Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2142/22.2T8AGD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RITA ROMEIRA
Descritores: PRESSUPOSTOS DA DESCARATERIZAÇÃO DE ACIDENTE DE TRABALHO
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RP202511262142/22.2T8AGD.P1
Data do Acordão: 11/26/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE. CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO SOCIAL
Área Temática: .
Sumário: I - Invocando a apelante ter um entendimento distinto do que foi levado a cabo pelo Tribunal “a quo”, fundamentado nas mesmas provas apreciadas para proferir a decisão recorrida, isso configura apenas, uma diferente convicção, que não é susceptível de determinar a modificabilidade da decisão de facto pela Relação, nos termos do art. 662º, nº 1, do CPC, se nesta instância não se verificar ter ocorrido erro de julgamento na apreciação daquelas e, consequentemente, não se formar convicção diversa daquela que vem impugnada.
II - Para que se verifique a descaracterização do acidente de trabalho por violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal, nos termos da alínea a) do nº 1 do art. 14, da LAT, é imprescindível que ocorram, cumulativamente, os seguintes requisitos: a) existência de condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal; b) violação dessas condições de segurança pela vítima, através de acto ou omissão; c) que a conduta da vítima seja voluntária, embora não intencional e sem causa justificativa; d) que o acidente seja consequência dessa conduta.
III - A descaracterização do acidente de trabalho constitui facto impeditivo do direito invocado pelo sinistrado, cabendo à entidade responsável o ónus da prova dos factos integrantes de tal descaracterização (art. 342º nº 2 do Código Civil).

(Sumário da responsabilidade da Relatora (nos termos do disposto no art. 663º, nº 7, do CPC)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc nº 2142/22.2T8AGD.P1

Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro Juízo do Trabalho de Águeda

Recorrente: A..., SA

Recorrido: AA

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO

Por não se terem conciliado na fase conciliatória, como decorre do “auto de não conciliação” de 22.01.2024, com o patrocínio do Ministério Público, veio o sinistrado, AA, nascido a ../../1992, casado, marceneiro, residente na Rua ..., em ..., ..., intentar acção especial emergente de acidente de trabalho contra a Ré, A..., SA, com sede na Av. ..., ..., em Lisboa, formulando o pedido de que: “julgando-se provada e procedente a pretensão do Autor, deve a Ré “A..., S.A.” ser condenada a pagar-lhe, por referência à parte da remuneração anual ilíquida que se encontrava transferida para a sua responsabilidade:

- o montante de € 30,00 (trinta euros) que teve de gastar em transportes por três deslocações obrigatórias a este Juízo Central do Trabalho de Águeda para actos do processo, bem como de outros custos de transporte que venha a ter no decurso da fase contenciosa por essa mesma razão;

- no montante de € 6.061,57 (seis mil, sessenta e um euros, e cinquenta e sete cêntimos) pela indemnização do período de Incapacidade Temporária Absoluta de 09/08/2022 a 1570/2023 que lhe foi conferida pela Sra. Dra. Perita Médica;

- a pensão anual, vitalícia e actualizável de € 6.580,80 (seis mil, quinhentos e oitenta euros e oitenta cêntimos), devida a partir de 16/05/2023 (dia seguinte ao da alta clínica), correspondente à Incapacidade Permanente Parcial de 41,5%;

- o subsídio por situações de elevada incapacidade permanente, no montante de € 4.823,52 (quatro mil, oitocentos e vinte e três euros e cinquenta e dois cêntimos) [(30 x 41,5 % (IPP) = 12,45 + 70% = 82,45% /// € 487,52 (1,1 do IAS x 443,20) = € 487,52 x 12 x 82,45 % = € 4.823,25)];

- a manutenção de programa de MFR (continuação de fisioterapia), conforme determinado pela Sra. Dra. Perita Médica;

- juros de mora à taxa legal, vencidos e vincendos, sobre todas as antecedentes prestações, nos termos do artigo 135.º, do Código de Processo de Trabalho, artigo 559.º, n.º 1, do Código Civil e Portaria n.º 291/03, de 8 de Abril.”.

Fundamentou o seu pedido alegando, em síntese, ser trabalhador da B..., Lda, exercendo a actividade de marceneiro, tendo no dia 08.08.2022, quando exercia a sua actividade para aquele empregador, ao cortar pedaços de uma tábua da madeira, esta descaiu para o lado direito e a serra eléctrica circular portátil que tinha na mão direita atingiu o seu pulso esquerdo.

Alega que, o acidente deu-se da seguinte forma: quando cortava uma tábua de madeira de 1,90 x 0,2 cms com uma serra elétrica circular portátil, em 10 pedaços de 19 cms, quando cortava o último pedaço ao meio, tinha na mão direita a serra e na mão esquerda o resto da tábua de madeira, colocou a tábua de madeira numa outra tábua que se encontrava apoiada em dois cavaletes, servindo, desta forma, de “mesa”, a qual tinha um comprimento de cerca de 1,5 metro e 0,5 metro de largura e segurou a tábua com a mão esquerda, a tábua descaiu para o lado direito e a serra que tinha na sua mão direita atingiu no seu pulso esquerdo.

Mais, alega que, em consequência, sofreu lesões que determinaram a sua incapacidade para o trabalho em termos temporários e, uma vez concedida a alta, ficou com sequelas que determinaram que ficasse afectado para o trabalho em termos permanentes.

Por último, alega que, a responsabilidade emergente do presente acidente estava integralmente transferida para a Entidade Seguradora acima indicada, mediante contrato de seguro, titulado pela apólice n.º ...51, a qual, declina toda e qualquer responsabilidade pela reparação do acidente de trabalho em apreço por entender que o Sinistrado não utilizava a máquina conforme as instruções do fabricante.


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Citada a Ré e o Instituto da Segurança Social, I.P., nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1º nº 2 do Decreto-Lei nº 59/89, de 22/02, apenas a R., seguradora, contestou nos termos do articulado junto em 29.02.2024, invoca ocorrer descaracterização do acidente pelo Autor.

Alega que, o sinistro foi da responsabilidade do Autor, que, embora sabedor dos métodos de trabalho e riscos inerentes à máquina que utilizava, não utilizou uma plataforma estável, nem segurou a serra com firmeza e as duas mãos e posicionou os braços de molde a poder resistir ao efeito de “coice” em conformidade com as instruções do manual e a prática usual.

Mais, alega que, fê-lo conformando-se com o risco, omitindo sem causa justificativa o uso de meios adequados e violando as condições estabelecidas e facultadas pelo Empregador ou previstas na lei, termos em que o sinistro se encontra descaracterizado nos termos da al. a) do nº 1 e nº 2 do art. 14º da Lei nº 98/2009 de 04 de Setembro.

Termina que “deve a Ré ser absolvida, com as legais consequências.”.

Requereu a realização de junta médica, apresentando os seguintes quesitos, referentes à pessoa do sinistrado:

1. Digam os Senhores Peritos quais as lesões que o Autor sofreu em consequência do acidente dos autos.

2. Digam os Senhores Peritos se o Sinistrado apresenta sequelas do evento participado nos autos.

3. Digam os Senhores Peritos quais os períodos de incapacidades temporárias atribuídos ao Autor, em que percentagem e em que períodos.

4. Digam os Senhores Peritos se o Autor se encontra afectado de IPP e, em caso afirmativo, em que percentagem e desde que data.

5. Digam os Senhores Peritos se essas sequelas têm repercussão funcional para o exercício da sua actividade profissional? Se sim, quais as actividades laborais que ele pode executar?


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Nos termos do despacho saneador proferido, em 17.04.2024, o Mº Juiz “a quo”, fixou os factos assentes, enunciou o objecto do litígio, traduzido em “Aferir da responsabilidade da Ré A..., SA, por sinistro sofrido pelo Autor e prestações a que tem direito.”, identificou os temas de prova e ordenou o desdobramento do processo e a consequente criação do apenso de fixação da incapacidade.

Naquele, ordenou a realização da perícia colegial, determinando que os Senhores Peritos deverão dar resposta aos seguintes quesitos:

“1. quais as lesões que o Sinistrado sofreu?

2. quais as sequelas que o Sinistrado apresenta?

4. o Sinistrado esteve afectado de incapacidade temporária?

5. qual a sua natureza, período e grau?

6. o Sinistrado ficou afectado de incapacidade permanente?

7. qual o seu grau?

8. o Sinistrado encontra-se impossibilitado de exercer a sua profissão habitual?

9. qual a data da consolidação médico-legal/cura?”.


*

No processo apenso, destinado à fixação da incapacidade para o trabalho, realizada a junta médica, seguindo a posição maioritária dos Srs. Peritos Médicos, considerou-se que o sinistrado ficou afetado de incapacidade temporária absoluta de 09.08.2022 a 16.05.2023 e fixou-se o grau de incapacidade permanente parcial de que o Autor se encontra afectado em 58,14% com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH), desde 17.05.2023 (dia seguinte ao da alta).

Notificado este, as partes nada disseram.


*

Realizada a audiência de julgamento, nos termos documentados nas actas de 06.12.2024, 08.01 e 22.01.2025, foi ordenada a conclusão dos autos e proferida sentença, que terminou com a seguinte decisão:

Em face de todo o exposto, decide-se:

1. absolver a Ré A..., SA da instância quanto ao pedido formulado pelo Autor AA de condenação no pagamento de outros custos de transporte que venha a ter na fase contenciosa do processo por deslocações obrigatórias para actos do processo ao Juízo do Trabalho de Águeda;

2. julgar a presente acção parcialmente procedente e, em consequência:

2.1. declarar que o Autor AA se encontra, em virtude do acidente de trabalho sofrido a que se referem os presentes autos, afectado de uma Incapacidade Permanente Parcial (IPP) de 58,14% com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH) desde 17.05.2023 (dia após a alta);

2.2. condenar a Ré A..., SA no pagamento, ao Autor AA:

- de € 6.083,21 (seis mil e oitenta e três euros e vinte e um cêntimos) a título de indemnização pelo período de incapacidade temporária absoluta (ITA) sofrido;

- a pensão anual e vitalícia de € 6.956,64 (seis mil, novecentos e cinquenta e seis euros e sessenta e quatro cêntimos), devida desde 17.05.2023 (dia seguinte ao da alta), sem prejuízo das legais actualizações;

- de € 5.115,57 (cinco mil, cento e quinze euros e cinquenta e sete cêntimos) a título de subsídio por situações de elevada incapacidade permanente;

- da quantia correspondente ao reembolso, a apurar em sede de incidente de liquidação, de três deslocações (ida e volta) em transportes colectivos aos Serviços do Ministério Público junto do Juízo do Trabalho de Águeda;

- dos juros de mora sobre as prestações pecuniárias supra atribuídas e em atraso, vencidos e vincendos à taxa legal, até integral pagamento;

2.3. na prestação, ao Autor AA, de dois ciclos anuais de fisioterapia, com quinze sessões cada;

2.4. absolver a Ré A..., SA do demais contra si peticionado pelo Autor.


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Custas calculadas provisoriamente (a corrigir em sede de eventual incidente de liquidação) a cargo do Autor na proporção de 5% e da A..., SA na proporção de 95% (n.os 1 e 2 do art. 527º do Código de Processo Civil, aplicável por força da al. a) do nº 2 do art. 1º do Código de Processo do Trabalho), sem prejuízo do apoio judiciário de que o Autor beneficia.

**

Valor processual: € 128.028,59 – art. 120º do Código de Processo do Trabalho e Portaria nº 11/2000 de 13 de Janeiro.

* *

Registe e notifique.”.

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Inconformada a Ré, seguradora, interpôs recurso nos termos das alegações juntas, terminando com as seguintes “CONCLUSÕES

(…)


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Não foram apresentadas contra-alegações.

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O Mº Juiz “a quo” admitiu a apelação, com efeito suspensivo e ordenou a remessa dos autos a esta Relação.

No mesmo despacho pronunciou-se, ainda, dizendo o seguinte: “Não obstante a argumentação do recorrente, não vislumbramos que ao mesmo assista razão relativamente à existência de qualquer contradição ou outra nulidade na sentença proferida.”.


*

O Ex.mo Procurador Geral Adjunto, nos termos do art. 87º nº3, do CPT, emitiu parecer no sentido de que deverá o recurso ser julgado improcedente – mantendo-se a douta sentença recorrida, no essencial, na consideração de que, “a recorrente defende que foi incorretamente julgado como não provado o facto constante da alínea c) dos factos não provados – “c). Quando Autor estava a realizar o corte da tábua, a sua mão esquerda estava na zona de corte” – e entende que deverá ser julgado como provado, daí se retirando as legais consequências no que tange à responsabilidade pelas consequências do acidente.

5. Salvo o devido respeito, afigura-se-nos que a recorrente não tem razão. Com efeito, e como resulta da fundamentação da matéria de facto, o Tribunal “a quo” apreciou livremente toda as provas produzidas nos autos, de acordo com sua livre convicção, conjugada com as regras da experiência comum – como manda, aliás, o art.º 607.º, n.º5, do CPC – e não ficou convencido da prova do referido facto da alínea c), cujo ónus competia à própria recorrente – como bem se escreve na douta sentença recorrida.

O que não pode agora a recorrente é tentar convencer o tribunal da prova daquele facto, através de simples respigos do depoimento de algumas testemunhas, quando a totalidade dos seus depoimentos, conjugados com as demais provas produzidas, já foram objetivamente valorados na sentença ora recorrida!...

Acresce que esta está muito bem fundamentada – de facto e de direito – e não padece de contradição ou qualquer outro vício, designadamente no que tange à matéria de facto provada e sua fundamentação. Diga-se, porém, que o mesmo já não sucederia se fosse considerado como provado o tal facto não provado da alinea c) – impugnado pela recorrente - pois isso brigaria até com os factos provados nos pontos 3. e 4., a saber:

- “3. O Autor tinha a mão direita na serra e a mão esquerda na tábua apoiada em dois cavaletes onde colocou uma tábua com 0,5 m de largura, que servia de “mesa” para a realização da tarefa;

4. Quando chegou ao momento de cortar a tábua de madeira nos dois últimos pedaços, ao segurá-la com a mão esquerda, a tábua descaiu para o lado direito e a serra que tinha na mão direita atingiu o pulso esquerdo, ferindo-o.”

De facto, para além de a recorrente nem sequer esclarecer o que era, ou em que local preciso se situava a tal “zona de corte”, quando o sinistrado segurava a tábua com a mão esquerda, a tábua descaíu para o lado direito e a serra que tinha na mão atingiu o pulso esquerdo do sinistrado, ferindo-o.

Ou seja, o pulso esquerdo do sinistrado foi atingido pela serra devido ao facto de a tábua ter descaído para o lado direito – e, naturalmente ter arrastado nesse movimento a mão esquerda do sinistrado, que a segurava – e não pelo facto de o sinistrado a ter colocado, voluntária ou negligentemente, na alegada “zona de corte”.

6. Por outro lado, mal se percebe o alcance das Conclusões 10., 11. e 12. do recorrente. Nem se compreende como é que o sinistrado estava obrigado (ou deveria) ter pregado (com pregos) a tábua que estava a cortar com a serra à outra tábua que servia de suporte – acabando até por estragar as duas tábuas com os furos dos pregos …

É verdade que a mão do sinistrado não teria sido atingida pela serra se não estivesse na tábua. Tal como não seria atingida se o sinistrado não tivesse usado a serra … ou nem sequer executasse a tarefa que estava a fazer !…

Ora, salvo o devido respeito pelas Conclusões da recorrente, as regras da experiência inculcam no sentido de que o sinistrado tinha que segurar a tábua de madeira com a mão para a poder cortar com a serra circular em pedaços de 19 centímetros.

7. Concluímos, pois, que a prova produzida – conjugada com as regras da experiência da vida - não permite dar como provado o referido facto da alínea c) – nem a recorrente cumpriu o ónus de o provar - considerando-se, assim, definitivamente fixada a facticidade provada e não provada constante dos pontos 2.e 3. da sentença recorrida.


***

8. E quanto à subsunção jurídica dos factos, concordamos com as posições sustentadas e bem fundamentadas na sentença recorrida – que apreciou corretamente as provas produzidas e fez rigorosa aplicação das atinentes normas legais, não merecendo qualquer censura.”.

Notificadas, deste, as partes nada disseram.


*

Cumpridos os vistos, há que apreciar e decidir.

*

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, cfr. art.s 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do art. 87º, nº 1, do Código de Processo do Trabalho, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado.

Assim as questões a apreciar e decidir consistem em saber:

- se o Tribunal “a quo” errou no julgamento da matéria de facto impugnada, ou seja, a al.c) dos factos não provados;

- se deverá ser proferido acórdão a alterar a decisão, declarando a descaracterização do acidente nos termos do n.º 1 do art.º 14º da LAT, como defende a recorrente.


*


II - FUNDAMENTAÇÃO

B) OS FACTOS

A 1ª instância, considerou o seguinte:

Factos Provados.

1. O Autor AA, por convénio que vigorava no dia 08.08.2022, exercia sua actividade sob a autoridade, direcção e fiscalização da B..., Lda, com a categoria de trabalhador não qualificado da construção de edifícios, recebendo, em contrapartida, € 11.288,12 ilíquidos anuais;

2. No dia 08.08.2022, quando no exercício da actividade referida em 1., o Autor estava a cortar uma tábua de madeira de 1,90m x 0,20m em dez pedaços de 192 cm cada e utilizava para o efeito uma serra circular portátil;

3. O Autor tinha a mão direita na serra e a mão esquerda na tábua apoiada em dois cavaletes onde colocou uma tábua com 0,5 m de largura, que servia de “mesa” para a realização da tarefa;

4. Quando chegou ao momento de cortar a tábua de madeira nos dois últimos pedaços, ao segurá-la com a mão esquerda, a tábua descaiu para o lado direito e a serra que tinha na mão direita atingiu o pulso esquerdo, ferindo-o;

5. Por contrato de seguro titulado pela apólice n.º ...51, a B..., Lda transferiu a sua responsabilidade por acidentes de trabalho sofridos pelo Autor para a actual A..., SA, com base na remuneração anual ilíquida de € 11.288,12 – cfr. doc. de fls. 21 e 22, que se dá por integralmente reproduzido;

6. A tábua colocada nos cavaletes era de cor amarela e tinha, pelo menos, 2 m de comprimento e 3 cm de espessura;

7. O Autor, por força do sinistro, sofreu um traumatismo com ferida palmar do punho esquerdo com lesão tendinosa e nervosa, tendo ficado com retracção isquémica de Volkmann, com mais de 50% de perda funcional da mão e extensa limitação da dorsiflexão do punho;

8. O Autor, por força do sinistro, necessita de dois ciclos de fisioterapia por ano, com 15 sessões cada;

9. O Autor, por força do sinistro, deslocou-se aos Serviços do Ministério Público junto do Juízo do Trabalho de Águeda nos dias 13.12.2022, 10.10.2023 e 22.01.2024;

10. A serra circular utilizada pelo Autor era da marca Bosch;

11. Os cavaletes tinham uma altura de 90 cm e estavam sobre chão cimentado;

12. O evento referido em 4. ocorreu cerca das 08h20m, quando, tendo a serra circular ficado presa, o Autor procurou aliviar e efectuar um movimento para trás com vista a soltá-la e voltar a cortar;

13. O Autor, à data do sinistro, laborava com serras circulares há um período em concreto não apurado, mas entre 3 e 4 meses e meio;

14. A tábua que o Autor estava a cortar não se encontrava fixada com pregos à tábua amarela que estava em cima dos cavaletes;

15. O Autor sabia que, para efectuar o corte da tábua, tinha de utilizar uma plataforma estável;

16. Bem como, por assim lhe ter sido transmitido pelo supervisor, BB, que, para proceder ao corte de tábuas de menores dimensões, tinha de as fixar com pregos à superfície de madeira em que as apoiava;

17. Do escrito intitulado “manual – serra circular Bosch GKS 190 Professional” consta, além do mais, que “instruções de segurança para serras circulares – procedimento de corte:

. perigo: mantenha as mãos afastadas da zona de corte e do disco. Mantenha a segunda mão no punho auxiliar ou na carcaça do motor. Se usar ambas as mãos para segurar a serra, estas não poderão ser cortadas pelo disco”.

18. Bem como “causas do efeito de coice e indicações relacionadas.

. o efeito de coice é uma reação súbita a um disco de serra entalado, bloqueado ou desalinhado, causando um levantamento descontrolado da serra e a sua saída da peça de trabalho em direcção ao operador:

. quando o disco é entalado, bloqueado ou desalinhado fortemente pelo corte a fechar, o disco e a reacção do motor acciona a unidade rapidamente para trás, em direcção ao operador;

. se o disco ficar torcido ou desalinhado no corte, os dentes do chanfro posterior do disco podem entrar na superfície superior da madeira fazendo com que o disco suba para fora do corte e salte para trás, em direcção ao operador;

O efeito de coice é o resultado de uma utilização abusiva e/ou em condições ou procedimentos incorrectos de utilização da serra e pode ser evitado tomando as precauções indicadas abaixo.

Segure a serra com ambas as mãos e posicione os braços de forma a poder resistir ao efeito de coice. Posicione o seu corpo de qualquer lado do disco, mas não em linha com este. O efeito de coice pode fazer com que a serra salte para trás, mas as forças do efeito de coice podem ser controladas pelo operador se forem tomadas as devidas precauções.

Quando o disco esta bloqueado ou se interromper um corte por qualquer motivo, solte o botão e mantenha a serra imóvel até que o disco para por completo.

Nunca tente retirar a serra para trás enquanto o disco estiver em funcionamento caso contrário pode ocorrer o efeito de coice. Investigue e tome as medidas necessárias para eliminar a causa do bloqueio do disco” – cfr. doc. de fls. 87 e ss., que se dá por integralmente reproduzido;

19. AA nasceu no dia ../../1992;

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20. O Autor esteve afectado de incapacidade temporária absoluta (ITA) de 09.08.2022 a 16.05.2023 e encontra-se afectado com uma incapacidade permanente parcial (IPP) para o trabalho de 58,14% com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH) desde 17.05.2023 (dia seguinte ao da alta) – cfr. decisão de fls. 6 do Apenso A, que se dá por integralmente reproduzida;

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- Factos não provados

Com relevo para a decisão da causa não está provado que:

a). O Autor despendeu € 30,00 nas deslocações referidas em 9., que fez em viatura particular por inexistirem transportes públicos com horários compatíveis;

b). A serra referida em 2. era do modelo GKS 190;

c). Quando Autor estava a realizar o corte da tábua, a sua mão esquerda estava na zona de corte;

d). O Autor sabia que, para proceder ao corte da tábua, tinha de segurar a serra circular com firmeza com ambas as mãos e posicionar os braços de forma a poder resistir ao efeito de coice;

e). Era prática usual utilizar a serra circular mediante a utilização de ambas as mãos a segurar a serra circular;

f). A tábua a cortar não podia ser fixada à tábua de cor amarela.”.

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B) O Direito

Previamente, a iniciarmos a apreciação das questões supra indicadas, importa referir a propósito do que invoca a recorrente, dizendo: “Ora, da leitura da sentença proferida há uma clara contradição entre o fundamentado em fls. 21 e 22., isto é, não se percebe como é que o Tribunal a quo, coloca em causa até “o momento” em que se efectuou o corte, uma vez que é matéria assente nos presentes autos!!!”, na conclusão 15 da sua alegação e nesta que, “…pese embora o Tribunal a quo, não tenha dado como provado o facto de o Autor ter a sua mão na zona de corte – porém não fundamenta com base em que tal facto não fora considerado - em boa verdade, tal não poderá proceder.” E ainda que, “Neste seguimento e da leitura da sentença proferida há uma clara contradição, como acima referimos e, não poderemos descurar: 1. “No caso dos autos é certo que a tábua de madeira descaiu para o lado na sequência da movimentação do Autor ao procurar “libertar” a serra. Certo ainda que havia sido transmitida, e o Autor tinha conhecimento, a instrução de segurança no sentido da necessidade de, estando em causa tábuas de menores dimensões, as fixar com pregos à superfície de apoio para fazer o corte. Por sua vez, se a tábua descaiu (isto é, se inclinou ou desviou para fora da posição natural), tudo revela que se inseria no conceito de “tábua de menores dimensões” e carecia, como tal, de ser previamente pregada à superfície de apoio para, ao que se depreende, lhe conferir estabilidade.”

2. “Derradeiramente, não se pode o Tribunal apartar do facto de a tábua ter um comprimento inicial de 1,90m, o que permite concluir que, aquando do sinistro, o Autor tinha efectuado oito cortes, coincidindo o momento do sinistro com o último corte a fazer, momento em si mesmo considerado, seja pela repetição, seja por ser o do corte final, compatível com uma menor reflexão, um aligeirar das cautelas e efectuar um último corte nos mesmos moldes que os anteriores com vista a dar a tarefa como terminada.”, que não se compreende qual a imputação que pretende, a mesma, fazer à sentença recorrida.

No despacho em que admitiu o recurso, o Mº Juiz “a quo” referiu o seguinte: “Não obstante a argumentação do recorrente, não vislumbramos que ao mesmo assista razão relativamente à existência de qualquer contradição ou outra nulidade na sentença proferida.”.

Ora analisando, a argumentação da recorrente, sempre salvaguardando o devido respeito, só podemos concordar com aquele. O recorrente não invoca, qualquer vício da decisão proferida susceptível de configurar nulidade da mesma, não decorrendo da sua argumentação nada mais que não seja a sua discordância com a decisão proferida naquela, o que obviamente não configura nulidade que, diga-se, não invoca.

E sendo desse modo e unânime que a nulidade da sentença não se confunde com eventual erro de julgamento quer de facto, quer de direito, nada há a apreciar, ou seja, tal não configura a invocação de qualquer questão cujo conhecimento seja possível.

Além de que, é pacífico que sendo a nulidade da sentença, ressalvada a que decorra da falta de assinatura (art. 615º, nº 2, do CPC), um vício que não é de conhecimento oficioso (nº 4 do mesmo art. 615º), a alegação precisa dos fundamentos fácticos substanciadores do concreto vício invocado é imprescindível para a delimitação rigorosa dos poderes de cognição do Tribunal “ad quem”, já que este se há-de mover dentro do concreto vício suscitado pela recorrente, ainda que sem prejuízo da liberdade de qualificação jurídica que sempre assiste ao tribunal (art. 5º, nº 3, do mesmo CPC).

Assim, nada há a dizer, face à irrelevância do referido, desacompanhado de qualquer outra arguição, nomeadamente, sobre eventual nulidade da sentença.

Passemos, então, à apreciação das questões colocadas no recurso.

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- Impugnação da Decisão de Facto

Começa a recorrente, por se insurgir contra a decisão de facto proferida pelo Tribunal “a quo”, indicando como “erradamente julgado” o facto dado como não provado no ponto C), alegando que, o Tribunal “a quo’ “deveria ter formado a sua convicção com base na análise critica e global dos depoimentos das testemunhas ouvidas, bem como da prova documental junto aos autos, e das regras da experiência e do senso comum,…”, expressando que em seu entender, “… o que, in casu, não aconteceu.”.

Considera e alega que, “da audição do depoimento/ declarações de parte do Autor e das testemunhas supra identificadas impunha-se ao Tribunal a quo responder de forma diversa ao ponto C) dos factos não provados, porquanto os meios de prova disponíveis permitem alcançar resposta diversa da dada à matéria de facto, … Aliás, sempre se dirá que tal facto, é, na verdade, decorrente e indissociável dos factos dados como provados, o que é facilmente alcançável com recurso à regra da experiência comum.”.

Alegadamente a sua pretensão, relativamente àquele facto, decorre e ficou demonstrada, através das Declarações prestadas, quer na primeira quer na segunda sessão do julgamento, pelo AA, nas concretas passagens dos minutos que indica e transcreve, conjugados com as concretas passagens dos minutos do depoimento e as concretas passagens dos minutos, que indica e, também transcreve (todos de fls. 8 a fls. 18 da sua alegação), do depoimento das testemunhas, CC, BB, DD e da testemunha EE.

Quanto a ter sido omitida, a valoração crítica de todas estas provas, como considera a recorrente, e terem elas a virtualidade de alterarem o que foi decidido, nos termos que aquela alega, dando como provado o facto C), dado como não provado, discorda o Ministério Público dando parecer que, em seu entender, a decisão da matéria de facto não merece censura devendo, antes, ser confirmada, segundo refere porque a prova produzida conjugada com as regras da experiência, não permite dar aquele como provado.

*

Ora, pretendendo a recorrente que seja alterada a matéria de facto, a primeira questão que se nos coloca é a de saber se a mesma cumpre os requisitos impostos pela lei processual (art. 640º do CPC (Código de Processo Civil aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, diploma a que pertencerão os demais artigos a seguir referidos, sem outra indicação de origem) “ex vi” do art. 1º, nº 2, al. a) do C.P.Trabalho) para que por este Tribunal “ad quem” seja apreciada a impugnação sobre a decisão do Tribunal “a quo” que fixou a matéria de facto.

Cumprimento de ónus que diga-se, desde já, consideramos foram, satisfatoriamente, cumpridos, não ocorrendo motivo que obste ao conhecimento do recurso, nesta parte.

Assim, quando impugne a decisão relativa à matéria de facto incumbe ao recorrente o cumprimento de diversos ónus, sobre os quais dispõe o art. 640º, nos seguintes termos:

“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

(…)”.

Resulta da análise deste dispositivo que, o legislador concretizou a forma como se processa a impugnação da decisão, sobre a matéria de facto, tendo reforçado, neste novo regime, os ónus de alegação a cargo do recorrente, impondo-lhe que deixe expressa a solução que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação após a reapreciação dos concretos meios de prova que, considera, impõem decisão diversa da recorrida.

Nas palavras de (Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2014, 2ª edição, pág. 133), “O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço dos ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto;”.

Transpondo o exposto para o caso, verifica-se que houve gravação dos depoimentos prestados em audiência e a apelante impugna a decisão da matéria de facto, com indicação dos factos não provados, provados de que discorda, além da indicação dos que considera devem ser aditados à factualidade provada, (indicando a resposta que entende deverá ser dada àqueles), indicando os depoimentos do A. e das testemunhas que considera (testemunhos que identifica no registo áudio e cujos trechos, que considera cruciais e em que funda o recurso, transcreve) conjugados com o relatório, participação e fotografias, juntos na sua contestação como doc. 1.

Em conclusão, resulta das alegações e das respectivas conclusões que, a R./recorrente, em nosso entender, de modo satisfatório, impugna a decisão da matéria de facto dando cumprimento aos ónus impostos pelo art. 640º, nº 1 al.s. a), b) e c). Fazendo referência ao concreto ponto, da matéria de facto dada como não provada, que considera deveria sobre ele ter sido proferida decisão diversa, indicando os elementos probatórios que, considera, devem conduzir à peticionada alteração e ainda as passagens da gravação, que transcreve, em que se funda o recurso, cfr. nº 2 al. a) daquele art. 640º, pelo que, a este propósito, não se verificam, como já dissemos, obstáculos à admissibilidade da reapreciação da decisão proferida pelo Tribunal “a quo”, quanto àquele referido ponto cuja resposta vem impugnada.

Dispõe o art. 662º, nº1, que: “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”.

Decorre deste artigo que, os poderes da Relação sobre o julgamento da matéria de facto, consubstanciado na reapreciação dos meios de prova, foram aumentados no âmbito do actual código de processo civil, veja-se a propósito o comentário tecido por (Teixeira de Sousa ao Ac. do STJ de 24.9.2013 in “Cadernos de Direito Privado”, nº 44, págs. 29 e ss.).

No entanto, sem esquecer, em particular, quando se procede à reapreciação da força probatória dos depoimentos de testemunhas e das partes, de documentos escritos e fotografias, como os que se mostram juntos aos autos, que neste âmbito vigora o princípio da livre apreciação, conforme decorre do disposto nos art.s 396º, 362º, 366º do CC e art.s 466º, nº 3 e 607º, nº5, 1ª parte.

Lembram-se, a este propósito, os ensinamentos que nos foram deixados pelo (Prof. Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado, Vol IV, pág. 569), onde refere que, “…prova…livre, quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei.”.

Impondo-se, por isso, ao julgador o dever de fundamentação das respostas à matéria de facto, seja dos factos provados, seja dos factos não provados, cfr. consta do nº4 daquele art. 607º.

Esta exigência de especificar os fundamentos decisivos para a convicção quanto a toda a matéria de facto é essencial para o Tribunal da Relação, nos casos em que há recurso sobre a decisão da matéria de facto, poder alterar ou confirmar essa decisão.

Apesar disso, cabe à Relação, enquanto tribunal de 2ª instância, reapreciar, não apenas se a convicção expressa pelo tribunal de 1ª instância tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova e os restantes elementos constantes dos autos revelam, mas, também, avaliar e valorar, de acordo com o princípio da livre convicção, toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objecto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento da matéria de facto.

Salienta-se nos (Ac.s do STJ de 24.09.2013 e desta Relação de 05.03.2016, entre outros, in www.dgsi.pt (local da internet onde se encontrarão os demais arestos a seguir citados, sem outra indicação)), que na reapreciação dos meios de prova, a Relação procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção, desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria, com a mesma amplitude de poderes da 1ª instância.

Perante o exposto e tendo nós concluído que devemos conhecer do recurso acerca da decisão proferida sobre a matéria de facto importa, então, analisar se assiste razão à apelante, quanto a esta questão, nos termos por ela pretendidos.

Avancemos, então, com a apreciação concreta do que foi objecto de impugnação no recurso, procedendo a uma análise critica de todas as provas, de modo a formar a nossa convicção, inclusive, com audição de todos os registos gravados, pese embora, a transcrição junta aos autos, daqueles que a apelante considera impunham decisão diversa, uma vez que, também, com base neles, na sua globalidade, o Mº Juiz “a quo” formou a sua convicção.

Uma nota mais, para assinalarmos que se procedeu à audição integral de toda a prova gravada e não apenas, à leitura dos trechos transcritos pela apelante, por se entender útil, para contextualizar aqueles, também antes ou depois dos mesmos, ou seja, a totalidade dos depoimentos que fundamentaram a convicção do Mº Juiz “a quo” para responder, do modo que o fez, à matéria de facto provada e não provada, especificamente, quanto ao ponto dado como não provado, que a apelante discorda.

E, após a análise que efectuámos, dos factos tidos por assentes e de todas as provas produzidas nos autos, com particular atenção àquelas que a apelante entende, terem sido erradamente apreciadas e, impunham decisão diversa, desde já, adiantamos que estamos de acordo com a decisão recorrida, discordando totalmente daquela.

Pois, sempre com o devido respeito, entendemos não lhe assistir razão. Da sua alegação e dos concretos meios probatórios, que considera impunham decisão diversa da recorrida, (em concreto as passagens concretas dos depoimentos que indica) entendendo que deve ser alterada aquela concreta matéria de facto dada por não provada na decisão recorrida, não é o que efectivamente decorre. A pretensão da recorrente assenta, sem dúvida e como o demonstra o que, agora, alega e também defendeu ao longo do julgamento, na crítica que dirige à decisão de facto, traduzida naquela expressão, de que o Tribunal “a quo” (violou as regras da experiência, da ciência e da lógica, na formação da sua convicção, espelhada na resposta que deu à factualidade controvertida, a qual se mostra desconforme com os meios probatórios produzidos) e a convicção (errada, em nosso entender) que a mesma, diz formou quanto a algumas das provas produzidas nos autos, não coincidente com a convicção formada pelo Tribunal “a quo”, atenta a conjugação e análise que foi feita de todas as provas produzidas, a qual não é diversa da nossa.

Efectivamente, após audição e análise de toda a prova, oral e documental produzida nos autos e os demais factos dados como assentes, apreciada em conjunto, contrariamente ao defendido pela recorrente, não formámos uma convicção diversa da recorrida quanto àquele facto impugnado pela mesma.

Sendo que, só no caso de tal ter acontecido é que poderia proceder a sua pretensão, conforme decorre do nº 1 do art. 662º.

Justificando.

O ponto impugnado, dado como não provado respeita, à questão de saber como se deu o sinistro que vitimou o sinistrado, ferindo-o no seu pulso esquerdo que, sem discussão, ocorreu quando “o Autor estava a cortar uma tábua de madeira de 1,90m x 0,20m em dez pedaços de 192 cm cada e utilizava para o efeito uma serra circular portátil; O Autor tinha a mão direita na serra e a mão esquerda na tábua apoiada em dois cavaletes onde colocou uma tábua com 0,5 m de largura, que servia de “mesa” para a realização da tarefa; Quando chegou ao momento de cortar a tábua de madeira nos dois últimos pedaços, ao segurá-la com a mão esquerda, a tábua descaiu para o lado direito e a serra que tinha na mão direita atingiu o pulso esquerdo, ferindo-o;” (factos provados 2, 3 e 4 - não impugnados), e ainda, que, “O evento referido em 4. ocorreu cerca das 08h20m, quando, tendo a serra circular ficado presa, o Autor procurou aliviar e efectuar um movimento para trás com vista a soltá-la e voltar a cortar; (facto provado 12, também, - não impugnado).

Vem, agora, a recorrente, pelas razões que invoca e com fundamento nos meios de prova que indica na sua alegação e conclusões, alegadamente, porque existem “elementos suficientes e objectivos que permitiam dar como provado que o sinistrado estava com a mão na zona de corte”, defender a alteração para provado, do referido ponto c) julgado não provado.

Passemos então, a ver como o Mº Juiz “a quo” fundamentou a sua convicção, quanto a toda a factualidade e, em concreto, as respostas dadas de provados e não provados aos factos, (onde obviamente, se integra o, agora, impugnado, nos seguintes termos que, em síntese, transcrevemos: «Para a decisão da matéria de facto o Tribunal procedeu a uma análise global e criteriosa de toda a prova produzida, que foi interpretada, conjugada e ponderada segundo cânones de razoabilidade, adequação e sempre em observância das regras por que se pauta o processo laboral.

Desde logo houve consenso relativamente à matéria constante dos pontos 1 a 5, que encontrou reflexo, ainda, nos documentos de fls. 21 e 22.

A matéria do ponto 6 foi dada como provada com base nos depoimentos de CC e de BB, colegas do Autor, que depuseram de forma clara e objectiva, relatando os factos com pormenor e de forma encadeada, assumindo especial relevo, no que tange ao comprimento da tábua, o depoimento da última testemunha, atenta a forma segura e assertiva com que depôs neste segmento.

(…)

Houve consenso, de toda a prova produzida, no que tange à matéria do ponto 10.

Quanto ao ponto 11 e no que concerne à altura dos cavaletes, resultou do teor dos depoimentos de CC e de BB, que estiveram entre si em sintonia e conferiram apoio às declarações ao Autor. Já no que se refere ao piso onde os cavaletes assentaram, trata-se de ponto em que o Autor respondeu de forma instintiva e clara, sem que fosse produzida prova em sentido contrário, termos em que mereceu o crédito do Tribunal.

Em relação ao ponto 12, sendo que nenhuma das testemunhas assistiu ao sinistro, foi dado como provado com base nas declarações do próprio Autor, que não apenas teve uma descrição impressiva e pormenorizada, como encontrou apoio, no que se refere ao local onde se encontrava, actividade que levava a cabo e em termos em que foi encontrado, nos depoimentos de CC e de BB.

No que se refere ao ponto 13, na medida em que, neste segmento, o depoimento de BB e as declarações do Autor, ainda que não muito díspares, não foram coincidentes, o Tribunal apenas logrou dar como provado um intervalo de tempo entre 3 e 4 meses e meio.

Houve consenso, de toda a prova produzida, no que tange ao ponto 14.

Em relação ao ponto 15, o Tribunal teve em especial consideração o depoimento de BB, consideradas as explicações por si dadas as funções que exercida e a forma peremptória com que depôs.

Quanto à matéria do ponto 16, na medida em que o depoimento de CC não foi claro nem linear neste segmento e a testemunha DD apenas deu a conhecer os procedimentos instituídos, sem revelar conhecimento da matéria em concreto, foi dada como provada com base no depoimento de BB, que se mostrou seguro e categórico, tratando-se, de resto, de factualidade reconhecida pelo próprio Autor.

Os pontos 17 e 18 resultaram do documento de fls. 87 e ss. e o ponto 19 do documento de fls. 95, não objecto de impugnação.

No que diz respeito à matéria de facto dada como não provada

(…)

A matéria do ponto c) (interpretada no sentido que a mão estava localizada na zona de progressão normal ou regular do corte da serra circular) foi dada como não provada por falta de prova nesse sentido.

Quanto às als. d) e e), trata-se de matéria que resultou infirmada, desde logo, pelo depoimento de CC, que, nesta parte, se mostrou seguro e assertivo, encontrando algum apoio no depoimento de BB e conferindo apoio às declarações do Autor.

Já a matéria da al. f) foi dada como não provada com base nos depoimentos de CC, BB e DD, que estre si estiveram em harmonia, afigurando-se, de resto, plausíveis à luz das regras do normal acontecer.» (sublinhado nossos).

*

Como já referimos supra e decorre das suas alegações, a recorrente discorda desta fundamentação, no essencial, por considerar que das provas produzidas, com particular destaque para “os minutos” que indica e transcreve, “impõem” uma outra convicção e, por isso, não deveria o ponto c) fazer parte do elenco dos factos dados como provados. Pugnando assim, pela alteração da factualidade, dada como provada e da decisão recorrida.

Mas, não tem razão.

Desde logo e, sem necessidade de qualquer referência, ao que foi a nossa convicção, após a análise conjunta que fizemos de todos os meios de prova, (todos sujeitos ao princípio da livre apreciação), testemunhais, documentais e as declarações do A., os considerados pelo Mº Juiz “a quo” e os indicados pela recorrente, importa que se diga o seguinte.

Como se constata, da alegação da recorrente o que, a mesma, está a pôr em causa é a convicção do Tribunal “a quo”, formada com base na análise global e criteriosa da prova produzida, “interpretada, conjugada e ponderada segundo cânones de razoabilidade, adequação e sempre em observância das regras por que se pauta o processo laboral”, mas, fazendo apelo, apenas, à parte, que considera relevante, dos mesmos meios de prova que são referidos na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, para se considerar provada a factualidade que se deu como provada mas, não suficiente para dar como provado aquele ponto c), defende que este resultou provado.

No entanto, descura que o Tribunal “a quo”, além de referir os elementos de prova que foram relevantes para prova de cada um dos grupos de facto que efectua ou para prova ou não prova de cada facto, isoladamente, refere essa prova, na totalidade, além dos trechos que a apelante refere, mas, ainda assim, deixando claro que da conjugação desses concretos depoimentos, que indica, impunha-se que o facto que impugna, fosse dado como provado, querendo significar, com isso, que a prova foi suficiente para se dar àquele como provado.

Nas palavras de, (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1985, pág. 436), para que um facto se considere provado é necessário que, à luz de critérios de razoabilidade, se crie no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto. A prova “assenta na certeza subjectiva da realidade do facto, ou seja, no (alto) grau de probabilidade de verificação do facto, suficiente para as necessidades práticas da vida”.

Essa certeza subjectiva, com alto grau de probabilidade, há-de resultar da conjugação de todos os meios de prova produzidos sobre um mesmo facto, ponderando-se a coerência que exista num determinado sentido e aferindo-se esse resultado convergente em termos de razoabilidade e lógica.

Já, (Manuel de Andrade in Noções Elementares de Processo Civil Coimbra Editora, Coimbra, 1979, pág. 191), dava como definição de “Meio de Prova (instrumento ou fonte de prova”. É todo o elemento (quid) sensível, através do qual, mediante actividade perceptiva ou simplesmente indutiva, o juiz pode, segundo a lei, formar a sua convicção acerca dos factos (afirmações de facto) da causa.”.

Ora, como resulta claramente da fundamentação, o Tribunal “a quo” entendeu que a prova produzida, em concreto, aquelas que refere, não permitiu dar como provado aquele ponto c), ou seja, aquela não foi suficiente para criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto, quanto àquele e não se verifica que tenha ocorrido qualquer erro de julgamento.

Importa lembrar, que face ao que decorre dos pontos dados como provados, em 3, 4 e 12, (factualidade não impugnada) a serra atingiu o pulso esquerdo do A., porque a tábua, (segurada com a mão esquerda daquele), descaiu para o lado direito e a serra que tinha na mão direita atingiu-o. Ou seja, é certo que a sua mão esquerda foi atingida, porque ficou na zona de corte da serra, mas, o que se provou é que tal acontece porque a tábua que segurava descaiu, colocando-o nessa zona e não porque, como se lê naquele ponto c), a sua mão estava na zona de corte, quando estava a realizar o corte da tábua. Que tenha sido deste modo, nenhuma prova foi produzida. Ninguém presenciou o acontecer do acidente e o que foi dito quer pelo A., quer por todas as testemunhas ouvidas não foi de modo a convencer que tenha sido de outro modo que, não seja o que já se mostra assente na factualidade provada e não impugnada. Factualidade que, sempre com o devido respeito, como deixámos exposto, não permite afirmar aquele, ao contrário do que alega a recorrente, em concreto, na conclusão 7.

Logo, sendo desse modo e atento o que se deixou dito, só nos resta dizer que não é, pois, a invocação dos mesmos meios de prova, nomeadamente, os trechos considerados pela recorrente, que constituem fundamento bastante para sustentar a pretendida alteração. Ou seja, dar-se aquele como provado. Acrescendo que, ainda, que não fosse desse modo, como já dissemos, não ocorre, nem aponta a Ré qualquer erro na apreciação das provas que foram produzidas nos autos (todas elas, provas sujeitas à livre apreciação do julgador), limitando-se, genericamente, a dizer que, quanto à realidade factual, a sentença recorrida “padece de manifesto erro de julgamento”, tudo seguido pela sua afirmada convicção de que, a alteração quanto àquele ponto de facto, que impugna, “se impõe”, face aos concretos meios de prova que indica, o que revela, apenas, discordância com a convicção que o Mº Juiz “a quo” firmou, com base na globalidade e apreciação conjunta de todas as provas produzidas nos autos e que a recorrente considera não é a correcta, indicando como fundamento da sua alegada convicção, apenas, partes das mesmas provas que fundamentaram a convicção expressa na decisão recorrida e, especificamente, alguns trechos das declarações e dos depoimentos que identifica, transcreve e faz a interpretação do que delas decorre, no sentido que em seu entender é o correcto.

No entanto, da análise que fizemos de todas as provas produzidas nos autos, consideradas pelo Tribunal “a quo” quanto ao facto impugnado que, conjugadamente apreciámos, só podemos dizer que a prova produzida não sustenta a alegada convicção da Ré, o que é, claramente, evidente da simples leitura dos trechos dos depoimentos que transcreve.

Ao contrário do que defende, é nossa convicção que o Tribunal “a quo” fundamentou e bem a decisão de facto, não se verificando qualquer contradição, na fundamentação, quanto ao facto que se mostra impugnado, no sentido em que foi decidido e nenhuma prova foi produzida nos autos, susceptível de impor a sua alteração nos termos sugeridos. Sem dúvida, face ao que decorre do teor dos documentos e fotografias juntas aos autos, das declarações do A. e depoimentos de todas as testemunhas, conjugados com os demais factos que se apuraram e não foram objecto de impugnação, a nossa convicção não é diversa da expressa na decisão recorrida. Com o devido respeito, apenas, na convicção da recorrente, poderá ser considerado daquele modo.

Razão porque, consideramos, que aquele ponto c) (dado como não provado) só pode manter-se no elenco dos factos não provados, nos termos que o foi na decisão recorrida, não se vislumbrando qualquer erro na apreciação das provas, nem indicando a recorrente qualquer outra que impusesse decisão diversa.

Pois, a nós, as provas produzidas, em concreto, as que invoca a recorrente, não permitem, muito menos com a necessária segurança, infirmar a resposta que consta daquele.

Ou seja, em nossa convicção, ao contrário do que a Ré sustenta, da interpretação integrada e conjugada das provas produzidas, quanto àquele ponto, não resulta que esteja incorrecta a decisão proferida. As provas, não têm a virtualidade, por si só, de convencer do modo que a Ré pretende. Assim, não se convenceu o Mº Juiz “a quo” e, também, não nos convencemos nós.

Sem dúvida, o que este Tribunal ouviu, observou e leu, em particular, nos trechos dos depoimentos transcritos, não tem a virtualidade de firmar em nós a alegada convicção da recorrente ou firmar convicção diversa da recorrida.

Em suma, a pretensão da recorrente não pode ser acolhida, já que é nossa convicção que não tem ela outro fundamento que não seja a sua própria convicção, evidentemente, diversa da que foi a livre convicção do Mº Juiz julgador.

Improcede, assim, totalmente a questão da impugnação da decisão de facto.

*

Fixada que está, definitivamente, a matéria de facto provada, precisamente nos termos considerados na decisão recorrida e supra transcritos, analisemos as questões colocadas pela recorrente, no que toca à decisão de direito, ou seja, saber se o Sinistrado, sem causa justificativa, adoptou o comportamento definido e previsto no disposto na al. a) do n.º 1 do artigo 14.º da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro.

Sem qualquer discussão está a questão do regime legal aplicável, ou seja, o CT de 2009, aprovado pela Lei 7/2009 de 12/2 e o “Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais”, aprovado pela Lei nº 98/2009, de 4/09, (também designada LAT, entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2010 e aplicável, apenas, aos acidentes ocorridos após a sua entrada em vigor, cfr. art.s 187º, nº 1 e 188º e a que pertencerão os artigos a seguir referidos sem outra indicação de origem), atenta a data (08.08.2022) em que ocorreu o acidente em causa.

Não se discute, também, que o sinistrado foi vítima de um acidente de trabalho, naquele dia, que ocorreu quando no exercício da actividade de trabalhador não qualificado da construção de edifícios, trabalhava para B..., Lda, o Autor estava a cortar uma tábua de madeira de 1,90m x 0,20m em dez pedaços de 192 cm cada e utilizava para o efeito uma serra circular portátil. O Autor tinha a mão direita na serra e a mão esquerda na tábua apoiada em dois cavaletes onde colocou uma tábua com 0,5 m de largura, que servia de “mesa” para a realização da tarefa e quando chegou ao momento de cortar a tábua de madeira nos dois últimos pedaços, ao segurá-la com a mão esquerda, a tábua descaiu para o lado direito e a serra que tinha na mão direita atingiu o pulso esquerdo, ferindo-o.

Passemos, então, tendo em conta aquela factualidade, definitivamente assente nesta sede, à análise da invocada questão da “descaracterização do acidente” que, a recorrente, com base nos argumentos que refere nas suas alegações e conclusões, defende ocorrer.

Mas, podemos adiantar, desde já, sem razão.

Pois, sempre com o devido respeito por diversa opinião, em nosso entender não logrou a Ré/recorrente demonstrar nos autos, toda a factualidade necessária para que o acidente possa ser julgado descaracterizado, nos termos pretendidos pela mesma, a quem competia provar a matéria de facto impeditiva do direito do A./recorrido e da responsabilidade daquela.

Senão, vejamos.

- Da descaracterização do acidente – art. 14º, nº1, da Lei nº98/2009 de 04.09.

O Mº Juiz “a quo”, com base na jurisprudência e doutrina que invoca, concluiu que o acidente que vitimou o sinistrado é reparável por não se verificar a situação prevista no art. 14º, nº1 e, em consequência, decidiu assistir ao A. o direito de ser ressarcido dos danos sofridos, em consequência, do evento participado, com os seguintes fundamentos que, em síntese, se transcrevem: «(...).

Foi ao serrar esta tábua, quando apenas havia por cortar os dois últimos pedaços (teria, assim, cerca de 38 cm de comprimento), que a serra ficou presa e o Autor, ao aliviar e efectuar um movimento para trás com vista a soltá-la, levou a que a tábua descaísse para o lado e fosse atingido no pulso esquerdo.

Embora não tendo resultado qual o concreto modelo de serra circular utilizado, ficou já provado que o Autor sabia que para efectuar o corte da tábua tinha de utilizar uma plataforma estável e, estando em causa tábuas de menores dimensões, tinha de as fixar com pregos à superfície de madeira em que as apoiava.

Não se afigurando, face às características descritas, que a superfície de apoio do corte (a “mesa” formada por cavaletes) não apresentasse estabilidade suficiente, a questão prende-se com a forma como o Autor estava a fazer o corte.

(…).

No caso dos autos é certo que a tábua de madeira descaiu para o lado na sequência da movimentação do Autor ao procurar “libertar” a serra.

Certo ainda que havia sido transmitida, e o Autor tinha conhecimento, a instrução de segurança no sentido da necessidade de, estando em causa tábuas de menores dimensões, as fixar com pregos à superfície de apoio para fazer o corte.

Por sua vez, se a tábua descaiu (isto é, se inclinou ou desviou para fora da posição natural), tudo revela que se inseria no conceito de “tábua de menores dimensões” e carecia, como tal, de ser previamente pregada à superfície de apoio para, ao que se depreende, lhe conferir estabilidade.

Sucede que, à luz da demais factualidade dada como provada, não se afigura como inelutável concluir que o Autor tivesse essa noção.

Em primeiro lugar, importa levar em ponderação que o Autor, que tinha a categoria de trabalhador não qualificado da construção civil (não era, assim, carpinteiro de limpos, carpinteiro de toscos ou cofragem, ou outro) e se tinha entre três a quatro meses e meio de experiência com a utilização de serras circulares, não se apurou, nem a matéria de facto dada como provada permite concluir, ponderando que a construção civil envolve um vasto conjunto de tarefas, qual a concreta frequência com que o fazia.

Em segundo lugar, a tábua em causa tinha um comprimento de cerca de 38 cm (o remanescente, portanto, face aos cortes anteriores), comprimento, assim, superior (para usar como termo de comparação), a uma folha de formato A4, que, consabidamente, tem 29,7 cm de altura.

É certo que que pelo menos 19 cm (metade do seu comprimento) tinham de estar fora da “mesa” que constituía a superfície de apoio, termos em que, nesta, apenas sobravam cerca de (outros) 19 cm.

E, por inerência lógica, admite-se que, pousada na superfície de apoio, tivesse necessariamente de ser agarrada, sob pena de a tábua, por via da mera força da gravidade, cair ao chão.

Mas, ainda assim, não se antolha que o Autor tivesse de ter a palma da mão toda em cima da tábua, pois que nada impedia tê-la mais na zona do início da tábua (extremidade oposta à do lado do corte) e, como tal, pelo seu afastamento, na lateral, da zona de corte, conferir uma sensação de segurança.

Derradeiramente, não se pode o Tribunal apartar do facto de a tábua ter um comprimento inicial de 1,90m, o que permite concluir que, aquando do sinistro, o Autor tinha efectuado oito cortes, coincidindo o momento do sinistro com o último corte a fazer, momento em si mesmo considerado, seja pela repetição, seja por ser o do corte final, compatível com uma menor reflexão, um aligeirar das cautelas e efectuar um último corte nos mesmos moldes que os anteriores com vista a dar a tarefa como terminada.

Neste contexto, tudo revela que a conduta do Autor se ancorou num excesso de confiança, decorrente da efectuação de oito cortes anteriores e à luz da dimensão do remanescente da tábua, não se encontrando afirmada uma culpa cuja gravidade leve à afirmação da ausência de uma causa justificativa.

Consequentemente, encontra-se arredada a hipótese de preenchimento da segunda parte da al. a) do nº 1 do art. 14º da Lei nº 98/2009, não se encontrando descaracterizado o acidente de trabalho.

(…).» (Fim de citação).

*

Desta decisão discorda a recorrente e invoca a falta de razão do Tribunal “a quo”, no que respeita a esta conclusão, defendendo e argumentando, em síntese, o seguinte: “(…),

Toda a prova produzida em sede de audiência e julgamento foi inequívoca no sentido de demonstrar que o Sinistrado, sem causa justificativa, adoptou o comportamento definido e previsto no disposto na al. a) do n.º 1 do artigo 14.º da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro.

Por sua vez, a Recorrente cumpriu o ónus de provar os elementos integradores da invocada descaracterização do acidente, nos termos do artigo 342.º n.º 2 do Código Civil, e que são impeditivos do direito à reparação que a Lei confere ao Sinistrado.

Contrariamente ao decidido pelo douto Tribunal a quo, salvo melhor opinião, a Lei não faz depender a descaracterização do acidente com fundamento na violação das regras de segurança, previsto na al. a) do n.º 1 do artigo 14.º da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro, na intensidade com que a violação é praticada pelo Sinistrado, bastando que a mesma tenha ocorrido sem causa justificativa.

(…).

Daí que esteja em causa uma negligência consciente que, por isso mesmo, já assume gravidade suficiente para justificar a descaraterização do acidente de trabalho.

Caso assim não se entenda, o que não se concebe, sempre se dirá, a violação das condições de segurança pelo Sinistrado, sem causa de justificativa, constitui um comportamento que denota já um acentuado grau de negligência, por não estar em causa a simples inobservância dos deveres gerais de cuidado, mas o incumprimento de específicos deveres de diligência estabelecidos e previstos na lei que o Trabalhador está obrigado a implementar.

(…)

In casu, o trabalhador, conhecedor das condições de segurança vigentes e exigíveis por lei, violou-as de forma consciente e injustificada à luz das mais elementares regras de prudência, cuidado e de senso comum, não podendo não pode deixar de ser objecto de um fortíssimo juízo de censura, sendo a sua conduta constitutiva de culpa grave.

Ou seja, não obstante saber que não o devia fazer, decidiu-se o Autor, conscientemente, por tal comportamento temerário de proceder ao corte da ripa de madeira sem tal ajuste prévio, isto é, o pregar na tábua de mesa de trabalho, comportamento este de risco elevado e que não se pode afirmar que resultou da habitualidade ao perigo do trabalho realizado, à confiança na sua experiência profissional ou usos e costumes da profissão, na medida em que o Autor evidenciou que tinha conhecimento dessa necessidade de ajuste e dos inerentes riscos. Posto isto, tal comportamento foi causa exclusiva do acidente.

(…).

Salvo devido respeito, a sentença ora impugnada padece de manifesto erro de julgamento, quer quanto à realidade factual, como quanto à aplicação do direito, devendo ser alterada, nos precisos termos ora invocados.”

Como já dissemos, não tem razão.

Desde logo, há que lembrar que a realidade factual constante da decisão recorrida, não sofreu qualquer alteração nesta sede, ao contrário do que pretendia a recorrente e face à factualidade apurada, não é possível concluir pela descaracterização do acidente.

Senão, vejamos.

Dispõe o art. 14°, da LAT, sob a epígrafe "Descaracterização do acidente" o seguinte: “1 - O empregador não tem de reparar os danos decorrentes do acidente que:

a) For dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu acto ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei;

(…)

2 - Para efeitos do disposto na alínea a) do número anterior, considera-se que existe causa justificativa da violação das condições de segurança se o acidente de trabalho resultar de incumprimento de norma legal ou estabelecida pelo empregador da qual o trabalhador, face ao seu grau de instrução ou de acesso à informação, dificilmente teria conhecimento ou, tendo-o, lhe fosse manifestamente difícil entendê-la.

(…).”.

A propósito dos requisitos previstos na al. a) deste dispositivo, tem o STJ se pronunciado várias vezes, como entre outros (Ac. de 19.11.2014, Proc. 177/10.7TTBJA.E1.S1, Ac. de 26.06.2019, Proc. 763/16.1T8AVR.P1.S1 e o Ac. de 13.10.2021, Proc. 3574/17.3T8LRA.C1.S1, todos in www.dgsi.pt – lugar onde se encontram disponíveis os demais arestos citados, sem outra indicação), seguindo o entendimento, que perfilhamos e, diga-se, acolhemos aqui, de que: “A descaracterização do acidente (de trabalho) prevista na alínea a) do nº1 do artº14º da NLAT (Lei nº98/2009, de 4 de Setembro), exige a conjugação cumulativa dos seguintes requisitos: a existência, por um lado, de condições de segurança e o seu desrespeito por parte do destinatário/trabalhador; em actuação voluntária, embora não intencional, por acção ou omissão, e sem causa justificativa; por outro lado, impõe-se que o acidente seja consequência, em termos de causalidade adequada, dessa conduta”.

Anterior, mas em idêntico sentido, veja-se o (Ac. do STJ de 13.01.1993, Proc. 003383), em cujo sumário se consignou o seguinte: «I - Para que se verifique a descaracterização do acidente de trabalho por violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal, nos termos da alínea a) do n. 1 da Base VI da Lei n. 2127, é imprescindível que ocorram, cumulativamente, os seguintes requisitos: a) existência de condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal; b) violação dessas condições de segurança pela vítima, através de acto ou omissão; c) que a conduta da vítima seja voluntária, embora não intencional e sem causa justificativa; d) que o acidente seja consequência dessa conduta.

II - A descaracterização do acidente de trabalho constitui facto impeditivo do direito invocado pelo sinistrado, cabendo à entidade responsável o ónus da prova dos factos integrantes de tal descaracterização (artigo 342 n. 2 do Código Civil).».

A nível doutrinal, no mesmo sentido, ainda que a propósito da Lei nº 100/97, mas com inteira aplicação à actual legislação, neste caso, (Pedro Romano Martinez in “Direito do Trabalho”, 3.ª Edição, Almedina, 2006, págs. 851 e 852), refere que, “o legislador exige somente que a violação careça de «causa justificativa», pelo que está fora de questão o requisito da negligência grosseira da vítima; a exigência dessa culpa grave encontra-se na alínea seguinte do mesmo preceito. A diferença de formulação constante das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 7.º da LAT (correspondentes às mesmas alíneas do n.º 1 do art. 290.º do CT) tem de acarretar uma interpretação distinta. Por outro lado, há motivos para que o legislador tenha estabelecido regras diversas. Na alínea a) só se exige a falta de causa justificativa, porque atende-se à violação das condições de segurança específicas daquela empresa; por isso, basta que o trabalhador conscientemente viole essas regras.

(...).

Se o trabalhador, conhecendo as condições de segurança vigentes na empresa, as viola conscientemente e, por força disso, sofre um acidente de trabalho, não é de exigir a negligência grosseira do sinistrado nessa violação para excluir a responsabilidade do empregador.”.

Também, a propósito do citado artigo, (FF in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2ª edição, pág. 61) refere ser necessário a verificação, entre outras, das seguintes condições: “ A violação das condições de segurança sem causa justificativa (do ponto de vista do trabalhador), o que passa pelo claro conhecimento do perigo que possa resultar do acto ou omissão” (…) “Deve verificar-se, também, que o acidente seja consequência necessária do acto ou omissão do sinistrado”.

A respeito desta questão, vejam-se os (Acórdãos desta Relação de 03.10.2022, Proc. nº 3003/18.5T8MAI.P1, relatado pelo Desembargador, António Luís Carvalhão e subscrito pelo, agora, 2º Adjunto e de 03.02.2025, Proc. nº 2168/19.3T8MAI.P1, relatado pela, agora, relatora), lendo-se na fundamentação do primeiro que: “É pacífico que o ónus da prova dos factos que importam a descaracterização do acidente incumbe à entidade responsável pela reparação (à entidade empregadora ou à seguradora, esta não por ter assumido a responsabilidade com acidentes do próprio sinistrado mas por ter a responsabilidade da entidade empregadora do sinistrado transferida para si) como facto impeditivo do direito à reparação – art.º 342.º, n.º 2 do Código Civil.

Decorre daqui que, caso não sejam demonstrados factos que concretizem suficientemente os pressupostos da descaracterização do acidente, estaremos perante acidente de trabalho indemnizável”.

E no sumário do segundo que: “V – O ónus de alegação e prova dos factos descaracterizadores do acidente, porque constituem factos impeditivos do direito invocado pelo sinistrado, dado estarem em causa factos diretamente relacionados com a descaracterização do acidente, assumindo ainda a natureza de essencial nesse âmbito, impende sobre a entidade responsável que proceda à sua invocação.

V - Para que se verifique a descaracterização do acidente de trabalho por violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal, nos termos da alínea a) do nº 1 do art. 14, da LAT, é imprescindível que ocorram, cumulativamente, os seguintes requisitos: a) existência de condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal; b) violação dessas condições de segurança pela vítima, através de acto ou omissão; c) que a conduta da vítima seja voluntária, embora não intencional e sem causa justificativa; d) que o acidente seja consequência dessa conduta.

VI - A descaracterização do acidente de trabalho constitui facto impeditivo do direito invocado pelo sinistrado, cabendo à entidade responsável o ónus da prova dos factos integrantes de tal descaracterização (art. 342º nº 2 do Código Civil).”.

Do acabado de referir podemos concluir que só não dá direito à reparação – nos termos da parte final da al. a) do nº1 do artigo 14º da LAT – o acidente que provier de acto ou omissão do sinistrado, “levado a cabo com consciência de que o mesmo – acto ou omissão – é violador das condições de segurança estabelecidas pela entidade empregadora ou previstas na lei, que foi realizado sem qualquer causa justificativa e que o acidente foi consequências necessária de tal acto ou omissão”, cfr. se lê no, (Acórdão do TRC de 26.04.2006 publicado em Acidentes de Trabalho, Jurisprudência, 2000-2007, pág. 121).

Assim, e tudo ponderando, o acidente não dá direito à reparação se ficar provado a) que a conduta do trabalhador/sinistrado foi temerária em alto e relevante grau e não resulte da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional e dos usos e costumes da profissão; b) a exclusividade dessa conduta na produção do acidente; c) o nexo de causalidade entre essa conduta e o acidente.
Posto isto, transpondo o exposto para o caso e tendo em conta a matéria de facto provada, em concreto, a constante dos pontos 14, 15 e 16, onde se lê: [A tábua que o Autor estava a cortar não se encontrava fixada com pregos à tábua amarela que estava em cima dos cavaletes; O Autor sabia que, para efectuar o corte da tábua, tinha de utilizar uma plataforma estável; Bem como, por assim lhe ter sido transmitido pelo supervisor, BB, que, para proceder ao corte de tábuas de menores dimensões, tinha de as fixar com pregos à superfície de madeira em que as apoiava], não podemos deixar de concordar e desde já afirmar que o sinistrado não cumpriu uma regra – a prévia fixação da tábua a cortar à “mesa de trabalho”.
Mas, tal afirmação não nos habilita, sem mais, a afirmar que no caso se verifica a situação prevista naquela al. a) do nº 1 do art. 14º da LAT.
Isto porque não consta da factualidade dada como provada o nexo de causalidade entre a concreta regra de segurança e o acidente.
E tal matéria, no caso, era de toda a relevância posto que, também, foi dado como provado que “12 - O evento referido em 4. ocorreu cerca das 08h20m, quando, tendo a serra circular ficado presa, o Autor procurou aliviar e efectuar um movimento para trás com vista a soltá-la e voltar a cortar;”.
Ou seja, não é possível concluir se, o acidente ocorreu por não observância dos procedimentos referidos em 14, 15 e 16 por parte do sinistrado, ou ocorreu porque a serra circular ficou presa e o sinistrado ao tentar aliviar e efectuar um movimento para trás a serra deu um coice e atingiu o seu pulso (sendo certo que não se provou, conforme al.d), que, “O Autor sabia que, para proceder ao corte da tábua, tinha de segurar a serra circular com firmeza com ambas as mãos e posicionar os braços de forma a poder resistir ao efeito de coice”.).

Em suma: inexistem elementos de facto que permitam concluir pela verificação da situação prevista no art. 14º, nº1, al. a) da LAT.

Assim sendo, não decorrendo da factualidade provada, em termos de causalidade, os elementos de facto que permitam concluir, pela descaracterização do acidente, nos termos invocados pela Ré, sendo que a ela o competia fazer (art. 342º, nº 2 do CC) há que, ainda que com diversa fundamentação, confirmar a decisão recorrida, nos termos em que julgou a acção parcialmente procedente e concluiu pela responsabilidade da recorrente e pelo ressarcimento ao A., quanto às consequências do acidente em análise.

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Improcedem, assim, todas ou são irrelevantes as conclusões da apelação.

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III – DECISÃO

Atento o exposto, acorda-se nesta secção em julgar improcedente o recurso e, em consequência, mantém-se a sentença recorrida.


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Custas pela recorrente.


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Porto, 26 de Novembro de 2025


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O presente acórdão é assinado electronicamente pelas respectivas,

Relatora: (Rita Romeira)

1ª Adjunta: (Teresa Sá Lopes)

2º Adjunto: (Rui Penha)