Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
455/12.0TAMCN.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ CARRETO
Descritores: PROVA TESTEMUNHAL
CERTIDÃO
Nº do Documento: RP20161012455/12.0TAMCN.P1
Data do Acordão: 10/12/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 1024, FLS.72-84)
Área Temática: .
Sumário: I - Nada obsta a que seja junta aos autos certidão da prova testemunhal prestada noutro processo.
II - Porém, tal prova testemunhal só pode ser apreciada e valorada se se cumprirem as exigências previstas nos artºs 356º e 357º, do CPP.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Rec nº 455/12.0TAMCN.P1
TRP 1ª Secção Criminal

Acordam em conferência os juízes no Tribunal da Relação do Porto

No Proc. C.S. nº455/12.0TAMCN do Tribunal da Comarca do Porto Este – Marco de Canaveses – Instância Local – Secção Criminal – J1 foi julgado o arguido B….

Interveio como assistente “C…, Lda.” que deduziu pedido de indemnização cível, pedindo a condenação do arguido/demandado no pagamento da quantia de €8.500,00 (oito mil e quinhentos euros), acrescida dos juros de mora, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento, correspondente ao valor dos prejuízos de ordem patrimonial causados pela conduta do arguido.

Após julgamento por sentença de 18/2/2016 foi proferida a seguinte decisão:
“Nos termos e fundamentos expostos, julgo a pronuncia procedente e, em consequência:
a) Condeno o arguido B… pela prática de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217º, nº 1 e 218º, n.º 1, com referência ao artigo 202º, al. a), todos do Código Penal, na pena de 280 (duzentos e oitenta) dias de multa, à taxa diária de 6,00€ (seis euros), o que perfaz o montante de 1.680,00€;
b) Condeno o arguido no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 3UC e demais encargos com o processo (cfr. art.º 8º, n.º 9 e tabela III do Regulamento das Custas Processuais e art.º 513º e 514º do Código de Processo Penal);
c) Julgo totalmente procedente, por provado, o pedido de indemnização cível e, em consequência, condeno o demandado B… a pagar a C…, Lda.a quantia de €8.500,00 (oito mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora à taxa legal até efectivo e integral pagamento;
d) Custas do pedido cível a cargo do demandado.”

Recorre o arguido o qual no final da sua motivação apresenta as seguintes conclusões:
I - A douta sentença, objeto do presente recurso, não pode manter-se, pois, decidiu em sentido contrário à prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, não consagrando a justa e rigorosa interpretação e aplicação ao caso sub judice das normas legais e dos princípios jurídicos competentes.
II - O presente recurso vem interposto da sentença proferida, em sede de 1a. instância, pelo Tribunal "a quo", que julgou provada a acusação contra o Arguido e, em consequência, condenou-o pela prática de um crime de burla qualificada, p. e p., pelos arts. 217°, n° 1 e 218, n° 1, com referência ao art. 202°, al. a), todos do Código Penal, na pena de 280 (duzentos e oitenta) dias de multa, à taxa diária de €6,00 (seis euros), o que perfaz o montante de € 1.680,00 (mil seiscentos e oitenta euros) e a pagar à Assistente "C…, Lda.", a quantia de € 8.500,00 (oito mil e quinhentos euros).
III - Pela sentença ora recorrida, e com relevância para o presente recurso, foram dados como provados os factos constantes 1 a 16, dos quais a arguida pretende ver alterada a matéria dada como assente nos factos dados como provados nos números 1, 2, 3, 4 ("para pagamento do montante aludido em 3."...), 10 a 16 e como não provados os seguintes factos:
"A) Após a confirmação do estado de manutenção e conservação daquela, F…, propôs adquirir a viatura BMW em troca da máquina retro escavadora que inicialmente o arguido se mostrou interessado em alugar e que posteriormente não alugou;
B) Acertaram as condições finais da permuta entre a retro escavadora de rodas CASE … e série ……… r respectivo balde e o BMW, …, matrícula ..-MI-.., nos seguintes termos: BMW, …, matrícula ..-MI-.. =22.000,00€; Retro escavadora de rodas CASE …., n° de série ……… = 15.000,00 € e o sócio gerente da C…, Lda. entregava a quantia de 7.000,00€ em numerário;
C) O negócio em apreço só não foi titulado de factura porque o sócio gerente da C… exigia que em contrapartida o Arguido lhe emitisse uma factura de prestação de serviço, o que este recusou atenta a sua manifesta ilegalidade fiscal e contabilística."
IV- A convicção do Tribunal quanto à matéria de facto está erradamente alicerçada numa avaliação parcial e deturpada dos depoimentos das testemunhas D…, E… e F….
V- Atenta a prova produzida em audiência de discussão e julgamento, o arguido não se conforma com a douta sentença recorrida, quer quanto à matéria de facto, quer de direito, considerando não ter sido feita a melhor interpretação e aplicação ao caso sub judice das normas legais e princípios jurídicos competentes, daí decorrendo um erro notório na apreciação da prova (art. 410°., n°. 2, al.c) do CPP) e a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão (art. 410°., n° 2, al. b) do CPP);
VI- O arguido vem condenado pela prática do crime de burla qualificada, p. e p., pelos arts. 217°, n° 1 e 218, n° 1, com referência ao art. 202°, al. a), todos do Código Penal, o qual pressupõe que aquele tenha agido com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial elevado.
VII- Atenta aprova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, o Tribunal concluiu que o arguido tinha praticado o crime em apreço, no entanto, afigura- se, que o tribunal não fez uma análise crítica e ponderada sobre os depoimentos das testemunhas e sobre os restantes elementos de prova constantes do processo.
VIII- O princípio da livre apreciação das provas determina que o julgador deve proceder à avaliação e ponderação dos meios de prova sem vinculação a um quadro pré-definido de valoração das provas, mas sujeito às regras da experiência comum, ao dever de dar explicação cabal sobre as razões da relevância atribuídas a cada elemento de prova e sobre o percurso racional que levou à formação da convicção em determinado sentido, o que não terá acontecido no caso sub judice.
XIX- O Tribunal " a quo" dá como provada a existência do contrato de aluguer de fls. 22 a 25, não dando qualquer credibilidade à versão do arguido que havia comprado a máquina retro escavadora CASE …, pela quantia de € 15.200,00, dando em pagamento o veículo automóvel ligeiro de passageiros, marca BMW, matrícula ..-MI-…, ao qual o arguido e a testemunha F…, atribuíram o valor de € 22.000,00, recebendo a diferença de € 6.800,00, em numerário.
X- Porém, o alegado contrato de aluguer junto aos autos a fls. 24 e 34, não está assinado pelo arguido, podendo ter sido preenchido em qualquer altura pelas testemunhas F… ou D…, com os dados do arguido e da máquina retro escavadora, assim que verificaram que havia problemas com a viatura BMW.
XI- Sendo certo que não se logrou provar em sede de audiência de discussão e julgamento quem preencheu o mencionado contrato e em que condições o fez, pois este não se encontra assinado pelo arguido, o que corrobora a sua versão dos factos.
XII- O que também corrobora a versão dos factos apresentada pelo arguido é a certidão de fls. 248 a 253, dos autos, da qual consta as declarações prestadas pela testemunha F…, no âmbito do processo 230/12.2GBAMT (antes 248/12.5GBPNF), em que este, nos dias 20 e 26 de Março de 2012, afirma ter celebrado "contrato verbal de compra e venda de uma máquina retro escavadora" entre a "H…" e o arguido, no dia 9 de Março de 2012, tendo acordado como forma de pagamento a troca de uma viatura de marca BMW, modelo …, com a matrícula ..-MI-.. e entregue ao arguido a quantia de € 6.800,00 (seis mil e oitocentos euros), por ter avaliado a máquina em "16 mil ou 17 mil euros", afirmando, ainda, que só depois de saber dos problemas que o veículo tinha, celebrou contrato de aluguer, para "assegurar que a viatura que serviu como troca estaria perfeitamente legal".
XIII - Só mais tarde, em 9/05/2012, no âmbito do mesmo processo (248/12.5GBPNF), é que a testemunha muda o seu depoimento, falando, então, que tinha sido feito um contrato de aluguer, no dia 9 de Março de 2012, e pelo período indeterminado, "mas nunca superior a um mês e meio".
XIV - Esta testemunha, em sede de julgamento confirmou ter prestado tais declarações à Polícia Judiciária, mas não se coibiu de vir apresentar uma versão completamente distinta, alegando que desde o início tinha sido negociado um contrato de aluguer pelo prazo de seis meses, isto porque, veja-se, dava jeito aquele prazo para perfazer o montante aproximado dos quinze mil, 16 mil euros, em que havia avaliado a retro escavadora - cfr. depoimento desta testemunha gravado no dia 11/02/2016, de 15.34.58 a 16.16.23, 12.27 a 13.36:
F…:
- (imperceptível) mas eu enganei-me, eu enganei-me Senhora Doutora Juíza, Senhora Doutora Juíza eu enganei-me. Senhora Doutora isso é a verdade e eu peço a este Tribunal, porque, de facto, as pessoas às vezes assinam coisas que não devem assina. E eu, se a Senhora Doutora puder ver nas declarações da Polícia Judiciária, começamos por aí, nas declarações da Polícia Judiciária, tem lá eu assinar, assinei de facto, concordo que assinei indevidamente, concordo que assinei, que diz lá que eu que sou comerciante de máquinas. E também diz lá que o Senhor, o Senhor B… é encarregado geral da G…, que é mentira. Portanto, eu faço declarações até assi, assino declarações que a Polícia Judiciária confundiu e que eu não tenho culpa, quer se dizer, tenho culpa, porque assinei. Não tinha de facto um advogado à minha altura, à minha beira para me resolver esses problemas. Hoje estou a penar por isso. Isso é verdade Senhora Doutora Juíza, concordo perfeitamente com isso. Mas essas.
Advogada
- Olhe, mas não foi só isso que o Senhor disse na PJ, pois não?
F…
- Não é só essas, são outras más interpretações, mas pronto.
14.23 16.25:
F…
- A PJ está contra a mim, sabe porquê Senhora Doutora? Eu vou-lhe dizer porquê.
Advogada
- O Senhor antes, olhe, vamos voltar atrás.
F…
- Eu vou-lhe dizer porquê (imperceptível).
Advogada
- Ó Senhor antes de comprar o carro.
F…
- A PJ.
Advogada
- Ó Senhor B… vamos, vamos, vamos por partes.
F…
- A Senhora Doutora se me permite eu agora queria fazer um, um confronto da situação. Se me permite, a Polícia Judiciária está contra mim, esteve, não sei se está ainda, esteve contra mim, porque na devida altura eu desliguei-lhe o telefone, porque eles queriam saber o nome deste Senhor e o número e eu disse não, eu enquanto não estiver com este Senhor na minha frente, eu não dou o número a ninguém. Eu não dou obrigado a dá-lo. E sobretudo.
Advogada
- Olhe ó Senhor B…
F…
- (imperceptível).
Advogada
- Ó Senhor B… mas esclareça-me aqui uma coisa, o Senhor foi, antes de comprar o carro não foi ver se estava tudo bem na Conservatória?
F…
- Fui, exactamente.
Advogada
- Foi ver se estava tudo bem na.
F…
- Exactamente.
Advogada
- Conservatória? Foram-lhe entregues, foi-lhe entregue uma declaração de venda?
F…
- Exactamente.
Advogada
- Foi-lhe entregue um documento único automóvel?
F…
- Exatamente.
Advogada
- Havia algum motivo para suspeitar se, conforme o Senhor foi à Conservatória, se tivesse lá ido outra pessoa.
F…
- É procedimento meu na maioria dos casos fazer isso.
Advogada
- E faz isso, e faz o Senhor muito bem em fazer isso e toda a gente devia-o fazer. Agora o que eu, a questão que eu lhe ia colocar não era essa. É assim, e se fosse lá outra pessoa que não tivesse sido o Senhor B…, o Senhor B…, se tivesse.
- F… - O, o carro nem estava na, na, no nome do Senhor B…, estava na, no nome de um drogado.
Advogada
- Pronto.
F…
- Esse Senhor está no Brasil.
Advogada
- Mas olhe, mas se fosse outra pessoa qualquer, se tivesse interessado no veículo e com os documentos que o Senhor B… lhe entregou e que, que estavam na posse dele, se fosse à Conservatória do Registo Automóvel para verificar se havia algum problema, o resultado ia ser o mesmo? Iam à Conservatória, iam concluir que não havia problema nenhum com o veículo ou, ou não? Ou seria diferente? Ninguém, na Conservatória ninguém o enganou?
F…
- Não, não. Na Conservatória.
Advogada
- Disseram-lhe aquilo que constava lá?
F…
- Na, na, na Conservatória eu só acho que deveriam ter posto um clique, quando eu pus o carro em meu nome, a Polícia Judiciária devia ter informado a, a Conservatória de que de facto aquele carro não podia ser posto em meu nome.
Advogada
- Sim.
F…
- Só isso que eu posso dizer.
Advogada
- Pronto. Tudo bem, concordo consigo Senhor F…. Devia ter sido feito isso, e há muitos procedimentos que não são correctos. Agora, o Senhor quando foi à Conservatória estava tudo bem?
F…
- Não fui eu, mas foi, foi lá, é um funcionário, mas estava tudo bem, na altura (imperceptível).
Advogada
- Estava tudo bem?
F…
- Estava tudo.
Advogada
- E quem lá fosse a informação ia ser exactamente a mesma?
F…
- Exactamente.
Advogada
- Se o Senhor B… que estava na posse dos documentos antes de vender o carro fosse à Conservatória a informação ia ser a mesma?
F…
- Exactamente.
12.53, 13.15: Meritíssima Juíza
- Mas por quanto tempo é que ele poderia usufruir da máquina?
F…
- Seis (6), sete (7) meses, mais ou menos. Até chegar ao limite de, daquele valor, de, de, daquele valor.
- Meritíssima Juíza
- De que valor?
- F…
- Do, do, portanto, a diferença dos vinte (20), portanto, seriam treze mil (13.000), se a, isto mais.
XV - Apesar de ter vindo alterar o seu depoimento em relação ao que anteriormente havia afirmado, a testemunha refere algo de extrema relevância, quando diz que na Conservatória do Registo Automóvel não constava qualquer problema relacionado com o veículo marca BMW adquirido ao arguido e que qualquer pessoa que lá fosse teria a mesma informação.
XVI- Ou seja, o arguido consultando o estado do veículo na Conservatória do registo Automóvel não tinha como saber que o mesmo apresentava problemas, e portanto, vendeu-o convencido da sua legalidade.
XVII- O Tribunal funda a sua convicção da celebração de um contrato de aluguer nos documentos juntos a fls. 22 a 25, e na fotocópia do contrato de fls. 34, o qual não se encontra assinado pelo arguido, e no depoimento das testemunhas D…, E… e F…, alegando que os seus depoimentos se afiguraram espontâneos, objectivos e coerentes e que nenhuma contradição foi detectada que pudesse abalar a seriedade dos mesmos.
XVIII- Contudo, o depoimento desta testemunha, confrontado com as declarações prestadas no processo cuja certidão se encontra junta aos autos, e que o Tribunal alega não conhecer a sua existência, resulta que tal depoimento não pode de forma alguma ser considerado objetivo e sério, por forma a formar uma convicção da sua veracidade sem qualquer margem para dúvida.
XIX- Os termos do negócio realizado entre a testemunha F… e o arguido são essenciais para determinar se este praticou o crime de burla porque vem acusado ou não, no entanto, o Tribunal tentou sempre desviar a inquirição das testemunhas de tal questão.
XX- Perante a insistência da defensora oficiosa do arguido para aquela testemunha ser confrontada com as declarações por si prestadas no âmbito do processo 230/12.2GBAMT, constantes da certidão de fls. 248 e seguintes, o Tribunal afirma não ter conhecimento de tal processo, isto quando a certidão daquele processo havia sido requerida pelo Mto. Juiz de Instrução e encontra-se junta aos autos, e que o Tribunal não pode, nem deve ignorar para formular um juízo imparcial sobre os factos, a fim de apurar a verdade material e, assim, fazer justiça:
18.0 18.40: Meritíssima Juíza
- Relativamente ao objeto do processo. Advogada
- Então relativamente à PJ, que era quilo que eu lhe estava a perguntar antes, além disso, o que é que o Senhor disse à PJ.
Meritíssima Juíza
- Ó Senhora Doutora, Senhora Doutora eu não vou admitir esse tipo de perguntas, porque aqui nem sequer o Senhor foi ouvido na PJ, no âmbito deste processo.
Advogada
- Mas foi requerido Senhora Doutora. Meritíssima Juíza
- Portanto, ó Senhora Doutora, mas foi requerido, mas o Tribunal ainda nem sequer se pronunciou quanto a isso, portanto, a Senhora Doutora (imperceptível).
Advogada
- Mas o Senhor é que falou nisso Senhora Doutora. Meritíssima Juíza
- Ó Senhora Doutora a testemunha vem aqui depor sobre factos a que presenciou e que esteve presente, que ouviu.
Advogada
- E está a falar daquilo que (imperceptível) . Meritíssima Juíza
- Não, está a falar de, de, declarações que terá prestado na Polícia Judiciária perante um processo que o Tribunal nem sabe qual é, portanto, esse (imperceptível) interrogatório eu não vou permitir Senhora Doutora.
Tanto mais que esta testemunha, bem como o seu filho D…, sócios da sociedade "H…, Lda.", têm um processo cível a correr seus termos contra o arguido, no decurso da providência cautelar n° 857/12,2TBMCN, do 2°. Juízo do extinto Tribunal Judicial de Marco de Canaveses, (facto dado como provado no ponto 9.), e que, actualmente, corre seus termos na secção Cível-J1 da instância Local de Marco de Canaveses, sob o processo n° 1179/12.4 TBMCN, como aliás é do conhecimento do Tribunal "a quo", na medida em que foi solicitado o envio a título devolutivo do original do documento de fls. 34, com extração de cópia do mesmo, tudo como melhor resulta da ata da audiência de discussão e julgamento de 10/02/2016, com a ref. 69409321.
XXI - O Tribunal não teve em consideração que aquelas testemunhas tinham, pois, um particular interesse na decisão que viesse a ser proferida a final nos presentes autos, não sendo indiferente para a resolução do processo n°. 1179/12.4TBMCN, em que é autora a sociedade "H…, Lda.", de que aquelas testemunhas são sócios, como decorre da certidão comercial junta aos autos a fls. 135 a 139, e é Réu o ora Arguido, facto que não é do desconhecimento do Tribunal, atento conhecimento da existência daquele processo.
XXII - O Tribunal fez "tábua rasa" da certidão de fls. 248 e segs., ignorando o seu teor e a relevância que a mesma tem para a descoberta da verdade material, dando credibilidade a um depoimento de uma testemunha que muda as suas declarações de acordo com as suas conveniências.
XXIII - É que se tais declarações fossem consideradas, o Tribunal nunca poderia condenar o arguido pelo crime de burla, porque a versão originária desta testemunha era em todo coincidente com a versão que o arguido sempre apresentou: a da compra da máquina retro escavadora em troca do veículo marca BMW, e confirmada pelo próprio representante legal da Queixosa, ficando demonstrado que o arguido estava convicto da propriedade da máquina que vendeu à Queixosa " C…, Lda.", não tendo tido qualquer intenção de enganar quem quer que fosse e assim obter um benefício patrimonial ilegítimo.
Depoimento do arguido no dia 10/02/2016, de 14.34.19 a 15.20.11:
5.34 a 07.29:
Arguido: Acertemos em ele dar-me sete mil euros, depois acabou por me dar seis mil e oitocentos euros e a retro em troca da carrinha.
Meretíssima Juíza: Portanto, a máquina, então, era vendida pelo preço de quanto?
Arguido: A máquina nesse caso era vendida por dezasseis ou dezassete mil euros, dezasseis, e foi seis mil e oitocentos euros mais a máquina. A carrinha foi vendida no valor de vinte e dois mil euros.
Meretíssima Juíza: Vamos com calma, senhor B….
Arguido: O BMW foi proposto, foi fixado o valor de vinte dois mil euros.
Meretíssima Juíza: A máquina quanto é que era?
Arguido: A máquina parece que era dezasseis.
Meretíssima Juíza: Sim.
Arguido: Ele deu-me seis mil e oitocentos euros e a máquina. Meretíssima Juíza: Sim.
Arguido: Acertemos o dia da entrega da carrinha e da máquina. Fui ter com ele ao estaleiro. Ele deu-me lá os seis mil e oitocentos euros. Carregou a Máquina num camião dele.
Meretíssima Juíza: Olhe, e como é que foi feito o pagamento?
Arguido: O pagamento foi feito em numerário. Foi o filho ao banco levantá-lo e deu- me em dinheiro.
Meretíssima Juíza: Sim.
Arguido: Portanto, ele lá deu-me o dinheiro, carregou a máquina na viatura dele, veio a Tabuado, ele e o empregado, motorista, e o empregado descarregou a máquina e eu entreguei-lhe a carrinha, a declaração de venda e os documentos.
XXIV - O Tribunal ao impedir que a testemunha F… fosse confrontada com as declarações por si prestadas no âmbito do processo 230/12.2GBAMT, constantes da certidão de fls. 248 e segs., violou o direito de defesa do arguido, previsto no art. 32.° da CRP.
XXV - Ademais, não pode merecer credibilidade o depoimento daquela testemunha, por falta de objetividade, quando é a própria testemunha F… a admitir que não está de boas relações com o arguido:
2.25 a 2.38:
Meritíssima Juíza
- Olhe, e o Senhor, pergunto-lhe, está de boas relações aqui com o arguido?
F…
- Como disse Senhora Doutora Juíza? (imperceptível).
Meritíssima Juíza
- Pergunto se o Senhor está de boas relações com o Senhor que está hoje a ser julgado?
F…
- Não, não, como deve compreender, não posso estar.
XXVII- Quanto à testemunha D…, não teve conhecimento directo do negócio da retro escavadora, o que afirmou por diversas vezes - cfr. gravação depoimento da testemunha (10/02/2016, de 16.33.17 a 17.09.06):
04.40 a 04.56:
Digníssima Senhora Procuradora: "Chegou a falar aqui com o senhor B… directamente sobre este assunto?
D…: "É assim, já lá vão quatro anos, não lhe posso, não lhe posso precisar. Não é por mal, mas não posso precisar se estava lá naquele momento que eles, que se falou, que se falou no assunto..."
04.55 a 05.05:
Mandatária da Assistente: Ó, senhor D…, vamos lá ver, diga-me uma coisa, então o senhor nunca assistiu ao negócio inicial entre o seu pai e o senhor B…, ou assistiu?
D…: É assim, eu não vou precisar se não estaria lá naquele momento, mas repare..."
16.08 a 16.30:
Defensora Oficiosa: ... Porque o senhor também não sabe o negócio que foi feito entre o seu pai e o senhor B…?
D…: Sei. Contaram-me depois. Contaram, quer dizer, ..." Defensora Oficiosa: O senhor sabe aquilo que o seu pai lhe contou?
D…: Óbvio.
Defensora Oficiosa: Mas já disse aqui que não assistiu a nada disso.
D…: ao aluguer, ao, ao , ao negócio depois do .
Defensora Oficiosa: Em si.
D…: Do carro não, não assisti.
Defensora Oficiosa: Ao negócio em si, não sabe. Não sabe que negócio é que foi feito entre este senhor B… e o seu pai?
D…: Não, eu não estava presente, já o tinha dito, já o tinha, já o tinha dito."
Gravação 10/02/2016 de 17.12.44 a 7.20.12): 00.00 a 02.31:
Mta. Juíza: Olhe, diga-me só o seguinte: recorda-se se o documento foi assinado na sua presença, do contrato de aluguer?
D…: Não sei se foi na, não na minha presença. Eu não estava lá particularmente a fazer o, a fazer o contrato, até porque não é isso, não é essa a minha função.
XXVIII- Aquela testemunha sequer sabe quem redigiu o contrato em causa, alegando que pode ter sido a funcionária I… ou o funcionário E… - cfr. a gravação supra identificada de 10/02/2016 de 17.12.44 a 17.20.12):
00.00 a 02.31:
Meritíssima Juíza
- E quem é que faz esse tipo de.D…
- É o, o, a pessoa.
- Meritíssima Juíza
- O funcionário que lá está?
D…
- O funcionário que entrega as máquinas, ou provavelmente po, pode ter sido assinado também na altura no escritório antes da máquina seguir. Pode acontecer de uma maneira, pode acontecer, pode acontecer da outra, não lhe sei precisar se foi de uma maneira se foi de outra. Aí tinha, tinha que perguntar.
Meritíssima Juíza
- E quem, quem seria.
D…
- Ao meu funcionário.
Meritíssima Juíza
- Quem seria o funcionário que estaria presente?
D…
- O funcionário que estaria presente é a I….
Meritíssima Juíza
- A quando do, do, do, do.
D…
Quase de certeza.
Meritíssima Juíza
- Da entrega do, da minuta do contrato por assim dizer.
D…
- Quase de certeza.
Meritíssima Juíza
- (imperceptível).
D…
- Quase de certeza a I… que é a funcionária que, que está lá diariamente (imperceptível) está lá, está porque ela está noutro processo.
Meritíssima Juíza
- E são normalmente esses funcionários que ficam encarregues de D…
- Sim, e depois tem o E…, o E… que é o que faz a entrega, que também está no outro processo.
Meritíssima Juíza
- Encarregue. I…, foi o que disse?
D…
- I1…, I….
Meritíssima Juíza
- Portanto, à partida esta Senhora estaria em melhores condições, tendo sido ela, isto.
- D…
- Possi...
Meritíssima Juíza
- Na hipótese de ter sido ela (imperceptível) ...
D…
- Sim, sim, sim.
Meritíssima Juíza
- É isso?
D…
- Pode ter sido ela no, ou redigiu.
Meritíssima Juíza
- Ou então na alternativa.
D…
- Que redigiu.
Meritíssima Juíza
- Diz o Senhor que pode também ter sido . D…
- O E…, que terá levado a máquina.
Meritíssima Juíza
E….
D…
- Não sei se, se foi lá, se foi fora, não sei.
XXIX- O funcionário da "H…", E…, por sua vez, ouvido no dia 11/02/2016, de 14.14.04 a 14.35.18, afirma:
17.36 a 18.00:
Defensora Oficiosa: Naquele documento que ali está (reportando-se ao doc. de fls. 34 dos autos- contrato de aluguer), naquele contrato que ali está, o senhor vê ali alguma assinatura?
E…: Oh, senhora Doutora.
Defensora Oficiosa: É sim ou não? Viu ali alguma assinatura?
E…: Ali, não. Mas isso é uma cópia.
Defensora Oficiosa: Desculpe?
E…: Ele que me mostre o original.
Defensora Oficiosa: Pronto, ali vê alguma assinatura?
E…: Ali não estou a ver nenhuma assinatura. Não se nota nenhuma assinatura.
Defensora Oficiosa: Não vê ali nenhuma assinatura.
18.41 a 18.58:
Defensora Oficiosa: ... Já agora, diga-me uma coisa: a letra que consta do contrato é de quem? Do senhor D…. Que D…?
E….: Do senhor D….
Defensora Oficiosa: Qual deles?
E…: Pai.
Defensora Oficiosa: A letra que consta do contrato é a letra do D… pai?
E…: Pai.
Defensora Oficiosa: Não tem dúvida nenhuma disso?
E…: Não.
19.45 a 21.11:
Defensora Oficiosa: O senhor não assistiu à conversa entre o senhor D… pai e o senhor aqui arguido?
E…: Não.
Defensora Oficiosa: Não sabe que negócio é que foi estabelecido entre eles?
E…: Não.
Defensora Oficiosa: Não sabe se foi combinado, quanto tempo foi o contrato?
E…: Não faço ideia.
Defensora Oficiosa: Não sabe se foi por muito ou pouco tempo?
E…: Ouvi dizer que era por meio ano.
Defensora Oficiosa (D.O.): Ouviu dizer, mas foi a quem?
E…: Ouvi dizer lá no escritório.
D. O.: Mas a quem é que ouviu dizer? Oh, Senhor B…, ouvir dizer por ouvir dizer não vale nada.
E…: O meu patrão disse-me que a máquina ia ser alugada aí por meio ano, para pôr a máquina em condições.
D.O.: Pronto. Então, ouviu dizer a quem?
E…: O meu patrão disse-me a mim.
D. O.: Ao senhor D… filho ou pai?
E…: O meu patrão é o D…. É o filho. D.O.: O filho. Pronto. Ouviu dizer que era meio ano. Ouviu falar em valores? E…: Não.
D.O.: Portanto, é assim, em termos concretos sobre o negócio, o senhor não sabe nada?
E…: Não, não sei.
D. O.: Ou pode dizer ao tribunal que sabe alguma coisa sobre o negócio que foi feito?
E…: Mas que negócio? D.O.: Pois. É isso que eu estou a perguntar?
E…: A máquina foi alugada, disseram-me a mim.
D.O.: Disseram-lhe que máquina tinha sido alugada e o senhor limitou-se a transportá- la, certo?
E…: Certo. Mais nada. D.O.: Mais nada do que isso também não pode dizer. E…: Não, não sei mais nada.
XXX - Temos, então, que, além da testemunha F…, mais ninguém tem conhecimento direto dos contornos do negócio celebrado entre aquela testemunha e o arguido, no entanto, o Tribunal dá como provada a existência do contrato de aluguer, mesmo atentos todos os factos supra expostos.
XXXI - Dos depoimentos das testemunhas não resulta a espontaneidade, objetividade e coerência que terão fundado a convicção do Tribunal, tanto mais que as testemunhas F… e E… foram ouvidas no dia seguinte ao depoimento da testemunha D…, o que coloca logo em causa a espontaneidade do seu depoimento.
XXXII - Relativamente ao facto dado como provado no ponto 3., o tribunal não teve em consideração que a testemunha J… afirmou ter comprado a máquina retro escavadora por seis mil euros e uma viatura Mercedes, a que a testemunha e o arguido tinham atribuído o valor de cinco a seis mil euros, e que a testemunha F… lhe tinha dito que tinha vendido a máquina ao arguido, e que afirmou que identificava como gerente da H… aquela testemunha e não o filho. Tudo isto dito pelo legal representante da Queixosa - cfr. gravação do dia 10/02/2016, de 15.43.06 a 16.12.58:
3.30 4.31:
- J…: Aquilo que lhe eu dei na altura foi seis mil euros e em três cheques.
- Senhora Procuradora: Foram dois cheques de dois mil e quinhentos euros e um de mil euros.
- J…: Sim. Agora não estou bem recordado. Sei que foram...
- Senhora Procuradora: Três cheques no total de seis mil euros, não é assim?
- J…: Sim.
- Senhora Procuradora: E mais nada?
- J…: Não, não foi bem assim. No negócio tínhamos falado de eu lhe dar também um Mercedes. Quando depois vieram dizer que a máquina não era do Sr. B…, eu pedi-lhe e ele devolveu-me esse Mercedes.
- Senhora Procuradora: Qual era o valor desse Mercedes?
- J…: Na minha ideia valia entre quatro mil e cinco mil euros. Cinco mil euros.
22.50 24.00:
- Mandatária da Queixosa: Você não ouviu num negócio de uma BMW?
- J…: Mas isso foi o outro Sr. B… é que disse que tinha feito um negócio com ele de uma BMW.
- Mandatária da Queixosa: O pai ou o filho?
- J…: O pai. Foi lá ao meu estaleiro e falou comigo sobre isso.
- Mandatária da Queixosa: O que é que ele lhe disse?
- J…: Foi nessa altura que ele foi lá pela primeira vez. Falou lá que tinha feito um negócio. Que tinha dado uma carrinha eu não sei quê mais sete mil euros. Que tinha dado a máquina ao Sr. B…, a este, e este Sr. B… tinha dado uma carrinha BMW. E que o negócio era a máquina e sete mil euros. Foi isso que eu ouvi pela carrinha.
- Mandatária da Queixosa: Espere aí. Explique melhor. lhe entregue a máquina ao Sr. B….
- J…: Sim.
- Mandatária da Queixosa: E o Sr. B… por sua vez entregava.
- J…: Uma carrinha e sete mil euros.
- Mandatária da Queixosa: O Sr. B… entregava sete mil euros.
- J…: Não, o outro Sr. B… é que dava a máquina e sete mil euros.
- Mandatária da Queixosa: Pronto, isso foi o senhor da H… que lhe disse.
- J…: Disse lá no meu estaleiro isso.
- Mandatária da Queixosa: Disse-lhe isso a si? Então não lhe disse que alugou. Disse- lhe que vendeu.
26.16 a 26.28:
- Mandatária da Queixosa: Você nunca falou com o senhor B… para lhe pagar?
- J…: Já falei algumas vezes.
- Mandatária da Queixosa: E o que é que ele lhe disse?
- J…: Disse que não tem dinheiro e que isto se ia resolver, que eles têm que lhe devolver a máquina.
28.28 29.50:
- D.O.: Sr. J…, só queria que esclarecesse aqui uma coisa: o senhor inicialmente disse que ouviu lá, na altura, que a máquina tinha sido alugada. Mas depois no seu depoimento perante a senhora Doutora. Foi mesmo o Sr. B… que lhe disse isso a si, diretamente?
- J…: Foi o senhor B… da H….
- D.O.: Sim. O senhor B… pai ou filho?
- J…: Pai. Eu quase não conheço o filho. Conheço o pai.
- D.O.: O senhor D… pai disse-lhe a si que tinha feito o negócio, que tinha dado.
- J…: A máquina mais
- D.O: Sete mil euros?
- J…: Sete mil euros.
- D.O.: Mais sete mil euros. Este senhor B… tinha dado uma carrinha BMW.
- J…: Uma carrinha BMW.
- D.O: Isto foi o que o senhor F… lhe disse a si?
- J…: Foi, sim senhor, no estaleiro.
- D.O.: Não tem nenhuma dúvida disso?
- J…: Não, não tenho dúvida.
- Senhora Procuradora: quem é que o senhor identifica como gerente da empresa
H…? O pai ou o filho?
- J…: O pai.
XXXIII - O depoimento desta testemunha não é merecedor de crédito? Se não, porquê? O Tribunal não formou a sua convicção quanto ao facto dado provado em 1. com base nesta testemunha, mas não explica o porquê, no entanto, a mesma testemunha serviu para fundar a convicção do Tribunal relativamente aos factos dados como provados quanto ao PIC. Então a mesma testemunha tem credibilidade para fundar a convicção do tribunal quanto a uns factos e quanto outros já não?
XXXIV - Certo é que esta testemunha contraria, o alegado pelas testemunhas D… e F…, que querem fazer crer que é aquele primeiro que exerce a gerência de facto e que foi realizado um contrato de aluguer e não de compra e venda.
XXXV - Quanto ao PIC, a testemunha J… apenas juntou um documento para justificar as despesas com a reparação da máquina retro escavadora e a testemunha K…, mecânico da Queixosa, também não consegue concretizar valores, apenas "estimando o respectivo valor", pelo que a prova do PIC é manifestamente insuficiente no que concerne ao montante de € 2.500,00, devendo o arguido ter sido absolvido daquela quantia.
XXXVI - Como supra exposto, é manifesta a falta de fundamentação da douta sentença, e o erro notório na apreciação da prova, havendo uma manifesta contradição entre os factos dados como provados, designadamente, quantos aos pontos. 1., 2., 3., 4. 10. a 16., a motivação e a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, quer porque o contrato de aluguer junto aos autos não está assinado pelo arguido, quer porque não se apurou quem preencheu o contrato, quer porque é manifesto que a convicção do Tribunal não se poderia fundar no depoimento daquelas testemunhas D…, F… e E…, quer porque esta primeira testemunha não teve conhecimento direto do negócio realizado entre a testemunha F… e o arguido.
XXXVII - O Tribunal descurou o depoimento da testemunha J…, legal representante da queixosa, cujo depoimento vai de encontro à versão do arguido, e da própria testemunha F…, quando presta declarações logo imediatamente a seguir aos acontecimentos, no âmbito do processo 230/12.2GBAMT, e cuja certidão se encontra junta aos autos.
XXXVIII - depoimento daquelas três testemunhas é manifestamente insuficiente para se concluir que o arguido agiu com o intuito de enganar a queixosa e que as suas ações faziam parte de um plano para acusar um prejuízo patrimonial a quem quer que seja.
XXXIX - A testemunha D…, por si ou representação da sociedade H…, não fez qualquer negócio com o arguido, que foi realizado pela testemunha F….
XL - Alega a testemunha D… que o pai, a testemunha F…, não tinha poderes para vender a máquina retro escavadora. Ora, se assim fosse, também não teria poderes para alugar a máquina, mas como a própria testemunha afirma, o negócio foi tratado com o seu pai e não com ele.
Então em que ficamos? O pai fazia ou não negócios?
XLI - Atentas tais contradições, não se compreende como é que o tribunal pode afirmar que os depoimentos das testemunhas foi objetivo e sério, credível para fundar a sua convicção, quando do exposto resulta que o Tribunal não tinha elementos que lhe permitissem formar uma convicção sem margem para dúvida que o arguido tivesse praticado o crime que lhe era imputado.
XLII - Isto porque o arguido agiu na convicção que tinha comprado a máquina retro escavadora e, por isso, podia livremente vendê-la.
XLIII - Versão corroborada pela testemunha J… e pelos documentos supra mencionados - certidão de fls. 248 dos autos.
XLIV - O Tribunal violou, entre outras normas, o disposto nos arts. 374°., n°. 2 e 379°., n°.1, als. a) e c) do Código de Processo Penal e o art. 32°., n°. 2, 1a. parte da CRP.
XLV - Além de haver um erro de julgamento, na medida em que há uma contradição entre a prova gravada e a matéria de facto dada como provada, a sentença enferma de nulidade, por falta de fundamentação nos termos supra explanados.
XLVI- Assim, deve ser revogada a sentença recorrida e absolvido o Arguido do crime por que vem acusado, por falta de prova da prática do mesmo.

O MºPº respondeu ao recurso defendendo a sua improcedência;
A assistente respondeu ao recurso defendendo a sua improcedência
Nesta Relação o ilustre PGA emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso
Foi cumprido o artº 417º2 CPP
O arguido respondeu defendendo o seu recurso

Cumpridas as formalidades legais, procedeu-se à conferência.
Cumpre apreciar.
Consta da sentença recorrida (transcrição):
“II. Fundamentação
Factos Provados
Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:
1. No dia 09 de Março de 2012, o arguido B… celebrou com a sociedade comercial por quotas com a firma “H…, Lda.”, um contrato de aluguer, no âmbito do qual aquela alugou a este uma retro escavadora de rodas CASE …, com o número de série … – cfr. fls. 22 a 25;
2. Na posse de tal máquina, o arguido arquitectou um plano com o propósito de vendê-la, por forma a realizar dinheiro, fazendo o arguido crer à ofendida “C…, Lda.”, na pessoa do seu sócio gerente e legal representante, J…, que era dono e legítimo proprietário da mesma;
3. Na execução de tal plano, no dia 15 de Março de 2012, o arguido vendeu à “C…, Lda.”, na pessoa do seu sócio gerente e legal representante, J…, a máquina id. em 1. pelo preço de €6.000,00 (seis mil euros) – cfr. fls. 188;
4. Para pagamento do montante aludido em 3., a ofendida, na pessoa do seu legal representante J…, entregou ao arguido os seguintes cheques (cfr. fls. 58 a 60):
- Cheque n.º ………., datado de 2012.03.20, no valor de € 2.500,00;
- Cheque n.º ………, datado de 2012.03.15, no valor de € 2.500,00;
- Cheque n.º …………., datado de 2012.03.15, no valor de € 1.000,00,
5. Todos sacados sobre a conta n.º ……….., do L…, titulada por “C…, Lda.”;
6. Os cheques n.ºs ………. e ………., no valor de € 2.500,00 cada, foram depositados no Balcão do L… da …, na conta titulada por M… – cfr. fls. 103;
7. Tendo o cheque n.º ………., no valor de € 1.000,00, sido depositado no Balcão do N… de … – Mercado, na conta titulada por O… e P… – cfr. fls. 180;
8. Sucede porém que, tendo tido conhecimento da referida venda, a “H…, Lda.” instaurou procedimento cautelar comum contra o arguido e a sociedade ofendida, peticionando a apreensão e entrega imediata da mencionada máquina;
9. Pretensão essa que veio a ser deferida, tendo Q…, Escrivã … do … Juízo de Penafiel, em cumprimento do ordenado nos autos de carta precatória para apreensão e entrega, com o n.º 857/12.2TBMCN, extraída dos autos de Procedimento Cautelar n.º 857/12.2TBMCN, do 2.º Juízo deste Tribunal, procedido à apreensão e entrega da aludida máquina à sociedade “H…”, em 01 de Agosto de 2012, pelas 14h20 – cfr. fls. 105 a 121 dos autos;
10.º Como consequência dos factos supra descritos, a sociedade ofendida ficou prejudicada, pelo menos, no montante entregue para pagamento da mencionada máquina (€ 6.000,00);
11. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, com o propósito alcançado de se apropriar da quantia monetária supra descrita, defraudando a queixosa, fazendo a crer que era dono e legítimo proprietário da máquina em apreço e que, nessa qualidade, podia alienar a mesma;
12. Fê-lo, bem sabendo que não era dono da dita máquina e que não a podia alienar, e aproveitando-se da relação de confiança que a queixosa mantinha com o arguido, fruto das relações comerciais de longa data mantidas entre ambos;
13. E aproveitando-se da crença errónea por parte da queixosa que o arguido se tratava, de facto, do dono e legítimo proprietário da máquina;
14. Quis o arguido conseguir para si, com a sua conduta, um benefício pecuniário que lhe não era devido, à custa do engano que provocou à queixosa, e que causava à queixosa um prejuízo patrimonial no valor de, pelo menos, €6.000,00 (seis mil euros), o que quis e logrou alcançar;
15. Sabia o arguido que o estratagema delineado era idóneo à concretização de tais desígnios, e que a sua conduta era proibida e criminalmente punida;
16. Além disso, a sociedade ofendida sofreu prejuízos resultantes dos valores que despendeu na reparação da referida máquina, designadamente com serviços de serralheiro, pintura e colocação de autocolantes, as quais foram efectuadas nas suas instalações e importaram o montante de 2.500,00€;
17. O arguido encontra-se desempregado, dedicando-se todavia a negócios de venda de máquinas e veículos automóveis, actividade que lhe propicia um rendimento não concretamente apurado mas situado entre os 400€ a 600€ por mês;
18. Vive com a esposa, que está desempregada e duas filhas, maiores de idade, ambas com actividade profissional própria;
19. Vive em casa de um familiar e não paga renda de casa;
20. Não tem encargos bancários;
21. Estudou até à 4.ª classe;
22. Consta do certificado de registo criminal do arguido que:
A) Foi o mesmo julgado e condenado, por sentença transitada em julgado em 16-01-2006, no processo que correu termos pelo extinto 2º Juízo do Tribunal Judicial do Marco de Canaveses sob o nº 4738/04.5TDPRT pela prática de um crime de desobediência na pena de 80 dias de multa à taxa diária de €4,00, por factos praticados em 06-01-2003;
B) Foi julgado e condenado, por sentença transitada em julgado em 2009-05-18, no processo que correu termos pelo extinto 1º Juízo do Tribunal Judicial do Marco de Canaveses sob o nº 7/05.1TAMCN, pela prática de um crime de desobediência na pena de 60 dias de multa à taxa diária de €6,00, por factos praticados em 22-03-2002;
C) Foi julgado e condenado, por sentença transitada em julgado em 2010-06-18, no processo que correu termos pelo extinto 1º Juízo do Tribunal Judicial do Marco de Canaveses sob o nº 85/04.0TAAMT, pela prática de um crime de falsificação de documento na pena de 250 dias de multa à taxa diária de €7,00, por factos praticados em 27-06-2003.
*
Factos não provados
Com relevo para a decisão da causa nada mais resultou provado, designadamente que:
A) Após a confirmação do estado de manutenção e conservação daquela, D… propôs adquirir a viatura BMW em troca da máquina retro escavadora que inicialmente o Arguido se mostrou interessado em alugar e que posteriormente não alugou;
B) Acertaram as condições finais da permuta entre a retro escavadora de rodas Case …n.º de série ……… e respectivo balde e o BMW, …, matricula ..-MI-.., nos seguintes termos: BMW, …, matricula ..-MI-... = 22.000,00€; Retro escavadora de rodas Case … n.º de série ……… =15.000,00€ e o sócio gerente da C…, Lda. entregava a quantia de 7.000,00€ em numerário;
C) O negócio em apreço só não foi titulado através de factura porque o sócio gerente da C… exigia que em contrapartida o Arguido lhe emitisse uma factura de prestação de serviço, o que este recusou atenta a sua manifesta ilegalidade fiscal e contabilística.
*
Motivação
Como dispõe o artigo 127.º, do Código de Processo Penal, a prova é apreciada “segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”. Significa este princípio que o julgador tem a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos submetidos a julgamento com base no juízo que se fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, tal como ele foi exposto e adquirido representativamente no processo.
Na sequência do ora exposto, o Tribunal alicerçou a convicção probatória referente à factualidade provada na apreciação crítica e articulada de toda a prova produzida em julgamento, à luz das elementares regras da experiência, do senso comum e da normalidade.
O arguido admitiu desde logo ter-se dirigido às instalações da “H…, Lda.”, mostrando-se interessado em alugar uma máquina retro escavadora. Referiu, todavia, que como o preço diário do aluguer era cerca de 100,00€, valor que considerou excessivo, então D… (pai do legal representante da H…) propôs a celebração do seguinte negócio: o arguido adquiria a propriedade da máquina pelo preço de cerca de €15.000 e em contrapartida entregava àquele um BMW …, com a matrícula ...-MI-.., pelo valor de €22.000 e recebia ainda deste a quantia remanescente de €7.000 (que após uma redução acordou ser de 6.800€, que recebeu em numerário), o que foi querido e aceite por ambas as partes. Afirmou que, uma vez fechado o negócio, passados cerca de 15 dias vendeu a aludida máquina à empresa C… pelo preço de 11.500€, tendo recebido 6.000€ através de cheques e ainda uma carrinha Mercedes.
Negou que alguma vez tivesse alugado a máquina retro escavadora em questão e afirmou desconhecer o contrato de aluguer cuja cópia se mostra junta a fls. 34.
De salientar que o Tribunal não atribuiu credibilidade à versão do arguido na parte em que referiu ter adquirido a máquina e não ter alugado, na medida em que a mesma resultou infirmada pela restante prova produzida. Assim valorou-se desde logo o depoimento da testemunha D…, gerente da sociedade H… e que confirmou que o arguido se deslocou às instalações da empresa com o intuito de alugar uma máquina retro escavadora por um período de 6 meses, tendo tratado do assunto directamente com o seu pai F… O pai comunicou-lhe que, em alternativa ao aluguer, o arguido mostrou-se interessado em adquirir a máquina em apreço e em contrapartida entregaria uma carrinha BMW …, ao que a testemunha rejeitou de imediato tal proposta, alegando que a empresa não se dedicava à venda de máquinas e além disso necessitava em absoluto da máquina para poder exercer o objecto social de aluguer. Esclareceu então a testemunha que o seu pai comprometeu-se perante si a assegurar o pagamento do aluguer da máquina, substituindo-se ao arguido e em contrapartida este vendia-lhe a carrinha BMW …, entregando ainda o pai ao arguido uma quantia entre 6.000€ a 7.000€, em numerário. Assegurou que a venda da máquina nunca foi uma hipótese, o que transmitiu directamente ao seu pai, até mesmo porque já tinha outros interessados em adquirir aquela concreta máquina e nunca acedeu a tal, justamente por entender que aquele negócio em nada beneficiaria a sociedade. Mencionou ainda que as referidas máquinas vêm acompanhadas de um documento próprio denominado certificado de conformidade, além da respectiva factura de aquisição, documentos esses que não deixariam de ser entregues aquando da sua eventual venda, sendo certo que no caso tais documentos nunca deixaram de estar na posse e instalações da H…, justamente porque a máquina jamais foi vendida.
Também a testemunha E…, trabalhador da H…, foi o responsável pela entrega da máquina em causa ao arguido, tendo relatado que o seu patrão lhe transmitiu na altura que tal equipamento era para ser alugado ao arguido pelo prazo de 6 meses, pelo que o mandou preparar a máquina para entrega. Nessa sequência, confirmou que o arguido assinou o contrato de aluguer cuja cópia se encontra a fls. 34 dos autos, o que tem certeza porquanto o contrato fazia parte de um livro de registo de contratos que a testemunha tinha na sua posse e tal documento foi assinado pelo arguido à sua frente. Explicou que o contrato original fica para o cliente, e quanto aos restantes duplicados um permanece no livro e o outro é entregue no escritório da empresa.
Cumpre referir que tais depoimentos se afiguraram espontâneos, objectivos e coerentes e nenhuma contradição foi detectada que pudesse abalar a seriedade dos mesmos, sendo certo que tais testemunhas não deixaram de responder negativamente, dizendo que não tinham visto, presenciado ou assistido alguma situação quando tal se justificava, o que apenas conferiu foros de seriedade aos seus depoimentos.
A reforçar tais depoimentos, a testemunha F…, interveniente directamente no negócio celebrado com o arguido, mencionou que o arguido pretendia alugar a máquina em discussão e que a determinada altura propôs-se adquirir a mesma, através da venda de uma carrinha BMW …, proposta que transmitiu ao seu filho, na qualidade de gerente da H…, que o mesmo rejeitou de imediato, por não estar interessado. Relatou que após muita insistência por parte do arguido, a testemunha acabou por aceitar adquirir para si a carrinha BMW … pelo preço de 20.000€, entregando ao arguido em numerário o montante de 6.800€ e em contrapartida assegurava o pagamento do aluguer da máquina retro escavadora junto do filho pelo tempo necessário até perfazer a diferença de cerca de 13.000€. Assegurou que em momento algum aceitou vender a máquina ao arguido, até porque não dispunha de poderes para tanto e jamais aceitaria celebrar tal negócio sem o consentimento ou contra a vontade expressa do filho, o que é do conhecimento do arguido, o qual inclusivamente nunca pediu os documentos da máquina, sempre permaneceram sempre na posse da sociedade.
Foi assim do conjunto da prova testemunhal acima indicada que o Tribunal formou a sua convicção positiva quanto à celebração e termos do negócio, já que estas foram também as únicas pessoas que tiveram contacto directo com a situação e com o arguido.
Por seu turno, também as testemunhas J…, legal representante da sociedade C… confirmou que o arguido se apresentou como proprietário da máquina retro escavadora em causa e nessa qualidade vendeu-a à sociedade que representa pelo valor de 6.000€, tendo a testemunha entregue para pagamento do preço três cheques, dois no valor de 2.500€ e um de 1.000€. Relatou que ficou plenamente convencido que o arguido era o legitimo proprietário da máquina, até porque não tinha razões para duvidar da sua seriedade, tanto mais que exigiu um documento que atestasse a venda (no caso o arguido emitiu uma declaração, alegando não poder emitir factura) e procedeu a expensas suas a várias reparações na máquina. Disse que posteriormente foi surpreendido com a ordem de apreensão da máquina e que até ao presente a sociedade está sem a máquina, desembolsada do preço que pagou pela sua aquisição e ainda do valor correspondente às reparações que na mesma efectuou.
Também a testemunha K…, mecânico ao serviço da sociedade C…, descreveu as reparações efectuadas na máquina objecto dos autos, estimando o respectivo valor.
Complementarmente, para demonstração dos factos, o tribunal valeu-se da cópia da factura de fls. 22, cópia do certificado de conformidade de fls. 23, cópia do contrato de aluguer de 24-25 e 34, cópias dos cheques de fls. 58 a 60, certidão comercial de fls. 70 a 74, certidão de fls. 90 a 101; informação do L… de fls. 103, certidão de fls. 105 a 121; certidão comercial de fls. 135 a 139, informação do N… de fls. 180, declaração de fls. 188 e factura de fls. 189
Foi da conjugação de todos os elementos supra referidos, analisados à luz das regras da experiência comum, que o Tribunal ficou com a convicção de que o arguido na posse da máquina retro escavadora que tinha advindo à sua esfera por força da celebração de um contrato de aluguer, arquitectou um plano com o propósito de vendê-la, por forma a realizar dinheiro, fazendo o arguido crer à ofendida “C…, Lda.”, na pessoa do seu sócio gerente e legal representante, J…, que era dono e legítimo proprietário da mesma, tendo de seguida vendido àquela sociedade a referida máquina pelo preço de €6.000, bem sabendo que não era dono da dita máquina e que não a podia alienar, aproveitando-se da relação de confiança que a queixosa mantinha com o arguido, fruto das relações comerciais mantidas entre ambos.
Socorreu-se, também, o Tribunal, das regras da experiência comum, válidas ao nível da convicção, conforme supra se referiu.
Os elementos considerados provados e relativos aos elementos intelectual e volitivo do dolo concernente à conduta do arguido foram considerados assentes a partir do conjunto de circunstâncias de facto dadas como provadas supra, já que o dolo é uma realidade que não é apreensível directamente, decorrendo antes da materialidade dos factos analisada à luz das regras da experiência comum.
Relativamente às condições socio-económicas do arguido, resultaram as mesmas provadas em função das declarações por si prestadas e que neste particular se afiguraram dignas de crédito.
Quanto à prova dos antecedentes criminais do arguido, foi determinante o CRC junto aos autos a fls. 421-424, tendo em consideração o disposto no artigo 169º do Código de Processo Penal.
Já as testemunhas S…, T…, O… e U…, nenhum conhecimento directo demonstraram dos factos, designadamente não presenciaram os concretos termos dos negócios efectuados pelo arguido e tudo o que relataram resulta do que ouviram dizer a terceiros.
Assim, a tomada de posição quanto à factualidade não apurada ficou a dever-se à ausência de prova, em função do que supra se expendeu e concretamente no que se refere ao negócio celebrado entre o arguido e D… não ficou demonstrado que se tratou de uma permuta ou de uma compra e venda da máquina retro escavadora, motivo pelo qual se deram tais factos como não provados.
A demais matéria fáctica invocada nos articulados, e não expressamente referida em sede de factos provados e não provados, deveu-se à circunstância de se ter entendido constituir matéria meramente conclusiva ou por não se afigurar com relevância para a boa decisão da causa.”
*
São as seguintes as questões a apreciar:
- Erro notório na apreciação da prova e
- Contradição insanável da fundamentação,
- Falta de fundamentação quanto ao PIC
- Impugnação da matéria de facto
*
O recurso é delimitado pelas conclusões extraídas da motivação que constituem as questões suscitadas pelo recorrente e que o tribunal de recurso tem de apreciar (artºs 412º, nº1, e 424º, nº2 CPP, Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98 e Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335), mas há que ponderar também os vícios e nulidades de conhecimento oficioso ainda que não invocados pelos sujeitos processuais – artºs, 410º, 412º1 e 403º1 CPP e Jurisprudência dos Acs STJ 1/94 de 2/12 in DR I-A de 11/12/94 e 7/95 de 19/10 in Dr. I-A de 28/12 - tal como, mesmo sendo o fundamento de recurso só de Direito: a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; ou o erro notório na apreciação da prova (Ac. Pleno STJ nº 7/95 de 19/10/95 do seguinte teor :“ é oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, nº2 do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”) mas que, terão de resultar “ do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum” – artº 410º2 CPP, “ não podendo o tribunal socorrer-se de quaisquer outros elementos constantes do processo” in G. Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, III vol. pág. 367, e Simas Santos e Leal Henriques, “C.P.Penal Anotado”, II vol., pág. 742, sendo tais vícios apenas os intrínsecos da própria decisão, considerada como peça autónoma, não sendo de considerar e ter em conta o que do processo conste em outros locais - cfr. Ac. STJ 29/01/92 CJ XVII, I, 20, Ac. TC 5/5/93 BMJ 427, 100 - e constitui a chamada “ revista alargada” como forma de sindicar a matéria de facto.
De tais vícios são alegados o erro notório e a contradição.
Só que tais vícios manifestamente não ocorrem, tal como devem ser entendidos, pois que tem de resultar, como expresso pelo artº 410º2 CPP infra citado, do texto da própria decisão recorrida por si só e com as regras da experiencia.
Ora o recorrente alega tais vícios, dizendo expressamente que na cls XXXVI “Como supra exposto, é manifesta … o erro notório na apreciação da prova, havendo uma manifesta contradição entre os factos dados como provados, designadamente, quantos aos pontos. 1., 2., 3., 4. 10. a 16., a motivação e a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, quer porque o contrato de aluguer junto aos autos não está assinado pelo arguido, quer porque não se apurou quem preencheu o contrato, quer porque é manifesto que a convicção do Tribunal não se poderia fundar no depoimento daquelas testemunhas D…, F… e E…, quer porque esta primeira testemunha não teve conhecimento direto do negócio realizado entre a testemunha F… e o arguido.”, ou seja tenta demonstrar tais vícios em confronto com a prova produzida em julgamento, pelo que manifestamente não é a tais vícios que o arguido se refere e como tal podem ser ponderados.
Improcedem assim estas questões, e em face da decisão recorrida não se vislumbra nenhum deles.

Alega o recorrente falta de fundamentação quanto ao valor da reparação porque em seu entender apenas a testemunha J… apenas juntou um documento para justificar as despesas com a reparação da máquina retro escavadora, e a testemunha K…, mecânico, também não consegue concretizar valores, apenas, estimando o respectivo valor…”
Sem razão.
Como se vê pela própria alegação do recorrente se verifica que a decisão no ponto assinalado está fundamentada, sendo que o tribunal recorrido se expressa na sentença do seguinte modo, para além da junção da factura de reparação (fls 189) a que faz expressa referencia a fls 9: “também as testemunhas J…, legal representante da sociedade C… (…) e procedeu a expensas suas a várias reparações na máquina. (…) que até ao presente a sociedade está sem a máquina, desembolsada do preço que pagou pela sua aquisição e ainda do valor correspondente às reparações que na mesma efectuou.
Também a testemunha K…, mecânico ao serviço da sociedade C…, descreveu as reparações efectuadas na máquina objecto dos autos, estimando o respectivo valor.”
Donde se verifica a sem razão – falta de fundamentação – da sentença, pelo que improcede mais esta questão, sendo que eventuais insuficiência de prova para o facto provado, nada tem a ver com esta alegada nulidade

Impugnação da matéria de facto
Nos termos do n.º 1 do art.º 428º do CPP, as Relações conhecem de facto e de direito, e podem modificar a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto artº 431º CPP), pela via da “ revista alargada” dos vícios do artº 410º2 CPP (supra) e através da impugnação ampla da matéria de facto regulada pelo artº 412º CPP.
Na revista alargada está em causa a apreciação dos vícios da decisão, cuja indagação tem de resultar do texto da decisão recorrida por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo admissível o recurso a elementos estranhos á decisão, como os dados existentes nos autos ou resultantes da audiência de julgamento (cf. Maia Gonçalves, CPP Anotado, 10 ª ed. pág. 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal Vol. III, verbo 2ª ed. pág. 339, e Simas Santos et alli, Recursos em Processo Penal, 6ª ed. pág. 77) e são os supra elencados;
No 2º caso - impugnação ampla - a apreciação da matéria de facto alarga-se à prova produzida em audiência (se documentada) mas com os limites assinalados pelo recorrente em face do ónus de especificação que lhes é imposto pelos nºs 3, 4 do artº 412º CPP, nos termos dos quais:
“3. Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas;
4. Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta nos termos do nº2 do artigo 364º devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
6. No caso previsto no nº4 o tribunal procede á audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.”

Todavia há que ter presente que tal recurso não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, com base na audição de gravações, mas constitui apenas um remédio para eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida (erros in judicando ou in procedendo) na forma como o tribunal recorrido apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente, pelo que não pressupõe a reapreciação total dos elementos de prova produzidos em audiência (nem a audição de toda a prova ou de cada uma delas como parece pretender a recorrente) e que fundamentaram a decisão recorrida, mas apenas aqueles sindicados pela recorrente e no concreto ponto questionado, constituindo uma reapreciação autónoma sobre a bondade e razoabilidade da apreciação e decisão do tribunal recorrido quanto aos “concretos pontos de facto” que a recorrente especifique como incorrectamente julgados.
Para essa reapreciação o tribunal verifica se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida e em caso afirmativo avalia-os e compara-os de molde a apurar se impõem ou não decisão diversa (cf. Ac. STJ 14.3.07, Proc. 07P21, e de 23.5.07, Proc. 07P1498, in www. dgsi.pt/jstj).
A especificação dos “concretos pontos de facto” constituem a indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados, e as “concretas provas” consistem na identificação e indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas “provas” impõem decisão diversa da recorrida, e havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao consignado na acta, e dentro destas tem o recorrente de indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação;
Mas o Tribunal pode sempre apreciar outras que ache relevantes (nº 4 e 6 do artº412º CPP)

Todavia o conhecimento dos factos impugnados estará dependente do que se possa extrair da motivação e das conclusões, e a prova indicada pela recorrente está limitada à sua concreta indicação (e/ou transcrição) na medida em que a recorrente delimita desse modo a impugnação e o conhecimento, delimitação que o STJ através do nº Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/2012 in DR 18/4/2012 legitima “Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações”
Mas mesmo essa reapreciação a fazer, como assinala o STJ ac. de 2/6/08, no proc. 07P4375, in www.dgsi.pt. sofre as limitações consistentes nas que decorrem
- da necessidade de observância pelo recorrente do ónus de especificação, restringindo como assinalado o conhecimento aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e às concretas razões de discordância, sendo necessário que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam, e
- da falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o “contacto” com as provas ao que consta das gravações, postergando-se assim a “sensibilidade” que decorre de tais princípios; e resultam
- de a análise e ponderação a efectuar pela Relação não constituir um novo julgamento, porque restrita à averiguação ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros indicados pelo recorrente; e de
- o tribunal só poder alterar a matéria de facto impugnada se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida (al. b) do nº 3 do citado art. 412º) (cf. também o Ac. RLx de 10.10.07, no proc. 8428/07, em www.dgsi.pt/jtrl), e não apenas a permitirem;

Acresce, em consonância com o descrito, que a reapreciação da prova na 2ª instância, limita-se a controlar o processo de formação da convicção decisória da 1ª instância e da aplicação do princípio da livre apreciação da prova, tomando sempre como ponto de referência a motivação/ fundamentação da decisão, e neste recurso de impugnação da matéria de facto, o Tribunal da Relação não vai à procura de uma nova convicção - a sua - mas procura saber se a convicção expressa pelo Tribunal recorrido na fundamentação tem suporte adequado na prova produzida e constante da gravação da prova por si só ou conjugados com as regras da experiencia e demais prova existente nos autos (documental, pericial etc..) e, em face disso, obviamente o controlo da matéria de facto apurada tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, mas não pode subverter ou aniquilar a livre apreciação da prova do julgador, construída, dialecticamente, na base da imediação e da oralidade, tendo presente que como expressa o Prof. Figueiredo Dias, in Dto Proc. Penal, 1º Vol. Coimbra ed. 1974, pág. 233/234, só aqueles princípios da imediação e da oralidade “… permitem …avaliar o mais correctamente possível a credibilidade das declarações pelos participantes processuais”.
Tal significa que sem dispor da apreciação directa e imediata da prova, ao tribunal de recurso cabe apenas averiguar se existe o erro de julgamento na fixação da matéria de facto, por se evidenciar que as provas valoradas pelo tribunal recorrido eram provas proibidas ou o foram com violação das regras sobre a apreciação da prova, e nomeadamente o principio da livre apreciação, do princípio in dubio pro reo ou prova vinculada, ou as regras da experiencia ou ainda se a convicção formada pelo tribunal de recurso não era possível, pois se for uma das possíveis não pode o tribunal de recurso interferir nessa apreciação.
A assim não se entender então estaríamos perante um segundo julgamento condicionado apenas à prova elencada pelo recorrente (e logo não imparcial) e nunca seria um julgamento total, mas parcial e sem a observância das regras fundamentais do due process of law de toda a prova se desenrolar presencialmente perante o julgador (imediação, oralidade e plenitude do juiz e submetido aos princípios da concentração e do contraditório “cross examination”), tudo o que a lei quis evitar.
Por outro lado a apreciação que o tribunal pode fazer está condicionada à concreta prova indicada pelo recorrente na motivação e/ou na transcrição que efectua, pois não pode reapreciar toda a prova como se de um 2º julgamento se tratasse.
Deste modo o conhecimento dos factos impugnados está dependente do que se possa extrair da motivação, e a prova indicada pelo recorrente está limitada à sua concreta indicação e transcrição ou indicação da gravação.
Feitas estas considerações, importa ainda verificar que o recorrente impugna globalmente a matéria de facto provada que indica (nºs 1, 2, 3, 4 ("para pagamento do montante aludido em 3."...), 10 a 16) e a matéria de facto não provada e para toda ela indica globalmente a mesma prova, pelo que não indica ponto por ponto e em relação a cada ponto a concreta prova que imporia decisão diversa, o que podendo, desde logo, impedir o conhecimento do recurso, por inobservância dos requisitos legais, fragiliza-o manifestamente.
Em vista deste modo de impugnar a matéria de facto, verifica-se que o recorrente não cumpre os requisitos legais da impugnação da matéria de facto pois que em face da exigência legal do dever de “ especificar ”, “ os concretos pontos de facto” - artºs 412º 3 a) CPP, e “ as concretas provas” que devem ser especificadas em relação a cada facto, sendo certo que como expende o STJ no seu ac. de 27/4/2006 proc 06P120 www.dgsi.pt/“III - Com a exigência do n.º 3 do art. 412.º do CPP visou-se, manifestamente, evitar que o recorrente se limitasse a indicar vagamente a sua discordância no plano factual e a estribar-se probatoriamente em referências não situadas, porquanto, de outro modo, os recursos sobre a matéria de facto constituiriam um encargo tremendo sobre o tribunal de recurso, que teria praticamente em todos os casos de proceder a novo julgamento na sua totalidade.
Terá pois de se adoptar uma exigência rigorosa na aplicação deste preceito.”
Vai no mesmo sentido o ac. RP 2/12/2015 (Artur Oliveira) in www.dgsi.pt “III- Visando o recurso sobre a matéria de facto remediar erros de julgamento, estes erros devem ser indicados ponto por ponto e com a menção das provas que demonstram esses erros, sob pena de não o fazendo a impugnação não ser processualmente válida”.
De todo o modo, para além do exposto, este modo de proceder fragiliza a impugnação que pretende levar a cabo.
Mas, vejamos em pormenor o que está em questão.
- Os nºs 1, 2, 3, 4, 10 a 16 têm a seguinte redacção:
1.No dia 09 de Março de 2012, o arguido B… celebrou com a sociedade comercial por quotas com a firma “H…l, Lda.”, um contrato de aluguer, no âmbito do qual aquela alugou a este uma retroescavadora de rodas CASE …, com o número de série … – cfr. fls. 22 a 25;
2.Na posse de tal máquina, o arguido arquitectou um plano com o propósito de vendê-la, por forma a realizar dinheiro, fazendo o arguido crer à ofendida “C…, Lda.”, na pessoa do seu sócio gerente e legal representante, J…, que era dono e legítimo proprietário da mesma;
3.Na execução de tal plano, no dia 15 de Março de 2012, o arguido vendeu à “C…, Lda.”, na pessoa do seu sócio gerente e legal representante, J…, a máquina id. em 1. pelo preço de €6.000,00 (seis mil euros) – cfr. fls. 188;
4.Para pagamento do montante aludido em 3., a ofendida, na pessoa do seu legal representante J…, entregou ao arguido os seguintes cheques (cfr. fls. 58 a 60):
- Cheque n.º ………., datado de 2012.03.20, no valor de € 2.500,00;
- Cheque n.º ………., datado de 2012.03.15, no valor de € 2.500,00;
- Cheque n.º ………, datado de 2012.03.15, no valor de € 1.000,00,
10.Como consequência dos factos supra descritos, a sociedade ofendida ficou prejudicada, pelo menos, no montante entregue para pagamento da mencionada máquina (€ 6.000,00);
11.O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, com o propósito alcançado de se apropriar da quantia monetária supra descrita, defraudando a queixosa, fazendo a crer que era dono e legítimo proprietário da máquina em apreço e que, nessa qualidade, podia alienar a mesma;
12.Fê-lo, bem sabendo que não era dono da dita máquina e que não a podia alienar, e aproveitando-se da relação de confiança que a queixosa mantinha com o arguido, fruto das relações comerciais de longa data mantidas entre ambos;
13.E aproveitando-se da crença errónea por parte da queixosa que o arguido se tratava, de facto, do dono e legítimo proprietário da máquina;
14.Quis o arguido conseguir para si, com a sua conduta, um benefício pecuniário que lhe não era devido, à custa do engano que provocou à queixosa, e que causava à queixosa um prejuízo patrimonial no valor de, pelo menos, €6.000,00 (seis mil euros), o que quis e logrou alcançar;
15.Sabia o arguido que o estratagema delineado era idóneo à concretização de tais desígnios, e que a sua conduta era proibida e criminalmente punida;
16.Além disso, a sociedade ofendida sofreu prejuízos resultantes dos valores que despendeu na reparação da referida máquina, designadamente com serviços de serralheiro, pintura e colocação de autocolantes, as quais foram efectuadas nas suas instalações e importaram o montante de 2.500,00€;

E os factos não provados têm a seguinte redacção:
A)Após a confirmação do estado de manutenção e conservação daquela, D… propôs adquirir a viatura BMW em troca da máquina retro escavadora que inicialmente o Arguido se mostrou interessado em alugar e que posteriormente não alugou;
B)Acertaram as condições finais da permuta entre a retro escavadora de rodas Case …, n.º de série ……… e respectivo balde e o BMW, …, matricula ..-MI-.., nos seguintes termos: BMW, …, matricula ..-MI-.. = 22.000,00€; Retro escavadora de rodas Case …, n.º de série … =15.000,00€ e o sócio gerente da C…, Lda. entregava a quantia de 7.000,00€ em numerário;
C)O negócio em apreço só não foi titulado através de factura porque o sócio gerente da C… exigia que em contrapartida o Arguido lhe emitisse uma factura de prestação de serviço, o que este recusou atenta a sua manifesta ilegalidade fiscal e contabilística.

Indica como prova que imporia decisão diversa:
- As suas declarações, que relata a existência de um negocio subjacente de compra da maquina em troca da venda de um BMW valendo este 22.000,00€ e aquela 15.000,00 e recebendo em dinheiro 6.800,00€ tendo como interveniente o Sr F…, e vendeu a máquina depois por 11.500€ (6000.00€ em cheques e uma carrinha Mercedes)
- depoimento de F…, cujas declarações, são contraditórias com a prestadas à PJ noutro processo e que constam da certidão de fls 248 a 253 que não foram apreciadas, tendo declarado agora que fez contrato de aluguer ficando com a BMW entregando 6800,00€ e pagando o aluguer da máquina durante 6 ou 7 meses
- depoimento de D…, socio gerente da H…, que não teria conhecimento do negocio, nem sabe quem assinou o contrato de aluguer,
- depoimento de E…, funcionário da “H…”, que apenas saberia que o seu patrão lhe disse que alugara a máquina e a transportou;
Depoimento de J…, que comprou a máquina ao arguido sobre como a pagou e que o pai lhe falou no negócio do BMW e da troca da máquina e mais 7.000,00€ , e ele não conhece o filho;
Consta da fundamentação decisão:
O arguido admitiu desde logo ter-se dirigido às instalações da “H…, Lda.”, mostrando-se interessado em alugar uma máquina retro escavadora. Referiu, todavia, que como o preço diário do aluguer era cerca de 100,00€, valor que considerou excessivo, então F… (pai do legal representante da H…) propôs a celebração do seguinte negócio: o arguido adquiria a propriedade da máquina pelo preço de cerca de €15.000 e em contrapartida entregava àquele um BMW …, com a matrícula ..-MI-.., pelo valor de €22.000 e recebia ainda deste a quantia remanescente de €7.000 (que após uma redução acordou ser de 6.800€, que recebeu em numerário), o que foi querido e aceite por ambas as partes. Afirmou que, uma vez fechado o negócio, passados cerca de 15 dias vendeu a aludida máquina à empresa C… pelo preço de 11.500€, tendo recebido 6.000€ através de cheques e ainda uma carrinha Mercedes.
Negou que alguma vez tivesse alugado a máquina retro escavadora em questão e afirmou desconhecer o contrato de aluguer cuja cópia se mostra junta a fls. 34.
De salientar que o Tribunal não atribuiu credibilidade à versão do arguido na parte em que referiu ter adquirido a máquina e não ter alugado, na medida em que a mesma resultou infirmada pela restante prova produzida. Assim valorou-se desde logo o depoimento da testemunha D…, gerente da sociedade H… e que confirmou que o arguido se deslocou às instalações da empresa com o intuito de alugar uma máquina retro escavadora por um período de 6 meses, tendo tratado do assunto directamente com o seu pai F…. O pai comunicou-lhe que, em alternativa ao aluguer, o arguido mostrou-se interessado em adquirir a máquina em apreço e em contrapartida entregaria uma carrinha BMW …, ao que a testemunha rejeitou de imediato tal proposta, alegando que a empresa não se dedicava à venda de máquinas e além disso necessitava em absoluto da máquina para poder exercer o objecto social de aluguer. Esclareceu então a testemunha que o seu pai comprometeu-se perante si a assegurar o pagamento do aluguer da máquina, substituindo-se ao arguido e em contrapartida este vendia-lhe a carrinha BMW …, entregando ainda o pai ao arguido uma quantia entre 6.000€ a 7.000€, em numerário. Assegurou que a venda da máquina nunca foi uma hipótese, o que transmitiu directamente ao seu pai, até mesmo porque já tinha outros interessados em adquirir aquela concreta máquina e nunca acedeu a tal, justamente por entender que aquele negócio em nada beneficiaria a sociedade. Mencionou ainda que as referidas máquinas vêm acompanhadas de um documento próprio denominado certificado de conformidade, além da respectiva factura de aquisição, documentos esses que não deixariam de ser entregues aquando da sua eventual venda, sendo certo que no caso tais documentos nunca deixaram de estar na posse e instalações da H…, justamente porque a máquina jamais foi vendida.
Também a testemunha E…, trabalhador da H…, foi o responsável pela entrega da máquina em causa ao arguido, tendo relatado que o seu patrão lhe transmitiu na altura que tal equipamento era para ser alugado ao arguido pelo prazo de 6 meses, pelo que o mandou preparar a máquina para entrega. Nessa sequência, confirmou que o arguido assinou o contrato de aluguer cuja cópia se encontra a fls. 34 dos autos, o que tem certeza porquanto o contrato fazia parte de um livro de registo de contratos que a testemunha tinha na sua posse e tal documento foi assinado pelo arguido à sua frente. Explicou que o contrato original fica para o cliente, e quanto aos restantes duplicados um permanece no livro e o outro é entregue no escritório da empresa.
Cumpre referir que tais depoimentos se afiguraram espontâneos, objectivos e coerentes e nenhuma contradição foi detectada que pudesse abalar a seriedade dos mesmos, sendo certo que tais testemunhas não deixaram de responder negativamente, dizendo que não tinham visto, presenciado ou assistido alguma situação quando tal se justificava, o que apenas conferiu foros de seriedade aos seus depoimentos.
A reforçar tais depoimentos, a testemunha F…, interveniente directamente no negócio celebrado com o arguido, mencionou que o arguido pretendia alugar a máquina em discussão e que a determinada altura propôs-se adquirir a mesma, através da venda de uma carrinha BMW …, proposta que transmitiu ao seu filho, na qualidade de gerente da H…, que o mesmo rejeitou de imediato, por não estar interessado. Relatou que após muita insistência por parte do arguido, a testemunha acabou por aceitar adquirir para si a carrinha BMW … pelo preço de 20.000€, entregando ao arguido em numerário o montante de 6.800€ e em contrapartida assegurava o pagamento do aluguer da máquina retro escavadora junto do filho pelo tempo necessário até perfazer a diferença de cerca de 13.000€. Assegurou que em momento algum aceitou vender a máquina ao arguido, até porque não dispunha de poderes para tanto e jamais aceitaria celebrar tal negócio sem o consentimento ou contra a vontade expressa do filho, o que é do conhecimento do arguido, o qual inclusivamente nunca pediu os documentos da máquina, sempre permaneceram sempre na posse da sociedade.
Foi assim do conjunto da prova testemunhal acima indicada que o Tribunal formou a sua convicção positiva quanto à celebração e termos do negócio, já que estas foram também as únicas pessoas que tiveram contacto directo com a situação e com o arguido.
Por seu turno, também as testemunhas E…, legal representante da sociedade C… confirmou que o arguido se apresentou como proprietário da máquina retro escavadora em causa e nessa qualidade vendeu-a à sociedade que representa pelo valor de 6.000€, tendo a testemunha entregue para pagamento do preço três cheques, dois no valor de 2.500€ e um de 1.000€. Relatou que ficou plenamente convencido que o arguido era o legitimo proprietário da máquina, até porque não tinha razões para duvidar da sua seriedade, tanto mais que exigiu uma documento que atestasse a venda (no caso o arguido emitiu uma declaração, alegando não poder emitir factura) e procedeu a expensas suas a várias reparações na máquina. Disse que posteriormente foi surpreendido com a ordem de apreensão da máquina e que até ao presente a sociedade está sem a máquina, desembolsada do preço que pagou pela sua aquisição e ainda do valor correspondente às reparações que na mesma efectuou.
Também a testemunha K…, mecânico ao serviço da sociedade C…, descreveu as reparações efectuadas na máquina objecto dos autos, estimando o respectivo valor.
Complementarmente, para demonstração dos factos, o tribunal valeu-se da cópia da factura de fls. 22, cópia do certificado de conformidade de fls. 23, cópia do contrato de aluguer de 24-25 e 34, cópias dos cheques de fls. 58 a 60, certidão comercial de fls. 70 a 74, certidão de fls. 90 a 101; informação do L… de fls. 103, certidão de fls. 105 a 121; certidão comercial de fls. 135 a 139, informação do N… de fls. 180, declaração de fls. 188 e factura de fls. 189
Foi da conjugação de todos os elementos supra referidos, analisados à luz das regras da experiência comum, que o Tribunal ficou com a convicção de que o arguido na posse da máquina retro escavadora que tinha advindo à sua esfera por força da celebração de um contrato de aluguer, arquitectou um plano com o propósito de vendê-la, por forma a realizar dinheiro, fazendo o arguido crer à ofendida “C…, Lda.”, na pessoa do seu sócio gerente e legal representante, J…, que era dono e legítimo proprietário da mesma, tendo de seguida vendido àquela sociedade a referida máquina pelo preço de €6.000, bem sabendo que não era dono da dita máquina e que não a podia alienar, aproveitando-se da relação de confiança que a queixosa mantinha com o arguido, fruto das relações comerciais mantidas entre ambos. (…)
Assim, a tomada de posição quanto à factualidade não apurada ficou a dever-se à ausência de prova, em função do que supra se expendeu e concretamente no que se refere ao negócio celebrado entre o arguido e F… não ficou demonstrado que se tratou de uma permuta ou de uma compra e venda da máquina retroescavadora, motivo pelo qual se deram tais factos como não provados.”

Ora em primeira linha cumpre assinalar que o recorrente indica ainda como prova que imporia decisão diversa a testemunha K… e a mesma testemunha J…, quando à matéria do “pic” mas não procede a respectiva transcrição ou indica a parte da gravação que imporia decisão diversa, pelo que não observando o disposto nom artº 412º CPP, nessa parte não podem ser ponderados, pelo que quanto a esta matéria a impugnação não pode proceder.
No mais, vista a fundamentação e analisada a prova elencada pelo recorrente, cremos que efectivamente não nos é possível alterar a matéria de facto impugnada, desde logo porque não é verdadeiramente impugnada dado que os factos objectivos ocorreram, e apenas o arguido lhes dá uma diferente coloração, credibilidade, atacada esta pelo facto de não ter sido valorada a certidão de fls 284, e serem interessados nos factos, por não ter sido ponderado e dado credibilidade ao depoimento de J… e à assinatura do contrato de aluguer,
Sendo que sem razão.
Pois quanto ao depoimento de J… como resulta da transcrição feita pelo assistente, na resposta ao recurso aquele (F…, pai do socio gerente da H…) ter-lhe-á também dito que não tinha vendido a máquina ao arguido, mas alugado; e quanto à assinatura do contrato a testemunha E… que transportou a máquina para o arguido, afirma que o original do contrato de aluguer foi assinado pelo arguido à sua frente, e quanto aos depoimentos prestados noutro processo constantes da certidão, manifestamente não tem razão.
Na verdade estamos em princípio perante prova proibida (cf. ac. R.P. 2/12/2015 www.dgsi.pt “ Constitui prova proibida o uso e valoração do teor de uma certidão extraída de outro processo reportado ao relato da prova produzida em julgamento neste processo.” e isto porque tratando-se de depoimento sobre a mesma matéria prestado noutro processo a sua leitura (e necessariamente o seu confronto perante o depoente que presta o seu depoimento) e consequente valoração apenas podem ter lugar nos termos do artº356º CPP, o que não ocorre, pois o artº 355º CPP proíbe tal valoração ao estabelecer que “1 - Não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência.
2 - Ressalvam-se do disposto no número anterior as provas contidas em actos processuais cuja leitura, visualização ou audição em audiência sejam permitidas, nos termos dos artigos seguintes.”
No mesmo sentido expressa Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal”, 4.ª edição, 920/921 que “o artigo 356.º não distingue entre as declarações prestadas no processo em que são lidas e as declarações prestadas em outro processo”, e se nada obsta à junção aos autos de certidão de prova testemunhal prestada noutro processo, já a sua leitura e valoração está sujeita á disciplina do artº 356 e 357º CPP, e nomeadamente como expressa aquele professor se:
- as declarações da testemunha ou do declarante tiverem sido prestadas para memória futura ou na audiência de julgamento e o arguido (do processo onde as declarações sejam lidas) tiver tido oportunidade de intervir na produção da prova no outro processo na qualidade de arguido;
- a prova produzida no outro processo for irrepetível (por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade duradoira de depor da testemunha ou declarante) e tiver sido produzida perante o MP ou o juiz no outro processo;
- o MP, o arguido e o assistente estiverem de acordo na leitura do depoimento da testemunha ou declarante prestado no outro processo, diante do juiz, do MP ou do órgão de polícia criminal;
Entender de outro modo, valorando prova obtida sem ser em audiência de julgamento e sem observância do disposto naqueles normativos seria permitir subverter a disciplina daquelas normas e o próprio princípio da imediação que subjaz ao disposto no artº 355º1 CPP.
Assim bem fez o tribunal recorrido ao não valorar os depoimentos prestados constantes de certidão extraída de outro processo.
Cf. com idêntico sentido o ac RC de 03.07.2013 www.dgsi.pt “I - Sob pena de subversão da disciplina dos artigos 355.º, 356.º e 357.º, todos do CPP, é insusceptível de valoração, como «documental», a prova traduzida em declarações e depoimentos [provas documentais declarativas] proferidos no decurso da audiência de discussão e julgamento no âmbito de um outro processo [em que o arguido não coincide] - cuja certidão [onde, também, se inclui a transcrição daqueles] integra os autos que agora decorrem.” tanto mais inadmissível quando, tal como expressa o ac TRE de 5/05/2015 www.dgsi.pt se traduz “1. A «substituição» da prova testemunhal, em julgamento, por prova documental, que consubstancia assim uma espécie de declaração documentada, contraria princípios como os da imediação e da oralidade e restringe intoleravelmente o contraditório.
2. A possibilidade dos sujeitos processuais se poderem pronunciar sobre uma declaração documentada não satisfaz o contraditório, pois este exige, não apenas a possibilidade dos sujeitos processuais se pronunciarem sobre um documento junto ao processo, mas a possibilidade de poderem instar e contra-instar uma testemunha sobre a matéria probanda. Trata-se da salvaguarda da observância de «um contraditório pela prova» e não apenas de «um contraditório sobre a prova».”, e por outro lado não pode ser considerada prova documental, no sentido do artº 164º CPP, pois não se trata de um acto realizado fora do processo e ao qual vem a ser junto, mas um acto inscrito no próprio processo onde foi obtido (cf. ac. TRL 18/05/2011 www.dgsi.pt).
No mais e tendo o negocio do BMW sido feito com o pai (F…) e não com a H… ( socio gerente D…) não pode a esta ser atribuído, e acresce que no essencial estamos perante duas versões contraditórias tendo o tribunal optado pela do ofendido, que lhe pareceu mais conforme com a realidade e com suporte nas demais provas, desde as documentais e as regras da experiencia e por essa via mais conforme com o normal agir;
De todo o modo, verifica-se que está em causa a credibilidade concedida aos depoimentos em detrimento da concedida às declarações do arguido, e
- quanto a esta credibilidade concedida aos meios de prova, o tribunal expressou-a e fundamentando-a, e estando em causa aquela credibilidade não é possível atribuir-lhes uma credibilidade diferente da que teve o tribunal recorrido. Se é possível, teoricamente, atribuir-lhe outra credibilidade, o certo é que a credibilidade (ou falta dela) que o tribunal lhe dá se mostra fundamentada e não se trata de uma apreciação arbitrária, mas perfeitamente justificada e plausível, sendo que inexiste prova a corroborar a versão do arguido, ao contrario da versão do ofendido e estando em causa a mesma prova, e sendo apenas questionada a credibilidade, importa lembrar que não basta “dizer” para se acreditar, é também preciso “convencer” da verdade do que disse, daí o recurso a factores de credibilidade e emotividade presentes na livre apreciação da prova, e apreensíveis apenas pela oralidade e imediação ou seja pelo Tribunal recorrido - sendo que aquela (oralidade) é a base do julgamento da 1ª instância, (na procura do histórico acontecimento) ensinando o Prof. Alberto dos Reis, que “a oralidade, entendida como imediação de relações (contacto directo) entre o juiz que há-de julgar e os elementos de que tem de extrair a sua convicção (pessoas, coisas, lugares), é condição indispensável para a actuação do princípio da livre convicção do juiz, em oposição ao sistema de prova legal”, e citando Chiovenda revela que “ao juiz que haja de julgar segundo o princípio da livre convicção é tão indispensável a oralidade, como o ar é necessário para respirar” - Código de Processo Civil Anotado – vol. IV, pág. 566 e segs.
Sendo, por outro lado, no processo penal as provas apreciadas de acordo com o principio da livre apreciação, expresso no artº 127º CP, que impõe que a apreciação das provas é feita de acordo com as regras das experiencia e a livre apreciação do juiz, a não ser que a lei disponha diversamente, donde decorre que a valoração da prova feita de modo diverso (daquela que o juiz fez) pelo recorrente não constitui fundamento para se concluir que é a apreciação do juiz que está errada. É que aquele principio é relativo à apreciação do tribunal sujeito que está aos princípios da imparcialidade e da independência, e é ele juiz que procede ao julgamento que está, mercê dos princípios da oralidade e imediação, em condições para aquilatar da credibilidade das declarações prestadas, pois teve diante de si os depoentes, podendo e devendo não apenas valorar o conteúdo do seu depoimento (o que diz) mas também e necessariamente o modo como foi prestado de modo a poder ou não confiar no que lhe é transmitido como sendo real/ verdadeiro e correspondente ao ocorrido/ presenciado.
No processo de formação da convicção do juiz, desempenham por isso um papel de relevo não apenas a actividade de conhecimento do que terá ocorrido mas também outros elementos racionalmente não explicáveis, que levam ou não o juiz a acreditar, no que lhe é dito para além de elementos emocionais, e tudo dependente da própria vivência e conhecimento da realidade da vida do julgador.
Por isso também que num julgamento a avaliação da prova produzida, não se resume ao conteúdo literal das expressões utilizadas pelos depoentes, mas a uma analise global, devidamente encadeada sobre toda a aprova, de modo a formar um juízo global e consistente sobre a mesma. Para isso o contacto directo com o depoente (principio da imediação) é a fonte da credibilidade, pois pode atender não apenas à razão de ciência invocada, como à imparcialidade que revela ou interesse que manifesta, à espontaneidade do depoimento, revelada pelos mais variados factores, que vão desde a postura, o modo como responde, a voz, a atenção que busca, o auxílio que invoca, as hesitações, as contradições e gestos que faz, tudo factores de que o tribunal de recurso não tem acesso, pelo que o tribunal a razão da sua credibilidade e aquela está de acordo com a normalidade, não pode o tribunal de recurso substituir-se naquela apreciação.
Podemos assim dizer que o tribunal recorrido, observou as regras legais sobre apreciação da prova e sobre a motivação, pois no entender do STJ, ac.de 11/7/07 in www.dgsi.pt/jstj proc. nº 07P1416, “ O juiz aprecia a prova produzida – que se mede pelo seu peso e não pelo seu número - , dando conta na motivação dos resultados adquiridos e dos critérios adoptados para justificar a decisão perante os sujeitos processuais e até perante os tribunais superiores, apresentando as razões por que algumas das provas merecem aceitação e outras não, funcionando a motivação como instrumento indispensável para o controle da administração da justiça”, - o que como resulta da fundamentação se mostra observado - e que está na base do Ac. R. G. de 25/2/2008 www.dgsi.pt/jtrg ao expressar que “nada obsta a que o tribunal alicerce a sua convicção no depoimento de uma única pessoa,… desde que tal depoimento se lhe afigure pertinente credível, uma vez que há muito deixou de vigorar a velha regra do “ unus testis, testis nullis”, ultrapassado que está o regime da prova legal ou tarifada, substituído pelo principio da livre apreciação da prova …”
E vista a fundamentação da sentença recorrida, verifica-se que a opção que o tribunal tomou em sua convicção como lhe é imposto pelo artº 127º CPP, não se mostra eivada, de qualquer erro ou falta, o que aliado à explicitação que faz dos depoimentos resulta que tal é credível, não usou provas proibidas ou ilegais, e mostra-se fundamentada, objectivada e lógica, não revelando qualquer arbitrariedade ou discricionariedade, mostrando-se insuperável a dúvida a que chegou sobre a real ocorrência dos factos imputados.
Aliás é expressiva e por isso de acordo com as regras das experiencia, a observação do ilustre PGA no seu parecer, ao não se conceber a não ser da forma como valorou o tribunal a prova, que o arguido tivesse obtido um bem pelo valor de 15.000,00€ e passados escassos 6 dias (aluguer em 9/3/2012 e venda em 15/3/2012) (mínimo) o venda no máximo por 11.000,00€ ( 6.000,00 em dinheiro e Mercedes de 5.000,00€), perdendo em menos de uma semana o valor de 4.000,00€. Pelo que importa questionar: quem é que assim procede, a não ser quem quer vender a qualquer preço, pois tudo é lucro ?.
Ora o recorrente pretende em geral que o tribunal de recurso aprecie e valorize de modo diferente (ou desvalorize, não lhe concedendo credibilidade, e valorize outras) essas provas mas sem o recurso aos princípios da oralidade e da imediação, e lhes negue ou conceda credibilidade (de acordo com o seu - do recorrente - entendimento/ apreciação), o que levaria certamente ao cometimento de um mais provável erro na apreciação da prova por parte deste Tribunal. Mas o Juiz de julgamento, não é um “depositário” de meros depoimentos verbais, antes lhe incumbe o poder dever de os analisar, criticar, apreciar e valorar concluindo em sua convicção pela verdade ou não do facto relatado, e como se vê do exposto o Tribunal recorrido está e esteve em condições para valorar a prova produzida na audiência, de modo a avaliar o mais correctamente possível da credibilidade das declarações prestadas face à impressão que causam na convicção do julgador, e dado que só o Juiz na 1ª Instância beneficia dessa imediação e, por isso, só ele teve acesso à comunicação não verbal (que é uma forma de comunicação metafórica, simbólica e afectiva), e que o Tribunal de recurso não tem acesso a essa comunicação, este, não pode criticar a convicção a que chegou com base na sua percepção e livre apreciação;
Assim, vista a apreciação feita pelo Tribunal da prova produzida, expressa na fundamentação verifica-se que se encontra em conformidade com o artº 374º2 CPP e pelo exame e análise da prova não detectamos sinais ou indícios de que tenham sido infringidas as regras da experiência comum (que são as regras que se colhem, ao longo dos tempos, da sucessiva repetição de circunstâncias, factos e acontecimentos que se sedimentam no espírito do homem comum como juízos hipotéticos de conteúdo genérico, independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para além dos quais têm validade, são no fundo regras de vida), ou que ocorra qualquer violação das regras de produção de prova e da formação da convicção do Tribunal quanto à apreciação das provas produzida - fundamentada, objectivada e lógica, não revelando qualquer arbitrariedade ou discricionariedade - e não ocorre violação de qualquer prova vinculada ou legal, usado meio de prova proibido ou de qualquer regra que imponha a valoração da prova de acordo com o desejo da recorrente em oposição à apreciação da prova produzida feita pelo Tribunal.
Assim não podendo criticar a opção que o tribunal a quo, não dever ser alterada a matéria de facto e a decisão, uma vez que como expressa o Prof. Figueiredo Dias “Direito Processual Penal”, Coimbra Editora, vol. I, ed. 1974, pág. 233/234 escreve: “ Por toda a parte se considera hoje a aceitação dos princípios da oralidade e da imediação como um dos progressos mais efectivos e estáveis na história do direito processual penal. Já de há muito, na realidade, que em definitivo se reconheciam os defeitos de processo penal submetido predominantemente ao princípio da escrita, desde a sua falta de flexibilidade até à vasta possibilidade de erros que nele se continha, e que derivava sobretudo de com ele se tornar absolutamente impossível avaliar da credibilidade de um depoimento (...). De qualquer modo, desde o momento em que- sobretudo por influxo das ideais da prevenção especial- se reconheceu a primacial importância da consideração da personalidade do arguido no processo penal, não mais se podia duvidar da absoluta prevalência a conferir aos princípios da oralidade e da imediação. Só estes princípios, com efeito, permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais correctamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais”, e logo avaliar devidamente a prova produzida, e o Tribunal da Relação apenas podia alterar/ modificar a matéria de facto se fosse evidente que as provas a que faz referência na fundamentação não pudessem conduzir à decisão proferida sobre essa matéria de facto (o que não é o caso), ou existisse “um qualquer elemento probatório que pela sua irrefutabilidade não pudesse ser afectado pelo princípio da imediação” in Ac. R. P. 31/10/01 Proc.684/01, e da oralidade, o que também não é o caso, ou ainda se o Tribunal da Relação concluísse que os elementos de prova impõem uma decisão diversa (artº 412º3b) CPP) e não apenas que permitem uma outra decisão (dependente da credibilidade que os meios de prova merecem livremente apreciada) - STJ ac. de 2.6.08, no proc. 07P4375, in www.dgsi.pt. Relator Juiz Consel. Raul Borges cit. - o que também não é o caso.
Assim não pode ser alterada a matéria de facto no sentido proposto pelo recorrente, dado que se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção.
Improcede assim esta questão, não podendo ser alterada a matéria de facto.

Improcede por isso o recurso
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Pelo exposto, o Tribunal da Relação do Porto, decide:
Julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido e em consequência mantém a sentença recorrida.
Condena o arguido no pagamento da taxa de justiça de 5 Uc e nas demais custas.
Notifique.
Dn
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Porto, 12/10/2016
José Carreto
Paula Guerreiro