Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ANTÓNIO LUÍS CARVALHÃO | ||
Descritores: | NATUREZA DO PRAZO PARA JUNÇÃO DO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR PREVISTO NO ARTIGO 98º - I DO CPT E IMPOSSIBILIDADE DA SUA PRORROGAÇÃO/DECLARAÇÃO DE QUE SE PROTESTA JUNTAR | ||
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Nº do Documento: | RP202404182117/23.4T8AVR-A.P1 | ||
Data do Acordão: | 04/18/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 4. ª SECÇÃO SOCIAL | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - O prazo de 15 dias para o empregador juntar o procedimento disciplinar previsto no art.º 98º-I, nº 4, al. a) do Código de Processo do Trabalho é um prazo perentório, que não é prorrogável a pedido do empregador. II - O “protestar” o empregador, no articulado de motivação do despedimento, a junção do procedimento disciplinar não tem qualquer relevância jurídica, pois a intenção de praticar um ato processual não equivale à sua prática, não podendo daí advir consequências jurídicas, como se o ato que não foi praticado (no prazo perentório) o tivesse sido. (elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no art.º 663º, nº 7 do Código de Processo Civil (cfr. art.º 87º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho) | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Recurso de apelação n.º 2117/23.4T8AVR-A.P1 Origem: Comarca de Aveiro, Juízo do Trabalho de Aveiro – J1
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO[1]
Como tem sido afirmado na jurisprudência[4], o prazo de 15 dias legalmente estabelecido para o empregador juntar ao processo o articulado motivador do despedimento e o procedimento disciplinar, é perentório e improrrogável, pelo que caso não sejam apresentados no referido prazo, será proferida, por efeito cominatório pleno, decisão nos termos prescritos no n.º 3 deste artigo 98.º-J. Na verdade, atendendo a que é suposto o procedimento disciplinar já existir fisicamente, na sua totalidade, quando é proferida a decisão final de despedimento, não se vê razão válida para que não venha a ser apresentado no referido prazo, permitindo que o trabalhador, na contestação, esteja na posse de todos os elementos necessários para poder tomar posição. No caso em apreço, o prazo de 15 dias para a Ré juntar o procedimento disciplinar terminou no dia 25/08/2023, só o tendo a Ré apresentado em 07/09/2023, pelo que o fez extemporaneamente, não tendo a declaração que apôs no final do articulado motivador, de que o protestava juntar em 15 dias, a virtualidade de lhe conceder uma prorrogação do prazo que a lei não prevê, face ao disposto no art.º 141º do Cód. de Processo Civil. Pelo que deverá ser declarada a ilicitude do despedimento, nos termos do art.º 98º-J, n.º 3 do Cód. de Processo do Trabalho, sendo a Ré condenada em conformidade com o disposto no citado normativo. Argumenta a Ré que na notificação que lhe foi feita nos termos do art.º 98º- I, n.º 4, al. a) do Cód. de Processo do Trabalho, não constava a advertência das consequências previstas no art.º 98º-J nº 3 do mesmo código, para o caso de não junção do procedimento disciplinar. De facto, não constava, nem tinha que constar – em nosso entender e ressalvando o devido respeito por diferente entendimento –, quer porque o citado art.º 98º-I, n.º 4, al. a) do Cód. de Processo do Trabalho não impõe que essa advertência acompanhe a notificação, quer porque não se tratou aqui de chamar pela primeira vez ao processo a própria Ré, mediante citação, mas sim de notificar o seu Ex.mº mandatário para ulteriores termos processuais legalmente previstos, tendo este certamente conhecimento das consequências estatuídas no 98º-J, nº 3 para a não apresentação tempestiva do procedimento disciplinar, ou pelo menos obrigação de as conhecer[5]. O art.º 227º do Cód. de Processo Civil, ao dispor, sob a epígrafe “Elementos a transmitir obrigatoriamente ao citando”, no seu n.º 2, que «No ato de citação, indicar-se-á ainda ao destinatário o prazo dentro do qual pode oferecer a defesa, a necessidade de patrocínio judiciário e as cominações em que incorre no caso de revelia», está claramente pensado para as situações em que o próprio réu é chamado ao processo pela primeira vez, e não para aquelas em que foi já citado e está devidamente representado por mandatário judicial que constituiu. Mas mesmo a entender-se que o mencionado normativo é subsidiariamente aplicável ao caso concreto, estaria em causa a nulidade prevista no art.º 191º, nº 1 do Cód. de Processo Civil, que teria que ser arguida pela Ré dentro do prazo de apresentação do articulado motivador do despedimento, em conformidade com o disposto na primeira parte do n.º 2 do mesmo artigo. Não se conformando com a decisão proferida (de considerar o despedimento do Autor ilícito), dela veio a Ré interpor recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES, que se transcrevem[6]: 1. O despacho saneador que é objeto de recurso considerou que o despedimento é ilícito pois considerou que o procedimento disciplinar não foi junto nos termos prescritos no n.º 3 do artigo 98º-J do Código de Processo do Trabalho. A aqui Recorrente não concorda de todo com este entendimento. 2. A aqui Recorrente apresentou no dia 23 de agosto de 2023 o seu articulado de motivação de despedimento e nesse mesmo articulado protestou juntar o procedimento disciplinar no prazo de 15 dias. E no dia 07 de setembro de 2023 a aqui Ré juntou aos autos, conforme tinha protestado juntar o respetivo procedimento disciplinar. 3. E este ato não pode ser considerado que não existiu a junção do procedimento disciplinar. Na verdade, temos de considerar o prazo para apresentação do articulado de motivação de despedimento um prazo perentório (artigo 139º do CPC), sendo certo que a aqui Recorrente dentro desse mesmo prazo protestou juntar o procedimento disciplinar. 4. Ora o Tribunal recorrido após a apresentação do articulado de motivação do despedimento não decidiu, desde logo, pela ilicitude do despedimento atenta a não concordância com o protesto de junção em 15 dias. E após a referida junção também não ordenou o desentranhamento do procedimento disciplinar por intempestividade da respetiva junção, facto esse que configura a existência de caso julgado formal a esse respeito, dado que tacitamente o Tribunal a quo acaba por aceitar a referida junção. 5. Sendo igualmente certo que o Autor, após a junção do procedimento disciplinar se pronunciou sobre o mesmo (articulado de 19 de setembro de 2023). 6. Entende a Recorrente que deve ser aplicada ao caso e por analogia a jurisprudência que tem vindo a ser proferida quanto à preterição por parte das autoridades administrativas de assegurar o direito de audiência e de defesa aos arguidos, tendo transcrito nas alegações de recurso excerto do acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 28/06/2023 proferido no Processo 1104/22.4T9ABT.E1. 7. Ou seja, aplicando este entendimento ao caso dos autos, é notório que nenhum direito de defesa do Autor foi precludido pela junção do procedimento disciplinar apenas em 07 de setembro de 2023, pois o Autor, no seu requerimento de 19 de setembro de 2023, pronunciou-se exaustivamente sobre todos os documentos que componham o procedimento disciplinar. 8. Assim sendo, e considerando que a Ré no seu articulado de motivação de despedimento protestou desde logo juntar o procedimento disciplinar, o que fez efetivamente nos autos. A que acresce que a referida junção não foi objeto de qualquer despacho de desentranhamento por parte do Tribunal a quo e que o Autor se pronunciou relativamente a todos os documentos que componham o procedimento disciplinar, é manifestamente ilegal o despacho que considerou o procedimento disciplinar como ilícito pela não junção do procedimento disciplinar cujo desentranhamento não foi aliás objeto de qualquer despacho judicial, sendo assim vinculativo no processo. 9. Violou a sentença recorrida o vertido nos artigos 620º e 621º do CPC e no artigo 98º J do Código de Processo do Trabalho. 10. Por outro lado, e sem prescindir, entende a aqui Ré que na notificação efetuada nos termos do artigo 98º-I nº 4 alínea a) do Código de Processo de Trabalho, não consta que esta tenha sido advertida das consequências previstas no artigo 98º-J nº 3 do CPT, em caso da não apresentação do articulado motivador, ou da não junção do procedimento disciplinar ou dos documentos comprovativos das formalidades exigidas. 11. O Tribunal recorrido assume a inexistência de tal advertência. 12. No entanto, a sentença recorrida entende que mesmo a existir nulidade a mesma cairia sobre o regime previsto no artigo 191º, nº 1 do CPC. 13. Entende a aqui Recorrente que a nulidade em causa cabe, isso sim, no artigo 195º, n.º 1 do CPC, dado que, existiu a omissão de um ato que a lei impõe. 14. E assim sendo, a sua invocação no articulado de resposta é processualmente admissível, devendo ser anulados todos os atos subsequentes à referida invocação. 15. A Recorrente na sua motivação cita acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16/09/2013 no Processo 450/12.0TTGDM.P1, acórdão este que claro ao referir que existe a nulidade, mas que tendo a Ré apresentado entretanto o procedimento disciplinar a nulidade estaria sanada. 16. É precisamente o caso dos autos: a Ré não foi notificada com as cominações previstas no artigo 98º-J, nº 3 do Código de Processo do Trabalho; mas apresentou entretanto o procedimento disciplinar, tendo o Tribunal a quo aceitado a respetiva junção aos autos (pois não proferiu despacho de desentranhamento) e o Autor respondeu de forma minuciosa a todos os documentos que compõem o procedimento disciplinar. 17. Violou assim a sentença recorrida, o vertido nos artigos 98º- J, nº 3, 98º-I, nº 4, alínea a) do Código de Processo de Trabalho e no artigo 195º do CPC. Foi proferido despacho a mandar subir o recurso de apelação, imediatamente, em separado [este apenso], e com efeito meramente devolutivo. Foi fixado o valor da ação (na parte objeto de decisão) em € 38.859,86.
O Digno Procurador-Geral-Adjunto, neste Tribunal da Relação, emitiu parecer (art.º 87º, nº 3 do Código de Processo do Trabalho), pronunciando-se no sentido de ser negado provimento ao recurso, dizendo essencialmente que [s]endo o disposto no n.º 3 deste artigo 98.º-J do CPT um prazo perentório e improrrogável, não pode o recorrente beneficiar de um inominado e atípico protesto de ulterior junção de tal documento.
Procedeu-se a exame preliminar, foram colhidos os vistos, após o que o processo foi submetido à conferência. Cumpre apreciar e decidir.
* FUNDAMENTAÇÃO Conforme vem sendo entendimento uniforme, e como se extrai do nº 3 do art.º 635º do Código de Processo Civil (cfr. também os art.ºs 637º, nº 2, 1ª parte, 639º, nºs 1 a 3, e 635º, nº 4 do Código de Processo Civil – todos aplicáveis por força do art.º 87º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho), o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação apresentada[7], sem prejuízo, naturalmente, das questões de conhecimento oficioso. Assim, aquilo que importa apreciar e decidir neste caso é saber se não devia ter sido considerado que a Ré não juntou o procedimento disciplinar tempestivamente, e em consequência não ser declarada, com esse fundamento, a ilicitude do despedimento de que o Autor foi alvo.
* Para apreciação dessa questão importa ter presente o desenvolvimento processual relevante, que se expôs supra como Relatório, sendo essa a factualidade a considerar. O nº 3 do art.º 98º-J do Código de Processo do Trabalho dispõe que se o empregador não juntar o procedimento disciplinar com o AMD o juiz declara (desde logo) a ilicitude do despedimento. É que, se na «audiência de partes» se frustrar a conciliação das mesmas, o empregador é notificado para, no prazo de 15 dias, apresentar articulado para motivar o despedimento e juntar o procedimento disciplinar [art.º 98º-I, nº 4, al. a) do Código de Processo do Trabalho]. Está em causa, como tem a jurisprudência e a doutrina vindo a entender[8], um prazo perentório, que não é prorrogável a pedido do empregador. Há que não confundir os prazos perentórios com os prazos cominatórios: estes encerram em si mesmo uma ameaça de sanção, que funciona como estímulo para que a parte pratique o ato no devido tempo, sob cominação de, não o fazendo, sofrer uma penalização, que se pode traduzir, nomeadamente no pagamento de uma multa ou no desentranhamento de uma peça processual. É o caso do prazo para junção de documentos, que devem ser juntos com os articulados, mas, se o não forem, poderão ser juntos posteriormente com pagamento de multa (cfr. art.º 63º do Código de Processo do Trabalho e art.º 423º do Código de Processo Civil). No caso dos prazos perentórios, decorrido o mesmo extingue-se o direito de praticar o ato[9]. In casu não estamos perante a junção de um documento (em geral), estamos sim perante prazo previsto para junção do procedimento disciplinar, que é perentório (o que a Recorrente não põe em causa). E porque o nº 3 do art.º 98º-J do Código de Processo do Trabalho regula expressa e especificamente as consequências da falta de apresentação do procedimento não há lugar a convite para junção do mesmo nos termos do art.º 590º, n º 2 do Código de Processo Civil[10]. Decorre do já exposto que o “protestar” a Ré, no AMD, a junção do procedimento disciplinar não tem qualquer relevância jurídica, pois, como se refere no acórdão do TRL de 21/05/2020 (Secção Cível)[11], a intenção de praticar um ato processual [como seja a junção do procedimento disciplinar] não equivale à sua prática, não podendo daí advir consequências jurídicas, como se o ato que não foi praticado (no prazo perentório) o tivesse sido. Na verdade, se há um prazo perentório e não prorrogável para junção do procedimento disciplinar, não pode a parte obter a prorrogação do prazo “protestando” vir a fazer a junção depois de findo o prazo [para mais sem invocar qualquer justo impedimento para tal]. Em conformidade, escreveu-se acórdão desta Secção Social do TRP de 07/07/2016[12], o seguinte, que é muito esclarecedor e se acompanha: Procurando agora determinar a natureza do prazo de 15 dias cominado no art.º 98º-I/4/a do CPT, importa referir que a doutrina e a jurisprudência que se creem pacíficas discorrem no sentido da perentoriedade de tal prazo, a significar que o simples decurso do mesmo extingue a possibilidade do empregador satisfazer as exigências decorrentes do estatuído nessa norma, com a consequente sujeição da empregadora às cominações do art.º 98º-J/3 do CPT, sem qualquer possibilidade legal de prorrogação judicial desse prazo[13]. Volvendo ao caso em apreço, a recorrente foi notificada no dia 29/10/2015, na pessoal da sua Exma. Mandatária, para juntar o procedimento disciplinar, no aludido prazo de quinze dias, que se esgotava, assim, no dia 13/11/2015, sem qualquer espécie de sanção, ou no terceiro dia útil subsequente (18/11/2015) mediante o pagamento da multa a que alude o art.º 139º/5/c do NCPC. Tendo apresentado o articulado motivador do despedimento no dia 13/11/2015 sem apresentação do procedimento disciplinar, logo a recorrente protestou juntar o procedimento disciplinar num prazo de 10 dias, assim fixando para si, unilateralmente e sem qualquer anuência do tribunal recorrido a essa sua decisão, um prazo com um termo final (23/11/2015) posterior ao termo final do prazo legal a que estava imperativa e perentoriamente vinculada. Por outro lado, a recorrente não juntou o procedimento disciplinar até ao dia 18/11/2015, último em que por força de lei imperativa podia cumprir tal exigência. No dia 23/11/2015, já depois de esgotado imperativa e perentoriamente o prazo de que dispunha, a recorrente veio requerer mais 5 dias para juntar o procedimento disciplinar, requerimento esse que não logrou – nem podia lograr, como supra referido – qualquer acolhimento da parte do tribunal recorrido. Finalmente, o procedimento disciplinar apenas veio a ser junto eletronicamente no dia 30/11/2015, data em que a recorrente o apresentou por essa via através da plataforma Citius, tendo remetido o suporte físico por via postal nesse mesmo dia, o qual viria a ser junto aos autos no dia 02/12/2015. Tudo a significar que a recorrente deixou ultrapassar, por simples decisão sua a que o tribunal recorrido jamais deu qualquer espécie de acolhimento, expresso ou tácito, o prazo imperativo e perentório de que dispunha para juntar o procedimento disciplinar, sujeitando-se, por isso, às cominações decorrentes do art.º 98º-J/3 do CPT, tal como decidido pelo tribunal recorrido, sem razões para censura. Improcede, assim, o recurso de apelação na parte em que o mesmo tinha por objeto… Importa deixar claro que a consequência para a junção fora de prazo é taxativa – o juiz declara (desde logo) a ilicitude do despedimento –, não implicando que se ordene o seu desentranhamento (embora seja uma decorrência natural), pelo que não se pode argumentar que ao não ter sido ordenado o desentranhamento foi considerada (tacitamente) a junção tempestiva, porque simplesmente o não foi. Sendo este o regime que resulta do Código de Processo do Trabalho, e Código de Processo Civil por via do disposto no art.º 1º, nº 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho, não encontramos nenhuma lacuna a suprir, pelo que não se vê qualquer fundamento para nos socorrermos, como faz a Recorrente apelando à analogia, do raciocínio seguido em processo de contraordenação no acórdão do TRE de 28/06/2023 (Secção Criminal)[14] a propósito da audiência escrita do arguido prevista no art.º 50º do RGCOC [o que nada tem a ver com a junção do procedimento disciplinar num prazo perentório]. Argumenta a Recorrente que da notificação que lhe foi efetuada não consta a advertência das consequências previstas no art.º 98º-J, nº 3 do Código de Processo do Trabalho para a não apresentação do AMD e procedimento disciplinar, verificando-se nulidade conforme prevê o art.º 195º do Código de Processo Civil, porque foi omitido ato que a lei impõe, citando o acórdão desta Secção Social do TRP de 16/09/2013[15]. Ora, lendo tal aresto, não se alcança que nele tenha sido considerado que a nulidade ai exposta ficou sanada com a apresentação do procedimento disciplinar, ficando sanada sim porque não foi arguida pela empregadora no AMD, como está patente no texto que se segue à transcrição feita pela Recorrente, e que agora se transcreve (sublinhando-se): (…) Mas não basta ter-se verificado a nulidade, é necessário ainda que a mesma seja arguida. Conforme resulta do nº 2 do artigo 198º do CPC a nulidade da citação/notificação deve ser arguida no prazo que tiver sido indicado para a contestação. Ora, o prazo indicado para a “contestação”, no caso articulado motivador, decorreu sem que a Ré tivesse arguido qualquer nulidade. Assim sendo, ter-se-á por sanada a aludida nulidade. Sanação essa reforçada ainda pelo facto de a Ré na resposta ao requerimento do Autor que veio invocar a apresentação intempestiva do procedimento disciplinar nada referiu quanto à mesma. Será tal nulidade de conhecimento oficioso? O Tribunal a quo perfilhou esse entendimento, pois conheceu da mesma, apesar de não ter sido arguida pela interessada. O artigo 202º do CPC, sob a epígrafe “Nulidades de que o tribunal conhece oficiosamente”, dispõe: “Das nulidades mencionadas nos artigos 193.º e 194.º, na segunda parte do n.º 2 do artigo 198.º e nos artigos 199.º e 200.º pode o tribunal conhecer oficiosamente, a não ser que devam considerar-se sanadas. Das restantes só pode conhecer sobre reclamação dos interessados, salvos os casos especiais em que a lei permite o conhecimento oficioso”. Também o artigo 206º do mesmo diploma legal, estatui que: “1- O juiz conhece das nulidades previstas nos artigos 194º, na segunda parte do n.º 2 do artigo 198º e no artigo 200º logo que delas se aperceba, podendo suscitá-las em qualquer estado do processo, enquanto não devam considerar-se sanadas. 2- As nulidades a que se referem os artigos 193º e 199º são apreciadas no despacho saneador, se antes o juiz as não houver apreciado. Se não houver despacho saneador, pode conhecer delas até à sentença final. 3- As outras nulidades devem ser apreciadas logo que sejam reclamadas”. Ora, não sendo a nulidade em causa uma das previstas na segunda parte do nº 2 do artigo 198º do CPC, o juiz não podia dela conhecer oficiosamente. O estando nós perante uma situação de revelia absoluta da Ré, o Tribunal também não poderá lançar mão do disposto no artigo 483º do CPC, cujo refere que “se o réu, além de não deduzir qualquer oposição, não constituir mandatário nem intervier de qualquer forma no processo, verificará o tribunal se a citação foi feita com as formalidades legais e mandá-la-á repetir quando encontre irregularidade”. Conheceu, assim, o Tribunal duma questão que não podia conhecer oficiosamente, pelo que ter-se-á de revogar a decisão em causa, considerando, ao contrário do decidido, intempestiva a apresentação do procedimento disciplinar. Isso mesmo foi reafirmado no acórdão desta Secção Social do TRP de 07/07/2016, acima referido, que, citando aquele aresto, depois escreve: … por não se tratar de nulidade cominada nos artos 186º a 194º do NCPC, à face do estatuído no art.º 195º/1 do NCPC e tal como sustentado nas decisões acabadas de invocar, a omissão daquela advertência é fonte de nulidade secundária que deve ser arguida pelo interessado na respetiva declaração (art.º 196º do NCPC), no caso a empregadora, ora recorrente. Não se vislumbra que a empregadora tenha arguido a mencionada nulidade, imediatamente no momento em que a notificação irregular foi efetuada, ou seja, no termo da audiência de partes em que a recorrente se encontrava representada pela sua Exma. Mandatária (art.º 199º/1/1ª parte do NCPC), pelo que a mesma deve ter-se por definitivamente sanada. Note-se que não se tratando de citação, a notificação é feita na pessoa do seu mandatário [art.º 23º do Código de Processo do Trabalho e art.º 247º do Código de Processo Civil], conhecedor do regime legal constante do despacho proferido. No caso sub judice, visto o AMD não se alcança a arguição de nulidade pela Ré, só o fazendo na “resposta à contestação” apresentada em 25/09/2023, depois de o Autor, como se colhe do Relatório supra, ter suscitado na “contestação com reconvenção” a questão de não ter sido junto o procedimento disciplinar ao processo [que efetivamente quando apresentado esse articulado não se encontrava junto ao processo]. Assim, aderindo à jurisprudência acabada de citar, sem necessidade de considerações mais desenvolvidas, improcede toda a argumentação da Recorrente, ou seja, improcede o recurso. * Quanto a custas, havendo improcedência do recurso, as custas do mesmo ficam a cargo da Recorrente (art.º 527º do Código de Processo Civil).
*** DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes desembargadores da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmar a decisão recorrida. Custas pela Recorrente. Valor do recurso: o fixado em 1ª instância para a parte do processo já objeto de decisão. Notifique e registe.
(texto processado e revisto pelo relator, assinado eletronicamente) Porto, 18 de abril de 2024 António Luís Carvalhão [Relator] Eugénia Pedro [1ª Adjunta] Germana Ferreira Lopes [2ª Adjunta] ____________ [1] Elaborado com base na consulta deste apenso, e também do processo principal (no citius). [2] Designamos o trabalhador por Autor, na medida em que impulsiona o processo apresentando formulário com vista a ver declarada a ilicitude ou irregularidade do seu despedimento, e designamos a sociedade empregadora por Ré, na medida em que, ainda que apresentando o primeiro articulado, contesta esse impulso tendente à declaração da ilicitude ou irregularidade do despedimento que promoveu. [3] Notificação que ocorreu em 07/08/2023, com envio ao ilustre mandatário da Ré de cópia do despacho proferido. [4] Nota de rodapé da sentença (1) com o seguinte teor: Nesse sentido, podem ver-se, entre outros, os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 26/06/2023 e de 03/06/2019 (proferidos, respetivamente, nos processos nos 8526/22.9T8VNG.P1 e 1558/18.3T8VLG-A.P1), do Tribunal da Relação de Coimbra de 25/09/2020 (proferido no processo n.º 6841/19.8T8CBR.C1.), do Tribunal da Relação de Lisboa de 11/04/2018 (proferido no processo n.º 2271/16.1T8FNC.L1-4), do Tribunal da Relação de Guimarães de 02/06/2016 (proferido no processo n.º 2080/15.5T8BRG-B.G1) e do Tribunal da Relação de Évora de 12/01/2023, 15/12/2022 e de 12/09/2018 (proferidos, respetivamente, nos processos nos 172/22.3T8TMR.E1, 154/22.5T8TMR.E1 e 2195/17.5T8STR-A.E1), todos disponíveis em http.www.dgsi.pt. [5] Nota de rodapé da sentença (2) com o seguinte teor: Confrontar, a este respeito, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20/06/2018, proferido no processo nº 2041/17.0T8BRR-A.L1 e disponível em http.www.dgsi.pt.jtrl. [6] As transcrições efetuadas respeitam o respetivo original, salvo correção de gralhas evidentes e realces/sublinhados que no geral não se mantêm (porque interessa o texto em si), consignando-se que quanto à ortografia utilizada se adota o Novo Acordo Ortográfico. [7] Vd. António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5ª edição, pág. 156 e págs. 545/546 (estas no apêndice I: “recursos no processo do trabalho”). [8] Veja-se a jurisprudência citada na decisão recorrida, acima transcrita, Hélder Quintas, “Comentários ao Código de Processo do Trabalho – de acordo com as alterações introduzidas pela Lei nº 13/2023, de 03 de abril”, Almedina, 2023, pág. 687 (que cita jurisprudência), e Joana Vasconcelos, “Comentário aos artigos 98º-B a 98º-P do CPR – Processo Especial para Impugnação da Regularidade e Licitude do Despedimento”, Universidade Católica Editora, 2ª edição revista e atualizada, 2020, pág. 101 (nota 17). [9] Sobre a referida distinção vd. Marco Carvalho Gonçalves, “Prazos Processuais”, Almedina, 3ª edição – 2022, págs. 34-42 (que nos diz o prazo perentório é também designado por “prazo aceleratório”, “prazo resolutivo”, “prazo extintivo”, “prazo preclusivo”, “prazo fatal”, “prazo próprio”, “prazo real” ou “prazo irredutível”). [10] Vd. Joana Vasconcelos, “Comentário aos artigos 98º-B a 98º-P do CPR – Processo Especial para Impugnação da Regularidade e Licitude do Despedimento”, Universidade Católica Editora, 2ª edição revista e atualizada, 2020, pág. 101 (nota 18, citando jurisprudência). [11] Consultável em www.dgs.pt, processo nº 217/18.1T8MTA.L1-2. [12] Consultável em www.dgsi.pt, processo nº 4885/15.8T8MTS-A.P1. [13] Nota de rodapé do acórdão (1) com o seguinte teor: Abílio Neto, Código de Processo do Trabalho Anotado, 2011, p. 287, Susana Silveira, A nova ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento», Julgar, N.º 15, 2011, p. 93, nota 34, Eusébio Almeida, A reforma do Código de Processo de Trabalho e, em especial, a ação de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, 2010, nota 36, Albino Mendes Baptista, A nova ação de impugnação do despedimento e a revisão do Código do Trabalho, 2010, p. 91, Viriato Reis e Diogo Ravara, A ação especial de impugnação da regularidade e da licitude do despedimento: questões práticas no contexto do novo código de processo civil, e-book do CEJ referente à ação do tipo da que ora está em apreço, pp. 31 e 32, consultável em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/trabalho/Acao_%20Impugnacao_Regularidade_Licitude_Despedimento.pdf?id=9&username=guest, acórdão do STJ de 10/7/2013, proferido no processo 885/10.2TTBCL.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt, acórdãos deste Tribunal da Relação de 12/11/2012, proferido no processo 1758/11.7TTPRT.P1, e de 17/12/2014, proferido no processo 78/14.0TTPRT.P1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt, acórdãos deste Tribunal da Relação de 28/11/2011, de 12/3/2013, e de 16/9/2013, proferidos nos processo 989/10.1TTMTS-A.P1, 885/10.2TTBCL.P1 e 450712.0TTGDM.P1, dos quais se desconhece publicação. [14] Consultável em www.dgs.pt, processo nº 1104/22.4T9ABT.E1. [15] Consultável em www.dgs.pt, processo nº 450/12.0TTGDM.P1. |