Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2117/23.4T8AVR-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANTÓNIO LUÍS CARVALHÃO
Descritores: NATUREZA DO PRAZO PARA JUNÇÃO DO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR PREVISTO NO ARTIGO 98º - I
DO CPT
E IMPOSSIBILIDADE DA SUA PRORROGAÇÃO/DECLARAÇÃO DE QUE SE PROTESTA JUNTAR
Nº do Documento: RP202404182117/23.4T8AVR-A.P1
Data do Acordão: 04/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO SOCIAL
Área Temática: .
Sumário: I - O prazo de 15 dias para o empregador juntar o procedimento disciplinar previsto no art.º 98º-I, nº 4, al. a) do Código de Processo do Trabalho é um prazo perentório, que não é prorrogável a pedido do empregador.
II - O “protestar” o empregador, no articulado de motivação do despedimento, a junção do procedimento disciplinar não tem qualquer relevância jurídica, pois a intenção de praticar um ato processual não equivale à sua prática, não podendo daí advir consequências jurídicas, como se o ato que não foi praticado (no prazo perentório) o tivesse sido.

(elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no art.º 663º, nº 7 do Código de Processo Civil (cfr. art.º 87º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de apelação n.º 2117/23.4T8AVR-A.P1
Origem: Comarca de Aveiro, Juízo do Trabalho de Aveiro – J1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO[1]


AA apresentou formulário para impulsionar ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento contra “A..., Unipessoal, Lda.” manifestando oposição ao seu despedimento, ocorrido em 22/05/2023 juntando cópia de carta a comunicar-lhe a decisão proferida em procedimento disciplinar que lhe foi instaurado.

Realizada «audiência de partes», foi solicitada e determinada a suspensão da instância por 30 dias, sendo depois, em 07/08/2023, proferido despacho a determinar a notificação da Ré[2] para em 15 dias apresentar articulado para motivar o despedimento, juntar o procedimento disciplinar, apresentar o rol de testemunhas e requerer quaisquer outras provas, nos termos do disposto no art.º 98º-I, nº 4, al. a) do Cód. de Processo do Trabalho[3].

Em 23/08/2023 a apresentou a Ré articulado de motivação do despedimento (AMD), juntando documentos, e referindo no final do articulado o seguinte:
JUNTA : 39 documentos e comprovativo de autoliquidação da taxa de justiça.
Protesta juntar no prazo de 15 dias o processo disciplinar.

Notificado, o Autor em 05/09/2023 apresentou contestação, com dedução de reconvenção, alegando, entre o mais, o seguinte:
1º Em 23 de agosto de 2023 veio a Ré apresentar o seu articulado motivador e, juntando com o mesmo 39 documentos.
2º Ora, de tais documentos juntos nenhum corresponde ao processo disciplinar, nem, supõem-se, a documentos nele integrantes.
3º Tratando-se de documentos aleatórios, não numerados e alguns anteriores e/ou posteriores ao próprio processo disciplinar e à nota de culpa remetida ao trabalhador.
4º Por conseguinte, vão os mesmos expressamente impugnados na integra, assim como o seu conteúdo, e, tudo que com os mesmos se pretende provar ou sustentar.
5º O articulado motivador terá que ter na base o processo disciplinar e os elementos que fizeram sedimentar a dedução da acusação contra o trabalhador e, posterior decisão, não podendo a Ré vir alegar factos novos, ou com base em elementos que ali não foram tidos, ou considerados.
6º Pelo que, terão os documentos assim juntos não devem ser admitidos, nem considerados, e, por isso, requer-se, desde já, que sejam desentranhados.
7º Sendo que, em todo o caso, e, caso se entenda mante-los no processo, são os mesmos como se disse expressamente impugnados.
8º Acresce que, como se já alegou, não foi o processo disciplinar junto com o articulado motivador!
9º Atualmente a disciplina processual laboral é clara em impor que com o articulado motivador terá que ser junto o processo disciplinar sendo que, a sua não junção tem uma consequência direta e expressa na lei – a declaração da ilicitude do despedimento, conforme consta do n.º3 do artigo 98º- J do CPT.
10º Ou seja, a junção do procedimento disciplinar, dentro do prazo de 15 dias contados da notificação da entidade empregadora, é obrigatória, sendo a sua falta sancionada com a declaração da ilicitude do despedimento, assumindo assim, o prazo ali referido uma natureza perentória.
11º Ora, a Ré não juntou e, no final do seu articulado apenas diz que protesta juntar no prazo de 15 dias.
12º O procedimento disciplinar é a peça fundamental que já se tem que encontrar pronta quando é proferida a decisão final de despedimento e remetida ao trabalhador, pelo que, nenhuma razão há para ser admitida a sua junção para além do prazo de 15 dias dado para o articulado e junção do procedimento disciplinar (que são vistos, na ação especial, como um dependente e pressuposto do outro).
13º Só a junção do mesmo, junto com o articulado motivador, permite que o trabalhador se possa defender no articulado de contestação, e que terá que ter como base aquilo que ali fora dito, escrito e considerado, e nada mais.
14º Dai que, o legislador neste modelo de ação, atribuiu ao prazo de 15 dias, seja para a junção do procedimento disciplinar, seja para motivar o despedimento, a natureza urgente e perentória.
15º Só essa natureza dá ao trabalhador a garantia de defesa e, garante si a celeridade que está subjacente a esta ação especial.
16º Assim e, na falta de junção daquele procedimento disciplinar terá de imediato o Tribunal de declarar a ilicitude do despedimento do Autor, com todas as suas consequências legais, o que expressamente se requer.

Em 07/09/2023 a Ré apresentou requerimento, referindo vem juntar aos presentes autos o processo disciplinar que tinha protestado juntar.

Em 19/09/2023 o Autor apresentou articulado, dizendo exercer o contraditório sobre o requerimento apresentado pela Ré em 07/09/2023, alegando, no que agora importa, e em resumo, que a Ré procedeu à junção do procedimento disciplinar de forma extemporânea, acrescentando que aquilo que foi junto não se encontra organizado e numerado, tornando inviável a sua compreensão e uma defesa integral, não sendo o procedimento disciplinar junto mais que um conjunto de folhas soltas, que leva à sua nulidade, concluindo dever desde já ser declarada a ilicitude do despedimento levado a cabo pela Ré.

Em 25/09/2023 a Ré apresentou articulado de resposta à contestação, alegando, no que ora importa e em síntese, que apresentou o procedimento disciplinar completo, sendo que no AMD protestara fazer essa junção; caso assim não entenda, sempre se verificaria a nulidade da notificação efetuada porquanto não contém a advertência das cominações estabelecidas na Lei, concluindo dever declarar-se a licitude do despedimento.

Depois de apresentados requerimentos por Autor (em que refere que a considerar-se existir alguma nulidade, encontra-se sanada, e por isso não pode a Ré invoca-la) e pela Ré, em 19/10/2023 foi proferido despacho saneador, conhecendo da questão suscitada de não junção tempestiva do procedimento disciplinar, concluindo da seguinte forma:
Nos termos e pelas razões expostas, não tendo sido junto aos autos o procedimento disciplinar, dentro do prazo legalmente previsto, ao abrigo do disposto no art.º 98º-J n.º 3, als. a) e b) do Cód. de Processo do Trabalho:
I. Declaro ilícito o despedimento do Autor.
II. Condeno a Ré:
a) A reintegrar o Autor no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade – caso não venha a optar, no prazo de 10 dias a contar da notificação da presente sentença, pela indemnização fixada no art.º 391º do Cód. do Trabalho, em substituição dessa reintegração;
b) A pagar ao Autor as retribuições que deixou de auferir, desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado desta decisão – deduzidas, porém, das importâncias que no mesmo período de tempo tenha auferido ou venha a auferir a título de subsídio de desemprego, em resultado do despedimento, cujo valor a R. deverá entregar à Segurança Social.
Nessa decisão foi escrito, essencialmente, o seguinte (que se reproduz dado tratar-se da decisão recorrida):

Como tem sido afirmado na jurisprudência[4], o prazo de 15 dias legalmente estabelecido para o empregador juntar ao processo o articulado motivador do despedimento e o procedimento disciplinar, é perentório e improrrogável, pelo que caso não sejam apresentados no referido prazo, será proferida, por efeito cominatório pleno, decisão nos termos prescritos no n.º 3 deste artigo 98.º-J.

Na verdade, atendendo a que é suposto o procedimento disciplinar já existir fisicamente, na sua totalidade, quando é proferida a decisão final de despedimento, não se vê razão válida para que não venha a ser apresentado no referido prazo, permitindo que o trabalhador, na contestação, esteja na posse de todos os elementos necessários para poder tomar posição.

No caso em apreço, o prazo de 15 dias para a Ré juntar o procedimento disciplinar terminou no dia 25/08/2023, só o tendo a Ré apresentado em 07/09/2023, pelo que o fez extemporaneamente, não tendo a declaração que apôs no final do articulado motivador, de que o protestava juntar em 15 dias, a virtualidade de lhe conceder uma prorrogação do prazo que a lei não prevê, face ao disposto no art.º 141º do Cód. de Processo Civil.

Pelo que deverá ser declarada a ilicitude do despedimento, nos termos do art.º 98º-J, n.º 3 do Cód. de Processo do Trabalho, sendo a Ré condenada em conformidade com o disposto no citado normativo.

Argumenta a Ré que na notificação que lhe foi feita nos termos do art.º 98º- I, n.º 4, al. a) do Cód. de Processo do Trabalho, não constava a advertência das consequências previstas no art.º 98º-J nº 3 do mesmo código, para o caso de não junção do procedimento disciplinar.

De facto, não constava, nem tinha que constar – em nosso entender e ressalvando o devido respeito por diferente entendimento –, quer porque o citado art.º 98º-I, n.º 4, al. a) do Cód. de Processo do Trabalho não impõe que essa advertência acompanhe a notificação, quer porque não se tratou aqui de chamar pela primeira vez ao processo a própria Ré, mediante citação, mas sim de notificar o seu Ex.mº mandatário para ulteriores termos processuais legalmente previstos, tendo este certamente conhecimento das consequências estatuídas no 98º-J, nº 3 para a não apresentação tempestiva do procedimento disciplinar, ou pelo menos obrigação de as conhecer[5].

O art.º 227º do Cód. de Processo Civil, ao dispor, sob a epígrafe “Elementos a transmitir obrigatoriamente ao citando”, no seu n.º 2, que «No ato de citação, indicar-se-á ainda ao destinatário o prazo dentro do qual pode oferecer a defesa, a necessidade de patrocínio judiciário e as cominações em que incorre no caso de revelia», está claramente pensado para as situações em que o próprio réu é chamado ao processo pela primeira vez, e não para aquelas em que foi já citado e está devidamente representado por mandatário judicial que constituiu.

Mas mesmo a entender-se que o mencionado normativo é subsidiariamente aplicável ao caso concreto, estaria em causa a nulidade prevista no art.º 191º, nº 1 do Cód. de Processo Civil, que teria que ser arguida pela Ré dentro do prazo de apresentação do articulado motivador do despedimento, em conformidade com o disposto na primeira parte do n.º 2 do mesmo artigo.
A notificação em causa considera-se efetuada em 10/08/2023 e a Ré não invocou a respetiva nulidade no articulado motivador do despedimento, que apresentou em 23/08/2023, nem quando posteriormente juntou aos autos o procedimento disciplinar, em 07/09/2023, só o vindo a fazer em 25/09/2023, em sede de resposta à contestação/reconvenção, pelo que é extemporânea a arguição, que se indefere, considerando-se sanada a pretensa nulidade.

Não se conformando com a decisão proferida (de considerar o despedimento do Autor ilícito), dela veio a Ré interpor recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES, que se transcrevem[6]:

1. O despacho saneador que é objeto de recurso considerou que o despedimento é ilícito pois considerou que o procedimento disciplinar não foi junto nos termos prescritos no n.º 3 do artigo 98º-J do Código de Processo do Trabalho. A aqui Recorrente não concorda de todo com este entendimento.

2. A aqui Recorrente apresentou no dia 23 de agosto de 2023 o seu articulado de motivação de despedimento e nesse mesmo articulado protestou juntar o procedimento disciplinar no prazo de 15 dias. E no dia 07 de setembro de 2023 a aqui Ré juntou aos autos, conforme tinha protestado juntar o respetivo procedimento disciplinar.

3. E este ato não pode ser considerado que não existiu a junção do procedimento disciplinar. Na verdade, temos de considerar o prazo para apresentação do articulado de motivação de despedimento um prazo perentório (artigo 139º do CPC), sendo certo que a aqui Recorrente dentro desse mesmo prazo protestou juntar o procedimento disciplinar.

4. Ora o Tribunal recorrido após a apresentação do articulado de motivação do despedimento não decidiu, desde logo, pela ilicitude do despedimento atenta a não concordância com o protesto de junção em 15 dias. E após a referida junção também não ordenou o desentranhamento do procedimento disciplinar por intempestividade da respetiva junção, facto esse que configura a existência de caso julgado formal a esse respeito, dado que tacitamente o Tribunal a quo acaba por aceitar a referida junção.

5. Sendo igualmente certo que o Autor, após a junção do procedimento disciplinar se pronunciou sobre o mesmo (articulado de 19 de setembro de 2023).

6. Entende a Recorrente que deve ser aplicada ao caso e por analogia a jurisprudência que tem vindo a ser proferida quanto à preterição por parte das autoridades administrativas de assegurar o direito de audiência e de defesa aos arguidos, tendo transcrito nas alegações de recurso excerto do acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 28/06/2023 proferido no Processo 1104/22.4T9ABT.E1.

7. Ou seja, aplicando este entendimento ao caso dos autos, é notório que nenhum direito de defesa do Autor foi precludido pela junção do procedimento disciplinar apenas em 07 de setembro de 2023, pois o Autor, no seu requerimento de 19 de setembro de 2023, pronunciou-se exaustivamente sobre todos os documentos que componham o procedimento disciplinar.

8. Assim sendo, e considerando que a Ré no seu articulado de motivação de despedimento protestou desde logo juntar o procedimento disciplinar, o que fez efetivamente nos autos. A que acresce que a referida junção não foi objeto de qualquer despacho de desentranhamento por parte do Tribunal a quo e que o Autor se pronunciou relativamente a todos os documentos que componham o procedimento disciplinar, é manifestamente ilegal o despacho que considerou o procedimento disciplinar como ilícito pela não junção do procedimento disciplinar cujo desentranhamento não foi aliás objeto de qualquer despacho judicial, sendo assim vinculativo no processo.

9. Violou a sentença recorrida o vertido nos artigos 620º e 621º do CPC e no artigo 98º J do Código de Processo do Trabalho.

10. Por outro lado, e sem prescindir, entende a aqui Ré que na notificação efetuada nos termos do artigo 98º-I nº 4 alínea a) do Código de Processo de Trabalho, não consta que esta tenha sido advertida das consequências previstas no artigo 98º-J nº 3 do CPT, em caso da não apresentação do articulado motivador, ou da não junção do procedimento disciplinar ou dos documentos comprovativos das formalidades exigidas.

11. O Tribunal recorrido assume a inexistência de tal advertência.

12. No entanto, a sentença recorrida entende que mesmo a existir nulidade a mesma cairia sobre o regime previsto no artigo 191º, nº 1 do CPC.

13. Entende a aqui Recorrente que a nulidade em causa cabe, isso sim, no artigo 195º, n.º 1 do CPC, dado que, existiu a omissão de um ato que a lei impõe.

14. E assim sendo, a sua invocação no articulado de resposta é processualmente admissível, devendo ser anulados todos os atos subsequentes à referida invocação.

15. A Recorrente na sua motivação cita acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16/09/2013 no Processo 450/12.0TTGDM.P1, acórdão este que claro ao referir que existe a nulidade, mas que tendo a Ré apresentado entretanto o procedimento disciplinar a nulidade estaria sanada.

16. É precisamente o caso dos autos: a Ré não foi notificada com as cominações previstas no artigo 98º-J, nº 3 do Código de Processo do Trabalho; mas apresentou entretanto o procedimento disciplinar, tendo o Tribunal a quo aceitado a respetiva junção aos autos (pois não proferiu despacho de desentranhamento) e o Autor respondeu de forma minuciosa a todos os documentos que compõem o procedimento disciplinar.

17. Violou assim a sentença recorrida, o vertido nos artigos 98º- J, nº 3, 98º-I, nº 4, alínea a) do Código de Processo de Trabalho e no artigo 195º do CPC.
Termina dizendo dever ser revogada a sentença recorrida.

O Autor apresentou resposta, sem apresentar formalmente conclusões, defendendo a manutenção da decisão recorrida na íntegra.

Foi proferido despacho a mandar subir o recurso de apelação, imediatamente, em separado [este apenso], e com efeito meramente devolutivo.

Foi fixado o valor da ação (na parte objeto de decisão) em € 38.859,86.

O Digno Procurador-Geral-Adjunto, neste Tribunal da Relação, emitiu parecer (art.º 87º, nº 3 do Código de Processo do Trabalho), pronunciando-se no sentido de ser negado provimento ao recurso, dizendo essencialmente que [s]endo o disposto no n.º 3 deste artigo 98.º-J do CPT um prazo perentório e improrrogável, não pode o recorrente beneficiar de um inominado e atípico protesto de ulterior junção de tal documento.

Procedeu-se a exame preliminar, foram colhidos os vistos, após o que o processo foi submetido à conferência.

Cumpre apreciar e decidir.


*

FUNDAMENTAÇÃO

Conforme vem sendo entendimento uniforme, e como se extrai do nº 3 do art.º 635º do Código de Processo Civil (cfr. também os art.ºs 637º, nº 2, 1ª parte, 639º, nºs 1 a 3, e 635º, nº 4 do Código de Processo Civil – todos aplicáveis por força do art.º 87º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho), o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação apresentada[7], sem prejuízo, naturalmente, das questões de conhecimento oficioso.

Assim, aquilo que importa apreciar e decidir neste caso é saber se não devia ter sido considerado que a Ré não juntou o procedimento disciplinar tempestivamente, e em consequência não ser declarada, com esse fundamento, a ilicitude do despedimento de que o Autor foi alvo.


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Para apreciação dessa questão importa ter presente o desenvolvimento processual relevante, que se expôs supra como Relatório, sendo essa a factualidade a considerar.

O nº 3 do art.º 98º-J do Código de Processo do Trabalho dispõe que se o empregador não juntar o procedimento disciplinar com o AMD o juiz declara (desde logo) a ilicitude do despedimento.

É que, se na «audiência de partes» se frustrar a conciliação das mesmas, o empregador é notificado para, no prazo de 15 dias, apresentar articulado para motivar o despedimento e juntar o procedimento disciplinar [art.º 98º-I, nº 4, al. a) do Código de Processo do Trabalho].

Está em causa, como tem a jurisprudência e a doutrina vindo a entender[8], um prazo perentório, que não é prorrogável a pedido do empregador.

Há que não confundir os prazos perentórios com os prazos cominatórios: estes encerram em si mesmo uma ameaça de sanção, que funciona como estímulo para que a parte pratique o ato no devido tempo, sob cominação de, não o fazendo, sofrer uma penalização, que se pode traduzir, nomeadamente no pagamento de uma multa ou no desentranhamento de uma peça processual. É o caso do prazo para junção de documentos, que devem ser juntos com os articulados, mas, se o não forem, poderão ser juntos posteriormente com pagamento de multa (cfr. art.º 63º do Código de Processo do Trabalho e art.º 423º do Código de Processo Civil).

No caso dos prazos perentórios, decorrido o mesmo extingue-se o direito de praticar o ato[9].

In casu não estamos perante a junção de um documento (em geral), estamos sim perante prazo previsto para junção do procedimento disciplinar, que é perentório (o que a Recorrente não põe em causa).

E porque o nº 3 do art.º 98º-J do Código de Processo do Trabalho regula expressa e especificamente as consequências da falta de apresentação do procedimento não há lugar a convite para junção do mesmo nos termos do art.º 590º, n º 2 do Código de Processo Civil[10].

Decorre do já exposto que o “protestar” a Ré, no AMD, a junção do procedimento disciplinar não tem qualquer relevância jurídica, pois, como se refere no acórdão do TRL de 21/05/2020 (Secção Cível)[11], a intenção de praticar um ato processual [como seja a junção do procedimento disciplinar] não equivale à sua prática, não podendo daí advir consequências jurídicas, como se o ato que não foi praticado (no prazo perentório) o tivesse sido.

Na verdade, se há um prazo perentório e não prorrogável para junção do procedimento disciplinar, não pode a parte obter a prorrogação do prazo “protestando” vir a fazer a junção depois de findo o prazo [para mais sem invocar qualquer justo impedimento para tal].

Em conformidade, escreveu-se acórdão desta Secção Social do TRP de 07/07/2016[12], o seguinte, que é muito esclarecedor e se acompanha:

Procurando agora determinar a natureza do prazo de 15 dias cominado no art.º 98º-I/4/a do CPT, importa referir que a doutrina e a jurisprudência que se creem pacíficas discorrem no sentido da perentoriedade de tal prazo, a significar que o simples decurso do mesmo extingue a possibilidade do empregador satisfazer as exigências decorrentes do estatuído nessa norma, com a consequente sujeição da empregadora às cominações do art.º 98º-J/3 do CPT, sem qualquer possibilidade legal de prorrogação judicial desse prazo[13].

Volvendo ao caso em apreço, a recorrente foi notificada no dia 29/10/2015, na pessoal da sua Exma. Mandatária, para juntar o procedimento disciplinar, no aludido prazo de quinze dias, que se esgotava, assim, no dia 13/11/2015, sem qualquer espécie de sanção, ou no terceiro dia útil subsequente (18/11/2015) mediante o pagamento da multa a que alude o art.º 139º/5/c do NCPC.

Tendo apresentado o articulado motivador do despedimento no dia 13/11/2015 sem apresentação do procedimento disciplinar, logo a recorrente protestou juntar o procedimento disciplinar num prazo de 10 dias, assim fixando para si, unilateralmente e sem qualquer anuência do tribunal recorrido a essa sua decisão, um prazo com um termo final (23/11/2015) posterior ao termo final do prazo legal a que estava imperativa e perentoriamente vinculada.

Por outro lado, a recorrente não juntou o procedimento disciplinar até ao dia 18/11/2015, último em que por força de lei imperativa podia cumprir tal exigência.

No dia 23/11/2015, já depois de esgotado imperativa e perentoriamente o prazo de que dispunha, a recorrente veio requerer mais 5 dias para juntar o procedimento disciplinar, requerimento esse que não logrou – nem podia lograr, como supra referido – qualquer acolhimento da parte do tribunal recorrido.

Finalmente, o procedimento disciplinar apenas veio a ser junto eletronicamente no dia 30/11/2015, data em que a recorrente o apresentou por essa via através da plataforma Citius, tendo remetido o suporte físico por via postal nesse mesmo dia, o qual viria a ser junto aos autos no dia 02/12/2015.

Tudo a significar que a recorrente deixou ultrapassar, por simples decisão sua a que o tribunal recorrido jamais deu qualquer espécie de acolhimento, expresso ou tácito, o prazo imperativo e perentório de que dispunha para juntar o procedimento disciplinar, sujeitando-se, por isso, às cominações decorrentes do art.º 98º-J/3 do CPT, tal como decidido pelo tribunal recorrido, sem razões para censura.

Improcede, assim, o recurso de apelação na parte em que o mesmo tinha por objeto…

Importa deixar claro que a consequência para a junção fora de prazo é taxativa – o juiz declara (desde logo) a ilicitude do despedimento –, não implicando que se ordene o seu desentranhamento (embora seja uma decorrência natural), pelo que não se pode argumentar que ao não ter sido ordenado o desentranhamento foi considerada (tacitamente) a junção tempestiva, porque simplesmente o não foi.

Sendo este o regime que resulta do Código de Processo do Trabalho, e Código de Processo Civil por via do disposto no art.º 1º, nº 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho, não encontramos nenhuma lacuna a suprir, pelo que não se vê qualquer fundamento para nos socorrermos, como faz a Recorrente apelando à analogia, do raciocínio seguido em processo de contraordenação no acórdão do TRE de 28/06/2023 (Secção Criminal)[14] a propósito da audiência escrita do arguido prevista no art.º 50º do RGCOC [o que nada tem a ver com a junção do procedimento disciplinar num prazo perentório].

Argumenta a Recorrente que da notificação que lhe foi efetuada não consta a advertência das consequências previstas no art.º 98º-J, nº 3 do Código de Processo do Trabalho para a não apresentação do AMD e procedimento disciplinar, verificando-se nulidade conforme prevê o art.º 195º do Código de Processo Civil, porque foi omitido ato que a lei impõe, citando o acórdão desta Secção Social do TRP de 16/09/2013[15].

Ora, lendo tal aresto, não se alcança que nele tenha sido considerado que a nulidade ai exposta ficou sanada com a apresentação do procedimento disciplinar, ficando sanada sim porque não foi arguida pela empregadora no AMD, como está patente no texto que se segue à transcrição feita pela Recorrente, e que agora se transcreve (sublinhando-se):

(…)

Mas não basta ter-se verificado a nulidade, é necessário ainda que a mesma seja arguida.

Conforme resulta do nº 2 do artigo 198º do CPC a nulidade da citação/notificação deve ser arguida no prazo que tiver sido indicado para a contestação. Ora, o prazo indicado para a “contestação”, no caso articulado motivador, decorreu sem que a Ré tivesse arguido qualquer nulidade.

Assim sendo, ter-se-á por sanada a aludida nulidade. Sanação essa reforçada ainda pelo facto de a Ré na resposta ao requerimento do Autor que veio invocar a apresentação intempestiva do procedimento disciplinar nada referiu quanto à mesma.

Será tal nulidade de conhecimento oficioso?

O Tribunal a quo perfilhou esse entendimento, pois conheceu da mesma, apesar de não ter sido arguida pela interessada.

O artigo 202º do CPC, sob a epígrafe “Nulidades de que o tribunal conhece oficiosamente”, dispõe:

“Das nulidades mencionadas nos artigos 193.º e 194.º, na segunda parte do n.º 2 do artigo 198.º e nos artigos 199.º e 200.º pode o tribunal conhecer oficiosamente, a não ser que devam considerar-se sanadas. Das restantes só pode conhecer sobre reclamação dos interessados, salvos os casos especiais em que a lei permite o conhecimento oficioso”.

Também o artigo 206º do mesmo diploma legal, estatui que:

“1- O juiz conhece das nulidades previstas nos artigos 194º, na segunda parte do n.º 2 do artigo 198º e no artigo 200º logo que delas se aperceba, podendo suscitá-las em qualquer estado do processo, enquanto não devam considerar-se sanadas.

2- As nulidades a que se referem os artigos 193º e 199º são apreciadas no despacho saneador, se antes o juiz as não houver apreciado. Se não houver despacho saneador, pode conhecer delas até à sentença final.

3- As outras nulidades devem ser apreciadas logo que sejam reclamadas”.

Ora, não sendo a nulidade em causa uma das previstas na segunda parte do nº 2 do artigo 198º do CPC, o juiz não podia dela conhecer oficiosamente.

O estando nós perante uma situação de revelia absoluta da Ré, o Tribunal também não poderá lançar mão do disposto no artigo 483º do CPC, cujo refere que “se o réu, além de não deduzir qualquer oposição, não constituir mandatário nem intervier de qualquer forma no processo, verificará o tribunal se a citação foi feita com as formalidades legais e mandá-la-á repetir quando encontre irregularidade”.

Conheceu, assim, o Tribunal duma questão que não podia conhecer oficiosamente, pelo que ter-se-á de revogar a decisão em causa, considerando, ao contrário do decidido, intempestiva a apresentação do procedimento disciplinar.

Isso mesmo foi reafirmado no acórdão desta Secção Social do TRP de 07/07/2016, acima referido, que, citando aquele aresto, depois escreve:

… por não se tratar de nulidade cominada nos artos 186º a 194º do NCPC, à face do estatuído no art.º 195º/1 do NCPC e tal como sustentado nas decisões acabadas de invocar, a omissão daquela advertência é fonte de nulidade secundária que deve ser arguida pelo interessado na respetiva declaração (art.º 196º do NCPC), no caso a empregadora, ora recorrente.

Não se vislumbra que a empregadora tenha arguido a mencionada nulidade, imediatamente no momento em que a notificação irregular foi efetuada, ou seja, no termo da audiência de partes em que a recorrente se encontrava representada pela sua Exma. Mandatária (art.º 199º/1/1ª parte do NCPC), pelo que a mesma deve ter-se por definitivamente sanada.

Note-se que não se tratando de citação, a notificação é feita na pessoa do seu mandatário [art.º 23º do Código de Processo do Trabalho e art.º 247º do Código de Processo Civil], conhecedor do regime legal constante do despacho proferido.

No caso sub judice, visto o AMD não se alcança a arguição de nulidade pela Ré, só o fazendo na “resposta à contestação” apresentada em 25/09/2023, depois de o Autor, como se colhe do Relatório supra, ter suscitado na “contestação com reconvenção” a questão de não ter sido junto o procedimento disciplinar ao processo [que efetivamente quando apresentado esse articulado não se encontrava junto ao processo].

Assim, aderindo à jurisprudência acabada de citar, sem necessidade de considerações mais desenvolvidas, improcede toda a argumentação da Recorrente, ou seja, improcede o recurso.


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Quanto a custas, havendo improcedência do recurso, as custas do mesmo ficam a cargo da Recorrente (art.º 527º do Código de Processo Civil).


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DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desembargadores da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente.

Valor do recurso: o fixado em 1ª instância para a parte do processo já objeto de decisão.

Notifique e registe.


(texto processado e revisto pelo relator, assinado eletronicamente)

Porto, 18 de abril de 2024

António Luís Carvalhão [Relator]
Eugénia Pedro [1ª Adjunta]
Germana Ferreira Lopes [2ª Adjunta]

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[1] Elaborado com base na consulta deste apenso, e também do processo principal (no citius).
[2] Designamos o trabalhador por Autor, na medida em que impulsiona o processo apresentando formulário com vista a ver declarada a ilicitude ou irregularidade do seu despedimento, e designamos a sociedade empregadora por Ré, na medida em que, ainda que apresentando o primeiro articulado, contesta esse impulso tendente à declaração da ilicitude ou irregularidade do despedimento que promoveu.
[3] Notificação que ocorreu em 07/08/2023, com envio ao ilustre mandatário da Ré de cópia do despacho proferido.
[4] Nota de rodapé da sentença (1) com o seguinte teor:
Nesse sentido, podem ver-se, entre outros, os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 26/06/2023 e de 03/06/2019 (proferidos, respetivamente, nos processos nos 8526/22.9T8VNG.P1 e 1558/18.3T8VLG-A.P1), do Tribunal da Relação de Coimbra de 25/09/2020 (proferido no processo n.º 6841/19.8T8CBR.C1.), do Tribunal da Relação de Lisboa de 11/04/2018 (proferido no processo n.º 2271/16.1T8FNC.L1-4), do Tribunal da Relação de Guimarães de 02/06/2016 (proferido no processo n.º 2080/15.5T8BRG-B.G1) e do Tribunal da Relação de Évora de 12/01/2023, 15/12/2022 e de 12/09/2018 (proferidos, respetivamente, nos processos nos 172/22.3T8TMR.E1, 154/22.5T8TMR.E1 e 2195/17.5T8STR-A.E1), todos disponíveis em http.www.dgsi.pt.
[5] Nota de rodapé da sentença (2) com o seguinte teor:
Confrontar, a este respeito, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20/06/2018, proferido no processo nº 2041/17.0T8BRR-A.L1 e disponível em http.www.dgsi.pt.jtrl.
[6] As transcrições efetuadas respeitam o respetivo original, salvo correção de gralhas evidentes e realces/sublinhados que no geral não se mantêm (porque interessa o texto em si), consignando-se que quanto à ortografia utilizada se adota o Novo Acordo Ortográfico.
[7] Vd. António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5ª edição, pág. 156 e págs. 545/546 (estas no apêndice I: “recursos no processo do trabalho”).
[8] Veja-se a jurisprudência citada na decisão recorrida, acima transcrita, Hélder Quintas, “Comentários ao Código de Processo do Trabalho – de acordo com as alterações introduzidas pela Lei nº 13/2023, de 03 de abril”, Almedina, 2023, pág. 687 (que cita jurisprudência), e Joana Vasconcelos, “Comentário aos artigos 98º-B a 98º-P do CPR – Processo Especial para Impugnação da Regularidade e Licitude do Despedimento”, Universidade Católica Editora, 2ª edição revista e atualizada, 2020, pág. 101 (nota 17).
[9] Sobre a referida distinção vd. Marco Carvalho Gonçalves, “Prazos Processuais”, Almedina, 3ª edição – 2022, págs. 34-42 (que nos diz o prazo perentório é também designado por “prazo aceleratório”, “prazo resolutivo”, “prazo extintivo”, “prazo preclusivo”, “prazo fatal”, “prazo próprio”, “prazo real” ou “prazo irredutível”).
[10] Vd. Joana Vasconcelos, “Comentário aos artigos 98º-B a 98º-P do CPR – Processo Especial para Impugnação da Regularidade e Licitude do Despedimento”, Universidade Católica Editora, 2ª edição revista e atualizada, 2020, pág. 101 (nota 18, citando jurisprudência).
[11] Consultável em www.dgs.pt, processo nº 217/18.1T8MTA.L1-2.
[12] Consultável em www.dgsi.pt, processo nº 4885/15.8T8MTS-A.P1.
[13] Nota de rodapé do acórdão (1) com o seguinte teor:
Abílio Neto, Código de Processo do Trabalho Anotado, 2011, p. 287, Susana Silveira, A nova ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento», Julgar, N.º 15, 2011, p. 93, nota 34, Eusébio Almeida, A reforma do Código de Processo de Trabalho e, em especial, a ação de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, 2010, nota 36, Albino Mendes Baptista, A nova ação de impugnação do despedimento e a revisão do Código do Trabalho, 2010, p. 91, Viriato Reis e Diogo Ravara, A ação especial de impugnação da regularidade e da licitude do despedimento: questões práticas no contexto do novo código de processo civil, e-book do CEJ referente à ação do tipo da que ora está em apreço, pp. 31 e 32, consultável em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/trabalho/Acao_%20Impugnacao_Regularidade_Licitude_Despedimento.pdf?id=9&username=guest, acórdão do STJ de 10/7/2013, proferido no processo 885/10.2TTBCL.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt, acórdãos deste Tribunal da Relação de 12/11/2012, proferido no processo 1758/11.7TTPRT.P1, e de 17/12/2014, proferido no processo 78/14.0TTPRT.P1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt, acórdãos deste Tribunal da Relação de 28/11/2011, de 12/3/2013, e de 16/9/2013, proferidos nos processo 989/10.1TTMTS-A.P1, 885/10.2TTBCL.P1 e 450712.0TTGDM.P1, dos quais se desconhece publicação.
[14] Consultável em www.dgs.pt, processo nº 1104/22.4T9ABT.E1.
[15] Consultável em www.dgs.pt, processo nº 450/12.0TTGDM.P1.