Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | CASTELA RIO | ||
Descritores: | OFENSA A PESSOA COLECTIVA BEM JURÍDICO PROTEGIDO | ||
Nº do Documento: | RP202402213383/19.3GAVFR.P1 | ||
Data do Acordão: | 02/21/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | I - O crime doloso de «ofensa a pessoa colectiva» previsto no art 187-1 CP autonomiza-se - dos crimes dolosos de «difamação» do art 180-1 CP e de «injúria» do art 181-1 CP que também protegem «pessoa colectiva» - pelo facto daquele tutelar bem jurídico «mais do que poliédrico» mercê da sua composição: «a credibilidade», «o prestígio» e «a confiança» condensáveis na locução «bom nome» de «pessoa colectiva». II - O tipo legal objectivo do art 187-1 do CP, crime de perigo abstracto-concreto e, por outro lado, de mera actividade, abarca modo de agir com aptidão atentatória - segundo um «critério objectivo» - daquele «bem jurídico heterogéneo», desde «rumor» a «informação falsa» condensáveis na locução «difusão de factos inverídicos» que compreende «facto falso» mas também a diversa «meia-verdade» com aptidão a ser «percebida ou valorada como afirmação de coisa inverídica». III - Não integram o tipo legal objectivo do art 187-1 do CP as palavras insertas num e-mail que visam directamente - não a «pessoa colectiva» mas - um círculo de pessoas em redor ou à volta de Administradores que não afecta o «bom nome» da Assistente que nem sequer é referida. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Na 1ª Secção Judicial / Criminal do TRP acordam em Conferência o Colectivo de Juízes
no Recurso Penal 3383/19.5GAVFR.P1 vindo de Juiz 6 do Juízo Local Criminal do Porto
PARTE I - RELATÓRIO
Sob Acusação da Assistente A..., SA, a fls 480->483VS – seguida de PEDIDO CIVIL a fls 484-486 II - com as imputações de facto e de Direito ao Arguido AA [1] da autoria material - pela interpelação de 04-12-2018 e pelo e-mail de 18-02-2019 - de 2 crimes dolosos consumados de «ofensa a pessoa colectiva» p.p. pelos arts 187 e 183-1-a-b do CP e que foi acompanhada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ut DESPACHO 408 935 259 a fls 487 II «apenas em relação aos factos suficientemente indiciados e onde se fazem imputações concretas; no caso em relação aos factos escritos no documento de fls 237, referi dos no art. 9º da acusação» cujo teor corresponde ao teor do § 10 do rol de factos a quo julgados provados infra citado, foi o Arguido submetido a JULGAMENTO na AUSÊNCIA dele, em Processo COMUM por Tribunal SINGULAR, sendo que a AUDIÊNCIA culminou na SENTENÇA de 23-9-2023 - depósito após prolação oral do processamento escrito - que decidiu:
«1.º Absolver o arguido AA da prática de um crime de ofensa a pessoa colectiva, p. e p. pelos artgs. 183° n° 1 als. a) e b) e 187° do CP, pelo crime cometido em Fevereiro de 2019, por referência aos factos cometidos em Novembro/Dezembro de 2018; 2.º Condenar o arguido AA pela prática de um crime de ofensa a pessoa colectiva, p. e p. pelos artgs. 183° n° 1 als. a) e b) e 187° do CP, pelo crime cometido em Fevereiro de 2019, na pena de 300 dias de multa à taxa diária de € 6,50, o que perfaz o total de € 1.950 3.º Condenar o arguido nas custas criminais do processo, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s - 513.º e 514.º, ambos, do Código de Processo Penal; 4.º Determina-se a publicação da sentença, a expensas do arguido, nos termos previstos no art.º 189.º do Código Penal. 5.º Julgar parcialmente procedente e provado, o pedido de indemnização civil formulado pela demandante A..., S.A. contra o arguido demandado AA e, em consequência, condená-lo a pagar à demandante a quantia de € 2.500 a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora contados desde a data da presente decisão até efectivo e integral pagamento, indo no mais absolvido. 6.º Custas cíveis a cargo de demandante e demandado em razão do respectivo decaimento. Notifique e deposite – art.º 372.º, n.º 5, do Código de Processo Penal. Proceda à inserção da presente sentença no sistema informático Citius (F7). Após trânsito, remeta boletins ao registo criminal e publique-se a sentença conforme determinado.»
Inconformado com o decidido, o ARGUIDO, em 10-10-2022 notificado da Sentença ut art 333-5-6 do CPP, por Agente da GNR, interpôs RECURSO pela Declaração de interposição com MOTIVAÇÃO a fls 641->654VS com 40 §§ numerados de CONCLUSÕES que se transcrevem:
[«Refere a sentença objecto de recurso, no que ora interessa: «Ora, volvendo ao caso concreto, entendemos que, quern a forma como s3e expressou verbalmente, quer na forma como expressou por escrito nos emails, o arguido imputou factos inverídicos que põem em causa a honra, a credibilidade e aconfiança da assistente. Na verdade, ao dizer que na venda do imóvel, houve conluio da assistente com os administradores de insolvêwncia para que o prédio fosse vendido a determinada pessoa quando, na verdade, só não foi vendido ao arguido porque este ofereceu um valor abaixo do valor anunciado para o leilão. Daqui resulta a inverdade dos factos e a intenção do arguido de denegrir a imagem da assistente. Tal inverdade resulta plasmada de forma muito concreta no documento que divulgou por email, constante de fls. 237, por referência aos factos de Fevereiro de 2019» in corpo da Motivação]
[«Numa dessas vendas….a leiloeira que realizou o leilão foi a “B...” e, aparentamente, correu tudo muito bem. Contudo, mais tarde e depois de alguns incidentes, deu para compreender que o leilão estaria todo ele manipulado, ao ponto de haver compradores que nunca chegaram a estar fisicamente presentes no leilão a licitar. Desde então a “B...” é persona non grata neste escritório e a palavra “leiloeira” é proibida» in corpo da Motivação]
[com o teor: «Boa tarde. Solicito a seguinte informação. Como é que é possível que seja nomeada uma leiloeira para alienação de uma determinada massa insolvente, e que nas escrituras dos imóveis insitos, apareça como representante da empresa compradora o mesmo sócio ou accionista da empresa leiloeira, fisicamente é sempre a mesma pessoa, sendo que muitas vezes em resultado de negociação particular. Como é que se negoceia consigo próprio, ou, como é que um A.I., que não pode desconhecer essa realidade, é, porquê, complacente com ela. Atentamente» in corpo da Motivação]
[que foi o seguinte: « Boa noite, Conforme informação infra, solicita-se aos Srs. A.I. o envio de relatórios de leilão de processo concluidos, e bem assim o reporte de situações anómalas como parte de email que se transcreve, e que seja do vosso conhecimento, guardando sigilo absoluto de pessoas e contactos. Tive conhecimento do seu pedido de ajuda e coragem para enfrentar…maiores corruptos deste pais. As seguintes empresas pertencem ou pertenceram……e todas elas já compraram imóveis ou equipamentos em vendas organizados pelas…, como é óbvio as compras eram realizadas por valores muito baixos que permitiam revender com lucros astronomicos. o circulo está muito bem montado e será difícil, mas não impossivel que se faça justiça, muitas vezes os administradores de insolvência estão envolvidos e juntam um parecer positivo nos relatórios de venda para adjudicarem estas compras realizadas “pelas empresas… junto dos credores, em muitas outras ocasiões, quando o administrador de insolvência não pretende nomear …. como encarregada de venda, sofre grandes pressões de um grupo consideravel de credores que podem ser diretores de departamento dos bancos ou mandatários. O administrador de insolvência com receio de criar uma má relação com os credores, pois poderia não ser nomeado nos próximos processos por impossição dos credores vê-se obrigado a contratar…… Muitas das compras que são realizadas pelas empresas ……, depois são vendidas, sendo que na maioria das vezes o valor da fatura não é o valor real de venda, isto porque, na maioria dos casos os pagamentos são feitos em dinheiro que não é registado. este dinheiro paga tudo, deste admisntradores de insolvência, credores, madatários…comprar imóveis e equipamentos a baixo custo que prejudicam as massas insolventes nem é muito grave comparado com a arquitetura que provoca propocitadamente insolvências de empresas que poderiam ser viaveis, levando centenas ou até milhares de pessoas para o desenprego. Atentamente AA» in corpo da Motivação
[«Ora, a agravação cominada no n.º 1, alínea a) do artigo 183.º do Código Penal, fundamentase numa maior gravidade objectiva e a da alínea b) fundamenta-se na maior intensidade da culpa do agente. A agravação cominada no n.º 1, alínea a) do artigo 183.º do Código Penal, fundamenta-se numa maior gravidade objectiva, decorrente de o meio usado facilitar a divulgação da ofensa. A agravação cominada no n.º 1, alínea b) do artigo 183.º do Código Penal, consiste em estruturar a calúnia com base na malícia da imputação. O crime pelo qual o arguido foi condenado previsto no artigo 187.º, n.º 1 do Código Penal, vem, na ordem sistemática, entre os crimes contra a honra. “A redação actual do art.º 187º, nº 1, não se limita, assim, a referir a pessoa colectiva; por outro lado, fala-se em credibilidade, prestígio e confiança”. A introdução deste artigo, levada a efeito pelo Decreto Lei 48/95, de 15 de Março, teve a precedê-la os esclarecimentos do Prof. Figueiredo Dias, que sublinhava não ter ele por base a ideia errada de que os artigos anteriores não cobrem as pessoas colectivas, não possíveis de titular o bem Jurídico protegido pela difamação ou injúria. O objectivo deste artigo é diferente: “…é criminalizar acções (os rumores), não atentatórias da honra, mas sim do crédito, do prestígio ou da confiança de uma determinada pessoa colectiva, valores que não se incluem, em rigor, no bem Jurídico protegido pela difamação ou pela injúria”. Também o Prof. Figueiredo Dias teve ocasião de salientar que neste artigo se protege algo mais (ou algo de diferente) do que a honra, cobre-se também a informação falsa, por exemplo, de interesse patrimonial: “determinado bem, produzido pela fábrica A, tem defeito e não funciona passado um ano” – Código Penal, Parte Geral e Especial, com notas e comentários, M. Miguez Garcia e J.M. Castela Rio, Almedina, 2015, pág. 815, em comentário ao artigo 187.º do Código Penal. Ou seja, mais que a honra, o bem jurídico tutelado pela norma incriminatória em apreço é a imagem da pessoa colectiva visada, a valoração que terceiros fazem da pessoa jurídica em questão, o seu bom nome e reputação no mercado, no caso de corporações que especialmente pres tem serviços» in corpo da Motivação]
[«Isso mesmo resulta dos factos provados, não constando dos mesmos a prova da origem dos referidos emails. O “email” corresponde a um documento electrónico sujeito como tal ao regime dos “Documentos e atos jurídicos eletrónicos”, aprovado pelo Decreto-Lei 290-D/99 de 02/08, na sua última redação que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei 88/2009 de 09/04 e republicou este mesmo Decreto Lei. O valor probatório do documento eletrónico ao qual não se mostre aposta uma assinatura ele trónica qualificada certificada no que à sua autoria respeita será apreciado nos termos gerais de direito, podendo ainda o reconhecimento da sua autoria resultar da própria aceitação da pessoa a quem o mesmo é oposto.»]
[«Todas as sessões de audiência de julgamento decorreram sem a presença do arguido, ao contrário do que consta da sentença proferida que refere que “Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, com a presença do arguido (…)”.»] - a afirmação ou propalação de factos inverídicos; - não ter o agente fundamento para, em boa fé, reputar verídicos esses factos; - a idoneidade de tais factos para ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança que se mostrem devidos a organismo ou serviço que exerçam autoridade pública, pessoa colectiva, instituição ou corporação.
[«A questão desloca-se da defesa do arguido (que invoque a veracidade dos factos ou a sua convicção desta) para os fundamentos da tipicidade e da acusação (que tem de assentar na inveracidade dos factos).»]
[«Por outro lado, dado que o legislador não fez a ressalva que faz no n.º 4 do artigo 180.º em relação ao crime de difamação, não carece o agente de cumprir o dever de informação sobre a verdade, ou melhor, veracidade da informação.
Ou seja, a boa fé a que se refere o artigo 187.º do Código Penal é mais subjectiva desde que corroborada por alguns factos objectivos – Acórdão do Tribunal da Relação do Porto [de 19-4-2017 de Paula Guerreiro com Pedro Vaz Pato] proferido no processo n.º 932/14.9PIPRT de 19/04/2017 disponível em www.dgsi.pt» com o sumário:
« I - O elemento objectivo do tipo do crime de ofensa a pessoa colectiva p.p. pelo artº 187º CP, consiste na difusão de factos não verídicos com capacidade para ofender a credibilidade, o prestigio e a confiança numa pessoa colectiva. II - Para preenchimento do elemento subjectivo basta que o agente tenha conhecimento da inveracidade de tais factos e mesmo assim os apregoe ou divulgue, querendo propalar essa notícia. III - Tal tipo legal não exige um elemento subjectivo (animus) específico de lesão do bom nome, bastando a vontade de difundir o facto inverídico. IV - A susceptibilidade de ofender a credibilidade, prestigio ou confiança da pessoa colectiva, afere-se de modo objectivo, bastando que o cidadão comum valore desse modo tais factos e estes sejam dotados dessa capacidade para afectar ou denegrir a imagem externa que o cidadão tem da pessoa colectiva.»
«Tendo presente os elementos objectivos do tipo de crime, os mesmos não se verifiquem quanto aos emails em causa.»]
[«A factualidade em causa não consagra de forma inequívoca qualquer conduta tipificadora do crime em que o arguido foi condenado»]
Caso assim se não entenda, sempre se diga que,
[«E nessa medida, não obedece à sua função de ressocialização, sendo contraproducente nos seus objectivos, uma vez que gera no arguido recorrente um sentimento de revolta e de injustiça. UMA VEZ QUE ESTÁ A SER PUNIDO MUITO PARA ALÉM DA SUA CULPA. Sentindo-se assim injustamente condenado. […]A culpa, salvaguardada da dignidade humana do agente, não sendo o fundamento último da pena, define, em concreto, o seu limite máximo, absolutamente instransponível, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que se façam sentir. A moldura da pena aplicável ao caso concreto há-de definir-se entre o mínimo imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias e o máximo que a culpa do agente consente; entre tais limites encontra-se o espaço possível de resposta às necessidades da sua reintegração social. Ora, O arguido não agiu com dolo directo; Nunca houve um desvalor do resultado; As suas condições pessoais, familiares e económicas; O facto praticado nunca será reconduzível a uma tendência criminosa, mas apenas a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade do arguido»]
[«Foi ignorado, ou pelo menos não valorado convenientemente o facto de o arguido ser uma pessoa muita respeitada no meio social em que se integra, ser um cidadão tranquilo, que não causa qualquer perturbação social. É uma pessoa séria, íntegra e socialmente integrada. A pena aplicada ao arguido recorrente é extremamente violenta e está em total desconformidade quer com a sua culpa, quer com as necessidades de prevenção geral e especial. Ao que acresce ainda, o facto de que atendendo às atenuantes acima referidas, não existe razão para que a medida da pena aplicada ao arguido recorrente seja desse “quantum”.»]
ADMITIDO o Recurso a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo para este TRP ut arts 399, 400 a contrario, 401-1-b-I-III, 406-1-I, 407-2-a, 408 a contrario e 427 do CPP pelo DESPACHO 445 324 573 notificado a Sujeitos Processuais inclusive nos termos e para os efeitos dos arts 411-6 e 413-1 do CPP,
O MINISTÉRIO PÚBLICO apresentou a RESPOSTA 78 091 a fls 660->662 VS com o remate «… a sentença recorrida não padece de qualquer vício e ou nulidade, nem violação de qualquer principio de direito penal, de direito processual penal ou de direito constitucional e fez correcta interpretação e aplicação da lei, designadamente, dos artigos invocados pelo recorrente e, por isso, o recurso interposto não merece provimento, devendo a douta sentença recorrida ser mantida nos seus precisos termos …»:
Na VISTA ut art 416-1 do CPP o Exmo Procurador Geral Adjunto emitiu o PARECER 16 964 309 que «… o recurso deve ser julgado totalmente improcedente, devendo ser mantida na íntegra a decisão recorrida …» com o seguinte teor:
« Inconformado com a sentença que o condenou pela prática de um crime de ofensa a pessoa coletiva dela veio interpor recurso alegando, em síntese, que a sentença padece do erro notório na apreciação da prova e de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, por entender que não estão preenchidos os elementos do crime de ofensa a pessoa colectiva e, quanto à medida da pena, entende que a pena aplicada excede em muito a medida da culpa. E sustentando em síntese conclusiva que: 1 - Nenhuma prova foi feita de que os endereços eletrónicos de onde foram remetido os emails pertençam ao arguido, não constando dos factos provados que o endereço de email correspondente ao remetente dos referidos emails pertença ao arguido, sendo que os mesmos não se encontram sequer assinados, muito menos eletronicamente. 2 - Do teor do email de 09 de Fevereiro de 2019 remetido pelas 16:08 não resulta qualquer tipo de ofensa, calúnia ou difamação da assistente mas apenas e só como refere a própria sentença, “uma pergunta de retórica”. 3 - O arguido apenas manifesta a sua convicção de que terá existido intervenção ilícita em atos de leilões, no exercício da sua liberdade de expressão e de opinião. 4 - Não resulta dos autos, nem nada ficou provado que os factos constantes dos emails sejam inverídicos, tendo a sentença proferida pelo Tribunal a quo omitido por completo tal questão. 5 - O que a sentença proferida pelo Tribunal a quo considera que ofendeu a credibilidade, o prestígio e a confiança da assistente, são apenas expressões e frases que “lançam a suspeita”, “perguntas de retórica”, “juízos pessoais”. São meras opiniões e juízos de valor emitidos pelo arguido. não se trata da propalação de factos inverídicos, mas apenas e tão só de uma opinião – juízo de valor. 6 - A pena aplicada ao arguido recorrente é extremamente violenta e está em total desconformidade quer com a sua culpa, quer com as necessidades de prevenção geral e especial. […] O Ministério Público na 1ª instância respondeu tempestivamente ao recurso interposto pelos arguidos, pugnando pela sua improcedência e, consequentemente, pela manutenção do decidido na douta sentença recorrida. O presente recurso tem como objeto a matéria de facto e de direito da sentença, entendendo o recorrente que aqueles factos foram incorretamente dados como provados, impondo a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento decisão diversa, a que acresce o seu inconformismo relativamente à pena aplicada, considerando-a excessiva. Com interesse para as questões colocadas pelo recorrente foram dados como provados, entre outros, os seguintes factos: [neste ponto do original consta citação dos FPV 5 a 11 infra reproduzidos no local próprio] O recorrente vinha acusado da prática, em concurso real, autoria material e na forma consumada, de dois crimes de ofensa a pessoa colectiva, p. e p. pelos artgs. 26°, 183° n° 1 als. a) e b) e 187° do CP, crimes cometidos em 4/12/2018 e 18/2/2019. E foi absolvido pelo crime cometido em fevereiro de 2019, por referência aos factos cometidos em novembro/dezembro de 2018, tendo-se referido na douta sentença recorrida “…que já não se enquadra no quadro legal do tipo de ilícito os factos cometidos em Novembro/Dezembro de 2018, em que apodou a assistente de “vigaristas” e de “associação de criminosos”. ---------------------------------------------------------------------------------------- O recorrente intenta uma modificação da matéria de facto mas não especifica os concretos pontos de facto da discórdia, as provas que impõem decisão diversa da recorrida e as provas que devem ser renovadas. E, tratando-se de reapreciação da prova gravada, também não cumpre o ónus daquelas especificações deverem ser feitas por referência à ata e com indicação concreta [ou transcrição se a acta for omissa – v. Acórdão do STJ n.º 3/2012, de 8/3/2012, DR, I Série, n.º 77, de 18/4/2012] das passagens em que se funda a impugnação, consoante decorre do n.º 4, do artº 412º do Codigo de Processo Penal. Não tendo cumprido aquele ónus de especificação a modificação da matéria de facto não se mostra possível. ---------------------------------------------------------------------------------------- Não obstante, cremos não se patentear qual erro de julgamento nem insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. Afigura-se-nos sim que o recorrente labora num equívoco quanto aos factos pelos quais foi condenado ao afirmar que o que a sentença proferida pelo Tribunal a quo considera que ofendeu a credibilidade, o prestígio e a confiança da assistente, são apenas expressões e frases que “lançam a suspeita”, “perguntas de retórica”, “juízos pessoais”. São meras opiniões juízos de valor emitidos pelo arguido, não se trata da propalação de factos inverídicos, mas apenas e tão só de uma opinião – juízo de valor. É que esta alegação respeita aos factos pelos quais foi absolvido. O que está em causa e sustentou a condenação foram os emails de fevereiro de 2019 nos quais o recorrente descreve uma "'negociata" da queixosa B..... difundindo um arrazoado de factos falsos como sejam irregularidades e negócios consigo mesma de cariz ilícito..” resultando do respectivo teor que “o objectivo é enlamear o nome da assistente B... com uma ostensiva mentira intencionalmente magicada pelo arguido, in cast, alvitrando um esquema negocial da assistente consigo mesmo” com o propósito de denegrir a credibilidade, prestigio e confiança da assistente. Não estão em causa meros juízos de valor ou opiniões mas imputações de factos inverídicos feitas à assistente sobre irregularidades e negócios ilícitos feitos consigo mesma. Como se fez constar da fundamentação de facto da douta sentença recorrida “…de acordo com os depoimentos das testemunhas o arguido quis comprar em leilão um prédio urbano por valor inferior ao mínimo anunciado, o que era do seu conhecimento, por lhe ter sido explicado pelos representantes da assistente. Por outro lado, o arguido sabia que a venda seria feita a quem desse o maior valor, acima do mínimo, pelo que efabulou um conluio que nunca existiu. Acusou o representante legal da assistente, a B... e o Administrador de Insolvência daquele caso em concreto de estarem conluiados e terem vendido a moradia que o arguido pretendia a uma empresa que não existe. Por seu turno, o arguido não tinha quaisquer razões para, em boa fé, chegar a tal conclusão porque era conhecedor das regras que regem os leilões e a forma como se processam as vendas (note-se que as testemunhas foram dizendo que o arguido apareceu em vários leilões, onde se sentou a assistir. Os seus depoimentos foram suficientes para com a certeza e segurança jurídica necessárias se concluir pela cabal demonstração dos factos descritos na acusação e no pedido de indemnização civil e de que o arguido foi o seu autor.”. O recorrente sustenta ainda que a douta sentença recorrida padece dos vícios de erro notório na apreciação da prova e de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, por entender que não estão preenchidos os elementos do crime de ofensa a pessoa colectiva. O que se constata é que o Tribunal a quo valorou de forma diferente da sua os depoimentos prestados em audiência, o que não consubstancia os vícios em causa, mas antes, uma diferente valoração da prova produzida na audiência de julgamento. Ou seja, de uma reinterpretação da prova pretende vingar a sua versão dos factos, substituindo a convicção do julgador, pela sua própria convicção, o que se tem por inadmissível, em face do disposto no artigo 127º, do C.P.P. . Na sua douta resposta, que subscrevemos e damos por integralmente reproduzida, o Ministério Público na 1ª instância evidenciou que o Tribunal “a quo” não incorreu num erro de julgamento da matéria de facto provada nem violou o princípio da presunção de inocência e, por isso, não violou o artigo 127º do C.P.P. e o artigo 32º, n.º 2 da C.R.P. nem a sentença recorrida padece daqueles referidos vícios. Como refere o Ministério Público na 1ª instância “Entendemos que a fundamentação de facto é bastante clara sobre a forma conjugada como todas as provas foram examinadas e apreciadas e ainda demonstrativa das razões de ciência que conduziram à formação da convicção do Tribunal em ordem à decisão sobre a matéria de facto. O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada a que alude o artigo 410.º n.º2, alíneas a) e b), do Código de Processo Penal, tem de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sem recurso a elementos externos à decisão. Tal vício ocorre quando os factos apurados são insuficientes para se decidir sobre o preenchimento dos elementos objectivo e subjectivo do tipo legal do crime imputado e demais requisitos necessários à decisão de direito. Salvo melhor opinião, não existe matéria que permita concluir pela existência de erro na apreciação da prova ou de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, uma vez que a sentença recorrida contém todos os factos provados constitutivos do crime de ofensa a pessoa colectiva, bem como, fundamentou a posição sobre a factualidade provada, nos elementos que reportou e considerou relevantes e necessários para a decisão relativamente aos factos integradores do crime imputado ao arguido/recorrente. O Tribunal a quo alcançou a factualidade apurada e provada, com base na livre apreciação e valoração da prova produzida em audiência. No caso em apreço, a valoração das provas efectuada pela M.ma Juíza foi efectuada de forma crítica e racional e, de acordo com as regras da experiência comum. Também dos elementos juntos aos autos e do texto da decisão recorrida não resulta que o Tribunal tenha dado como provados factos, tendo dúvidas sobre a verificação de algum ou alguns deles. Aliás, conforme se retira do texto da douta sentença, o Tribunal não ficou com qualquer dúvida quanto ao modo como ocorreram os factos e quanto à responsabilidade do arguido, ora recorrente. Não ocorre assim, por último, a violação do princípio do “in dúbio pro reo”, por no caso em concreto, não preencher qualquer dos pressupostos fácticos subjacentes à aplicação de tal princípio.”. É que a sentença recorrida revelou adequadamente e com suficiência como chegou à fixação da matéria de facto provada, tendo apreciado a versão apresentada por todas as testemunhas, cujos depoimentos analisou criteriosa e exaustivamente, explanando as razões do seu crédito ou descrédito, tendo extraído conclusões lógicas, válidas e admissíveis. A Mmª Juiz a quo exarou a motivação quanto à decisão da matéria de facto, da qual se retira a sua convicção. Ora, como o nosso sistema processual consagra o princípio da livre apreciação das provas tal significa que o juiz decide com intermediação de elementos psicológicos inerentes à sua própria pessoa e que por isso não são racionalmente explicáveis e sindicáveis, embora a construção da sua convicção deva ser feita segundo padrões de racionalidade e com uma valoração subjetiva devidamente controlada, com substrato lógico e dominada pelas regras da experiência, o que manifestamente se verifica no caso em apreço. Por outro lado o princípio da imediação limita a tarefa de reexame da matéria de facto fixada no tribunal a quo, que só pode ser modificada se ocorrer erro manifesto ou grosseiro ou se os elementos documentais fornecerem uma resposta inequívoca em sentido diferente daquele que foi anteriormente considerado, o que também não se verifica no caso presente, pelo que não é possível ao tribunal de recurso alterar a decisão da matéria de facto porque tal equivaleria a uma indevida intromissão na liberdade de apreciação da prova do tribunal a quo, que a lei não aconselhe a não ser que seja evidente uma errada apreciação da prova por parte deste. O que não é o caso. De facto, a decisão apoia-se, segundo um estrito ponto de vista jurídico, num silogismo correto entre a fundamentação de facto e a fundamentação de direito. Na verdade, do texto da decisão recorrida, tanto quanto à fixação da matéria provada como na sua fundamentação, não se vislumbra, nem o recorrente aponta, concretamente, qualquer erro notório na apreciação da prova. Este tem de resultar do texto da decisão recorrida, por si ou conjugados com as regras de experiência comum – sem possibilidade apelo a outros elementos estranhos ao texto, mesmo que constem do processo – visto tratar-se de vício inerentes à decisão, à sua estrutura interna e não ao erro de julgamento relativamente á apreciação e valoração da prova produzida. Verifica-se este vício quando se retira de um facto dado como provado uma consequência logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto provado uma consequência ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado de facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida, o que manifestamente também não ocorre in casu. ---------------------------------------------------------------------------------------- Já quanto à medida da pena referiu a Exª Procuradora da República na sua douta resposta, que aqui de igual modo subscrevemos integralmente: “O Tribunal a quo teve em conta os elementos e circunstâncias constantes no artigo 71.º do Código Penal, nomeadamente, o dolo direto, o grau de ilicitude dos factos perpetrados e, as consequências dos ilícitos provocados; os antecedentes criminais, bem como, a inserção familiar, social e profissional. Ponderando os elementos descritos e as necessidades de prevenção geral e especial, afigura-se-nos que foram corretamente valorados na determinação da medida concreta da pena, razão pela qual se apresentam como justa e adequada a pena de multa aplicada, a qual depois em termos de execução e cumprimento, poderá ser cumprida em prestações ou através da prestação de trabalho socialmente útil”. Atendendo a que visa alterar uma “decisão anterior” sobre a matéria de facto, não havendo elementos que imponham sequer superficialmente (e muito menos “muito claramente”) uma decisão em sentido diferente daquele que se encontra vertido na decisão contida na sentença, o recurso deve ser julgado totalmente improcedente, devendo ser mantida na íntegra a decisão recorrida.»
Na oportunidade efectuado EXAME PRELIMINAR e colhidos os VISTOS LEGAIS os autos foram submetidos a CONFERÊNCIA.
Como FACTOS PROVADOS o Tribunal a quo enumerou que:
«Da acusação:
Pedido de indemnização civil:
Condições económicas do arguido:
O arguido tem 51 anos e é natural de ..., Lamego. O arguido estudou em Lamego até aos 14 anos de idade, depois ingressou no Seminário ... (1985 a 1987) onde concluiu o 9º ano de escolaridade. O arguido esteve no Seminário 1... até concluir o 11º ano e, no 12º ano saiu do Seminário e foi estudar para a escola .... Nesse ano, para pagar os seus estudos sempre trabalhou num restaurante como trabalhador estudante. Em 1991 ingressou no curso de Direito da Universidade Lusíada do Porto, como trabalhador estudante tendo concluído os estudos em 1996. Em 1997, o arguido conta que trabalhou na Conservatória do Registo Predial de Gondomar e, em 1998, exerceu advocacia. O arguido esteve inscrito na Ordem dos Advogados até 2002, mas não tinha tempo para a advocacia e deixou cair a inscrição. Em 1999 criou uma empresa de nome “E...”, de serviços de catering e teve vários restaurantes, organizava casamentos (mais na zona Norte do país) e foi por isso que precisava de arranjar uma casa que tivesse espaço para arrumar o material todo com que ficou da empresa, que, entretanto, foi vendendo. O arguido é solteiro e não tem filhos. Reside em Oliveira de Azeméis com a sua mãe de 80 anos. Actualmente, o arguido não exerce qualquer actividade profissional e refere que pretende terminar com os negócios da restauração porque sempre pretendeu voltar para a magistratura, pretendendo investir novamente na formação. Dos antecedentes criminais do arguido:
Quanto a FACTOS NÃO PROVADOS o Tribunal a quo exarou que:
«Da audiência de julgamento não resultaram factos não provados com interesse para a boa decisão da causa.»
Como MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO o Tribunal a quo exarou que:
«O Tribunal fundou a sua convicção no conjunto da prova produzida, analisada na audiência de discussão e julgamento e valorada à luz das regras da experiência comum e da normalidade social, designadamente:
O arguido não compareceu ao julgamento nem justificou a sua falta, o que revela a sua indiferença pela realização da justiça e não permitiu ao tribunal colher a sua versão dos factos, situação que não se confunde com a situação em que o arguido comparece, mas não quer prestar declarações.
A prova dos factos teve assento nos depoimentos das testemunhas que depuseram em julgamento, que, de forma serena, isenta, objectiva e circuynstanciada confirmaram quer os factos da acusação, quer os factos do pedido de indemnizxação civil. Os seus depoimentos foram sinceros e mereceram a credibilidade do tribunal.
A prova pessoal foi sustentada pela prova documental dos autos, designadamente, a mais relevante, que foram os emails e troca de correspondência electrónica entre o arguido e os Administradores de Insolvência e, bem assim, com o legal representante da assistente. Referimo-nos aos emails de fls. 237 a 243, que retratam de forma clara e objectiva que o arguido quis revelar aos Administradores de Insolvência (cerca de 150) a quem endereçou individualmente emails a relatar um episódio que sabia não corresponder à verdade, pois que, de acordo com os depoimentos das testemunhas o arguido quis comprar em leilão um prédio urbano por valor inferior ao mínimo anunciado, o que era do seu conhecimento, por lhe ter sido explicado pelos representantes da assistente. Por outro lado, o arguido sabia que a venda seria feita a quem desse o maior valor, acima do mínimo, pelo que efabulou um conluio que nunca existiu. Acusou o representante legal da assistente, a B... e o Administrador de Insolvência daquele caso em concreto de estarem conluiados e terem vendido a moradia que o arguido pretendia a uma empresa que não existe. Por seu turno, o arguido não tinha quaisquer razões para, em boa fé, chegar a tal conclusão porque era conhecedor das regras que regem os leilões e a forma como se processam as vendas (note-se que as testemunhas foram dizendo que o arguido apareceu em vários leilões, onde se sentou a assistir.
Assim, a testemunha EE, Presidente do Conselho de Administração da A..., SA, explicou que inicialmente o arguido se dirigiu a si dizendo que eram todos um bando de vigaristas; que ainda lhe explicou que a venda tinha sido realizada com toda a lisura e como se processam aquelas vendas. Disse que mesmo assim, passados cerca de dois meses enviou os emails de fls. 237 e seguintes a cerca de 150 administradores de insolvência a relatar um conluio, que sabia não ter existido. Esclareceu que um dos Administradores a quem enviou o email foi o Dr. DD. Esta testemunha, por sua vez, confirmou a recepção do email e descreveu o episódio em que o arguido se deslocou ao seu escritório para pedir satisfações sobre a referida venda. Porém, foi a secretária deste, FF, quem confirmou que nessa deslocação do arguido ao escritório do Dr. DD apelidou aquele e a B... de “vigaristas” e quem alertou os funcionários da B... da existência e divulgação dos emails. Confirmou que nessa deslocação o arguido foi pedir esclarecimentos e documentação sobre a venda da moradia em causa.
BB, antiga funcionária da assistente que confirmou que o arguido a procurou que confirmou que a si se referiu à leiloeira e ao AI que as vendas eram combinadas e não eram transparentes; confirmou ainda a presença do arguido em vários leilões, mas onde o arguido não teve qualquer intervenção.
GG, que trabalha para a assistente A... (B...) desde 1999 , que confirmou a presença do arguido em vários leilões e ainda que a partir do leilão onde foi adjudicada a moradia pretendida pelo arguido, este começou a enviar emails a pedir explicações sobre as razões pelas quais não lhe tinha sido adjudicada; mais referiu que mais tarde soube por outra funcionária da B... (CC) que que o arguido se tinha deslocado ao escritório do AI e se tinha dirigido à B... a pedir explicações sobre como eram tratados os processos de vendas na B...; disse ter tido conhecimento dos emails que o arguido posteriormente enviou, acusando a entidade adquirente do imóvel pertencer ao grupo do Dr. EE, representante da assistente. Confirmou ainda o abalo que toda esta perseguição causou à assistente e ao funcionamento dos leilõe, referindo-se ao desconforto que causou e explicou de que forma se manifestou a preocupação com esses factos pelo representante da assistente (assim se demonstrando os factos alegados no pedido de indemnização civil).
As testemunhas HH, Manager do departamento imobiliário da B... e CC, consultora na B..., que estiveram presentes no leilão e que asseveraram que o mesmo decorreu sem incidentes e de acordo com o que é habitual naquele tipo de actos praticados pela assistente através da B.... Confirmaram também que tiveram conhecimento que o arguido tinha apelidado o AI e a assistente de “vigaristas” e que praticavam actos pouco transparentes.
Por último, II, Gestor de uma empresa que trabalha no mesmo edifício da B... e a quem o arguido se dirigiu para falar com o Dr. EE, afirmando que que “tudo aquilo pertencia ao EE, que eram só “vigarices”, porém, sublinhou que não especificou quais eram as vigarices.
Todas estas testemunhas confirmaram os constrangimentos causaram ao Dr. EE e à assistente, a quem pertence a B... e que se tratam de entidades que existem e trabalham na praça há muitos anos e são merecedoras de toda a credibilidade. Os seus depoimentos foram suficientes para com a certeza e segurança jurídica necessárias se concluir pela cabal demonstração dos factos descritos na acusação e no pedido de indemnização civil e de que o arguido foi o seu autor.
Veja-se que da prova produzida, resultou que o arguido apenas concretizou quais eram as “vigarices” quando enviou os emails e quando se dirigiu a todas as testemunhas nos momentos que cada uma descreveu pretendeu esclarecimentos sobre a venda e limitou-se a genericamente apelidar a assistente, a B..., o AI e o dr EE de vigaristas.
Conforme decorre do relatório médico-legal psiquiátrico realizado pelo IML ao arguido, de fls. 611 a 613, solicitado para aferir da sua eventual inimputabilidade, refere-se que o arguido é perfeitamente imputável e sabe distinguir o bem do mal e dele extraímos os factos/conclusões do relatório, que transcrevemos pela sua relevância para aferir do elemento subjectivo.
Nenhum outro meio de prova, designadamente, documental constante dos autos, infirma os factos alegados na acusação e que julgamos provados.
Concluindo, conjugando os meios de prova acima identificados, o tribunal não teve dúvidas de que os factos ocorreram e tal como estão descritos na acusação e, ainda, de que o arguido foi o seu autor (bem como que foi a conduta do arguido que causou as lesões à ofendida).
As condições sócio-económicas do arguido foram extraídas do relatório médico-legal, onde foi relatado o contexto de vida do arguido.
Os antecedentes criminais do arguido assentam no certificado de registo criminal actualizado junto aos autos.»
Sob «Do crime de ofensa a pessoa colectiva» «DO ENQUADRAMENTO JURÍDICO-PENAL» o Tribunal a quo valorou – após citação dos arts 183-1-a-b-2 e 187-1-2-a-b do CP - que:
« Paulo Pinto de Albuquerque refere-se ao crime em análise, in “Comentário do Código Penal”, da Universidade Católica Editora, Lisboa 2008, nas páginas 508 e 509, nos seguintes termos: “O bem jurídico protegido com a presente incriminação é o bom nome (“ a credibilidade, o prestígio e a confiança”) do orgnismo, serviço, pessoa colectiva, instituição ou corporação, seja ele dotado de autoridade pública ou não.” “O crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva é um crime de perigo abstracto-concreto (quanto ao grau de lesão dobem jurídico protegido) e de mera actividade (quanto à forma de consumação do ataque ao objecto da acção).” “ O tipo objectivo consiste na difusão de factos falsos ou “inverídicos” sobre um orgnismo, serviço, pessoa colectiva, instituição ou corporação, ncional ou estrangeira. (…) incluindo quer as afirmações feita diante de representantes da entidade abstracta quer as afirmações feitas diante de terceiros. O tipo subjectivo admite qualquer tipo de dolo.”. José de Faria Costa, estrutura os elementos objectivos nos seguintes termos, in Comentário Conimbricense ao Código Penal, Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, em comentário ao art.º 187.º, a pág. 678 e 679: Elementos objectivos e subjectivos: a) Afirmação ou propalação de factos inverídicos, de um ponto de vista objectivo; b) Que tais factos se mostram capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança da pessoa colectiva; c) Deve o agente não ter fundamento para, em boafé, reputar verdadeiros os factos inverídicos; e d) O dolo, nas formas directa, necessária e eventual. O Ac. RP de 11/09/2013, proferido no processo 4581/10.2TAVNG.P1 in www.dgsi.pt, refere o seguinte na Fundamentação, que descreve de forma muitop sintética e objectiva o tipo legal de crime: “Estatui o artigo 187º, nº 1, do Código Penal que quem, sem ter fundamento para, em boa fé os reputar verdadeiros, afirmar ou propalar factos inverídicos, capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança que sejam devidos a organismo ou serviço que exerçam autoridade pública, pessoa coletiva, instituição ou corporação, é punido com pena de prisão até seis meses ou com pena de multa até 240 dias. O nº 2 deste artigo remete para o disposto nos artigos 183º e 186º, nº 1 e 2, mas não para o artigo 182º, todos do mesmo Código, sendo que neste último preceito se equiparam, para efeitos de tipificação como crimes de difamação e injúrias, as ofensas verbais às feitas por escrito, gestos, imagens ou qualquer outro meio de expressão. Daqui retira o recorrente que o tipo de crime em apreço supõe apenas ofensas verbais, não ofensas escritas. Mas não tem razão neste aspeto. A não remissão para o artigo 182º não tem, a este respeito, qualquer significado, pois seria inútil. As expressões “afirmar” e “propalar” não incluem apenas expressões verbais, mas também escritas (“afirma-se” e “propala-se” de forma verbal e de forma escrita). Não teria qualquer justificação racional não equiparar para este efeito ofensas verbais e ofensas escritas, quando tal se verifica em relação aos crimes de difamação e injúria. A repercussão de uma ofensa escrita, na perspetiva do crédito, confiança e prestígio de uma pessoa coletiva, pode até ser muito superior ao de uma ofensa verbal. Já quanto aos outros aspetos, assiste razão ao recorrente. O tipo de crime em questão supõe a imputação de factos inverídicos, não a formulação de juízos (neste aspeto o crime é distinto dos de difamação, p. e p. pelo artigo 180º do Código Penal, e injúrias, p. e p. pelo artigo 181º do mesmo Código, onde se equiparam a imputação de factos e a formulação de juízos sobre pessoas). Ora, no caso em apreço, não estamos perante a imputação de factos, mas perante a formulação de juízos (“incompetentes”, “ladrões”). É certo que estes juízos poderiam decorrer da imputação de factos concretos (demonstrativos de incompetência, ou qualificáveis como furto). Mas não se faz tal imputação nos escritos em apreço. Por outro lado (e nisso também assiste razão ao recorrente), esses juízos recaem sobre as pessoas concretas que em determinado momento exercem funções nos Serviços de Finanças em causa, ou até, mais especificamente, sobre aquelas que têm tido intervenção nos processos que o arguido tem pendentes nesses Serviços, não sobre esses Serviços como organismo institucional que está para além das pessoas concretas que em determinado momento nele exercem funções. Há que distinguir entre uma ofensa ao organismo, à pessoa coletiva ou à instituição como tais (ou seja, para além das pessoas singulares que em determinado momento neles exercem funções ou são titulares dos respetivos órgãos), das ofensas a estas pessoas singulares (mesmo que estas sejam todas as que em determinado momento neles exercem funções ou são titulares desses órgãos).” Ora, volvendo ao caso concreto, entendemos que, quer na forma como s3e expressou verbalmente, quer na forma como expressou por escrito nos emails, o arguido imputou factos inverídicos que põem em causa a honra, a credibilidade e aconfiança da assistente. Na verdade, ao dizer que na venda do imóvel, houve conluio da assistente com os administradores de insolvêwncia para que o prédio fosse vendido a determinada pessoa quando, na verdade, só não foi vendido ao arguido porque este ofereceu um valor abaixo do valor anunciado para o leilão. Daqui resulta a inverdade dos factos e a intenção do arguido de denegrir a imagem da assistente. Tal inverdade resulta plasmada de forma muito concreta no documento que divulgou por email , constante de fls. 237, por referência aos factos de Fevereiro de 2019. Porém, diga-se, que já não se enquadra no quadro legal do tipo de ilícito os factos cometidos em Novembro/Dezembro de 2018, em que apodou a assistente de “vigaristas” e de “associação de criminosos”. Vejamos porquê. É que este tipo legal distingue-se da difamção do art.º 180.º e da injúria do art.º 181.º do CP, na medida em que se exige no nosso tipo que haja imputação de factos inverídicos e não, como naqueles, e não a constação de uma ofensa efectiva à honra (típicos da difamação e da injúria). Neste sentido, o acórdão supra citado refere o seguinte, no seguimento do que acima transcrevemos (no que respeita à propalação de “incompetentes, ladrões”): “Por outro lado (e nisso também assiste razão ao recorrente), esses juízos recaem sobre as pessoas concretas que em determinado momento exercem funções nos Serviços de Finanças em causa, ou até, mais especificamente, sobre aquelas que têm tido intervenção nos processos que o arguido tem pendentes nesses Serviços, não sobre esses Serviços como organismo institucional que está para além das pessoas concretas que em determinado momento nele exercem funções. Há que distinguir entre uma ofensa ao organismo, à pessoa coletiva ou à instituição como tais (ou seja, para além das pessoas singulares que em determinado momento neles exercem funções ou são titulares dos respetivos órgãos), das ofensas a estas pessoas singulares (mesmo que estas sejam todas as que em determinado momento neles exercem funções ou são titulares desses órgãos). Sendo certo que as expressões em causa são inegavelmente difamatórias (nos termos do artigo 180º do Código Penal) para com pessoas concretas (precisamente as que têm tido intervenção nos processos que o arguido tem pendentes nos Serviços de Finanças em causa), não pode dizer-se que estejamos perante a prática de um crime de ofensa à pessoa coletiva, p. e p. pelo artigo 187º do Código Penal.” Diremos, a este propósito, que o arguido se referiu ao representante do assistente quando o apelidou de vigaristas e de associação de criminosos. Veja-se o que refere Paulo Pinto de Albuquerque, in Ob. Cit., pág. 509: “A circunstância de o tipo objectivo mencionar a expressão factos "capazes de ofender" impõe a realização de a um juízo de idoneidade do perigo criado pela agente, que é característico do tipo de crime de perigo abstracto-concreto (também assim, na conclusão, FARIA COSTA, anotação 16.ª ao artigo 187.º, in CCCP, 1999). Dito de outro modo, o tipo não exige a ofensa do bom nome da entidade abstracta, sendo suficiente o perigo dessa ofensa ocorrer, em virtude de uma conduta do agente com a potencialidade adequada para causar esse dano. Esta construção típica é diversa daquela dos crimes de difamação e injúria, que são crimes de dano, assentes na constatação de uma ofensa efectiva à honra (factos "ofensivos da sua hora ou consideração"). A consequência inevitável desta construção dos tipos penais contra a honra e das pessoas físicas e o bom nome de entidades abstractas é surpreendente: o CP oferece as entidades abstractas uma protecção penal mais ampla do que às entidades abstractas.” Daqui decorre que, em nosso entender, apenas se verifica o cometimento de um crime de ofensa a pessoa colectiva, p. e p. pelo art.º 183.º e 187.º de que vinha acusado. O arguido ssabia que ao divulgar o email e por meios de rápida circulação pelos administradores de insolvência, imputava facto inverídicos que sabia não corresponderem à verdade. Por fim, estão provados factos que configuram o preenchimento do elemento subjectivo do tipo, na modalidade de dolo directo (art.º 14.º, n.º 1, do Código Penal). Por todo o exposto, não havendo causas de exclusão da ilicitude nem da culpa, conclui-se que o arguido AA cometeu um crime de ofensa a pessoa colectiva, p. e p. pelos artgs. 26°, 183° n° 1 als. a) e b) e 187° do CP, pelo crime cometido em Fevereiro de 2019, indo absolvido do outro crime que lhe vinha imputado referente a Novembro / Dezembro de 2018.»
PARTE II - APRECIANDO O RECURSO
Disse-se «conclusões delimitadoras» e não «conclusões limitativas» por serem oficiosamente cognoscíveis ad quem: (1) uma «nulidade não sanada» ut art 410-3 do CPP conforme o qual «O recurso pode ter ainda por fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada»; (2) um dos três «vícios típicos de confecção lógica da «Decisão Final» recorrida» ut ACD do Plenário da Secção Criminal do STJ 7/95 de 19-10-1995 conforme o qual «É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito» [7].
Trata-se de Jurisprudência ainda actual ut ACD do STJ de 18-6-2009 conforme o qual «Continua em vigor o acórdão n.º 7/95 do plenário das secções criminais do STJ de 19-09-1995 … que, no âmbito do sistema de revista alargada, decidiu ser oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no art. 410.º, n.º 2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito» [8].
As questões a enunciar / apreciar / decidir são as que seguidamente se explanam a se.
Este processo penal, ora na fase recursiva, teve origem em RDA como INQUÉRITO da QUEIXA CRIMINAL de 04-3-2019 de EE e de A..., SA, versus AA, a quem imputaram a prática de factos que reputaram constitutivos da autoria material pelo Denunciado e em concurso real de 4 crimes dolosos: um de «perseguição» versus Ofendido EE p.p. pelo art 154-A; outro de «perseguição» versus Ofendida SA p.p. pelo art 154-A; um de «difamação» versus Ofendido EE; um de «ofensa a pessoa colectiva» versus Ofendida SA p.p. pelos arts 187 e 183, todos do CP.
Sob 407 850 095 o MGT do MP do INQ proferiu em 16-10-2019 o Despacho de ARQUIVAMENTO ut 277-2 do CP conforme o qual «O inquérito é igualmente arquivado se não tiver sido possível ao Ministério Público obter indícios suficientes da verificação de crime ou de quem foram os agentes», contendo aquele DESPACHO o teor que se transcreve:
«Nestes autos EE denuncia AA pelo eventual cometimento de um crime de perseguição p. e p. pelo art. Artigo 154.º- A do CP, porquanto, conforme se aduz na denúncia, na sequência de dissensão sobre a aquisição de um imóvel pela leiloeira B...-A..., S.A., o denunciado teria estabelecido um plano com o intuito de causar temor, medo e inquietação ao denunciante. Assim, teria assistido metodicamente aos vários leilões da referida firma, adoptando o que seria postura socialmente inconveniente, teria permanecido no exterior das instalações daquele firma no interior da sua viatura e teria repetidamente durante o ano de 2018, nomeadamente nos meses de Março e de Setembro, durante o período nocturno, perseguido de automóvel o veículo do denunciante, onde se fazia transportar, fazendo sinais de luzes e colocando-se junto da sua traseira; pelo que o denunciante teria sentido receio e inquietação em virtude da conduta do denunciado e temido pela sua integridade física. Foram realizadas todas as diligências possíveis e úteis. O denunciado foi interrogado como arguido, não tendo assumido a perpetração dos factos que lhe foram imputados. Foram inquiridos o denunciante e as testemunhas indicadas nos autos. Compulsada prova indiciária dos autos, documental e testemunhal, observa-se que a conduta do arguido tem subjacente a sua convicção sobre o que seriam irregularidades várias em leilões de imóveis vendidos em processos de insolvência; o que motivou aliás denúncia por si formulada pelo eventual cometimento de crimes de corrupção, que deu orígem ao inquérito nº 4242/17.1T9PRT da 12ª Secção deste DIAP, que foi objecto de despacho de arquivamento por insuficiência dos elementos de prova indiciária no que concerne aos factos ali reportados. O que explica a presença recorrente do arguido nos vários leilões organizados por aquela firma; o que em si nenhum significado especial possui, ponderando a natureza pública daqueles actos. No que concerne às perseguições de automóveis, que seriam recorrentemente realizadas pelo arguido, as testemunhas indicadas e inquiridas ou manifestaram desconhecimento de tais factos, ou mero conhecimento indirecto, por os mesmos lhes serem transmitidos por terceiro; pelo que nesta parte restam as versões desconformes do denunciante e do arguido. Relativamente às presenças do arguido no exterior das instalações da leiloeira, dentro do seu veículo, não se vislumbra que possam ser dissociadas das frequentes presenças naqueles leilões e actos preliminares; sendo apenas reportada, sem mais especificação, a frequente presença do arguido naquele local, e sem a descrição de outros actos que, com este, permitam atribuír outra relevância ou significado a essa presença. No mais são mencionados actos do arguido no sentido de, aparentemente com pertinácia mas sem sucesso, procurar detectar a prática de irregularidade no âmbito daquela firma; o que também nesta parte, para além do que será uma presença incómoda, não se vislumbra que a conduta do arguido seja susceptível de, para além de desagrado, causar sequer inquietação ao denunciante. Outro seria o caso no que diz respeito às denunciadas perseguições de automóvel. Mas em relação a estas a prova indiciária dos autos é manifestamente insuficiente. É ainda referido que os factos aqui denunciados seriam continuação dos já denunciados no inquérito nº 3203/17.5T9PRT da 4ª Secção do DIAP; mas nesse inquérito o Magistrado titular sufragou entendimento diverso, integrando-os na parte onde lhes atribuíu relevância criminal na categoria dos crimes particulares; tendo tal inquérito em sede própria seguido os seus termos processuais. Pelo exposto, determino nesta parte, nos termos do art. 277/2 do CPP, o arquivamento dos autos. | Comunique: art.277/3 do C. P. P.».
Ainda sob 407 850 095 e em 16-10-2019 o MGT do MP proferiu mais o DESPACHO:
«Cumpra o disposto no art. 285/1 do CPP, consignando-se que em relação aos factos descritos no documento e inerente correspondência electrónica de fls. 237 existem indícios bastantes do cometimento de um crime de ofensa a pessoa colectiva p. e p. pelo art. 187/1 do CP, sendo ofendida em tal crime a firma sobredita.»
Na sequência, A..., SA, deduziu ACUSAÇÃO a fls 480-483 II com PEDIDO CIVIL a fls 484-486 II, contra o ARGUIDO e DEMANDADO CIVIL a quem imputou a prática de factos que reputou constitutivos de:
«… concurso real, autoria material e na forma consumada, dois crimes de ofensa a pessoa colectiva, p. e p. pelos artgs 26º, 183º nº 1 als. a) e b) e 187º do CP – crimes cometidos em 04/12/2018 e 18/2/2019 …»
E sob 408 935 259 o MGT do MP do INQ despachou em 05-11-2019 que:
«Acompanho a acusação particular apenas em relação aos factos suficientemente indiciados e onde se fazem imputações concretas; no caso em relação escritos no documento de fls 237, referidos no art. 9º da acusação. | Comunique: art. 283/5 do CPP».
Para inteligibilidade da presente exposição recorda-se o teor do documento 237:
«Numa dessas vendas …. a leiloeira que realizou o leilão foi a “B...” e, aparentamente, correu tudo muito bem. Contudo, mais tarde e depois de alguns incidentes, deu para compreender que o leilão estaria todo ele manipulado, ao ponto de haver compradores que nunca chegaram a estar fisicamente presentes no leilão a licitar. Desde então a “B...” é persona non grata neste escritório e a palavra “leiloeira” é proibida».
Também para inteligibilidade da presente exposição mais se recorda o teor do art 9 da Acusação Particular que foi reflectido no § 10 do rol de factos a quo provados:
«O arguido remeteu em 19 de Fevereiro, pelas 15h24, um novo email para o legal representante da assistente (cf. email /documento junto com a queixa criminal e ai identificado sob o n° 2), sendo que o teor do mesmo dá a entender que se trata de um reencaminhamento de email recebido pelo arguido e que descreve uma "'negociata" da queixosa B... partilhada por alguém com quem estará em contacto, inventando mais um facto e, como ele, pretendendo difamar a honra da assistente.».
Pois bem, por não ter merecido Recurso do MP a quo nem do Assistente e Demandado Civil, transitaram os seguintes segmentos decisórios a quo:
« Absolver o arguido AA da prática de um crime de ofensa a pessoa colectiva, p. e p. pelos artgs. 183° n° 1 als. a) e b) e 187° do CP, pelo crime cometido em Fevereiro de 2019, por referência aos factos cometidos em Novembro/Dezembro de 2018», mais precisamente dir-se-ia entre 30 NOV e 04 DEZ de 2018 ex vi o segmento «No dia 30 de novembro de 2018» in § 4, mais o segmento «No dia 4 de dezembro de 2018» in § 5, mais os segmentos «havia estado naquelas instalações, num dos dias seguintes ao leilão» in § 5; « Julgar parcialmente procedente e provado, o pedido de indemnização civil formulado pela demandante A..., S.A. contra o arguido demandado AA … indo no mais absolvido».
Porque na subsunção jus criminal penal dos sgs §§ de factos a quo julgados provados: Se valorou a quo tal matéria de facto só da Acusação Particular em apertis synthesis que:
«… não se enquadra no quadro legal do tipo de ilícito os factos cometidos em Novembro / Dezembro de 2018, em que apodou a assistente de “vigaristas” e de “associação de criminosos”. | […] É que este tipo legal distingue-se da difamção do art.º 180.º e da injúria do art.º 181.º do CP, na medida em que se exige no nosso tipo que haja imputação de factos inverídicos e não, como naqueles, e não a constação de uma ofensa efectiva à honra (típicos da difamação e da injúria). Neste sentido, o acórdão …[]… no que respeita à propalação de “incompetentes, ladrões”): | “… Há que distinguir entre uma ofensa ao organismo, à pessoa coletiva ou à instituição como tais (ou seja, para além das pessoas singulares que em determinado momento neles exercem funções ou são titulares dos respetivos órgãos), das ofensas a estas pessoas singulares (mesmo que estas sejam todas as que em determinado momento neles exercem funções ou são titulares desses órgãos). | Sendo certo que as expressões em causa são inegavelmente difamatórias (nos termos do artigo 180º do Código Penal) para com pessoas concretas (precisamente as que têm tido intervenção nos processos que o arguido tem pendentes nos Serviços de Finanças em causa), não pode dizer-se que estejamos perante a prática de um crime de ofensa à pessoa coletiva, p. e p. pelo artigo 187º do Código Penal.” Diremos, a este propósito, que o arguido se referiu ao representante do assistente quando o apelidou de vigaristas e de associação de criminosos. Veja-se o que refere Paulo Pinto de Albuquerque, in Ob. Cit., pág. 509: | “A circunstância de o tipo objectivo mencionar a expressão factos "capazes de ofender" impõe a realização de a um juízo de idoneidade do perigo criado pela agente, que é característico do tipo de crime de perigo abstracto-concreto (também assim, na conclusão, FARIA COSTA, anotação 16.ª ao artigo 187.º, in CCCP, 1999). Dito de outro modo, o tipo não exige a ofensa do bom nome da entidade abstracta, sendo suficiente o perigo dessa ofensa ocorrer, em virtude de uma conduta do agente com a potencialidade adequada para causar esse dano. Esta construção típica é diversa daquela dos crimes de difamação e injúria, que são crimes de dano, assentes na constatação de uma ofensa efectiva à honra (factos "ofensivos da sua hora ou consideração"). A consequência inevitável desta construção dos tipos penais contra a honra e das pessoas físicas e o bom nome de entidades abstractas é surpreendente: o CP oferece as entidades abstractas uma protecção penal mais ampla do que às entidades abstractas.” »
Relativamente ao conteúdo dos §§ 10 11 (1) (2) 12 na numeração automática deste Acórdão / 10 10 (1) (2) 11 na numeração manual da Sentença recorrida, com os teores:
O Tribunal a quo valorou o teor do e-mail de 09 FEV doc a fls 238, mais o teor do e-mail de 18-02-2019 doc a fls 239-242, mais o teor do e-mail de 19 FEV doc a fls 239-242, todos de 2019, nos seguintes termos:
«… na forma como expressou por escrito nos emails, o arguido imputou factos inverídicos que põem em causa a honra, a credibilidade e aconfiança da assistente. Na verdade, ao dizer que na venda do imóvel, houve conluio da assistente com os administradores de insolvêwncia para que o prédio fosse vendido a determinada pessoa quando, na verdade, só não foi vendido ao arguido porque este ofereceu um valor abaixo do valor anunciado para o leilão. Daqui resulta a inverdade dos factos e a intenção do arguido de denegrir a imagem da assistente. Tal inverdade resulta plasmada de forma muito concreta no documento que divulgou por email , constante de fls. 237, por referência aos factos de Fevereiro de 2019. […] Daqui decorre que, em nosso entender, apenas se verifica o cometimento de um crime de ofensa a pessoa colectiva, p. e p. pelo art.º 183.º e 187.º de que vinha acusado.»
Mercê da irrestrita referência a arts 183 e 187 aparenta a Sentença a quo ter condenado o Arguido ora Recorrente criminal / penal, via disso, civilmente, pela autoria material em 09 e 18 e 19 FEV 2019 de um «crime único» de dolosa «ofensa a pessoa colectiva» p.p. pelos arts: tal a correcta ordem lógica jus criminal penal das «disposições legais» que permitem a construção da «norma incriminadora», e da correlativa «norma cominadora», do crime doloso de «ofensa a pessoa colectiva» tipificado no art 187-1, todos do CP desde 01-10-1995.
Ora, apesar daquela irrestrita referência a arts 183 e 187, salvo o devido respeito nunca esteve, porque nunca pôde estar, no objecto do processo, para apreciação e decisão a quo, via disso para decisão ad quem, a verificação ou não de factos jurígenas de responsabilidade criminal / penal e conexa civil como dolosa «ofensa a pessoa colectiva» com fundamento no e-mail de 09-02-2019 nem com fundamento no e-mail de 19-02-2919, porque a Assistente & Autora Civil imputou ao Arguido & Demandado Civil, no que concerne aos e-mails, a autoria material unicamente com o e-mail de 18-02-2019 de um crime doloso de «ofensa a pessoa colectiva» da p.p. do art 187-1 e «circunstâncias modificativas agravadoras» do art 183-1-a e 183-1-b em princípio operativas ut art 71-2 em «concurso real» sem prejuízo de ulterior discussão, se abstractamente possível, de Direito da valoração da «circunstância mais desvaliosa» como «circunstância modificativa» e da «circunstância menos desvaliosa» como «circunstância comum» à semelhança verbi gratie do art 204-3 do CP desde 01-10-1995 conforme o qual «Se na mesma conduta concorrerem mais do que um dos requisitos referidos nos números anteriores, só é considerado para efeito de determinação da pena aplicável o que tiver efeito agravante mais forte, sendo o outro ou outros valorados na medida da pena» que é aplicável ao crime doloso de furto qualificado em I e ou em II grau e por remissão do art 210-2-b-II para o art 204-3 ao crime doloso de roubo qualificado.
Como o Tribunal a quo condenou o Arguido & Demandado Civil em «300 dias de multa à taxa diária de € 6,50» mais «€ 2.500 a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora contados desde a data da presente decisão até efectivo e integral pagamento», pela «prática de um crime de ofensa a pessoa colectiva, p. e p. pelos artgs. 183° n° 1 als. a) e b) e 187° do CP» mais dizendo ter sido tal «crime cometido em Fevereiro de 2019», salvo o devido respeito a Decisão Final recorrida padece das «Nulidade[s] de sentença» nomen «excesso de pronúncia» por «omissão de pronúncia» prevenidas no art 379-1-c do CPP conforme o qual «É nula a sentença: Quando o tribunal … conheça de questões de que não podia tomar conhecimento», pelo facto processual penal do MP padecer de «ilegitimidade originária» para o procedimento criminal no que concerne aos e-mails de dias 09 e 19 FEV de 2019 que nunca foram objecto de Acusação Particular quando o crime doloso de «ofensa a pessoa colectiva» tipificado como «crime particular» ut corpo do art 188-1 do CP; mais se nota que os e-mails de dias 09 e 18 FEV de 2019 também não foram objecto de Acusação Pública.
O objecto do processo para julgamento ad quem limita-se aos sgs §§ a quo provados: Dando seguimento a este comportamento,
O teor do dito e-mail de 18-02-2019 a fls 239-242 como doc IV da Queixa é o seguinte:
« Boa noite, Conforme informação infra, solicita-se aos Srs. A.I. o envio de relatórios de leilão de processo concluidos, e bem assim o reporte de situações anómalas como parte de email que se transcreve, e que seja do vosso conhecimento, guardando sigilo absoluto de pessoas e contactos. Tive conhecimento do seu pedido de ajuda e coragem para enfrentar…maiores corruptos deste pais. As seguintes empresas pertencem ou pertenceram……e todas elas já compraram imóveis ou equipamentos em vendas organizados pelas…, como é óbvio as compras eram realizadas por valores muito baixos que permitiam revender com lucros astronomicos. o circulo está muito bem montado e será difícil, mas não impossivel que se faça justiça, muitas vezes os administradores de insolvência estão envolvidos e juntam um parecer positivo nos relatórios de venda para adjudicarem estas compras realizadas “pelas empresas… junto dos credores, em muitas outras ocasiões, quando o administrador de insolvência não pretende nomear …. como encarregada de venda, sofre grandes pressões de um grupo consideravel de credores que podem ser diretores de departamento dos bancos ou mandatários. O administrador de insolvência com receio de criar uma má relação com os credores, pois poderia não ser nomeado nos próximos processos por impossição dos credores vê-se obrigado a contratar…… Muitas das compras que são realizadas pelas empresas ……, depois são vendidas, sendo que na maioria das vezes o valor da fatura não é o valor real de venda, isto porque, na maioria dos casos os pagamentos são feitos em dinheiro que não é regis tado. este dinheiro paga tudo, deste admisntradores de insolvência, credores, mandatários… com prar imóveis e equipamentos a baixo custo que prejudicam as massas insolventes nem é muito grave comparado com a arquitetura que provoca propocitadamente insolvências de empresas que poderiam ser viaveis, levando centenas ou até milhares de pessoas para o desenprego. Atentamente AA»
Em sede de subsunção dos factos a quo provados, o Tribunal a quo expendeu, sobre a delimitação do «tipo legal objectivo» e do correlativo «tipo legal subjectivo» do crime doloso de «ofensa a pessoa colectiva», que:
«Paulo Pinto de Albuquerque refere-se ao crime em análise, in “Comentário do Código Penal”, da Universidade Católica Editora, Lisboa 2008, nas páginas 508 e 509, nos seguintes termos: “O bem jurídico protegido com a presente incriminação é o bom nome (“ a credibilidade, o prestígio e a confiança”) do orgnismo, serviço, pessoa colectiva, instituição ou corporação, seja ele dotado de autoridade pública ou não.” “O crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva é um crime de perigo abstracto-concreto (quanto ao grau de lesão dobem jurídico protegido) e de mera actividade (quanto à forma de consumação do ataque ao objecto da acção).” “ O tipo objectivo consiste na difusão de factos falsos ou “inverídicos” sobre um orgnismo, serviço, pessoa colectiva, instituição ou corporação, ncional ou estrangeira. (…) incluindo quer as afirmações feita diante de representantes da entidade abstracta quer as afirmações feitas diante de terceiros. O tipo subjectivo admite qualquer tipo de dolo.”.
José de Faria Costa, estrutura os elementos objectivos nos seguintes termos, in Comentário Conimbricense ao Código Penal, Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, em comentário ao art.º 187.º, a pág. 678 e 679: Elementos objectivos e subjectivos: a) Afirmação ou propalação de factos inverídicos, de um ponto de vista objectivo; b) Que tais factos se mostram capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança da pessoa colectiva; c) Deve o agente não ter fundamento para, em boafé, reputar verdadeiros os factos inverídicos; e d) O dolo, nas formas directa, necessária e eventual.»
Como o Tribunal a quo citou a 2ª edição de MAI 2008, consigna-se que P P ALBUQUERQUE nada adianta com interesse in casu na 3ª edição actualizada de NOV 2015 do Comentário …
Como o Tribunal a quo citou a 1ª edição de JAN 1999, consigna-se que JOSÉ DE FARIA COSTA nada adianta com interesse in casu na 2ª edição de MAI 2012 do Conimbricense …
Ora já se teve ensejo de explicitar noutro local quanto a «ofensa a pessoa colectiva» que:
« 1. Nos crimes contra a honra não se põem em geral problemas na definição do sujeito ativo, podendo ser qualquer pessoa (agora também certas pessoas coletivas e entidades equiparadas relativamente a certos crimes, art. 11º). Os problemas surgem quanto ao sujeito passivo, discutindo-se, por exemplo, se as pessoas jurídicas ou coletivas (universitates personarum) podem ser ofendidas pelas infrações em questão. Na Itália, sujeito passivo da injúria ou da difamação “pode ser uma sociedade ou uma pessoa jurídica”. Na Alemanha discute-se se as pessoas jurídicas são suscetíveis de ofensa à honra, mas a opinião maioritária admite-o enquanto desenvolvam uma função social juridicamente reconhecida e possam formar um querer unitário, como será, inclusivamente, o caso dos partidos políticos, dos sindicatos, das câmaras do comércio e indústria, a Cruz Vermelha, as faculdades e as associações religiosas. Em Espanha tem-se ultimamente decidido que o significado do direito à honra não pode nem deve excluir as pessoas jurídicas do seu âmbito de proteção. Na Suíça, a questão da proteção da honra das coletividades é discutida na doutrina, sendo a maioria dos autores no entanto de opinião que não basta limitar a proteção penal às pessoas físicas, já que há inúmeras formas associativas que na sociedade moderna desempenham um papel cada vez mais relevante, sucessivamente, Luigi Delpino, 1998, p. 785; J. Wessels, 1993, p. 98; Bajo Fernández, 1998, p. 266; e José Hurtado Pozo, 1998, p. 19. Na Áustria, o § 116 (difamação pública dos órgãos constitucionais, das forças armadas e dos funcionários) comporta a ideia de que a afetação da honra duma destas instituições não é aceitável, daí que o bem jurídico protegido coincida antes com uma fundada pretensão de respeito atribuído por lei a determinadas instituições estaduais (Kienapfel, 1990, p. 381). 2. A redação atual do art. 187º/1, não se limita a referir a pessoa coletiva; por outro lado, fala-se agora em credibilidade, prestígio e confiança. A introdução deste artigo, levada a efeito pelo DL 48/95, de 15-03, teve a precedê-la os esclarecimentos de Figueiredo Dias, ACTAS, 1993, p. 279 e 504, que sublinhava não ter ele por base a ideia errada de que os artigos anteriores não cobrem as pessoas coletivas, não possíveis de titular o bem jurídico protegido pela difamação ou injúria. O objetivo deste artigo é diferente: “é criminalizar ações (os rumores), não atentatórias da honra, mas sim do crédito, do prestígio ou da confiança de uma determinada pessoa coletiva, valores que não se incluem, em rigor, no bem jurídico protegido pela difamação ou pela injúria”. Também houve ocasião de salientar que neste artigo se protege algo mais (ou algo de diferente) do que a honra, cobre-se também a informação falsa, por exemplo, de interesse patrimonial: determinado bem, produzido pela fábrica A, tem defeito e não funciona passado um ano. 3. O bem jurídico protegido, expresso na credibilidade, prestígio e confiança (condensados na fórmula “bom nome”) abrange a informação falsa, por ex., de interesse patrimonial. A incriminação, contudo, não se assemelha às infrações contra o património em geral. De um modo especial, não tem na sua base comportamentos como os previstos por exemplo no Art. 152 do CP suíço, tido como um dos instrumentos de luta contra a criminalidade económica, em que o autor dá informações sobre empresas, por si ou por interposta pessoa, que têm de ser falsas e suficientemente importantes para determinar o destinatário a dispor do seu património de maneira prejudicial aos seus próprios interesses pecuniários. Por exemplo, quando da aquisição ou da subscrição de ações ou quando um dos sócios pode ser levado a vender a sua participação numa sociedade, cuja situação financeira lhe foi descrita mais favoravelmente do que ela é na realidade, Hurtado Pozo, 1997, p. 313. Nestes casos, o destinatário da informação é quem corre o risco de uma operação financeira mal sucedida. Qual, em rigor, o bem jurídico protegido pela norma incriminadora do art. 187º ? Esta norma visa tutelar um bem jurídico mais do que poliédrico, um bem jurídico heterogéneo, Faria Costa, in RLJ ano 134º, nº 3926. 4. A nova redação resultante da Lei 59/2007, de 4-09, deixou claro o fim visado pela norma que é o de proteger o bom-nome de organismo ou serviço que exerçam autoridade pública, e bem assim de pessoa coletiva, instituição ou corporação, ainda que não exerçam poderes de imperium. Ao abrigo da norma anterior, havia quem entendesse que o art. 187º /1 apelava à necessidade de as entidades lá referidas exercerem autoridade pública ou seja, poderes de imperium. O exercício da autoridade pública seria, nessa perspetiva, um elemento condicionante para todas as entidades descritas no tipo. 5. Elemento objetivo é a difusão de factos inverídicos, que Pinto de Albuquerque, 2010, p. 984, equipara aos factos falsos; contra, porém, Faria Costa, CCCP I 2012, p. 984 s., salientando, a nosso ver com razão, que o universo de candidatos abarcados pela noção de inverídico se mostra mais extenso do que o que circunscreve a própria “falsidade”. Basta pensar em quem propala uma “meia-verdade”, a qual, não sendo uma falsidade, ainda assim, em certas circunstâncias, já pode ser percebida ou valorada como afirmação de coisa inverídica. Os factos hão de ser também capazes de ofender o bom nome (idoneidade), bastando, porém, atenta a tessitura do tipo, o perigo dessa ofensa ocorrer. 6. O crime é doloso, admitindo qualquer modalidade de dolo.» [9]
Em conformidade, os conteúdos do e-mail de 18-2-2019 supra citado, o único objecto de Acusação Particular nos termos e para os efeitos do art 187-1 do CP desde 01-10-1995, nunca consubstanciaram a autoria material em 18-02-2019 do crime doloso de «ofensa a pessoa colectiva» como querido apenas pela Assistente & Autora Civil por ser evidente a um «homem médio» que as palavras e períodos e parágrafos formando aqueles conteúdos visa(ra)m directamente – não A..., SA, mas – um «círculo [que] está muito bem montado» em redor ou à volta de Administradores de Insolvência que não afecta o «bom nome» - em síntese analítica compreensiva dos predicados «credibilidade / prestígio / confiança» - de tal SA cuja identificação sequer é referida nos conteúdos do sobreditos.
Como os §§ 1 a 3 provados a quo constituem apenas contexto ou enquadramento dos §§ seguintes, como os §§ 4 a 9 provados a quo não constituem crime como bem decidido a quo, como os §§ 10 a 11 (1) provados a quo nunca fizeram parte do objecto deste processo nos termos e para os efeitos do art 187-1 por nunca terem sido objecto de Acusação Particular apesar de se tratar de «crime particular», como o § 11 (2) provado a quo não tem aptidão ou idoneidade abstractas para ser jurígena de responsabilidade criminal / penal nos termos e pa ra os efeitos do art 187-1 do CP desde 15-9-2007 e como dos §§ 12 a 15 provados a quo cons tam «juízos de facto» para verificação do «tipo legal objectivo» e do correlativo «tipo legal subjectivo» de «ofensa a pessoa colectiva» que não encontram fundamento em «factos históricos» mercê dos conteúdos do e-mail de 18-02-2019, preclude-se o acto substancialmente inútil do conhecimento das questões recorridas pelo que tudo revisto e reponderado:
PARTE III - DECIDINDO
1. No provimento do Recurso do Arguido AA revoga-se a condenações crime e cível substantivas, bem como as acessórias condenações tributárias crime e cível, bem como as ordens de publicação da Sentença e do envio de BRC, posto que se absolve o Arguido do objecto do processo: a autoria material em 18-02-2019 do crime doloso de «ofensa a pessoa colectiva» da p.p. do art 187-1 do CP desde 15-9-2007.
2. Sem tributação por inexistência de «norma objectiva» e «norma subjectiva» de incidência.
3. Notifiquem-se os Sujeitos Processuais conforme art 425-6 do CPP.
4. Transitado, para execução a quo do decidido remetam-se o processo físico e o processo informático a título definitivo a Juiz 6 do Juízo Local Criminal do Porto. Porto, 21/2/2024 Castela Rio Pedro M. Menezes Lígia Trovão Nos termos e para os efeitos dos arts 94-2-3 do CPP, 19-1-2 e 20-b da Portaria 280/2013 de 26-8 - o art 19-1-2 alterado pela Portaria 267/2018 de 20-9 - consigna-se que este ACÓRDÃO foi processado informaticamente pelo Relator que o reviu bem como seus Exmos Adjuntos e que apuseram suas «assinaturas electrónicas qualificadas» insertas informaticamente no canto superior esquerdo da 1ª folha página - em substituição de suas «assinaturas autógrafas» - na Sessão de 21-02-2024. __________________ |