Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1418/18.8T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NELSON FERNANDES
Descritores: INVALIDADE
PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
RECUSA DE REALIZAÇÃO DAS DILIGÊNCIAS REQUERIDAS PELO TRABALHADOR
JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
VIOLAÇÃO DO DEVER DE LEALDADE
ABONO PARA FALHAS
CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
HORAS DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL NÃO MINISTRADAS
Nº do Documento: RP201906031418/18.8T8VNG.P1
Data do Acordão: 06/03/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NÃO PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ªSECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º294, FLS.353-382)
Área Temática: .
Sumário: I - A recusa de realização das diligências requeridas pelo trabalhador, nos termos do n.º 1 do artigo 355º do Código do Trabalho, deve assumir a forma escrita e ser fundamentada, conforme exige o nº 1 do artigo 356º, de tal modo que se indiquem as razões objetivas que levam a entidade empregadora a considerar as diligências requeridas como impertinentes e dilatórias, ou seja, sem interesse para a defesa do trabalhador, pois que só perante aquela justificação o tribunal pode considerar ajustada ou não a recusa e afastar qualquer suspeita de invalidade do procedimento que seja associada a tal recusa.
II - É de afirmar a justa causa para o despedimento – atenta a violação do dever de lealdade, que tem subjacente o valor absoluto da honestidade – num caso em que esteja demonstrado que um trabalhador de uma instituição hospitalar, para além de anular no sistema informático uma consulta que fora realizada, se apropria do valor em dinheiro que lhe foi entregue pela cliente para pagamento daquela consulta.
III - O abono para falhas, face ao regime que resulta dos artigos 258.º e 260.º do CT/2009, ainda que tenha sido pago com caráter regular e periódico, não integra em regra a retribuição do trabalhador.
IV - Não obstante a redação do artigo 134.º do CT/2009 permitir, dada a utilização da locução “ou”, mais do que uma leitura, a interpretação que mais se aproxima com o espírito da norma não pode deixar de ser aquela que impõe que, em caso de cessação do contrato de trabalho, em que haja horas de formação profissional que não tenham sido ministradas pelo empregador, este deverá liquidar quer as horas que já se transformaram em crédito (e que não tenha prescrevido), quer também as que se venceram nos últimos dois anos de execução do contrato e que ainda não se converteram em crédito de horas.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação 1418/18.8T8VFR.P1
Autor: B…
: Hospital C…, S.A.
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Relator: Nélson Fernandes
1º Adjunto: Des. Rita Romeira
2º Adjunto: Des. Teresa Sá Lopes

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto
I - Relatório
1. B… intentou ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento contra Hospital C…, S.A., juntando a respetiva decisão de despedimento comunicada pela entidade patronal.

1.1 Frustrada a tentativa de conciliação levada a efeito na audiência de partes, a Ré apresentou o seu articulado, alegando os factos e fundamentos que motivaram a decisão de despedimento, juntando o respetivo processo disciplinar.
Para o efeito, alegou, em síntese, que o Autor, exercendo as funções de técnico administrativo permanente, anulou diversas consultas sem que lhe tivessem sido dadas ordens para o efeito, não obstante as mesmas terem sido realizadas, não tendo sido pagas, inviabilizando o pagamento dos honorários aos médicos e a própria cobrança ao hospital, não tento também cobrado o valor devido por uma consulta a uma cliente estrangeira, apropriando-se, ilegitimamente, do dinheiro entregue por esta.

1.2 Contestou o Autor, por exceção e impugnação, deduzindo ainda reconvenção.
Invocou a caducidade do direito a ser exercido o processo disciplinar, a violação dos direitos de defesa do trabalhador e o princípio do contraditório e que não foi valorado o princípio in dúbio pro reo.
Mais invocou que apenas obedece a ordens, sendo prática corrente não cobrar dinheiro a certos amigos e familiares de colaboradores do Hospital, identificando situações idênticas à dos autos que não foram sancionadas pela entidade patronal. Referiu, ainda, que nos episódios imputados apenas se limitou a acatar ordens do médico que atendeu o doente e que lhe disse para não cobrar a consulta e, no que respeita à cliente estrangeira, nega que a mesma tenha pago a consulta.
Sustenta a inexistência de justa causa para despedimento do trabalhador e pede, em reconvenção, a reintegração ou caso venha a optar, o pagamento de uma indemnização de €3174,75, créditos de formação no valor de €427,35, 14 dias de trabalho do mês de fevereiro de 2018 no montante de €160,84, diferença no subsídio de férias no valor de €115,50, proporcionais de férias no valor de €88,19, acrescidos das retribuições vencidas após a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão.

1.3 Respondeu a Ré, pugnando pela improcedência das exceções e da reconvenção.

1.4 No despacho saneador foi julgada improcedente a exceção da caducidade do direito de exercer o processo disciplinar.

1.5 Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi depois proferida sentença, de cujo dispositivo consta:
“Pelo exposto, decide-se julgar:
I. totalmente improcedente a presente ação que a A./Trabalhador B… intentou/deduziu contra Hospital C…, S.A.
II. parcialmente procedente a reconvenção e condenar a entidade patronal a pagar ao trabalhador a quantia de € 306,34 a título de créditos de formação profissional, acrescidos de juros de mora desde a citação até integral pagamento, absolvendo no mais peticionado.
Custas a cargo de ambas as partes na proporção do respectivo decaimento.
Fixa-se à causa o valor de €2791,88 (acção - €2000 + reconvenção -€791,88) – art.98º-P do CPT.
Registe e notifique.

2. Não se conformando com o decidido apresentou o Autor recurso de apelação,
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2.1 Contra-alegou a Ré, requerendo ainda, “nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 636.º do C.P.C., a ampliação do objecto do recurso”.
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3. Apresentou ainda a Ré, em 4 de Dezembro de 2018, novo requerimento em que refere, “nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 633.º do C.P.C., interpor recurso subordinado da sentença proferida nos autos,
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IV – Fundamentação
A) De facto
O tribunal recorrido deu como provados os factos seguidamente transcritos:
“1. O trabalhador foi contratado, através da celebração de um contrato de trabalho por tempo indeterminado, em 19 de Janeiro de 2015, para desempenhar as funções de Técnico Administrativo (artigo 1º do articulado de motivação e 23º da contestação)
2. O A. desempenhava as funções de Técnico Administrativo no Atendimento Permanente (artigo 2º do articulado de motivação e 23º da contestação)
3. O contrato de trabalho celebrado entre as partes terminou em 14 de Fevereiro de 2018, por despedimento com justa causa promovido pela entidade patronal, conforme teor de decisão junta a fls. 126 a 135 que se dá por integralmente reproduzido (artigo 3º do articulado de motivação)
4. Na data da cessação do contrato de trabalho, o trabalhador auferia a remuneração base ilíquida de € 590,00 (artigo 4º do articulado de motivação)
5. Em 06.09.17 foi deliberado pela entidade patronal instaurar um processo disciplinar contra o trabalhador conforme doc. de fls. 34 cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (artigo 6º do articulado de motivação)
6. Previamente à elaboração da Nota de Culpa, a entidade patronal procedeu à audição de 7 testemunhas (D…, E…, F…, G…, H…, I… e J…), conforme autos de declarações juntos a fls. 34 v a 37 v, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (artigo 7º do articulado de motivação).
7. No dia 31 de Outubro de 2017, a entidade patronal tentou entregar ao trabalhador por mão própria, a Nota de Culpa, acompanhada de comunicação da instauração de processo disciplinar com vista ao seu despedimento, conforme teor de doc. junto a fls. 38 a 42 v, que se dá por integralmente reproduzido (artigo 8º do articulado de motivação)
8. O trabalhador recusou-se a confirmar a recepção da Nota de Culpa, tendo entidade patronal a enviado por correio registado com a/r na mesma data, tendo a mesma sido recebida pelo trabalhador em 08.11.2017, conforme teor de fls. 55 e 57 que se dá por integralmente por reproduzido (artigos 9º e 10º do articulado de motivação).
9. A entidade patronal recebeu a Resposta à Nota de Culpa no dia 20 de Novembro de 2018, tendo procedido à sua junção aos autos de processo disciplinar no dia 22 do mesmo mês e ano, conforme teor de doc. de fls. 58 a 72 que se dá por integralmente reproduzido (artigo 11º do articulado de motivação)
10. Na Resposta à Nota de Culpa, o trabalhador requereu a audição de 5 testemunhas; a sua acareação com as 7 testemunhas inquiridas pela entidade patronal previamente à elaboração da Nota de Culpa, bem como a acareação dos clientes identificados na Nota de Culpa com as já referidas 7 testemunhas inquiridas antes da elaboração da Nota de Culpa e o arguido (artigo 12º do articulado de motivação).
11. O trabalhador requereu, ainda, a junção aos autos dos seguintes documentos: i) “das gravações dos dias em causa” (sic); ii) auditorias realizadas nos últimos 5 anos, explicando todas as sugestões/recomendações sobre “matéria da não faturação existentes” (sic); iii) registo de e-mails das chefias e actas dos últimos 3 anos de reuniões onde se discutiu a questão da existência de consultas mas a não existência de faturação/cobrança das mesmas; iv) do documento contabilístico e informático de inserção em sistema que comprovasse o pagamento o pagamento dos € 85 e comprove a data e forma de pagamento; v) listagem das consultas efectuadas e não cobradas nos últimos 5 anos, bem como dos autos de processo de inquérito às situações detectadas, e vi) facturas relativas às consultas ministradas aos pacientes identificados no artigo 15.º da Resposta à Nota de culpa (artigo 13º do articulado de motivação).
12. Na Resposta à Nota de Culpa, o trabalhador procedeu ainda à junção de 4 documentos conforme doc. de fls. 69 a 77, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (artigo 14º do articulado de motivação).
13. Das 5 testemunhas arroladas pelo trabalhador, só 2 foram ouvidas, dado que, na data designada para a sua inquirição (15.12.2017), três delas não compareceram, não tendo o trabalhador justificado a não comparência nem requerido a designação de outra data para a respectiva inquirição (artigo 15º do articulado de motivação).
14. Das acareações com as 7 testemunhas ouvidas pela entidade patronal antes da elaboração da nota de culpa, apenas 3 foram realizadas, uma vez que, não obstante terem sido marcadas 4 datas para a realização desta diligência de prova, 4 das testemunhas com quem o trabalhador pretendia ser acareado não compareceram na última data designada (15.01.2018), nem apresentaram qualquer justificação para o efeito (artigo 16º do articulado de motivação).
15. Não obstante, uma das pessoas com quem o trabalhador pretendia ser acareado, enviou uma carta à instrutora do processo conforme teor de doc. junto a fls. 173 e que se dá por integralmente reproduzido (artigo 17º do articulado de motivação).
16. Em 19/12/2017, o trabalhador enviou à entidade patronal a missiva junta aos autos a fls. 96 v., cujo teor se dá por integralmente reproduzido, alegando e requerendo o seguinte:
“No inquérito dos Médicos prestaram declarações, declarações essas opostas à defesa por mim efetuada na resposta à nota de culpa.
Nesse sentido requeri a acareação entre os supra referidos Médicos identificados na minha defesa e a minha pessoa.
No último despacho da Exma. Instrutora que designou data e local para a realização da acareação foi referido que o arguido deve assegurar a comparência das testemunhas.
Face ao supra exposto, estando presente no dia, hora e local designado e tendo em conta, por um lado que naturalmente não tenho acesso aos números de telefone, emails e morada dos supra referidos Médicos e, por outo lado, que estes são trabalhadores/prestadores de serviço da ré, exercendo funções nas instalações da ré onde está designada a data e local para a realização da referida acareação, requer-se a V. Exa. ao abrigo do princípio da cooperação e descoberta da verdade material e bem assim da boa decisão da causa que os supra referidos médicos sejam notificados pela ré de acordo com a sua disponibilidade em data, hora e local para a realização da referida acareação. O arguido mais requer, por se tratar de situação idêntica, para além das já referidas na defesa e agora no decurso do presente processo, que seja junto aos autos o processo NHC 401249.” (artigo 16º da contestação).
17. Em 22 de dezembro de 2017, a entidade patronal decidiu nos termos do despacho proferido a fls. 98 v., cujo teor se dá por integralmente reproduzido, indeferindo o pedido de notificação dos médicos (artigo 17º da contestação).
18. Dos documentos cuja junção aos autos foi requerida pelo trabalhador apenas foram juntos 3 deles, a saber: i) decisão final do processo disciplinar instaurado à Sra. D. K… (fls. 76 a 94 v. dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); ii) e-mails trocados com a cliente L… (fls. 81 a 83 cujo teor se dá por integralmente reproduzido), e iii) factura número ………… /fls. 84). (artigo 18º do articulado de motivação).
19. Quanto aos demais documentos requeridos pelo, os mesmos não foram juntos ao processo disciplinar com o fundamento exarado no despacho proferido a fls. 87 v. cujo teor se dá por integralmente reproduzido, notificado ao trabalhador em 14.12.2017 (artigo 19º do articulado de motivação).
20. As diligências probatórias terminaram no dia 1 de Fevereiro de 2018 (artigo 20º do articulado de motivação).
21. No dia 13 de Fevereiro de 2018, a instrutora do processo disciplinar concluiu o Relatório Final do processo, conforme teor do doc. junto a fls. 126 a 201 (artigo 21º do articulado de motivação).
22. A decisão final do processo disciplinar foi proferida no dia 14 de Fevereiro de 2018, e notificada ao trabalhador nesse mesmo dia (artigo 22º do articulado de motivação).
23. No entanto, como o trabalhador se recusou a confirmar que havia recebido a decisão final do processo disciplinar, e respectivos documentos que a acompanhavam, a entidade patronal enviou a mesma por correio, tendo esta sido recebida pelo trabalhador no dia 15 de Fevereiro de 2018 (artigo 23º do articulado de motivação).
24. A entidade patronal exerce a atividade de prestação de serviços de saúde na unidade de saúde designada por Hospital C… (artigo 25º do articulado de motivação).
25. O trabalhador conhecia o procedimento que obriga a cobrar, a um cliente estrangeiro, a consulta antes desta ter início (artigo 29º do articulado de motivação).
26. O trabalhador também sabia que, havendo necessidade de realizar exames, deveria informar o cliente do custo dos mesmos (artigo 30º do articulado de motivação).
27. Quando existe necessidade de efectuar alterações à informação primária que consta do sistema relativamente a um qualquer doente, os assistentes devem sempre registar no sistema informático (em asterisco) as razões que justificam tais alterações. (artigo 32º do articulado de motivação).
28. No caso de um cliente, depois de ter entrado nas instalações do Hospital e de ter sido registada em sistema a sua hora de entrada, acabar por desistir da realização da actividade agendada, o assistente deve colocar no sistema a informação de “No atendido”, registando em asterisco o motivo da desistência (artigo 33º do articulado de motivação).
29. Também, quando o médico entende que o cliente não deve ser observado no Atendimento Urgente (AU), dá indicações ao assistente nesse sentido e este deve colocar no sistema a informação de “No atendido”, registando em asterisco “Fora do Âmbito do AU”, não dando esta situação lugar à cobrança de consulta. (artigo 34º do articulado de motivação).
30. Assim, de acordo com o instituído, o asterisco habitualmente apresenta os motivos para as alterações que os assistentes fazem (artigo 35º do articulado de motivação).
31. Caso um cliente simplesmente não compareça à consulta, deve registar-se no sistema como “No presentado” (artigo 36º do articulado de motivação).
32. A anulação por “Fase de elaboração de Prótese”, apenas é usada no âmbito da medicina dentária (artigo 38º do articulado de motivação).
33. Quando o cliente, com antecedência face à data da marcação, comunica que pretende desmarcar a consulta, é utilizada a função de anular a consulta, selecionando-se no sistema informático, como motivo da anulação, “Anulado pelo doente” (artigo 39º do articulado de motivação).
34. Quando o cliente, com antecedência face à data da marcação, pretende remarcar a actividade anteriormente agendada para outro horário/dia, o que se faz é utilizar a função de reprogramar a consulta, que gera automaticamente a anulação do que estava marcado, ficando registado no sistema “Anulado a pedido do doente” (artigo 40º do articulado de motivação).
35. O trabalhador, assistente do AU, tem conhecimento destes procedimentos, que são sobejamente divulgados pelos trabalhadores (artigo 41º do articulado de motivação).
36. O sistema informático em utilização no Hospital permite, também, quando os médicos prescindem dos seus honorários, imprimir uma “policlínica” onde o médico menciona que “prescinde dos honorários” e assina. (artigo 42º do articulado de motivação).
37. Esta policlínica acompanha o doente até à recepção onde o mesmo vai efectuar o pagamento, e permite ao recepcionista “descontar” do valor total a pagar aquele que respeitaria aos honorários médicos. (artigo 43º do articulado de motivação).
38. Até à data dos factos, o procedimento indicado no ponto 36 e 37 não era o habitualmente adoptado pelos médicos quando estava em causa consultas a colaboradores ou a familiares destes.
39. No serviço de AU, os médicos não estão autorizados a prescindirem dos seus honorários [artigo 44º do articulado de motivação e 34º, b) da contestação].
40. Nos serviços onde tal é permitido, o Hospital apenas autoriza que os médicos prescindam dos seus honorários e não do valor global dos actos médicos realizados, facto este que é bem conhecido do A. (artigo 45º do articulado de motivação).
41. Os médicos têm pleno conhecimento destas regras e aceitam-nas, mas não as cumprem em todas as situações (artigo 46º do articulado de motivação).
42. A 27 de Outubro de 2016, o trabalhador anulou uma consulta da Dr.ª D…, médica de medicina geral e familiar, à cliente M…, mãe do colaborador N…, tendo colocado no sistema a indicação “Anulação pelo doente” (artigo 48º do articulado de motivação).
43. Não obstante, a consulta foi efetivamente realizada, conforme resulta do registo clínico efectuado (artigo 49º do articulado de motivação).
44. A cliente, no âmbito dessa consulta, realizou exames que foram facturados (artigo 50º do articulado de motivação).
45. A cliente não pagou qualquer valor pela consulta (artigo 51º do articulado de motivação).
46. A 28 de Novembro de 2016, o trabalhador anulou no sistema uma consulta do Dr. F…, médico de medicina geral e familiar, à cliente O…, tendo colocado a indicação “Anulação pelo doente” (artigo 52º do articulado de motivação).
47. Não obstante, a consulta foi efetivamente realizada e não foram dadas quaisquer instruções ao A. para que procedesse à sua anulação (artigo 53º do articulado de motivação).
48. A doente, no âmbito dessa consulta, realizou exames que foram facturados (artigo 54º do articulado de motivação).
49. A cliente não pagou qualquer valor pela consulta (artigo 55º do articulado de motivação).
50. A 03 de Março de 2017, o trabalhador anulou no sistema uma consulta do Dr. E…, médico de clínica geral, à cliente P…, filha da auxiliar geral Q…, filha da auxiliar geral Q…, tendo colocado a indicação “Anulação pelo doente” (artigo 56º do articulado de motivação).
51. Não obstante, a consulta foi efetivamente realizada (artigo 57º do articulado de motivação).
52. A 25 de Março de 2017, o trabalhador anulou no sistema uma consulta da Dr.ª H…, médica de medicina geral e familiar, ao cliente S…, marido da ex colaboradora T… (Técnica Administrativa do cal center), tendo colocado a indicação “Doente não compareceu”, e anulação da mesma no sistema informático (artigo 58º do articulado de motivação).
53. Não obstante, a consulta foi efetivamente realizada (artigo 59º do articulado de motivação).
54. O doente, no âmbito dessa consulta, realizou exames que foram facturados (artigo 60º do articulado de motivação).
55. O cliente não pagou qualquer valor pela consulta (artigo 61º do articulado de motivação).
56. A 01 de Abril de 2017, o trabalhador anulou no sistema uma consulta da Dr.ª G…, médica de clínica geral, à cliente U…, tendo colocado a indicação “Não atendido” (artigo 62º do articulado de motivação).
57. Não obstante, a consulta foi efectivamente realizada (artigo 63º do articulado de motivação).
58. A 19 de Julho de 2017, o trabalhador anulou no sistema uma consulta do Dr. V…, médico de clínica geral, ao cliente W…, tio do arguido, tendo colocado a indicação “Erro de introdução dados” (artigo 64º do articulado de motivação).
59. Não obstante, a consulta foi efectivamente realizada (artigo 65º do articulado de motivação).
60. Nesse mesmo dia, após a consulta, foram ministrados ao cliente fármacos que foram anulados do sistema pelo trabalhador com a indicação “Fase de elaboração de prótese dentária” (artigo 66º do articulado de motivação).
61. A consulta foi paga em 15.11.2017 (artigo 40º da contestação)
62. O cliente não pagou qualquer valor pelos fármacos (artigo 67º do articulado de motivação).
63. A 23 de Julho de 2017, o trabalhador anulou no sistema uma consulta do Dr. I…, médico de clínica geral, à cliente X…, tendo colocado a indicação “Não atendido” e em asterisco “Fora do âmbito do AU” (artigo 68º do articulado de motivação).
64. Não obstante, a consulta foi efectivamente realizada e não foram dadas quaisquer instruções ao trabalhador para que procedesse à sua anulação (artigo 69º do articulado de motivação).
65. À cliente foi prescrita terapêutica e passada a respectiva receita médica pelo Dr. I… (artigo 70º do articulado de motivação).
66. Neste caso em particular, o A., como se tratava de um cliente estrangeiro, cobrou a consulta à cliente, no valor de €75,00 (setenta e cinco euros) que foram pagos por esta em numerário (artigo 72º do articulado de motivação).
67. De acordo com as regras em vigor no Hospital, o valor a cobrar deveria ter sido €85,00 (oitenta e cinco euros) e não €75,00 (setenta e cinco euros) (artigo 73º do articulado de motivação).
68. Uma vez que o trabalhador não entregou o recibo à cliente, a mesma solicitou-o, por escrito, ao Hospital (artigo 74º do articulado de motivação).
69. Do registo da folha de caixa do trabalhador, desse mesmo dia, não consta qualquer entrada do referido valor (artigo 75º do articulado de motivação).
70. A 27 de Agosto de 2017, o trabalhador anulou no sistema uma consulta da Dr.ª H…, médica de medicina geral e familiar, à cliente Y…, funcionária do hospital, tendo colocado a indicação “Não atendido” e em asterisco “Fora do âmbito do AU” (artigo 76º do articulado de motivação).
71. Não obstante, a consulta foi efectivamente realizada, conforme resulta do registo clínico efectuado (artigo 77º do articulado de motivação).
72. A anulação das consultas do sistema informático inviabiliza o pagamento dos honorários aos médicos e a própria cobrança pelo Hospital (artigo 78º do articulado de motivação).
73. Ao trabalhador está a ser atribuído subsídio de desemprego no valor mensal de €484,80, tendo beneficiado entre 16.02.2018 e 30.04.2018 de um total de €1.212,00.
74. O trabalhador é associado no Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Hotelaria, Turismo, Restaurantes e Similares do Norte (artigo 21º da contestação).
75. O trabalhador auferiu entre março de 2017 e fevereiro de 2018: (...)
76. Em Fevereiro de 2018, o trabalhador auferiu ainda a quantia de €107,27 a título de proporcional de subsidio de férias e a quantia de €885 a título de férias não gozadas (artigo 121º e 123º da resposta à contestação)
77. Desde a data em que foi admitido ao serviço da Ré (19.01.2015) até à data da cessação do contrato de trabalho, o trabalhador frequentou as seguintes acções de formação:
a) Em 4 de Fevereiro de 2015, formação sobre atendimento ao cliente, com a duração de 3 horas;
b) Em 11 de Fevereiro de 2015, formação sobre procedimentos internos, com a duração de 2 horas;
c) Em 6 de Maio de 2015, formação sobre procedimentos de facturação, com a duração de 2 horas;
d) Em 9 de Setembro de 2015, formação sobre a sensibilização para a qualidade, com a duração de 1 hora;
e) Em 16 de Setembro de 2015, formação sobre o portal do cliente, com a duração de 1 hora;
f) de Novembro de 2015, formação em segurança contra incêndios, com a duração de 2 horas;
g) Em 14 de Março de 2016, formação em fidelidade/procedimento, com a duração de 1 hora;
h) Em 20 de Maio de 2016, formação em verificação de factores de risco, com a duração de 30 minutos;
i) Em 7 de Julho de 2016, formação em sistema de gestão da qualidade, com a duração de 30 minutos;
j) Em 17 de Outubro de 2016, formação em valores de orçamentos, com a duração de 20 minutos;
k) Em 12 de Junho de 2017, formação em monotorização de dados, com a duração de 10 minutos;
l) Em 13 de Junho de 2017, formação sobre o protocolo Future, com a duração de 30 minutos;
m) Em 8 de Novembro de 2017, formação em portal do cliente e app do Hospital Z…, com a duração de 1 hora, num total de 15 horas de formação (artigo 126º e 127º da resposta à contestação)
78. No atendimento urgente existem vários colegas do trabalhador com as mesmas funções, nomeadamente, Sr. AB…; Sr. AC… e Chefia directa e imediata, Sra. AD… (artigo 27º da contestação)
79. Até ao conhecimento da presente situação pela Ré que gerou a instauração de um processo disciplinar ao trabalhador, era prática corrente em certas circunstâncias concretas, alguns médicos determinarem aos técnicos administrativos a não cobrança de dinheiro a certos amigos e familiares de colaboradores do Hospital [artigo 31º, b) da contestação].
80. Nesses casos, como os médicos não podiam dispensar honorários nas consultas de urgência, o que ocorria é que não consideravam a consulta não obstante os pacientes serem vistos, dando essa informação ao técnico administrativo para fazer constar no registo clínico do doente [artigo 34º, b) da contestação]
81. O paciente AE… (filho do colaborador AB…) esteve em consulta de urgência pediátrica com o Sr. Dr. AF… no dia 13/02/2017, não tendo a consulta sido cobrada, não obstante a sua realização [artigo 32º, A), 1 da contestação].
82. Esporadicamente, alguns médicos são abordados por colaboradores no corredor solicitando uma consulta de urgência no momento [artigo 34º, c) da contestação]
83. A colaboradora Q… esteve em consulta de urgência com o Sr. Dr. E… dia 17/02/2017, tendo existido registo clínico no programa clínico da urgência [artigo 32 A), 2 da contestação].
84. A paciente AG…, filha da secretária da Administração, esteve em consulta de urgência no dia 03/12/2017 com a Sra. Dra. AH… e com registo clínico e não foi cobrado nada pela consulta [artigo 32 A), 3 da contestação].”
Por sua vez, não se considerou provado o seguinte:
a) Após o despedimento o trabalhador tenha iniciado outra actividade profissional (artigo 101º do articulado de motivação)
b) No atendimento urgente trabalhem a Sra. AI…; Sra. AJ…; Sra. AK…; Sra. AL…; Sra. AM… (artigo 27º da contestação)
c) No dia 15.09.2017, o trabalhador foi chamado para uma reunião pela Dra. AN… (Diretora dos Recursos Humanos), Sr. Dr. AO… (Administrador) e o Sr. Dr. AP… (Diretor Geral) ao gabinete do Sr. Dr. AQ…, tendo sido abordado de forma ríspida e foi-lhe referido o seguinte: “Ficaste com dinheiro do Hospital de uma paciente estrangeira (X…) do dia 23/07/2017, e portanto só tens uma hipótese, assinar a denúncia do contrato de trabalho e tens aqui o cheque de fecho de contas onde já está inclusive descontado o valor da consulta; caso não aceites irás receber em casa um processo disciplinar”. (artigos 10º e 11º da contestação)
d) O trabalhador, também estava ciente, entre outros, dos seus deveres relativamente à utilização do sistema informático de gestão hospitalar utilizado no Hospital, nomeadamente no que concerne à introdução de informação, à alteração ou anulação dos registos de consultas (artigo 31º do articulado de motivação).
e) Quando existe necessidade de efectuar alterações à informação primária que consta do sistema relativamente a um qualquer doente, os assistentes devem sempre registar no sistema informático (em asterisco) as razões que justificam tais alterações, conforme instruções emanadas pelas Chefias e bem conhecidas do trabalhador (artigo 32º do articulado de motivação).
f) Caso se pretenda anular uma consulta, o assistente deve escolher o item “Anular Marcação” e escolher, no sistema informático, o motivo da anulação, por exemplo: Anulação pelo doente; Doente não compareceu; Erro introdução dados; Férias médico; Acto médico inadiável; alteração de planing; Fase de elaboração de prótese dentária, etc... (artigo 37º do articulado de motivação).
g) A consulta do paciente AE… tenha sido anulado por motivo “Erro de Introdução de Dados” [ artigo 32º, A), 1 da contestação]
h) A paciente M… (Mãe de um ex-colaborador N…) tem no histórico de receituário clínico que foi passada uma receita por uma médica da urgência Sra. Dra. AR… no dia 6/11/2017 onde não consta nenhuma consulta inserida para o devido efeito [artigo 32 B), 1 da contestação].
i) A colaboradora AS… tem no histórico de receituário clínico que foram passadas três receitas por dois médicos da urgência (Sr. Dr F… dia 16/10/2017 e Sr. Dr E… nos dias 17/08/2017 e 01/07/2017) onde não consta nenhuma consulta inserida para o devido efeito [artigo 32 B), 2 da contestação].
j) A consulta realizada a Q… não tenha sido cobrada [artigo 32º A), 2 da contestação)
k) A colaboradora AT… tem no histórico de receituário clínico que foi passada uma receita por uma médica da urgência Sra. Dra. AU… no dia 15-11-2017 onde não consta nenhuma consulta inserida para o devido efeito [artigo 32 B), 3 da contestação].
l) Nas “consultas de urgência de corredor” sejam prescritos pelos médicos medicação e exames auxiliares de diagnóstico sem registo de consulta [artigo 34, al.c) da contestação].
m) não tenham sido dadas pela médica quaisquer instruções ao trabalhador para que procedesse à anulação da consulta indicada no ponto 43. (artigo 49º do articulado de motivação)
n) No que respeita ao episódio do dia 28/11/2016, relativa à cliente O… após ser atendida pelo Dr. F… o mesmo tenha referido ao trabalhador para não cobrar a consulta tendo este se limitado a aceder ao pedido (artigo 36º da contestação)
o) não tenham sido dadas pelo médico quaisquer instruções ao trabalhador para que procedesse à anulação da consulta indicada no ponto 51. (artigo 57º do articulado de motivação)
p) não tenham sido dadas pela médica quaisquer instruções ao trabalhador para que procedesse à anulação da consulta indicada no ponto 53. (artigo 59º do articulado de motivação)
q) não tenham sido dadas pela médica quaisquer instruções ao trabalhador para que procedesse à anulação da consulta indicada no ponto 57. (artigo 63º do articulado de motivação)
r) não tenham sido dadas pelo médico quaisquer instruções ao trabalhador para que procedesse à anulação da consulta indicada no ponto 59. (artigo 65º do articulado de motivação)
s) não tenham sido dadas pelo médico quaisquer instruções ao trabalhador para que procedesse à anulação da consulta indicada no ponto 71. (artigo 76º do articulado de motivação)
t) no episódio do dia 23/07/2017, tenha sido dada indicação ao trabalhador pelo Dr. I… que a mencionada consulta estava fora do âmbito do atendimento urgente (artigo 41º da contestação)
u) A anulação das mesmas contraria frontalmente as instruções dadas pela Ré ao A.”
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procedendo a ampliação do recurso requerida pela Ré/apelada, o ponto 57.º da factualidade provada passa a ter a seguinte redação:
“Não obstante, a consulta foi efectivamente realizada e não foram dadas quaisquer instruções ao A. para que procedesse à sua anulação.”

1.4 Nos termos e pelos fundamentos antes afirmados, a base factual a atender para dizermos do direito é aquela que foi fixada pelo Tribunal a quo, com a alteração nesta sede introduzidas ao ponto 57.º.
2. Dizendo de direito
2.1 Recurso do Autor
2.1.1 Da invocava nulidade do processo disciplinar
Dirige o Autor/recorrente as suas conclusões B) e B1 à invocação de que ocorre invalidade do processo disciplinar, referindo que não se conseguiu defender de forma cabal e foi manifestamente coartado o seu direito de defesa, nos termos do artigo 356º do Código do Trabalho (CT), invocando designadamente que a Ré indeferiu o requerimento que apresentou no processo disciplinar, relativamente à inquirição e ainda acareação de todos os médicos consigo (sendo que, diz, se as testemunhas estiverem na disponibilidade do empregador, sendo seus trabalhadores, deve ser esta a notificá-los, assegurando-se todos os meios de mobilidade e de espaço onde se realizará a inquirição, o que não ocorreu), indeferindo também a junção de certos documentos que requereu, assim emails das chefias, outros processos onde existiam falhas idênticas e inclusive no decurso deste processo.
Defendendo a Ré/apelada o julgado nesta parte, cumprindo apreciar, consta da sentença recorrida, em pronúncia sobre o invocado, o seguinte:
“I- Nulidade do processo disciplinar
Em primeiro lugar cumpre referir que o elenco constante do art. 382º, nº 2, do CT (relativo às causas determinantes da invalidade do procedimento disciplinar com vista ao despedimento) tem natureza taxativa, dele não constando as apontadas falhas pela entidade patronal.
De todo o modo, cremos que o procedimento disciplinar não enferma de irregularidades, tendo a entidade patronal justificado por escrito no âmbito do processo disciplinar, notificando o trabalhador para o efeito (cfr. fls. 87 v e 88) a não junção da prolixa documentação solicitada, nomeadamente, por não existir, tendo tal ainda sido confirmado em audiência de julgamento pelas duas primeiras testemunhas inquiridas. Do mesmo modo, sendo uma obrigação do trabalhador apresentar as testemunhas cuja inquirição pretende (artigo 356º, nº 4 do CT), também o pedido formulado pelo trabalhador não se limitou a ser indeferido, sendo objecto de despacho notificado àquele (cfr. fls. 98 v e 99). Acresce ainda que resulta dos autos (fls. 100 a 114) que a entidade patronal permitiu ao trabalhador aceder ao contactos das testemunhas, médicos que prestam serviços no HP, tendo ocorrido algumas das acareações pretendidas (fls. 115 a 117).
Por último, o “principio in dubio pro reo”, primado do direito processual penal e garante da dos direitos, liberdades e garantias dos arguidos naquele âmbito não tem qualquer aplicação na área do direito laboral. Vigora aqui o principio do ónus da prova previsto no artigo 342º do CC, que determina que quem alega um determinado facto, tem a obrigação de prová-lo.
Pelo exposto, julgo improcedente a excepção de nulidade pelos fundamentos apresentados. (...)”
Tendo por base a fundamentação transcrita, torna-se aqui manifesto que o Autor/recorrente se limitou a repetir em sede de recurso os argumentos que já havia invocado na sua contestação ao articulado apresentado pela Ré/apelada, sem curar de dirigir qualquer novo argumento, assim jurídico, àquele que foi o entendimento do Tribunal a quo e, nomeadamente, às razões concretas por que, no caso, considerou não ocorrer a invocada violação do direito de defesa.
O que se referiu visa relembrar que, em sede de recurso, importa que o recorrente invoque expressamente os argumentos, assim jurídicos, que na sua ótica permitem infirmar a decisão recorrida, de tal modo que o tribunal superior os possa apreciar, no sentido de lhes dar ou não sustentação.
Não obstante o que se referiu anteriormente não deixaremos, porém, de salientar que não encontramos afinal razões que nos permitam ter como violado o invocado direito de defesa, com os contornos e fundamentos que são invocados, com a consequente confirmação do julgado quanto a esta questão.
Por referência aos normativos legais aplicáveis, assim os artigos 355.º e 356.º do CT, como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de junho de 2016[1], citando por sua vez o Acórdão do mesmo Tribunal de 7 de Maio de 2014, proferido no processo n.º 553/07.2TTLSB.L1.S1[2]:
“(...) a recusa de realização das diligências requeridas pelo trabalhador, nos termos do n.º 1 do artigo 355º, há-de assumir a forma escrita e tem de ser fundamentada, conforme exige o nº 1 do artigo 356º, fundamentação que há-de transmitir as razões objectivas que levam a entidade empregadora a considerar as diligências requeridas como impertinentes e dilatórias, ou seja, sem interesse para a defesa do trabalhador.
A empregadora tem, assim, de ajuizar as diligências requeridas e os objectivos com as mesmas visadas pelo trabalhador e se concluir pela sua inutilidade, deve plasmar as respectivas razões em despacho do instrutor, não bastando considerar as diligências impertinentes, sem mais.
Por isso, as razões em que assenta o juízo da sua inutilidade devem constar da fundamentação desse despacho, impondo-se-lhe demonstrar a inutilidade das mesmas, quando ponderadas à luz dos objectivos que podem justificar a sua realização.
“E só perante a justificação documentada na fundamentação o tribunal pode considerar ajustada ou não a recusa e afastar qualquer suspeita de invalidade do procedimento que seja associada a tal recusa”, conforme concluiu o acórdão que vimos seguindo.
Como suporte desta posição invoca-se o disposto no artigo 32.º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa, que impõe a observância dos direitos de audiência e de defesa do arguido em quaisquer processos sancionatórios, não existindo dúvidas de que o processo disciplinar laboral se apresenta como um dos processos sancionatórios abrangidos pela previsão da dita norma constitucional, nos termos da qual “é inconstitucional a aplicação de qualquer tipo de sanção, contra-ordenacional, administrativa, fiscal, laboral, disciplinar ou qualquer outra, sem que o arguido seja previamente ouvido e possa defender-se das imputações que lhe são feitas”
E assim sendo, não é possível um processo sancionatório que não assegure os direitos de defesa dos arguidos, sendo inelutável o surgimento dos direitos de audiência e defesa como regra inerente à ordem jurídica de um Estado de direito (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, cit., p. 526).
E continuando a seguir o supracitado acórdão, não é, seguramente, o facto de o trabalhador poder impugnar o despedimento, relegando para a fase jurisdicional a apresentação das suas provas, que minora a consequência da falta da realização da diligência requerida, pois a eventual preterição dos direitos de defesa do trabalhador para o momento jurisdicional pode colocar definitivamente em causa o efeito útil de tais direitos.
Por outro lado, da garantia da segurança no emprego, prevista no artigo 53.º da Constituição, decorre que o despedimento deve satisfazer exigências procedimentais, pois estamos perante a imputação de um facto censurável a um trabalhador, cuja relevância em termos disciplinares pressupõe a existência dum procedimento com vista à criação de uma sanção.
Por isso, perante a natureza sancionatória da consequência que pode derivar para o comportamento do trabalhador, temos de concluir pela relevância do procedimento sancionatório para os efeitos do disposto no artigo 32.º, n.º 10, da Constituição da República.
Por outro lado, não é a exigência de fundamentação da decisão de despedimento que pode preencher o vazio de não ter sido, em tempo, exercido o direito de defesa, já que é o trabalhador que sabe a forma como deve empreender a sua defesa, e, sobretudo o modo e a altura de a exercitar.
Pelas supracitadas razões não podemos deixar de sufragar o acórdão da Relação, na parte em que considerou que o procedimento padece de irregularidade, pois a instrutora não podia deixar de ter explicitado as razões por que não satisfez a pretensão do trabalhador de ser junta a conta-corrente que invoca na resposta à nota de culpa, pois só perante elas é que se poderia ajuizar da sua inutilidade face à defesa apresentada. (...)”
Ora, no caso, como de resto salienta o Tribunal a quo, assim nomeadamente por apelo às razões concretas por que considerou não ocorrer a invocada violação do direito de defesa, teremos de considerar que, de facto, razões objetivas se encontram para ter por violado o invocado direito, sendo que, como aquele o salienta, os requerimentos apresentados pelo trabalhador foram efetivamente apreciados pela instrutora do processo, tendo as respetivas decisões sido notificadas ao visado, como ainda, também, aqui a propósito da requerida junção de documentos, a circunstância de alguns desses sequer existirem – como teria sido confirmado em audiência de julgamento pelas duas primeiras testemunhas inquiridas) e, por último, agora sobre as inquirições requeridas, mais uma vez como o salienta o Tribunal recorrido, o que não foi contrariado propriamente pelo Recorrente, de resultar dos autos “que a entidade patronal permitiu ao trabalhador aceder ao contactos das testemunhas, médicos que prestam serviços no HP, tendo ocorrido algumas das acareações pretendidas (fls. 115 a 117)”, não havendo pois propriamente similitude entre o caso que se aprecia e aquele que foi apreciado por esta Relação no acórdão de 6 de junho de 2005 cujo sumário se cita nas alegações de recurso.
Assim, perante a justificação documentada no processo disciplinar e as razões já adiantadas na sentença, não temos razões bastantes para considerar que não tenham sido ajustadas as decisões da instrutora e, desse modo, fundar qualquer suspeita de invalidade do procedimento que esteja associada a tais decisões.
Improcede pois o recurso quanto a esta questão.
2.1.2 Dos pressupostos do despedimento:
O Recorrente ao sindicar a sentença proferida avança, no essencial, dois argumentos: não existiam regras bem definidas na Ré, sendo o Autor completamente alheio a tal situação e os próprios Médicos também não cumprem as regras em todas as situações; existiram procedimentos rigorosamente iguais aos do Autor sem que a Ré levantasse qualquer problema ou levantasse processo disciplinar; mesmo após o conhecimento pela Ré do ocorrido (Agosto ou Setembro de 2017), para além de que a verdade é que continuou a trabalhar até à conclusão do processo disciplinar ocorrida a 15/02/2018 – ou seja, a ré mesmo sabendo da situação, não considerou nada de grave e portanto o trabalhador não foi suspenso preventivamente e trabalhou mais 6 meses após a ocorrência dos factos e tendo até inclusive prestado diversas horas de trabalho suplementar; não foi tido em conta o princípio da proporcionalidade, existindo no caso uma manifesta desproporcionalidade e abuso no seu despedimento quando desde sempre ocorreram factos idênticos e ninguém foi despedido ou nem sequer processo disciplinar foi aberto; nunca foi alvo de processo disciplinar, situação esta que também não foi equacionada pela Ré na decisão final, assim como inexistiu queixa-crime da cliente estrangeira contra o Autor ou mesmo reclamação no dia no livro de reclamações; teve prémios, meses antes da data em análise (23/07/2017) e desempenhou diversas horas de trabalho suplementar até ao final, ou seja, conclui-se que sempre cumpriu com os deveres laborais a que se encontrava vinculado no âmbito do seu contrato de trabalho; ocorre inobservância dos requisitos cumulativos para o despedimento com justa causa, assim, existência de um seu comportamento culposo, pois que obedeceu a regras e procedimentos existentes na Ré (aliás com diversos casos idênticos aos do autor sem pagamento), a impossibilidade da manutenção da relação laboral (porque não foi suspenso no âmbito do processo disciplinar, tendo até recebido prémios pouco antes da situação em causa e tendo mesmo trabalhado, a pedido da Ré, até ao final do contrato a prestar diversas horas de trabalho suplementar, para além de ainda ser verdade que a Ré apenas mudou procedimentos após o seu despedimento), bem como consequências graves para a empresa (jamais um valor de 75,00 Euros poderá ser visto como uma grande prejuízo para o empregador, para além de que tal montante nem corresponde ao montante que deve ser cobrado efetivamente aos clientes na hora noturna que seria neste caso concreto 85,00 Euros, ou seja, inexistiram prejuízos e consequências graves).
Em sentido contrário se pronuncia a Ré/recorrida, no que é acompanhada pela Exma. Procuradora-Geral Adjunta no seu parecer, pugnando pela adequação do julgado nesta parte.
Apreciando:
O contrato de trabalho pode cessar, para além de outras causas que agora não importam, por despedimento por iniciativa do empregador, por facto imputável ao trabalhador, como resulta do disposto no n.º 1 do artigo 351.º do Código de Trabalho –“constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”.
Competindo ao trabalhador fazer a prova da existência do contrato de trabalho e do despedimento e à entidade patronal provar os factos constitutivos da justa causa do despedimento que promoveu, compreende aquela, como é consabido, três elementos, ou seja, a verificação de um comportamento culposo do trabalhador, que esse seja grave em si mesmo e de consequências danosas e o nexo de causalidade entre aquele comportamento e a impossibilidade de subsistência da relação laboral, face àquela gravidade – dito de outro modo, o comportamento tem de ser imputado ao trabalhador a título de culpa (com dolo ou negligência) e a gravidade e impossibilidade devem ser apreciadas em termos objetivos e concretos relativamente à empresa[3].
Por o termos por aplicável ao caso que se aprecia, socorremo-nos de seguida do que, com intervenção deste mesmo relator e coletivo, consta do acórdão de 5 de Março de 2018[4]:
«Não nos dando o legislador a exata definição sobre qual o comportamento do trabalhador que deve ser considerado como culposo para integração no conceito legal de justa causa, limitando-se a enunciar, de forma exemplificativa, alguns comportamentos do trabalhador que, a ocorrerem, constituem justa causa de despedimento – o que é a todos os títulos compreensível dada a complexidade e disparidade de comportamentos inerentes à realidade social, tornando assim necessária a utilização de conceitos indeterminados com elasticidade suficiente que permitam a integração de comportamentos que, pela sua gravidade, se reconduzam à noção de justa causa –, sempre será, porém, como resulta do preceito legal antes citado, de exigir, para o preenchimento do conceito, que o comportamento do trabalhador, para além de culposo, revista uma gravidade e consequências tais que, no caso, em função pois das circunstâncias concretas apuradas, tornem imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho – como resulta do n.º 3 do preceito, “na apreciação da justa causa deve atender-se, no quadro da gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes”.
Assim o têm afirmado a doutrina e jurisprudência, como no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16 de Setembro de 2016, no sentido de que, significando a referência legal à “impossibilidade prática da subsistência da relação de trabalho” que nas circunstâncias concretas aferidas a continuidade da vinculação representaria (objectivamente) uma insuportável e injusta imposição ao empregador, “(…) haverá justa causa quando, ponderados esses interesses e as circunstâncias do caso que se mostrem relevantes – intensidade da culpa, gravidade e consequências do comportamento, grau de lesão dos interesses do empregador, carácter das relações entre as partes –, se conclua pela premência da desvinculação”, “premência justificada, em nosso entender, quando se esteja perante uma situação de quebra de confiança entre o empregador e o trabalhador que seja susceptível de criar no espírito daquele a dúvida objectiva sobre a idoneidade futura da conduta do trabalhador no âmbito das relações laborais existentes e que decorrem do exercício da actividade profissional para que foi contratado”. Mais se afirma, com relevância mais uma vez, que “a quebra da confiança entre empregador e trabalhador não se afere pela existência de prejuízos, podendo existir sem estes”, bastando “que o comportamento do trabalhador seja suficientemente grave para que o empregador legitimamente duvide da conduta futura do trabalhador”.»
Após estas considerações, cumprindo então verificar se a Ré/empregadora logrou provar, como lhe competia, os comportamentos que imputou ao Autor e se os mesmos integram ou não o conceito de justa causa a que se aludiu – dito de outro modo, se o Autor praticou factos culposos que pela sua gravidade e consequências tornam imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho –, a resposta é, quanto às duas questões, sem dúvidas positiva, ou seja, no sentido afirmado pela sentença recorrida, em que se pode ler, citando-se, o seguinte:
“(...) Posto isto e revertendo ao caso em apreço, verificamos que a entidade patronal põe a tónica do comportamento adoptado pelo trabalhador na desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores e na recusa deliberada de cumprir procedimentos instituídos pelo Hospital.
Vista a factualidade dado como assente, entendo que o comportamento do trabalhador no que respeita à anulação no sistema informático de consultas, na sua maioria, a colaboradores do Hospital ou seus familiares não apresenta um juízo de censurabilidade justificativa da aplicação de uma sanção disciplinar, isto não obstante se traduzir num prejuízo para a sua entidade patronal, que não pode proceder à respectiva cobrança. Tal entendimento resulta da circunstância de ter ficado evidente que era habitual, até à instauração do presente processo disciplinar, os médicos não cobrarem os seus honorários neste tipo de consulta, dando instruções ao técnico administrativo para não cobrar a consulta ou adoptar um procedimento semelhante. Acresce ainda que casos existem em que a consulta (e não só os honorários) não deveria ser cobrada (v.g. o caso do doente ter que ser transferido para outro estabelecimento de saúde ou enviado para consulta de especialidade), competindo a respectiva decisão ao médico que preside à consulta, limitando-se o técnico administrativo a cumprir ordens/instruções que lhe são dirigidas por aquele, inserindo no sistema informático a informação em conformidade, desconhecendo, muitas vezes, a razão da anulação da consulta.
Não existindo até à data do processo disciplinar informação precisa e uniforme sobre os procedimentos a adoptar, sem excepção, não cremos poder imputar qualquer infracção ao trabalhador por este motivo, ao que se acrescenta que não nos parece que nenhum beneficio tenha retirado para si próprio pelos actos praticados.
Diferente é, porém, a questão da cobrança da consulta à cliente estrangeira na medida em que esta teve lugar e foi cobrada pelo trabalhador, embora por um valor inferior ao devido.
Nesta situação, o trabalhador não só fez sua a quantia cobrada à doente como utilizou um expediente para que o seu acto não fosse detetado, ao fazer constar no registo “Não atendido”, “Fora do âmbito da AU”, circunstancialismo que, a ter ocorrido, não determinaria qualquer cobrança por parte do Hospital. Aliás, esta entidade apenas tomou conhecimento do ocorrido porque foi abordado pela cliente que lhe solicitou um recibo do valor liquidado.
É certo que o valor do prejuízo causado não é elevado. Porém, cremos que tal comportamento levado a cabo pelo trabalhador apresenta-se dotado de uma tal gravidade que, por si só e independentemente do valor que integrou no seu património, põe em causa, de uma forma que consideramos irreversível, a base de confiança que se exige na execução das funções de “técnico administrativo”, em que é habitual receber quantias em dinheiro por lhe estar adstrita a cobrança das consultas.
Daí que não possamos deixar de concluir pela verificação, no caso vertente, de justa causa para o despedimento do trabalhador por parte da entidade patronal, com as consequências legais resultantes dessa conclusão, ou seja, a improcedência da presente acção e a natural absolvição desta quanto aos pedidos formulados em 2 a) a d) do seu articulado.
Todo este circunstancialismo evidencia que o trabalhador desrespeitou deveres laborais, o geral de boa fé no cumprimento da respectiva obrigação, previsto no artigo 126º, nº 1 do CT e especificamente, o dever de guardar lealdade e honestidade ao empregador e dever de cumprir ordens e instruções do empregador respeitantes à execução ou disciplina no trabalho, consagrado, nomeadamente, no art. 128º, nº 1, al. e) e f), do CT.
Como tal, mostram-se verificados comportamentos subsumíveis à previsão do art. 351º, nº 1 do CT e, inclusivamente, ao tipo especialmente previsto no nº 2, al. a).
Conforme já referimos supra, o comportamento do trabalhador é culposo, grave, inviabilizando qualquer normalização da “relação de trabalho”. Relativamente às consequências dos factos, cumpre observar que, depois do sucedido, dificilmente haveria diálogo profícuo entre o trabalhador e a sua entidade patronal - já que estava afastada a possibilidade de uma relação de confiança entre ambos.
A “impossibilidade de subsistência da relação laboral” a que alude a lei (nº 1 do art. 351º do C.T.) há-se aferir-se em função da repercussão do comportamento do trabalhador no futuro da relação (vd. Ac. do S.T.J. de 22.05.05, in C.J., t. I, pág. 281, onde se defende, para este efeito, “um juízo de prognose sobre a viabilidade da relação laboral, a realizar segundo um padrão essencialmente psicológico – o das condições mínimas de suporte de uma vinculação duradoura que implica frequentes e intensos contacto entre os sujeitos”); e, de facto, não vemos como poderia a entidade patronal continuar a manter ao serviço alguém em quem perdera, justificadamente, a confiança.
Atendendo aos critérios objectivos, de normalidade e de razoabilidade impostos por lei, não vemos pois com poderia ser outra sanção suficiente que não o despedimento. A sanção mostra-se proporcionada à gravidade da infracção e à culpabilidade do infractor – art. 330º do Cód. Trabalho: a infracção foi bastante grave ao violar determinações básicas e valores essenciais à relação laboral; e a culpabilidade do trabalhador acentuada, ao ter tomado uma atitude necessariamente premeditada, agindo com dolo directo e ao não se ter importado de lesar o património da entidade patronal– cfr. JOSÉ ANTÓNIO MESQUITA, in “Poder Disciplinar”, BMJ, 1979, Supl, pp. 226 e ss., e, ao nível da jurisprudência, os Acórdãos do S.T.J de 1.07.98 e de 29.03.2001 e da RP de 15.01.1990 e de 05.03.1990, in www.dgsi.pt. (...)”
Não obstante a suficiência da fundamentação transcrita para dar sustentação ao seu sentido decisório, permitimo-nos deixar, ainda assim, algumas notas:
Desde logo para evidenciar a relevância que assume, no geral das relações laborais, o dever de lealdade, assim por parte do trabalhador, bem como a confiança nele depositada pelo empregador. Daí que, tendo o dever geral de lealdade uma faceta subjetiva, que decorre da sua estreita relação com a permanência de confiança entre as partes (nos casos em que este elemento pode considerar-se suporte essencial de celebração do contrato e da continuidade das relações que nele se fundam), se torne “necessário – quanto a este aspecto do dever de lealdade – que a conduta do trabalhador não seja, em si mesma, susceptível de destruir ou abalar tal confiança, isto é, capaz de criar no espírito do empregador a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta daquele”[5] – “há violação do dever de lealdade, quando o comportamento do trabalhador, por acção ou omissão, afecta a relação de confiança estabelecida com o empregador, causando, ainda, que potencialmente, uma violação dos interesses da empresa”[6]. Isso independentemente do comportamento anterior do trabalhador, dando-se assim resposta ao que o aqui Recorrente/trabalhador, nas suas conclusões, invoca a esse propósito, pois que, salvo o devido respeito, esse mesmo comportamento mais difícil torna compreender e assim aceitar a atuação que está aqui em análise.
Com o referido enquadramento, um trabalhador que, numa instituição hospitalar, para além de anular no sistema informático uma consulta que fora realizada, depois de receber da paciente o montante de €75,00 referente ao pagamento dessa consulta não dá porém entrada desse valor, que ficou assim na sua posse, viola sem dúvidas o dever de lealdade e de honestidade que sobre si impendia – dever este que não está sujeito a qualquer graduação nem depende de eventuais prejuízos concretos causados ao empregador[7]’[8] – com a gravidade necessária e adequada à afetação, de uma forma irremediável, da confiança da sua entidade patronal, no caso a Ré. De facto, não é minimamente aceitável que se exija à empregadora que mantenha ao serviço um trabalhador que adotou o comportamento descrito, tanto mais que exerce funções que assentam numa relação de confiança que foi aqui quebrada.
O comportamento do Autor/trabalhador supra descrito é doloso e grave, sendo irrelevante o facto de o valor do prejuízo para a sua empregadora não ter sido propriamente muito elevado, inviabilizando esse comportamento, definitivamente, a continuação da prestação do seu trabalho para a empregadora, na medida em que não é exigível a esta que mantenha a relação laboral quando a conduta da trabalhadora quebrou a confiança que nesta pudesse ter – como refere Monteiro Fernandes[9], “a continuidade da vinculação representaria (objectivamente) uma insuportável e injusta imposição ao empregador”.
Deste modo, tratando-se de um comportamento doloso e grave do trabalhador e que tornou impossível a subsistência da relação laboral (artigo 351.º, n.ºs 1 e 2, a) e d), do CT), sem esquecermos que a sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infração e à culpabilidade do infrator (n.º 1, do artigo 330.º, do C.T.), entendemos que, no caso, a sanção de despedimento aplicada, apesar das consequências que da mesma possam resultar, se mostra proporcional à gravidade do comportamento do trabalhador.
Pelo exposto, existindo justa causa para o despedimento, não ocorre razão para não concluir, como na decisão recorrida, que o despedimento do Autor/recorrente foi lícito e regular, sufragando-se pois o julgado neste segmento decisório.
Improcede, deste modo, nesta parte o recurso do Autor.
2.2 Recurso subordinado/Ré
2.2.1 Da retribuição/abono para falhas
Diverge a Ré do decidido na sentença quando se qualificou como retribuição o abono para falhas invocando, nomeadamente, que, decorrendo da conjugação do n.º 2 com a alínea a) do n.º 1 do artigo 260.º do Código do Trabalho (CT) que aquele (apesar do seu carácter regular e periódico) não tem natureza retributiva, exceto quando o seu valor exceda os montantes normais e tenha sido previsto no contrato ou se deva considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador, no caso não existem elementos que permitam assim concluir. Por outro lado, acrescenta ainda, esse abono sequer é reconduzível à noção de retribuição, constante do n.º 1 do artigo 258.º do CT, precisamente porque não visa compensar ou retribuir o trabalho prestado, tendo antes como propósito permitir ao trabalhador que receba quantias em numerário para fazer face a eventuais falhas de caixa.
Considera a Ré/apelante que violou o Tribunal a quo o disposto no n.º 2 do artigo 260.º do CT, conjugado com a alínea a), do n.º 1 do mesmo artigo, bem como o estatuído no n.º 2 do artigo 264.º do CT, devendo em consequência ser a sentença recorrida, neste segmento, e substituída por outra que “determine que o Recorrido apenas tinha direito a receber a quantia de €668,95 (seiscentos e sessenta e oito euros e noventa e cinco cêntimos), a título de subsídio de férias vencido no dia 01.01.2018 [€590,00 (retribuição base) + €78,95 (correspondente à média do valor pago a título de subsídio de turno nos 12 meses anteriores)”.
Não tendo contra-alegado o Autor, a Exma Procuradora-Geral Adjunta, no seu parecer, sustenta que o recurso deve proceder nesta parte.
O Tribunal a quo, na parte que aqui importa para efeitos de análise, fez constar o seguinte na sentença:
“(...) Dos documentos juntos pelo próprio trabalhador resulta que, na data da cessação do contrato, o seu vencimento base era de € 590. O trabalhador juntou os doze últimos recibos daí se inferindo que, para além da remuneração base, o mesmo auferiu todos os meses uma determinada quantia a título de subsidio de turno e abono de falhas. Tais prestações porque regulares e periódicas deverão integrar o conceito de remuneração para efeitos de pagamento de férias e subsidio de férias – artigos 258º e 264º do CT.
Assim considerando que nos últimos 12 meses, foi pago a quantia total de € 307,33 a título de abono de falhas e €947,44 a título de subsidio de turno, a média a considerar deverá corresponder, para além do valor da retribuição mensal, respectivamente, a €25,61 e €78,95.
No que respeita à retribuição de fevereiro, o trabalhador auferiu a quantia de €295, a título de retribuição base; €14,62 a título de abono de falhas e €44, 25 a título de subsidio de turno. Considerando a retribuição e o valor das demais prestações periódicas que o mesmo auferia mensalmente, constata-se que o valor liquidado corresponde à proporção do trabalho prestado naquele mês, nada mais lhe sendo devido a esse título.
A título de subsidio de férias vencidos em 01.01.2018 foi-lhe paga, em fevereiro 2018, a quantia de €590, a título de retribuição, €29,24 a título de abono de falhas e €88,50 a título de subsidio de turno (valores superiores à média supra indicada), num total de €707,74. Assim, também nada é devida a esse título ao trabalhador.
Reclama ainda a quantia de €88,19 a título de proporcionais de subsidio de férias.
Foi-lhe paga a quantia de €117,97 (€98,33+€4,87 + €14,75) a esse título. Considerando que o trabalhador trabalhou durante 45 dias no ano de 2018, teria direito à quantia de €85,63 pelo que concluímos que também aqui, o valor pago foi superior ao devido. (...)”
Cumprindo apreciar, sem prejuízo de entendermos que de facto o abono para falhas, face ao regime que resulta dos artigos 258.º e 260.º do CT/2009, ainda que tenha sido pago com caráter regular e periódico, não integraria no caso a retribuição do Autor[10], tal circunstância, porém, na consideração da factualidade provada no caso, não é bastante para, como o pretende a Recorrente, com a mera invocação da compensação (que fez de facto na sua resposta), obter o efeito que pretende no presente recurso.
É que, afinal, sem sequer invocar a mesma Recorrente razão que justificasse a sua conduta, assim o pagamento que fez, que mais não fosse referindo que o teria feito por eventual erro ao assim ter procedido, foi a mesma Recorrente quem, livremente, pagou tal montante – não resulta dos autos, ou sequer a mesma o refere, por exemplo que o Autor lho tivesse solicitado –, ou seja, o mesmo montante que agora refere ser indevido – alega apenas no artigo 139.º que, no entanto, “pagou indevidamente ao A. a quantia de €29,24” “a título de abono para falhas integrado no subsídio de férias” e, no artigo 140.º, “compensando o valor em dívida pela Ré (€81,60) com o montante recebido indevidamente pelo A. (€29,24) –, sendo que, bem vistas as coisas, a ser a sua posição sobre o abono em causa a que na ação invocou, então, por um lado, não deveria assim ter atuado anteriormente, ou seja realizar o pagamento, e, por outro, precisamente porque assim atuou, quando agora sustenta que não estava afinal obrigada a fazê-lo, será então caso para perguntar qual foi a razão para pagar o que pagou e, já agora, para mais tarde se arrepender, do que resulta, que mais não seja por apelo ao instituto do abuso do direito – na modalidade venire contra factum próprio –, previsto no artigo 334.º do Código Civil, que deve ser negada aqui a sua pretensão, por afrontar diretamente a sua atuação anterior no momento em que realizou o pagamento.
Improcede pois, mas apenas pelo exposto, o recurso da Ré nesta parte.
2.2.2 Da formação profissional
Diverge por fim também a Ré do decidido na sentença, fazendo apelo ao regime que diz estabelecido no artigo 134.º do CT, bem como no n.º 1 do artigo 132.º e os n.ºs 2 e 6 do artigo 131.º, do qual, diz, resulta que o Autor apenas tinha direito a receber a remuneração correspondente a um crédito de 20 horas de formação, que ascendia a €68,00 e não a €306,34, como decidido pelo Tribunal a quo.
No essencial, como argumentos, invoca que as horas de formação profissional não proporcionadas e o crédito de horas de formação são, na realidade, duas prestações distintas: as horas de formação não proporcionadas são as que já se venceram, ainda não foram ministradas mas ainda o podem ser (não se tendo, por esse motivo, transformado em crédito de horas) – cfr. artigos 131.º, n.º 2, e 132.º, n.º 1 do CT – e o crédito de horas de formação compreende, somente, as horas de formação que não tendo sido ministradas por iniciativa do empregador no período de dois anos desde o seu vencimento podem ser gozadas por iniciativa do trabalhador – cfr. n.º 1 do artigo 132.º do CT –, pelo que, estatuindo o artigo 134.º do CT que, cessando o contrato de trabalho, o trabalhador tem direito a receber a remuneração correspondente ao número mínimo de horas de formação que não lhe tenha sido proporcionado ou ao crédito de horas de formação de que seja titular à data da cessação, tal equivale a dizer que, aquando da cessação do contrato de trabalho, o trabalhador tem direito a receber uma das duas prestações, ou seja, a remuneração correspondente ao número mínimo de horas de formação que não lhe tenha sido proporcionado ou o crédito de horas de formação de que seja titular à data da cessação, sendo que, acrescenta por fim, não esclarecendo o CT qual o critério que deve ser seguido para determinar se o trabalhador deve receber uma ou outra, entende que, sempre que já se tenha constituído na esfera jurídica do trabalhador um crédito de horas, o pagamento a efetuar deve ser o da remuneração correspondente a este.
Divergindo o Apelado da posição da Apelante, no que é acompanhado pelo Ministério Público junto desta Relação, constata-se que o Tribunal recorrido fez constar da sentença, a esse propósito, o seguinte:
“(...) Por último, importa analisar os créditos devidos a título de formação profissional.
Alega o trabalhador no artigo 57º da contestação que ao longo da relação do autor com a ré, não foi lhe dado qualquer tipo de formação (sublinhado nosso) por esta última, apesar de solicitado. A entidade patronal logrou provar que entre fevereiro de 2015 e novembro de 2017 concedeu ao trabalhador 15 horas de formação profissional (facto 77), juntando para o efeito os registos de presença, assinados por aquele, nas aludidas acções de formação, cujo teor não foi impugnado.
Se é certo que a entidade patronal não logrou provar que concedeu a totalidade da formação ao trabalhador, não se percebe a afirmação feita pelo trabalhador a que aludimos supra, comportamento que rasa a litigância de má fé.
O contrato teve um período de duração superior a três anos na medida em que se iniciou em 19.01.2015 e cessou em 14.02.2018.
No que respeita aos créditos peticionado a título de formação, não logrou provar a entidade patronal que concedeu ao trabalhador a totalidade da formação profissional imposto por lei e correspondente a 35 horas por cada ano – artigo 131º, nº 2 do CT.
Assim, ao abrigo do artigo 134º do CT, tem a trabalhador direito a receber a retribuição correspondente ao número mínimo anual de horas de formação que não lhe tenha sido proporcionado nos últimos 3 anos. Tal corresponde a 90 horas. Sendo o valor da retribuição horária de €3.40 (só devendo atender-se para efeitos de cálculo à retribuição base, atento o disposto no artigo 262º do CT), o trabalhador tem direito a € 306,34 a título de créditos pela formação que não lhe foi prestada.
A tal quantia acrescem os correspondentes juros de mora, desde a citação e até integral pagamento da dívida. (...)”
Cumprindo apreciar, não obstante a redação da norma (artigo 134.º do CT/2009) permitir de facto mais do que uma interpretação, dada a utilização da locução “ou”, assim também a defendida pela Recorrente, consideramos, porém, que tal interpretação se apresenta, sem dúvidas nossas, demasiado restritiva e literalista, porque assente apenas na redação do artigo 134.º, sem atender pois às demais normas do Código que regulam a formação profissional contínua do trabalhador, das quais resulta que aquela interpretação não corresponde claramente ao verdadeiro espirito da norma, na medida em que com essa se pretenderá naturalmente assegurar que, com a cessação do contrato, sejam satisfeitos os direitos que decorram das normas anteriores.
Ora, resulta desde logo do n.º 2 do artigo 131.º que o trabalhador tem direito, em cada ano, no que ao caso importa, “a um número mínimo de trinta e cinco horas de formação contínua”, sendo que, estando é certo apenas previsto no n.º 5 o dever para o empregador de assegurar, em cada ano, formação contínua a pelo menos 10 % dos trabalhadores da empresa, como ainda no n.º 6 a possibilidade de antecipação ou deferimento, em lugar algum se estabelece que aquele direito do trabalhador deixe de subsistir, em caso de cessação do contrato, prevendo-se antes, o que é coisa diversa, agora face ao que resulta do n.º 1 do artigo 132.º, que tais horas de formação que não sejam asseguradas até ao termo dos dois anos posteriores ao seu vencimento, se transformam em crédito de horas, em igual número, para formação por iniciativa do trabalhador, sendo que apenas quanto a esse crédito se estabelece que cessa caso não venha a ser utilizado passados três anos sobre a sua constituição (n.º 6)[11]. Ou seja, podem subsistir no desenvolvimento da relação laboral, e assim ocorre no caso que se aprecia, simultaneamente ambos os direitos, assim o referente ao crédito de horas já constituído e que ainda não tenha cessado (n.ºs 1 e 6 do artigo 132.º) e o relacionado com a formação a que o trabalhador tem direito e que ainda não se tenha transformado em crédito de horas (n.º 2 do artigo 131.º), sendo que, afinal, a ambos os direitos se refere a norma referente à cessação do contrato, assim o artigo 134.º.
Daí que, salvo o devido respeito, a interpretação que mais se aproxima com o espírito da norma e que na sua letra encontra também sustentação não possa deixar de ser aquela que impõe que, em caso de cessação do contrato de trabalho em que haja horas de formação profissional que não tenham sido ministradas pelo empregador, este deverá liquidar quer as horas que já se transformaram em crédito (e que não tenha prescrevido) quer também as que se venceram nos últimos dois anos de execução do contrato, as quais, em virtude da cessação, por não ter decorrido o prazo previsto na lei, ainda não se converteram em crédito de horas.
Improcede pois, pelo exposto, também o recurso da Ré quanto a esta questão.

Decaindo, cada um dos Recorrentes é responsável pelas custas do recurso que interpôs (artigo 527.º do CPC).
***
IV - DECISÃO
Acordam os juízes que integram a Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente improcedentes os recursos, principal e subordinado.
Custas por cada um dos Recorrentes, quanto ao recurso que interpôs.
Anexa-se sumário, da responsabilidade exclusiva do relator
Porto, 3 de junho de 2019
Nelson Fernandes
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
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[1] Relator Conselheiro Gonçalves Rocha, in www.dgsi.pt.
[2] Relator Conselheiro Leones Dantas, também disponível em www.dgsi.pt.
[3] Neste sentido, de entre outros, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 22-09-2010, 29-09-2010 e 15-09-2016, disponíveis em www.dgsi.pt.
[4] Apelação 1119/13.3TTPRT.P2, in www.dgsi.pt.
[5] Cfr. Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 13.ª edição, Almedina, pág. 236
[6] Cfr. Código do Trabalho Anotado, Paula Quintas e Hélder Quintas, 2.ª edição, Almedina, pág. 34
[7] Nesse sentido, cfr. os Ac. do STJ de 10.02.99 in ADSTA, ano XXXVIII, 454, pág. 274 e de 18/04/2007, disponível em www.dgsi.pt
[8] Como se refere no sumário do Acórdão do STJ de 2 de março de 2013: “É de afirmar a justa causa para o despedimento – atenta a violação do dever de lealdade por parte do trabalhador, dever que tem subjacente o valor absoluto da honestidade – quando está demonstrado que o trabalhador furtou duas garrafas de vinho do restaurante do seu empregador, onde prestava serviço, levando-as para casa, e aí as consumindo, não relevando, para o efeito, o seu valor pecuniário.”
[9] Direito do Trabalho, 13ª ed., Almedina, pág. 561
[10] Nesse sentido os Acórdãos desta Secção de 11 de abril de 2018 (relatado pelo aqui também relator e com intervenção deste mesmo Coletivo), 16 de Dezembro de 2015 (Relator Desembargador António José Ramos) e 16 de Dezembro de 2015 (Relatora Desembargadora Maria José Costa Pinto), todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.
[11] Regime que, como é consabido, apenas foi introduzido no Código atual, pois que o artigo 169.º do Regulamento do Código do Trabalho de 2003, aprovado pela Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho, dispunha que “[c]essando o contrato de trabalho, o trabalhador tem direito a receber a retribuição correspondente ao crédito de horas para formação que não lhe tenha sido proporcionado”, não prevendo porém o diploma qualquer prazo de caducidade de três anos para reclamação dos créditos relativos a formação obrigatória. Diferente regime resulta do artigo 132.º do Código do Trabalho de 2009, que não tem paralelo no Código do Trabalho de 2003 ou no seu regulamento, pois que de acordo com tal preceito, “[a]s horas de formação previstas no n.º 2 do artigo anterior, que não sejam asseguradas pelo empregador até ao termo dos dois anos posteriores ao seu vencimento, transformam-se em crédito de horas em igual número para formação por iniciativa do trabalhador” (n.º 1) e “[o] crédito de horas para formação que não seja utilizado cessa passados três anos sobre a sua constituição”.