Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
| ||
| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | PAULA NATÉRCIA ROCHA | ||
| Descritores: | ART.º 256 DO CÓDIGO PENAL FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO | ||
| Nº do Documento: | RP20251112322/20.4GBOBR.P2 | ||
| Data do Acordão: | 11/12/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | CONFERÊNCIA | ||
| Decisão: | PROVIDO PARCIALMENTE O RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO | ||
| Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - Dizem-nos as regras da lógica e da experiência que uma pessoa, na posse das suas capacidades cognitivas e de decisão, que frequentou a licenciatura de Tecnologia de informação e que tem gosto pelas matérias jurídicas a ponto de pretender inscrever-se na licenciatura de Direito (justificando que apenas não o fez por razões de insuficiência económica), age de determinada forma, dentro de certas circunstâncias e com resultados por si domináveis, é porque quer agir dessa forma, nessas circunstâncias e pelo menos admite o resultado como consequência provável da sua conduta. Mais, também nos dizem as regras da lógica e da experiência que uma pessoa que assume em audiência a postura acima descrita, age de forma deliberada, livre e consciente e age com consciência da ilicitude da sua conduta e da sua punibilidade. Partindo das premissas dadas como assentes pelo Tribunal a quo, ou seja, partindo dos factos cuja prova ficou feita quanto à factualidade objetiva e quanto ao estado subjetivo e às capacidades do arguido, acima expostos, é forçoso concluir que o arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei, afastando-se, por isso, a aplicação do princípio in dúbio pro reo efetuada pelo Tribunal a quo. II - Não pode afirmar-se que estamos perante uma falsificação grosseira não punível, ou seja, aquela falsificação que é imediata e facilmente reconhecível por qualquer pessoa e medianamente conhecedora e informada, pois os documentos em causa, dadas as suas características gráficas, de conteúdo e de tipo e nível de língua que se apontaram não tornam facilmente cognoscível por parte de quem os veja e leia que se trata de documentos não genuínos (ou seja, de documentos que nunca seriam usados, emitidos e enviados pelos A...). III - O crime de falsificação de documento é um crime de resultado cortado, em que não é exigível que se verifique o prejuízo efetivo de outra pessoa ou do Estado, nem o benefício ilegítimo do agente ou de terceiro. Tal como refere o recorrente, no caso dos autos, o arguido, acobertando-se no anonimato, valendo-se de forma da atuação do prestador do serviço postal (empresa A...) e fazendo uso de sinais de uso privativo deste, pretendeu beneficiar de um segundo aviso às destinatárias da correspondência – em jeito de insistência para o seu levantamento – o que não lhe era devido no normal e regulamentar uso do serviço postal. Tal tipo de aviso, alerta ou insistência não o poderia o arguido obter no âmbito do serviço postal que contratou com os A... ao expedir aquela correspondência. (Sumário da responsabilidade da Relatora) | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 322/20.4GBOBR.P2 Tribunal de origem: Juízo Central Criminal de Aveiro– J6– Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório: No âmbito do Processo Comum com intervenção de Tribunal Coletivo n.º 322/20.4GBOBR a correr termos no Juízo Central Criminal de Aveiro- J6- foi julgado o arguido AA, tendo sido decidido: A) Absolver o arguido AA da prática, como autor material, de 11 (onze) crimes de falsificação de documento, previstos e punidos pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas a), d) e e), do Código Penal, por referência ao artigo 255.º, alínea a) do Código Penal. B) Julgar os pedidos de indemnização civil formulados pelos demandantes BB; CC; DD; EE; FF; GG e HH, totalmente improcedentes, absolvendo dos respetivos pedidos o arguido AA. Desta decisão veio o Ministério Público interpor o recurso, nos termos e com os fundamentos que constam dos autos, pedindo, para além do mais, fosse o acórdão recorrido declarado nulo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Penal, por falta de fundamentação, e bem assim por padecer do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no artigo 410.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo Penal, e do vício de contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão, previsto no artigo 410.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Penal. A esse recurso respondeu o arguido, conforme consta dos autos, pedindo fosse negado provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, mantendo-se a decisão recorrida. Cumpridas as formalidades legais, foram os autos submetidos a conferência, tendo sido proferido, a 10 de julho de 2024, acórdão neste Tribunal de recurso que decidiu nos seguintes termos: “Face ao exposto, acordam os Juízes desta 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, declaram a nulidade do acórdão recorrido, e determinam, ao abrigo do disposto no art.º 426.º, do Código de Processo Penal, o reenvio parcial dos autos à 1.ª Instância, para suprimento dos aludidos vícios, nos termos explicitados neste acórdão, sem prejuízo de reabertura da audiência para esse efeito, sendo que o novo julgamento terá lugar nos termos do disposto no artigo 426.º–A do Código de Processo Penal”. Na 1.ª Instância, e por Tribunal Coletivo constituído por diferentes Juízes que haviam realizada a audiência inicial, foi realizada audiência de discussão e julgamento, tendo sido fixado o seguinte o thema decidendum da reabertura da audiência: “Verter na factualidade dada como provada: - a concreta configuração dos documentos em causa (para além da que já se mostra descrita nos pontos 15., 16. e 23. e 24.) que os tornaria insuscetíveis de ver a sua origem atribuída aos A...; - em que circunstâncias o funcionário dos A... avisou os destinatários que aqueles documentos não foram emitidos pelos correios; - que as missivas em causa são absolutamente insuscetíveis de provocar engano quanto à sua presumível autenticidade. A que acresce a necessidade, por imperativo legal, de fundamentar a decisão sobre tal factualidade. Ademais, a sanação da contradição traduzida no facto de o Tribunal a quo, por um lado, dar como provado que o arguido agiu com determinada intenção (pontos 16 e 24 dos factos provados) e que sabia da falsidade da declaração corporizada nos documentos que criou e dos carimbos que nos mesmos apôs – e por outro, afirmar-se na fundamentação da matéria de facto, ter formado a sua convicção no sentido de que era essa a intenção do arguido, mas de forma contraditória com o assim afirmado dar como não provada essa intenção, bem como considerar não provado que o arguido tenha agido de forma deliberada, livre e consciente”. Após, e nos termos do disposto no artigo 358.º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Penal, aquele Tribunal procedeu à comunicação de uma alteração não substancial de factos. Realizada a reabertura da audiência de julgamento nos termos acima descritos, foi proferido novo acórdão que decidiu: “Pelo exposto, julga-se improcedente, por não provada, a acusação do Ministério Público e, em consequência, decide-se: 1. Absolver o arguido AA da prática, como autor material, de 11 (onze) crimes de falsificação de documento, previstos e punidos pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas a), d) e e), do Código Penal, por referência ao artigo 255.º, alínea a) do Código Penal. 2. Julgar os pedidos de indemnização civil formulados pelos demandantes BB; CC; DD; EE; FF; GG e HH, totalmente improcedentes, absolvendo dos respetivos pedidos o demandado AA; (…)”. Desta decisão veio o Ministério Público interpor o presente recurso, nos termos e com os fundamentos que constam dos autos, que agora aqui se dão por reproduzidos para todos os legais efeitos, terminando com a formulação das seguintes conclusões: 1.º - O presente recurso vem interposto do acórdão proferido nos autos à margem referenciados, em 04/04/2025 (refª 138131473), pelo qual foi o arguido AA absolvido da prática de 11 (onze) crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas a), d) e e), do Código Penal, por referência ao artigo 255.º, alínea a), do Código Penal, de que vinha acusado. 2.º - Não se conforma a o Ministério Público com o assim decidido, porquanto se entende que no acórdão ora recorrido ocorre: A. Incorreto julgamento da matéria de facto no que respeita à matéria factual vertida no ponto d) dos factos não provados (correspondente ao ponto 45. da acusação), violando a norma decorrente do artigo 127º do Código de Processo Penal: B. Errada apreciação jurídica dos factos dados como provados, com errada interpretação e aplicação das normas decorrentes, por um lado, do artigo 256.º, nº 1, als. a), d) e e), do Código Penal, e por outro lado do artigo 23.º, n.º 3, do Código Penal –em relação com a matéria de facto dada como provada, em particular, sob os pontos 15. a 21. (em relação com o documento constante de fls. 7 dos autos) e 24. a 28. da matéria de facto provada (em relação com o documento constante de fls. 98 dos autos), em conjugação com o vertido sob os pontos 43., 44. e 46. dos factos provados, e consequente absolvição do arguido por dois dos crimes de falsificação de documento que lhe vinham imputados. 3.º - Não pode o Ministério Público conformar-se com o decidido no acórdão recorrido, na parte em que foi considerado como não provado o ponto de facto constantes da acusação sob o n.º 45 – O arguido AA sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei – entendendo-se que tal ponto de facto foi incorretamente julgado como não provado, na medida em que na audiência de discussão e julgamento foram produzidas provas que impunham decisão diversa da recorrida, ou seja, que o mesmo constasse entre os factos provados. 4.º - Pressupondo a prova dos factos vertidos nos pontos 12. a 21., 24. a 28., 43., 44. e 46 dos factos provados – relativos aos atos de falsificação pelos quais com este recurso se pretende a condenação do arguido – conforme exposto infra – estamos perante uma situação em que o arguido tem as condutas objetivas ali dadas como provadas, agindo de forma deliberada, livre e consciente e com a específica intenção ali plasmada. 5.º - Inexiste nos autos qualquer elemento de prova que sequer leve a suspeitar que o arguido não está dotado das capacidades mentais e cognitivas adequadas a perceber as circunstâncias em que age e a determinar-se em conformidade com o conhecimento que tem das mesmas – ao invés, tendo ficado provado no ponto 47. que o mesmo tem formação superior e exposto na fundamentação a forma como o mesmo depôs de modo a esclarecer a sua versão e a sua posição sobre os factos. 6.º - Das declarações prestadas pelo arguido, seja ouvidas na sua globalidade (por forma a perceber a forma como o mesmo se expressa e expõe os seus raciocínios, seja nas passagens acima indicadas no ponto A. deste recurso), nomeadamente ao afirmar saber que forjar documentos é crime, sendo que chegou a frequamnatr o Curso de Direito, área do saber pela qual tem particular gosto, conclui-se que o mesmo agiu sabendo que a sua conduta é proibida e punida por lei – cf. declarações prestadas pelo arguido na sessão de 17/01/2025 – registadas na aplicação Media Studio da plataforma Citius no ficheiro dessa mesma data com o n.º ‘20250127101532_4271037_2870427’, iniciadas pelas 10:15:34 horas (identificado com a descrição Magistrado Judicial/II), e especificamente as respetivas passagens ao minuto 17:35 em diante, ao minuto 23:50 em diante e ao minuto 25:50 em diante. 7.º - Dizem-nos as regras da lógica e da experiência que se alguém com formação superior, tendo chegado a frequentar o primeiro ano do Curso de Direito, área pela qual afirma ter particular gosto, e que sabe que forjar documentos é crime, ao agir do modo descrito nos termos que ficaram provados sob os pontos 12. a 21., 24. a 28., 43., 44. e 46 (nomeadamente, agindo de forma deliberada, livre e consciente), é porque age com consciência da ilicitude da sua conduta e da sua punibilidade. 8.º - Deverá assim ser dado como provado que o arguido AA, ao agir nos termos descritos nos pontos 12. a 21., 24. a 28., 44. e 46, sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei. 9.º - A decisão recorrida fez, também, errada apreciação jurídica dos factos dados como provados, com errada interpretação e aplicação da norma decorrente do artigo 23.º, n.º 3, do Código Penal – em relação com a matéria de facto dada como provada, em particular, sob os pontos 12. a 21., 24. a 28., 43., 44. e 46 dos factos provados – ao concluir que as condutas do arguido ali descritas não são puníveis por estarem em causa documentos que configuram um lapso grosseiro, o que conduz a que a ação do arguido seja subsumível a uma tentativa impossível não punida. 10.º - Está em causa a fabricação pelo arguido de documentos que, na sequência da correspondência por si expedida e não levantada pelos destinatários, foram depositados nas caixas de correio das destinatárias sem que tenham sido emitidos pelos A... ou remetidos por via postal – depósito esse efetuado pelo próprio arguido ou por alguém a seu mando, tratando-se dos documentos constantes de fls. 7 e 7 verso dos autos principais (no caso da destinatária CC) e 98 e 98 verso (no caso da destinatária JJ). 11.º - Como pode ver-se analisando tais documentos e conforme dado como provado nos pontos 15. a 21. e 24. a 28. da matéria de facto provada, em conjugação com o descrito sob o ponto 43. dos factos provados, trata-se de documentos que pela sua configuração, tipo de impressão, características dos carimbos apostos e texto neles contidos se apresentam como suscetíveis de serem vistos pelos destinatários e pelo cidadão comum como documentos emitidos e enviados pelos A... – o que efetivamente sucedeu no caso das destinatárias CC e JJ, que com os mesmos se dirigiram à estação dos correios e sendo ali que um funcionário dos A... as informou de que tais documentos eram falsos; 12.º - Dos factos dados como provados e da análise dos ditos documentos (os de fls. 7 e 98) resulta, contrariamente ao pressuposto na fundamentação jurídica do acórdão recorrido, que ao praticar os factos dos pontos 15. a 21. e 24. a 28. dos factos provados, o arguido não visou imitar documento pré-existente, nomeadamente os avisos para levantamento de correspondência normalmente usados por tal entidade, mas antes criar um novo tipo de documento, no qual apôs sinais gráficos que se confundem, pela sua extrema semelhança, aos usados pelos A... e no qual usou um tipo de linguagem que remete para uma linguagem corporativa e institucional que facilmente é associada à que seria usada se aquela entidade passasse a utilizar igualmente tal tipo de documento; 13.º - Vistas as características dos documentos que aqui estão em causa e o ocorrido e vertido no ponto 43., não estamos seguramente perante uma falsificação grosseira, ou seja, aquela falsificação que é imediata e facilmente reconhecível por qualquer pessoa e medianamente conhecedora e informada, pois os documentos em causa, dadas as suas características gráficas, de conteúdo e de tipo e nível de língua que se apontaram não tornam facilmente cognoscível por parte de quem os veja e leia que se trata de documentos não genuínos (ou seja, de documentos que nunca seriam usados, emitidos e enviados pelos A...); 14.º - Entende-se, pois, que no caso dos autos, no que respeita aos documentos a que se reportam os pontos 15. a 21. e 24. a 28. dos factos provados, não estamos perante falsificações grosseiras, pois não é manifesta a sua ineptidão para serem tomados por documentos verdadeiros emitidos e remetidos pelos A.... 15.º - A decisão recorrida fez, igualmente, errada apreciação jurídica dos factos dados como provados, com errada interpretação e (des)aplicação da norma decorrente do artigo 256.º, n.º 1, alíneas a), d) e e), do Código Penal, por referência ao artigo 255.º, alínea a), do Código Penal – sempre em relação com a matéria de facto dada como provada, em particular, sob os pontos 12. a 21., 24. a 28., 43., 44. e 46 dos factos provados – ao concluir que as condutas do arguido ali descritas não integram o tipo de crime em análise, por não ter o arguido tido intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime. 16.º - Estamos no âmbito da fabricação de documento falso e do uso de documento assim fabricado, com uma atuação que se enquadra no artigo 256.º, n.º 1, als. a) e e), do Código Penal, sendo que a atuação do arguido integra a descrição típica prevista em tal normativo – nomeadamente, a nível do tipo subjetivo e, muito concretamente, a nível do dolo específico ali estatuído. 17.º - No acórdão recorrido (a págs. 83), esta questão é abordada na perspetiva de o intuito do arguido a considerar ser apenas o almejado levantamento da correspondência pelas destinatárias – assim desconsiderando o intuito e benefício imediato pretendido e que, este sim, tem direta ligação com os atos de falsificação: que é, visto o conjunto dos factos dados como provados sob os pontos 12. a 21., 24. a 28., 43., 44. e 46, o de fazer chegar às destinatárias da correspondência anteriormente expedida um segundo aviso de entrega, falso, por forma a criar nas mesmas a convicção de ter origem nos A..., a funcionar como uma insistência para o levantamento da correspondência; 18.º - No caso dos autos, o arguido, acobertando-se no anonimato, valendo-se de forma de atuação que se confunde com a do prestador do serviço público postal (empresa A...) e fazendo uso de sinais de uso privativo deste, pretendeu beneficiar de um segundo aviso às destinatárias da correspondência – em jeito de insistência para o seu levantamento – o que não lhe era devido no normal e regulamentar uso do serviço postal. 19.º - Está em causa o serviço público de correios, ou serviço postal, que é um serviço de interesse público e encontra regulamentação muito precisa, entre o mais, na Convenção Postal Universal e no Regulamento do Serviço Público de Correios (DL n.º 176/88, de 18/05), nomeadamente quanto ao tratamento dado em todo o circuito às correspondências postais, em particular as correspondências com tratamento especial, como é o caso das cartas registadas com aviso de receção, que encontra em tal Decreto-Lei uma regulamentação específica (artigos 28.º e ss.), sendo que a violação de tais normas e a prática de atos de expedição, distribuição e entrega fora das condições regulamentares podem até constituir contraordenação postal (artigo 84.º, al. a), daquele diploma legal). 20.º - A prestação do serviço de correios está sujeito a franquia (pagamento) e no âmbito desse serviço os A... proporcionam a prática de determinados atos destinados à entrega das correspondências, em que se inclui complementarmente e no interesse do remetente, nos casos de cartas registadas com aviso de receção e quando frustrada a entrega na morada de destino, ser deixado um (e apenas um) aviso de entrega no recetáculo postal do destinatário (destinado a dar a conhecer a este que tem correspondência a si destinada e as condições em que pode levantá-la). 21.º - Assim sendo, conclui-se que o Tribunal a quo fez errada avaliação dos factos que estão em causa nos autos, tendo violado, por um lado, a norma decorrente do artigo 23.º, n.º 3, do Código Penal, e, por outro lado, a norma decorrente do artigo 256.º, n.º 1, alíneas a), d) e e), do Código Penal, por referência ao artigo 255.º, alínea a), do Código Penal. 22.º - Face aos factos dados como provados sob os pontos 12. a 21., 24. a 28., 43., 44. e 46. da matéria de facto provada, deve o arguido AA ser condenado pela prática de dois crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, nº 1, alíneas a), d) e e), do Código Penal, por referência ao artigo 255.º, alínea a), do mesmo Código. 23.º - Estatui o artigo 256.º, nº 1, do Código Penal uma moldura punitiva de pena de prisão até 3 anos ou pena de multa, impondo-se, face aos critérios constantes do artigo 70.º do Código Penal, face às necessidades de prevenção geral positiva (de defesa do ordenamento jurídico e de tutela das expectativas da comunidade na manutenção e reforço da norma violada), e às necessidades de prevenção especial, a opção pela pena de prisão, fixada em medida que não se destaque sobremaneira do mínimo da moldura penal – que, face ao disposto no artigo 41.º, n.º 1, do Código Penal, é de 1 mês de prisão. 24.º - Tendo em conta os critérios gerais de determinação da medida concreta da pena estatuídos nos artigos 40.º e 71º do Código Penal, nomeadamente a medida de culpa revelada nos autos praticados, na modalidade de dolo com que agiu (dolo direto) e na intenção com que os praticou, as apontadas exigências de prevenção geral e as assinaladas exigências de prevenção especial, somos de entendimento que a pena a aplicar por cada um dos aludidos crimes de falsificação de documento deverá ser não inferior a 1 (um) ano de prisão. 25.º - No que respeita à pena única a aplicar, em cúmulo jurídico de tais penas parcelares, face ao disposto no artigo no artigo 77.º, n.º 1, parte final, do Código Penal, cabe atender a que estão em causa dois crimes que colocam em causa o mesmo bem jurídico, que tais crimes foram praticados num curto espaço de tempo (ambos na primeira quinzena de agosto de 2020) e dentro do mesmo contexto vivencial do seu autor, que o arguido não regista antecedentes criminais, que o arguido tem as condições pessoais dadas como provadas sob o ponto 47 dos factos provados – que denotam ter recursos internos e externos favoráveis a que de futura mantenha uma conduta pautada pelas normas vigentes em sociedade. 26.º - Assim sendo, face aos critérios legais decorrentes dos citados artigos 40.º, nº 1, e 77.º, nº 1, parte final, do Código Penal, na determinação da pena única aplicada ao arguido, tem-se por adequada e proporcional uma pena que não seja inferior a 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão. 27.º - Por estarem reunidos os pressupostos decorrentes do artigo 50.º, nº 1, do Código Penal, quer os formais, quer os materiais, e sendo possível a formulação de um juízo de prognose favorável quanto ao futuro comportamento do arguido – ficando satisfeitas as finalidades de prevenção geral e especial – a suspensão da execução da pena satisfaz, de modo adequado e suficiente, os ditames legais em tal matéria. 28.º - Termos em que se conclui ter aplicabilidade no caso dos autos a suspensão da execução da pena de prisão, prevista no artigo 50.º, nº 1, do Código Penal, a qual deverá ser fixada com a mesma duração da medida da pena achada – ou seja, um ano e três meses de prisão. 29.º - Para reforço das vertentes quer da prevenção geral, quer da prevenção especial, mais deverá ficar tal suspensão condicionada a uma obrigação que retorne à comunidade, ainda que de forma simbólica, a reparação do mal do crime (tratando-se aqui da prática de crimes contra a vida em sociedade), e que reforce no arguido a necessidade de manter, de futuro, um comportamento pautado pela licitude (por via da imposição de um sacrifício de cariz económico). 30.º - Obrigação essa que deverá passar por contribuir para uma instituição de relevante interesse público do município onde ocorreu a prática dos crimes objeto dos autos. 31.º - Assim sendo, deverá impor-se, como condição de suspensão da pena de prisão e nos termos do artigo 51.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, a obrigação de o arguido entregar aos Bombeiros Voluntários ... a quantia de €500,00 (quinhentos euros) – a cumprir e a comprovar nos autos no prazo de seis meses após o trânsito em julgado da decisão condenatória. Termina pedindo seja dado provimento ao recurso e, em consequência, seja revogado o acórdão recorrido e, em sua substituição, seja proferida decisão que, alterando a decisão de facto e a interpretação jurídica efetuada, condene o arguido pela prática de dois crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas a), d) e e), do Código Penal, por referência ao artigo 255.º, alínea a), do mesmo Código, aplicar-lhe por cada um de tais crimes a pena de 1 (um) ano de prisão e, em cúmulo jurídico de tais penas parcelares, condenar o arguido AA na pena única de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeitando-se tal suspensão à condição de o arguido entregar aos Bombeiros Voluntários ... a quantia de €500,00 (quinhentos euros) – a cumprir e a comprovar nos autos no prazo de seis meses após o trânsito em julgado da decisão condenatória. A este recurso respondeu o arguido, conforme consta dos autos, concluindo da seguinte forma: 1.ª) Da douta sentença resulta óbvio que o coletivo considerou que o arguido devia ser absolvido de todas as acusações que lhe foram imputadas. 2.ª) O Tribunal formou a sua convicção no contexto das audiências e da sua livre apreciação da prova produzida. 3.ª) Quer o arguido, quer os demandantes, relataram a existência de conflitos entre o arguido e os vários condóminos, relacionados com o facto do arguido pretender que, na sua fração, fossem efetuadas obras custeadas pelo condomínio. 4.ª) As missivas que o arguido colocou, diretamente ou por intermédio de outrem, na caixa do correio dos denunciantes, é de tal forma diferente dos avisos de receção utilizados pelos A..., que são absolutamente insuscetíveis de provocar engano quanto à sua presumível autenticidade. 5ª) No caso dos autos é forçoso considerar que, por se tratar duma falsificação grosseira, a conduta praticada pelo arguido deverá inserir-se no conceito de tentativa impossível. 6.ª) E, por força do disposto no art.º 23.º, nº. 3, do CP, a conduta praticada pelo arguido, embora abstratamente subsumível ao disposto no art.º 256.º do CP, não é punível, motivo pelo qual o arguido deverá ser absolvido pela prática dos crimes de falsificação de que vinha acusado. 7.ª) Por outro lado, da factualidade provada, não resulta demonstrada a verificação de qualquer prejuízo para terceiro ou para o estado, também sendo de afastar a possibilidade do arguido ter praticado os factos com intenção de encobrir um crime. 8.ª) A correspondência assinalada como registada foi expedida por essa forma tal como a normal foi expedida como correio normal. 9ª) Assim, entendeu o Coletivo que a conduta do arguido, referente à aposição dos carimbos identificativos dos A... não determina o preenchimento do tipo legal subjetivo do ilícito, pelo que o mesmo teria de ser absolvido da prática dos crimes de falsificação de documento. 10.ª) E, por conseguinte, não estão preenchidos os respetivos elementos objetivos e subjetivos do ilícito, devendo o arguido ser absolvido da pratica de onze crimes de falsificação de documento, previsto e punido pelo art.º 256.º, nº. 1, alíneas a), d) e e) do CP. 11.ª) Atente-se ainda que para a presente decisão de facto, o Tribunal, no que respeita à conduta assacada ao arguido, mormente a criação dos carimbos e o envio dos elementos respaldados na matéria de facto provada, atendeu à factualidade já fixada, em virtude do trânsito em julgado progressivo ante a anterior decisão do Tribunal da Relação que determinou a reabertura da audiência. 12.º) Por último, não se demonstrou o necessário nexo de causalidade entre a ação do arguido e os danos sofridos pelos demandantes, razão pela qual foram os mesmos julgados improcedentes. Termina pedindo seja negado provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, confirmando-se o acórdão recorrido nos seus precisos termos. Neste Tribunal de recurso o Digno Procurador-Geral Adjunto no parecer que emitiu e que se encontra nos autos, pugna pela procedência do recurso. Cumprido o preceituado no art.º 417.º, n.º 2 do Cód. Proc. Penal, nada mais de relevante veio a ser acrescentado. Com data de 23.09.2025, o arguido apresentou requerimento, constante dos autos com a referência “citius” n.º 427980, alegando que os factos pelos quais o arguido vem continuadamente a ser julgado reportam-se a 05.08.2020 e ao alegado crime de falsificação ou contrafação de documento na sua forma simples aplica-se o prazo de prescrição de 5 (cinco) anos, à luz do disposto nas normas conjugadas do artigo 118.º, n.º 1, alínea c) do Código Penal e 256.º, n.º 1 do mesmo diploma legal, razão pela qual pede seja declarada a prescrição dos presentes autos e, em consequência seja declarada a extinção do processo penal por força da prescrição que ocorreu em 05.08.2025. Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais foram os autos submetidos a conferência. II- Fundamentação: Fundamentação de facto I. São os seguintes os factos dados como provados pelo Tribunal de 1.ª Instância: Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos: 1. O arguido AA é proprietário de um imóvel na Rua ..., n.º ..., 1.° Direito, ... Oliveira do Bairro, no Edifício designado por .... 2. CC é proprietária de um imóvel na Rua ..., n.º ..., Bloco ..., 1.º Esquerdo, ... Oliveira do Bairro, no Edifício designado por .... 3. FF, é proprietário de um imóvel na Rua ..., n.º .., Bloco ..., ... Oliveira do Bairro, no Edifício designado por .... 4. JJ é proprietária de um imóvel na Rua ..., n.º .., Bloco ..., ... Oliveira do Bairro, no Edifício designado por .... 5. DD é proprietário de um imóvel na Rua ..., n.º .., Bloco ..., 1.° Esquerdo, ... Oliveira do Bairro, no Edifício designado por .... 6. BB é proprietário de um imóvel na Rua ..., n.º .., 1.° Direito, ... Oliveira do Bairro, no Edifício designado por .... 7. GG é proprietário de um imóvel na Rua ..., n.º .., 3.° Frente, ... Oliveira do Bairro, no Edifício designado por .... 8. KK é proprietário de um imóvel na Rua ..., n.º ..., 2.º direito, ... Oliveira do Bairro, no Edifício designado por .... 9. EE é proprietário de um imóvel na Rua ..., n.º ..., 3.° Esquerdo, ... Oliveira do Bairro, no Edifício designado por .... 10. HH é usufrutuária de um imóvel na Rua ..., ... Oliveira do Bairro, no Edifício designado por .... 11. O arguido AA encontra-se em litígio judicial contra a sociedade Administradora do Condomínio... e, por conseguinte, contra os restantes condomínios, designadamente os identificados no ponto 2) a 10). 12. O arguido AA, em data e em circunstâncias não concretamente apuradas, decidiu fabricar os carimbos “A1...”, com logótipo dos A... e “R EM MÃO”, bem como “A2...”, sem que para o efeito estivesse autorizado pelos A..., por forma a utilizá-los nas cartas que enviava a terceiros, para criar a ideia no mesmos de que àquelas se tratavam de documentos remetidos pelos A..., bem como para atribuir seriedade às missivas que enviava, criando a falsa ideia de que a correspondência havia sido carimbada por aqueles próprios serviços, não podendo, pelos seus destinatários, ser ignorada. 13. Assim, no dia 05 de agosto de 2020, cerca das 10h45, foi depositado no recetáculo postal de CC um aviso de entrega postal, emitido pelo distribuidor postal ao serviço dos A.... 14. CC deslocou-se àquela estação, onde pediu para ver o tamanho e volume do registo, tendo no imediato associado o mesmo àquele que o referido FF havia recebido, pelo que não procedeu ao seu levantamento, tendo a mesma sido devolvida ao seu remetente. 15. No dia 11 de agosto de 2020, entre as 08h00 e as 17h30, o arguido AA ou alguém a seu mando, depositou no recetáculo postal de CC uma carta processada a computador, de formato A4, impressa por meios mecanográficos, onde consta a vermelho a menção “R EM MÃO” e a preto o postilhão dos A... com os dizeres “A1...”, que estão ou estiveram em uso pelos A..., elaborada pelo arguido AA e dirigida àquela, com os seguintes dizeres “Informa-se que possui uma carta registada nos A... de Oliveira do Bairro, pendente de ser levantada com o número de registo ......, no qual a data limite para o seu levantamento é o próximo dia 12 de Agosto de 2020, queira por favor, proceder ao levantamento da carta que se encontra nos A... de Oliveira do Bairro, bastando levar o presente documento consigo para poder ser possível fazer o seu levantamento.” 16. O arguido AA apôs na mesma carta um carimbo com os referidos dizeres “A1...”, com logótipo dos A... e outro com os dizeres “R EM MÃO”, por forma a criar naquela destinatária a ideia de que se tratavam de documentos remetidos pelos A... e, por conseguinte, levá-la a proceder ao levantamento da respetiva correspondência; 17. Aquela correspondência, com aquela informação e aqueles carimbos, é falsa, não sendo utlizada pelos A..., nem pelos mesmos enviada. 18. As notificações emitidas pelos A... são feitas através de documento pré-impresso, intitulado “Aviso de Entrega”, o qual é preenchido de forma manuscrita, bem como aqueles carimbos não foram ali colocados pelo respetivo funcionário dos A..., sendo que o carimbo com os dizeres “A1...” e referido logótipo já não é utilizado pelos A... desde data anterior ao envio da referida carta, designadamente desde 2004, não apresentando as mesmas características de impressão dos carimbos por si legitimamente utilizados, não sendo o mesmo, quanto ao seu uso, destinada àquele fim, e o carimbo com os dizeres “R EM MÃO”, nunca existiu nos A... em formato carimbo, ao contrário do que ali consta, mas só através de etiqueta autocolante. 19. Os avisos de receção de correio registado emitidos pelos A... configuram um impresso de papel de gramagem superior, com as dimensões de 22 cm por 11 cm, com campos destinados a preenchimento à mão pelo distribuidor, e com a menção “...” a vermelho, de que é exemplo o documento de fls. 8, cujos termos damos por reproduzidos nesta sede. 20. O arguido AA, além de ter aposto os carimbos por si elaborados e fabricados na carta remetida com os dizeres descritos em 15, utilizou ainda o carimbo com os dizeres “A1...”, com logótipo dos A..., na missiva por si elaborada e remetida a CC com o assunto “Envio de Documentação e Prestação de Conhecimento” e respetivos documentos anexos, o que fez, com o intuito de fazer com que a mesma acreditasse que tal havia sido carimbado pelos A..., pelo que não as poderia ignorar, o que quis e conseguiu. 21. Aquele carimbo ali aposto é falso, porquanto não é utlizada pelos A..., não apresentando as mesmas características de impressão dos carimbos por si legitimamente utilizados, apresentando logótipo anterior a 2004, já não utilizado por aqueles serviços. 22. Em dia não concretamente apurado, mas do mês de agosto de 2020, foi entregue em mão a FF uma carta remetida pelo arguido AA e àquele dirigida, onde consta nos documentos juntos, a impressão de carimbo “A1...”, com logótipo dos A..., com o intuito de fazer com que o mesmo acreditasse que tal havia sido carimbado pelos A..., pelo que não a poderia ignorar, o que quis e conseguiu. 23. Aquele carimbo ali aposto é falso, porquanto não é utlizada pelos A..., não apresentando as mesmas características de impressão dos carimbos por si legitimamente utilizados, apresentando logótipo anterior a 2004, já não utilizado por aqueles serviços. 24. Em dia não concretamente apurado, mas entre 01 e 15 de Agosto de 2020, o arguido AA ou alguém a seu mando, depositou no recetáculo postal de JJ uma carta processada a computador, de formato A4, impressa por meios mecanográficos, onde consta a vermelho a menção “R EM MÃO” e a preto o postilhão dos A... com os dizeres “A1...”, que estão ou estiveram em uso pelos A..., elaborada pelo arguido e dirigida àquela, com os seguintes dizeres “Informa-se que possui uma carta registada nos A... de Oliveira do Bairro, pendente de ser levantada com o número de registo ......, no qual a data limite para o seu levantamento é o próximo dia 12 de Agosto de 2020, queira por favor, proceder ao levantamento da carta que se encontra nos A... de Oliveira do Bairro, bastando levar o presente documento consigo para poder ser possível fazer o seu levantamento.” 25. O arguido AA apôs na mesma carta um carimbo com os referidos dizeres “A1...”, com logótipo dos A... e outro com os dizeres “R EM MÃO”, por forma a criar na destinatária ideia de que se tratavam de documento remetido pelos A...; 26. Aquela correspondência, com aquela informação e aqueles carimbos, não é utlizada pelos A..., nem pelos mesmos enviada, não correspondendo a mesma à verdade e os carimbos ali apostos são falsos. 27. As notificações emitidas pelos A... são feitas através de documento pré-impresso, intitulado “Aviso de Entrega”, o qual é preenchido de forma manuscrita, bem como aqueles carimbos não foram ali colocados pelo respetivo funcionário dos A..., sendo que o carimbo com os dizeres “A1...” e referido logótipo já não é utilizado pelos A... desde data anterior ao envio da referida carta, designadamente desde 2004, não apresentando as mesmas características de impressão dos carimbos por si legitimamente utilizados, não sendo o mesmo, quanto ao seu uso, destinada àquele fim, e o carimbo com os dizeres “R EM MÃO”, nunca existiu nos A... em formato carimbo, ao contrário do que ali consta, mas só através de etiqueta autocolante. 28. Os avisos de receção de correio registado emitidos pelos A... configuram um impresso de papel de gramagem superior, com as dimensões de 22 cm por 11 cm, com campos destinados a preenchimento à mão pelo distribuidor, e com a menção “...” a vermelho, de que é exemplo o documento de fls. 8, cujos termos damos por reproduzidos nesta sede. 29. Em dia não concretamente apurado, mas do mês de fevereiro de 2021, foi depositado no recetáculo postal de DD uma carta remetida pelo arguido AA e dirigida àquele, onde consta no seu envelope e documentos juntos, a impressão de carimbo “A2...”, por forma a criar no mesmo a ideia de que se tratava de documentos carimbados pelos A..., pelo que não os poderia ignorar, o que quis e conseguiu. 30. Aquele carimbo ali aposto é falso, porquanto não é utilizada pelos A..., não apresentando as mesmas características de impressão dos carimbos por si legitimamente utilizados, apresentando logótipo anterior a 2004, já não utilizado por aqueles serviços. 31. Em dia não concretamente apurado, mas do mês de janeiro de 2021, foi depositado no recetáculo postal de BB uma carta remetida pelo arguido AA e dirigida àquele, onde consta no seu envelope e documentos juntos, a impressão de carimbo “A2...”, por forma a criar no mesmo a ideia de que se tratava de documentos carimbados pelos A..., pelo que não os poderia ignorar, o que quis e conseguiu. 32. Aquele carimbo ali aposto é falso, porquanto não é utlizada pelos A..., não apresentando as mesmas características de impressão dos carimbos por si legitimamente utilizados, apresentando logótipo anterior a 2004, já não utilizado por aqueles serviços. 33. Em dia não concretamente apurado, mas do mês de janeiro de 2021, foi depositado no recetáculo postal de GG uma carta remetida pelo arguido AA e dirigida àquele, onde consta no seu envelope e documentos juntos, a impressão de carimbo “A2...”, por forma a criar no mesmo a ideia de que se tratava de documentos carimbados pelos A..., pelo que não os poderia ignorar, o que quis e conseguiu. 34. Aquele carimbo ali aposto é falso, porquanto não é utlizada pelos A..., não apresentando as mesmas características de impressão dos carimbos por si legitimamente utilizados, apresentando logótipo anterior a 2004, já não utilizado por aqueles serviços. 35. Em dia não concretamente apurado, mas entre o dia 15 e 19 de fevereiro de 2021, foi depositado no recetáculo postal de KK uma carta remetida pelo arguido AA e dirigida àquele, onde consta no seu envelope a impressão de carimbo “A2...”, por forma a criar no mesmo, a ideia de que se tratava de documentos carimbados pelos A..., pelo que não os poderia ignorar, o que quis e conseguiu. 36. Aquele carimbo ali aposto é falso, porquanto não é utlizada pelos A..., não apresentando as mesmas características de impressão dos carimbos por si legitimamente utilizados, apresentando logótipo anterior a 2004, já não utilizado por aqueles serviços. 37. Em dia não concretamente apurado, mas entre o dia 15 e 19 de fevereiro de 2021, foi depositado no recetáculo postal de CC uma carta remetida pelo arguido AA e dirigida àquela, onde consta no seu envelope a impressão de carimbo “A2...”, por forma a criar naquela a ideia de que se tratava de documentos carimbados pelos A..., pelo que não os poderia ignorar, o que quis e conseguiu. 38. Aquele carimbo ali aposto é falso, porquanto não é utlizada pelos A..., não apresentando as mesmas características de impressão dos carimbos por si legitimamente utilizados, apresentando logótipo anterior a 2004, já não utilizado por aqueles serviços. 39. Em dia não concretamente apurado, mas entre o dia 01 e 05 de fevereiro de 2021, foi depositado no recetáculo postal de EE uma carta remetida pelo arguido AA e dirigida àquele, onde consta no seu envelope a impressão de carimbo “A2...”, por forma a criar naquele a ideia de que se tratava de documentos carimbados pelos A..., pelo que não os poderia ignorar, o que quis e conseguiu. 40. Aquele carimbo ali aposto é falso, porquanto não é utlizada pelos A..., não apresentando as mesmas características de impressão dos carimbos por si legitimamente utilizados, apresentando logótipo anterior a 2004, já não utilizado por aqueles serviços. 41. Em dia não concretamente apurado, mas entre o dia 01 e 05 de fevereiro de 2021, foi depositado no recetáculo postal de HH uma carta remetida pelo arguido AA e dirigida àquela, onde consta no seu envelope a impressão de carimbo “A2...”, por forma a criar naquela a ideia de que se tratava de documentos carimbados pelos A..., pelo que não os poderia ignorar, o que quis e conseguiu. 42. Aquele carimbo ali aposto é falso, porquanto não é utlizada pelos A..., não apresentando as mesmas características de impressão dos carimbos por si legitimamente utilizados, apresentando logótipo anterior a 2004, já não utilizado por aqueles serviços. 43. CC, JJ, FF, HH e outros foram informados por funcionário dos A... de que os documentos recebidos não tinham origem nos A..., visto os logótipos estarem desatualizados há 30 anos. 44. O arguido AA sabia que os carimbos por si elaborados, fabricados e apostos na correspondência identificada nos pontos 15) e 24), bem como o seu próprio conteúdo, eram falsos e visou com a sua conduta criar a convicção nas destinatárias, que a mesma, com a respetiva informação ali descrita, era remetida pelos próprios A..., fazendo assim com que as mesmas procedessem ao efetivo levantamento da referida correspondência que lhes havia enviado. 45. O arguido AA sabia que os carimbos por si elaborados, fabricados e apostos na correspondência identificada nos pontos 20, 22, 29, 31, 33, 35, 37, 39 e 41, eram falsos e visou com a sua conduta criar a convicção nos destinatários, que a mesma havia sido carimbada pelos A.... 46. O arguido AA agiu sempre de forma deliberada, livre e consciente, no intuito de fazer com que os referidos moradores do Edifício ... procedessem ao levantamento da correspondência por si remetida, bem como recebessem as referidas cartas onde o mesmo dava conta das diligências levadas a cabo contra a sociedade Administradora de Condomínio. 47. O Arguido é casado; tem um filho com 6 anos de idade; frequentou um curso superior de tecnologias de comunicação; beneficia de um subsídio mensal na ordem dos 500,00€; despende 350,00€ a título de prestação de empréstimo de habitação; e não tem antecedentes criminais. II. São os seguintes os factos dados como não provados pelo Tribunal de 1.ª Instância: Não se provaram quaisquer outros enunciados de facto relevantes para a bondade da decisão, quer por resultarem em contrário aos acima constantes, quer por se traduzirem em juízos conclusivos, ou conceitos de direito, ou por já assim figurarem por força de decisão anterior. Assim, não se provou que: a) CC por temer que o aviso de entrega depositado no seu recetáculo postal correspondesse, no seu teor e conteúdo, àquele que em data anterior já havia sido recebido por FF e enviado pelo Arguido; b) Que o Arguido tenha agido da forma descrita nos factos provados em seu benefício, por forma a posteriormente agir judicialmente contra as referidas destinatárias, não podendo as mesmas, ou os condóminos, invocar desconhecimento, o que quis e conseguiu. c) O arguido AA com a sua conduta, colocou em crise a confiança que os carimbos de instituições de interesse público, como os A..., merecem perante a generalidade das pessoas, o seu destino e a prova que deles resulta. d) O arguido AA sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei. e) Os Destinatários não pudessem ignorar a correspondência. Dos pedidos de indemnização civil: Do pedido de indemnização de BB: f) Com a conduta descrita na acusação o arguido provocou no demandante sentimentos de ansiedade e nervosismo; g) Com várias ações cíveis e outras várias queixas criminais o arguido já fez o demandante despender largas somas de dinheiro, quer em custas, quer em honorários; h) Pelo que imaginar que as cartas enviadas ou depositadas no receptáculo postal do ofendido poderiam significar novas ações e processos judiciais causou no demandante angústia e sofrimento; i) Devido ao comportamento do arguido o demandante sentiu ansiedade, nervosismo, angústia e sofrimento; j) Deixando de dormir por várias noites a fio e ficando agitado vários dias e agressivos com os seus familiares. Do pedido de indemnização formulado pela demandante CC: k) Com a conduta descrita na acusação o arguido provocou na demandante sentimentos de ansiedade e nervosismo; l) Com várias ações cíveis e outras várias queixas criminais o arguido já fez a demandante despender largas somas de dinheiro, quer em custas, quer em honorários; m) Pelo que imaginar que as cartas enviadas ou depositadas no recetáculo postal poderiam significar novas ações e processos judiciais causou na demandante angústia e sofrimento; n) Devido ao comportamento do arguido a demandante sentiu ansiedade, nervosismo, angústia e sofrimento; o) Deixando de dormir por várias noites a fio e ficando agitada vários dias e desconcentrada no seu trabalho. Do pedido de indemnização formulado pelo demandante DD: p) Com a conduta descrita na acusação o arguido provocou no demandante sentimentos de ansiedade e nervosismo; q) Com várias ações cíveis e outras várias queixas criminais o arguido já fez o demandante despender largas somas de dinheiro, quer em custas, quer em honorários; r) Pelo que imaginar que as cartas enviadas ou depositadas no recetáculo postal do ofendido poderiam significar novas ações e processos judiciais causou no demandante angústia e sofrimento; s) Devido ao comportamento do arguido o demandante sentiu ansiedade, nervosismo, angústia e sofrimento; t) Deixando de dormir por várias noites a fio e ficando agitado vários dias e desconcentrado no seu trabalho. Do pedido de indemnização formulado pelo demandante EE: u) Com a conduta descrita na acusação o arguido provocou no demandante sentimentos de ansiedade e nervosismo; v) Com várias ações cíveis e outras várias queixas criminais o arguido já fez o demandante despender largas somas de dinheiro, quer em custas, quer em honorários; w) Pelo que imaginar que as cartas enviadas ou depositadas no recetáculo postal do ofendido poderiam significar novas ações e processos judiciais causou no demandante angústia e sofrimento; x) Devido ao comportamento do arguido o demandante sentiu ansiedade, nervosismo, angústia e sofrimento; y) Deixando de dormir por várias noites a fio e ficando agitado vários dias e agressivos com os seus familiares. Do pedido de indemnização formulado pelo demandante FF: z) Com a conduta descrita na acusação o arguido provocou no demandante sentimentos de ansiedade e nervosismo; aa) Com várias ações cíveis e outras várias queixas criminais o arguido já fez o demandante despender largas somas de dinheiro, quer em custas, quer em honorários; bb) Pelo que imaginar que as cartas enviadas ou depositadas no recetáculo postal do ofendido poderiam significar novas ações e processos judiciais causou no demandante angústia e sofrimento; cc) Devido ao comportamento do arguido o demandante sentiu ansiedade, nervosismo, angústia e sofrimento; dd) Deixando de dormir por várias noites a fio e ficando agitado vários dias e desconcentrado no seu trabalho. Do pedido de indemnização formulado pelo demandante GG: ee) Com a conduta descrita na acusação o arguido provocou no demandante sentimentos de ansiedade e nervosismo; ff) Com várias ações cíveis e outras várias queixas criminais o arguido já fez o demandante despender largas somas de dinheiro, quer em custas, quer em honorários; gg) Pelo que imaginar que as cartas enviadas ou depositadas no recetáculo postal do ofendido poderiam significar novas ações e processos judiciais causou no demandante angústia e sofrimento; hh) Devido ao comportamento do arguido o demandante sentiu ansiedade, nervosismo, angústia e sofrimento; ii) Deixando de dormir por várias noites a fio e ficando agitado vários dias e agressivo com os seus familiares. Do pedido de indemnização formulado pela demandante HH jj) Com a conduta descrita na acusação o arguido provocou na demandante sentimentos de ansiedade e nervosismo; kk) Com várias ações cíveis e outras várias queixas criminais o arguido já fez a demandante despender largas somas de dinheiro, quer em custas, quer em honorários; ll) Pelo que imaginar que as cartas enviadas ou depositadas no recetáculo postal poderiam significar novas ações e processos judiciais causou na demandante angústia e sofrimento; mm) Devido ao comportamento do arguido a demandante sentiu ansiedade, nervosismo, angústia e sofrimento; nn) Deixando de dormir por várias noites a fio e ficando agitada vários dias e perturbada e irritadiça com os seus familiares. Não resultaram provados, nem não provados, quaisquer outros factos com interesse para a decisão da causa. III. É a seguinte a motivação da decisão de facto proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância: A motivação da decisão de facto tem como objetivo primacial o de aprimorar junto dos sujeitos processuais, de forma contundente, a força persuasiva do julgamento da matéria de facto. Ademais, é uma tarefa regida pelo princípio da livre apreciação da prova, tal como se encontra sufragado no artigo 127.º do Código de Processo Penal. Nos termos do artigo 124.º do CPP, para a decisão de facto apenas relevam os factos juridicamente relevantes que se prendam com a existência, ou inexistência, de crime, a punibilidade ou não punibilidade do Arguido, e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis. Sendo que caso exista um pedido cível, constituem igualmente objeto de cognição do Tribunal os factos relevantes para a determinação da responsabilidade civil. Vale por dizer que qualquer outra alegação, seja da acusação, da(s) contestação(ões), do(s) pedido(s) cível(eis), ou resultante da audiência da causa, que não se prenda com aquele reduto fáctico será, a nosso ver, despicienda a nível de consagração na fundamentação de facto da sentença a proferir – cf. art.º 374.º, n.º 2, do CPP. Assim, para a presente decisão de facto, o Tribunal, no que respeita à conduta assacada ao Arguido, mormente a criação dos carimbos e o envio dos elementos respaldados na matéria de facto provada, atendeu à factualidade já fixada, em virtude do trânsito em julgado progressivo, ante a Veneranda Decisão do Tribunal da Relação, que determinou a reabertura da audiência para apuramento das questões aí retratadas e que configuram o thema decidendum aí enunciado – tal como evidenciado no Venerando Acórdão da Relação de Guimarães, de 17/12/2019, no âmbito do Processo 107/14.7TAVNF.G2, Rel. Teresa Coimbra, in jurisprudência.pt, onde se refere: “É o chamado caso julgado progressivo, expressão oriunda do Código de Processo Penal italiano e referida por Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código de Processo Penal, 4ª edição, nota 10 ao artigo 426º-A. Também este autor considera que “a decisão do tribunal superior sobre a restante matéria (as questões que o tribunal superior não “colocar” para resolução pelo tribunal inferior) transita em julgado”. Aliás, tal factualidade, também se ancorou nos depoimentos isentos e coerentes de CC, a qual, de forma serena e crível, atestou o recebimento das missivas respaldadas nos factos provados, tendo ainda esclarecido de que não procedeu ao levantamento da carta em causa, em virtude de lhe terem dito para não o fazer; JJ que, de igual forma, atestou o recebimento das missivas e o seu teor, bem como o facto de nunca ter visto aquele tipo de documento, que nos A... disseram não ser da sua égide; DD, o qual referiu que não “estranhou” os carimbos apostos na missiva e que por tal facto procedeu ao respetivo levantamento; BB sustentou que os seus amigos lhe transmitiram que as cartas em questão provinham com carimbos “falsos” e que era tudo para “chatear”, sendo que “andam nesta vida há anos”; GG sustentou que quando era “avisado” procedia ao levantamento das missivas, não sabendo precisar se havia recebido um envelope A4, ou não; KK, corroborou o recebimento de inúmera correspondência e que tudo “levava a crer que seriam falsificados”, por referência aos carimbos descritos nos factos provados, também sustentou ter recebido todas as cartas e que procurava “saber dos assuntos”; EE, em depoimento coerente, confirmou o recebimento da missiva e o facto de receber correspondência “noite e dia”; HH, em depoimento sereno, confirmou o recebimento da correspondência e que lhe transmitiram haver um “problema” com os carimbos nela apostos. De outro prisma, LL atestou que os documentos de fls. 7 e 98 não têm origem nos A..., e que as pessoas questionavam se os documentos seriam dos A..., sendo que estranhavam a forma como os destinatários eram avisados. Neste sentido, recorda-se de JJ, FF, e HH, tendo-os avisado de tais circunstâncias, razão pela qual se considerou como provado o facto de ter sido aquela testemunha a dar nota da incongruência dos apontados carimbos e avisos. MM, Perita do LPC, atestou e corroborou os resultados almejados no relatório de fls. 136. Ademais, atentou-se nos seguintes elementos: - Do Processo 322/20.4GBOBR: Auto de notícia, de fls. 3 a 4v; Auto de Apreensão de fls. 5 a 6, 38, 40 a 40v, 82 a 82v; documentos de fls. 7 a 8 (de notar que as características deste documento “aviso” mereceram respaldo nos factos provados, ante as suas dimensões, cor e menções nele apostas), 12 a 36v, 87 a 98v; envelope com documentos, de fls. 142; e informações sobre o Apartado da ... constantes no Email de 23/11/2023 – ref. 15364277, na sequência do pedido formulado em 20/11/2023 pelo Tribunal, de onde flui com meridiana clareza de que o Arguido contratou o uso do Apartado .... - Do Processo 69/21.4GBOBR: Auto de notícia, de fls. 4 a 5; Auto de Apreensão de fls. 6 a 6v; documentos de fls. 8 a 12; - Do Processo 64/21.3GBOBR: Auto de notícia, de fls. 4 a 5; Auto de Apreensão de fls. 6 a 6v; documentos de fls. 7 a 11; - Do Processo 61/21.9GBOBR: Auto de notícia, de fls. 4 a 6; Auto de Apreensão de fls. 8 a 9; documentos de fls. 10 a 14v; - Do processo 57/21.0GBOBR: Auto de notícia, de fls. 4 a 5; Auto de Apreensão de fls. 6 a 6v; Documentos de fls. 7 a 11v; - Do Processo 58/21.4GBOBR: Auto de notícia, de fls. 4 a 5; auto de Apreensão de fls. 6 a 6v; documentos de fls. 7 a 10v; Processo 55/21.4GBOBR: Auto de notícia, de fls. 4 a 5; Auto de Apreensão de fls. 6 a 6v; documentos de fls. 7 a 10; Processo 54/21.6GBOBR: Auto de notícia, de fls. 4 a 5; Auto de Apreensão de fls. 6 a 6v; documentos de fls. 7 A 11v. Os referidos meios de prova foram devidamente concatenados com a prova testemunhal coligida e com o relatório de Exame Pericial de fls. 136 a 141 e seus esclarecimentos, como se disse, prestados por MM. No que concerne ao resultado do interrogatório do Arguido, o mesmo confirmou ter enviado várias cartas aos condóminos do prédio identificado na factualidade provada, negando, contudo, ter enviado a correspondência descrita no referido segmento. Contudo, cremos que esta factualidade se mostra sedimentada pelo Venerando Acórdão do Tribunal da Relação que determinou a reabertura da audiência. No que tange à sua intenção relativamente à expedição das missivas em causa, e sendo certo que o mesmo referiu conhecer o que são documentos falsos e que em tese conhece a punibilidade de tal conduta, atentou-se no facto de o mesmo pretender que os destinatários efetivamente recebessem as cartas em causa, pese embora não se tenha produzido prova, de forma cabal e em ordem à sua sustentação, de que o Arguido tenha agido da forma descrita nos factos provados em seu benefício, por forma a posteriormente agir judicialmente contra os referidos destinatários. Isto porque o Arguido já havia expedido correspondência de forma registada e o fito desta é apenas assegurar ao remetente a obtenção de um documento que ateste tal facto, e não atribuir uma maior relevância ao assunto da missiva propriamente dito, o qual pode ser ignorado pelos Destinatários, ainda que as missivas sejam carimbadas. Sendo certo que o benefício ou prejuízo que uma ação judicial possa acarretar não está no domínio do Arguido. Daí que, ante tal circunstância, no caso concreto da aposição dos carimbos e envio de missivas, ante a incerteza do referido benefício para o Arguido, o Tribunal, em obediência ao principio in dubio pro reo, tenha considerado como não demonstrado que o Arguido, no caso concreto, soubesse que a sua conduta era punida por lei. Na mesma esteira, e tal como já sustentado no Acórdão posto em crise, e cremos que nesta parte igualmente transitado em julgado, julgou-se não provada a matéria ínsita nos pedidos de indemnização civil, por se considerar que a aposição dos carimbos em causa não tem, de acordo com regras de normalidade, como causa lógica e natural, provocar os estados de ansiedade; desespero; dificuldades em dormir e em trabalhar, descritos pelos Demandantes. Tal com já ali espelhado, não se ignora que subjacente aos factos existe um longo conflito entre o Demandado e os Demandantes, motivado por condições de vida no referido edifício. Contudo, como também ali é dada nota, “independentemente da questão de se saber se tais conflitos são, ou não, imputáveis ao Arguido e se a sua atuação justifica o estado de exasperação que foi notório no espírito dos demandantes, a verdade é o que está em causa nos presentes autos não é a prática de crimes de perseguição ou a descrição de condutas suscetíveis de serem consideradas assédio moral”, estas sim com a virtualidade de eventualmente espoletar responsabilidade civil aquiliana. Nos mesmos termos, a circunstância de o Arguido ter colocado nos recetáculos postais das demandantes CC e JJ os pretensos avisos para levantamento do correio que não foram emitidos pelos A..., por si só, é inócua, de acordo com juízos de normalidade, à produção da magnitude dos danos não patrimoniais peticionados. Por conseguinte, o Tribunal julgou não provados os factos descritos no pedido de indemnização civil. Questão prévia a decidir: 1) se este Tribunal de recurso pode conhecer da invocada prescrição sem que tal questão tenha sido suscitada na motivação de recurso. Vejamos Nos presentes autos, e com data de 23.09.2025, o arguido apresentou requerimento, com a referência “citius” n.º 427980, alegando que os factos pelos quais vem acusado reportam-se a 05.08.2020 e o crime de falsificação ou contrafação de documento na sua forma simples aplica-se o prazo de prescrição de 5 (cinco) anos, à luz do disposto nas normas conjugadas do artigo 118.º, n.º 1, alínea c) do Código Penal e 256.º, n.º 1 do mesmo diploma legal, razão pela qual pede seja declarada a prescrição dos presentes autos e, em consequência seja declarada a extinção do processo penal. Neste âmbito não poderemos deixar de concordar com o Sr. Procurador-Geral Adjunto quando refere que a oficiosidade do conhecimento da prescrição pelo Tribunal da Relação, e a todo o tempo, como está assente na doutrina e na jurisprudência, sem que tenha sido suscitada em recurso, deve ser entendida apenas para os casos em que conduza à extinção do procedimento criminal; nos demais, deve ser compaginada com os poderes de cognição do Tribunal ad quem –que se debruça sobre uma decisão prévia, mediante um recurso, balizado pelas respetivas conclusões- e pela garantia de um grau de recurso. Ora, no presente caso estamos perante factos que consubstanciam o crime de falsificação de documento, previsto pelo disposto no artigo 256.º n.º 1, alíneas a), d) e e), do Código Penal, por referência ao artigo 255.º, alínea a), também do Código Penal, e punível com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa. Assim, e por força do disposto no artigo 118.º n.º 1, alínea c), do Código Penal, o prazo de prescrição é de 5 anos, pelo que, numa análise superficial, o termo do prazo de prescrição, para os factos mais antigos nos presentes autos, seria agosto de 2020. Contudo, na contagem do prazo de prescrição não poderemos esquecer que temos também que atender às causas de suspensão e de interrupção da prescrição previstas no disposto nos artigos 120.º e 121.º do Código Penal, e bem assim às causas de suspensão decorrentes do artigo 7.º n.º 3 da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03, e do artigo 6º-B nºs 3 e 4 da Lei 4-B/2021, de 01.02, pelo que, manifestamente, o termo final do prazo de prescrição ainda não decorreu. Assim, no presente caso, é manifesto que não pode este Tribunal da Relação conhecer oficiosamente da prescrição invocada após a apresentação de recurso, razão pela qual, e por força do disposto nos artigos 73.º da LOSJ e 12.º n.º3 do Código de Processo Penal, indefere-se o conhecimento da questão suscitada. Fundamentos do recurso: Questões a decidir no recurso É pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objeto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso (cf. art.º 412.º e 417.º do Cód. Proc. Penal e, entre outros, Acórdão do STJ de 29.01.2015, Proc. n.º 91/14.7YFLSB. S1, 5ª Secção). Questões a decidir no presente recurso: 1) se se verifica um incorreto julgamento da matéria de facto no que respeita à matéria factual vertida no ponto d) dos factos não provados; 2) se foi efetuada errada apreciação jurídica dos factos dados como provados, com errada interpretação e aplicação das normas decorrentes, por um lado, do artigo 256.º, n.º 1, als. a), d) e e), do Código Penal, e por outro lado, do artigo 23.º, n.º 3, do Código Penal - em relação com a matéria de facto dada como provada, em particular, sob os pontos 15. a 21. (em relação com o documento constante de fls. 7 dos autos) e 24. a 28. da matéria de facto provada (em relação com o documento constante de fls. 98 dos autos), em conjugação com o vertido sob os pontos 43., 44. e 46. dos factos provados. Vejamos. Para fundamentar o seu recurso, o recorrente alega que se impõe a modificação da decisão do Tribunal a quo sobre a matéria de facto na sua alínea d) dos factos não provados, a qual impugnou por entender incorretamente julgada. Preceitua o artigo 127.º do Código de Processo Penal, sob a epígrafe «Livre apreciação da Prova»: “Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.” Assim, verifica-se que o legislador consagrou no Código de Processo Penal o princípio da livre apreciação da prova que se consubstancia, por um lado, em inexistirem critérios ou cânones legais pré-determinados no valor a atribuir à prova e, por outro lado, em não poder haver uma apreciação discricionária ou arbitrária da prova produzida. Tal liberdade, está, assim, intimamente ligada quer ao dever de tal apreciação assentar em critérios objetivos de motivação quer, por outro lado, ao dever de perseguir a verdade material. Por isso, quando se refere que a valoração da prova é segundo a livre convicção da entidade competente (in casu, do juiz), a convicção há de ser pessoal, objetivável e motivável, logo, vinculada e, assim, capaz de conseguir a adesão razoável da comunidade pública. Donde resulta que tal existirá quando e só quando o Tribunal se tenha convencido, com base em regras técnicas e de experiência, da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável (cf. Figueiredo Dias in “Direito Processual Penal”, Vol. I, Coimbra Editora, 1981, págªs 198 a 207). Do exposto resulta que o juiz deve apreciar a prova testemunhal segundo os critérios de valoração racional e lógica, tendo em conta as regras normais de experiência, julgando segundo a sua consciência e convicção. Como se pode ler no Acórdão da Relação do Porto, de 17.09.2003, rec. 312082, disponível in www.dgsi.pt “(…) o recurso da matéria de facto não se destina a postergar o princípio da livre apreciação da prova, que tem consagração expressa no art.º 127.º do CPP. A decisão do Tribunal há de ser sempre uma "convicção pessoal – até porque nela desempenham um papel de relevo não só a atividade puramente cognitiva, mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais" (cf. Prof. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, vol. I, ed. 1974, pág. 204). Por outro lado, a livre apreciação da prova é indissociável da oralidade com que decorre o julgamento em primeira instância. Como ensinava o Prof. Alberto do Reis "a oralidade, entendida como imediação de relações (contacto direto) entre o juiz que há de julgar e os elementos de que tem de extrair a sua convicção (pessoas, coisas, lugares), é condição indispensável para a atuação do princípio da livre convicção do juiz, em oposição ao sistema de prova legal”. Cód. Proc. Civil Anotado, vol. IV, págs. 566 e ss. (…)”. O art.º 127.º do Cód. Proc. Penal indica-nos um limite à discricionariedade do julgador: as regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. Isto equivale a dizer que, sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador. A impugnação da matéria de facto prevista no art.º 412.º n.º 3 do Cód. Proc. Penal, consiste na apreciação, tal como sustentou o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 01.04.2019 (processo n.º 360/08-1.ª, disponível em www.dgsi.pt), “que não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nºs3 e 4 do art.º 412.º do C.P. Penal. A ausência de imediação determina que o tribunal de 2.ª instância, no recurso da matéria de facto, só possa alterar o decidido pela 1.ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida e não apenas se a permitirem [al. b) do n.º 3 do citado artigo 412.º]”. Como salienta o STJ, no acórdão de 12.06.2008, Proc. nº 07P4375 (disponível in www.dgsi.pt) a sindicância da matéria de facto, na impugnação ampla, ainda que debruçando-se sobre a prova produzida em audiência de julgamento, sofre quatro tipos de limitações: - a que decorre da necessidade de observância pelo recorrente do mencionado ónus de especificação, pelo que a reapreciação é restrita aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorretamente julgados e às concretas razões de discordância, sendo necessário que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam; - a que decorre da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o «contacto» com as provas ao que consta das gravações; - a que resulta da circunstância de a reponderação de facto pela Relação não constituir um segundo/novo julgamento, cingindo-se a uma intervenção cirúrgica, restrita à indagação ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correção se for caso disso; - a que tem a ver com o facto de ao Tribunal de 2.ª instância, no recurso da matéria de facto, só ser possível alterar o decidido pela 1.ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida (al. b), do nº 3, do citado art.º 412º). Com efeito, no Acórdão da Relação de Évora, de 01.04.2019 (processo n.º 360/08-1.ª, www.dgsi.pt) sustentou-se «Impor decisão diversa da recorrida não significa admitir uma decisão diversa da recorrida. Tem um alcance muito mais exigente, muito mais impositivo, no sentido de que não basta contrapor à convicção do julgador uma outra convicção diferente, ainda que também possível, para provocar uma modificação na decisão de facto. É necessário que o recorrente desenvolva um quadro argumentativo que demonstre, através da análise das provas por si especificadas, que a convicção formada pelo julgador, relativamente aos pontos de facto impugnados, é impossível ou desprovida de razoabilidade. É inequivocamente este o sentido da referida expressão, que consubstancia um ónus imposto ao recorrente.». Não basta ao recorrente formular discordância quanto ao julgamento da matéria de facto para que o Tribunal de recurso tenha que fazer «um segundo julgamento», com base na gravação da prova. O poder de cognição do Tribunal da Relação, em matéria de facto, não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento e faça tábua rasa da livre apreciação da prova, da oralidade e da imediação. Com efeito, «o recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2.ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1.ª instância, como se o julgamento ali realizado não existisse; antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto, são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros» (cf. neste sentido, Ac. do STJ de 15.12.2005, Proc. nº 05P2951 e Ac. do STJ de 9-03-2006, Proc. nº 06P461, disponíveis em www.dgsi.pt). O Tribunal de recurso apreciando os fundamentos da impugnação da matéria de facto e os meios de prova indicados nos termos do art.º 412.º, n.º 3 do Cód. Proc. Penal (quando conste do objeto de recurso), deve aferir se o Tribunal “a quo” apreciou e interpretou os meios de prova conforme os padrões e as regras da experiência comum (a regra da experiência expressa aquilo que normalmente acontece, é uma regra extraída de casos similares), não extraindo conclusões estranhas ou fora dos depoimentos, subsistindo sempre um plano de convencimento do Tribunal a quo, segundo a livre convicção do julgador que não cabe a este Tribunal de recurso reformular. De acordo com o que acima já se deixou expresso, em sede de apreciação da prova rege o princípio da livre apreciação, expressamente consagrado no artigo 127.º do Cód. Proc. Penal. Este princípio impõe que a apreciação da prova se faça segundo as regras da experiência comum e em obediência à lógica. E se a convicção do Tribunal “a quo” se estribou nestes pressupostos, como já se enfatizou, o Tribunal “ad quem” não pode sindicar ou sobrepor outra convicção. Com as limitações que decorrem da falta de mediação e da impugnação parcelar dos factos, o Tribunal de recurso somente poderá alterar a decisão de facto quando se “imponha” (usando a expressão legal), ou seja, quando o processo decisório de reconstituição do acontecer histórico da 1.ª Instância se fundou fora da razoabilidade em juízos destituídos de lógica, ou distintos dos padrões da experiência comum. No recurso apresentado, pretende o recorrente que se veja alterada a decisão do Tribunal a quo relativamente ao facto não provado sob a alínea d), devendo o mesmo ser considerado provado. Ouvido o registo da prova, designadamente o excerto a que se faz referência na motivação de recurso-, este Tribunal de recurso não logra concordar com o juízo de prova que foi realizado pelo Tribunal a quo, existindo, a nosso ver, erro ditado por desconformidade na formulação lógica das regras da experiência comum, que impõe alteração da decisão de facto contida no acórdão recorrido. É certo que o juiz é livre, no sentido mencionado, de formar a sua convicção com base no depoimento de uma testemunha ou nas declarações do assistente ou do arguido, em detrimento de testemunhos contrários (v.g., de pessoas sem quaisquer ligações ao arguido). Daí que, de acordo com a jurisprudência, a convicção do julgador só pode ser modificada, pelo tribunal de recurso, quando a mesma violar os seus momentos estritamente vinculados (obtida através de provas ilegais ou proibidas, ou contra a força probatória plena de certos meios de prova) ou então quando afronte, de forma manifesta, as regras da experiência comum. Voltando ao caso concreto em análise, o Tribunal a quo considerou como não provado que “O arguido AA sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei” (cf. facto não provado sob a alínea d) e fundamentou a sua convicção referindo: “No que tange à sua intenção relativamente à expedição das missivas em causa, e sendo certo que o mesmo referiu conhecer o que são documentos falsos e que em tese conhece a punibilidade de tal conduta, atentou-se no facto de o mesmo pretender que os destinatários efetivamente recebessem as cartas em causa, pese embora não se tenha produzido prova, de forma cabal e em ordem à sua sustentação, de que o Arguido tenha agido da forma descrita nos factos provados em seu benefício, por forma a posteriormente agir judicialmente contra os referidos destinatários. Isto porque o Arguido já havia expedido correspondência de forma registada e o fito desta é apenas assegurar ao remetente a obtenção de um documento que ateste tal facto, e não atribuir uma maior relevância ao assunto da missiva propriamente dito, o qual pode ser ignorado pelos Destinatários, ainda que as missivas sejam carimbadas. Sendo certo que o benefício ou prejuízo que uma ação judicial possa acarretar não está no domínio do Arguido. Daí que, ante tal circunstância, no caso concreto da aposição dos carimbos e envio de missivas, ante a incerteza do referido benefício para o Arguido, o Tribunal, em obediência ao principio in dubio pro reo, tenha considerado como não demonstrado que o Arguido, no caso concreto, soubesse que a sua conduta era punida por lei”. Ora, a convicção do Tribunal não tem necessariamente que se apoiar apenas em prova direta. Pode também apoiar-se em prova indireta. Na prova indireta o apuramento de factos que são imputados ao agente, infere-se dos meios de prova sempre à luz das regras da experiência comum, estribadas na lógica, como instrumentos que medem e confrontam probabilidades. Quer a prova direta, quer a prova indireta são modos, igualmente legítimos, de chegar ao conhecimento da realidade (ou verdade) do factum probandum: pela primeira via ou método, “a perceção dá imediatamente um juízo sobre um facto principal”, ao passo que na segunda “a perceção é racionalizada numa proposição, prosseguindo silogisticamente para outra proposição, à base de regras gerais que servem de premissas maiores do silogismo, e que podem ser regras jurídicas ou máximas da experiência. A esta sequência de proposição em proposição chama-se presunção” (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 1993, 79). Uma vez que em processo penal são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei (cf. artigo 125.º do Código de Processo Penal), delas (das provas admissíveis) não pode ser excluída a prova por presunções (prevista, como noção geral, no artigo 349.º do Código Civil, mas prestável e válida como definição do meio ou processo lógico de aquisição de factos no processo penal) em que se parte de um facto conhecido (o facto base, facto indiciante ou, simplesmente, indício) para afirmar um facto desconhecido (o factum probandum ou facto consequência) recorrendo a um juízo de normalidade (de probabilidade) alicerçado em regras da experiência comum que permite chegar, sem necessidade de uma averiguação casuística, a um resultado verdadeiro. Neste âmbito, importam as presunções simples, naturais ou hominis, simples meios de convicção, que se encontram na base de qualquer juízo probatório. São meios lógicos de apreciação das provas e de formação da convicção, que cedem por simples contraprova, ou seja, prova que origine a dúvida sobre a sua exatidão no caso concreto. Ora, no caso concreto, o processo de formação da convicção do Tribunal a quo explanado por este na sua motivação da decisão de facto, designadamente quanto ao facto descrito na alínea d) dos factos não provados, concretamente no que concerne ao conhecimento pelo arguido da punibilidade da sua conduta pela lei, não se afigura coerente, dentro das declarações prestadas pelo arguido, mostrando-se também em desconformidade na formulação lógica ou pelas regras da experiência comum. Das declarações prestadas pelo arguido registadas na aplicação Media Studio da plataforma Citius no ficheiro dessa mesma data com o nº‘20250127101532_4271037_2870427’, verificamos que o mesmo transmite a sua versão dos factos, explicando-a de modo escorreito, usando um raciocínio estruturado e uma linguagem percetível, nada denotando que o mesmo, à data dos factos e no momento do seu depoimento, não estivesse na posse plena das suas capacidades cognitivas. Acresce que das declarações prestadas em audiência o arguido denota grande preocupação em negar ter fabricado e criado os documentos a que respeitam os pontos 15 a 20 e 23 a 28 (referentes aos documentos de fls. 7 e 98) e em explicar todos os demais (onde apõs o seu nome) com a situação de conflito existente entre os condóminos do prédio Ora, dizem-nos as regras da lógica e da experiência que uma pessoa, na posse das suas capacidades cognitivas e de decisão, que frequentou a licenciatura de Tecnologia de informação e que tem gosto pelas matérias jurídicas a ponto de pretender inscrever-se na licenciatura de Direito (justificando que apenas não o fez por razões de insuficiência económica), age de determinada forma, dentro de certas circunstâncias e com resultados por si domináveis, é porque quer agir dessa forma, nessas circunstâncias e pelo menos admite o resultado como consequência provável da sua conduta. Mais, também nos dizem as regras da lógica e da experiência que uma pessoa que assume em audiência a postura acima descrita, age de forma deliberada, livre e consciente e age com consciência da ilicitude da sua conduta e da sua punibilidade. Assim, e concordando com o recorrente, partindo das premissas dadas como assentes pelo Tribunal a quo, ou seja, partindo dos factos cuja prova ficou feita quanto à factualidade objetiva e quanto ao estado subjetivo e às capacidades do arguido, acima expostos, é forçoso concluir que o arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei, o que este Tribunal de recurso considera provado, afastando-se, por isso, a aplicação do princípio in dúbio pro reo efetuada pelo Tribunal a quo. Pelo exposto, julga-se procedente a impugnação da matéria de facto efetuada pelo recorrente e, em consequência considera-se provado que «O arguido AA sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei». Para fundamentar o seu recurso alega o recorrente que foi efetuada pelo Tribunal a quo errada apreciação jurídica dos factos dados como provados, com errada interpretação e aplicação das normas decorrentes, por um lado, do artigo 256.º, n.º 1, als. a), d) e e), do Código Penal, e por outro lado, do artigo 23.º, n.º 3, do Código Penal. Para apreciação deste segmento do recurso apresentado pelo recorrente, importa relembrar que a imputação ao arguido dos onze crimes de falsificação de documento vertida na acusação tem por base dois tipos de documentos distintos – por um lado, o uso de carimbos falsos em correspondência efetivamente expedida pelo arguido por via postal (a que respeitam os pontos 22, 23 e 29 a 42 da matéria de facto dada como provada), e por outro lado, a fabricação de documentos falsos, com suposta emissão pelos A... e aposição de carimbos falsos com menção a tal empresa (a que respeitam os pontos 15 a 20 e 23 a 28). Importa, ainda, relembrar que o recorrente apenas impugna a decisão recorrida no que concerne ao segundo grupo de documentos, em que está em causa a fabricação pelo arguido de documentos que, na sequência da correspondência por si expedida e não levantada pelos destinatários, foram depositados nas caixas de correio das destinatárias sem que tenham sido emitidos pelos A... ou remetidos por via postal – depósito esse efetuado pelo próprio arguido ou por alguém a seu mando (cf. documentos constantes de fls. 7 e 7 verso dos autos principais (no caso da destinatária CC) e de fls. 98 e 98 verso dos autos principais (no caso da destinatária JJ). Debrucemo-nos, pois, sobre a qualificação jurídica dos factos considerados provados. De acordo com a acusação (cf. ref.ª Citius n.º 120614349), para os factos ali constantes e segundo qualificação jurídica proposta, o arguido incorreu na prática de 11 (onze) crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo art.º 256.º, n.º 1, als. d) do Código Penal, por referência ao artigo 255.º, alínea a) do Código Penal. Realizada audiência de julgamento, aqueles factos foram parcialmente considerados provados e, em juízo subsuntivo, considerou o Tribunal a quo que “o arguido, após a respetiva criação dos elementos, enviou as cartas descritas nos factos provados a CC e a JJ, e apôs carimbos como se fossem dos A... nas missivas enviadas aos Destinatários referenciados nos factos provados, nos moldes em que o fez. Na primeira situação, efetivamente os documentos enviados configuram um falso grosseiro, ante as características físicas dos verdadeiros avisos de registo e que se mostram descritas nos factos provados, as quais não se confundem, de todo, com as missivas enviadas pelo Arguido (dimensões, textura, e dizeres completamente distintos), o que conduz a que a ação do Arguido seja subsumível a uma tentativa impossível não punida (…). Mas, ainda que assim não fosse, hipótese que se coloca para mero efeito de raciocínio, sem se conceder, a verdade é que a intenção e ação do Arguido não almejou provocar prejuízo a terceiro, benefício ilegítimo para si, ou de preparar, facilitar, executar encobrir outro crime, elementos que o artigo 256º, nº1, do Código Penal, pressupõe. Isto porque, o Arguido apenas visou que os destinatários recebessem as missivas que havia endereçado, o que até nem se alcançaria com a eventual devolução das mesmas, ou com o seu não levantamento. Ou seja, o efetivo recebimento das missivas, per se, não é idóneo a provocar qualquer prejuízo para os destinatários. De outro prisma, o efetivo recebimento das missivas, também, por si só, não traduz qualquer benefício, muito menos ilegítimo. Ademais, nem sequer se conjetura que a ação do Arguido visasse a preparação, facilitação, execução ou encobrimento de qualquer crime. Em síntese, ainda que este seja um crime de resultado cortado, em que não é exigível que se verifique o prejuízo efetivo de outra pessoa ou do Estado, nem o benefício ilegítimo do agente ou de terceiro, a intenção e desiderato do Arguido de concretização do recebimento das missivas não tem a virtualidade de assumir um prejuízo ou benefício legalmente relevante, razão pela qual falecem os irrogados crimes de falsificação p. e p. pelos artigos 255º e 256º, nº1, als. a), d) e e), do Código Penal”, e, consequentemente, absolveu o arguido de todos os crimes que lhe eram imputados na acusação. O recorrente discorda dessa mesma qualificação, por duas ordens de razões: Em seu entender, “não estamos seguramente perante uma falsificação grosseira, ou seja, aquela falsificação que é imediata e facilmente reconhecível por qualquer pessoa e medianamente conhecedora e informada, pois os documentos em causa, dadas as suas características gráficas, de conteúdo e de tipo e nível de língua que se apontaram não tornam facilmente cognoscível por parte de quem os veja e leia que se trata de documentos não genuínos (ou seja, de documentos que nunca seriam usados, emitidos e enviados pelos A...); E também porque “No caso dos autos, o arguido, acobertando-se no anonimato, valendo-se de forma de atuação que se confunde com a do prestador do serviço público postal (empresa A...) e fazendo uso de sinais de uso privativo deste, pretendeu beneficiar de um segundo aviso às destinatárias da correspondência – em jeito de insistência para o seu levantamento – o que não lhe era devido no normal e regulamentar uso do serviço postal.” Em contraponto propõe o enquadramento dos factos ora em análise no recurso nos termos apresentados pela acusação, com a consequente condenação do arguido pela prática de dois crimes de falsificação de documento p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas a), d) e e), do Código Penal, por referência ao artigo 255.º, alínea a), do mesmo Código, na pena de 1 (um) ano de prisão para cada um dos crimes, e em cúmulo jurídico, na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sob condição de o arguido entregar aos Bombeiros Voluntários ... a quantia de €500,00 (quinhentos euros) – a cumprir e a comprovar nos autos no prazo de seis meses após o trânsito em julgado da decisão condenatória. Apreciando. Nos termos do art.º 256.º do C.P., sob a epígrafe «Falsificação ou contrafação de documento»: 1 - Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime: a) Fabricar ou elaborar documento falso, ou qualquer dos componentes destinados a corporizá-lo; b) Falsificar ou alterar documento ou qualquer dos componentes que o integram; c) Abusar da assinatura de outra pessoa para falsificar ou contrafazer documento; d) Fizer constar falsamente de documento ou de qualquer dos seus componentes facto juridicamente relevante; e) Usar documento a que se referem as alíneas anteriores; ou f) Por qualquer meio, facultar ou detiver documento falsificado ou contrafeito; é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa. 2 - A tentativa é punível. (…). O crime de falsificação de documento encontra-se inserido no título relativo aos crimes contra a vida em sociedade, sendo considerado um tipo de crime “a meio caminho entre os crimes contra bens coletivos e os crimes patrimoniais” (Figueiredo Dias, Atas, 1993, p. 297., citado no acórdão deste Tribunal da Relação datado de 15.10.2025, relatado pelo aqui 2.º adjunto Desembargador José Quaresma, consultável em www.dgsi.pt], que seguiremos de perto nos próximos parágrafos por tratar de temática semelhante. O bem jurídico que se pretende proteger na presente norma incriminadora consubstancia-se na segurança e credibilidade dos documentos no tráfico jurídico, especialmente no tráfico jurídico probatório, valor que é erigido a bem jurídico-criminal [Helena Moniz, in O crime de falsificação de documentos, da falsidade intelectual e da falsidade em documento. Coimbra Editora, 1999, p. 41 e ss. Utilizando as palavras de Figueiredo Dias, o que o crime de falsificação protege é a verdade intrínseca do documento enquanto tal.]. Não é toda a segurança no tráfico jurídico que se pretende proteger, mas apenas a relacionada com os documentos. Desta forma, acentuam-se as duas funções que o documento pode ter: - a função de perpetuação que todo o documento tem em relação a uma declaração humana e a função de garantia, pois cada autor do documento tem a garantia que as suas palavras não serão desvirtuadas e apresentar-se-ão tal qual como ele, num certo momento e local, as expôs. São estes dois aspetos que são violados com o crime de falsificação de documentos [Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, dirigido por Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 1999, p. 680.]. O crime em causa consubstancia um crime de perigo abstrato, pois o perigo não constitui elemento do tipo, sendo apenas a motivação do legislador. Assim, basta que o documento seja falsificado para que o agente possa ser punido independentemente de o utilizar ou colocar no tráfico jurídico. Para o preenchimento deste tipo de ilícito não se mostra necessário que, em concreto, se verifique aquele perigo, sendo suficiente que se conclua, em termos abstratos, que aquela conduta é passível causar lesão ao bem jurídico. Basta que exista uma probabilidade de lesão da confiança e da segurança que toda a sociedade deposita nos documentos e, portanto, no tráfico jurídico [Como é sabido, nesta categoria de crimes está-se perante uma antecipação da tutela do bem jurídico.]. Posto isto, entremos, agora, na análise dos vários elementos do tipo. Comecemos pelo elemento objetivo. O documento [Cfr. conceito explanado no art.º 255.º, al. a) do C.P. sendo que foi acolhida uma noção mais ampla do que a inscrita no âmbito do direito civil: “Documento é, pois, a declaração de um pensamento humano que deverá estar corporizada num objeto que possa constituir meio de prova” (Comentário Conimbricense ao Código Penal, Parte Especial, Tomo II, Coimbra Editora, 1999, p. 667)] constitui o objeto da ação. Será sobre ele que incidirá a conduta do agente, bastando para a consumação do tipo legal o ato de falsificação. Chegando a simples consumação formal, o crime perfetibiliza-se com o simples ato de falsificação. O tipo abarca diversas modalidades de conduta, espraiadas nas diversas alíneas do citado artigo, designadamente a falsificação ou falsidade material, que pode assumir várias formas como a fabricação de documento falso, ou seja, a contrafação total, a feitura “ex novo” e “ex integro” de um documento, a falsificação ou alteração do documento, onde se verifica uma contrafação parcial, uma falsificação posterior do documento, mediante uma alteração do mesmo, por norma, por pessoa diferente daquela que o realizou, o abuso da assinatura de outra pessoa para elaborar documento falso, a falsificação intelectual, na qual o documento se apresenta como genuíno, do ponto de vista material, mas o seu conteúdo intelectual não corresponde ao real pela inserção, aquando da sua elaboração, de facto inverídico juridicamente relevante e, por fim, o uso de documento falsificado. Quanto ao elemento subjetivo do tipo de ilícito, a realização típica do crime exige, para além da verificação do dolo nos termos gerais, em qualquer das suas modalidades (cfr. art.º 14.º do C.P.), uma especial intenção, traduzida na “intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa um benefício ilegítimo”. No caso vertente e considerando os factos provados, não podemos acompanhar o raciocínio de qualificação expresso pelo Tribunal a quo seguindo, neste particular, a argumentação recursória. Efetivamente, como pode extrair-se da factualidade dada como provada, o arguido fabricou os documentos dos pontos dos pontos 15. a 21. (constante de fls. 7 dos autos) e 24. a 28. (constante de fls. 98 dos autos), na sequência da correspondência registada por si anteriormente expedida não ter sido logo levantada pelas destinatárias CC e JJ, não obstante avisadas para o seu levantamento. Como pode ver-se analisando tais documentos e conforme dado como provado nos pontos 15 e 24, trata-se de impressões em folhas de formato A4, encontram-se dactilografados em processador de texto (processados a computador) e têm apostos dois carimbos – a vermelho a menção “R EM MÃO” e a preto o postilhão dos A... com os dizeres “A1...”, que estiveram em uso pelos A... (cf. facto n.º 21 e 38), com os dizeres “Informa-se que possui uma carta registada nos A... de Oliveira do Bairro, pendente de ser levantada com o número de registo ......, no qual a data limite para o seu levantamento é o próximo dia 12 de Agosto de 2020, queira por favor, proceder ao levantamento da carta que se encontra nos A... de Oliveira do Bairro, bastando levar o presente documento consigo para poder ser possível fazer o seu levantamento” no caso do do ponto 15. e “Informa-se que possui uma carta registada nos A... de Oliveira do Bairro, pendente de ser levantada com o número de registo ......, no qual a data limite para o seu levantamento é o próximo dia 12 de agosto de 2020, queira por favor, proceder ao levantamento da carta que se encontra nos A... de Oliveira do Bairro, bastando levar o presente documento consigo para poder ser possível fazer o seu levantamento” no caso do do ponto 24. Ora, os elementos gráficos de tais carimbos apresentam características que apelam aos usados pelos A... (que são os fornecidos pelos A... para comparação e fotografados a fls. 141, nomeadamente o logotipo do ‘postilhão’ – homem com corneta a cavalo). O logotipo em causa foi já usado pelos A... na correspondência, embora em data anterior a 2004 (cf. factos provados n.ºs 21 e 38), sendo que o elemento gráfico “R EM MÃO” tem o mesmo aspeto de elemento ainda em uso, embora não sob a forma de carimbo, mas sob a forma de etiqueta autocolante. Os dizeres que aí estão impressos remetem, em ambos os casos, para o número de registo da correspondência anteriormente remetida pelo arguido para as habitações das destinatárias. Ora, o que se retira de tal factualidade é que o que o arguido pretendeu não foi produzir uma imitação dos ditos avisos de entrega, destinados a avisar os destinatários que têm correspondência para levantar. Ou seja, não visou imitar documento pré-existente, nomeadamente os avisos para levantamento de correspondência normalmente usados pelos A.... O que o arguido fez foi fabricar documentos que, sendo diversos daqueles, aparentassem ser um outro tipo de documento, no qual apôs sinais gráficos que se confundem, pela sua extrema semelhança, aos usados pelos A... e no qual usou um tipo de linguagem que remete para uma linguagem corporativa e institucional que facilmente é associada à que seria usada se aquela entidade passasse a utilizar igualmente tal tipo de documento. Em suma, como se de um novo tipo de documento em uso pelos A... se tratasse – a funcionar como um segundo aviso ou lembrete para levantamento da correspondência. E a demonstração de que tais documentos podem ser vistos e percebidos pelos destinatários como sendo emitidos e deixados no recetáculo postal pelos A... é a circunstância de as destinatárias CC e JJ, após receberem os mesmos, terem se deslocado à estação de correios, sendo então informadas por funcionário dos A... de que os documentos em causa não tinham origem nos A... – conforme ficou provado sob o ponto 43. dos factos provados. Estamos, pois, no âmbito da fabricação de documento falso e do uso de documento assim fabricado, atuação que se enquadra no artigo 256.º, nº 1, als. a), d) e e), do Código Penal. Na decisão recorrida o Tribunal a quo absolveu o arguido de todos os crimes que lhe eram imputados pela acusação, defendendo que “os documentos enviados configuram um falso grosseiro, ante as características físicas dos verdadeiros avisos de registo e que se mostram descritas nos factos provados, as quais não se confundem, de todo, com as missivas enviadas pelo Arguido (dimensões, textura, e dizeres completamente distintos), o que conduz a que a ação do Arguido seja subsumível a uma tentativa impossível não punida (…). Ora, não poderemos acompanhar a posição defendida pelo Tribunal a quo. De acordo com a Jurisprudência, falsificação grosseira (não punível criminalmente) é aquela que qualquer pessoa comum pode detetar num mero exame perfunctório, sem qualquer esforço, e em que a desconformidade com a realidade é, pois, imediatamente apreensível por qualquer observador (ver, neste sentido, por exemplo, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31.10.96, proc. nº 382/96, in M. Leal Henriques – M. Simas Santos, Código Penal Anotado, 2.º vol. Parte Especial, Editora Rei dos Livros, 3ª ed., Lisboa, 2000, p. 1116). O que justifica a não punibilidade da falsificação grosseira é a insuscetibilidade de ela causar qualquer prejuízo ou benefício ilegítimos, não se verificando (nem mesmo em abstrato) o perigo que a criminalização da falsificação pretende afastar. Por isso, mesmo que uma falsificação de um documento (ou um uso de documento falso) se consume, mesmo que não estejamos perante simples tentativa, poderá tal falsificação (ou uso de documento falso) não ser punível se estivermos perante uma falsificação grosseira. Por esta ser notória para qualquer pessoa comum, não representa qualquer perigo, independentemente de ter sido consumada (sem qualquer resultado danoso, ou sequer qualquer perigo de resultado danosos) a falsificação do documento ou o uso do documento falso. No caso dos autos poderemos até estar perante uma falsificação algo imperfeita, que poderá ser detetada em comparação com os elementos atualmente usados pelos A..., mas não necessariamente, nem por qualquer pessoa comum. É certo que alguns elementos figurativos usados já não o são atualmente pelos A.... Mas já o foram. As características dos documentos de fls. 7 e 98 que aqui estão em causa – descritas nos pontos 15., 16., 24. e 25. – elementos gráficos e linguagem utilizada são elementos que podem induzir em erro qualquer observador comum menos atento ou informado. E disso mesmo são relevadoras as circunstâncias em que as destinatárias ficaram a saber que esses documentos não tinham origem nos A... – como vertido no ponto 43 (apenas pelo funcionário dos A... foram informadas que tais documentos não haviam sido elaborados e expedidos pelos A...). Não pode, assim, afirmar-se que estamos perante uma falsificação grosseira não punível, ou seja, aquela falsificação que é imediata e facilmente reconhecível por qualquer pessoa e medianamente conhecedora e informada, pois os documentos em causa, dadas as suas características gráficas, de conteúdo e de tipo e nível de língua que se apontaram não tornam facilmente cognoscível por parte de quem os veja e leia que se trata de documentos não genuínos (ou seja, de documentos que nunca seriam usados, emitidos e enviados pelos A...). Na decisão recorrida o Tribunal a quo absolveu o arguido de todos os crimes que lhe eram imputados pela acusação, defendendo, ainda que por hipótese de raciocínio, “a intenção e ação do Arguido não almejou provocar prejuízo a terceiro, benefício ilegítimo para si, ou de preparar, facilitar, executar encobrir outro crime, elementos que o artigo 256.º, n.º 1, do Código Penal, pressupõe. Isto porque, o Arguido apenas visou que os destinatários recebessem as missivas que havia endereçado, o que até nem se alcançaria com a eventual devolução das mesmas, ou com o seu não levantamento. Ou seja, o efetivo recebimento das missivas, per se, não é idóneo a provocar qualquer prejuízo para os destinatários. De outro prisma, o efetivo recebimento das missivas, também, por si só, não traduz qualquer benefício, muito menos ilegítimo. Ademais, nem sequer se conjetura que a ação do Arguido visasse a preparação, facilitação, execução ou encobrimento de qualquer crime. Em síntese, ainda que este seja um crime de resultado cortado, em que não é exigível que se verifique o prejuízo efetivo de outra pessoa ou do Estado, nem o benefício ilegítimo do agente ou de terceiro, a intenção e desiderato do Arguido de concretização do recebimento das missivas não tem a virtualidade de assumir um prejuízo ou benefício legalmente relevante, razão pela qual falecem os irrogados crimes de falsificação p. e p. pelos artigos 255º e 256º, nº1, als. a), d) e e), do Código Penal”. Este Tribunal de recurso também não pode acompanhar este segmento da decisão recorrida. O crime de falsificação de documento é um crime de resultado cortado, em que não é exigível que se verifique o prejuízo efetivo de outra pessoa ou do Estado, nem o benefício ilegítimo do agente ou de terceiro. Independentemente do resultado prático do visado pelo arguido com a criação dos referidos documentos nos termos dados como provados, a verdade é que o arguido pretendia com tal atuação em levar as destinatárias da correspondência a ficarem convencidas de que os documentos em causa tinham origem nos A... – configurando um segundo aviso ou ‘lembrete’ para levantamento de correspondência, o que manifestamente é um benefício ilegítimo, por um lado, por não existir tal segundo aviso pela entidade prestadora dos serviços postais tendo o mesmo sido criado falsamente pelo arguido com a utilização de sinais e logotipos de uso exclusivo dos A...; por outro lado, por o arguido não poder beneficiar, com a criação de tal documento, de uma competência que apenas cabe aos A... como entidade prestadora, além do mais, de um serviço de interesse público. Através do meio usado o arguido arrogou-se ao papel de entidade prestadora de um serviço de interesse público, com regulamentação própria, para alcançar um objetivo pessoal que era o de levar as destinatárias da correspondência a ficarem convencidas de que os documentos em causa tinham origem nos A... e, por isso, procederem ao levantamento de correspondência expedida pelo arguido Tal como refere o recorrente, no caso dos autos, o arguido, acobertando-se no anonimato, valendo-se de forma da atuação do prestador do serviço postal (empresa A...) e fazendo uso de sinais de uso privativo deste, pretendeu beneficiar de um segundo aviso às destinatárias da correspondência – em jeito de insistência para o seu levantamento – o que não lhe era devido no normal e regulamentar uso do serviço postal. Tal tipo de aviso, alerta ou insistência não o poderia o arguido obter no âmbito do serviço postal que contratou com os A... ao expedir aquela correspondência. Assim, e por também terem resultado provados os factos atinentes ao elemento subjetivo do tipo legal de crime de falsificação de documento, designadamente o seu elemento intelectual e o volitivo, entendemos, pois, estarem reunidos todos os elementos típicos do crime em causa e – na ausência de qualquer causa de justificação – estarmos perante condutas que, por violadoras da norma proibitiva decorrente da incriminação, se configuram como ilícitas. Estão, face aos factos resultantes dos autos e dados como provados, verificados todos os elementos típicos objetivos e subjetivos de que depende a imputação ao arguido da prática, como autor material, do crime em questão – não se verificando qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa. Impõe-se, por isso, a sua condenação por dois crimes de falsificação de documento. Estatui o artigo 256.º, n.º 1, do Código Penal, uma moldura punitiva de pena de prisão até 3 anos ou pena de multa. Prevendo-se a alternatividade do tipo de pena, cumpre, agora, decidir, sobre a escolha da pena e, posteriormente, sobre a medida concreta da pena a aplicar a cada um dos crimes praticados pelo arguido. Nos termos do artigo 70.º do Código Penal, relativo aos critérios de escolha da pena, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Está em causa uma escolha fundada apenas em critérios de necessidade de prevenção (geral e especial). No caso dos autos, face aos factos provados, verifica-se que as necessidades de prevenção geral positiva (de defesa do ordenamento jurídico e de tutela das expectativas da comunidade na manutenção e reforço da norma violada), face às concretas condutas do arguido – reveladoras de uma forma insidiosa de atuação – são já consideráveis. Contudo, também teremos que ponderar as exigências de prevenção especial e, neste caso, desde logo, teremos que atender que o arguido não regista antecedentes criminais e beneficia de uma inserção laboral e familiar adequada, tendo formação académica e percurso que lhe permite ter os recursos internos e externos necessários a interiorizar o desvalor das suas condutas e a determinar-se a, de futuro, não enveredar pela prática de atos da mesma natureza. Assim, e ao contrário do pretendido pelo recorrente, a ponderação entre as exigências de prevenção geral e de prevenção especial, impõe a opção pela pena não privativa da liberdade dada a preferência do legislador pelas medidas não detentivas, sendo que estamos convictos que a pena de multa mostra-se suficiente na salvaguarda das finalidades das penas. A determinação concreta da pena de multa, entre os 10 e os 360 dias definidos no tipo, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo ser considerados os critérios operativos previstos no art.º 71.º do Código Penal. Muito embora as consequências da sua conduta sejam diminutas, a ilicitude do facto praticado pelo arguido é considerável, com um modo de execução com alguma elaboração recorrendo a sinais e logotipos de uma entidade prestado de serviços de interesse público. O dolo é intenso dado que o arguido que atuou com dolo direto, porquanto representou os factos e atuou com intenção de os realizar. Foi movido pelas relações de conflitualidade existentes entre os condóminos e com a administração do condomínio, e negou os factos ora em causa. Não regista antecedentes criminais e beneficia de uma inserção laboral e familiar adequadas. Finalmente, as necessidades de prevenção geral situam-se num grau médio-elevado, atenta a frequência com que tal crime é praticado, impondo-se a necessidade de defesa da segurança e credibilidade dos documentos no tráfico jurídico. Face a tudo o exposto, julga-se concretamente adequado aplicar a pena de 100 (cem) dias de multa para cada um dos crimes praticados pelo arguido. Para a determinação da pena única, em cúmulo jurídico, das penas parcelares de multa agora aplicadas temos uma moldura abstrata máxima de 200 (duzentos) dias de multa e mínima de 100 (cem) dias de multa. Na fixação da medida concreta da pena única, deverá atender-se conjugadamente, por um lado, aos critérios gerais de determinação da pena acima elencados, e, por outro, ao critério especial dos casos de concurso de penas, previstos pelo artigo 77.°, n.º 1 do Código Penal. Atenta as variáveis já ponderadas por este Tribunal e considerando a personalidade do arguido, que apesar de não registar antecedentes criminais, negou os factos, revelando alguma resistência à consciencialização dos factos praticados, entendemos como adequada, proporcional e justa a aplicação ao arguido da pena única de 140 (cento e quarenta) dias de multa Na fixação do quantitativo diário da pena de multa temos que considerar o disposto no art.º 47.º, n.º 2, do Código Penal, que estipula o mínimo de €5 e o máximo de €500 e determina que se atenda à situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais. Considerando que resultou provado que o arguido é casado, tem um filho com 6 anos de idade, beneficia de um subsídio mensal na ordem dos 500,00€ e despende 350,00€ a título de prestação de empréstimo de habitação, fixa-se em €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos) o quantitativo diário da pena de multa. III. Decisão: Face ao exposto, acordam os Juízes desta 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, consequentemente, decidem: a) julgar procedente a impugnação da decisão de facto e, em consequência, consideram provado «O arguido AA sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei»; b) julgar parcialmente procedente o recurso e, em consequência, revogam a decisão de absolvição do arguido e substituem-na por outra que condena o arguido pela prática de dois crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, nº 1, alíneas a), d) e e), do Código Penal, por referência ao artigo 255.º, alínea a), do mesmo Código, na pena de 100 (cem) dias de multa para cada um dos crimes e, em cúmulo jurídico, na pena única de 140 (cento e quarenta) dias de multa, à razão diária de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), o que perfaz o montante global de €770 (setecentos e setenta euros). Sem custas (cf. art.º 4.º n.º 1, al a), do Reg das Custas Processuais). * Após trânsito, remetam-se boletins ao registo criminal (cf. artigo 6.º, n.º 1, alínea a) da Lei n.º n.º 37/2015, de 10 de maio.* Porto, 12 de novembro de 2025(Texto elaborado pela relatora e revisto, integralmente, pelos seus signatários) Paula Natércia Rocha Pedro Afonso Lucas José Quaresma |