frontalmente a conduta anterior’; alega ainda a autora que ‘confiou nas manifestações e comportamentos dos réus’, investiu, construiu, marcou escrituras, mobilizou técnicos, notificou, insistiu e viu, ‘como recompensa, o imóvel vandalizado e a sua reputação enxovalhada em televisão nacional, numa coreografia mediática cuidadosamente executada’ pelos réus. Conclui dever julgar-se ilegítima e juridicamente inadmissível, com base no artigo 334.º do Código Civil, por manifesto e intolerável abuso de direito, o invocado direito à resolução do contrato e à restituição do sinal em dobro e, no limite e subsidiariamente, reconhecer-se tão só aos réus o direito à restituição do sinal em singelo. Só nas alegações de recurso a autora apelante invoca o abuso do direito. Porém, porque se trata de questão de oficioso conhecimento (o ‘abuso do direito é constatado pelo Tribunal, mesmo quando o interessado não o tenha expressamente mencionado: é, nesse sentido, de conhecimento oficioso’, podendo o tribunal, ‘por si e em qualquer momento, ponderar os valores fundamentais do sistema, que tudo comporta e justifica’)[33], poderá a Relação, apesar de antes não invocada (não suscitada ao tribunal recorrido nem por este apreciada), conhecê-la e apreciá-la, ainda que só com base em matéria alegada, pois que a aplicação do instituto depende de terem sido alegados e provados os competentes pressupostos[34]. A improcedência da arguição é de patente e evidente demonstração. Preliminarmente, importa notar não estar provado (tão pouco essa matéria fora alegada) que hajam sido os réus apelados a destruir e/ou danificar o imóvel ou que hajam enxovalhado a reputação da autora em televisão nacional, em ‘coreografia mediática cuidadosamente executada’. A ponderação da invocada excepção assentará, pois, exclusivamente, como não pode deixar de ser, na matéria provada (para fazer corresponder a decisão à matéria que pode ser ponderada, nos termos do art. 5º do CPC – correspondência entre a sentença e causa de pedir da pretensão e/ou da excepção). A matéria provada contraria, tão singela quanto patentemente, a alegação da autora – o que os factos revelam é que aos réus foi pela autora recusada a prestação pontual a que se encontrava adstrita, pretendendo antes que os mesmos aceitassem prestação defeituosa e inidónea a satisfazer os seus interesses e direitos; não foram os réus, promitentes compradores, quem trouxe à relação contratual qualquer perturbação ou entrave, antes foi a autora quem incumpriu, e censuravelmente, a prestação a que estava adstrita. Não pode aos réus ser apontado qualquer comportamento contraditório que consubstancie violação de qualquer confiança criada legitimamente à autora quanto ao cumprimento do contrato – não tiveram os réus qualquer comportamento que pudesse ter criado na autora a legítima expectativa, à luz da boa fé, de que nas concretas circunstâncias em que as partes vinham dando execução ao relacionamento contratual nunca viriam a exercer o direito a resolver o contrato (e exigir a devolução do presado em dobro) caso os defeitos na moradia não fosse eliminados. Pelo contrário, os réus sempre mantiveram postura clara e constante – não aceitavam a prestação defeituosa da autora, sempre recusando a outorga do contrato definitivo por a moradia prometida vender apresentar anomalias e defeitos que impediam a sua fruição em condições de salubridade e conforto e o seu uso habitacional sem riscos para a saúde. Não pode reconhecer-se, pois, que os apelados actuem com violação da boa fé – à luz da matéria de facto provada, não podia a autora promitente vendedora legitimamente expectar que os réus apelados, confrontados com o seu comportamento revelador do inequívoco propósito de manter o oferecimento da prestação defeituosa (isto é, de querer celebrar a outorga do contrato definitivo de moradia que se apresentava defeituosa), não exercessem o direito à resolução e a haver a restituição do prestado em dobro. De excluir também que os réus apelados excedam, com a pretensão reconvencional deduzida em juízo, os limites impostos: - pelos bons costumes (os bons costumes convocam ‘os ditames da moral pública ou externa que prevalece em certa sociedade e que, salvo quando a lei expressamente a derrogue, é um limite à liberdade de cada um’, repugnando a sua violação ao sentimento ético-jurídico comum, sendo a sanção a nulidade do acto e por conseguinte a irrelevância do exercício do direito[35]; identificados com a moral social dominante, são uma ‘cláusula de receção, através da qual a ordem jurídica recebe no seu seio «o conjunto de regras éticas aceites pelas pessoas honestas, correctas, de boa fé, num dado ambiente e num certo momento»’[36]) – ao sentimento ético-jurídico comum não repugna que os apelados, promitentes compradores, venham exercer o direito à resolução do contrato e à restituição do prestado em dobro, em razão da autora, promitente vendedora, recusar o oferecimento da sua prestação sem defeito, - pelo fim social ou económico do seu direito - o promitente comprador tem o direito a haver prestação sem defeito e, sendo-lhe tal pontual (exacta) prestação recusada, tem o direito a resolver o contrato promessa e a exigir a restituição do prestado em dobro (nenhum excesso, muito menos manifesto, resultando do exercício de tais direitos). Por fim, não pode também afirmar-se, em atenção aos factos provados, que os réus exerçam o seu direito subjectivo para lá do poder de usar dele – no controlo do abuso do direito, em sentido estrito, questiona-se se o direito subjectivo é ou usado de acordo com o modelo existente: se obedeceu aos limites do poder de autodeterminação, designadamente no que toca à função caracterizadora positiva que se implica na ideia de gestão livre dos interesses[37]; o abuso de direito é justamente um abuso porque se utiliza o direito subjectivo para fora do poder de usar dele (situação em que ocorre exercício de direito sem interesse com consequente lesão consciente do interesse de outrem)[38]. Dos factos provados não resulta, minimamente, que exista qualquer falta de correspondência entre a estrutura e a função do direito exercido pelos apelados – o que resulta dos autos é, tão só, uma coincidência entre a estrutura e a função do direito exercido, pois os apelados pretendem ver finda a sua adstrição e vinculação a contrato que a autora recusa cumprir pontualmente (sem defeito) e obter a restituição do valor que a lei estabelece para todos esses casos; não está em causa um exercício de direito sem interesse com lesão consciente do interesse doutrem, antes se verificando correspondência entre o exercício do direito e a função para que o Direito o reconhece e tutela ou, doutro modo, não se vislumbra a distorção ou disrupção que o abuso do direito traduz (o abuso do direito ‘reside na disfuncionalidade de comportamentos jurídico-subjectivos por, embora consentâneos com normas jurídicas, não confluírem no sistema em que estas se integrem’[39]) ou que o caso dos autos constitua situação em que ‘o exercício formalmente correcto das faculdades contidas em certa esfera ou posição’ determinem ‘uma solução jurídica que concretamente contraria os limites do seu reconhecimento e tutela’[40]. Improcede, pois, a arguição. E. Síntese conclusiva. Atento o exposto, improcede o recurso, podendo sintetizar-se a argumentação decisória (nº 7 do art. 663º do CPC) nas seguintes proposições: …………………………… …………………………… …………………………… * DECISÃO * Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível em julgar improcedente a apelação e, em consequência, em confirmar a decisão apelada. Custas da apelação pela apelante. * (por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem) João Ramos Lopes Alberto Taveira Maria Eiró ________________ [1] Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª Edição, p. 53. [2] Cfr., a propósito, o acórdão da Relação de Lisboa de 2/05/2027 (Rijo Ferreira), no sítio www.dgsi.pt, referindo que os ‘prazos para a prática de actos pelos magistrados, designadamente a prolação de sentença, são meramente ordenadores, não implicando o seu desrespeito qualquer preclusão ou invalidade do acto’. [3] Assim, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Parte Geral de Processo de Declaração, 2018, p. 715 e José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 4ª Edição, p. 699. [4] Cfr., a propósito, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código (…), Vol. I, pp. 26 e 21 e 721 a 723 e ss. e Miguel Teixeira de Sousa, em comentários publicados no blog do IPPC (https://blogippc.blogspot.com) em 5/02/2018 a acórdão do STJ de 28/09/2017 e a 28/06/2022 a acórdão da Relação de Lisboa de 2/12/2021. [5] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª Edição, 2018, pp. 597/598. [6] Assim, Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime (Decreto Lei nº 303/07, de 24/08) – 2ª edição revista e actualizada, p. 298. [7] As soluções aventadas na doutrina e/ou na jurisprudência, ou que, em todo o caso, o juiz tenha como dignas de ser consideradas (como admissíveis a uma discussão séria) – Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, p. 188, nota 1 –, isto é, as soluções que a doutrina e a jurisprudência adoptem para a questão (designadamente nos casos em que em torno dela se tenham formado duas ou mais correntes) e também aquelas que sejam compreensivelmente defensáveis, considerando a lei e o direito aplicáveis – Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição revista e actualizada, pp. 417 e 418 –, os (todos os) ‘possíveis enquadramentos jurídicos do objecto da acção’, as ‘possíveis soluções de direito da causa’, as soluções jurídicas (entendimentos e posições) propostas pela doutrina e/ou jurisprudência para resolver a questão suscitada no litígio – Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª Edição, 1987, p. 311 –, as vias de solução possível do litígio, ponderando as correntes doutrinárias e jurisprudenciais formadas em torno dos tipos de questão levantadas pela pretensão deduzida em juízo e excepções invocadas – Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 2001, p. 381. [8] Acórdão da Relação de Coimbra de 14/01/2014 (Henrique Antunes), no sítio www.dgsi.pt. No mesmo sentido, v. g., os acórdãos do STJ de 19/05/2021 (Júlio Gomes) e de 14/07/2021 (Fernando Baptista), no sítio www.dgsi.pt. [9] Cfr., sobre a classificação de factos essenciais, complementares e instrumentais, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código (…), pp. 27 e 29 e Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª Edição, pp. 71 a 74 e in ‘Algumas questões sobre o ónus de alegação e de impugnação em processo civil’, Scientia Iuridica, Tomo LXII, n.º 332, 2013, pp. 396 e 397. [10] P. ex., Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 4ª edição, p. 88; Pedro Romano Martinez, Da Cessação do Contrato, 2ª edição, p. 142 e 143; Nuno Manuel Pinto Oliveira, Estudos Sobre o Não Cumprimento das Obrigações, 2ª edição, pp. 73 e 74. Baptista Machado, na anotação ao Acórdão do S.T.J. de 8/11/1983, na RLJ, Ano 118, p. 332, nota 35, adverte que no conceito de recusa do cumprimento deve compreender-se não só a declaração de não querer cumprir como em geral o comportamento do devedor susceptível de indicar que não quer ou não pode cumprir. [11] Assim também Almeida Costa, Direito das Obrigações, 2009, p. 1049. [12] Nuno Manuel Pinto Oliveira, Estudos (…), p. 73. [13] Cfr., a propósito (factos constitutivos versus factos integradores de excepção), Rita Lynce de Faria, in Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Portuguesa (coordenação de Luís Carvalho Fernandes e José Brandão Proença), nota V ao artigo 342º, p. 812. [14] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª Edição, 2018, p. 290. [15] Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2ª edição revista e actualizada, pp. 283 a 286, Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª edição, p. 227, Abrantes Geraldes, Recursos (…), pp. 286/287, 298 a 303 (maxime 302 e 303) e, por exemplo, os acórdãos do STJ de 8/01/2019 (Ana Paula Boularot), de 25/09/2019 (Ribeiro Cardoso), de 16/12/2020 (Tomé Gomes), de 1/07/2021 (Rosa Tching), de 10/03/2022 (Rosa Tching), de 29/03/2022 (Pedro de Lima Gonçalves), de 28/11/2023 (Jorge Leal), de 17/10/2023 (Ricardo Costa) e de 27/02/2024 (Maria Clara Sottomayor), todos no sítio www.dgsi.pt. [16] Quer dos apontados pelas partes, quer dos que se mostrassem disponíveis nos autos para julgamento na primeira instância (cfr. o citado acórdão do STJ de 17/10/2023 - Ricardo Costa), pois a Relação ‘não está limitada à reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes, devendo atender a todos quantos constem do processo, independentemente da sua proveniência’, sem exclusão ‘sequer de efetuar toda a audição da prova gravada se esta se revelar oportuna para a concreta decisão’ - Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, 2018, Vol. I, p. 796. [17] Helena Cabrita, A Fundamentação de Facto e de Direito na Sentença Cível – I, p. in Balanço do Novo Processo Cível, Formação Contínua, Jurisdição Cível, CEJ, Março de 2016, disponível na página da internet https://cej.justica.gov.pt/E-Books/Direito-Civil-e-Processual-Civil-e-Comercial (consulta em Setembro de 2025). [18] A. Varela, RLJ, Ano 116, p. 339. [19] Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 191. [20] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código (…), Volume 2º, p. 345. [21] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, Código (…), Vol. I, pp. 533/534. [22] Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 6ª edição revista e actualizada, pp. 293 e 294. [23] Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações (…), p. 319. [24] Batista Machado, Pressupostos da Resolução Por Incumprimento, Estudos em Homenagem ao Professor J. J. Teixeira Ribeiro, Boletim da Faculdade de Direito, 1979, II Vol., pp. 343 e 344. [25] A. Varela, Das Obrigações (…), p. 63. [26] Batista Machado, Pressupostos da Resolução Por Incumprimento (…), pp. 386 e 387. [27] Batista Machado, Pressupostos da Resolução Por Incumprimento (…), p. 346. [28] Acórdão do STJ de 19/09/2024 (Fátima Gomes), no sítio www.dgsi (citado na decisão apelada). [29] A. Varela, Das Obrigações (…), p. 265. [30] Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 2ª edição actualizada, 1983, p. 605. [31] Cfr., a propósito desta medida de justa e indispensável tutela do credor de obrigação insatisfeita, permitindo-lhe evitar os danos que lhe adviriam da mora perpétua do devedor (e possibilitando-lhe assim tornar a mora em incumprimento definitivo), A. Varela, R.L.J., Ano 118, pp. 154 e segs. [32] Batista Machado, Pressupostos da Resolução Por Incumprimento (…), pp. 382 e 383. [33] Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I Parte Geral, Tomo IV, 2005, p. 373. Registando que a jurisprudência vem considerando que a existência de situação de exercício abusivo é de conhecimento oficioso, Tatiana Guerra de Almeida, in Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Portuguesa (coordenação de Luís Carvalho Fernandes e José Brandão Proença), p. 786, nota VI ao artigo 334º do CC. [34] Menezes Cordeiro, Tratado (…), p. 373. [35] Orlando de Carvalho, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora (coordenação de Francisco Liberal Fernandes, Maria Raquel Guimarães e Maria Regina Redinha), 3ª Edição, Novembro de 2012, p. 116. [36] Mota Pinto, apud Elsa Vaz de Sequeira, in Comentário ao Código Civil, Parte Geral, (…), p. 694, nota II ao artigo 280º do CC. [37] Orlando de Carvalho, Teoria Geral do Direito Civil (…), p. 118. [38] Orlando de Carvalho, Teoria Geral do Direito Civil (…), p. 127. [39] Menezes Cordeiro, Tratado (…), p. 369. [40] Tatiana Guerra de Almeida, in Comentário ao Código Civil (…), p. 788, nota XIII ao artigo 334º do CC. |