Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ALBERTO TAVEIRA | ||
Descritores: | IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO REAPRECIAÇÃO DA PROVA LIVRE APRECIAÇÃO DO JULGADOR | ||
Nº do Documento: | RP202406183674/22.8T8VLG.P1 | ||
Data do Acordão: | 06/18/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 2. ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | A prova produzida deve ser conjugada, harmonizada e ponderada no seu conjunto enquanto base da convicção formulada pelo Tribunal, não sendo legítimo valorizar meios probatórios isolados em relação a outros, sopesando os critérios de valoração, numa perspectiva racional, de harmonia com as regras de normalidade e verosimilhança, mas sempre com referência às pessoas em concreto e à especificidade dos factos em apreciação. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | PROC. N.º[1] 3674/22.8T8VLG.P1 * Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo Local Cível de Valongo - Juiz 1 RELAÇÃO N.º 150 Relator: Alberto Taveira Adjuntos: Anabela Andrade Miranda Márcia Portela * ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO * A.: AAI - RELATÓRIO. AS PARTES R.: Seguradora A..., S.A. * A[2] A. instaurou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra SEGURADORA A..., S.A., pedindo a condenação da Ré 1) a reconhecer que celebrou um contrato de seguro com o A. titulado pela apólice n.º ...86, através do qual transferiu para si a responsabilidade civil emergente de danos provocados pelo veículo ..-JE-.., incluindo danos próprios; 2) a reconhecer que o contrato de seguro estava válido e vigente na data em que ocorreu o acidente; 3) a reconhecer que em 31 de maio de 2021 ocorreu um acidente descrito nos pontos 14 e seguintes da presente PI, do qual resultaram os danos descritos no ponto 29 da presente PI; 4) no pagamento ao Autor da quantia de 7.893,02€ a título de indemnização pela reparação dos danos verificados no veículo; subsidiariamente, 5) no pagamento ao A. do valor do que o seu veículo JE possuía à data do acidente e que nunca será inferior a 7.000,00€; 6) no pagamento de juros contados sobre as referidas quantias, desde a citação até efetivo e integral pagamento; 7) no pagamento das custas e demais encargos com o processo. Alega, para tanto e em síntese, a ocorrência de um sinistro do qual resultaram danos cobertos por contrato de seguro celebrado entre as partes. Regularmente citada, a Ré contestou, defendendo-se por impugnação e invocando a verificação de uma causa de exclusão do seguro, concretamente, os danos invocados terem origem num ato doloso do condutor do veículo seguro, que o conduzia por lhe ter sido confiado pelo Autor. ** Após audiência de discussão e julgamento, foi proferida SENTENÇA julgando totalmente improcedente a demanda, nos seguintes termos:* DA DECISÃO RECORRIDA “Em face do exposto, decido julgar a presente ação totalmente improcedente e, em consequência, absolvo a Ré SEGURADORA A..., S.A. do pedido contra si formulado nos presentes autos.“. * O A., vem desta decisão interpor RECURSO, acabando por pedir o seguinte:DAS ALEGAÇÕES “Pelo que deve o presente recurso ser julgado procedente, ser a sentença ser revogada, nos termos do artigo 640.º do CPC, condenando-se a recorrida nos pedidos contra si formulados, fazendo-se justiça.“. * O recorrente apresenta as seguintes CONCLUSÕES: “A- O presente recurso é interposto da douta sentença que julgou improcedente a ação. Essa decisão, com o devido respeito, não interpretou de forma correta nem adequada aferição da factualidade e consentânea aplicação do direito. B- O recorrente intentou ação contra a recorrida, pedindo a sua condenação no seguinte nos pedidos vertidos na PI. C- Para tanto alegou sumariamente e para o que aqui interessa: a. ser dono e legítimo proprietário do veículo automóvel da marca Honda, modelo ..., matrícula ..-JE-..; b. ser a R. uma sociedade comercial que dedica a celebração de contratos de seguro, entre outros. c. Que no dia 31 de maio de 2021, pelas 11 horas ocorreu um acidente de viação entre o veículo propriedade do A. que era tripulado à data pelo seu filho e veículo da marca Mazda, modelo ...”, matrícula ..-BO-.., tripulado pelo senhor BB, d. Que na data do acidente, o recorrente havia transferido a responsabilidade civil emergente de acidentes de viação para a R. através de contrato de seguro escrito e titulado pela apólice n.º ...86, cujo cobertura assegurava danos próprios e que esse contrato estava válido e em vigor na data e hora do acidente. D- O recorrente alegou que o veículo JE seguia Rua ..., em ..., Valongo, no sentido descendente, e que condutor do veículo BO atravessou o veículo que tripulava na referida via, no pressuposto de impedir que o dito veículo passasse no local. Nessa circunstância de modo, tempo e lugar, o condutor do veículo JE, propriedade do recorrente que se encontrava em pânico, tentou fugir do local, mas sem sucesso, e nessa manobra de tentativa de fuga, acabou por embater de frente na parte lateral direita do BO, entre a porta do condutor e a cave da roda dianteira. O referido filho do recorrente por temer pela sua integridade física, abandonou o veículo JE destrancado, e no seu interior deixou as chaves da porta de casa, a mochila, um computador portátil, o telemóvel e todos os seus pertences. E- O recorrente alegou a verificação de danos resultantes do embate. F- Na data em que ocorreram os factos, o recorrente havia transferido para a recorrida a responsabilidade civil emergente de acidentes de viação através de acordo por contrato de seguro titulado pela apólice n.º ...86 e que cobria, entre outros, os danos emergentes de acidentes de viação no próprio veículo segurado (cobertura de danos próprios), e que nunca lhe foram pagos, tendo então o recorrente intentado a competente ação. G- A douta sentença deu por provada, na fundamentação de facto o vertido nos pontos A) 1.º a 73.º ali doutamente explanados e deu como não provados os factos vertidos nos pontos B) 1.º a 22.º que o recorrente discorda, como demonstrará. H- O depoimento da testemunha CC, foi um depoimento credível, assertivo, contextualizado, localizando espacialmente no tempo e no espaço a descrição dos factos, parece-nos claro que outra decisão merecia a ação. Importa sublinhar, que só esta testemunha e mais ninguém é que pode esclarecer o estado em que se encontrava na data e hora do embate, da forma que ele ocorreu, o seu estado de espírito, o modo como tripulou o veículo JE, uma vez que o embate ocorreu com o veículo BO imobilizado. I- Neste contexto, por uma questão de facilidade de entendimento e clareza de exposição, descreve-se o testemunho da testemunha CC, que se encontra registado em gravação áudio, e que correu no dia 13.11.2023, com início às 10.46h e terminou às 11.24h e que se encontra gravado. 1,00 mn Sr. Juiz: diga-nos o seu nome completo; CC: CC, Sr. Juiz: estado civil; CC: solteiro; (…) 2,00 mn CC; sou filho do autor. Mandatário do A. (adiante abreviado por MA): sabe a data do acidente? CC: 31.05 de 2021; MA: sabe o local do acidente? CC: à beira do Burger King; MA: qual a freguesia e concelho? CC: isso foi em .... MA: Que veiculo conduzia? CC: um Honda .... MA: sabe a matrícula? CC. Isso não sei de cor; MA: esse veículo, quem era o proprietário? CC: era do avô, mas o avô faleceu… 2,55 mn MA: O carro estava em bom estado de conservação? CC: Sim. Estava impecável. Era um carro estimado. 3.20 mn MA: quer contextualizar o acidente, como aconteceu, de que modo? CC: eu estava em ..., na ..., entro do lado direito na rotunda, um carro vinha pelo interior; eu estava perto da saída, mas ele forçou a saída, eu respeitei, abrandei e deixei-o passar. Posto isto, o veículo continuou a buzinar; nesse momento, eu tinha-o deixado passar, continuou a gesticular dentro do carro. Acabou por sair do carro, ele e a mulher, pronto, eu tive de imobilizar o carro, eles começaram a agredir o carro, não me conseguiram agredir a mim, que eu estava dentro do carro. 4.28mn MA: agredir o carro como? CC: com pontapés, socos… RA: na via pública? CC: sim, na via pública, sim. Depois consegui contornar o carro deles com cautela. MA: não saiu fora do carro? CC: não. Se saísse ia ser pior para mim. Eu continuei. Eu pensei: bem, eles já tiveram o momento de fúria deles. MA: quando diz “continuei” diz fugi do local? CC: Sim, fugi do local, mas pensei que eles não vinham novamente atrás, apesar do que fizeram. Rapidamente, 100 metros talvez, voltaram a ultrapassar, imobilizaram o carro novamente e saíram. Aí eu vi era algo mais sério do que eles demonstraram. Porque eles várias vezes diziam que me ima matar e eu … MA: quem é que dizia que o iam matar? CC: tanto o homem como a mulher. MA: os dois? CC: os dois. Os agressores. Eu naquele momento pensei que aquilo se estava a tornar sério e não era só um momento quente; nesse momento, eu então fugi por uma estrada secundária. MA: nessa segunda vez, eles danificaram o veículo? CC: não. Não tiveram hipótese. Porque eu… MA: e na primeira? CC: na 1.ª sim. MA: que danos? CC: sei que partiram o espelho, o retrovisor; pronto: danos na tinta… MA: retomando o segundo episódio. Dizia que conseguiu fugir do local?. CC: Sim. Entrei por uma estrada secundária, dei a volta à rotunda, tentei, de alguma forma, despista-los.. MA: O CC, nessas situações, quer na primeira, quer na segunda, o senhor tinha medos deles? CC: Sim, claro. Eles diziam que me iam matar. Foi uma situação um bocado … depois eu consegui escapar, pensado eu, entrei para uma zona do BUGER KING e desliguei o carro e desliguei todas as luzes, porque às vezes poderia alguma coisa chamar atenção. MA: mas era de dia ou de noite? CC: era de dia, mas de qualquer forma, eles eram dois e certamente poderiam não seguir ver. Pronto: eu estava com o carro imobilizado; eles voltaram a ultrapassar e imobilizaram oo carro deles. MA: imobilizaram o carro deles na via pública? CC: sim. À frente do meu. MA: o senhor estava estacionado numa baia de estacionamento? 6,2º mn CC: não. Estava em segunda mão. MA: em segunda fila? CC: Sim. Em segunda fila exatamente. Mas tinha outro carro atrás. Por isso pensei que eles não me veriam. Pronto. Eles saíram do carro, continuaram a desferir golpes no carro; a dizer para eu sair. Com palavra menos boas; a dizer que me iam matar. MA: insultavam-no? CC: sim. MA: o que diziam? CC: posso dizer? Filho da puta, vou-te matar cabrão. MA: Quem? o senhor ou a senhora? CC: Sim. Quando eu falo de um falo de outro. Os dois era como se fosse um só. Entretanto, eu achava que aquela rua era uma rua sem saída, que eu não conhecia aquela zona. Como era uma zona fabril, daí que tentei contornar o carro dele; contornei o carro. Fiz marcha atrás e arranquei. 8,20 mn MA: o senhor estava parado, deu a volta e veio para trás, foi isso? CC: Sim. Para conseguir fugir, porque pensei que a rua não tinha saída. MA: julgada que a rua era sem saída? CC: Sim, sim. MA: o carro deles estava estacionado? Estava aparcado? Estava a obstruir a saída? CC: sim. Eu estava em segunda fila e eles estavam um bocadinho mais afastados, como se fosse em terceira fila, portanto. MA: o carro estava de frente para si, ou de lado? CC: estava de frente; de frente. MA: continue, por favor. CC: entretanto, quando eu entrei no carro e tentei chegar mais à frente, eles também entraram dentro do carro; ligaram o carro para me perseguir; para uma possível perseguição… e pronto foi aí… MA. O senhor saiu do local e voltou ao mesmo local? CC: sim, para ir embora, porque eu pensei que era uma rua sem saída. Entretanto, acabei por embater; não consegui. Eram muitos carros de vários lados. Entretanto chegaram os bombeiros. MA: o senhor não conseguia passar? CC: Não. Quando chegaram os bombeiros, já não estavam lá os camiões que já tinham estado, por exemplo. MA: no momento do embate, já disse que o carro estava de frente. O senhor conseguia fazer uma manobra para contornar o carro? CC: uma manobra correta não. MA. Não tinha espaço físico? Não tinha? CC: não. MA: tinha lá algum camião? Era isso? CC: tinha lá vários camiões. MA: a descarregar mercadoria? CC: penso que estavam só estacionados. 9,00 mn MA: este embate, quando ocorreu o embate, quando estava conduzir, este embate foi propositado? CC: Não. MA: então como foi? CC: foi um acidente. De alguma forma, acabou por, eu não posso dizer que acabou bem, porque acabou por calhar mal na mesma, pois depois de bater eles voltaram a perseguir na mesma; mas foi uma forma de, se cachar, eu não sei, não sei como posso explicar isto MA: o senhor tinha medo de ser agredido? CC: Sim, sim, sim. MA. Tinha medo que eles o matassem? CC: Certo MA: estava com receio? CC: certo, isso sim. Tive medo. MA: tinha esse medo que eles lhe fizessem mal? CC: Sim. MA: esse medo, quando bateu, estava consciente do que estava a fazer? CC: Não. … estava com a adrenalina toda. MA: Estava em pânico? CC: Sim, estava. Em êxtase. Aquilo foi uma situação em que nunca estive na vida. MA: O senhor, essa manobra do embate, foi uma manobra de escape; tentou contornar o carro? Ou não conseguiu contornar o carro? Ou foi um embate propositado para magoar os outros tripulantes que lá estavam? CC: Não. Para magoar não. Se eu quisesse magoar, eu já o tinha feito antes, quando eles estavam de pé, à frente do meu carro. Nas várias ocasiões que eles lá estiveram, eu tive oportunidade para lhes passar com o carro por cima deles. MA: Podia tê-los atropelado? CC: Por várias vezes. Só que isso era impensável. Pronto foi isso. MA: O senhor, portanto, tripula o carro, condu-lo atém bater no outro? CC: Sim. MA: Recorda-se da marca do outro carro? CC: Sei que era um carro, carrinha. Uma carrinha, já não me recordo. MA: Seria Mazda? CC: sim, um Mazda, exatamente. MA: Quando o senhor embateu, eles estavam dentro do carro. CC: estavam, certo. Ele já tinha ligado o carro para me perseguir novamente. MA: sabe de que lado do carro deles embateu? CC: tenho a ideia que foi pelo meio, pelo meio. MA. Então o carro estava de lado? CC: certo. MA: mas disse há um bocadinho que o carro estava de frente para si. CC: Como é que posso explicar isto? MA: o senhor quando estava a olhar para o carro deles o que viu? Via a frente do carro deles? Via a porta lateral? CC: antes de avançar? Via a traseira? MA: Antes de avançar? CC: Sim. MA: então o carro não estava atravessado, estava direito? CC: Sim, estava à minha frente mais para a esquerda. MA: e o embate? Embateu na porta de trás deles? CC: o embate? Isso aconteceu o seguinte: contornei-os, dei a volta na rua, a seguir, a tal que eu pensava que era sem saída e ao vir para trás é que ocorreu o embate. MA: e o senhor, isto é importante, não conseguia contornar o carro? CC: não, não. MA: Ai não podia contornar o carro? Ele estava, logo, a obstruir passagem? CC: certo. MA: AH. Depois, já nos disse, depois do embate o que aconteceu? CC: depois do embate, foi uma situação um pouco pesada. Eu saí do carro, não consegui pensar direito, não me lembro;… assim, parece tudo muito enevoado; so me lembro de conseguir fugir. MA: Fugiu do local? CC: O máximo que pude. MA: deixou o veículo com o motor a trabalhar? CC: Sim. Eu acredito que sim, não tinha tempo para nada; não tinha tempo para nada. MA: deixou alguma coisa de bens pessoais dentro do carro? CC: deixei; deixei, tudo o que tinha. Não levei nada comigo. MA: computador? Pasta? Ia para a faculdade? CC: Sim, ia para o estágio da universidade. MA: deixou lá ficar tudo? CC: certo. MA: abandonou, portanto, o local? CC: Tudo. MA: fugiu de lá? CC: deixei o carro com as portas abertas. MA: Fugiu de lá a correr? CC: sim. MA: Eles vieram atrás de si? CC: Sim. Os dois. Um por um lado e outro por outro lado. MA: o Senhor refugiou-se em algum lado? O que fez? CC: ao fim de 250 metros ou algo do género, eu consegui ver uma senhora; eu pedi auxílio a ver se conseguia entrar na casa dela, que o homem não estava. A senhora disponibilizou-se e pedi-lhe também o telefone para ligar para a minha família. MA: não ligou do seu telefone para a sua família? CC: não, porque não tinha o meu. MA: deixou ficar no carro. CC: sim, sim, e então liguei com o telefone da senhora para, para os meus pais para alertar da situação. Na altura não pensei em 112 nem polícia, nem nada. Naquele momento a pessoa pensa nos mais próximos. MA: temia pela sua segurança? CC: Sim. MA: Olhe; em relação aos danos que o seu carro apresentava, recorda-se como é que ele ficou? Se eram na parte da frente, na parte de trás? CC: Após o embate? À frente. MA: O para-choques? Estragado, com danos? CC: Sim. MA: e os guarda-lamas? CC: Sim. MA: esquerdo e direito, de ambos os lados? CC: Não tenho a certeza; MA: e os faróis? Ficaram partidos? CC: sim, acredito que sim. MA: e os piscas? Farolins, também ficaram partidos? Ficou tudo partido na frente? Na parte frontal do carro? CC: sim. É assim, a ideia que tenho é que sim. O carro não é meu. Foi o meu pai que acabou por tratar. A parte da frente ficou completamente desfeita. MA: Olhe; em relação ao contrato de seguro; sabe alguma coisa? Se ele tinha contrato de seguro válido? CC: sim, sim, sei que era contra todos os riscos. MA: assistiu á celebração do contrato? CC: não. MA: foi o seu pai quem tratou de tudo? CC: Sim, sim. MA: Se lhe perguntar se sabia qual é o valor da cobertura? CC. Tenho ideia que andava por volta dos 3.000 euros. MA: para cobertura dos danos? CC: Sim. Eu não tenho a certeza, não tenho a certeza porque, lá está, não era eu que tratava. MA: muito bem. Então em relação ao acidente, retomando e concluindo, o senhor, é o senhor que provoca o acidente? O senhor bate no carro deles; é o senhor que provoca? CC: visto dessa forma, sim. 9,45 mn MA: quando o senhor bate, é uma manobra para fugir do local. CC: Certo. Foi como forma de escapatória. MA: de escapatória? Já disse que estava com medo. Tinha medo que lhe fizessem mal? Que o matassem? Eles exibiram alguma arma? Algum pau? Algum ferro? CC: Não. Após o embate eles podiam tirar qualquer coisa… não sei.. aquilo foi… não pensei. Só pensei em fugir. MA: fazia aqui um apelo à sua memória, quando o senhor dirige o carro, quando vê o carro e provoca a colisão, ia com o espírito de dizer: vou estragar o meu carro propositadamente, vou magoá-los, vou… CC: Não, não, não. MA: tentava fugir do local? CC: Aquilo é como um rato fechado; tem que fugir, tem que fugir. Não está a pensar que vai fazer mal a alguém. Só queria fugir; só queria que aquilo desaparecesse. J- Com base no depoimento desta testemunha, a matéria dada por provada e por não provada deveria ter sido outra. K- O ponto 51.º da matéria dada por provada (no dia 31 de maio de 2021 cerca das 10h, o JE foi propositadamente conduzido e dirigido pelo seu condutor, CC, em direção ao BO, com o intuito e propósito de embater naquele carro e provocar-lhe danos.) tem de ser dado por não provado. Este facto foi contrariado pelo testemunho do CC. Este e só este é que podia esclarecer o tribunal, como esclareceu que pretendia fugir do local e que se encontrava em pânico. L- A matéria do ponto 51.º não podia ser dada por provada, M- O mesmo se diga quanto ao facto vertido no ponto 52.º da matéria dada por provada (quando direcionou o JE rumo ao BO, o CC pretendia que esses dois veículos embatessem, resultado que concretizou.) N- A testemunha CC referiu expressamente, por diversas vezes que estava com medo; que pretendia fugir do local, que estava em pânico. Aliás, perguntado, disse: “Foi como forma de escapatória.” O- A matéria referida não poderia ter sido dada por assente, por violar manifestamente a prova produzida em sede de audiência de julgamento. P- Ao dar por provada a matéria vertida nos pontos 53.º, 54.º a sentença incorreu em erro. Q- O condutor do veículo JE testemunhou que estava com medo, em pânico, e tentou fugir e que voltou para trás, pois pensava que estava numa estrada sem saída. Fugiu dos ocupantes do BO enquanto pode; e mesmo depois do embate fugiu do local e abandonou o comutador e o telemóvel. R- Toda a matéria vertida nos pontos 51.º a 54.º deve ser dada por não provada, de acordo com o depoimento da testemunha CC. S- A sentença incorreu em erro de julgamento, cuja modificabilidade da matéria de facto se impõe, nos termos do artigo 662 n.º 1 e 2 do CPC. T- A matéria dada por não provada, também merece reparo, nos pontos 2.º a 7.º. U- Deve ser dado por provado que “o condutor do veículo BO atravessou o veículo que tripulava, no pressuposto de impedir o veículo JE passasse no local” (ponto 2 da matéria dada por não provada), tendo por base o depoimento da testemunha CC. V- O depoimento da testemunha CC foi muito claro, em afirmar que temia pela sua integridade física, que tentou a fugir do local, que foi perseguido antes e depois do acidente, facto este último corroborado pela testemunha DD, que bem referiu que a testemunha lhe pediu auxílio. W- A sentença incorreu em erro de julgamento, cuja modificabilidade da matéria de facto se impõe, nos termos do artigo 662 n.º 1 e 2 do CPC. X- Deve ser aditada à matéria dada por provada que “o condutor do veículo BO atravessou o veículo que tripulava, no pressuposto de impedir o veículo JE passasse no local” que o condutor do veículo JE estava em pânico, que previamente ao embate entre as duas viaturas, o condutor do veículo BO BB e uma passageira do mesmo o veículo ameaçaram de morte o condutor do JE; que encetaram uma perseguição por várias ruas até chegar ao local do embate; que após o embate, a fuga do condutor do JE foi motivada pelo facto de este temer pela sua integridade física; que depois do acidente, a passageira do BO correu no encalce do condutor do veículo JE; que o condutor do BO e a acompanhante voltaram a ameaçar de morte o conduto do JE, matéria dada por não provada na douta sentença, por força do testemunho do CC, supratranscrito, nomeadamente quando este afirmou, de modo claro que: depois do embate, foi uma situação um pouco pesada. Eu saí do carro, não consegui pensar direito, não me lembro;… assim, parece tudo muito enevoado; so me lembro de conseguir fugir. MA: Fugiu do local? CC: O máximo que pude. MA: deixou o veículo com o motor a trabalhar? CC: Sim. Eu acredito que sim, não tinha tempo para nada; não tinha tempo para nada. MA: deixou alguma coisa de bens pessoais dentro do carro? CC: deixei; deixei, tudo o que tinha. Não levei nada comigo. MA: computador? Pasta? Ia para a faculdade? CC: Sim, ia para o estágio da universidade. MA: deixou lá ficar tudo? CC: certo. MA: abandonou, portanto, o local? CC: Tudo. MA: fugiu de lá? CC: deixei o carro com as portas abertas. MA: Fugiu de lá a correr? CC: sim. MA: Eles vieram atrás de si? CC: Sim. Os dois. Um por um lado e outro por outro lado. MA: o Senhor refugiou-se em algum lado? O que fez? CC: ao fim de 250 metros ou algo do género, eu consegui ver uma senhora; eu pedi auxílio a ver se conseguia entrar na casa dela, que o homem não estava. A senhora disponibilizou-se e pedi-lhe também o telefone para ligar para a minha família. Y- A sentença recorrida violou os artigos 607 n.º 4 do CPC. Z- Julgando-se a matéria supra descrita como se descreveu, a ação deveria ter sido julgada procedente por provada. AA- A douta sentença deveria ter dado por provado que o embate ocorreu por acidente, uma vez que o condutor do JE Estava em estado de pânico e tentou de algum fugir do local, e nesse contexto, embateu. BB- Os danos do seu veículo que tripulada não foram provocados de forma voluntária e consciente. CC- Os danos verificados no veículo JE ocorrerem por causa furtuita, por acidente. DD- tendo o contrato de seguro cobertura de danos próprios (como julgado no ponto 39.º da matéria dada por provada) a recorrida deverá ser condenada no seu pagamento, como peticionado na petição inicial. EE- A sentença recorrida errou na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais, violando o artigo 607 n.º 4 do CPC “. * A R., companhia de seguros, apresentou CONTRA-ALEGAÇÕES, pugnando pela improcedência do recurso. Conclui do seguinte modo: “I- Não existe qualquer erro ou deficiência logica na motivação da decisão proferida quanto a tais factos, ou, muito menos, qualquer erro de julgamento, deve manter-se a decisão proferida quanto a esta matéria. II- A prova produzida no decurso da ação não impunha decisão diversa da proferida quanto aos pontos da matéria de facto impugnados pelo Autor III- Pelo que deve improceder, nessa parte, o recurso. IV- Pelas razões invocadas na douta sentença, impunha-se a absolvição da Ré dos pedidos. V- Ainda que assim não fosse, sempre a eventual prestação a cargo da Ré estaria limitada ao valor do capital garantido pela apólice, não podendo ser atendidas as pretensões formuladas pelo Autor”. *** O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Civil * II - FUNDAMENTAÇÃO. Como se constata do supra exposto, as questões a decidir, são as seguintes: A) Modificação da decisão da matéria de facto. i) Da admissibilidade do recurso da matéria de facto – cumprimento do ónus do artigo 640.º do Código de Processo Civil (encargo de especificar, quanto a cada um dos factos, os concretos meios de prova que impunham decisão diversa da proferida). O recorrente não indica “quanto a cada concreto facto, as razões da sua discordância quanto à decisão proferida”. ii) O ponto 51.º da matéria dada por provada. iii) O ponto 52.º da matéria dada por provada. iv) Os pontos 53.º e 54.º do factos provados. v) Quanto aos pontos 2.º a 8.º dos factos não provados. B) Modificação da decisão de direito em consequência da alteração da decisão da matéria de facto. ** A sentença ora em crise deu como provada e não provada a seguinte factualidade.* OS FACTOS “1. Em data anterior, mas próxima, ao mês de maio de 2019, o Autor adquiriu aos demais herdeiros de EE, seu pai, o veículo automóvel da marca Honda, modelo ..., matrícula ..-JE-.. que integrava a herança aberta por óbito do referido EE. 2. Desde então, o Autor está na posse do dito veículo, de forma ininterrupta, publicamente, sem oposição de ninguém, na convicção de que usa um bem próprio. 3. A Ré é uma sociedade comercial que se dedica à celebração de contratos de seguro, entre outros. 4. No dia 31 de maio de 2021, pelas 11 horas, ocorreu um embate entre o referido veículo de matrícula ..-JE-.. e o veículo da marca Mazda, modelo ...”, de matrícula ..-BO-... 5. Nessas circunstâncias de tempo, o veículo de matrícula ..-JE-.. era tripulado por CC, filho do Autor e com ele residente. 6. O veículo de matrícula ..-BO-.. era tripulado por BB. 7. À data do embate, o Autor havia transferido a responsabilidade civil emergente de acidentes de viação para a Ré através de acordo por contrato de seguro escrito e titulado pela apólice n.º ...86. 8. Esse contrato, cobria, entre outros, danos emergentes de acidentes de viação no próprio veículo segurado (cobertura de danos próprios). 9. À data e hora do referido embate, o contrato de seguro referido estava válido e em vigor. 10. Nas referidas circunstâncias de tempo, o veículo JE seguia Rua ..., em ..., Valongo. 11. Já na Rua ..., o condutor do veículo JE embateu de frente na parte lateral direita do BO, entre a porta do condutor e a cave da roda dianteira. 12. O que aconteceu após uma contenda entre os condutores das duas viaturas. 13. Logo após o embate, o condutor do veículo JE saiu do veículo e colocou-se em fuga. 14. O que fez abandonando o veículo que conduzia destrancado e, no seu interior, deixou todos os seus pertences. 15. Na sequência, o condutor do BO correu no encalce do condutor do JE. 16. E no encalce do condutor do BO seguiu, por alguns momentos, a sua companheira, que seguia como passageira no BO. 17. O condutor do JE pediu auxílio junto de uma casa, onde se refugiou. 18. Não foi elaborada a declaração amigável de acidente automóvel. 19. A PSP deslocou-se ao local e elaborou auto de notícia. 20. Mais tarde, o condutor do veículo JE apresentou uma participação criminal por factos alegadamente ocorridos em momento anterior ao embate, cujo inquérito corre termos, sob o número 1402/21.4T9VLG, no DIAP de Valongo. 21. Em virtude do referido embate, o veículo JE ficou com o para-choques dianteiro amolgado; o guarda-lamas dianteiros esquerdo e direito amolgados; os faróis dianteiros ambos partidos; os piscas dianteiros partidos, os farolins dianteiros partidos; a cave da roda dianteira amolgada; o motor e radiador danificados. 22. O Autor participou o embate à Ré companhia de seguros, para onde havia transferido a responsabilidade civil emergente de acidentes de viação através de acordo por contrato de seguro titulado pela apólice n.º ...86 e que cobria, entre outros, os danos emergentes de acidentes de viação no próprio veículo segurado (cobertura de danos próprios). 23. E solicitou a reparação dos danos que resultaram desse aludido embate. 24. Na sequência, a Ré ordenou uma peritagem ao veículo JE. 25. E em 30 de junho de 2021, a Ré remeteu uma carta registada ao Autor informando, e para além do mais, o seguinte: “no seguimento da vistoria efetuada constatámos que a viatura de V. Exa sofreu danos cuja reparação se torna excessivamente onerosa face ao seu valor de mercado antes do acidente. Na situação em concreto, considerando o valor estimado para a reparação de 7.893,02€ (…) colocamos à sua disposição a quantia de 2.427,51 € …”. 26. O veículo em causa foi adquirido pelo pai do Autor que o conduziu enquanto pôde. 27. Pelo que possui para o Autor um valor sentimental. 28. Antes de ocorrer o descrito embate, o veículo do Autor encontrava-se em boas condições de funcionamento. 29. Era um carro estimado e cuidado pelo proprietário. 30. E tinha cerca de 74.000 quilómetros. 31. O Autor pagava o prémio de seguro do contrato que celebrou com a Ré. 32. Prémio esse calculado em função do valor atribuído à viatura segura. 33. A Ré não entregou ao Autor as condições gerais do contrato referido. 34. A viatura JE, à data do embate, satisfazia, quando necessário, as necessidades de transporte do Autor e da sua família. 35. O custo da reparação do veículo JE é de 7.893,02 €. * 36. Entre a Ré, como seguradora, e o Autor foi celebrado um contrato de seguro do ramo automóvel, titulado pela apólice ...86 e subordinado às Condições Gerais, Especiais e Particulares aplicáveis. 37. Por força desse contrato, foi transferida para a Ré a responsabilidade civil em relação a terceiros decorrente da circulação do veículo automóvel com a matrícula ..-JE-... 38. Adicionalmente, o autor subscreveu no âmbito dessa apólice a cobertura de seguro facultativo de “choque, colisão e capotamento” sofridos por esse veículo. 39. No âmbito da cobertura de “Choque, colisão e capotamento”, foi acordado entre as partes no contrato de seguro o seguinte: Cláusula 1.ª – Definições Para efeito da presente Condição Especial considera-se: CHOQUE: Danos no veículo seguro resultantes do embate contra qualquer corpo fixo ou sofrido por aquele quando imobilizado; COLISÃO: Danos no veículo seguro resultantes do embate com qualquer outro corpo em movimento; CAPOTAMENTO: Danos no veículo seguro resultantes de situação em que este perca a sua posição normal e não resulte de Choque ou Colisão. Cláusula 2.ª - Âmbito de cobertura Em derrogação do disposto na alínea a) do n.º 4 da cláusula 5.ª, a presente Condição Especial garante ao Segurado o ressarcimento dos danos que resultem para o veículo seguro em virtude de choque, colisão ou capotamento. A presente Condição Especial é exclusivamente aplicável a veículos ligeiros. Cláusula 3.ª – Exclusões Para além das exclusões previstas nas cláusulas 5.ª e 40.ª das Condições Gerais, não ficam garantidas ao abrigo da presente Condição Especial as seguintes situações: a) Danos provenientes do mau estado das estradas ou caminhos, quando deste facto não resulte choque, colisão ou capotamento; b) Danos nas capotas de lona, jantes, câmaras de ar e pneus, exceto se resultarem de choque, colisão ou capotamento e quando acompanhados de outros danos ao veículo; c) Danos resultantes da circulação em locais reconhecidos como não acessíveis ao veículo; d) Causados por objetos transportados ou durante operações, de carga e descarga; e) Danos causados em extras, tal como definido na cláusula 38.ª, incluindo o teto de abrir, quando os mesmos não forem devidamente valorizados e identificados nas Condições Particulares; f) Danos diretamente produzidos por lama ou alcatrão ou outros materiais utilizados na construção das vias; g) Danos causados exclusivamente pelo veículo rebocado ao veículo rebocador ou por este àquele, ainda que se aplique a Cláusula Particular de “Inclusão do Serviço de Reboque”, exceto se a presente cobertura tiver sido subscrita em relação a ambas as unidades; h) Danos que consistam em riscos, raspões, fendas ou ocorram em consequência de operações de montagem ou desmontagem ou instalação defeituosa 40. O referido contrato de seguro teve o seu início em 17/05/2019, tendo a duração de um ano renovável por idênticos períodos de tempo. 41. Aquando da celebração do contrato de seguro e, portanto, com referência à data de 17/05/2019, o capital da cobertura de “choque, colisão e capotamento” do contrato de seguro em causa era o de 4.680,60 €. 42. De acordo com as cláusulas desse contrato de seguro, o capital do seguro sofreria, desde o início da vigência do contrato, uma desvalorização mensal e anual, de acordo com a tabela de desvalorização constante das condições particulares da apólice. 43. O artigo 43.º, n.º 1 das Condições Gerais da apólice em causa prevê o seguinte: “Após a determinação do valor seguro nos termos da cláusula anterior, e salvo se outro regime de desvalorização for acordado e expresso nas Condições Particulares, o valor do veículo seguro para efeitos de determinação do montante a indemnizar em caso de perda total, será, nos meses e anuidades seguintes aos da celebração do contrato, automática e sucessivamente alterado de acordo com a tabela de desvalorização aplicável”. 44. À data de 31/05/2021, por força das regras de desvalorização previstas na apólice, o capital seguro para a cobertura de “choque, colisão e capotamento” era o de 3.594,51 €. 45. Ficou estabelecido na apólice que, em caso de sinistro garantido pela cobertura de “choque, colisão ou capotamento”, seria sempre devida pelo Autor uma franquia, no valor de 250,00€ (duzentos e cinquenta euros), a abater à eventual indemnização devida. 46. A cláusula 40.ª, n.º 1, alínea b) das Condições Gerais da apólice prevê a exclusão da garantia do seguro dos “Danos causados intencionalmente pelo Tomador do Seguro, Segurado, pessoas por quem estes sejam civilmente responsáveis ou às quais tenham confiado a guarda ou utilização do veículo seguro”. 47. Nas circunstâncias de tempo acima descritas, numa “rotunda” situada dentro dos limites da localidade de Valongo, o condutor do veículo JE realizou uma manobra de trânsito que fez com que BB, condutou do BO, acionasse a buzina do seu veículo, manifestando o seu desagrado pela conduta do primeiro. 48. Na sequência, gerou-se um desentendimento entre os dois condutores em plena circulação. 49. Após percorrerem algumas vias, o condutor do veículo BO imobilizou-o na Rua ..., em frente ao café B..., de forma paralela ao eixo dessa via, imediatamente ao lado de outros veículos que estavam estacionados no local próprio para esse fim, existente nessa via, ou seja, o BO foi estacionado em segunda fila, mas junto ao limite direito da Rua ..., atento o sentido Norte-Sul. 50. No dia 31/05/2021, cerca das 10h, no momento da descrita colisão, o JE estava confiado ao CC pelo seu pai que, antes dessa hora, tinha empresado o JE ao CC, para que este o usasse, com a obrigação de o guardar. 51. No dia 31/05/2021, cerca das 10h, o JE foi propositadamente conduzido e dirigido pelo seu condutor, CC, em direção ao BO, com o intuito e propósito de embater naquele carro e provocar-lhe danos. 52. Quando direcionou o JE rumo ao BO, o CC pretendia que esses dois veículos embatessem, resultado que concretizou. 53. Quando o condutor do JE dirigiu esse carro rumo ao BO sabia que com essa manobra iria provocar danos nesses dois veículos, incluindo, portanto, aquele que tripulava, como efetivamente provocou. 54. Porém, ainda assim, provocou, propositada e conscientemente, o embate entre esses dois automóveis. 55. Na comunicação descrita em 25, a Ré declarou que ainda não lhe era possível tomar qualquer posição no que toca à assunção de responsabilidade e que os valores nela mencionados eram referenciados a título meramente condicional. 56. Os salvados do JE valiam, pelo menos, 917,00 €, valor da maior proposta apresentada para sua aquisição. 57. No dia 30/06/2021 a Ré comunicou ao Autor o custo estimado da reparação dos estragos ostentados pelo JE (7.893,02), o valor do capital seguro (3.594,51€), o valor da maior proposta para aquisição dos salvados desse carro (917€) e ainda o nome e contactos da entidade que apresentou essa proposta (A2B Visual), comunicação essa com o seguinte teor: 58. Na subscrição do contrato de seguro em causa interveio um agente de seguros. 59. Aquando da subscrição do contrato de seguro, o autor foi informado do valor do capital inicial garantido no que toca à cobertura de “choque, colisão e capotamento” da apólice, tendo-lhe sido comunicado que era, à data de 17/05/2019, o de 4.680,60 €. 60. O autor foi informado, por quem recebeu tal proposta do sentido, teor e alcance de algumas das cláusulas contratuais e condições de funcionamento das coberturas, capitais seguros. 61. Todos os esclarecimentos solicitados pelo Autor foram-lhe prestados por quem recebeu tal proposta 62. No dia 17 de maio de 2019, foram entregues ao Autor as Condições Particulares da apólice. 63. Constava dessas condições particulares que o capital inicial da apólice era o de 4.680,60 €. 64. Constava ainda dessas condições particulares da apólice uma tabela de desvalorização do capital seguro, a qual tinha as seguintes regras e menções: 65. Ficou estabelecido nas condições particulares da apólice que o veículo seguro se encontrava sujeito à referida tabela de desvalorização e ainda que o valor do capital seguro do veículo indicado nas Condições Particulares corresponde ao do início do período de vigência do contrato e sofrerá até ao termo do mesmo período a desvalorização mensal prevista na tabela. 66. Posteriormente, concretamente, em 21/05/2020 e em 7 de julho de 2021, a Ré remeteu ao Autor as condições particulares das anuidades seguintes do contrato, as quais foram por este recebidas. 67. Nos 30 dias subsequentes à entrega das condições particulares do contrato de seguro, o Autor não comunicou à ré a existência de qualquer divergência entre o que deles constava e o que fora acordado. 68. Depois de o Autor ter recebido as condições particulares das anuidades de 17/05/2019 a 16/05/2020 e de 17/05/2020 a 17/05/2021, únicas emitidas antes da ocorrência do evento, nunca comunicou à Ré, ou ao agente de seguros, que o capital nelas mencionado não correspondia ao valor acordado entre as partes. 69. No que toca às condições gerais e especiais da apólice, ficou a constar nas condições particulares do contrato de seguro a seguinte menção: “O presente Contrato de seguro regula-se por estas Condições Particulares e ainda pelas Condições Gerais e Especiais com o modelo 105.041 - abr 2019, que poderão ser consultadas a qualquer momento em C....pt utilizando o número da apólice para pesquisa.” 70. O Autor dispunha de computador ou outro dispositivo com acesso à internet que lhe permitia que, a qualquer momento, pudesse obter as referidas condições gerais e especiais da apólice, acedendo, para o efeito, à página da internet da Ré. 71. O contrato de seguro em causa nestes autos teve início em 17 de maio de 2019 e foi renovado por duas vezes antes da ocorrência do alegado sinistro e vigorou, desde o seu início até à data do evento, durante cerca de dois anos. 72. Ao longo do indicado período de tempo, o Autor pagou o prémio de seguro, mantendo o contrato em vigor. 73. Ao longo desse período de tempo (desde a celebração do contrato até à data do alegado sinistro) nunca o Autor contactou a Ré, ou o agente de seguros, no sentido de esclarecer quais eram as coberturas e exclusões desse contrato de seguro, obter informação sobre qualquer dúvida que se suscitasse quanto a essa questão ou solicitar a entrega da documentação contratual integrante do contrato de seguro. B) Factos não provados 1. A viatura de matrícula ..-JE-.., descrita nos factos provados, adveio à posse do Autor por lhe ter sido doado pelo seu pai EE, há mais de cinco anos. 2. Nas circunstâncias descritas nos factos provados, o condutor do veículo BO atravessou o veículo que tripulava na via, no pressuposto de impedir que o veículo JE passasse no local. 3. O condutor do veículo JE estava em pânico. 4. Previamente ao embate entre as duas viaturas, o condutor do veículo BO BB e uma passageira do mesmo veículo, ameaçaram de morte o condutor do JE, 5. Tendo ainda encetado uma perseguição por várias ruas até chegar ao local do embate. 6. Após o embate, a fuga do condutor do veículo JE foi motivada pelo facto de este temer pela sua integridade física. 7. Depois do acidente, a passageira do BO correu no encalce do condutor do veículo JE. 8. E tanto esta como o condutor do BO e a sua companheira voltaram a ameaçar de morte o condutor do JE. 9. À data do acidente descrito nos factos provados, o valor comercial do veículo JE numa seria inferior a 7.000,00 €. 10. O veículo JE nunca antes tinha tido acidente que diminuísse o seu valor comercial. 11. Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas nos factos provados, a faixa de rodagem da Rua ... mantinha-se totalmente livre e desimpedida numa largura não inferior à de 4,8 metros. 12. Depois de imobilizar a viatura que conduzia na Rua ..., ao sair do BO, o BB deparou-se com o CC, tendo-se gerado entre eles nova discussão, ainda a propósito da ultrapassagem realizada na rotunda, discussão que foi acalorada, com ambos os condutores exaltados. 13. Depois dessa discussão, minutos depois do seu início, o CC regressou ao interior do JE e o BB e sua acompanhante regressaram ao interior do BO. * 14. Aquando da celebração do contrato de seguro, o capital da cobertura de “choque, colisão e capotamento” do contrato de seguro em causa foi fixado segundo o valor indicado pelo Autor.15. As estipulações do contrato de seguro constantes das suas condições particulares no que concerne à definição do capital seguro inicial da apólice, foram objeto de negociação individual entre a Ré e o Autor. 16. Aquando da celebração do contrato de seguro, em 17 de maio de 2019, foi o Autor quem indicou como capital seguro a garantir no âmbito das coberturas facultativas o de 4.680,60 €. 17. Aquando da celebração do contrato de seguro, ao Autor foi explicado que o capital seguro correspondia ao valor máximo pelo qual a Ré poderia ser responsabilizada, em caso de ocorrência de um sinistro. 18. Aquando da subscrição do contrato de seguro, ao Autor foi explicado que o capital garantido pela cobertura de “choque, colisão e capotamento” sofreria uma desvalorização mensal e anual, de acordo com tabela de desvalorização constante das condições particulares. 19. Aquando da subscrição do contrato de seguro, ao Autor foi explicado o modo de funcionamento da referida desvalorização, concretamente que a cada mês de antiguidade do veículo corresponderia uma taxa, a qual, aplicada ao valor em novo do carro, ditaria o capital seguro em cada momento. 20. Aquando da celebração do contrato de seguro, o Autor foi explicado de que não ficariam garantidos pelas coberturas da apólice os danos intencional ou deliberadamente provocados pelo próprio, pelo condutor do veículo, ou por pessoas a quem o tivesse cedido para utilização ou guarda. 21. O Autor compreendeu o exato sentido e alcance de todas as cláusulas do contrato de seguro. 22. As condições gerais da apólice foram entregues ao Autor aquando da celebração do contrato. À restante matéria não se responde por extravasar o objeto dos autos, ser conclusiva ou de direito ou por força das regras do ónus da prova.“, realçado nosso. ** Modificação da decisão da matéria de facto.* DE DIREITO. A) i) Da admissibilidade do recurso da matéria de facto – cumprimento do ónus do artigo 640.º do Código de Processo Civil (encargo de especificar, quanto a cada um dos factos, os concretos meios de prova que impunham decisão diversa da proferida). O recorrente não indica “quanto a cada concreto facto, as razões da sua discordância quanto à decisão proferida”. São as conclusões do requerimento de recurso quem fixa o objecto do recurso. Dispõe o artigo 640.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil, com a epígrafe, “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, o seguinte: “1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. (…)“. A Doutrina tem vindo a expor, de modo repetido e claro, quais os requisitos que o recurso de apelação, na sua vertente de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, terá de preencher para que possa ocorrer uma nova decisão de matéria de facto. Nesta sede, ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, in Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5.ª Ed., em anotação à norma supratranscrita importa reter o seguinte. a) Em primeiro lugar, deve o recorrente obrigatoriamente indicar “os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões”; b) Em segundo lugar, tem o recorrente que indicar “os concretos meios probatórios” constantes dos autos que impõe sobre aqueles factos (alínea a)) decisão distinta da recorrida; c) Em terceiro lugar, em caso de prova gravada, terá de fazer expressa menção das passagens da gravação relevantes; d) Por fim, recai o ónus sobre o recorrente de indicar a decisão que, no seu entender, deveria ter sido proferida sobre as questões de factos impugnadas (alínea a)). Com a imposição destes requisitos o legislador faz recair sobre o recorrente o ónus de alegação, de modo reforçado, para que a instância de recurso não se torne aleatória e imprevista, ie, que os recursos possam ter natureza genérica e inconsequente (neste sentido o autor citado, in ob. cit., pág. 166). * Ponderando e apreciando a instância de recurso quanto à impugnação da decisão da matéria de facto, o recorrente, quanto aos pontos de facto indicados, preenche os apontados requisitos. Mais, é de atender ao decidido pelo recente Ac do Supremo Tribunal de Justiça de UJ de 14.11.2023, n.º 12/2023, do qual consta: “Nos termos do art. 640.º/1/c, do CPCivil, o recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões do recurso a decisão alternativa pretendida, desde que essa indicação seja feita nas respetivas alegações “. Na fundamentação do citado Ac. pode-se ler: “Em síntese, decorre do artigo 640, n.º 1, que sobre o impugnante impende o dever de especificar, obrigatoriamente, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera julgados de modo incorreto, os concretos meios de probatórios constantes do processo, de registo ou de gravação nele realizado, que imponham decisão diversa da recorrida, bem como aludir a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Tais exigências, traduzidas num ónus tripartido sobre o recorrente, estribam-se nos princípios da cooperação, adequação, ónus de alegação e boa-fé processuais, garantindo a seriedade do recurso, num efetivo segundo grau de jurisdição quanto à matéria de facto, necessariamente avaliado de modo rigoroso, mas sem deixar de ter em vista a adequada proporcionalidade e razoabilidade, de modo a que não seja sacrificado um direito das partes em função de um rigorismo formal, desconsiderando aspetos substanciais das alegações, numa prevalência da formalidade sobre a substância que se pretende arredada. O recorrente que impugne a decisão sobre a matéria de facto, cumpre o ónus constante do n.º 1, c), do artigo 640, se a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, constar das conclusões, mas também da leitura articulada destas últimas com a motivação do vertido na globalidade das alegações, e mesmo na sequência do aludido, apenas do corpo das alegações, desde que do modo realizado, não se suscitem quaisquer dúvidas.”. Contrariamente ao aludido pela recorrida, companhia de seguros, o apelante, A., indica quais os factos que pretende ver alterados, indica qual a modificação que pretende ver satisfeita com o recurso da impugnação da matéria de facto, e por fim, faz uma apreciação critica dos meios de prova que indica. Com efeito, o apelante sustenta a sua pretensão no meio de prova testemunha, fazendo uma apreciação quanto ao valor probatório do depoimento desta testemunha – cfr. “(…) se atentarmos no depoimento da testemunha CC, que prestou um depoimento credível, assertivo, contextualizado, localizando espacialmente no tempo e no espaço a descrição dos factos, parece-nos claro que outra decisão merecia a ação. Importa sublinhar, que só esta testemunha e mais ninguém é que pode esclarecer o estado em que se encontrava na data e hora do embate, da forma que ele ocorreu, o seu estado de espírito, a intenção do embate- se a houve- e o modo como tripulou o veículo, JE, uma vez que o embate ocorreu com o veículo BO imobilizado.”, artigo 11.º da alegação de recurso e alínea H) das conclusões. É certo que a argumentação é escassa, mas em termos processuais será um mínimo dos mínimos suficiente para que o recurso seja aceite, tal como o é. Deste modo, improcede a pretensão da apelada companhia de seguros, de rejeição do recurso quanto à impugnação da matéria de facto. * Passemos então a apreciar a impugnação da decisão da matéria de facto. Em sede de reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, a Relação tem, efectivamente, poderes de reapreciação da matéria de facto, procedendo a julgamento sobre a factualidade, assim garantindo um verdadeiro duplo grau de jurisdição. Quanto ao âmbito da intervenção deste Tribunal, tal matéria encontra-se regulada no artigo 662.º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “modificabilidade da decisão de facto”, que preceitua no seu n.º 1 que “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”. “No âmbito dessa apreciação, incumbe ao Tribunal da Relação formar a seu próprio juízo probatório sobre cada um dos factos julgados em 1.ª instância e objeto de impugnação, de acordo com as provas produzidas constantes dos autos e à luz do critério da sua livre e prudente convicção, nos termos do artigo 607.º, n.º 5, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC, em ordem a verificar a ocorrência do invocado erro de julgamento. Não se ignora o papel relevante da imediação na formação da convicção do julgador e que essa imediação está mais presente no tribunal da 1.ª instância. Todavia, ainda assim, o resultado dessa imediação deve ser objetivado em argumento probatório, suscetível de discussão racional, além do mais, para evitar os riscos da arbitrariedade“, in Ac. Supremo Tribunal de Justiça, 62/09.5TBLGS.E1.S1, de 02.11.2017, relatado pelo Cons. TOMÉ GOMES, in dgsi.pt. Por isso, passa-se a reapreciar a matéria de facto impugnada. ii) O ponto 51.º da matéria dada por provada (No dia 31 de maio de 2021 cerca das 10h, o JE foi propositadamente conduzido e dirigido pelo seu condutor, CC, em direção ao BO, com o intuito e propósito de embater naquele carro e provocar-lhe danos) deveria ser dado como não provado. Argumenta que tal decorre da prova testemunhal, CC. iii) O ponto 52.º da matéria dada por provada (Quando direcionou o JE rumo ao BO, o CC pretendia que esses dois veículos embatessem, resultado que concretizou) deveria ser dado como não provado. Argumenta que tal decorre da prova testemunhal, CC. iv) Os pontos 53.º e 54.º do factos provados (53. Quando o condutor do JE dirigiu esse carro rumo ao BO sabia que com essa manobra iria provocar danos nesses dois veículos, incluindo, portanto, aquele que tripulava, como efetivamente provocou. 54. Porém, ainda assim, provocou, propositada e conscientemente, o embate entre esses dois automóveis) deveriam ser dados como não provados. Argumenta que tal decorre da prova testemunhal, CC. v) Quanto aos pontos 2.º a 8.º dos factos não provados (2. Nas circunstâncias descritas nos factos provados, o condutor do veículo BO atravessou o veículo que tripulava na via, no pressuposto de impedir que o veículo JE passasse no local. 3. O condutor do veículo JE estava em pânico. 4. Previamente ao embate entre as duas viaturas, o condutor do veículo BO BB e uma passageira do mesmo veículo, ameaçaram de morte o condutor do JE, 5. Tendo ainda encetado uma perseguição por várias ruas até chegar ao local do embate. 6. Após o embate, a fuga do condutor do veículo JE foi motivada pelo facto de este temer pela sua integridade física. 7. Depois do acidente, a passageira do BO correu no encalce do condutor do veículo JE. 8. E tanto esta como o condutor do BO e a sua companheira voltaram a ameaçar de morte o condutor do JE.), deveriam ser dados como provados. Argumenta que tal decorre da prova testemunhal, CC e DD. Este Tribunal irá apreciar o recurso da matéria de facto em conjunto, pois que estamos perante um bloco de factos com estreita ligação entre si, sendo que esta apreciação não põe em causa a perceptibilidade do que ao diante irá ser decidido. Estamos perante a dinâmica do acidente e perante os mesmos meios de prova a valorar. A primeira instância fundamentou a sua convicção com relevância para os pontos em discussão, tal como a mesma expressamente refere: “tribunal considerou toda a prova produzida, globalmente e à luz das regras de experiência comum”. De modo circunstanciado, pormenorizado, devidamente explicitado e lógico, a M.ma Juíza aprecia os diversos meios de prova, os vários depoimentos, fazendo uma apreciação critica de cada depoimento e da sua força probatória, sempre indicando a que matéria ou blocos de factos. Ora, o apelante, tal como se deixou supra-referido, alega que a testemunha CC por ter apresentado um depoimento credível, a decisão da matéria de facto deverá outra. Não é assim, pelos precisos fundamentos devidamente expostos na decisão ora recorrida. Neste Tribunal de recurso foi ponderada a prova documental, fotografias juntas com a contestação (designadamente, local da ocorrência dos factos; das viaturas intervenientes no local), documento na audiência de julgamento elaborado pela testemunha CC, e foi ouvida toda a prova produzida em audiência de julgamento e disponibilizada a este Tribunal. Este Tribunal de recurso quanto à factualidade em discussão, não pode acompanhar a argumentação do apelante. Trazendo à colação os meios de prova, aquele expressamente invocado ou chamado em auxílio pretensão apresentado pelo apelante, o mesmo não é suficiente para atingir tal desiderato. Importa ter presente que a prova produzida deve ser conjugada, harmonizada e ponderada no seu conjunto enquanto base da convicção formulada pelo Tribunal, não sendo legítimo valorizar meios probatórios isolados em relação a outros, sopesando os critérios de valoração, numa perspectiva racional, de harmonia com as regras de normalidade e verosimilhança, mas sempre com referência às pessoas em concreto e à especificidade dos factos em apreciação. Em sede de reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, a Relação tem, efectivamente, poderes de reapreciação da matéria de facto, procedendo a julgamento sobre a factualidade, assim garantindo um verdadeiro duplo grau de jurisdição. Quanto ao âmbito da intervenção deste Tribunal, tal matéria encontra-se regulada no artigo 662.º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “modificabilidade da decisão de facto”, que preceitua no seu n.º 1 que “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”. Mais é de afirmar, que não basta que um interveniente, parte ou testemunha, relate uma certa versão factual, para que a mesma seja apreciada e declarada como a verdadeira ou a mais próxima da verdade – leia-se verdade processualmente adquirida de acordo com as regras processuais. A mesma – versão factual – deverá passar pelo crivo da apreciação processual que o julgador deverá fazer, usando de todo o seu saber jurídico e de experiência de vida e de normalidade. Caso a versão seja desconforme com tais critérios deverá ser apreciada de modo a declarar como não provada tal factualidade. “A nossa jurisprudência tem expressado como critérios de apreciação do depoimento no sentido da sua credibilização: - a segurança, clareza e coerência reveladas nos depoimentos; - a serenidade, objetividade, desinteresse, imparcialidade a forma escorreita e sincera como depõem; - a naturalidade e fluidez do discurso; - a preocupação em responder apenas aquilo que viu e ouviu; - a objetividade, caráter direto, isenção, consistência e pormenorização. Em sentido oposto, têm sido considerados como fatores desabotatórios da credibilidade a emprestar aos depoimentos: - a pouca firmeza, a insegurança e vagueza; um depoimento vago e abstrato, nada esclarecedor sobre as circunstâncias concretas de uma determinada operação de crédito; - a ambiguidade e o pouco conhecimento dos factos; - o assentamento do depoimento em convicções, opiniões ou conjeturas, sem concretização do tempo, modo e lugar do conhecimento dos factos que a testemunha pretende transmitir.”, LUÍS PIRES DE SOUSA, in Prova Testemunhal, 2016, pág. 319. Respigando a decisão de fundamentação da matéria de facto, confrontando-a com os diversos meios de prova, este Tribunal não pode deixar de acompanhar na integra a fundamentação e o decidido pela M.ma Juíza. Senão, vejamos. “A testemunha CC (filho do Autor e condutor da viatura segura no momento do embate) prestou um depoimento comprometido, porquanto pouco espontâneo e fluído, o que é facilmente explicável pela sua relação familiar ao Autor e, bem assim, a circunstância de ser o condutor da viatura nas circunstâncias em discussão nos presentes autos. (…) Como dissemos já, este depoimento foi prestado de forma algo confusa e lacunosa, sendo, aliás, pouco coerente com as regras de experiência comum e com a restante prova produzida, concretamente, a oferecida pela Ré. Nessa medida, não mereceu credibilidade. Por um lado, considerando a posição final de cada uma das viaturas, não se pode aceitar como plausível que o condutor do JE tivesse batido na outra viatura por esta lhe estar a obstaculizar a passagem, porquanto esta viatura estava parada em segunda fila paralelamente a lugares de estacionamento, ou seja, se lá não estivesse, o condutor do JE não ficaria com uma via de circulação livre à sua frente. Por outro lado, também não é plausível que pudesse achar que, ao embater na outra viatura, conseguiria passar e fugir do local com a sua viatura. Se não conseguia passar e estava com medo, o mais natural seria abandonar a viatura e fugir do local, como, aliás, veio a fazer, mas sem bater na outra viatura. Por outro lado, perante a discussão gerada entre os dois condutores – e que o outro condutor confirma – mais crível é que o condutor do JE estivesse zangado com a situação e, por isso, quisesse causar, como efetivamente causou, danos na outra viatura, bem sabendo – necessariamente, porquanto decorrente das regras de normalidade – que ao fazê-lo através da viatura que conduzia estaria a causar danos na própria viatura. (…) A testemunha BB (condutor do veículo de matrícula ..-BO-.., sem ligação a qualquer uma das partes) prestou um depoimento assertivo e coerente com outra prova produzida pela Ré, merecedor por isso de credibilidade, ainda que se possa considerar que pode ter algum interesse no relato que fez, uma vez que o condutor da outra viatura apresentou contra si uma queixa de natureza criminal. (…) A testemunha FF (companheira do condutor do BO, sem qualquer ligação ao Autor ou à Ré) declarou que seguia na viatura de matrícula BO na data em que ocorreu o embate em causa neste processo. (…) Perante a contradição destes depoimentos e a ausência de outras testemunhas, o Tribunal valorou positivamente o depoimento da testemunha (condutor) da viatura BO, em detrimento da versão apresentada pelo condutor da viatura JE, porquanto, para além das já apontadas incongruências deste último, o primeiro também se mostra mais coerente com a restante prova produzida, da qual destacamos os depoimentos dos peritos averiguador e supervisores inquiridos, os quais, não obstante a ligação profissional à Ré, prestaram depoimentos assertivos, coerentes e desinteressados.“, realçado nosso. Com efeito, de modo consistente, coerente e espontâneo, o depoimento da testemunha BB (em contraponto com o depoimento da testemunha CC comprometido e com falta de espontaneidade), apresenta um depoimento claro e cristalino, no sentido da factualidade dada como provada. Este depoimento tem a sua credibilidade reforçada, com a prova documental – fotos – e com o depoimento da testemunha FF, companheira da testemunha BB e que seguia na viatura BO. Com efeito, esta testemunha, apresenta relato claro e circunstanciado de modo a que o mesmo mereceu por parte do Tribunal a quo credibilidade. Tal como afirma, o Tribunal a quo, é a conjugação destes meios de prova, que é determinante para a fixação da factualidade em questão. Na realidade, pela razões expressamente referidas na sentença em crise (as quais damos aqui por reproduzidas, de novo), não permitem colocar em causa a credibilidade atribuída às ditas testemunhas, BB e FF, por confronto da sua falta da testemunha CC. A argumentação do recorrente, para que o depoimento da testemunha CC seja valorizado, não obtém por parte deste Tribunal vencimento, pois que a fundamentação elaborada pela M.ma Juíza de julgamento, supratranscrita, não merece qualquer reparo por parte deste Tribunal face à falta de clareza e lógica. Na realidade, para se considerarem provados factos não basta que as partes ou as testemunhas chamadas a depor se pronunciem sobre as questões num determinado sentido, para que o juiz necessariamente aceite esse sentido ou versão. Por isso, a actividade judicatória, na valoração dos depoimentos, há-de atender a uma multiplicidade de factores, que têm a ver com as garantias de imparcialidade, as razões de ciência, a espontaneidade dos depoimentos, a verosimilhança, a seriedade, o raciocínio, as lacunas, as hesitações, a linguagem, o tom de voz, o comportamento, os tempos de resposta, as coincidências, as contradições, o acessório, as circunstâncias, o tempo decorrido, o contexto sociocultural, a linguagem gestual (inclusive, os olhares) e até saber interpretar as pausas e os silêncios dos depoentes, para poder perceber e aquilatar quem estará a falar a linguagem da verdade e até que ponto é que, consciente ou inconscientemente, poderá a mesma estar a ser distorcida, ainda que, muitas vezes, não intencionalmente. Isto é, a percepção dos depoimentos só é perfeitamente conseguida com a imediação das provas, sendo certo que, não raras vezes, o julgamento da matéria de facto não tem correspondência directa nos depoimentos concretos, resultando antes da conjugação lógica de outros elementos probatórios, que tenham merecido a confiança do tribunal. A convicção do julgador formar-se-á de acordo com a hipótese factual que apresentar mais indícios, mais variados e que permita ter uma compreensão global e coerente de todos os factos. Pelo exposto não tem vencimento a pretensão do recorrente quanto aos pontos os pontos dos factos indicados - O ponto 51.º da matéria dada por provada; O ponto 52.º da matéria dada por provada; Os pontos 53.º e 54.º do factos provados; Quanto aos pontos 2.º a 8.º dos factos não provados. *** Modificação da decisão de direito em consequência da alteração da decisão da matéria de facto.* B) Como se verifica da análise das conclusões formuladas pelo apelante, o objecto deste recurso consistia essencialmente na alteração da decisão proferida sobre a matéria controvertida. Dessa alteração, antes de qualquer outro fundamento, dependia a pretendida alteração da solução decretada na sentença em crise, pois sem isso a tese do autor/apelante continuaria desprovida de substrato factual apto à sua afirmação. Por conseguinte, perante a confirmação da decisão proferida sobre a matéria de facto, nada mais cumpre apreciar. Resta, então, concluir pela integral falência das conclusões recursivas do apelante e, nesta medida, pela improcedência do seu recurso. *** * III DECISÃO Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida. Custas pelo A. (confrontar artigo 527.º do Código de Processo Civil). * Sumário nos termos do artigo 663.º, n.º 7 do Código de Processo Civil. …………………. …………………. …………………. * Porto, 18 de Junho de 2024 Alberto Taveira Anabela Andrade Miranda Márcia Portela [1] O relator escreve de acordo com a “antiga ortografia”, sendo que as partes em itálico são transcrições cuja opção pela “antiga ortografia” ou pelo “Acordo Ortográfico” depende da respectiva autoria. [2] Seguimos de perto o relatório elaborado pelo Exmo. Senhor Juiz. |