Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
102/22.2T8MCN.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA PAULA AMORIM
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ACIDENTE DE VIAÇÃO
VELOCIDADE EXCESSIVA
Nº do Documento: RP20240506102/22.2T8MCN.P1
Data do Acordão: 05/06/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIAL
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O sinal de Stop - art.º 21º, B2 Decreto Regulamentar 22-A/98 de 01 de outubro - indica que o veículo é obrigado a parar antes de entrar no entroncamento junto do qual o sinal se encontra colocado e ceder a passagem a todos os veículos que circulem na via onde vai entrar.
II - Conduz em contraordenação a tal norma, quem num dia de chuva, sendo noite, “fura” uma fila de trânsito sem acautelar a ausência de veículos em circulação nos dois sentido da via, surge de forma inusitada na frente do veículo que circulava na via prioritária a uma velocidade de cerca de 50 km/h.
III - A velocidade revela-se excessiva, ainda que compreendida nos limites legais se o condutor não conseguir executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente (art.º 27º do Código da Estrada).
IV - Não se revela excessiva a velocidade imprimida a um veículo automóvel ligeiro de mercadorias, que num dia de chuva, circula de noite numa localidade, pela metade direita da via, deparando-se com uma fila compacta de trânsito em sentido contrário, a velocidade que não é superior a 50 km/h, em via com prioridade e embate na traseira do veículo que surge da esquerda de forma inusitada e se atravessa na frente, por não ser de prever tal manobra.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Via-RMF-Danos-Privação Uso-102/22.2T8MCN.P1

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SUMÁRIO[1] (art.º 663º/7 CPC):

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Acordam neste Tribunal da Relação do Porto (5ª secção judicial – 3ª Secção Cível)

I. Relatório

Na presente ação declarativa que segue a forma de processo comum, em que figuram como:

- AUTORA: A..., LDA., sociedade comercial por quotas, pessoa coletiva número ..., com sede na Travessa ..., freguesia ..., ... ...; e

- RÉ: B... – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., pessoa coletiva número ..., com sede no Largo ..., ... Lisboa,

veio a autora pedir a condenação da ré no pagamento:

- a quantia de 4.255,80 € (Quatro mil duzentos e cinquenta e cinco euros e oitenta cêntimos), necessária para efetuar a reparação dos danos que a viatura sofreu em virtude do sinistro; e

- a quantia de 7.940,00 € (Sete mil novecentos e quarenta euros), em virtude da imobilização e privação de uso, desde a data do sinistro até à presente data (794 dias à razão diária de 10,00€), a que deve acrescer o valor vincendo de 10,00 € diários até efetivo e integral reparação ou pagamento da indemnização devida.

- juros vincendos, sobre as quantias peticionadas, contados desde a citação até efetivo e integral pagamento; e

- no que se vier a liquidar em ampliação do pedido ou liquidação de sentença. 

Alegou para o efeito e em síntese, que no dia 19 de Novembro de 2019, pelas 18h25m, na Avenida ..., freguesia ..., concelho do Marco de Canaveses, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes os veículos ligeiro de mercadorias, marca Mercedes-Benz, com a matrícula ..-..-TT, propriedade da Autora, A..., Lda. e à data conduzido por AA; e o veículo ligeiro de passageiros, marca Citroën ..., com a matrícula ..-..-PC, propriedade de BB e à data conduzido por CC.

O veículo de matrícula ..-..-PC estava seguro, à data do sinistro, na ré através da apólice n.º ....

Mais alegou que a Avenida ..., onde ocorreu a colisão é constituída por duas hemi-faixas de rodagem, destinadas a sentidos de trânsito opostos, separadas por um separador central. O local do embate é configurado por uma reta e entronca pelo lado esquerdo, para quem segue no sentido ...-..., com a Rua .... O piso da referida Avenida, mais concretamente no local do sinistro dos autos, encontrava-se em bom estado de conservação e era betuminoso. Estava a anoitecer (18h25m) e o dia em questão encontrava-se chuvoso. O piso estava molhado. A Avenida ..., no ponto onde viria a ocorrer o presente sinistro tem a largura de 3,10 metros.

Alegou, ainda, que o condutor que conduzia o veículo “TT” em direção a ..., pela Variante EN ..., mais concretamente, pela Avenida ..., no ponto em que esta entronca com a Rua ..., é surpreendido pela presença do veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-PC.

O condutor do veículo “PC” seguia precisamente na Rua ..., pretendendo mudar de direção para a sua esquerda e passar a circular na Avenida ..., no sentido ...-Penafiel e considerando o sentido de marcha do veículo “PC”, no final da Rua ..., imediatamente à entrada do entroncamento, do lado direito, existia (e existe) um sinal vertical de STOP. O condutor do referido veículo ligeiro de passageiros “PC”, que tencionava passar a circular na Avenida ..., no sentido ...-... ao chegar ao entroncamento, não se deteve à entrada do mesmo, perante o sinal de STOP, e faz a travessia da hemi-faixa que se apresentava à sua esquerda da dita Avenida ... (sentido ...-...), continuando a avançar, sem parar, entra na Avenida ..., para seguir no sentido ...-....

O condutor do veículo “TT” circulava, nesse preciso momento, nessa Avenida, junto ao entroncamento, vindo pela Variante EN ..., no sentido ...-..., atento ao trânsito que se fazia sentir, imprimindo no veículo uma velocidade nunca superior a 40km/hora, atendendo às características e estado da via e às condições meteorológicas.

Mais alegou que o condutor do veículo segurado da Ré efetuou a manobra de mudança de direção à esquerda, sem qualquer cuidado ou precaução, sem parar e sem verificar que o condutor do veículo automóvel da Autora circulava pela Variante EN ..., na Avenida ..., apresentando-se pela sua direita. O condutor do veículo segurado da Ré, sem parar, invadiu a Avenida ..., para seguir no sentido ...-..., sem ter em conta os veículos que circulavam nessa mesma avenida e que gozavam de prioridade.

O veículo ligeiro de passageiros “PC” surgiu inesperadamente quando o condutor do veículo “TT” passava diante do local do embate, este apenas se apercebeu do veículo segurado pela Ré quando já se encontrava “em cima” dele, não havendo sequer tempo de reflexão para realizar manobra de recurso que evitasse o acidente dos autos.

Alegou que o condutor do veículo automóvel “PC” entrou na Avenida ... (sentido ...-...), de forma imprevista e desatenta, sem imobilizar a sua viatura e sem ceder a passagem ao veículo TT que se apresentava pela sua direita e fez com que o condutor do veículo “TT” embatesse no veículo seguro da ré, no exato momento em que este já ocupava a Avenida ..., na via destinada ao trânsito no sentido ...-.... Apesar do condutor do veículo TT ter travado, não conseguiu evitar o embate, tendo colidido com a frente do veículo por si conduzido na traseira do veículo de matrícula ..-..-PC.

O condutor do veículo ligeiro de passageiros “PC”, ao chegar ao entroncamento, fez a manobra de acesso à Avenida ... (sentido ...-...), desatento ao trânsito que circulava na referida Avenida, onde pretendia passar a circular, sem cuidar de cumprir o seu dever de cedência de passagem ao trânsito que se fazia sentir, sem se certificar de que, no seu campo de visão se aproximava o veículo da Autora, ocorrendo o embate por culpa exclusiva do condutor do veículo ligeiro de passageiros matricula ..-..-PC, CC.  

Mais alegou que o condutor do veículo TT imprimia ao veículo uma velocidade não superior a 40km/hora, regulando a sua condução às características da via e ao estado do tempo - que se apresentava chuvoso, tendo moderado especialmente a velocidade, dada a aproximação do entroncamento, atento o trânsito de veículos que à data do sinistro se fazia sentir, sem que a sua condução tenha contribuído para a verificação do sinistro.

Alegou, ainda, que a Ré seguradora passado mais de um mês após a ocorrência de tal evento danoso remeteu uma comunicação à Autora, na qual refere que“ (…) Analisámos os elementos de prova reunidos no processo, nomeadamente Auto de Ocorrência, que demonstram que não nos permitem concluir, de forma inequívoca, pela culpabilidade de qualquer dos condutores intervenientes. Assim, consideramos que a responsabilidade deve ser repartida, atribuindo 50% de responsabilidade ao condutor da sua viatura (…)”. Tendo, posteriormente, enviado à Autora nova comunicação, cujo teor, em parte, aqui se deixa transcrito: “(…) a Companhia declina os restantes 50% que nos reclamam, uma vez que já assumimos 50% dos danos do veículo de V.Exa. (…)”.

Mais alegou que em consequência direta e necessária da colisão o veículo da Autora, matrícula ..-..-TT, sofreu danos materiais, na parte da frente do veículo, cuja reparação foi orçamentada em 4.255,80 € (Quatro mil duzentos e cinquenta e cinco euros e oitenta cêntimos), por conta dos serviços de chapeiro, pintura, mecânico e materiais.

Referiu, ainda, que a ata de avaliação e quantificação dos danos, efetuada pela Ré, encontra-se na sua posse.

Alegou que o veículo matrícula ..-..-TT, à data do acidente em discussão, era um veículo que a Autora utilizava para o exercício da sua atividade comercial de carpintaria utilizado pela Autora para deslocações às obras em curso, às reuniões de trabalho, fornecedores, clientes e para a compra de materiais.

A Autora adquiriu o veículo sinistrado em 14/12/2015, sempre o utilizou e pretende continuar a utilizar no exercício da sua atividade comercial, o qual encontrava-se em bom estado de conservação, percorrendo em média cerca de vinte mil quilómetros no ano, sendo tecnicamente reparável.

O veículo da Autora devido aos danos sofridos ficou imediatamente impossibilitado de circular. Por causa da posição assumida pela Ré, não foi reparado e permanece imobilizado desde o dia do sinistro até à presente data, pretendendo a indemnização pelo dano sofrido coma privação do uso, valor que deve ser calculado considerando o preço médio de aluguer de um veículo de idêntica classe e que ascende aos de 10,00 € /dia. Peticiona a indemnização desde a data do sinistro até à efetiva e integral reparação, o que perfaz a quantia total de 7.940,00 € (794 dias x 10,00 €).  

O veículo ..-..-PC, no momento do acidente, era conduzido por CC, no interesse e sob a direção efetiva do seu proprietário, BB. BB controlava o funcionamento do veículo, pois fazia as respetivas revisões e reparações, pagava os prémios do respetivo seguro obrigatório, conduzia e emprestava o mesmo a quem entendesse e que no momento do acidente de viação havia emprestado o veículo ao condutor, CC.


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Citada a ré, contestou defendendo-se por impugnação.

Alegou, em síntese, que não presenciou o aludido sinistro, desconhecendo a forma como o mesmo ocorreu e face ao conhecimento que obteve dos factos o embate ocorreu quando o veículo seguro circulava na Av. ..., depois de ter concluído a manobra de mudança de direção à esquerda provindo do entroncamento com a Rua ....

Mais alegou que o condutor do PC, antes de iniciar a manobra, em face do sinal vertical de STOP aí existente, parou a viatura e ficou a aguardar oportunidade para entrar e efetuar a manobra de mudança de direção sem colocar em perigo os restantes utentes da via e arrancou e passou a circular com o seu veículo dentro da faixa de rodagem no sentido de marcha, de .... Foi então que, quando já se encontrava fora do alcance do sinal de STOP referido, foi embatido na traseira, com violência, pelo veículo com a matrícula TT, o qual circulava a alta velocidade, a mais de 90km/hora, na faixa da direita, atento o sentido de marcha também em direção a .... O PC já se encontrava a circular dentro da faixa de rodagem da Av. ..., já depois do sinal de STOP, quando foi embatido pelo TT.

Alegou, ainda, que o condutor do TT, apesar de circular numa via de traçado retilíneo e com boa visibilidade, o que permitia avistar ao longe e com antecedência, a mudança de direção do PC, conduzia completamente desatento ao trânsito que se fazia sentir e em manifesto excesso de velocidade.

Para além do embate ter ocorrido quando o PC se encontrava já dentro da faixa de rodagem que pretendia tomar, o embate do TT ocorreu com o para-choques e guarda-lamas da frente do mesmo, na traseira do PC. A violência do impacto decorrente da velocidade com que o TT circulava e embateu, determinou a perda total do PC.

De acordo com as regras da experiência comum, o veículo TT, circulava na Av. ..., a uma velocidade seguramente superior a 90 Km/hora, o que originou que, quando se aproximou do entroncamento, estando o veículo seguro na R em marcha à sua frente e na mesma via, dada a velocidade que imprimia ao veículo, não conseguiu parar a tempo, de modo a evitar a colisão.

Alegou que se o condutor do TT estivesse a circular a uma velocidade moderada, teria naturalmente reduzido prudentemente a velocidade e, portanto, avistado o PC a realizar a manobra de mudança de direção à esquerda, com tempo mais do que suficiente para imobilizar o veículo antes de embater no PC já que aquele se encontrava a circular à sua frente.

Conclui que foi a conduta negligente do condutor do TT que deu causa direta ao embate, ao circular desatento e a uma velocidade excessiva para as características da via e as circunstâncias de tempo e lugar que se apresentavam naquela altura, incumprindo as normas estradais, sendo o único responsável pela ocorrência. O condutor do veículo PC cumpriu todas as obrigações estradais que lhe eram exigidas, porquanto antes de iniciar a manobra de mudança de direção à esquerda, imobilizou o veículo, e só avançou quando estavam reunidas as condições de o fazer em segurança.

Alegou, ainda, que a Autora não indica os danos sofridos pelo TT, a dimensão dos mesmos e o nexo de causalidade que os liga ao acidente dos autos, remetendo para uma ata de avaliação e quantificação dos danos que afirma estar na posse da R, mas que a ré não possui, porque o veículo não chegou a ser objeto de peritagem pela ré.

Mais alegou que a Autora não alega, nem prova, qualquer despesa emergente da alegada privação de uso, como nem sequer alega, nem prova, qualquer facto concreto em que pudesse escorar a sua pretensão.

Termina por pedir a sua absolvição.


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Por solicitação da Autora, solicitou-se junto da C... informação sobre realização da perícia ao veículo, tendo a referida entidade prestado a informação inserida a páginas 508 a 528 do processo eletrónico, sistema Citius (fotografias do veículo propriedade da autora e relatório de peritagem).

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A autora foi convidada a aperfeiçoar a petição inicial, o que fez com a junção da petição aperfeiçoada e documentos (inserido a páginas 257 a 327 do processo eletrónico, sistema Citius).

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A ré notificada impugnou os factos alegados, por desconhecimento dos concretos danos que o veículo sofreu.

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Fixou-se o valor da ação, proferiu-se despacho saneador e admitiram-se os requerimentos de prova nos termos do artigo 597º do CPC.

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Realizou-se a audiência de julgamento com observância dos formalismos legais.

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Proferiu-se sentença com a decisão que se transcreve:

“Nestes termos julgo a presente ação parcialmente procedente por provada e em consequência:

a) Condeno a ré B... – Companhia de Seguros, SA. no pagamento à autora da quantia de €255,00 a título de indemnização pela privação do uso da sua viatura, acrescida de juros de mora a contar desde a citação até efetivo e integral pagamento, à taxa anual de 4%.

b) Absolvo a ré dos restantes pedidos contra si formulados.

c) Condeno autora e ré nas custas processuais, na proporção dos respetivos decaimentos”.


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A Autora veio interpor recurso da sentença.

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Nas alegações que apresentou a apelante formulou as seguintes conclusões:

1. Vem o presente recurso interposto, por discordar a Recorrente da douta sentença.

2. É convicção da ora Recorrente que a sentença enferma de erro de julgamento, o que decorre da incorreta apreciação de toda a prova junta e produzida nos autos e daí o seu inconformismo.

3. Pretende por isso, ver alterada a decisão sobre a matéria de facto, modificando-se os factos dados como provados em 18., 19. e 20., os quais deverão merecer uma resposta negativa, ou seja, dados como não provados, e em face dessa alteração, que julga conveniente e acertada, a revogação da decisão parcialmente procedente, por diferente subsunção jurídica aos factos que deveriam ter sido dados como não provados.

4. Por outro lado, pretende ainda a Recorrente ver alterada a decisão sobre a matéria de facto, modificando-se os factos dados como não provados em 1., 2. e 3., os quais deverão merecer uma resposta positiva, ou seja, dados como provados, e em face dessa alteração, que julga conveniente e acertada, a revogação da decisão parcialmente procedente, por diferente subsunção jurídica aos factos que deveriam ter sido dados como provados.

5. Ora, entende a Recorrente que da conjugação da prova produzida em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, resulta provado que foi a conduta do condutor do veículo PC que originou o acidente em crise nos autos.

6. Com efeito, entende e defende o Recorrente que, da prova produzida resulta, o condutor do veículo PC fora confrontado com um sinal de STOP e, não obstante não ter parado, não cedeu ainda a prioridade a quem seguia na faixa principal, intrometendo-se na hemi-faixa de rodagem pela qual circulava o veículo de matrícula TT, sem atentar na sua aproximação.

7. Sendo certo que, apesar do condutor do veículo de matrícula TT ainda ter conseguido travar, a realidade é que, em face das condições atmosféricas que se fazia sentir naquele dia, o veículo TT acabou por derrapar e ganhar mais velocidade.

8. Aliás, é inverídico que o condutor do veículo TT seguia em excesso de velocidade, sendo certo que, mais uma vez, salvo devido respeito por Douta melhor opinião, resulta da prova que o veículo TT não seguia a velocidade superior a 50 km/h.

9. Ao circular numa via dentro de uma localidade a uma velocidade que não excedia o limite máximo objetivo a que estava obrigado (50 kms/h), sempre se dirá que o veículo TT agiu com um elevado grau de consideração pelos deveres inerentes à circulação automóvel – ao contrário do que sucedeu com o veículo PC, que ao agir como agiu, revelou um elevado grau de desconsideração pelos deveres inerentes à circulação automóvel.

10. Sem conceder, por mera cautela de patrocínio, a entender-se que ocorreu concurso de culpa, em face da especial agravante do comportamento adotado pelo condutor do veículo PC, deve a responsabilidade pelo acidente entre o veículo PC e TT, ser na proporção de 70% e 30%, respetivamente.

Por outro lado,

11. Não nos parece razoável que se dê como provado o acidente em crise e que não se atribua qualquer compensação monetária em virtude dos danos sofridos em consequência direta do sinistro.

12. Pois, a menos que se provasse que o acidente se tivesse dado por exclusiva culpa do Recorrente, é que se poderia entender a posição tomada pelo Douto tribunal “a quo”!

13. Assim, parece-nos, salvo o devido respeito por opinião diversa, que não restava alternativa ao Tribunal, que não fosse, uma vez não impugnados os documentos probatórios juntos aos autos, condenar a Ré na totalidade dos pedidos formulados ou, caso assim não se entendesse, na proporção dos danos que a mesma havia assumido.

14. De facto, surtiu mais do que provado que, em virtude do sinistro, a viatura da aqui ora Recorrente sofreu diversos danos, aliás, basta ver os documentos n.ºs 9 a 15 juntos com a Petição Inicial, o relatório junto, a 07/06/2022, pela C... Companhia de Seguros, S.A., no qual constava as fotos dos danos, bem como o custo provável de reparação, posteriormente, através de requerimento, com referência n.º 43439712, junto a 03/10/2022, foram ainda juntos, sob documentos n.ºs 16 e 17, o orçamento inicial, bem como a ordem de reparação.

15. Ora, em todos os documentos ora referidos, os quais fazem parte do acervo probatório dos presentes autos, é possível aferir, desde logo, os danos que o veículo da Recorrente sofreu, bem como o custo de reparação dos mesmos.

Ademais,

16. É absolutamente falso que a Recorrente tenha junto, com a Petição Inicial Aperfeiçoada qualquer documento de onde se depreenda que os danos sofridos pela viatura TT ascendiam à quantia de €1.460,39 (mil quatrocentos e sessenta euros e trinta e nove cêntimos).

17. Aliás, a Recorrente entende que a fundamentação do Tribunal “a quo” só poderá decorrer de lapso de interpretação do documento ora junto.

18. Ora, quando se confrontado com o documento ora junto com a Resposta datada de 3 de Outubro de 2022, com referência n.º 8230196, verifica-se que, efetivamente, no verso do documento, aparece “total:€1.460,39”, todavia, tal montante apenas é referente à soma dos valores

constantes no verso do aludido documento e não, ao total de todos os valores constante da frente e verso do documento.

19. Tanto assim é que, na frente do referido documento consta, expressamente, que o valor total da ordem de reparação se computa na quantia de €4.263,29 (quatro mil duzentos e sessenta e três euros e vinte e nove cêntimos).

20. Por fim, no que à privação do uso concerne, uma vez provado que a responsabilidade/culpa pelo sinistro se deveu ao comportamento adotado pelo condutor do veículo automóvel de matrícula PC, sempre deveria a Recorrida ser condenada ao pagamento do quantitativo diário na proporção de 100%.

21. Ou, caso assim não se entenda, a entender-se que ocorreu concurso de culpa, em face da especial agravante do comportamento adotado pelo condutor do veículo PC, deve a Recorrida ser condenada ao pagamento do quantitativo diário na proporção de 70%.

Termina por pedir que seja concedido provimento ao presente recurso e seja reapreciada a prova produzida em audiência e em face disso, modificada a sentença no que respeita à responsabilidade pelo sinistro, bem como no que respeita aos danos sofridos pela viatura e respetivo valor de reparação.


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A ré B... Companhia de Seguros, S.A. veio apresentar resposta ao recurso, concluindo que a decisão deve ser confirmada por se encontrar de acordo com a matéria de direito e de facto, ou, quando muito, que seja atribuída ao condutor do veículo seguro na Recorrida uma menor percentagem na responsabilidade pela ocorrência do acidente.

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O recurso foi admitido como recurso de apelação.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

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II. Fundamentação

1. Delimitação do objeto do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art. 639º do CPC.

As questões a decidir:

- reapreciação da decisão de facto;

- responsabilidade na produção do acidente;

- montante dos danos relacionados com o custo da reparação;

- fixação da responsabilidade pelo dano privação de uso, em função da responsabilidade pela produção do acidente.


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2. Os factos

Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos provados no tribunal da primeira instância:

1. No dia 19 de novembro de 2019, pelas 18h25m, na Avenida ..., freguesia ..., concelho do Marco de Canaveses, ocorreu um acidente de viação.

2. Foram intervenientes do referido acidente de viação os dois veículos seguintes:

- Veículo ligeiro de mercadorias, marca Mercedes-Benz, com a matrícula ..-..-TT (doravante designado de “TT”, por mera comodidade de exposição), propriedade da Autora, A..., Lda., e à data conduzido por AA; e o

- Veículo ligeiro de passageiros, marca Citroën ..., com a matrícula ..-..-PC (doravante designado de “PC”, por mera comodidade de exposição), propriedade de BB e à data conduzido por CC.

3. Por acordo escrito titulado pela apólice ... a ré assumiu a responsabilidade civil pelos danos causados pela circulação do Citroen ... com a matrícula ..-..-PC.

4. No local do embate a Avenida ..., é constituída por duas vias de trânsito, destinadas à circulação de veículos automóveis em sentidos opostos, separadas por um separador central.

5. A via de trânsito destinada à circulação ... – ..., onde se deu o embate tem a largura de 3,10m.

6. Trata-se de uma reta e entronca pelo lado esquerdo, para quem segue no referido sentido ...-..., com a Rua ....

7. No local do embate o piso da referida Avenida, encontrava-se em bom estado de conservação e era betuminoso.

8. Estava a anoitecer (18h25m) e o dia em questão encontrava-se chuvoso.

9. O piso estava molhado.

10. O condutor do veículo TT circulava no sentido ...-... pela referida Avenida.

11. O condutor do PC seguia na Rua ..., em direção à Avenida ....

12. No local onde a Rua ... entronca com a Avenida ... existe um sinal vertical de “stop”.

13. Porque pretendesse passar a circular pela referida Avenida no sentido ... – ..., necessitando de mudar de direção à esquerda.

14. E uma vez que no sentido ... – ... da mesma Avenida seguia uma fila compacta de viaturas.

15. O condutor do PC, “furou” a referida fila de trânsito.

16. E ato contínuo passou a circular no sentido ...-....

17. Sem que acautelasse a ausência de veículos em circulação num e noutro sentido da Avenida ....

18. Por seu turno, o condutor do TT circulava na referida Avenida a velocidade não concretamente apurada, mas excessiva para o local, circunstâncias da via e condições climatéricas – recorde-se que chovia e era noite.

19. De tal forma que apercebendo-se da presença inusitada do PC à sua frente, ainda acionou o sistema de travagem,

20. Sem que conseguisse imobilizar o veículo, assim evitando o embate entre a frente do TT e a traseira do PC, o que sucedeu.

21. A 9 de janeiro de 2020 a ré, através de carta, comunicou à autora o seguinte: “(…).Analisámos os elementos de prova reunidos no processo, nomeadamente Auto de Ocorrência, que demonstram que não nos permitem concluir, de forma inequívoca, pela culpabilidade de qualquer dos condutores intervenientes. Assim, consideramos que a responsabilidade deve ser repartida, atribuindo 50% de responsabilidade ao condutor da sua viatura (…)”.

22. Mercê do embate o veículo da Autora, matrícula ..-..-TT, sofreu estragos na parte da frente.

23. O veículo matrícula ..-..-TT, à data do acidente em discussão, era utilizado pela Autora para o exercício da sua atividade comercial de carpintaria, designadamente para transporte de materiais.

24. Sempre o utilizou, e pretende continuar a utilizar no exercício da sua atividade comercial.

25. O veículo da Autora devido aos danos sofridos ficou imediatamente impossibilitada de circular.

26. A autora está impossibilitada de usar e fruir do TT desde a data do acidente.


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Factos não provados

1. A reparação dos danos do TT foi orçamentada em 4.255,80 € (Quatro mil duzentos e cinquenta e cinco euros e oitenta cêntimos), por conta dos serviços de chapeiro, pintura, mecânico e materiais.

2. O TT percorria em média cerca de vinte mil quilómetros no ano.

3. O preço médio de aluguer de um veículo de idêntica classe ao da autora é de 10,00 €/diários.

4. A Autora adquiriu o TT em 14/12/2015.

5. Era BB que controlava o funcionamento do veículo PC, pois fazia as respetivas revisões e reparações, pagava os prémios do respetivo seguro obrigatório, conduzia e emprestava o mesmo a quem entendesse e no momento do acidente de viação havia emprestado o veículo ao condutor, CC.


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3. O direito

- Reapreciação da decisão de facto -

Nas conclusões de recurso, sob os pontos 1 a 4, insurge-se a apelante contra a decisão da matéria de facto, pretendendo que se proceda à sua reapreciação, quanto à matéria dos pontos 18, 19, 20 dos factos provados e pontos 1, 2, 3 dos factos julgados não provados.

Passando à apreciação da verificação dos pressupostos de ordem formal para proceder à reapreciação da decisão de facto.

O art.º 640º CPC estabelece os ónus a cargo do recorrente que impugna a decisão da matéria de facto, nos seguintes termos:

“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3. […]”

Recai, assim, sobre o recorrente, face ao regime concebido, um ónus, sob pena de rejeição do recurso, de determinar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar – delimitar o objeto do recurso - e motivar o seu recurso – fundamentação - com indicação dos meios de prova que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre a matéria de facto e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação.

No caso concreto, realizou-se o julgamento com gravação dos depoimentos prestados em audiência e a apelante veio impugnar a decisão da matéria de facto, com indicação dos pontos de facto, prova a reapreciar - documentos, depoimento das testemunhas e declarações de parte - e decisão que sugere.

Contudo, apenas na motivação do recurso de forma expressa se pronuncia sobre a prova a reapreciar e que sustenta as alterações que sugere, mas não o faz em relação a todos os factos que impugna.

Com efeito, em relação ao ponto 1 dos factos julgados não provados, indica os documentos que acompanham a petição aperfeiçoada, a informação prestada por C..., o depoimento das testemunhas AA e DD, legal representante da autora (indevidamente indicado como sendo EE como se pode constatar pela leitura da ata de julgamento) transcrevendo os excertos dos depoimentos que considerou relevantes para justificar a alteração (cf. páginas 48-54 do processo eletrónico sistema Citius).

Já quanto aos pontos 2 e 3 dos factos julgados não provados a apelante não indica a prova a reapreciar. Nem o faz na motivação, nem nas conclusões de recurso. Estando em causa a apreciação do dano “privação de uso” limita a impugnação à matéria de direito, pretendendo que o valor arbitrado seja fixado em função do grau de responsabilidade do lesante, que defende ser exclusiva do condutor do veículo segurado, ou, em proporção diferente daquela que ficou estabelecida na sentença.

Considera-se, assim, que quanto aos pontos 2 e 3 dos factos julgados não provados, não estão reunidos os pressupostos de ordem formal, por não indicar a prova a reapreciar.

Conclui-se, tendo presente o critério do art.º 640º/1/2 do CPC, que apenas quanto aos pontos 18, 19 e 20 dos factos provados e ponto 1 dos factos julgados não provados se consideram reunidos os pressupostos de ordem formal para proceder à reapreciação da decisão de facto.

Rejeita-se a reapreciação da decisão quanto aos pontos 2 e 3 dos factos julgados não provados.


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Antes, porém, de proceder à reapreciação da decisão de facto, cumpre ter presente que apenas podem ser objeto de reapreciação os factos, porque o juiz é chamado a julgar factos (art.º 607º/4 CPC).

Em relação ao ponto 18 dos factos provados constata-se que se introduziram meras conclusões e conceitos de direito, o que obsta à sua reapreciação.

Com efeito, no ponto 18 julgou-se provado:

- Por seu turno, o condutor do TT circulava na referida Avenida a velocidade não concretamente apurada, mas excessiva para o local, circunstâncias da via e condições climatéricas – recorde-se que chovia e era noite.

Na elaboração do acórdão deve observar-se, na parte aplicável, o preceituado nos art.º 607º a 612º CPC (art.º 663º/2 CPC).

O art.º 607º/3/4 CPC dispõe que o juiz deve discriminar os factos que considera provados e os que julga não provados.

No âmbito do anterior regime do Código de Processo Civil, o art.º 646º/4 CPC, previa, ainda, que “têm-se por não escritas as respostas do tribunal coletivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documento, quer por acordo ou confissão das partes”.

Esta norma não transitou para o atual diploma, o que não significa que na elaboração da sentença o juiz deva atender às conclusões ou meras afirmações de direito.

Ao juiz apenas é atribuída competência para a livre apreciação da prova dos factos da causa e para se pronunciar sobre factos que só possam ser provados por documento ou estejam plenamente provados por documento, admissão ou confissão.

Compete ao juiz singular determinar, interpretar e aplicar a norma jurídica (art.º 607º/3CPC) e pronunciar-se sobre a prova dos factos admitidos, confessados ou documentalmente provados (art.º 607º/4 CPC).

Ás conclusões de direito são assimiladas, por analogia, as conclusões de facto, ou seja, “os juízos de valor, em si não jurídicos, emitidos a partir dos factos provados e exprimindo, designadamente, as relações de compatibilidade que entre eles se estabelecem, de acordo com as regras da experiência”[2].

O Professor ANTUNES VARELA considerava que deve ser dado o mesmo tratamento “às respostas do coletivo, que, incidindo embora sobre questões de facto, constituam em si mesmas verdadeiras proposições de direito”[3].

Em qualquer das circunstâncias apontadas, confirmando-se que, em concreto, determinada expressão tem natureza conclusiva ou é de qualificar como pura matéria de direito, deve continuar a considerar-se não escrita porque o julgamento incide sobre factos concretos.

O ponto 18 dos factos provados ao consignar: “[…]mas excessiva para o local, circunstâncias da via e condições climatéricas” expressa um juízo de valor sobre a concreta velocidade, que não se determinou, ponderando o conceito de direito nesta matéria (art.º 24º do Código da Estrada). Estando em causa apurar a velocidade do veículo apenas perante a indicação da concreta velocidade no confronto com os restantes factos apurados sobre as condições de circulação rodoviária, se poderá concluir se a velocidade se revela excessiva para o local.

A afirmação contida no ponto 18 por revestir natureza conclusiva e de direito, não pode ser introduzida na matéria de facto a apreciar pelo tribunal e desta forma mostra-se prejudicada a reapreciação da decisão, com tal objeto, devendo eliminar-se do texto.

Em relação aos pontos 19 e 20 dos factos provados e consideração final do ponto 18 dos factos provados, carece a apelante de legitimidade para requerer a sua reapreciação.

Julgou-se provado:

18.[…] recorde-se que chovia e era noite.

19. De tal forma que apercebendo-se da presença inusitada do PC à sua frente, ainda acionou o sistema de travagem,

20. Sem que conseguisse imobilizar o veículo, assim evitando o embate entre a frente do TT e a traseira do PC, o que sucedeu.

Nos termos do art.º 631º/1 CPC, em regra, apenas pode recorrer quem sendo parte principal na causa ficou vencido.

A matéria contida na parte final do ponto 18 e nos pontos 19 e 20 dos factos provados reproduz de forma sucinta os factos alegados pela autora na petição (cf. art.º 20º a 25º).

Aliás, o ponto 18 (parte final) dos factos provados, onde se afirma “recorde-se que chovia e era noite”, reproduz o que já consta provado sob os pontos 8 e 9, que corresponde à versão que a autora alegou na petição (cf. art.9º e 10º). 

Desta forma, não se mostrando vencida a autora quanto à concreta matéria de facto, carece de legitimidade para impugnar a decisão, motivo pelo qual não se procede à reapreciação da decisão, quanto à parte final do ponto 18 e pontos 19 e 20 dos factos provados.

A reapreciação da decisão de facto fica circunscrita ao ponto 18 dos factos provados e o ponto 1 dos factos julgados não provados.


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Nos termos do art.º 662º/1 CPC a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto:

“[…]se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.

A respeito da gravação da prova e sua reapreciação cumpre considerar, como refere ABRANTES GERALDES, que funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, “tem autonomia decisória”. Isto significa que deve fazer uma apreciação crítica das provas que motivaram a nova decisão, de acordo especificando, tal como o tribunal de 1ª instância, os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador[4].

Nessa apreciação, cumpre ainda, ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.

Decorre deste regime que o Tribunal da Relação tem acesso direto à gravação oportunamente efetuada, mesmo para além dos concretos meios probatórios que tenham sido indicados pelo recorrente e por este transcritos nas alegações, o que constitui uma forma de atenuar a quebra dos princípios da imediação e da oralidade suscetíveis de exercer influência sobre a convicção do julgador, ao mesmo tempo que corresponderá a uma solução justificada por razões de economia e celeridade processuais[5]

Cumpre ainda considerar a respeito da reapreciação da prova, em particular quando se trata de reapreciar a força probatória dos depoimentos das testemunhas, que neste âmbito vigora o princípio da livre apreciação, conforme decorre do disposto no art.º396º CC e art.º607º/5, 1ª parte CPC.

Como bem ensinou ALBERTO DOS REIS: “[…] prova […] livre, quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei”[6]

Daí impor-se ao julgador o dever de fundamentação das respostas à matéria de facto – factos provados e factos não provados (art.º 607º/4 CPC).

Esta exigência de especificar os fundamentos decisivos para a convicção quanto a toda a matéria de facto é essencial para o Tribunal da Relação, nos casos em que há recurso sobre a decisão da matéria de facto, poder alterar ou confirmar essa decisão.

É através dos fundamentos constantes do despacho em que se respondeu à matéria da base instrutória que este Tribunal vai controlar, através das regras da lógica e da experiência, a razoabilidade da convicção do juiz do Tribunal de 1ª instância[7], sem prejuízo de formar a sua própria convicção, perante a prova produzida.

Como observa ABRANTES GERALDES:”[s]em embargo da ponderação das circunstâncias que rodearam o julgamento na 1ª instância, em comparação com as que se verificam na Relação, esta deve assumir-se como verdadeiro tribunal de instância e, portanto, deve introduzir na decisão da matéria de facto impugnada as modificações que se justificarem, desde que, dentro dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova, encontre motivo para tal”[8].

Ponderando estes aspetos, face aos argumentos apresentados pela apelante, tendo presente o segmento da sentença que se pronunciou sobre a fundamentação da matéria de facto, justifica-se, em parte, alterar a decisão de facto, pelos motivos que se passam a expor.

- Ponto 18 dos factos provados-

- Por seu turno, o condutor do TT circulava na referida Avenida a velocidade não concretamente apurada.

 Na fundamentação da decisão ponderou-se, como se passa a transcrever:

“Os factos 15 a 20 assentaram por um lado no depoimento de EE e por outro em presunções judicias, como passamos a explicar:

As chamadas ilações ou presunções da vida radicam em o “juiz valendo-se de certo facto e de regras de experiência concluir que aquele denuncia a existência de um outro facto.

Ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode utilizar o juiz a experiência da vida, da qual resulte que um facto é consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra de experiência, ou se se quiser, vale-se de uma prova de primeira aparência – Vaz Serra BMJ 110/190 –.

Podemos assim afirmar que a chamada presunção judicial é a ilação que o julgador tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido – cfr. Art.º 349 do Código Civil.

O depoimento da testemunha EE assumiu especial relevância na medida em que o mesmo conduzia no sentido ... – ..., na fila de trânsito compacta referida no facto 14 provado e quando chegou ao local em que a Avenida ... entronca com a Rua ... teve que travar repentinamente por forma a evitar o embate com o PC que se atravessou à sua frente, vindo da Rua ..., para seguir pela mesma Avenida mas no sentido ... – ....

De acordo com a testemunha, a fila de trânsito onde seguia, deslocava-se a uma velocidade de cerca de €40 Km/h, era noite e chovia e quando o PC entrou na via de trânsito que serve a circulação de veículos em sentido oposto ao seu, foi embatido pela carrinha na parte de trás direita que ainda derrapou.

Apontamos como facto essencial a velocidade a que seguia a testemunha – 40 km/h – o que lhe permitiu travar e parar no espaço livre disponível à sua frente sem que ocorresse o embate com o PC que se atravessou à sua frente, recorde-se, vindo de uma rua sinalizada com um “Stop” e ato contínuo passou a circular em sentido contrário.

Daqui resulta que a carrinha TT não podia circular a 40 km/h pois, o seu condutor disse que travou, mas “a carrinha ganhou mais força” e foi embater na traseira do PC, o que não sucedeu com a viatura da testemunha EE. Se considerarmos ainda que o local configura uma reta - e diga-se extensa - como resulta das imagens constantes da ata de audiência de julgamento, concluímos que o TT circulava a uma velocidade desajustada às condições da via e meteorológicas que se faziam sentir, de tal forma que não permitia a paragem do veículo no espaço livre à sua frente, sem que embatesse num obstáculo que ali aparecesse de forma repentina, como se provou ter sucedido”.

A apelante sugere a alteração da decisão, passando a considerar-se não provado o facto em causa.

Para sustentar a alteração faz apelo a excertos do depoimento das testemunhas AA, condutor do veículo da autora e EE. Considera que o depoimento da testemunha CC, condutor do veículo com matrícula PC, se revela contraditório, o que lhe retira relevo probatório.

Está em causa apurar a velocidade a que circulava o veículo da autora, com matrícula ..-..-TT no momento que precedeu a colisão.

Na versão da autora, conforme alegado na petição, o veículo circulava a velocidade não superior a 40 km/h (art.º 33º da petição).

A ré, por sua vez, alegou que o veículo circulava a mais de 90 km/h (art.º 10º da contestação).

A todo o veículo que se encontra em circulação corresponde uma velocidade e tal velocidade deve ser determinada a partir das concretas circunstâncias em que ocorreu a colisão, valorizando os factos instrumentais alegados pelas partes ou que resultam da discussão da causa, o que impede desde logo que se julgue não provada tal matéria, como pretende a apelante.  

Ponderando o depoimento das testemunhas, o croqui junto com o auto de participação (inserido a páginas 787 do processo eletrónico sistema Citius) e as fotografias que constam dos autos, quanto às caraterísticas do local, juntas com a petição e contestação e estado dos veículos após a colisão (obtidas no dia em que ocorreu a colisão - inseridas a páginas 310 e 126 a 128 do processo eletrónico, sistema Citius) resulta provado que o veículo da autora circulava a uma velocidade de cerca de 50 Km/h.

Com efeito, de acordo com o depoimento da testemunha AA, condutor do veículo com matrícula ..-..-TT (veículo da autora) o acidente ocorreu cerca das 18.30 horas, estava um dia chuvoso e o veículo seguia no sentido ...-.... Referiu que no sentido oposto havia uma fila de trânsito e “ao chegar ao cruzamento só vê o senhor a sair, travou e bateu”. Referiu, ainda, que “vou atento para a frente; o senhor saiu do nada; sai do cruzamento; a carrinha derrapou e bateu”.

Esclareceu que era noite, estava um dia chuvoso, conduzia o veículo da autora e seguia consigo o irmão. A via de onde veio o outro veículo tem um sinal de Stop. O outro veículo tinha marca Citroen e a cor azul escuro. Referiu, ainda, que ao chegar ao entroncamento, “o senhor mete-se na frente; travou; derrapou; quando o viu meteu os pés ao travão”.

Disse que o veículo que conduzia bateu com a frente lado esquerdo (lado do condutor), na traseira do outro veículo, lado mais direito.

Exibido o croqui disse que o local de embate se situa “mais ou menos a seguir onde tem o tracejado”. Disse também que não tinha como fugir, porque a estrada só tem uma fila. Viu o veículo e travou, mas a carrinha derrapou, “ganhou lanço”.

Questionado sobre a velocidade a que circulava o veículo, disse que seguia no máximo a 50 km/h, pois conduzia uma carrinha de trabalho e não podia circular a velocidade superior.

Esclareceu que a colisão ocorreu no entroncamento “mesmo à beira da ponte, o que antecede a ponte”, “o senhor sai da rua de ...”. Antes do embate não consegue ver este veículo devido à fila e quando “deu pelo carro não tem tempo para mais nada, estava mesmo em frente”. Não consegue ver se o outro veículo parou no Stop.

Referiu, mais uma vez, que bateu com a frente mais para o lado esquerdo e o veículo que conduzia sofreu danos nas óticas, motor e chaparia. Após a colisão o veículo que conduzia foi rebocado.

Esclareceu, quando inquirido pela ilustre mandatária da ré, que o veículo que conduzia embateu com a lateral esquerda da frente. A ótica do lado direito não foi afetada. Tinha a ideia que o embate no veículo foi mais ao centro.

Disse que travou e o veículo perdeu aderência e não tem mais controlo na carrinha. Referiu que habitualmente circula naquela estrada, porque mora em .... É normal verificar-se fila àquela hora. Referiu, também, que “ninguém parou para ceder a passagem”. Havia uma fila em “pára-arranca”. “O senhor saiu muito repentino. Meteu-se à queima-roupa. Na outra fila o condutor de outro veículo teve que travar”.

 Esclareceu que “bateu na traseira lado direito” do outro veículo. Quando se apercebeu do senhor está meter-se. O embate ocorre na traseira, lateral lado direito, nas óticas e depois o veículo ainda foi embater no rail, encostou-se para a direita; a seguir andou um bom bocado e só depois é que parou. Foi embater nos rails, porque descontrolou-se. Bateu e ainda andou um bocado para a frente”.

Disse que o outro veículo também foi rebocado.

Por fim, em esclarecimentos que prestou junto da senhora juiz, disse que a via no local se desenvolve em reta e quando viu o outro veículo, este estava a “acabar de se meter na sua hemi-faixa, estava-se a meter; viu a frente do veículo, que não devia estar a mais de dez metros do seu veículo, mete o pé ao travão e bate. A estrada em sentido contrário estava cheia de carros. Derrapou. O embate foi logo ali e de seguida o outro veículo embateu nos rails. Bateram antes de atingir o poste de iluminação”. Disse “quando me apercebi estava mais ou menos em cima do outro veículo, sem possibilidade de me desviar”.

A testemunha CC, condutor do outro veículo interveniente no acidente, veículo com matrícula ..-..-PC, referiu que “estava para entrar na rua na direção de ... e o carro que vem da esquerda parou para dar passagem. Entrou na hemi-faixa de rodagem, andou 25 metros e depois o automóvel bateu-lhe”. Disse que era inverno, noite e chovia.

O automóvel que conduzia tinha a marca Citroen ... e após o embate foi para abate. O outro veículo era uma carrinha, branca, caixa fechada, com três lugares.

Esclareceu que saiu da rua de ... com direção a .... No seu sentido de marcha tinha um sinal de Stop. Parou no stop, entrou e “o outro veículo bateu na traseira; não foi de lado”. Havia fila de trânsito à esquerda, que andava devagar. Pararam para entrar. Entrou e o outro veículo vinha bastante distante e só se apercebeu quando lhe bateu. O cruzamento tem luz pública. Disse, ainda, que se apercebeu que o carro vinha, a tal carrinha; teve tempo para entrar, “pois senão entrasse não saía dali para fora”.

Disse ainda, que o outro veículo foi bater 30 metros à frente. Vinha distraído, com velocidade. Bateu na traseira, na mala do carro. Referiu, ainda, que “não embateu nos rails”, mas depois, referiu “sei lá se bateu” e voltou a referir que “o outro veículo bateu 25 metros à frente”. O veículo que conduzia foi rebocado.

Mais referiu que o embate verificou-se depois do poste e após o embate os veículos ficaram ali.

Esclareceu, por fim, que não se recorda se após o embate o seu veículo andou um pouco para a frente. Depois do embate o veículo foi rebocado. Era um veículo com 1500 cilindrada e um carro lento.

A testemunha EE referiu que viu o acidente, porque conduzia um veículo em sentido contrário, pois vinha de ... e dirigia-se para o .... Disse conhecer o condutor do veículo da autora, por manter relações comerciais com a firma autora.

Disse que conduzia o seu veículo “numa fila de trânsito devagar e de repente à saída da ponte, de lá para cá, saiu um carro muito depressa e de seguida ouve a carrinha a derrapar e bateu”. A testemunha disse que teve de travar.

Esclareceu que atento o sentido em que seguia havia uma fila de trânsito à sua frente e atrás. Na outra faixa também circulavam carros, mas não seguiam em fila compacta. Chovia, era noite e inverno.

Disse que o veículo surgiu do lado direito, na diagonal. Teve que travar mesmo em cima da passagem. “Entrou um bocadinho à queima”. O outro automóvel tinha a marca Citroen.

Mais referiu que parou logo ali o seu automóvel e dirigiu-se à carrinha para perguntar se precisavam de algo e deixou o seu contacto. Ficou no local cerca de 10 a 15 minutos e não estava presente quando chegou a autoridade policial. Chovia e a estrada estava escorregadia.

Disse que o Citroen passou à frente da sua carrinha e a estrada de onde surgiu tem um Stop, desconhecendo se o veículo parou no sinal. A testemunha “teve que travar senão batia”. Em seguida “só ouviu a derrapagem e bateu no lado direito do carro, quando este ainda estava meio de lado, pois não estava totalmente na faixa de rodagem”. O embate ocorreu antes do poste de eletricidade, logo à saída do entroncamento. Bateram e depois foram projetados e disse, ainda, não saber se o Citroen bateu no rail.

Esclareceu, quando inquirido pela ilustre mandatária da ré, que o veículo Citroen surgiu do lado direito, onde tem um Stop. Conhece bem a estrada. Seguia numa fila contínua, mas lenta de trânsito. Só viu o automóvel Citroen quando este surgiu. De noite vê-se luzes. Vinha tranquilo e com a travagem que fez não provocou um acidente, mas alguém apitou. “Ouviu a derrapagem que passou ao meu lado esquerdo. Ao tempo que bateu parou e eu estava parado, fiquei parado ao lado da carrinha”. O veículo Citroen parou no fim das linhas de separação. Primeiro ocorre a derrapagem e depois o embate.

Mais referiu que o Citroen estava a entrar na estrada, estava na diagonal. A carrinha bateu na parte detrás, do lado direito. O embate ocorre quando a traseira estava a começar a entrar na outra faixa.

Referiu que depois do embate estacionou à frente do triângulo.

Disse, ainda, que circulava a 30-40km/h na fila. Travou e não derrapou. Travou e parou. Disse, também, não saber a velocidade a que circulava a carrinha branca, mas que a derrapagem aconteceu num espaço como “daqui para a senhora juiz”. Apercebe-se da carrinha por causa da derrapagem.

Analisadas as fotografias inseridas a páginas 310 e 126 a 128 do processo eletrónico, sistema Citius, as quais não foram objeto de impugnação, verifica-se que o veículo da autora apresenta danos na frente, com principal incidência no centro. O veículo segurado, por sua vez, apresenta danos na traseira, mas sobre o lado direito, de tal forma, que o farol traseiro esquerdo não está danificado.

Resulta do depoimento das testemunhas AA e CC, condutores dos veículos intervenientes na colisão, duas versões distintas a respeito da dinâmica do acidente, sendo certo que o depoimento da testemunha CC não foi corroborado por qualquer meio de prova.

A extensão dos danos no veículo segurado, tal como resulta das fotografias juntas aos autos, com particular incidência sobre a traseira, lado direito do veículo, constitui um elemento objetivo que permite conferir maior credibilidade à versão do acidente exposta pela testemunha AA e que foi confirmada pelo depoimento da testemunha EE. Decorre do depoimento das testemunhas que o embate ocorre quando o veículo ..-..-PC estava a completar a manobra de mudança de direção à esquerda, atento o sentido de marcha em que seguia, o que explica os danos sobre a parte traseira lado direito, porque ainda não estava em plena faixa de rodagem, mas a completar a manobra. Aliás, só assim se explica que a testemunha AA refira que vê o veículo segurado a entrar e trava, acabando por embater na traseira sobre o lado direito.

Fica, assim, afastada a versão da testemunha CC, quando refere que a colisão ocorre quando se encontrava em plena circulação na hemi-faixa de rodagem no sentido de ....

Acresce que a testemunha admitiu que viu o veículo da autora, mas mesmo assim decidiu avançar, mas não disse quando o viu, se antes de avançar ou já em cima do entroncamento. Se foi antes de avançar não o devia ter feito e se foi em cima do entroncamento, isso significa que o veículo estava muito próximo, porque o embate ocorreu de imediato.

Por outro lado, o local provável do embate indicado no croqui que consta do auto de participação elaborado pela GNR, leva de igual modo a atribuir maior credibilidade ao depoimento da testemunha AA, que referiu que o embate ocorre logo na saída do entroncamento e antes do poste de eletricidade, por ser este o local que ali foi indicado. Tal circunstância também permite avaliar a proximidade a que se encontravam os veículos quando o condutor do veículo segurado invadiu a hemi-faixa por onde circulava o veículo da autora, demonstrando que o veículo da autora estava a atingir o entroncamento.

Acresce que apenas a testemunha AA indicou a velocidade a que circulava o veículo da autora, cerca de 50 km/h. A testemunha CC apesar de referir que o veículo circulava “com velocidade”, não indicou nenhum elemento objetivo que permitisse densificar tal conceito. O facto de referir que antes de completar a manobra ainda avistou o veículo da autora, não será suficiente para estabelecer uma velocidade, muito menos próxima da indicada pela ré seguradora. Atendendo ao facto de ser noite, chover, existir trânsito automóvel intenso, com fila na hemi-faixa de rodagem contrária àquela por onde circulava o veículo da autora, a extensão dos danos nos dois veículos (apenas na traseira do PC e parte da frente do TT) e ainda, o facto de ficarem parados próximo do local onde ocorreu a colisão, apenas permite concluir que a velocidade a que circulava o veículo não poderia exceder os 50 km/h.

A travagem brusca do veículo da autora revela a proximidade do veículo segurado e a derrapagem explica-se pelo facto de estar a chover e o piso escorregadio, perdendo o veículo aderência. A considerar-se a velocidade indicada pela ré (superior a 90 km/h), as consequências seriam mais graves, com danos muito superiores para os dois veículos e por certo teriam envolvido outros veículos.

Considera-se, ainda, que a velocidade a que circulava o veículo conduzido pela testemunha EE não pode servir de referência para apurar a velocidade a que seguia o veículo da autora, porque a velocidade de um veículo numa fila de trânsito em marcha lenta não pode ser a mesma a que circula um veículo em marcha normal numa via livre e desimpedida, e além do mais com prioridade.

Conclui-se que se justifica alterar a decisão, mas dando como provada a velocidade a que circulava o veículo, passando o ponto 18 dos factos provados a ter a seguinte redação:

- O condutor do TT circulava na referida Avenida a uma velocidade de cerca de  50 km/h.


-

Passando à reapreciação do ponto 1 dos factos não provados.

Considerou-se não provado:

- A reparação dos danos do TT foi orçamentada em 4 255,80 (quatro mil duzentos e cinquenta e cinco euro e oitenta cêntimos), por conta dos serviços de chapeiro, pintura, mecânico e materiais.

Para fundamentar a decisão considerou-se como se passa a transcrever:

“[…]Por fim os factos 23 a 26, resultaram da conjugação do depoimento da testemunha AA, condutor do TT e filho do legal representante da autora, com as declarações de parte deste último, que se mostraram sinceras e quanto a estes factos credíveis.

No que respeita aos factos não provados, foram assim considerados por estarem em contradição com outros assentes, nos termos e com os fundamentos que antecedem, por não terem logrado referência testemunhal ou documental.

Veja-se que a autora começa por valorar os danos do TT com base numa estimativa de danos elaborada pela C... e acaba por juntar com a petição inicial aperfeiçoada um documento onde os danos ascendem a €1.460,39, deixando o Tribunal sem perceber quais os estragos efetivamente provocados no TT e qual o montante necessário à sua reparação.[…]”.

A apelante sugere a alteração no sentido de se julgar provada tal matéria de facto, sustentando a alteração no depoimento das testemunhas AA e DD, legal representante da autora (indevidamente indicado como sendo EE, como se pode constatar da ata de julgamento) bem como, nos documentos juntos com a petição aperfeiçoada e as informações fornecidas pela C....

Está em causa apurar o custo da reparação dos danos que o veículo ..-..-TT sofreu em consequência da colisão.

Em declarações de parte, o legal representante da autora, DD disse que obteve um orçamento para reparação do veículo, no qual o custo da reparação com IVA incluído ascendia ao montante de € 4.256,00.

O veículo foi objeto de peritagem pela seguradora C..., que considerou o veículo na situação de perda total.

Mais referiu que considera a reparação viável e não pretende trocar de veículo. Disse que depois do acidente foi rebocado para a oficina mecânica em ... “D...” de FF “qualquer coisa”. Fizeram a peritagem. Recebeu a informação para perda total e a oficina começou a exigir o pagamento de aluguer por ocupação do espaço. Optou por transportar o veículo para as instalações da autora e não mandou reparar.

A testemunha AA referiu que seu pai (legal representante da autora) comentou que fizeram a peritagem e pediu orçamento à empresa “D...” e que o custo da reparação ascenderia ao montante de quatro mil, e tal euros. Não viu o documento e apenas sabe o que o pai lhe disse. Após o acidente foi o pai, quem tratou de tudo.

Esclareceu que a carrinha está parada. Nunca mandaram arranjar a carrinha porque é complicado para arranjar peças.

Com a petição aperfeiçoada a autora juntou um orçamento com o valor global da reparação – cf. articulado inserido a páginas 258 do processo eletrónico sistema Citius -, no qual se fixa de forma discriminada o custo das peças e dos diversos trabalhos a executar (cf. fls. 313 a 315 – documento nº 16). O valor ali indicado é de € 4 262,29, para mão-de- obra e € 1 460,39, para peças, com IVA incluído.

C... Companhia de Seguros S.A., por solicitação do tribunal e a pedido da autora, juntou a peritagem que realizou ao veículo – cf. documento inseridos a páginas 508 a 528 do processo eletrónico sistema Citius. O orçamento que acompanha a informação prestada calcula o custo da reparação em € 5.258,53, com IVA incluído.

Apreciando a prova.

Nos termos do art.º 466º/1 CPC as partes podem prestar declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento direto.

As declarações prestadas são apreciadas livremente pelo tribunal, salvo se constituírem confissão, como se prevê no art.º 466º/3 CPC.

A parte deve ser admitida a prestar declarações apenas sobre factos em que tenha intervindo pessoalmente ou de que tenha conhecimento direto e que sejam instrumentais ou complementares dos alegados.

Daqui resulta que não merece relevo probatório as declarações que assentem em relato de terceira pessoa e ainda, aquela em que a parte se limita a narrar os factos alegados no respetivo articulado.

Como refere FERNANDO PEREIRA RODRIGUES: “[…] também é suposto que a parte ao requerer a prestação das suas declarações não seja apenas para confirmar o que já narrou nos articulados através do seu mandatário. Seria inútil a repetição do que já é do conhecimento do tribunal. Por isso, estarão sobretudo em causa factos instrumentais ou complementares dos alegados de que a parte tenha tido conhecimento direto ou em que interveio pessoalmente e que se mostrem com interesse para a descoberta da verdade”[9].

LEBRE DE FREITAS a propósito do valor probatório das declarações de parte observa:” [a] apreciação que o juiz faça das declarações de parte importará sobretudo como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas e, quando outros não haja, como prova subsidiária, máxime se ambas as partes tiverem sido efetivamente ouvidas”[10].

O valor probatório das declarações de parte, avaliado livremente pelo tribunal, estará sempre dependente do confronto com os demais elementos de prova.

No caso presente constata-se que o veículo sofreu danos, por efeito da colisão, que atingiram a parte da frente do veículo, o que foi referido pela testemunha AA e pode observar-se nas fotografias recolhidas ao veículo e inseridas a páginas 510 a 526 do processo eletrónico, sistema Citius.

Nenhuma prova foi produzida que possa invalidar tal juízo de avaliação.

O declarante DD veio esclarecer onde obteve o orçamento para reparação do veículo e foi confrontado com a informação fornecida pela C..., a respeito da situação de perda do veículo, sendo certo que esta questão não foi suscitada pela ré-seguradora no presente processo.

O declarante não se limitou a depor sobre os factos alegados e controvertidos, decorrendo do seu depoimento o propósito de proceder à reparação do veículo e ainda, o valor estimado para essa reparação, com IVA incluído.

O valor que indicou - € 4255,00, com IVA incluído - está comprovado no orçamento que a autora apresentou e juntou com a petição inicial e depois com a petição aperfeiçoada (inserido a páginas 313 do processo eletrónico sistema Citius).

 Apesar de ser este o valor indicado no orçamento inicial, constata-se que já não corresponde ao valor que consta dos documentos juntos com a petição aperfeiçoada, onde vêm discriminados os serviços e peças a aplicar. 

Com efeito, nesse documento, designado “ordem de reparação”- doc.nº16 - o valor indicado é de € 4.262,29, para mão-de-obra e € 1.460,39, para peças, ambos com IVA incluído.

Estes valores aproximam-se dos indicados no relatório pericial com data de em 25 de novembro de 2019 elaborado pela seguradora C..., onde se conclui que o custo total da reparação, com IVA, ascende a € 5.258,53.

Com efeito, neste relatório o custo total da reparação, sem IVA, ascende a € 4.275,23, que se aproxima do indicado no orçamento inicial. O orçamento inicial e a peritagem foram realizadas na mesma oficina de mecânica – “D...”. A disparidade de valores apenas se explica pelo facto de não estar a ser incluído no orçamento o IVA à taxa legal, pois nenhuma outra explicação foi apresentada.

Refira-se, ainda, que a informação e documentação que C... juntou não constituíram objeto de impugnação, o que reforça o valor probatório de tal elemento de prova.

Apreciando as declarações prestadas pelo legal representante da autora em confronto com a prova documental em particular a informação fornecida pela C... Companhia de Seguros, SA é de concluir que o veículo da autora sofreu danos, cuja reparação exige trabalhos de chapeiro, pintura, mecânico e aplicação de peças, ascendendo o custo da reparação ao montante de €4.255,80.

Os restantes elementos de prova não permitem concluir que este valor inclui o IVA à taxa legal, pelo que nesta parte as declarações prestadas não obtiveram confirmação na restante prova produzida.

Justifica-se, assim, alterar a decisão, passando a constar do enunciado dos factos provados, o seguinte facto:

27 - A reparação dos danos do TT foi orçamentada em 4 255,80 (quatro mil duzentos e cinquenta e cinco euro e oitenta cêntimos), por conta dos serviços de chapeiro, pintura, mecânico e materiais, valor ao qual acresce IVA à taxa legal.

Concluindo, procedem em parte as conclusões de recurso, sob os pontos 1 a 4, e nessa conformidade altera-se a decisão de facto, eliminando o ponto 1 dos factos não provados e reformula-se a redação dos factos provados nos seguintes termos:

- ponto 18: O condutor do TT circulava na referida Avenida a uma velocidade de cerca de 50km/h.

- ponto 27 - A reparação dos danos do TT foi orçamentada em 4 255,80 (quatro mil duzentos e cinquenta e cinco euro e oitenta cêntimos), por conta dos serviços de chapeiro, pintura, mecânico e materiais, valor ao qual acresce IVA à taxa legal.


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Na apreciação das restantes questões cumpre ter presente os seguintes factos provados e não provados, com as alterações introduzidas por efeito da reapreciação da decisão de facto, as quais passam a constar em itálico:

1. No dia 19 de novembro de 2019, pelas 18h25m, na Avenida ..., freguesia ..., concelho do Marco de Canaveses, ocorreu um acidente de viação.

2. Foram intervenientes do referido acidente de viação os dois veículos seguintes:

 - Veículo ligeiro de mercadorias, marca Mercedes-Benz, com a matrícula ..-..-TT (doravante designado de “TT”, por mera comodidade de exposição), propriedade da Autora, A..., Lda., e à data conduzido por AA; e o

- Veículo ligeiro de passageiros, marca Citroën ..., com a matrícula ..-..-PC (doravante designado de “PC”, por mera comodidade de exposição), propriedade de BB e à data conduzido por CC.

3. Por acordo escrito titulado pela apólice ... a ré assumiu a responsabilidade civil pelos danos causados pela circulação do Citroen ... com a matrícula ..-..-PC.

4. No local do embate a Avenida ..., é constituída por duas vias de trânsito, destinadas à circulação de veículos automóveis em sentidos opostos, separadas por um separador central.

5. A via de trânsito destinada à circulação ... – ..., onde se deu o embate tem a largura de 3,10m.

6. Trata-se de uma reta e entronca pelo lado esquerdo, para quem segue no referido sentido ...-..., com a Rua ....

7. No local do embate o piso da referida Avenida, encontrava-se em bom estado de conservação e era betuminoso.

8. Estava a anoitecer (18h25m) e o dia em questão encontrava-se chuvoso.

9. O piso estava molhado.

10. O condutor do veículo TT circulava no sentido ...-... pela referida Avenida.

11. O condutor do PC seguia na Rua ..., em direção à Avenida ....

12. No local onde a Rua ... entronca com a Avenida ... existe um sinal vertical de “stop”.

13. Porque pretendesse passar a circular pela referida Avenida no sentido ... – ..., necessitando de mudar de direção à esquerda.

14. E uma vez que no sentido ... – ... da mesma Avenida seguia uma fila compacta de viaturas,

15. O condutor do PC, “furou” a referida fila de trânsito.

16. E ato contínuo passou a circular no sentido ...-....

17. Sem que acautelasse a ausência de veículos em circulação num e noutro sentido da Avenida ....

18. O condutor do TT circulava na referida Avenida a uma velocidade de cerca de 50 km/h.

19. De tal forma que apercebendo-se da presença inusitada do PC à sua frente, ainda acionou o sistema de travagem.

20. Sem que conseguisse imobilizar o veículo, assim evitando o embate entre a frente do TT e a traseira do PC, o que sucedeu.

 21. A 9 de janeiro de 2020 a ré, através de carta, comunicou à autora o seguinte: “(…).Analisámos os elementos de prova reunidos no processo, nomeadamente Auto de Ocorrência, que demonstram que não nos permitem concluir, de forma inequívoca, pela culpabilidade de qualquer dos condutores intervenientes. Assim, consideramos que a responsabilidade deve ser repartida, atribuindo 50% de responsabilidade ao condutor da sua viatura (…)”.

22. Mercê do embate o veículo da Autora, matrícula ..-..-TT, sofreu estragos na parte da frente.

23. O veículo matrícula ..-..-TT, à data do acidente em discussão, era utilizado pela Autora para o exercício da sua atividade comercial de carpintaria, designadamente para transporte de materiais.

24. Sempre o utilizou, e pretende continuar a utilizar no exercício da sua atividade comercial.

25. O veículo da Autora devido aos danos sofridos ficou imediatamente impossibilitada de circular.

26. A autora está impossibilitada de usar e fruir do TT desde a data do acidente.

27. A reparação dos danos do TT foi orçamentada em 4 255,80 (quatro mil duzentos e cinquenta e cinco euro e oitenta cêntimos), por conta dos serviços de chapeiro, pintura, mecânico e materiais, valor ao qual acresce IVA à taxa legal.


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Factos não provados

1. Eliminado.

2. O TT percorria em média cerca de vinte mil quilómetros no ano.

 3. O preço médio de aluguer de um veículo de idêntica classe ao da autora é de 10,00 €/diários.

4. A Autora adquiriu o TT em 14/12/2015.

5. Era BB que controlava o funcionamento do veículo PC, pois fazia as respetivas revisões e reparações, pagava os prémios do respetivo seguro obrigatório, conduzia e emprestava o mesmo a quem entendesse e no momento do acidente de viação havia emprestado o veículo ao condutor, CC.


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- Da responsabilidade na produção do acidente -

Nos pontos 5 a 10 das conclusões de recurso a apelante insurge-se contra o segmento da sentença que conclui que o acidente ocorreu por facto imputável a culpa concorrente dos dois condutores, fixando a responsabilidade em 50% para cada condutor.

Defende que o acidente ocorreu por culpa exclusiva do condutor do veículo segurado que não só não respeitou a prescrição do sinal de Stop, parando antes de ingressar na via, como não concedeu a prioridade aos veículos que se apresentavam à sua direita, dando causa ao acidente. Considera não ser de atribuir qualquer responsabilidade ao condutor do veículo da autora que seguia a uma velocidade adequada às condições da via e apenas não conseguiu deter o seu veículo devido às condições atmosféricas.

Para o caso de assim não se considerar, defende que na repartição da responsabilidade se deve atender a um proporção de 30% para o condutor do veículo da autora e 70% para o condutor do veículo segurado.

A questão a apreciar consiste em determinar a responsabilidade na produção do acidente.

A presente ação insere-se no âmbito das ações de indemnização por responsabilidade civil que têm como causa um acidente de viação.

A obrigação de indemnizar por responsabilidade civil tem como pressupostos a prática de um facto ilícito, imputável a título de culpa, existindo entre o facto e o dano um nexo de causalidade (art.º 483º CC).

No domínio da responsabilidade civil por acidentes de viação, a responsabilidade civil pode ser imputada a título de culpa – efetiva ou presumida – ou de risco (art.º 503º/3 conjugado com o art.º 500º CC e art.º 503º/1 CC).

É jurisprudência assente que, em matéria de responsabilidade civil, resultante de acidente de viação, cujo dano foi provocado por uma contraordenação ao Código da Estrada, existe uma presunção “iuris tantum” de negligência contra o autor da contraordenação, cabendo-lhe o ónus da contraprova do facto justificativo ou de factos que façam criar a dúvida no espírito do juiz[11].

Contudo, de igual modo, entende-se que não basta a prova de factos que configuram uma contraordenação ao Código da Estrada, pois inserindo-se a apreciação da responsabilidade no domínio da responsabilidade civil, torna-se de igual forma necessário provar o nexo de causalidade entre a contraordenação praticada e o dano ou prejuízo sofrido[12].

Trata-se assim de saber se a conduta comissiva ou omissiva em que se traduz uma contraordenação estradal é (ou foi), segundo as circunstâncias concretas do caso, idónea para produzir o evento danoso ocorrido. Não devem ser consideradas causais daquele evento aquelas contraordenações concomitantes embora com ele mas sem a ocorrência das quais o dito evento se teria igualmente produzido.

Torna-se, assim, necessário demonstrar a existência do nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano.

O acidente em discussão nestes autos ocorreu em 19 de novembro de 2019, pelo que, na apreciação da conduta dos intervenientes no sinistro cumpre ter presente o regime do Código da Estrada, aprovado pelo Decreto –Lei n.º 114/94, de 3 de maio (alterado pelos Decretos –Leis n.ºs 214/96, de 20 de novembro, 2/98, de 3 de janeiro, que o republicou, 162/2001, de 22 de maio, 265 -A/2001, de 28 de setembro, que o republicou, pela Lei n.º 20/2002, de 21 de agosto, pelos Decretos-Leis n.ºs 44/2005, de 23 de fevereiro, que o republicou, 113/2008, de 1 de julho, e 113/2009, de 18 de maio, pelas Leis n.ºs 78/2009, de 13 de agosto, e 46/2010, de 7 de setembro, e pelos Decretos –Leis n.ºs 82/2011, de 20 de junho).

Na sentença considerou-se que o embate ocorreu por facto imputável ao condutor do veículo PC que circulava em contraordenação ao art.º 3º do Código da Estrada e ao comando a que corresponde o sinal “STOP”-B2 e ao condutor do veículo da autora que conduzia o veículo em excesso de velocidade, em contraordenação ao art. 24º do Código da Estrada.

Prevê o art.º 29º do Código da Estrada:

1. O condutor sobre o qual recaia o dever de ceder a passagem deve abrandar a marcha, se necessário parar, ou, em caso de cruzamento de veículos, recuar, por forma a permitir a passagem de outro veículo, sem alteração da velocidade ou direção deste.

2. O condutor com prioridade de passagem deve observar as cautelas necessárias à segurança do trânsito.

Estabelece o art.º 30º/1 do Código da Estrada que:

1. Nos cruzamentos e entroncamento o condutor deve ceder a passagem aos veículos que se lha apresentem pela direita.

No art.º 21º do Decreto Regulamentar nº 22-A/98 de 01 de outubro, considera-se “sinais de cedência de passagem”:

- B2 — paragem obrigatória no cruzamento ou entroncamento: indicação de que o condutor é obrigado a parar antes de entrar no cruzamento ou entroncamento junto do qual o sinal se encontra colocado e ceder a passagem a todos os veículos que transitem na via em que vai entrar.

No que respeita à velocidade estabelece o art.º 24º do Código da Estrada, como princípio geral, que:

“O condutor deve regular a velocidade de modo que, atendendo às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente”.

Por sua vez o art.º 25º/1c) dispõe que:

“A velocidade deve ser especialmente moderada:

f) Nas curvas, cruzamentos, entroncamentos, rotundas, lombas e outros locais de visibilidade reduzida.”

O art.º 27º determina, ainda, os limites gerais de velocidade, prevendo que:

“Sem prejuízo do disposto nos art.º 24º e 25º e de limites inferiores que lhes sejam impostos, os condutores não podem exceder as seguintes velocidades instantâneas ( em quilómetros/hora ):

- dentro das localidades, automóveis ligeiros de passageiros, sem reboque, 50 km/h. “

Estabelece, ainda, o Código da Estrada no art.º 35º, como princípio geral que:

o condutor só pode efetuar as manobras de ultrapassagem, mudança de direção, inversão do sentido de marcha e marcha atrás em local e por forma que da sua realização não resulte perigo ou embaraço para o trânsito.”

Em particular, no art.º 44º do Código da Estrada, prevê-se:

“o condutor que pretenda mudar de direção para a esquerda deve aproximar-se, com a necessária antecedência e quanto possível, da margem esquerda da faixa de rodagem ou do eixo desta, consoante a via esteja afeta a um ou a ambos os sentidos de trânsito, e efetuar a manobra de modo a entrar na via que pretende tomar pelo lado destinado ao seu sentido de circulação.”

Perante os factos provados somos levados a concluir que a colisão ocorreu por facto imputável ao condutor do veículo segurado, com matrícula ..-..-PC, por conduzir o veículo em contraordenação ao sinal B2 do Regulamento do Código da Estrada e não observar a regra do art.º 30º/1, 35º e 44º do Código da Estrada.

O condutor do veículo segurado deparando-se com um sinal de Stop estava obrigado a parar antes de entrar na via onde pretendia prosseguir a marcha. Mas para além disso, apenas devia avançar se as condições de circulação de trânsito na via o permitissem.

Por outro lado, estava obrigado a ceder passagem aos condutores que se apresentassem à sua direita.

Contudo o condutor do veículo segurado não observou tais procedimentos.

Vem-se a provar que na via onde pretendia entrar seguia uma fila compacta de veículos no sentido ... – ... (ponto 14 dos factos provados).

O condutor do PC, “furou” a referida fila de trânsito (ponto 15 dos factos provados).

E ato contínuo passou a circular no sentido ...-... (ponto 16 dos factos provados).

Sem que acautelasse a ausência de veículos em circulação num e noutro sentido da Avenida ... (ponto 17 dos factos provados).

Na Avenida ... circulava o veículo com matrícula ..-..-TT, no sentido ...-... (ponto 10 dos factos provados).

 O condutor do TT circulava na referida Avenida a uma velocidade de cerca de 50 km/h (ponto 18 dos factos provados).

De tal forma que apercebendo-se da presença inusitada do PC à sua frente, ainda acionou o sistema de travagem, sem que conseguisse imobilizar o veículo e embate entre a frente do TT e a traseira do PC (ponto 19, 20 dos factos provados).

Conduzia o veículo de forma imprevidente e sem usar da diligência e atenção exigíveis na concreta situação, sendo certo que estava em condições de conduzir o veículo observando as prescrições legais, mas não o fez, dando desta forma causa à colisão.

Cumpre ter presente que não se provou que o veículo propriedade da autora circulava a velocidade superior a 50 km/h e que o seu condutor conduzia de forma distraída e sem atenção ao trânsito o que o impediu de evitar o embate, factos cujo ónus da prova recaía sobre a apelada-ré, atento o disposto no art.º 483º e 342º/2CC, por configurarem a manobra contraordenacional que imputava ao condutor do veículo automóvel da autora e nos quais assentava os fundamentos da sua defesa.

Conforme decorre do preceito legal - art.º 27º Código da Estrada - a velocidade revela-se excessiva, ainda que compreendida nos limites legais se o condutor não conseguir executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente.

No caso concreto, provou-se ser de noite, estar a chover e o pavimento molhado (pontos 8 e 9 dos factos provados), seguindo o trânsito em sentido contrário em fila, surgindo o veículo segurado da esquerda e de forma súbita e imprevista – “o condutor do PC “furou” a referida fila de trânsito” -, o que impediu a paragem do veículo no espaço livre e visível à sua frente.

É de ainda de referir que circulando o veículo automóvel propriedade da autora numa via prioritária e usando da diligência necessária para conduzir em segurança, pela metade direita da via e dentro dos limites de velocidade permitidos no local, não seria exigível que contasse com as condutas contraordenacionais dos outros utentes da via, como aconteceu no caso concreto.

Não seria de prever que naquele local teria que circular a velocidade muito inferior a 50 km/h para evitar a colisão num veículo que lhe surgisse da esquerda no entroncamento, quando o trânsito se processava em fila na hemi-faixa contrária e além do mais, os veículos que se apresentassem pela esquerda tinham que observar a regra da prioridade de passagem. A travagem súbita e repentina evidencia a proximidade das viaturas e o imprevisto da situação, pois como se provou o condutor do veículo segurado entrou na via sem que acautelasse a ausência de veículos em circulação num e noutro sentido da Avenida.

A situação dos autos enquadra-se naqueles casos em que ocorre uma interrupção súbita do percurso normal, sendo percurso normal aquele que se processe em condições normais de respeito das regras de trânsito.

Não se provou que independentemente da violação das regras estradais (art. 21.º do Regulamento de Sinalização de Trânsito – aprovado pelo Decreto Regulamentar n.º 22- A/98, de 1 de outubro – nomeadamente quanto ao sinal B2) e Portaria n.º 311-B/2005, de 24 de março), por parte do condutor do veículo ..-..-PC,  sempre a colisão ocorreria.

Neste contexto é de concluir que apenas o condutor do veículo segurado ..-..-PC deu causa à colisão sendo imputável a título de culpa efetiva.

Procedem nesta parte as conclusões de recurso sob os pontos 5 a 10.


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- Dos danos -

Nas conclusões de recurso, sob os pontos 11 a 21, a apelante insurge-se contra o segmento da sentença que não atribuiu qualquer indemnização a título de despesas com a reparação do veículo ..-..-TT. Considera, ainda, que alterando-se a decisão quanto à responsabilidade, o montante arbitrado a título de dano com a privação de uso deve refletir essa alteração.

Cumpre apreciar se assiste à apelante/autora o direito a ser indemnizada pelas despesas com a reparação do seu veículo e se por efeito da alteração da decisão quanto à responsabilidade pela produção do acidente, deve a indemnização do dano por privação de uso refletir tal alteração.

No cálculo da indemnização cumpre ter presente o critério estabelecido nos art.º 562º a 566º CC.

De acordo com o art.º 562ºCC, que consagra o princípio da reposição natural, quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.

Dispõe o art.º 566º CC que a indemnização é fixada em dinheiro sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor.

Por outro lado, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e que teria nessa data se não existissem danos.

Se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados – art.º 566º/3 CC.

A indemnização em dinheiro tem carácter subsidiário, conforme decorre do disposto no art.º 562º CC, motivo pelo qual apenas tem lugar nas situações previstas no art.º 566º CC.

O fim precípuo da lei nesta matéria é o de prover à direta remoção do dano real à custa do responsável, visto ser esse o meio mais eficaz de garantir o interesse capital da integridade das pessoas, dos bens ou dos direitos sobre estes.

Recai sobre o lesado o ónus da prova dos danos, como decorre do art.º 342º/1 CC, conjugado com o art.º 487º /1 CC.

Por outro lado, é ao lesante e não ao lesado que a lei impõe a obrigação de reparar ou mandar reparar os danos produzidos a este[13].

A reconstituição natural, considera-se meio impróprio ou inadequado, quando for excessivamente onerosa para o devedor, isto é, quando houver manifesta desproporção entre o interesse do lesado, que importa recompor e o custo que a reparação natural envolve para o responsável[14].

A desproporção entre o interesse do lesado, que importa recompor, e o custo que a reparação natural envolve para o responsável, deve aferir-se através de elementos objetivos a permitir precisar que a mesma é idêntica para qualquer devedor.

Nestas circunstâncias recai sobre o devedor o ónus de alegar e provar a “excessiva onerosidade”, convertendo a obrigação de restituição natural em obrigação pecuniária (art.º 342º/2 CC).

A apelante veio peticionar a quantia de € 4.255,80 a título de indemnização devida com a reparação do veículo ..-..-TT.

Na sentença considerou-se e passa a transcrever-se:

“Em face da matéria apurada, apenas sabemos que o veículo da autora sofreu estragos na parte da frente, não tendo a mesma logrado provar quais os estragos concretos, por não os ter alegado, apesar do Tribunal ter formulado um convite nesse sentido e muito menos logrou provar o valor da sua reparação.

Assim, quanto a este montante não pode a pretensão da autora proceder”.

Resulta da matéria de facto provada, por efeito da alteração introduzida com a reapreciação da decisão, que a reparação dos danos no veículo da autora foi orçamentada em 4 255,80 (quatro mil duzentos e cinquenta e cinco euro e oitenta cêntimos), por conta dos serviços de chapeiro, pintura, mecânico e materiais, valor ao qual acresce IVA à taxa legal (ponto 27 dos factos provados).

Os danos em causa são os danos decorrentes do acidente, pois nada se provou em contrário, constituindo um dano emergente.

A ré não logrou provar que o custo da reparação se revelava excessivamente oneroso, até porque nem alegou factos que justificassem tal via de defesa.

Desta forma, assiste à autora o direito a ser ressarcida dos danos causados ao seu veículo, que sob a forma de reparação do mesmo, ascende à quantia de € 4 255,80 (quatro mil duzentos e cinquenta e cinco euro e oitenta cêntimos), valor ao qual acresce IVA à taxa legal.

A autora formulou ainda o pedido de indemnização a título de dano de privação de uso.

A pretensão foi atendida e o valor arbitrado em € 255,00.

Fundamentou-se a decisão nos termos que se passam a transcrever:

“Vejamos agora a indemnização pela privação do uso.

Sobre o dano de privação do uso do veículo formaram-se duas teses na Jurisprudência: uma que defende só haver lugar a indemnização pela privação de uso de um bem, neste caso um veículo automóvel, se tiver sido alegada e demonstrada a existência de um dano específico, ou seja, que a imobilização do veículo resultante dos estragos sofridos com o acidente de viação foi causa direta e necessária de prejuízos concretos, por exemplo, custos com a utilização de um meio alternativo de transporte (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Outubro de 2008, proferido nos processos nº 08B2662 e nº 07B2131, acessíveis em www.dgsi.pt/jstj) e outra, maioritária, que entende que a privação do uso de um veículo automóvel em resultado de danos sofridos na sequência de um acidente de viação constitui um dano autónomo indemnizável na medida em que o seu dono fica impedido do exercício dos direitos de usar, fruir e dispor inerentes à propriedade, que o artigo 1305º do Código Civil lhe confere de modo pleno e exclusivo, bastando para o efeito que o lesado alegue e demonstre, para além da impossibilidade de utilização do bem com tal fundamento, que esta privação gerou perda de utilidades que o mesmo lhe proporcionava. (Neste sentido, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Julho de 2007 (proc. nº 07B1849), de 12 de Janeiro de 2010 (proc. nº 314/06.6TBCSC.S1), de 16 de Março de 2011 (proc. 3922/07.2TBVCT.G1.S1), de 10 de Janeiro de 2012 (proc. nº 189/04.0TBMAI.P1.S1) e de 09 de Julho de 2015 (proc. nº 13804/12.2T2SNT.L1.S1) disponíveis em www.dgsi.pt/jstj).

Para nós quando o lesado fica impossibilitado de utilizar a sua viatura vê restringido o exercício do direito de propriedade sobre a coisa, pois não pode usufruí-la e como tal sofre um dano de natureza abstrata que não pode ser indemnizado com recurso à teoria da diferença (artigo 566º, nº2 do Código Civil).

A propósito da ressarcibilidade deste dano escreveu-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02.02.2023, processo 262/19.0T8ALB.P1.S, disponível em www.dgsi.pt o seguinte: “Ora, quando – como é o caso - a privação do uso não se traduza numa diferença patrimonial quantificável entre a situação que existiria se não ocorresse a privação e aquela que existe por causa dela, ficamos carecidos de valores para calcular a diferença, não obstante a existência de um dano que tem, como se referiu, de ser indemnizado. É facto que alguma doutrina preconiza que a atribuição da quantia indemnizatória pode ter como referencial o valor locativo do veículo.

 Afigura-se-nos, no entanto, que a indemnização pela indisponibilidade do veículo nunca se poderá pautar, em termos exatos, pelo preço praticado pelas empresas de rent-a-car e para o aluguer de um automóvel da mesma classe, porquanto, como avisadamente se pondera no acórdão do STJ de 5.03.2002, “basta pensar que neste custo [de aluguer] entram as mais diversas componentes, incluindo as despesas de exploração da empresa de aluguer e o seu lucro que a partir do momento em que o autor de facto não procedeu ao aluguer não têm de ser suportadas pela ré, cuja responsabilidade vai apenas até onde for o dano provocado”.

Se pretendermos calcular o valor de uso do veículo para uso próprio, na esteira do entendimento sufragado no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 6.03.2012, podemos aproximar-nos desse valor se somarmos o preço de aquisição e as despesas de manutenção médias ao longo do período previsível da sua utilização (revisões, reparações e seguros), dividindo a soma pelo número de dias de vida média calculada para o veículo.

Porém, ainda assim, este valor difere do preço de aluguer de um veículo, já que, nesse caso, além do preço do automóvel e despesas de manutenção, entram outras componentes, como o lucro do empresário e os custos gerais da empresa (impostos, salários e custos com trabalhadores, seguros, etc.).

Por tais razões, o valor do aluguer tem de ser, naturalmente, superior ao valor de “uso doméstico” e daí que não se mostre adequado, salvo se corrigido.

PAULO MOTA PINTO propõe o seguinte critério: “Pensamos que o dano da privação do uso deverá ser quantificado num valor que pode ser obtido de uma de duas formas; ou (como de “cima para baixo”) a partir dos custos de um aluguer durante o lapso de tempo em causa, mas “depurados” do lucro do locador, dos custos gerais como os gastos com a manutenção da frota, as provisões para períodos de paragem dos veículos, as amortizações, etc. (no direito alemão os valores constantes das referidas tabelas rondam cerca de um terço dos custos de aluguer normalmente praticados); ou (como que “de baixo para cima”), designadamente, para viaturas de profissionais e empresas, a partir dos custos de capital imobilizado necessário para obter a disponibilidade de um bem, como aquele durante o período de tempo necessário (por ex., os custos necessários para constituir uma reserva de um bem como o que está em causa)”.

Evidentemente que, para se usarem os mecanismos propostos, as partes têm de fornecer factos para que o tribunal possa chegar a alguma conclusão. Ora, se as partes não oferecem o pertinente substrato factual, o tribunal ficará impedido de utilizar estes critérios, pois que, atentas as implicações neste domínio do princípio do dispositivo, terá de cingir-se aos factos por elas articulados (art. 5.º) e aos factos instrumentais que resultem da discussão da causa (nº 2 al. a) do mesmo normativo).”

No caso dos autos não foram apurados factos que permitam fixar o quantum indemnizatório, devendo o Tribunal recorrer à equidade. No Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27.06.2022, proc.: 262/19.0T8ALB.P1, disponível em www.dgsi.pt, foi fixado o quantitativo diário de €15,00. A autora peticionou a quantia de €10,00/dia, o que se nos afigura ser uma quantia justa e equitativa, reduzida a metade por força do disposto no artigo 570º, nº1 do Código Civil nos termos já enunciados.

Quanto ao número de dias a ter em conta há que considerar que a presente ação foi instaurada em 24.01.2022 e a ré comunicou a sua posição à autora em 09.01.2020 conforme resulta provado em 21.

Este é o enquadramento geral do que se passou após o acidente relativamente ao relacionamento e contactos entre as partes. É certo que a autora não estava obrigada a aceitar a repartição de culpas na proporção de 50%. Contudo, a autora tinha o dever de não deixar passar 2 anos para intentar a ação, assim agravando um dano que a jurisprudência enuncia como progressivo.

Este período de tempo não pode ser assacado à ré, uma vez que ela expos a sua posição atempadamente sendo a inércia da autora que protelou a resolução da questão e a inerente paralisação do veículo durante todo esse tempo. A questão essencial é que o protelamento da instauração da ação indemnizatória que importe agravamento dos custos por privação do uso, para além de um período de tempo razoável, justifica a redução do respetivo montante indemnizatório, pois teremos que considerar que a atuação do autor contribuiu para o agravamento do dano. Trata-se, obviamente, de violação das regras da boa-fé, podendo considerar-se culposa a inércia do lesado – cfr., neste sentido, Acórdão do STJ de 09.03.2010, processo n.º 1247/07.4TJVNF.P1.S1 (relator Alves Velho), in www.dgsi.pt.

Importa não esquecer, como se alerta no Acórdão do STJ de 17.01.2013 (Proc. nº 2395/06.3TJVNF.P1.S1, disponível in www.dgsi.pt), “verificando-se uma situação em que a Seguradora se recusa a custear a reparação do veículo nos termos exigidos pelo seu proprietário, tal posição da responsável não legitima a inércia e total passividade do lesado perante os danos sobretudo nos casos de estes estarem sujeitos a evolução expansiva, como é o do dano da privação de uso de veículo danificado ou inutilizado que vai aumentando com o tempo até à entrega do veículo reparado ou de veículo de substituição ou de disponibilidades monetárias adequadas para a aquisição de outro equivalente (no caso de perda total do veículo); o dano da privação do uso é tipicamente sujeito a agravamento.”

Em face do exposto entendemos que a ré deve ser responsabilizada pelo dano de privação do uso do TT desde o dia do acidente (19.11.2019) até ao dia 09.01.2020[15], data em comunicou a assunção da responsabilidade por 50% dos danos, ou seja, pelo período de 51 dias.

em conclusão é a ré responsável pela indemnização do dano de privação do uso do TT correspondente a 51 dias à razão de €5,00, o que perfaz um total de €255,00”.

A privação do uso de veículo constitui, só por si, um dano patrimonial indemnizável, por traduzir uma lesão no património, de que faz parte o direito de utilização das coisas que o integram.

O simples uso constitui uma vantagem suscetível de avaliação pecuniária, pelo que a sua privação constitui naturalmente um dano.

Uma vez que a privação do uso do bem durante um determinado período origina a perda das utilidades que o mesmo era suscetível de proporcionar e se tal perda não pode ser reparada mediante a forma natural de restituição, impõe-se que o responsável compense o lesado na medida equivalente.

A apelante não impugna o critério seguido na sentença para arbitrar a indemnização, nem o montante fixado por dia (€ 10,00).

Desta forma, atendendo ao facto de se considerar que apenas o condutor do veículo segurado contribuiu para a produção do acidente, justifica-se a alteração do montante arbitrado, porque o seu valor foi apurado ponderando a repartição de culpas em 50% (art.º 570º CPC).

A indemnização do dano por privação de uso fixa-se em € 510,00 (quinhentos e dez euros – 51 dias x €10,00).

 O montante total da indemnização fixa-se em € 5.744,634 ((€ 4.255,80x 23% ) + € 510,00).

Procedem, nesta parte, as conclusões de recurso.


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Na sentença reconheceu-se que também são devidos juros e este segmento não foi objeto de impugnação, pelo que se mantém nos exatos termos da decisão.

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Nos termos do art.º 527º CPC as custas são suportadas pela apelante e apelado, na proporção do decaimento, em ambas as instâncias e fixa-se em 1/5 para a autora, apelante e 4/5 para a ré, apelada.

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III. Decisão:

Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e nessa conformidade, revogar em parte a sentença e julgar parcialmente procedente por provada a ação e condenar a ré B... Companhia de Seguros, SA a pagar à autora A..., Lda a quantia de € 5.744,634 ( cinco mil setecentos e quarenta e quatro euros e seiscentos e trinta e quatro cêntimos), acrescida de juros, nos termos arbitrados na sentença.


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Custas a cargo da apelante e apelada, na proporção do decaimento, em ambas as instâncias, que se fixa em 1/5 para a autora, apelante e 4/5 para a ré, apelada.

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Porto, 06 de maio de 2024
(processei, revi e inseri no processo eletrónico – art.º 131º, 132º/2 CPC)
Assinado de forma digital por
Ana Paula Amorim
Fernanda Almeida
Jorge Martins Ribeiro
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[1] Texto escrito conforme o Novo Acordo Ortográfico de 1990.
[2] JOSÉ LEBRE DE FREITAS E A. MONTALVÃO MACHADO, RUI PINTO Código de Processo Civil – Anotado, Vol. II, Coimbra Editora, pág. 606.
[3] ANTUNES VARELA, J.M.BEZERRA, SAMPAIO NORA, Manual de Processo Civil, 2ª edição Revista e Atualizada de acordo com o DL 242/85, S/L, Coimbra Editora, Limitada, 1985, pág. 648.
[4] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos em Processo Civil, 7ª edição atualizada, Coimbra, Almedina, 2022, pág. 333-335.
[5] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Temas da Reforma de Processo Civil, vol. II, Coimbra, Almedina, Janeiro 2000, 3ª ed. revista e ampliada, pág. 272.
[6] JOSÉ ALBERTO DOS REIS Código de Processo Civil Anotado, vol. IV, Coimbra Editora, Coimbra, pág. 569.
[7] Ac. Rel. Guimarães 20.04.2005 - www.dgsi.pt.
[8] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos em Processo Civil, 7ª edição atualizada, Coimbra, Almedina, 2022, pág. 333-334.
[9] FERNANDO PEREIRA RODRIGUES Os meios de prova em Processo Civil, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2016, pág. 72.
[10] JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A Ação Declarativa Comum – À luz do Código de Processo Civil de 2013, ob. cit., pág. 278.
[11] Entre outros: Acs. do S.T.J. de 6.1.87, In B.M.J. n.º 362, pág. 488 e de 3.3.90, In B.M.J. n.º 359, pág. 534 e Ac. da Rel. de Lisboa de 26.03.92, In C.J. Ano XVII, T2, pág. 152, Ac. Rel. Porto 14.07.2008 –JTRP 00041584 – www.dgsi.pt; Ac. STJ 02.12.2008 CJ STJ XVI, III, 168.
[12] Cf. Ac. STJ de 02.12.2008 CJ STJ XVI, III, 168 e Ac. Rel. Lisboa de 26.01.1995 CJ XX, I, pág. 101.
[13] Na jurisprudência, entre outros, podem consultar-se: Ac. Rel. Coimbra 08.07.86, CJ XI, IV, 66; Ac. Rel. Porto, 08.01.92 CJ XVII, I, 240 e Ac. Rel. Coimbra 10.12.98, CJ XXIII, V, 40.
[14] PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. I, 4ª Edição, Reimpressão, Coimbra, Wolters Kluwer Portugal, sob a marca Coimbra Editora, 2011, pág. 582.
[15] No texto transcrito existe um lapso de escrita, porque se indica o ano de 2021, quando como resulta dos factos provados - ponto 9 - a carta foi enviada no ano de 2020. Retificou-se o texto fazendo constar o ano de 2020.