Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1608/21.6T8VFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ALBERTO TAVEIRA
Descritores: ANULABILIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO
COMPRA E VENDA
BENFEITORIAS
RESTITUIÇÃO DO QUE HOUVER SIDO PRESTADO
Nº do Documento: RP202404231608/21.6T8VFR.P1
Data do Acordão: 04/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: O fundamento da obrigação de restituição no caso de declaração de anulabilidade negócio, em primeira via há-decidir com base na anulabilidade, e somente, subsidiariamente, se pode lançar mão do fundamento do enriquecimento sem causa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: PROC. N.º[1] 1608/21.6T8VFR.P1

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Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro

Juízo Central Cível de Santa Maria da Feira - Juiz 3

RELAÇÃO N.º 132

Relator:  Alberto Taveira

Adjuntos:  Maria Eiró

                Ramos Lopes


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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

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I - RELATÓRIO.

AS PARTES


A.: A... – Unipessoal, Lda.

R.: AA


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A[2] A. instaurou a presente acção declarativa comum contra a R., peticionando a sua condenação desta a pagar-lhe a quantia global de € 118.319,59, acrescida de juros de mora, à taxa legal em vigor para as operações comerciais, desde a data em que foram pagas pela Autora e até efectivo e integral pagamento, ascendendo os vencidos a € 46.528,90, a título de obrigação de restituição que incumbe à R., por força da anulação do negócio de compra e venda celebrado entre ambas em 05/04/2012, declarada na acção n.º 3447/18.2T8VNG, do Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia, Juiz 2.

Discrimina da seguinte forma a quantia global de € 118.319,59:

a) € 55.000,00 (€ 50.000,00 + € 5.000,00), a título de preço pago;

b) € 9,10, a título de comissão e imposto de cheque bancário;

c) € 2.038,16, a título de imposto de selo;

d) € 325,00, a título de emolumentos notariais e registrais;

e) € 50,00, a título de emolumentos registrais;

f) € 185,00, com certificação de desempenho energético;

g) € 6.912,27, com Imposto Municipal sobre Imóveis de 2015 e 2016 (€ 971,00 – ano de 2015; € 971,00 – ano de 2016; € 1.281,36 – ano de 2017; € 1.264,64 – ano de 2018; € 1.209,69 – ano de 2019; € 1.214,58 – ano de 2020);

h) € 16.011,90, com Imposto Municipal sobre Transmissões;

i) € 37.788,06, com obras de construção e limpeza do prédio, s qua foi condenada em acção declarativa.

A título subsidiário, deduz essa mesma pretensão com base no enriquecimento sem causa.

A R. veio contestar, por um lado, invocando a excepção de caso julgado e, por outro, pugnando pela improcedência da acção.

Quanto à quantia de € 5.000,00 referida em a), tal dinheiro foi levantado por cheque e imediatamente devolvido à A., que entregou o mesmo a título de comissão ao mediador do negócio.

Quanto às despesas referidas em b) a f), caso se venham a demonstrar tais custos, os mesmos deverão ser imputados à A., sendo certo que a R. também teve despesas com a anulada compra e venda, com o distrate da hipoteca e a escritura de redução do ónus de doação. Quando muito, tais valores deverão ser compensados com as despesas que a R. apresenta.

Quanto aos custos referidos em g) a h), este não é o meio próprio para reclamar tais quantias, cabendo à A. reclamar junto da Autoridade Tributária o pagamento indevido de tais montantes.

Aliás, a R. foi também condenada em sede de acção executiva movida pela AT pelo não pagamento de IRS (por liquidação oficiosa de mais valias) no valor de € 48.650,88. E, em resultado deste negócio e para pagamento de impostos, foi penhorada a metade indivisa de um apartamento que a R. detinha em compropriedade com a irmã, cuja venda coerciva não pode evitar.

De todo o modo, caso se aceitem tais custos, deverá ser deduzida, por via de compensação, a quantia de € 48.650,88, sendo que a dívida se cifra actualmente em € 34.786,01, mesmo após a penhora e venda da metade indivisa do seu imóvel.

Acresce que, caso o prédio se tivesse mantido na esfera da R., esta não teria suportado os adicionais de IMI, atento o seu património, pelo que, subsidiariamente, não poderá a R. ser condenada a pagar tais adicionais.

Quanto às despesas com obras referidas em i), tratam-se de obras desnecessárias.

A A. não tinha necessidade de realizar um muro na propriedade, no valor e dimensão que menciona, o qual vai bem mais além dos limites do terreno do prédio em questão.

A A. foi até alertada pelo pai da R. de que o muro deveria ter no máximo 60 m2 e não 103 m2.

Aliás, a aqui A., no âmbito daquela acção, não apresentou contestação, sendo que, caso fosse contestada, o muro não teria que ter a dimensão, que ultrapassa os limites do prédio em causa, nem a técnica construtiva que foi empregue. Assim, face à culpa da A., não pode a R. ser responsabilizada.

Caso assim não se entenda, o preço de tal obra orça presentemente em cerca de € 13.200,00. E, orçamento pedido agora pela R. para a construção de um muro de 103 m2 é de € 22.600,00. Assim o montante da mais valia implantada deverá ser contabilizada no valor de € 13.200,00, o que se requer subsidiariamente.

E, quanto aos juros, na anulação de uma compra e venda nunca há lugar a juros compensatórios, mas quanto muito à restituição em singelo do valor entregue à R., ou seja, € 50.000,00.

Caso não se entenda a inexigibilidade dos juros peticionados, a A. recebeu € 8.310,00 do contrato de arrendamento que celebrou com a irmã da R..

A taxa de juros não é a peticionada, uma vez que a R. não desenvolve actividade comercial.

A haver juros, deverão ser contados desde a citação, à taxa legal de 4% ao ano.

Ainda que vença a tese dos juros desde a entrega do valor, sempre se dirá que parte desse valor já se encontra prescrito.

Na sequência de convite que lhe foi dirigido, a Ré veio apresentar nova contestação, com dedução da compensação através de reconvenção, formulando o respectivo pedido reconvencional, peticionando seja operada a compensação no montante global de € 57.418,89, correspondente a despesas com obtenção de documentos, escrituras e registos (€ 558,01) e à dívida à Autoridade Tributária decorrente de liquidação de mais-valias (€ 48.650,88), bem como a título de rendas recebidas pela Autora (€ 8.310,00), caso venha a ser reconhecido a esta última algum crédito.

A A. veio replicar, pugnando pela improcedência da excepção de caso julgado e pela procedência da acção nos termos peticionados.

E, quanto à reconvenção, a A. é totalmente alheia às liquidações de IRS da R., sendo esta também alheia aos proveitos auferidos pela A. com os quais não tenha nenhuma relação, pugnando, assim, pela improcedência da reconvenção.

Foi realizada audiência prévia, no decurso da qual foi proferido despacho, onde foi julgada improcedente a excepção de caso julgado e foram aferidos genericamente pela positiva os demais pressupostos processuais, bem como despachos a identificar o objecto do litígio e a enunciar os temas da prova, não tendo sido apresentada qualquer reclamação.

Instruída a causa, procedeu-se à audiência final com observância do legal formalismo.


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DA/O DESPACHO/DECISÃO RECORRIDO


Após audiência de discussão e julgamento, foi proferida SENTENÇA julgando parcialmente procedente a demanda, nos seguintes termos:

Pelo exposto, julgam-se parcialmente procedente a acção e a reconvenção e, em consequência:

1. Condena-se a Ré a pagar à Autora a quantia global de € 87.402,32 (oitenta e sete mil, quatrocentos e dois euros e trinta e dois cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal supletiva aplicável a operações que tenham por objeto créditos de que sejam titulares empresas comerciais, singulares ou colectivas (não abrangidas pelo DL n.º 62/2013 de 10/05/2013), desde 8 de Junho de 2021 até efectivo e integral pagamento;

2. Absolvem-se a Ré e a Reconvinda do demais peticionado.“.


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DAS ALEGAÇÕES

A R., vem desta decisão interpor RECURSO, acabando por pedir o seguinte:

Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida, assim fazendo V. Exas. a tão costumada justiça.“.


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A recorrente apresenta as seguintes CONCLUSÕES:

1) Em 06/11/2023, proferiu o Tribunal a quo sentença que condenou “a Ré a pagar à Autora a quantia global de € 87.402,32 (oitenta e sete mil, quatrocentos e dois euros e trinta e dois cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal supletiva aplicável a operações que tenham por objeto créditos de que sejam titulares empresas comerciais, singulares ou colectivas (não abrangidas pelo DL n.º 62/2013 de 10/05/2013), desde 8 de Junho de 2021 até efectivo e integral pagamento”.

2) No valor global em que a Ré foi condenada a pagar à Autora está compreendida a quantia de €37.788,06 a título de restituição do valor pela segunda suportado com obras de construção e limpeza no prédio devolvido à primeira (B.4. da Motivação de Direito), fundamentando o Tribunal a quo tal decisão com a regulação constante das disposições conjugadas dos artigos 289.º e 1269.º e seguintes do Código Civil, que remetem para as regras do enriquecimento sem causa.

3) Não se consegue, porém, assinalar na sentença recorrida o percurso trilhado pelo Tribunal a quo para concluir que se verificou um enriquecimento da Ré equivalente ao montante suportado pela Autora para construção do muro, na medida em que serviu para repor um muro preexistente que foi danificado durante o período em que a segunda exerceu o direito de propriedade sobre o imóvel.

4) Fazendo o Tribunal a quo faz referência a um muro preexistente no mesmo local, mais concretamente na alínea m) da “Matéria não provada”, importaria perceber de que forma é que chegou à conclusão de que a medida do locupletamento da Ré é exactamente equivalente ao valor suportado pela Autora.

5) Ao ambiguamente aludir à existência de outro muro no mesmo local e não explicar de que forma chegou à conclusão de que a medida do enriquecimento da Ré, por via da existência de um muro novo, equivale ao custo suportado pela Autora com a respectiva construção, fez o Tribunal a quo incorrer a sentença no vício da nulidade previsto no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, que ora se suscita.

6) Ainda quanto à condenação da Ré no pagamento à Autora do valor por esta suportado com a construção de um muro no imóvel devolvido àquela, cabe assinalar ter sido alegado na contestação a preexistência de um muro no local, o qual foi reposto pelo muro novo (artigo 50 da contestação).

7) Deixando o Tribunal a quo de se pronunciar sobre tal questão de facto, relevante para a fundamentação de Direito e para a decisão, a sentença recorrida padece do vício de nulidade por omissão de pronúncia, previsto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, o que ora se suscita.

8) Consta de m) da “Matéria não provada” que “A autora erigiu um muro com características muito superiores quer em qualidade, quer em dimensão, ao muro que existia no local, indo além da condenação que sofreu”.

9) Tal facto encontra-se incorrectamente julgado pelo Tribunal a quo na parte respeitante ao “muro que existia no local”.

10) Deveria, com efeito, ter sido dado como provado que “No local onde a Autora construiu o muro existia um muro anterior, que cedeu e ruiu.”

11) Era essa a única conclusão a que poderia ter o Tribunal a quo chegado, mormente em resultado do que consta da sentença proferida no âmbito do processo n.º 9936/17.9T8VNG, do Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia, Juiz 1, junta aos autos e relevada na sentença recorrida.

12) A presente impugnação é feita nos termos do disposto no artigo 640.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), do Código de Processo Civil.

13) Consta de 26. dos factos provados que “Desde que adquiriu o imóvel e após ter requerido e ter-lhe sido concedida pela administração tributária isenção de IMI nos anos de 2012 a 2014, a Autora suportou € 16.011,90 com Imposto Municipal sobre Transmissões, € 185,00 com a certificação de desempenho energético e € 6.912,17 com Imposto Municipal sobre Imóveis de 2015 a 2020 (€ 971,00 + € 971,00 + € 962,00 + € 945,28 + € 890,43+890,43 + adicionais de € 319,16+319,36+319,36+€ 324,15)”.

14) O IMI “incide sobre o valor patrimonial tributário dos prédios rústicos e urbanos situados no território português”, tendo como sujeito passivo o proprietário, o usufrutuário ou o superficiário, ou, no caso de propriedade resolúvel, por quem tenha o uso e fruição do prédio, sendo anualmente liquidado (artigos 1.º, n.º 1, 8.º, n.ºs 1 e 3, e 113.º, n.º 1, do Código do IMI, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro).

15) Deve, assim, concluir-se que a obrigação do IMI está claramente ancorada a períodos anuais de exercício do direito de propriedade ou dos direitos reais de gozo do usufruto e superfície.

16) No caso dos autos, no período compreendido entre 05/04/2012 (data da realização da escritura pública de compra e venda anulada) e Maio de 2021 (quando transitou em julgado a decisão de anulação do negócio), foi a Autora a proprietária plena do imóvel objecto daquele negócio.

17) O efeito ex tunc previsto no artigo 289.º, n.º 1, do Código Civil, não é susceptível de fazer retroceder o tempo, pelo que, verificando-se que a incidência subjectiva do IMI se encontra atrelada a períodos anuais do exercício do direito de propriedade e dos inerentes direitos reais de gozo, tudo o que a esse título foi pela Autora pago durante aqueles nove anos está indelevelmente ligado ao exercício do direito de propriedade durante cada um desses nove anos.

18) O cumprimento da obrigação do IMI traduz-se num pagamento prestado à Autoridade Tributária, não tendo também, no presente caso, contribuído para qualquer enriquecimento da Ré.

19) Finalmente, não pode ser ignorado que o negócio celebrado entre a Autora e a Ré foi anulado por usura praticada pela primeira, não se vislumbrando qualquer razão para não estender aos pagamentos efectuados a título de IMI o raciocínio do Tribunal a quo relativamente aos pagamentos efectuados a título de comissão e imposto de cheque bancário, imposto de selo, emolumentos notariais e registais, certificação de desempenho energético e Imposto Municipal sobre Transmissões.

20) Quanto à condenação da Ré no pagamento à Autora de €37.788,06 com obras de construção e limpeza do prédio, ficaram provados os factos constantes de 16., 27., 31., 32., 33., 34. e 35. da “Matéria provada”, os quais, porém, são insuficientes para tal condenação, pois desconhecem-se as razões da condenação da segunda na realização de tal construção.

21) Não é também despiciendo não ter a Autora alegado quaisquer factos referentes à construção do muro, mas tão somente referentes à condenação judicial na realização de obras de “construção e limpeza” e ao pagamento a uma empresa no âmbito das mesmas.

22) Nos termos do disposto no artigo 473.º, n.º 1, do Código Civil, a obrigação de restituição apenas abrange a medida do enriquecimento, ou seja, segundo o artigo 479.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, “tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente”.

23) Conforme resulta dos documentos juntos, mormente com a petição inicial, a Autora foi condenada a realizar obras de construção e limpeza no imóvel objecto do negócio anulado em virtude da queda de um muro que no mesmo existia, sendo que à data da instauração da acção que deu origem ao processo n.º 9936/17.9T8VNG, já era a mesma a proprietária do imóvel há cerca de cinco anos, período durante o qual estava obrigada à conservação do mesmo, mormente no âmbito das relações jurídicas de vizinhança.

24) Estava, nomeadamente, obrigada a realizar obras de conservação no muro preexistente no local e que veio a ruir durante o período em que exerceu o direito de propriedade sobre o imóvel, não tendo a Autora alegado factos que permitam calcular a medida do locupletamento à data da citação da Ré (artigos 479.º, n.º 2, e 480.º, alínea a), ambos do Código Civil).

25) A condenação da Ré no pagamento do valor pela Autora suportado para reconstrução do muro que desabou tem como efeito a sua responsabilização pelos actos de conservação do imóvel durante o período em que a segunda teve a propriedade do mesmo.

26) Tais obras tampouco enriqueceram a Ré, uma vez que à data da celebração do negócio anulado já existia um muro no imóvel, que apenas foi reconstruído pela Autora em virtude de ter desabado durante o período em que a mesma foi titular do respectivo direito de propriedade. “.


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A A. não apresentou contra-alegações.

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II-FUNDAMENTAÇÃO.


O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Civil

Como se constata do supra exposto, a questão a decidir, é a seguinte:

A) Das nulidades arguidas – ambiguidade e omissão de pronúncia.

B) Da modificação da matéria de facto – alínea m) dos factos não provados, no sentido de dar como provada tal factualidade.

C) Da modificação de direito.


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OS FACTOS


A sentença ora em crise deu como provada e não provada a seguinte factualidade.


A.1. Matéria provada

Da instrução e discussão da causa, resultaram provados os seguintes factos:

1. A Autora é uma sociedade comercial que se dedica á compra, venda e arrendamento de bens imóveis e revenda dos bens adquiridos para esse fim;

2. O prédio urbano sito no Lugar ..., Avenida ..., ..., Vila Nova de Gaia, encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º ... e inscrito na respectiva matriz sob o art.º ...;

3. Por escritura pública lavrada em 25 de Maio de 2010, a fls. 47 a 49 do livro ...-A para escrituras diversas, no Cartório Notarial a cargo de BB, em Vila Nova de Gaia, CC e DD declararam doar à Ré, sua filha, por conta da legítima, e esta aceitou tal doação, do prédio referido em B);

4. Através da inscrição Ap. ..., de 04/06/2010, foi inscrita a aquisição da propriedade de tal prédio a favor da Ré, por doação;

5. Mediante a Ap. ..., de 04/06/2010, foi também inscrito no registo predial o ónus de eventual redução de doação;

6. Quando a propriedade do prédio foi transferida para a Ré, sobre ele incidia hipoteca voluntária a favor do “Banco 1..., S.A.”, registada pela Ap. ... de 06/03/2003, para garantia do montante máximo de € 201.000,00, que se manteve;

7. Mediante escritura pública outorgada em 5 de Abril de 2012, no 1.º Cartório de Competência Especializada de Matosinhos, a Ré, na qualidade de parte vendedora, e a Autora, na qualidade de parte compradora, declararam o seguinte:

“(…)

D. Identificação do prédio

D.1. Elementos descritivos do prédio

Natureza: urbano.

Destino: Casa de três pavimentos, com dependência e terreno junto.

Situação: Avenida ..., freguesia ..., concelho de Vila Nova de Gaia.

Inscrição matricial: ....

Valor patrimonial: 254.770,00 €

D2. Situação Registral

Prédio descrito sob o número ..., da Segunda Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, registado a favor da vendedora pela Ap. ....

Ónus de eventual redução de doação registado pela Ap. ....

E. Compra e venda

E.1. A primeira interveniente vende à sociedade que o segundo interveniente representa, o imóvel supra identificado, pelo preço € 82.970,00;

A parte vendedora declara que o imóvel é vendido livre de encargos, designadamente da hipoteca registada pela Ap. ..., a favor do Banco 1..., S.A.”, cujo cancelamento vai ser efectuado com base em documento por si apresentado neste acto.

E.2. Outras cláusulas

a) As partes declaram que no negócio não houve intervenção imobiliária.

b) A parte compradora declara que o imóvel vendido se destina a revenda.

c) A parte vendedora declara que esta venda é feita com reserva de recobrar o imóvel transmitido mediante a restituição do preço recebido, desde que resolva este contrato no prazo de doze meses a contar desta data.

(…)”;

8. Através da inscrição Ap. ..., de 05/04/2012, foi inscrita a aquisição da propriedade de tal prédio a favor da Autora, por compra, com reserva de recobrar o imóvel transmitido mediante a restituição do preço recebido;

9. Manteve-se registado o ónus de eventual redução de doação;

10. Pelo averbamento AP ... de 2012/04/05 foi cancelado o registo de hipoteca voluntária a favor do “Banco 1..., S.A.” Ap. ... de 06/03/2003 para garantia de do montante máximo de Euro 201.000,00;

11. Para pagamento do preço de compra do identificado imóvel à ré, em 05/04/2015 a Autora entregou-lhe a quantia de Euro 50.000,00 (cinquenta mil euros) através da entrega de cheque bancário com o número ... emitido pela “Banco 2..., SA” sobre a conta número ..., de igual valor, e que a ré recebeu, embolsou e fez sua;

12. O ónus de eventual redução de doação foi cancelado através de escritura publica lavrada em 21/01/2016 a fls. 104 a 104 vº do livro ... para escrituras diversas Cartório Notarial a Cargo de EE, sito em Santa Maria da Feira;

13. E o respectivo registo predial foi cancelado pelo Averbamento AP ... de 2016/01/21;

14. A cláusula de reserva de recobrar o imóvel transmitido mediante a restituição do preço foi cancelada através de escrito particular lavrado em 21/01/2016;

15. E o respectivo registo predial foi cancelado pelo Averbamento AP ... de 2016/01/22;

16. Por sentença proferida em 26/01/2019, e devidamente transitada em julgado, no processo que correu termos no Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia, Juiz 1, sob o nº 9936/17.9T8VNG, a aqui Autora, não tendo contestado a acção, foi condenada a proceder a obras de construção e limpeza do identificado prédio;

17. AA instaurou acção declarativa comum contra FF e “A... – Unipessoal, Lda.”, pedindo que seja anulada a escritura celebrada em 05/04/2012, bem como os respectivos registos na competente Conservatória, a par da condenação do Réus a reconheceram-na como a única dona e legítima possuidora do prédio urbano objecto de tal escritura acrescida de uma quantia indemnizatória nunca inferior a € 60.000,00;

18. Tal acção correu termos pelo Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia, Juiz 2, sob o n.º 3447/18.2T8VNG;

19. Nessa acção, em 14/01/2021 foi proferida sentença a julgar parcialmente procedente a acção e, em consequência: a) foi declarada a anulação da escritura de compra e venda celebrada no dia 05/04/2012 pelo 1º Cartório de Competência Especializada de Matosinhos no processo ..., que titulou a venda do identificado prédio pela ré à autora; b) foi determinado o cancelamento do registo Ap. ... de 2012/04/05 de aquisição da propriedade do identificado prédio a favor da A...– Unipessoal Lda.; c) a aqui autora foi condenada a reconhecer a AA como única dona e legítima possuidora do identificado prédio; d) o réu GG foi absolvido do pedido;

20. Tal sentença foi confirmada por douto acórdão proferido em 27/04/2021 pela 2ª secção do Tribunal da Relação do Porto, insusceptível de recurso ordinário nos termos do disposto no artigo 671 nº 3 do Código de Processo Civil, e igualmente já transitado em julgado;

21. No âmbito dessa acção n.º 3447/18.2T8VNG, a aqui Autora e aí Ré não deduziu pedido reconvencional contra a aqui Ré e aí Autora;

22. Para pagamento da comissão e imposto do cheque bancário referido em 11., a Autora pagou à “Banco 2..., SA” a quantia de € 9,10 que esta instituição recebeu, embolsou e fez sua;

23. Para pagamento do imposto de selo devido pela identificada compra e venda, em 05/04/2015 a Autora entregou à administração fiscal e tributária a quantia de € 2.038,16, quantia que o Estado recebeu, embolsou e fez sua;

24. Para pagamento dos emolumentos notariais e registrais da identificada escritura de compra e venda, em 05/04/2015 a Autora entregou ao 1.º Cartório de Competência Especializada de Matosinhos a quantia de € 325,00, quantia que o Estado recebeu, embolsou e fez sua;

25. Para pagamento dos emolumentos registrais de cancelamento do registo de hipoteca Ap. ... a favor do “Banco 1..., SA” na identificada escritura de compra e venda, em 05/04/2015 a Autora entregou ao 1.º Cartório de Competência Especializada de Matosinhos a quantia de € 50,00, quantia que o Estado recebeu, embolsou e fez sua;

26. Desde que adquiriu o imóvel e após ter requerido e ter-lhe sido concedida pela administração tributária isenção de IMI nos anos de 2012 a 2014, a Autora suportou € 16.011,90 com Imposto Municipal sobre Transmissões, € 185,00 com a certificação de desempenho energético e € 6.912,17 com Imposto Municipal sobre Imóveis de 2015 a 2020 (€ 971,00 + € 971,00 + € 962,00 + € 945,28+€ 890,43+890,43+adicionais de € 319,16+319,36+319,36+€ 324,15);

27. Para pagamento das obras referidas no ponto 16., em 01/12/2019 a aí ré e aqui autora pagou a “B... Unipessoal, Lda” a quantia de € 37.788,06 (€ 30.722,00 + IVA), assim discriminada, sem contabilizar o IVA: € 1.072,00 com o custo de regularização de terreno e abertura de cabouco para implantação do muro; € 20.350,00, com a construção de muro em alvenaria com fornecimento de pedra incluído; € 7.500,00, com passagem de pedra para dentro do terreno com recurso a máquinas de grande porte (grua móvel); € 1.800,00, com regularização de terreno e compactação de terras e de encosto ao muro;

28. A Ré foi condenada em sede de acção executiva movida pela Autoridade Tributária pelo não pagamento de IRS (por liquidação oficiosa de mais valias) no valor de € 48.650,88 em virtude da compra e venda anulada;

29. Em determinada altura, tal dívida ficou reduzida ao montante de € 34.876,01, devido à satisfação de parte da dívida exequenda, por razões não concretamente apuradas;

30. Entretanto, a execução referida em 28. foi “anulada” e restituídos à Ré os montantes satisfeitos;

31. O muro construído pela Autora, em pedras de granito (alvenaria), tem um comprimento total que ascende a cerca de 55,80 metros (14,25 +33,15+8,40) e tem uma área total de cerca de 188,16 m2;

32. O valor de construção de tal muro, com preços unitários antes da conjuntura actual na construção civil, ascendia a cerca de € 22.146,00 + IVA, sem contar com os trabalhos conexos à sua construção, no que se refere ao movimento de terras, nomeadamente a abertura de caboucos, a regularização do terreno, a colocação das terras derivadas do desmoronamento, sua compactação e regularização, nem com o custo inerente à dificuldade no transporte do granito;

33. As obras com a realização do muro correspondem àquelas que a Autora foi judicialmente condenada a realizar na acção n.º 9936/17.9T8VNG;

34. E ainda assim, apenas as realizou em sede de execução de sentença no processo n.º 2285/19.0T8PRT, dos Juízos de Execução do Porto, Juiz 3, tendo os exequentes dado a prestação exequenda por parcialmente cumprida em 26/03/2020 e tendo sido julgada a prestação de facto integralmente realizada por decisão de 07/10/2021;

35. As obras realizadas ficaram incorporadas no solo, não são passíveis de levantamento e incrementam o valor do prédio pelo menos em valor igual ao despendido pela A.;

36. A Ré, pedologista de profissão, não desenvolve, nem desenvolvia à data do negócio, qualquer actividade comercial;

37. Em 05/04/2012, por escrito particular, a A. deu de arrendamento, com opção de compra (por € 82.960,00) o prédio em causa a HH, mediante a renda mensal de € 760,00, tendo tal arrendamento sido revogado em 30/06/2015;

38. Tendo recebido a quantia global de € 6.840,00 a título de rendas, relativas aos meses de Abril até Dezembro de 2012;

39. E, suportou € 458,01 com a escritura de redução do ónus de doação;

40. Na sentença referida em 19. e confirmada pelo acórdão mencionado em 20., o negócio foi anulado por usura, em virtude de aqui Autora e aí Ré, com o negócio, ter explorado a situação de inferioridade da aqui Ré e aí Autora, para obter benefícios excessivos;

Matéria não provada:

Com relevo para a decisão, nenhuns outros factos ficaram demonstrados, nomeadamente não ficou provado que:

a) Ainda para pagamento do preço de compra do identificado imóvel à Ré, em 05/04/2015 a Autora entregou-lhe a quantia de € 5.000,00, através da emissão e entrega do seu cheque número ... sobre conta número ... de que era titular na “Banco 2..., SA”, quantia que esta recebeu, embolsou e fez sua;

b) O dinheiro acima referido foi levantado por cheque e imediatamente devolvido à Autora, a qual solicitou à Ré o endosso de tal cheque e procedeu ao levantamento do valor de imediato, tendo a Autora através do seu representante legal entregue o mesmo, em acto contínuo, a título de comissão ao mediador do negócio, II;

c) Em resultado desse negócio e para pagamento de impostos foi penhorada a metade indivisa de um apartamento que a Ré detinha em compropriedade com a irmã, cuja venda coerciva não pôde evitar;

d) A dívida fiscal da Ré ficou reduzida ao montante referido em 29. após a penhora e venda de metade indivisa do imóvel;

e) Caso o prédio se tivesse mantido na esfera jurídica da Ré desde sempre, seriam apenas liquidadas em sede de IMI as quantias referidas em 26., sem os adicionais;

f) O património predial da Ré não a obriga ao pagamento adicional de IMI;

g) As obras referidas em 16. e 27. eram desnecessárias;

h) O preço de tais obras ascende presentemente, apenas, a cerca de € 13.200,00;

i) O preço orçado e pago pela A. está empolado;

j) Hoje, o custo das obras ascenderia a € 22.600,00;

k) O montante da mais valia implantada não deve ser contabilizada em valor superior a € 13.200,00;

l) A Autora sofreu os seguintes prejuízos: ficou sem habitação, perdeu o seu apartamento em Espinho, ficou sem trabalho e com uma enorme dívida à Autoridade Tributária por via do presente negócio;

m) A Autora erigiu um muro com características muito superiores quer em qualidade, quer em dimensão, ao muro que existia no local, indo além da condenação que sofreu;

n) A Autora não tinha necessidade de realizar um muro na propriedade, no valor e dimensão referidos;

o) O muro vai além dos limites do terreno do imóvel em questão;

p) O muro não deveria ser feito, nem tão pouco feito na extensão que o foi, devendo ter apenas no máximo 60 m2, o que era do conhecimento da Autora, tendo disso sido advertido o legal representante da Autora pelo pai da Ré, quando o respectivo processo judicial surgiu e quando a Autora começou a realizar o muro;

q) Tal processo judicial poderia ter sido contestado, dado que o muro não teria que ter nem a técnica construtiva que nele foi empregue, nem tão pouco teria que ter a dimensão que tem, que ultrapassa os limites do terreno da Ré;

r) Património da Ré;

s) A Ré suportou € 100,00 com o distrate da hipoteca;

t) A Autora recebeu a quantia de € 8.310,00 a título de rendas.“.


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DE DIREITO.

A)


Das nulidades arguidas – ambiguidade e omissão de pronúncia.

Argumenta a apelante que ocorre nulidade da sentença, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil.

Argumenta a recorrente ter o Tribunal a quo condenado a pagar a quantia corresponde à obras de construção de um muro no imóvel que a apelada lhe restitui por força da declaração de anulabilidade da compra e venda, sendo que a sentença não consegue indicar “o percurso trilhado pelo Tribunal a quo para concluir que se verificou um enriquecimento da Ré equivalente ao montante suportado pela Autora para construção do muro“.

Mais alega, que “Existindo anteriormente um muro no mesmo local do imóvel pertencente à Ré, o qual ficou danificado durante o período em que a Autora exerceu o direito de propriedade sobre o mesmo, era relevante, para efeitos de aplicação das regras do enriquecimento sem causa, conhecer as circunstâncias da degradação do muro reposto e a diferença de valor entre o muro antigo e o muro novo.

Conclui por enfermar a decisão de ambiguidade por não explicitar como “chegou à conclusão de que a medida do enriquecimento da Ré, por via da existência de um muro novo, equivale ao custo suportado pela Autora com a respectiva construção”.

Dispõe o artigo 615.º, n.º 1 alínea c) do Código de Processo Civil, o seguinte:

1 - É nula a sentença quando:

c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;

Nas conclusões de recurso, a apelante apresenta os citados argumentos para concluir pela ocorrência da apontada nulidade.

Em nosso entender, a apelante não tem razão e, portanto, não se encontra verificado o apontado vício da decisão proferida pela primeira instância.

Vejamos.

O que verdadeiramente a apelante discorda é da decisão de mérito que conheceu e decidiu, em sentido contrário ao por si pugnado.

Na sentença “original”, acção n.º 9936/17.9T8VNG, foi a aqui A. “condenada a proceder a obras de construção e limpeza do identificado prédio “ – ponto 16. Mais ficou provado nestes autos: “As obras com a realização do muro correspondem àquelas que a Autora foi judicialmente condenada a realizar na acção n.º 9936/17.9T8VNG”, ponto 33, a que corresponde a quantia de 37.788,06 €, ponto 27.

Da leitura da decisão, quanto a este ponto de discórdia, não se vislumbra que ocorra a anotada ambiguidade.

Bem distinto será conhecer e decidir que corre erro de julgamento, como mais adiante se verá. Nas palavras de ANTÓNIO ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e LUÍS PIRES DE SOUSA, in Código de Processo Civil Anotado, Vol I, pág. 737, “Acresce ainda uma frequente confusão entre nulidade da decisão e discordância quanto ao resultado, entre a falta de fundamentação e uma fundamentação insuficiente ou divergente da pretendida ou mesmo entre a omissão de pronúncia (relativamente a alguma questão ou pretensão) e a falta de resposta a algum argumento dos muitos que florescem nas alegações de recurso. (…)

A nulidade a que se reporta a 1ª parte da al. c) ocorre quando existe incompatibilidade entre os fundamentos e a decisão, ou seja, em que a fundamentação aponta num sentido que contradiz o resultado final. Situação que, sendo violadora do chamado silogismo judiciário, em que as premissas devem condizer com a conclusão, também não se confunde com um eventual erro de julgamento, que se verifica quando o juiz decide contrariamente aos factos apurados ou contra norma jurídica que lhe impõe uma solução jurídica diferente.

A sentença apresente discurso lógico dedutivo escorreito, sem que da mesma se possa inferir incerteza ou dúvida de qual tenha sido o percurso levado a cabo pelo julgador.

Foi esta a fundamentação do M. mo Juiz: “Assim sendo, tendo em consideração o quadro demonstrado e acima evidenciado e atendendo a que as obras foram impostas por decisão judicial, face à relação de liquidação, deve ser restituído à A. o montante suportado com tais obras (art.º 289.º, n.º 1, do CC). À mesma solução chegaríamos, caso as obras não tivessem sido impostas por decisão judicial, face ao restante quadro provado, à luz do disposto nos art.ºs 289.º, n.º 3, e 1273.º do CC.”

Explicita de modo inequívoco qual seja a fonte do direito – consequência da anulação da compra e venda – se por via da obrigação de restituição de tudo o que foi prestado ou na sua impossibilidade o valor correspondente, artigo 289.º, n.º 1 do Código Civil. Subsidiariamente, haverá que recorrer à obrigação de restituição do enriquecimento.

Pelo exposto não se encontra verificada a apontada nulidade.


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Da nulidade por omissão de pronúncia.

Sustentam a recorrente, R., que a sentença enferma de nulidade por não se ter pronunciado sobre factualidade por si alagada na contestação, artigo 50.º. Argumenta a factualidade respeitante à preexistência de um muro no local “era relevante para a decisão de condenação da primeira no pagamento do valor pela segunda suportado com tal construção, com base nas regras do enriquecimento sem causa “.

Dispõe o artigo 666.º do Código de Processo Civil, o seguinte:

1 - É aplicável à 2.ª instância o que se acha disposto nos artigos 613.º a 617.º, mas o acórdão é ainda nulo quando for lavrado contra o vencido ou sem o necessário vencimento.

2 - A retificação ou reforma do acórdão, bem como a arguição de nulidade, são decididas em conferência.

Por sua vez o artigo 615.º, n.º 1 do Código de Processo Civil especifica taxativamente os casos de nulidade da sentença:

1 - É nula a sentença quando: (…)

d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;”.

JOSÉ LEBRE DE FREITAS E ISABEL ALEXANDRE, in Código de Processo Civil Anotado, 3.ª ed., pág. 735 e seguintes, em anotação ao artigo 615.º, afirmam os citados autores: “Os casos das alíneas b) a e) do n.º 1 (excetuada a ininteligibilidade da parte decisória da sentença: ver o n.º 2 desta anotação) constituem, rigorosamente, situações de anulabilidade da sentença, e não de verdadeira nulidade.

Respeitam eles à estrutura ou aos limites da sentença. Respeitam à estrutura da sentença os fundamentos das alíneas b) (falta de fundamentação). c) (oposição entre os fundamentos e a decisão). Respeitam aos seus limites os das alíneas d) (omissão ou excesso de pronuncia) e e) (pronúncia ultra petitum). (…)

Devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (art. 608-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da da sentença, que as partes hajam invocado (ver o n.º 2 da anotação ao art. 608).”.

Como resulta da leitura da sentença em crise, esta pronunciou-se sobre todas as questões que foram suscitadas, designadamente, quanto a esta factualidade, cfr. alíneas m) e seguintes dos factos não provados.

Deste modo não há omissão de pronúncia, pelo que improcede a arguida nulidade

Pelo exposto, terá que ser julgada improcedente a pretensão.


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B)


Da modificação da matéria de facto – alínea m) dos factos não provados, no sentido de dar como provada tal factualidade.

Pugna a apelante que a factualidade da alínea m) dos factos não provados (A Autora erigiu um muro com características muito superiores quer em qualidade, quer em dimensão, ao muro que existia no local, indo além da condenação que sofreu), devendo ser dado como provado, “No local onde a Autora construiu o muro existia um muro anterior, que cedeu e ruiu.

Que tal factualidade decorre do que consta da sentença proferida nos autos do processo n.º 9936/17.9T8VNG, do Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia, Juiz 1. Em sustento da sua pretensão alega tão somente: “A presente impugnação é feita nos termos do disposto no artigo 640.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), do Código de Processo Civil “.

São as conclusões do requerimento de recurso quem fixa o objecto do recurso.

Dispõe o artigo 640.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil, com a epígrafe, “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, o seguinte:

1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. (…)“.

A Doutrina tem vindo a expor, de modo repetido e claro, quais os requisitos que o recurso de apelação, na sua vertente de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, terá de preencher para que possa ocorrer uma nova decisão de matéria de facto.

Nesta sede, ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, in Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5.ª Ed., em anotação à norma supratranscrita importa reter o seguinte.

a) Em primeiro lugar, deve o recorrente obrigatoriamente indicar “os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões”;

b) Em segundo lugar, tem o recorrente que indicar “os concretos meios probatórios” constantes dos autos que impõe sobre aqueles factos (alínea a)) decisão distinta da recorrida;

c) Em terceiro lugar, em caso de prova gravada, terá de fazer expressa menção das passagens da gravação relevantes;

d) Por fim, recai o ónus sobre o recorrente de indicar a decisão que, no seu entender, deveria ter sido proferida sobre as questões de factos impugnadas (alínea a)).

Com a imposição destes requisitos o legislador faz recair sobre o recorrente o ónus de alegação, de modo reforçado, para que a instância de recurso não se torne aleatória e imprevista, ie, que os recursos possam ter natureza genérica e inconsequente (neste sentido o autor citado, in ob. cit., pág. 166).


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Ponderando e apreciando a instância de recurso quanto à impugnação da decisão da matéria de facto, a recorrente, quanto ao ponto de facto indicados, preenche os apontados requisitos, ainda que de modo ligeiro e ténue.

A recorrente indica claramente o sentido que pugna por ver alterado por este Tribunal da Relação do Porto.

De igual modo, indica, como se afirmou, de modo superficial, qual ou quais os meios de prova que sustentam a alteração peticionada dos factos – prova documental (em resultado do que consta da sentença proferida no âmbito do processo n.º 9936/17.9T8VNG), assim se percebendo a pretensão de recurso.

Pelo exposto a recorrente, preenche os apontados requisitos, pelo que se impõe o seu conhecimento.

Da sentença proferida nos autos citados, consta que o muro está em mau estado de conservação e manutenção, necessitando de obras, urgentes (14) e que para reparação, restauração e construção da totalidade do muro é necessária quantia de 47.500,00 € mais IVA (17).

Ora, não resulta da factualidade de tais autos a factualidade ora pugnada pela apelante, ie, que no local do aludido muro na acção n.º 9936/17.9T8VNG foi construído um outro muro, cujos valores estão peticionados nesta acção.

Mais se afirma, que compulsada a contestação da R., mormente, dos artigos 38.º e seguintes, em momento algum a R. alega esta factualidade – que no local onde foi construído o muro existia um anterior, que cedeu e ruiu. A R. coloca em causa a dimensão, qualidade e localização do muro edificado. Deste modo, estaria o Tribunal a dar como provada factualidade que as partes não alegaram.

Ainda que assim não fosse, sempre seria manifesta a inconsequência da decisão quanto à questão suscitada pela recorrente. Assim, se nenhuma importância e consequência tem o objecto de tal arguição, o resultado natural e forçoso sempre seria a rejeição da sua apreciação.

Tal como foi decidido por este Tribunal da Relação do Porto Ac 1756/20.0T8MAI.P1, de 14.12.2022, relatado por JOÃO RAMOS LOPES, “A Relação deve abster-se de conhecer da impugnação da decisão da matéria de facto quando os factos impugnados não interfiram de modo algum na solução do caso, designadamente por não se visionar qualquer solução plausível da questão de direito que esteja dependente da modificação que o recorrente pretende operar no leque de factos provados ou não provados (8) Assim, ainda que considerando o anterior regime processual civil, Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime (Decreto Lei nº 303/07, de 24/08) – 2ª edição revista e actualizada, p. 298.

O recurso da sentença destina-se a possibilitar à parte vencida obter decisão diversa (total ou parcialmente) da proferida pelo tribunal recorrido no que concerne ao mérito da causa, estando a impugnação da matéria de facto teleológica e funcionalmente ordenada a permitir que a parte recorrente possa obter, na sua procedência, a alteração da decisão de mérito proferida na sentença recorrida. Propósito funcional da impugnação da decisão da matéria de facto que faz circunscrever a sua justificação às situações em que os factos impugnados possam ter interferência na solução do caso, ou seja, aos casos em que a solução do pleito esteja dependente da modificação que o recorrente pretende ver introduzida nos factos a considerar na decisão a proferir.

Se a matéria impugnada pelo recorrente não interfere de modo algum na solução do caso, sendo alheia e indiferente à sorte da acção, de acordo com o direito aplicável (considerando as várias soluções plausíveis da questão de direito (9) Critério que se reporta às soluções aventadas na doutrina e/ou na jurisprudência, ou que, em todo o caso, o juiz tenha como dignas de ser consideradas (como admissíveis a uma discussão séria) - Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, p. 188, nota 1. Devem considerar-se como tais as soluções que a doutrina e a jurisprudência adoptem para a questão (designadamente nos casos em que em torno dela se tenham formado duas ou mais correntes) e também aquelas que sejam compreensivelmente defensáveis, considerando a lei e o direito aplicáveis - A. Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª edição revista e actualizada, pp. 417 e 418.), não deverá a Relação conhecer da pretendida alteração, sob pena de estar a levar a cabo actividade inútil, infrutífera, vã e estéril – se os factos impugnados não forem relevantes, considerando as  soluções plausíveis de direito da causa, é de todo inútil a reponderação da correspondente decisão da 1ª instância, como sucederá nas situações em que, mesmo com a substituição pretendida pelo impugnante, a solução e enquadramento jurídico do objecto da lide permaneçam inalterados (10) Acórdão da Relação de Coimbra de 14/01/2014 (Henrique Antunes), no sítiowww.dgsi.pt. No mesmo sentido, por mais recentes, os acórdãos do STJ de 19/05/2021 (Júlio Gomes) e de 14/07/2021 (Fernando Batista), no sítio www.dgsi.pt.” .

Com efeito, o “ataque” à sentença, pedindo a alteração da matéria de facto, visa possibilitar que seja proferida nova decisão, distinta, no seu todo ou parcialmente, por parte do Tribunal a quo, e deste Tribunal, e deste modo que seja proferida nova decisão de mérito, certamente no sentido pugnado pela apelante.

Sendo o conhecimento da suscitada questão alheia à sorte da demanda recursiva, ie, não interferindo na decisão de fundo da causa, não ocorrendo alteração da matéria de facto, considerando as soluções plausíveis de direito, este Tribunal da Relação não deverá conhecer de tais questões, sob pena de estar a levar a cabo actividade inútil e infrutífera.

Como mais adiante se verá, a factualidade em discussão é irrelevante para o destino da demanda.

Pelo exposto, este Tribunal sempre teria que se abster de conhecer da suscitada questão.

Por tudo o exposto, improcede a pretensão da apelante.


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C)


Da modificação de direito.

O cerne da questão a decidir na presente demanda diz respeito aos efeitos da invalidade negocial decretada na acção n.º 3447/18.2T8VNG.P1.

Em tal demanda foi decidido por Ac. deste Tribunal da Relação do Porto:

a) Declara-se anulada a escritura celebrada no dia 5/4/2012;

b) Determina-se o cancelamento do registo efetuado a favor da Ré, sobre o prédio urbano situado em Lugar ..., Avenida ..., da freguesia ... e ..., descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, sob o n.º ... - freguesia ..., Ap. ... de 2012/04/05;

c) Condena-se a Ré a reconhecer que a Autora é a única dona e legítima possuidora do prédio urbano composto por cave, r/c e andar, quintal e logradouro, sito na Avenida ..., ..., ... ..., concelho de Vila Nova de Gaia, sob o artigo matricial n.º ... da freguesia ... e ...;

d) Absolve-se a Ré do demais pedido e

e) Absolve-se o Réu do pedido.“.

Mais é de atender que numa outra demanda, no processo 9936/17.9T8VNG, foi a aqui A., A... Unipessoal, Lda., condenada a realizar obras no muro: “Realizar as obras necessárias no muro e obras conexas, nomeadamente, limpeza do entulho existente no terreno dos Autores (identificado no ponto 2. dos factos provados) e acerto das terras.”, “por força do disposto nos artigos 483º, 1350º e 492º, todos do Código Civil, assiste aos Autores o direito de exigir da Ré a realização das obras necessárias à reconstrução do referido muro a fim de evitar o perigo de nova derrocada”.

Nos termos do artigo 289.º do Código Civil, os efeitos da declaração de anulabilidade do negócio operam retroactivamente.

Em consonância com a retroactividade, haverá lugar à repristinação das coisas no estado anterior ao negócio, restituindo-se tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente (art. 289.º, n.º 1) (2). Tal restituição deve ter lugar, mesmo que se não verifiquem os requisitos do enriquecimento sem causa, isto é, cada uma das partes é obrigada a restituir tudo o que recebeu e não apenas aquilo com que se locupletou, ao contrário do Código Civil alemão. As obrigações recíprocas de restituição estão sujeitas ao princípio do cumprimento simultâneo, designadamente à aplicação da «exceptio non adimpleti contractus» (art. 290.º).”, MOTA PINTO, in Teoria Geral do Direito Civil, 3ª ed. Pág. 616/617.

1. A restituição em espécie, após a declaração de nulidade ou a decretação da anulação do negócio, não é possível em muitos casos: pode a coisa ter sido consumida ou ter desaparecido, e pode ter-se constituído sobre ela um direito de terceiro, que deva ser respeitado nos termos do artigo 291. Nestes casos haverá lugar à restituição em valor. Como a restituição abrange tudo o que tiver sido prestado (quer se trate da declaração de nulidade, quer da decretação da anulação), não há que atender às regras do enriquecimento sem causa.

Se o alienante não puder restituir o valor, ainda a responsabilidade pode incidir sobre o adquirente da coisa, se ela foi alienada a título gratuito. Essa responsabilidade não pode, porém, ultrapassar a medida do enriquecimento, ou seja, a fixada no n.º 1 do artigo 479.° (…)

4. A retroactividade da declaração de nulidade, bem como da anulação, obrigando à restituição das prestações efectuadas, como se o negócio não tivesse sido realizado (Larenz, Allgemeiner Teil, 5. ed., § 23, v, c)), distingue radicalmente estes dois vícios do negócio do fenómeno designado por enriquecimento sem causa. No enriquecimento sem causa não há a restituição retroactiva, mas apenas a devolução daquilo com que alguém esteja locupletado à custa de outrem (em sentido diferente, Vaz Serra, nos diversos lugares citados na anot. ao acórdão do S. T. J., de 28 de Outubro de 1975, na Rev. de Leg. e de Jur., ano 109.º, pág. 313, nota 1).”, PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, in Código Civil Anotado, Vol I, 4ª ed. págs. 265/266.

Para o caso da anulabilidade, a regra do art. 289º, nº 1, significa que os direitos, provisoriamente transmitidos por meio do negócio anulável, são retransmitidos, desde já, "por mero efeito da sentença", enquanto as prestações efectuadas no cumprimento do contrato anulável necessitam de ser restituídas pelas partes. (…) Uma vez que os efeitos da anulação se retroagem ao momento da celebração do negócio, em princípio tudo se passa como se o negócio nunca tivesse sido celebrado. Daí que a sentença de anulação, ao destruir efeitos jurídicos produzidos (provisoriamente, é certo, mas produzidos) tenha carácter constitutivo- ao contrário da sentença respeitante a um negócio nulo. (…)

Tanto no caso da anulação como no da declaração de nulidade do negócio, a restituição é integral. Todavia, quanto à perda ou à deteriorização da coisa a restituir, aos frutos colhidos, aos encargos assumidos e às benfeitorias feitas no tempo entre a conclusão do negócio e a sua invalidação aplicam-se os arts. 1269º ss. (art. 293º, nº 3). Estas disposições regulam os efeitos da posse nas relações entre o possuidor e o titular do direito sobre a coisa e atenuam as consequências do princípio da restituição integral para a parte que, ao concluir o negócio, tenha estado de boa fé.”, HEINRICH EWALD HORSTER, A Parte Geral do Código Civil Português, Teoria Geral do Direito Civil, 1992, págs. 590/591.

Entre muita outra jurisprudência, o nosso mais alto Tribunal, Supremo Tribunal de Justiça por Ac 89/16.0T8VGS.P1.S2, de 31.01.2019, relatado pelo Cons OLIVEIRA ABREU, in dgsi.pt, onde se pode ler no sumário: “A restituição, por parte do mutuário, de tudo quanto haja recebido do mutuante, em caso de nulidade do mútuo, por falta de forma, deve ser enquadrada nos termos do art.º 289º n.º 1 do Código Civil, desconsiderando-se o instituto do enriquecimento sem causa, já que este assume carácter subsidiário a advir de falta de causa numa deslocação patrimonial, enquanto que, no caso, a restituição tem como fundamento uma nulidade do contrato de mútuo, por falta de forma.

No caso dos autos, o destino da presente demanda haverá que se decidir de acordo com o entendimento atrás citado, isto é, o fundamento da obrigação de restituição, por que se há-decidir é, em primeira via, o da anulabilidade, e somente, subsidiariamente, se pode lançar mão do fundamento do enriquecimento sem causa.

Vejamos então as pretensões da apelante.

i) Quanto à condenação da R. a pagar à A. a quantia de €6.912,27, a título de IMI pago pela A..

A apelante sustenta que a obrigação de pagamento, anual, do IMI, está directamente ligado à propriedade do prédio.

No período entre 05.04.2012 (data da escritura pública de compra e venda anulada) e Maio de 2021 (transito em julgado da decisão de anulação da dita escritura pública) o prédio em causa foi propriedade da A., e que o pagamento do imposto não corresponde a qualquer enriquecimento da R..

Mais sustenta, que pelo mesmo fundamento que a primeira instância decidiu que as quantias peticionadas a título de comissão e imposto de cheque bancário, imposto de selo, emolumentos notariais e registrais, certificação de desempenho energético e IMT não eram devidas, a quantia peticionada a título de IMI, também, não deveria ser devida.

Salvo o devido respeito, a apelante não logra por em causa o fundamento do decidido pelo M.mo Juiz.

Vejamos, quanto a esta parte do pedido, a primeira instância fundamentou do seguinte modo:

Já relativamente ao IMI suportado pela Autora nos anos de 2015 a 2020, face à retroactividade da qualidade de proprietária da Ré, por força da eficácia ex tunc da anulação, atenta a relação de liquidação existente, tratando-se de prestações que deveriam ser suportadas pela Ré e não pela Autora, deve esta ser reembolsada de tais quantias (art.º 289.º, n.º 1, do CC).

Refira-se também que, contrariamente ao pugnado pela Ré, a anulação do negócio não acarreta a ineficácia/invalidade da tributação (art.º 38.º da LGT e Ac. STA de 27/10/2021, proc. n.º 0640/13.8BEBRG, relator Francisco Rothes, publicado in www.dgsi.pt), não sendo, por isso, caso de pagamento indevido desses montantes, nem cabendo à A. reclamá-los junto da AT.

E, o reembolso deve ser integral (€ 6.912,27), abrangendo os adicionais de IMI, uma vez que a Ré não demonstrou que estes não lhe seriam exigíveis.

Ora, o decidido pela primeira instância não merece censura, não tendo vencimento a argumentação da apelante. Na realidade, os “encargos” que a apelada, aqui A., teve no citado período de tempo por força da anulabilidade decretada judicialmente que proceder à sua liquidação/pagamento.

Como estamos perante a situação de um encargo que a apelada, A., teve que suportar no período que mediou entre a realização do negócio e data do decretamento da sua anulabilidade, haverá a mesma que ser “ressarcida” nos termos o artigo 1269.º e seguintes do Código Civil, por força do disposto no n.º do artigo 289.º do Código Civil.

Dispõe o artigo 1272.º do Código Civil o seguinte:

Os encargos com a coisa são pagos pelo titular do direito e pelo possuidor, na medida dos direitos de cada um deles sobre os frutos no período a que respeitam os encargos.“.

No caso em apreço, estamos perante encargos normais do prédio que corresponde à fruição do mesmo, durante tal período de tempo.

Deste modo, facilmente de conclui que o percurso jurídico lógico dedutivo da primeira instância que a aqui se segue, não é o decorrente do enriquecimento sem causa.

Em consequência, improcede a pretensão da apelante, nesta parte.

ii) Quanto à condenação no pagamento de 37.788,06 € com obras de construção e limpeza do prédio.

Alega a apelante que a factualidade dos pontos 16, 27, 31 a 35, dos factos provados, é insuficiente para a condenação0 da R. a pagar as despesas suportadas pela A. com a construção do muro.

De novo a apelante, argumenta que no caso não se encontra verificados os requisitos do enriquecimento sem causa, e consequentemente, deverá o recurso ter vencimento. Como decorre dos considerandos teóricos atrás citados, não é esse o caminho a trilhar para uma melhor aplicação do direito.

A sentença em crise tem como fundamento o seguinte:

As obras com a realização do muro correspondem àquelas que a Autora foi judicialmente condenada a realizar na acção n.º 9936/17.9T8VNG.

E ainda assim, apenas as realizou em sede de execução de sentença no processo n.º 2285/19.0T8PRT, dos Juízos de Execução do Porto, Juiz 3, tendo os exequentes dado a prestação exequenda por parcialmente cumprida em 26/03/2020 e tendo sido julgada a prestação de facto integralmente realizada por decisão de 07/10/2021.

As obras realizadas ficaram incorporadas no solo, não são passíveis de levantamento e incrementam o valor do prédio pelo menos em valor igual ao despendido pela A.. (…)

Já não resultou provado, contrariamente ao alegado, que se tratam de obras desnecessárias, nem que a Autora não tinha necessidade de realizar um muro na propriedade, no valor e dimensão que menciona, o qual vai bem mais além dos limites do terreno do prédio em questão. Também não ficou provado que, caso fosse contestada a acção, o muro não teria que ter a dimensão, que ultrapassa os limites do prédio em causa, nem a técnica construtiva que foi empregue. E, não ficou provado que o preço de tal obra orça presentemente em cerca de € 13.200,00, nem o demais acervo alegado pela Ré a este propósito.

Assim sendo, tendo em consideração o quadro demonstrado e acima evidenciado e atendendo a que as obras foram impostas por decisão judicial, face à relação de liquidação, deve ser restituído à A. o montante suportado com tais obras (art.º 289.º, n.º 1, do CC). À mesma solução chegaríamos, caso as obras não tivessem sido impostas por decisão judicial, face ao restante quadro provado, à luz do disposto nos art.ºs 289.º, n.º 3, e 1273.º do CC.

Tal como se deixou afirmado, a solução jurídica correcta é aquela que decorre da aplicação do disposto nos artigos 1269.º e seguintes do Código Civil.

Dispõe o artigo 1273.º do Código Civil o seguinte:

1. Tanto o possuidor de boa fé como o de má fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela.

2. Quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa.

(…)E se o comprador, durante este período, recolheu frutos da coisa ou fez obras no bem poderá reter o valor dos frutos ou reaver as benfeitorias ou o seu valor? E se a coisa se deteriorou ou se destruiu, quem assumirá a responsabilidade? O comprador, que tinha a posse da coisa, ou o proprietário?  (…) Quanto às restantes questões, o artigo 289.º, n.º 3, remete para as regras da posse (artigos 1269.º e ss.), o que tem por consequência que o possuidor de boa fé não tem de restituir os frutos da coisa percebidos até ao dia em que sabe que está a lesar com a sua posse o direito de outrem (artigo 1270.º, n.º 1), tem direito a ser indemnizado pelas benfeitorias necessárias e a levantar as benfeitorias úteis ou, quando não haja lugar ao levantamento das benfeitorias úteis, para evitar o detrimento da coisa, a ser indemnizado de acordo com as regras do enriquecimento sem causa (artigo 1273.º, n. 1 e 2), tem o direito a levantar as benfeitorias voluptuárias, não se dando detrimento da coisa (artigo 1275.º, n.º 1) e só responde pela perda ou deterioração da coisa se tiver procedido com culpa (artigo 1269.°). Já o possuidor de má fé responde sempre pela perda ou deterioração da coisa, deve restituir os frutos que a coisa produziu até ao termo da posse e responde pelo valor daqueles que um proprietário diligente poderia ter obtido (artigo 1271."), e não pode levantar as benfeitorias voluptuárias nem haver o respectivo valor (artigo 1275.º, n.º 2). A lei atende, assim, ao estado subjectivo do obrigado à restituição para o efeito de calcular o montante do dever de restituir, prevalecendo valores éticos sobre a lógica estrita da retroactividade, que ordena, sem mais, a colocação das partes no estado em que se encontrariam se o contrato inválido não tivesse sido celebrado, princípio, cuja coerência lógica, exigiria a aplicação das regras do possuidor de má fé para todos os possuidores obrigados a restituir uma coisa alheia ao seu proprietário.”, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, 2014, anotado por MARIA CLARA SOTTOMAYOR.

Deste modo, nada mais resta, do que aderir e confirmar o decidido pelo Tribunal a quo, e assim soçobra a pretensão recursiva.


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III DECISÃO


Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela apelante (confrontar artigo 527.º do Código de Processo Civil).


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Sumário nos termos do artigo 663.º, n.º 7 do Código de Processo Civil.

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Porto, 23 de Abril de 2024
Alberto Taveira
Maria Eiró
Ramos Lopes
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[1] O relator escreve de acordo com a “antiga ortografia”, sendo que as partes em itálico são transcrições cuja opção pela “antiga ortografia” ou pelo “Acordo Ortográfico” depende da respectiva autoria.
[2] Seguimos de perto o relatório elaborado pelo Exmo. Senhor Juiz.