Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | CLÁUDIA RODRIGUES | ||
| Descritores: | RECURSO PENAL CONCLUSÕES SENTENÇA PENAL FUNDAMENTAÇÃO REQUISITOS IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO MODALIDADES VÍCIOS DA DECISÃO ERRO DE JULGAMENTO PRESUNÇÕES JUDICIAIS PRESUNÇÕES NATURAIS CONCEITO PRESUNÇÕES LEGAIS | ||
| Nº do Documento: | RP202411271445/20.5PAVNG.P1 | ||
| Data do Acordão: | 11/27/2024 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA) | ||
| Decisão: | CONCEDIDO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELO ARGUIDO | ||
| Indicações Eventuais: | 4ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I – As conclusões em sede de recurso devem traduzir de forma condensada as razões de divergência do recorrente com a decisão impugnada, para assim permitir ao tribunal de recurso uma rápida e fácil percepção das questões a resolver, devidamente demarcadas entre si, o que diverge do mero repisar ou decalcar o já alegado em sede de motivação. II – A exigência de que a fundamentação da sentença contenha o exame crítico das provas é uma decorrência das exigências constitucionais da fundamentação das decisões judiciais como mecanismos de concretização das garantias de independência e imparcialidade dos tribunais e de sindicância do acerto da decisão, através do recurso. III – O princípio da exigência de fundamentação assume-se como garantia da imparcialidade do juiz, do controlo da legalidade da decisão e da possibilidade de impugnação das decisões, a par da possibilidade de controlo do exercício do poder judiciário, fora do contexto processual, por parte do povo, em nome de quem deve ser feita a administração da justiça, no contexto de uma concepção democrática do poder. IV – O rigor e a suficiência do exame crítico têm de ser aferidos por critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita exteriorizar as razões da decisão e o processo lógico, racional e intelectual que lhe serviu de suporte, o que significa que um tal raciocínio lógico, motivado e objectivado na análise das provas não tem de implicar uma tomada de posição expressa, individualizada e exaustiva sobre todos os meios de prova produzidos por todos os sujeitos processuais, mas também não se basta com a apreciação das provas uma a uma, isoladamente, de forma segmentada. V – Ao nível da impugnação da matéria de facto, há que distinguir a restrita, através dos vícios evidenciados pelo próprio texto da decisão, por si ou em conjugação com as regras da experiência comum, da ampla, esta consubstanciada na alegação de erros de julgamento por invocação de provas produzidas e erroneamente apreciadas pelo tribunal recorrido, que imponham diversa apreciação. VI – A prova por presunções judiciais ou naturais constitui um meio de prova legalmente permitido e funda-se nas regras da experiência comum, ao passo que as presunções legais ou de direito resultam da própria lei. VII - A presunção judicial ou natural consiste em obter a prova de um determinado facto (facto presumido) partindo de um outro ou outros factos básicos (indícios), que se provam através de qualquer meio probatório e que estão estreitamente ligados com o facto presumido, de tal maneira que pode afirmar-se que, provado o facto ou factos básicos, também resulta provado o facto consequência ou facto presumido. VIII – Porém, a utilização de presunções exige da parte do tribunal um particular esforço de fundamentação, e daí que, para a valoração de tal meio de prova indiciária, devem exigir-se, como requisitos, a pluralidade de factos-base ou indícios, que estes estejam acreditados por prova de carácter directo, que sejam periféricos do facto a provar ou interrelacionados com esse facto e ainda a racionalidade da inferência. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Processo nº 1445/20.5PAVNG.P1 Acordam, em conferência, na Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: * 1. RelatórioApós realização da audiência de julgamento no Processo Comum (Tribunal Singular) nº 1445/20.5PAVNG do Juízo Local Criminal de Vila Nova de Gaia (J3) do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, foi em 29.04.2024 proferida sentença (depositada em 30.04.2024), da qual se transcreve o respetivo dispositivo: “VIII – DECISÃO: Pelo exposto, o Tribunal julga a acusação totalmente procedente e, em consequência, decide: 1- Condenar o arguido AA, pela prática em autoria material, na forma consumada e em concurso efectivo, de dois crimes de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º nº 1, e 204.º n.º 2, al. e) do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e dois (2) meses de prisão, pela prática de cada um dos apontados ilícitos criminais. 2- Condenar o arguido AA, nos termos do disposto no artigo 77.º do Código Penal, na pena única de dois anos e 6 meses de prisão, a qual se decide suspender, por igual período, sujeita a regime de prova, nos moldes que vierem a ser delineados pela DGRSP - cfr. arts. 53.º n.º 1 e 2, do CP. 3- Condenar o Arguido AA nas custas do processo, na parte crime, fixando-se a taxa de justiça devida em 3 (três) Ucs., cfr. artigos 513.º n.º 1, 2 e 3; 514.º do CPP e artigos 1.º, 2.º, 3.º n.º 1º, 5.º, 8.º n.º 9 e 16 e Tabela III do Regulamento das Custas Processuais.” Inconformado com a sentença proferida, o arguido AA interpôs recurso para este Tribunal da Relação do Porto, finalizando as respectivas motivações com as seguintes conclusões: (transcrição) “a) A Sentença é nula por violação do dever de fundamentação no que respeita ao exame critico das provas nos termos da conjugação dos artigos 97.º, n.os 1 e 2, 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, al. a), do C.P.P; b) O Tribunal a quo não examinou criticamente as provas que serviram para formar a sua convicção; c) Na Sentença recorrida não é descortinável mais do que uma mera aparência de fundamentação e de exame crítico, que, não sendo divisáveis os antecedentes lógicos do raciocínio que terá, ou não, sido efetuado pelo Tribunal recorrido, em violação do disposto nos artigos 32.º, n.º 1, e 205.º, n.º 1, da C.R.P. e 374.º, n.º 2, do C.P.P., ferindo a Sentença da nulidade prevista no art.º 379.º, n.º 1, al. a), in initio, deste último diploma legal; d) O Tribunal a quo após fazer um resumo sucinto do depoimento do arguido e das testemunhas não faz qualquer consideração crítica sobre o depoimento dos mesmos; e) E, mesmo no que respeita ao resumo dos depoimentos, o Tribunal a quo utilizou, sucessivamente, uma fórmula estandardizada e quase “matemática”: “ A testemunha BB, ofendido, num depoimento credível e verosímil (…)” Ou “ CC, prestou um depoimento isento, coerente e credível (….)” Ou “DD, num depoimento verdadeiro e credível (…)” f) Concluindo o Tribunal a quo, após o resumo que apresenta dos depoimentos prestados e sem mais que: “(….) face à prova produzida inexistem dúvidas que o Arguido praticou os crimes de que vem acusado (…); g) Expende Paulo Pinto de Albuquerque (ob.. cit. Pág. 969): “«O dever de fundamentação da sentença não é compatível com a mera enumeração dos meios de prova utilizados em primeira instância, sem a explicitação do processo de formação da convicção do tribunal (acórdão do TC n.º 680/98, que incidiu sobre o artigo 374.º, n.º 2, do CPP).”; h) O recurso às sobreditas fórmulas quase “matemáticas” compromete, completamente, a exigência e a sindicância do exame crítico; i) O princípio da livre apreciação da prova não se traduz na inexistência de obstáculos ou limites a esta atividade do julgador; j) A fundamentação da sentença é indispensável com vista à sua impugnação, tornando funcional a relação entre o primeiro e o segundo graus de jurisdição; k) Contudo, o Tribunal a quo, na sentença recorrida não exterioriza qual a relevância que conferiu aos meios de obtenção de prova, nem quais as conclusões que deles extraiu; l) Atento o teor da sentença recorrida, verifica-se que a fundamentação da matéria de facto se revela como relato acrítico das provas produzidas em julgamento, relato que, por ter tais características, não permite discernir as razões que levaram o Tribunal a quo a dar como provados aqueles factos e não outros; m) Neste sentido, entre outros, os Acórdãos: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/03/2007, disponível em www.pgdlisboa.pt (anotação 2 ao art.º 374.º); Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 27/09/2017 (proc. n.º 266/15.1GAMIR.C1), consultável em https://www.direitoemdia.pt; Tribunal da Relação de Lisboa assinala, no seu Acórdão de 06/07/2016 (proc. n.º 26/14.7GCMFR.L1-5), consultável em www.dgsi.pt; n) Em face do exposto a Sentença recorrida encontra-se ferida de nulidade (art.os 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, al. a), do C.P.P.), devendo, consequentemente, ser declarada nula a Sentença recorrida e proceder-se ao reenvio d processo para novo julgamento na 1.ª Instância nos termos do artigo 426 n.º 1 do C.P.P.; o) Ao nível da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada com a consequente violação do princípio In Dúbio Pro Reo, em virtude de erro notório na apreciação da prova; p) A Sentença recorrida padece de erros de apreciação da prova produzida em juízo e daquela constante dos autos contendo um elenco de factos provados, relativamente aos quais não existe prova nos autos ou que são infirmados pela prova produzida; q) A prova produzida em audiência de discussão e julgamento obrigava a decisão diversa, ou seja, a absolvição do arguido; r) No uso da prova indiciária, os factos indiciantes devem estar expressos e individualizados na fundamentação da sentença e da motivação desta deve constar o juízo de inferência, ou seja, deve explicitar o raciocínio através do qual, partindo dos factos-base, se chegou à convicção da verificação do facto punível e que o acusado o praticou ou nele participou; s) Foram incorretamente julgados como provados, os factos 5,6,7,8, 9, 11 e 12 face à prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento devendo tal matéria ser dada como não provada; t) Não foi produzida prova que permitisse concluir que o Recorrente teve qualquer participação nos dois furtos, objeto dos presentes autos, ou sequer que algum dia tivesse entrado na residência do ofendido nas datas em que ocorreram os factos que lhe vêm imputados; u) O Tribunal a quo foi muito para além da prova que efetivamente se fez em audiência de discussão e julgamento, sendo certo que, todavia, NINGUÉM viu o arguido entrar na residência do ofendido, e/ou carreou qualquer prova concreta que permita a afirmação de quem foi o seu autor ou autores, violando-se, assim, o princípio da livre apreciação da prova constante do artigo 127° do CPP; v) Com o devido respeito, em momento algum se mostra justificado o raciocínio do Tribunal a quo que, a ter existido, levou tais factos a serem dados como provados; w) Inexiste qualquer prova que o Recorrente tenha praticado qualquer ato criminoso; motivo pelo qual a sentença recorrida deveria ter optado pela absolvição, quanto mais não seja e apenas por mera segurança de defesa com base no princípio in dúbio pro reo; x) O Arguido, decidiu prestar declarações e não se limitou a negar os factos vertidos na acusação, apresentando antes a sua versão dos acontecimentos; y) Quando ás declarações do Arguido apesar de, na motivação da sentença recorrida, referir que: “(…) Relatou que foi a testemunha DD quem lhe pediu para vender o monitor de 24 e o portátil da marca ACER, retirados da casa do ofendido, o que veio a fazer.” E, z) Ao contrário do que foi dado como provado, em 9 dos factos provados no trecho que refere que o Arguido “(…) vendeu o referido monitor e portátil (…)” (sublinhado nosso); aa) O Arguido foi perentório em afirmar que desconhecia a proveniência do computador e do monitor que DD lhe entregou para vender. (Cfr. Registo gravação do depoimento conforme indicado na ata da audiência de julgamento de 22/04/2024, cujo início ocorreu pelas 09horas e 56minutos e o seu termo pelas 10horas e 09minutos mais propriamente entre os minutos 00:09:10 a 00:09:30); bb) Pelo que, face a todo o exposto e sem prejuízo do que infra se irá dizer, no respeita ao facto dado como provado em 9 atenta a prova produzida apenas se poderia considerar como facto provado que o Arguido vendeu um monitor e um portátil, sem mais; cc) Referindo-se desde já e para os devidos efeitos que, vender um portátil e um monitor, não consubstancia qualquer ilícito criminal; dd) O Arguido foi perentório em afirmar que não praticou os factos vertidos na acusação, nomeadamente os factos 5,6,7,8, 9,11 e 12, que foram indevidamente dados como provados; ee) No que respeita ao depoimento da testemunha/ofendido BB, ofendido, conforme resulta da douta sentença proferida o mesmo “(…) não viu quem lhe retirou os objetos da sua casa (…)”; ff) O ofendido, no que respeita aos auscultadores e playstation não sabe sequer precisar quando é que os mesmos foram alegadamente furtados- (Cfr. Registo gravação do depoimento conforme indicado na ata da audiência de julgamento de 22/04/2024, cujo início ocorreu pelas 10horas e 09minutos e o seu termo pelas 10horas e 26minutos mais propriamente entre os minutos 00:05:10 e 00:05:30.); gg) Relativamente aos bens que o Arguido vendeu (um computador e um monitor), a testemunha/ofendido nunca foi reconhecer os objetos e, consequentemente, não sabe se os referidos bens eram ou não seus.- Cfr. Registo gravação do depoimento conforme indicado na ata da audiência de julgamento de 22/04/2024, cujo início ocorreu pelas 10horas e 09minutos e o seu termo pelas 10horas e 26minutos mais propriamente entre os minutos 00:07:50 e 00:10:06); hh) Não podendo assim, face a todo o exposto, subsistir quaisquer dúvidas que, quanto ao facto dado como provado em 9, ao contrário do que consta da sentença recorrida, atenta a prova produzida apenas se poderia considerar como facto provado que o Arguido vendeu um monitor e um portátil, sem mais, o que, com o devido respeito, não consubstancia qualquer tipo de ilícito criminal; ii) Por outro lado, do auto de notícia e aditamento (indicados como prova documental na acusação e contestação) resulta claramente que o ofendido manifestou o desejo de proceder criminalmente contra AA, arguido nos autos, e DD; jj) Desconhecendo-se o motivo pelo qual DD nunca foi constituído arguido nos presentes autos. Porém, o que é certo é que sendo denunciado, mesmo não tendo sido constituído arguido, não podia deixar de figurar como suspeito; kk) O ofendido, em sede de audiência de discussão e julgamento referiu que DD frequentava a sua casa e que este tinha conhecimento que ele possuía os bens que lhe foram furtados. - Cfr. Registo gravação do depoimento conforme indicado na ata da audiência de julgamento de 22/04/2024, cujo início ocorreu pelas 10horas e 09minutos e o seu termo pelas 10horas e 26minutos mais propriamente entre os minutos 00:13:43 e 00:16:38); ll) No que respeita ao depoimento da testemunha DD o mesmo, ao contrário do que referiu a testemunha BB referiu, que nunca frequentou a casa deste e que nem sequer sabia quem o ofendido era.- (Cfr. Registo gravação do depoimento conforme indicado na ata da audiência de julgamento de 22/04/2024, cujo início ocorreu pelas 10horas e 38minutos e o seu termo pelas 10horas e 42minutos mais propriamente entre os minutos 00:00:59 e 00:01:40); mm)As contradições entre o depoimento da testemunha BB e DD não foram, de todo, apreciadas pelo Tribunal a quo; nn) Contudo, afigura-se no mínimo ilógico que se possa afirmar que, mesmo tendo assumido a qualidade de denunciado/suspeito nos presentes autos, a ter “escapado” como “escapou” à constituição de arguido, houvesse a mínima hipótese de se considerar como possível que a testemunha DD fosse confessar a prática de um crime em sede de audiência de discussão e julgamento; oo) O Tribunal a quo, olvidou todo o teor do auto de notícia e aditamentos (indicados como prova documental quer na acusação quer na contestação) e as próprias declarações do ofendido/testemunha BB quando o mesmo referiu, de forma clara, que apresentou participação, nos presentes autos, contra DD, e que o mesmo frequentava a sua casa; pp) Nos presentes autos nunca foi proferido despacho de arquivamento quanto a DD nem sequer se verificou qualquer desistência de queixa por parte do ofendido; qq) Porém, o Tribunal a quo decidiu, valorar as declarações de DD na qualidade de testemunha como credíveis e afastar, como base nas mesmas, a versão do arguido o que, atento inclusive o conteúdo das mesmas e sempre com o devido respeito, não se compreende - Cfr. Registo gravação do depoimento conforme indicado na ata da audiência de julgamento de 22/04/2024, cujo início ocorreu pelas 10horas e 38minutos e o seu termo pelas 10horas e 42minutos mais propriamente entre os minutos 00:02:51 e 00:03:40); rr) No que respeita ao depoimento da testemunha CC ao contrário do referido em sede de motivação da decisão de facto com o devido respeito que é muito, o que é certo é que a mesma nem confirma nem desmente a versão do ofendido pois que a mesma, em bom rigor, não se lembrava de nada. – (Cfr. Registo gravação do depoimento conforme indicado na ata da audiência de julgamento de 22/04/2024, cujo início ocorreu pelas 10horas e 27minutos e o seu termo pelas 10horas e 31minutos mais propriamente entre os minutos 00:02:05 e 00:03:58); ss) Porém, conclui-se, inequivocamente, do depoimento prestado pela testemunha CC que havia outras pessoas com várias com cópia das chaves da residência do ofendido e, consequentemente, com acesso a essa mesma residência. (Cfr. Registo gravação do depoimento conforme indicado na ata da audiência de julgamento de 22/04/2024, cujo início ocorreu pelas 10horas e 27minutos e o seu termo pelas 10horas e 31minutos mais propriamente entre os minutos 00:02:05 e 00:03:58); tt) Face a todo o exposto, atendendo a que a sentença recorrida não faz qualquer menção a qualquer prova documental, significando assim que se baseou única e exclusivamente nas declarações prestadas pelo arguido e testemunhas em sede de audiência de discussão e julgamento; uu) Resta perguntar: onde é que o Tribunal a quo logrou apreender, com a segurança necessária e exigível, que o arguido, ora Recorrente, tenha praticado os factos dados como provados em 5,6,7,8, 9, 11 e12?; vv) Não vê o ora Recorrente que, em todo o depoimento destas testemunhas, o seu nome tenha sido indicado como tendo sido o autor dos factos pelos quais foi acusado e pelos quais foi condenado, pois que, ninguém viu nada; ww) Inclusive, diga-se que, o Exmo. Sr. Procurador, nas suas alegações, foi perentório em afirmar que quanto ao primeiro furto de que o arguido vinha acusado o mesmo não estava fixado o momento em que o mesmo ocorreu, havia outras pessoas que tinham acesso ao local com várias chaves referindo expressamente que estar a imputar o primeiro furto ao Arguido extravasa o uso das regras da experiência comum e das deduções logicas da prova indireta pugnando pela absolvição do arguido, pelo menos, quanto ao primeiro crime de furto de que vinha acusado.; xx) Porém, atenta a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento é da mais elementar justiça que o mui douto raciocínio do Exmo Sr. Procurador se aplique, também, no que respeita ao segundo furto de que o arguido vinha acusado, absolvendo-se o Recorrente dos dois crimes de furto qualificado de que vem acusado; yy) Por outro lado, sempre teremos que dizer que, analisada a sentença recorrida e prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, não foi produzida qualquer prova que permita concluir que os alegados furtos foram, sequer, realizados com recurso a chave falsa; zz) Note-se que a própria Sentença recorrida, aquando do enquadramento jurídico-penal do crime de furto qualificado refere no paragrafo 28 que “ (…) dúvidas inexistem que o Arguido acedeu ao interior da habitação do ofendido com as chaves falsas e de lá retirou os objectos do ofendido (…) e, imediatamente a seguir, no paragrafo 30 “(….) o furto levado a cabo pelo arguido preenche o tipo legal de crime de furto qualificado, pela circunstância de escalamento (…)”. – sublinhado nosso; aaa) Além de não ter sido produzida qualquer prova de que os alegados furtos foram realizados com recurso a chave falsa, também não foi produzida qualquer prova que permita afirmar que, a terem sido, o foram pelo arguido recorrente; bbb) Não há qualquer prova que o Recorrente tenha praticado qualquer acto criminoso mas, quanto mais não seja e sem prescindir, parece haver aqui uma enorme dúvida que, forçosamente, terá que conduzir à absolvição da recorrente com base no princípio in dubio pro reo; ccc) A Sentença recorrida é parca e claramente insuficiente, para não se dizer omissa, na fundamentação para a condenação do recorrente e isto porque, simplesmente, não há qualquer prova da sua envolvência nos crimes que lhe são imputados; ddd) Pretende a Sentença recorrida fundamentar a condenação por factos que não se provaram e, consequentemente, o Tribunal a quo, ao condenar a arguido, sem que haja provas suficientes de que o mesmo tenha sido praticado, erra totalmente e decide em clara violação da lei; eee) Não existem provas, relativamente ao recorrente, de prática dos crimes pelos quais foi condenado e não pode haver presunções de culpa; fff) O recorrente, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 3 do art. 412º do CPP, considera que os factos 5,6,7,8, 9, 11 e 12 foram erradamente como provados; ggg) O recorrente não pode ser condenado por factos que não praticou e o Recorrente não praticou os factos de que vinha acusado; hhh) Existe um erro notório e manifesto na apreciação da prova pois que pois não foi produzida prova indubitável em julgamento, de que o recorrente tenha praticado qualquer crime; iii) A prova é, de facto, apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador (art. 127º do CPP). Todavia, não se pode confundir o grau de discricionariedade implícito na formação do juízo de valoração do julgador com o mero arbítrio; jjj) O princípio in dubio pro reo, como corolário importante na materialização do princípio da presunção de inocência apresenta-se-nos como limite normativo do princípio da livre apreciação da prova, pois impede o julgador de tomar uma decisão segundo o seu critério no que respeita aos factos duvidosos desfavoráveis ao arguido; kkk) Não existindo matéria probatória suficiente para concluir pela sua participação ou envolvimento na prática dos alegados factos descritos no libelo acusatório, só pode apontar para uma solução: a absolvição; lll) Não existem provas nos autos, nem foram produzidas provas em sede de audiência de julgamento, que permitam concluir, de forma cabal e indubitável, que os factos constantes na acusação pública foram efetivamente praticados pelo recorrente; mmm) Por força da presunção de inocência, só podem dar-se como provados quaisquer factos ou circunstâncias desfavoráveis ao arguido quando estes se tenham efetivamente provado, para além de qualquer dúvida, pois em caso de dúvida na apreciação da prova, a decisão nunca pode deixar de ser favorável ao recorrente; nnn) Estamos perante falta de prova e até muitas dúvidas que deveriam ter sido esclarecidas e não foram, assim como estamos perante vários erros notórios na apreciação da prova; ooo) Face a tudo o exposto, só se pode concluir que na Sentença recorrida não foram apreciadas as provas convenientemente, tendo sido dados como provados factos que não foram provados, e que não possuem qualquer suporte na prova produzida, que obrigavam à aplicação, ao recorrente, do princípio constitucional e penal “in dúbio pro reo”, com a consequente absolvição do recorrente dos crimes que lhe foram imputados, nos temos supra exarados; ppp) Assim, a matéria de facto, supra consignada (factos dados como provados em 5,6,7,8, 9, 11 e 12) e que consta na fundamentação da Sentença, tem de ser julgada como não provada e, consequentemente, porque não restam dúvidas, o recorrente ser absolvido da prática dos crimes imputados, extraindo-se as necessárias consequências. Termos em que, Deve ser concedido provimento ao presente recurso, nos termos enunciados nas conclusões, como é de DIREITO E JUSTIÇA!” Por despacho proferido em 12.06.2024 foi o recurso regularmente admitido, sendo fixado o regime de subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo. O Magistrado do Ministério Público junto da 1ª instância apresentou resposta ao interposto recurso sustentando a sua procedência parcial (no que se refere ao primeiro furto do dia 04/10/2020) e rematando com as seguintes conclusões: “1.AA, foi condenado pela prática de 2 (dois) crimes de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º nº 1, e 204.º n.º 2, al. e), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e dois (2) meses de prisão, pela prática de cada um dos apontados ilícitos criminais, e na pena única de dois anos e 6 meses de prisão, suspensa por igual período, mas sujeita a regime de prova nos moldes que vierem a ser delineados pela DGRSP - cfr. arts. 53.º n.º 1 e 2, do CP. 2. Recorreu para esse Venerando Tribunal da Relação, e como tal foi recebido, alegando a nulidade da sentença, a ocorrência dos vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova, violação do princípio in dúbio pro reo, bem como impugnou, alargadamente, a matéria de facto. 3. Da sentença ora impugnada decorre com suficiente clareza como a decisão foi fundamentada, sendo evidente como foi considerada a prova produzida, relacionando-a entre si, e criticamente apreciada, sendo evidente o raciocínio lógico prosseguido pelo tribunal, conducente a que a convicção se tivesse formado num determinado sentido. 4. Nada no texto da sentença, por si só, ou conjugada com as regras de experiência comum, autoriza a concluir que os factos provados são insuficientes para justificar a decisão assumida, ou que o tribunal recorrido, podendo fazê-lo, deixou de investigar toda a matéria relevante, de tal forma que essa matéria de facto não permite, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso. 5. A decisão recorrida, por si só, ou conjugando-o com as regras da experiência comum, prescindindo assim da crítica da prova produzida, não se vê onde a MM Juiz a quo, da prova produzida, para dar como provado determinado facto, tenha feito uma utilização arbitrária, impossível ou, manifestamente, contrária às regras da experiência, mormente no que concerne à autoria dos factos. 6.No caso dos autos, não decorre, minimamente da fundamentação, que o tribunal a quo tenha sido assolado por uma qualquer dúvida relevante, e ainda assim tenha decidido contra ao arguido. 7. Ainda no que concerne ao caso dos autos, mais concretamente no que ao primeiro furto diz respeito- ocorrido no dia 04 de Outubro de 2020-, conclui a MM Juiz pela autoria do mesmo porque o arguido tinha cópia da chave da porta da entrada, e não tinha entregue a mesma. Podendo existirem explicações alternativas plausíveis – outras pessoas com acesso à casa por ex.-,parece que o Tribunal deveria ter concluído, pelo menos, pela existência de dúvida razoável quanto à autoria deste primeiro furto, pelo que nesta parte poderá o Recurso proceder. Mas V. Exas farão sempre melhor justiça” Subiram os autos a este Tribunal da Relação, e a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no qual sufraga posição defendida pelo Colega da 1ª instância no que se refere à decisão relativa ao último dos furtos ocorridos, aderindo aos argumentos pelo mesmo expendidos. Já no que se refere ao primeiro dos furtos, entende que o tribunal não incorreu em qualquer violação do princípio in dubio pro reo, ao dar como provado ter sido o arguido a cometer tal furto. Com efeito, a prova produzida, se analisada conjugada e criticamente, segundo as regras da experiência, é de molde a suportar a convicção criada no tribunal, bem se compreendo que não se lhe haja suscitado dúvidas relativamente à autoria de qualquer dos furtos, sendo que os argumentos que se mostraram válidos para a decisão relativa ao segundo furto cometido, se mostram igualmente válidos para a tomada em relação ao primeiro furto. Pelo que, conclui, o recurso não deverá obter provimento, antes devendo manter-se, na íntegra, a sentença condenatória. Não foi produzida qualquer resposta ao parecer. Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência. Cumpre apreciar e decidir. * 2. FundamentaçãoConforme jurisprudência constante e assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior. Entre outros, pode ler-se no Ac. do STJ, de 15.04.2010, in www.dgsi.pt. “Como decorre do art. 412.º do CPP, é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões, exceptuadas as questões de conhecimento oficioso”. Na situação vertente, assinala-se preliminarmente que o requerimento de recurso interposto pelo arguido apresenta falhas no concernente à enunciação das sobreditas conclusões. Com efeito, estas, como o próprio nome indica, deveriam traduzir de forma condensada as razões de divergência do recorrente com a decisão impugnada, para assim permitir ao Tribunal de recurso uma rápida e fácil percepção das questões a resolver, devidamente demarcadas entre si, o que, claramente não ocorre na situação vertente, posto que não consubstanciam um resumo, mas antes repisam ou praticamente decalcam, o já alegado em sede de motivação. É que, para que se considere verificada a existência de conclusões, não será suficiente que o recorrente nas suas alegações de recurso utilize a palavra “conclusões”, sendo ainda necessário que a mesma seja seguida de algo que, de algum modo, se assemelhe a um sintetizar das questões por si anteriormente expostas, o que com muita dificuldade vislumbramos no caso sub judice, percorrendo atentamente as 68 extensas conclusões apresentadas. Em todo o caso, muito embora longas e difusas, optamos por não endereçar convite ao recorrente para completar ou esclarecer as conclusões formuladas, pese embora o preceituado no art. 417º, º 3 do CPP, na medida em que, olhando às sobreditas, ainda é possível divisar as questões a apreciar e, assim, numa dinâmica de aproveitamento dos atos processuais praticados e porque do convite ao aperfeiçoamento não se julga que adviessem benefícios aos julgadores do recurso, admite-se o recurso tal como está. Nessa decorrência, e olhando ao teor das conclusões que supra se deixaram transcritas, as questões suscitadas e que cumpre dirimir, são as seguintes: - Da nulidade da sentença por falta de fundamentação no que respeita ao exame crítico das provas – arts. 374º nº2 e 379º, nº1, al. a), do CPP - Da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada com a consequente violação do princípio In Dúbio Pro Reo, em virtude de erro notório na apreciação da prova e erro de julgamento no tocante aos factos dados como provados sob os nºs 5,6,7,8, 9, 11 e 12. Com relevo para a resolução das questões objeto do recurso importa recordar a fundamentação de facto da decisão recorrida, que é a seguinte: “II – DECISÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO: A) Factos Provados. Discutida a causa, com relevo para a decisão, o tribunal julga provados os seguintes factos: 1- Durante o mês de setembro de 2020, o arguido residiu na habitação do ofendido BB, sita na Rua ..., n.º ..., 3.º andar, Vila Nova de Gaia, por mera tolerância deste. 2- Durante tal período, CC, esposa do ofendido, entregou uma chave da residência ao arguido para este fazer uma cópia. 3- Em outubro de 2020, o arguido foi residir para a habitação de DD, sita na Rua ..., rés-do-chão, ..., Vila Nova de Gaia. 4- Contudo, não entregou a chave da residência do ofendido a este. 5- Nos dias 4 de outubro de 2020, o arguido dirigiu-se à residência do ofendido e, fazendo uso das chaves que tinha sua posse, entrou no seu interior, sem que para tal estivesse autorizado. 6- O arguido retirou do interior da residência e levou consigo, fazendo seus, os seguintes bens pertencentes ao ofendido: a. Uma playstation 4 Pro, no valor de 380 Euros; b. Uns auscultadores, no valor de 60 Euros; No valor global de 440 Euros. 7- No dia 10 de outubro de 2020, o arguido dirigiu-se à residência do ofendido e, fazendo uso das chaves que tinha sua posse, entrou no seu interior, sem que para tal estivesse autorizado. 8- O arguido retirou o interior da residência e levou consigo, fazendo seus, os seguintes bens pertencentes ao ofendido: a. Um monitor de 24’’, no valor de 135 Euros; b. Um computador portátil da marca ACER, no valor de 599 Euros; No valor global de 734 Euros. 9- No dia 12 e 13 de outubro de 2020, o arguido deslocou-se à loja A..., sita na ... Shopping, loja ..., n.º ..., Porto e vendeu o referido monitor e portátil, pelo preço total de 231 Euros. 10- Os objetos referidos não foram recuperados. 11- O arguido quis e conseguiu retirar e fazer seus os referidos bens, quis e conseguiu entrar na referida residência da forma descrita, bem sabendo que os referidos bens e objetos não lhes pertenciam e que agia contra a vontade e sem autorização do respetivo dono. 12- O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal. Dos factos inerentes à personalidade e situação familiar e social do arguido: 13- O Arguido actualmente está desempregado. 14- Tem o 12.º ano de escolaridade. 15- Reside com a sua esposa. Dos antecedentes criminais do Arguido: 16- O Arguido não tem antecedentes criminais **** B) Factos não provados:Inexistem *** C) Motivação da Decisão de Facto:Os factos dados como provados assentam numa apreciação crítica e global de toda a prova produzida no seu conjunto, valorada atendendo ao princípio da livre apreciação, consagrado no artigo 127º do CPP. A medida do valor da prova prestada por depoimento, como é o caso das declarações dos arguidos e das informações prestadas por testemunhas mede-se em CREDIBILIDADE, factor que será composto pelos seguintes subfactores: 1. Seriedade (boa motivação da testemunha para depor). 2. Isenção (falta de interesse na causa – pode estar ligada à anterior). 3. Razão de Ciência – fonte de conhecimento dos factos. 4. Coerência Lógica: a) Interna (depoimento confrontado consigo mesmo). b) Externa (depoimento confrontado com os demais). É no âmbito da coerência lógica que podem e devem ser ponderados aspectos como o rigor (total coerência interna) e a forma objectiva (ausência de divagações, ou depoimento sobre factos irrelevantes). Se a lógica pura e simples não der a resposta completa (por exemplo, um facto pode ser possível, mas de difícil verificação), aí entra a livre apreciação do juiz, a sua livre convicção, segundo regras de experiência (artigo 127º do Código Penal). Refira-se, ainda, que o depoimento prestado pelo arguido em processo penal deve ser também valorado à luz dos factores de credibilidade com que se julga a prova testemunhal, embora tendo em conta as especificidades decorrentes do seu estatuto. O arguido é, como se sabe, a “testemunha” principal do processo, pois que ele mais que outra pessoa está em posição para relatar – ou não – os factos de que vem acusado. Porém o arguido tem um estatuto processual especial no nosso direito, não sendo obrigado a prestar declarações nem sequer a falar verdade. Com efeito, a fixação dos factos provados e não provados teve por base a globalidade da prova produzida em audiência de julgamento e da livre convicção que o tribunal formou sobre a mesma, partindo das regras de experiência, assim como da prova oral que foi produzida, aferindo-se quanto a esta o conhecimento de causa e isenção de cada um dos depoimentos prestados. Vejamos: O Arguido AA, prestou declarações, negando a prática dos factos. Assim, referiu que efectivamente esteve um período de tempo a residir na casa do ofendido e que, entretanto, saiu da residência daquele e foi morar com a testemunha DD. Adiantou que a namorada do ofendido lhe deu uma chave da casa e que a deixou em cima de um armário na residência da testemunha DD. Referiu que a testemunha DD é que entrou na habitação do ofendido e de lá retirou os objectos que constam descritos na Acusação Pública. Relatou que foi a testemunha DD quem lhe pediu para vender o monitor de 24 e o portátil da marca ACER, retirados da casa do ofendido, o que veio a fazer. Explicou que a testemunha lhe disse para vender e para lhe dar parte do dinheiro. A testemunha BB, ofendido, num depoimento credível e verosímil, atestou ao tribunal que o Arguido residiu em sua casa de favor durante cerca de dois meses, até que se mudou para casa do DD. Relatou que não viu quem lhe retirou os objectos de sua casa, mas que deu pela falta daqueles. O ofendido apesar de não conseguir circunstanciar com segurança a data da prática dos furtos, conseguiu balizar no tempo a sua ocorrência. Relatou que os objectos desapareceram com duas semanas de diferença, sendo que o primeiro furto ocorreu cerca de 2 semanas após o Arguido ter saído de sua casa e o segundo duas a três semanas após. Explicou ainda que ia para jogar com a Playstation e deu por falta da mesma pelo que foi ter com o Arguido e o confrontou-o. Adiantou também, que o ecrã e o portátil estavam na sala em cima da mesa e que no dia anterior ao desaparecimento do mesmo tinha estado a jogar. Relatou que nunca recuperou os objectos e que depois trocou a fechadura da sua habitação. CC, prestou um depoimento isento, coerente e credível, confirmando ao tribunal a versão trazida aos autos pelo ofendido e ainda que efectivamente terá entregue uma chave ao arguido da habitação daquele, sendo certo que, a chave da habitação tinha sido entregue ao arguido. DD, num depoimento verdadeiro e credível atestou ao tribunal que efectivamente o Arguido esteve a residir na sua casa cerca de 6 meses. Negou que em momento algum tivesse ido a casa do ofendido e de lá tivesse retirado os objectos aqui em causa. Explicou que nunca pediu ao Arguido para vender o que quer que fosse. Ora, face à prova produzida inexistem dúvidas que o Arguido praticou os factos de que vem acusado, até porque e desde logo a testemunha DD referiu que nunca pediu ao arguido para vender o que quer que fosse e muito menos entrou na casa do ofendido e de lá retirou os objectos. Assim, decidimos afastar a versão do arguido, a qual se revelou ilógica e inverídica. Além do mais, as suas declarações foram frontalmente contrariadas pelo depoimento da testemunha DD, e ainda do ofendido BB. Note-se que o Arguido tentou “atirar” a responsabilidade pela prática dos factos à testemunha DD, a qual num depoimento totalmente verdadeiro, referiu que nada teve a ver com os factos nem tinha motivo para tal, sendo que, caso tivesse furtado os objectos em causa nos autos, também não teria pedido ao Arguido para os vender. Ora, a prova indireta (lógica, por presunção ou por indícios) consiste em dar como provado um facto sem que sobre ele exista qualquer meio (direto) de prova, chegando-se ao factum probandum a partir da prova de outros factos que a ele se ligam com segurança, segundo as regras da lógica e da experiência comum. Com efeito, a prova indireta de um facto tem de fundar-se num facto de partida que está indubitavelmente provado (não podendo fundar-se a inferência noutra inferência); e os indícios têm de ser contemporâneos do facto a provar, serem independentes e estarem interrelacionados; não podendo haver contraindícios (indícios que apontem noutra direção). Efectivamente, do depoimento do ofendido resultou que os restantes habitantes da habitação não se encontravam em casa sendo que a única pessoa de fora que tinha a chave da sua casa era o arguido, que havia ficado com a mesma e não a entregiu quando deixou de ali residir. Quanto aos factos que integram o dolo, a sua prova resulta da conjugação dos restantes factos dados como provados, tal resulta do supra explanado. Ademais, como se refere no Acórdão do T.R.P. de 23.02.93 - in B.M.J. 324/620 - “dado que o dolo pertence à vida interior de cada um, é, portanto, de natureza subjectiva, insusceptível de directa apreensão. Só é possível captar a sua existência através de factos materiais comuns de que o mesmo se possa concluir, entre os quais surge com maior representação o preenchimento dos elementos integrantes da infracção. Pode comprovar-se a verificação do dolo por meio de presunções, ligadas ao princípio da normalidade ou das regras da experiência”. A prova referente às condições de vida do arguido factos 8) a 10), fundou-se nas declarações do mesmo, porque prestadas em conformidade, uma vez que se afiguraram sérias e credíveis, tanto mais que as suas declarações não foram rebatidas por quaisquer elementos constantes dos autos, pelo que mereceram total credibilidade. No que diz respeito à inexistência de antecedentes criminais do arguido, factos 16)), tal resultou do teor do certificado de registo criminal do mesmo constante dos autos. Relativamente às condições de vida factos provados em 13)) a 15)) o Tribunal fez fé nas declarações pelo mesmo prestadas porquanto neste particular se afiguraram como sérias e credíveis.” * Progredindo para a apreciação do recurso:- Da nulidade da sentença por falta de fundamentação no que respeita ao exame crítico das provas – arts. 374º nº2 e 379º, nº1, al. a), do CPP O recorrente sustenta primeiramente que Tribunal recorrido, não examinou criticamente as provas que serviram para formar a sua convicção, pois lida (e relida) a Sentença recorrida, nela não é descortinável mais do que uma aparência de fundamentação e de exame crítico, que, não sendo divisáveis os antecedentes lógicos do raciocínio que terá, ou não, sido efetuado pelo Tribunal recorrido, em violação do disposto nos artigos, 32º, nº 1, e 205º, n.º 1, da CRP e 374º, nº 2, do CPP, ferindo a Sentença da nulidade prevista no art. 379º, nº 1, al. a), in initio, do CPP. Em concreto, alega que além de um resumo sucinto do depoimento do arguido e das testemunhas, não é feita qualquer consideração crítica sobre o depoimento dos mesmos. Para além disso, foram utilizadas, sucessivamente, as seguintes fórmulas quase “matemáticas”: “A testemunha BB, ofendido, num depoimento credível e verosímil (…)” Ou “CC, prestou um depoimento isento, coerente e credível (….)” Ou “DD, num depoimento verdadeiro e credível (…)”, concluindo, após o resumo que apresenta dos depoimentos prestados e sem mais que: “(….) face à prova produzida inexistem dúvidas que o Arguido praticou os crimes de que vem acusado (…). Vejamos então. A exigência, de que o texto da sentença contenha o exame crítico das provas, é uma decorrência das exigências constitucionais da fundamentação das decisões judiciais como mecanismos de concretização das garantias de independência e imparcialidade dos Tribunais e de sindicância do acerto da decisão, através do recurso. O princípio da exigência de fundamentação assume-se como garantia da imparcialidade do juiz, do controle da legalidade da decisão, e da possibilidade de impugnação das decisões, a par da possibilidade de controle do exercício do poder judiciário fora do contexto processual, por parte do povo em nome de quem deve ser feita a administração da justiça, no contexto de uma concepção democrática do poder. O dever de fundamentar uma decisão judicial é uma consequência da previsão contida no art. 205º nº 1 da Constituição da República Portuguesa, que preceitua “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”. Na vertente processual penal, este imperativo constitucional densifica-se em várias disposições legais, desde logo, no princípio geral consagrado no art. 97º nº 5, quanto à exigência da especificação dos motivos de facto e de direito de qualquer decisão e no que em especial se refere à sentença, o convocado art. 374º nº 2 impõe, a propósito do requisito da fundamentação, que a mesma contenha a “uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”. Esta exigência está, ainda, conexionada com o princípio da livre apreciação da prova, contido no art. 127º do CPP, na medida em que é a contrapartida da inexistência de regras legais que atribuam valor específico, pré-determinado às provas, ou que estabeleçam alguma hierarquia entre elas (com excepção da confissão integral e sem reservas do arguido; da prova pericial e dos documentos autênticos, cujo valor probatório se encontra legalmente pré-estabelecido), na admissibilidade de todos os meios de prova, em geral (de que decorre a equiparação da prova directa à prova indirecta ou por presunções judiciais), desde que não incluídos nas proibições contidas no art. 126º do CPP, em sintonia com o princípio consagrado no art. 32º nº 8 da CRP. Como a apreciação da prova é livre, mas não pode ser arbitrária, tem de alicerçar-se num processo lógico-racional, de que resultem objectivados, à luz das máximas de experiência, do senso comum, de razoabilidade e dos conhecimentos técnicos e científicos, os motivos pelos quais o Tribunal valorou as provas naquele sentido e lhes atribuiu aquele significado global e não outro qualquer. Por tal razão, a omissão do exame crítico das provas importa a nulidade da sentença, tal como decorre do art. 379º nº 1 al. a) do CPP. Neste contexto, retira-se do Ac. do STJ, de 21/3/2007 acessível in www.dgsi.pt. “A fundamentação da sentença consiste na exposição dos motivos de facto (motivação sobre as provas e sobre a decisão em matéria de facto) e de direito (enunciação das normas legais que foram consideradas e aplicadas) que determinaram o sentido («fundamentaram») a decisão, pois que as decisões judiciais não podem impor-se apenas em razão da autoridade de quem as profere, mas antes pela razão que lhes subjaz (cf. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, pág. 289).”. Ainda do STJ, lê-se no Ac. de 30/01/2002, Proc. n.º 3063/01 “O exame crítico consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção”. O rigor e a suficiência do exame crítico têm de ser aferidos por critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita exteriorizar as razões da decisão e o processo lógico, racional e intelectual que lhe serviu de suporte. Nesta medida “A lei não exige que em relação a cada facto se autonomize e substancie a razão de decidir, como também não exige que em relação a cada fonte de prova se descreva como a sua dinamização se desenvolveu em audiência, sob pena de se transformar o ato de decidir numa tarefa impossível.” como se adverte no Ac. do TRL, de 2/10/2018 e da mesma Relação, o Ac. de 05/04/2011 refere “o exame crítico deve ser aferido com critérios de razoabilidade, não indo ao ponto de exigir uma explanação fastidiosa, com escalpelização descritiva de todas as provas produzidas, o que transformaria o processo oral em escrito, pois o que importa é explicitar o porquê da decisão tomada relativamente aos factos, de modo a permitir aos destinatários da decisão e o tribunal superior uma avaliação do processo lógico-mental que serviu de base ao respectivo conteúdo”, ambos disponíveis in www.dgsi.pt. O que quer dizer que, o raciocínio lógico, motivado e objectivado na análise das provas, não tem de implicar uma tomada de posição expressa, individualizada e exaustiva sobre todos os meios de prova produzidos por todos os sujeitos processuais, mas também não se basta com a apreciação das provas uma a uma, isoladamente, de forma segmentada. Como é salientado no acórdão deste TRP de 7/6/2017, disponível para consulta em www.dgsi.pt. “o exame crítico dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento “só será suficiente quando identificar cabalmente o percurso lógico-dedutivo que presidiu à convicção firmada, não se confundindo com referências genéricas que, de tão abstratas, genéricas e esvaziadas de conteúdo preciso, ou que apenas reproduzam – total, ou parcialmente - o teor da prova produzida, não permitam perceber o que de útil, em concreto, o tribunal extraiu e valorou de cada meio concreto de prova produzido em julgamento e o motivo pelo qual assim decidiu.”. Feito este necessário enquadramento, e regressando ao caso em exame, resulta patente da leitura da sentença recorrida que inexiste ausência ou, sequer, insuficiência da fundamentação/ exame crítico das provas integradora da nulidade, como pretende o recorrente. Ao invés, encontram-se enunciados, especificada e satisfatoriamente, os meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal, permitindo a fundamentação compreender de forma suficientemente clara e precisa – e com a amplitude adequada à complexidade da causa - os motivos e a construção do percurso lógico da decisão, segundo as aproximações permitidas razoavelmente pelas regras da experiência comum, não se restringindo a uma adesão acrítica da prova, cumprindo-se, desta forma, o ónus imposto no aludido art. 374º, nº 2, do CPP. É que o tribunal, não só enumerou os meios de prova produzidos na audiência de discussão e julgamento, resumindo de forma sintética os depoimentos das pessoas ouvidas, como expressou o processo de raciocínio que enformou a convicção quanto aos factos, mormente os factos provados. Na motivação da decisão de facto exarada na decisão sob escrutínio é, pois, evidente que o tribunal teve a preocupação de apreciar de forma crítica e concatenada a prova testemunhal produzida, enfatizando que o depoimento do ofendido granjeou a sua adesão, acolhendo ainda os depoimentos das testemunhas CC e DD, que se revelaram credíveis, explicitando ademais as razões pelas quais afastou a versão do arguido, qual seja, ter sido frontalmente contrariada pelo depoimento da testemunha DD, e ainda do ofendido BB, para além do recurso à prova indiciária, no termos aí explanados. É quanto basta para se mostrar satisfeita a exigência legal do exame crítico das provas. No caso em apreço, insiste-se, a fundamentação da decisão de facto, que acima transcrevemos na íntegra e para a qual remetemos, faz referência aos meios de prova – essencialmente de cariz pessoal - que foram relevantes, assim como se esclarece a medida em que cada uma das testemunhas contribuiu para formar a convicção do tribunal, mencionando-se a respectiva razão de ciência, e qual o contributo que deu para o esclarecimento dos factos, apresentando-se tal fundamentação demonstrativa do caminho e raciocínio lógico que foi seguido, de molde a justificar o resultado a que chegou o tribunal a quo, no julgamento da matéria de facto. Destarte, conclui-se que o tribunal recorrido verteu na motivação da sentença um satisfatório relato critico das provas produzidas, posto que aí explicita e examina de forma suficiente a prova em que se estribou para fixar a factualidade, analisando criticamente as provas de que se socorreu, resultando, pois, percetível o processo lógico, racional e intelectual que serviu de suporte à decisão da matéria de facto, pelo que não se verifica a convocada nulidade. Por conseguinte, o recurso não merece provimento, nesta parte. - Da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada com a consequente violação do princípio In Dúbio Pro Reo, em virtude de erro notório na apreciação da prova e erro de julgamento no tocante aos factos dados como provados sob os nºs 5,6,7,8, 9, 11 e 12. O recorrente sustenta ademais que a sentença contém um elenco de factos provados, relativamente aos quais não existe prova nos autos ou que são infirmados pela prova produzida, sendo que esta obrigava a decisão diversa, ou seja, a sua absolvição, com base no princípio in dubio pro reo. Concretamente, entende que foram incorretamente julgados como provados, os factos 5, 6, 7, 8, 9, 11 e 12, devendo tal matéria ser dada como não provada, posto que não foi produzida prova que permitisse concluir que teve qualquer participação nos dois furtos, objeto dos presentes autos, ou sequer que algum dia tivesse entrado na residência do ofendido nas datas em que ocorreram os factos que lhe vêm imputados. E prossegue, o Tribunal a quo foi muito para além da prova que efetivamente se fez em audiência de discussão e julgamento, sendo certo que ninguém o viu entrar na residência do ofendido, e/ou carreou qualquer prova concreta que permita a afirmação de quem foi o seu autor ou autores, violando-se, assim, o princípio da livre apreciação da prova constante do artigo 127° do CPP, pois não se mostra justificado o raciocínio do Tribunal a quo, que levou tais factos a serem dados como provados. Faz uma resenha das suas declarações, das quais transcreve alguns excertos, e, de toda a factualidade assinalada, apenas admite que vendeu um monitor e um portátil, que DD lhe entregou para vender. Transcreve igualmente excertos do depoimento da testemunha/ofendido BB, ofendido, das quais dimana que não viu quem lhe retirou os objetos da sua casa, não os tendo sequer reconhecido, e da testemunha DD, que revelam contradições entre si. E da testemunha CC que nada viu. Destaca ademais que o Tribunal a quo, olvidou todo o teor do auto de notícia e aditamentos (indicados como prova documental quer na acusação quer na contestação). Também não foi produzida qualquer prova que permita concluir que os alegados furtos foram, sequer, realizados com recurso a chave falsa. Existe, diz por fim, um erro notório (vários até) na apreciação da prova e manifesto na apreciação da prova pois a sentença recorrida baseia-se em deduções e induções (não provadas ou sequer indiciadas), a prova não foi feita, e por essa razão, vigora o princípio in dubio pro reo. Vejamos. Conforme decorre do art. 428º do CPP, as Relações conhecem de facto e de direito, e, de acordo com o art. 431º “Sem prejuízo do disposto no artigo 410º, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base; b) Se a prova tiver sido impugnada, nos termos do nº 3, do artigo 412º; ou c) Se tiver havido renovação da prova.” A dimensão normativa estabelecida no Código de Processo Penal relativa ao recurso sobre a matéria de facto, assume, pois, duas vertentes: - no âmbito restrito, mediante a arguição dos vícios decisórios previstos no aludido art. 410º, nº 2, no que se convencionou chamar de revista alargada; - e a que resulta da ampla possibilidade concedida à impugnação da matéria de facto resultante de erros de julgamento, por invocação de prova produzida e erroneamente apreciada pelo tribunal recorrido a que alude o art. 412º, nº 3, denominada impugnação ampla. No primeiro caso, estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do nº 2 do referido art. 410º, cuja indagação, como resulta do preceito, tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para a fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento - cfr. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 16. ª ed., p. 873; Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª ed., p. 339; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 2007, pp. 77 e ss. No segundo caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nºs 3 e 4 do art. 412.º do CPP. Quer isto dizer que, enquanto os vícios previstos no art. 410º, nº 2, são vícios da decisão, evidenciados pelo próprio texto, por si ou em conjugação com as regras da experiência comum, daí que, o vício decisório existe quando a falha, o erro, a omissão ou a contradição são perceptíveis e detectáveis no próprio próprio texto da decisão, reafirma-se, sem que seja necessária a valoração de elementos exteriores à sentença, já na impugnação ampla temos a alegação de erros de julgamento por invocação de provas produzidas e erroneamente apreciadas pelo tribunal recorrido, que imponham diversa apreciação. Mas, mesmo esta última sofre limitações resultantes dos seguintes fatores: - da necessidade de observância pelo recorrente do ónus de especificação, restringindo aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorretamente julgados e às concretas razões de discordância, sendo necessário que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam; - da falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o “contacto” com as provas ao que consta das gravações, postergando-se assim a “sensibilidade” que decorre de tais princípios; - de a análise e ponderação a efetuar pelo Tribunal da Relação não constituir um novo julgamento, porque restrita à averiguação ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros indicados pelo recorrente; e de - o tribunal só poder alterar a matéria de facto impugnada se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida (al. b) do nº 3 do citado art.º 412º), e não apenas a permitirem, tal como se assinala no Ac. do STJ de 2/6/2008, proc. 07P4375, acessível in www.dgsi.pt. Donde, cada uma das vias de impugnação da matéria de facto obedece a critérios e condicionalismos legais diferentes. Aqui chegados, importa antes de mais assinalar a confusão em que o recorrente incorre, posto que não delimita ou distingue os dois sobreditos tipos de impugnação da matéria de facto, antes amalgama o convocado vício decisório do erro notório na apreciação da prova e a sindicância da convicção livremente formada pelo Tribunal em relação aos meios de prova produzidos. Ou seja, o recorrente arguiu o apontado vício decisório, olvidando que na revista alargada, os vícios decisórios devem detetar-se, sem esforço de análise, a partir do teor da própria decisão, sem recurso às provas disponíveis nos autos e/ou produzidas em audiência de julgamento. Com efeito decorre do art. 410º, nº 2, do CPP que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova. Estamos, pois, em presença de vícios da decisão sobre a matéria de facto – vícios da decisão e não de julgamento, não confundíveis com a errada apreciação e valoração das provas ou a insuficiência destas para a decisão de facto proferida - intrínsecos à decisão como peça autónoma, donde os mesmos só ocorrem quando a falha, o erro, a omissão ou a contradição são percetíveis e detetáveis no próprio texto da decisão sem que seja necessária a valoração de elementos exteriores à sentença. Dito de outro modo, não podem tais vícios emergir da mera divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em julgamento e a convicção que o tribunal firmou sobre os factos, confusão evidenciada no recurso. Logo, invocando o recorrente meios de prova e não se atendo apenas à decisão, sempre estaria excluída a impugnação nesta perspetiva. De todo o modo, e da linear leitura do texto da sentença escrutinada não ressalta que a mesma padeça do apontado vício. Ainda assim, vejamos. O erro notório na apreciação da prova - cfr. al. c) do nº 2 do art. 410º - ocorre quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se apercebe de que o tribunal, na análise da prova, violou as regras da experiência ou de que efetuou uma apreciação manifestamente incorreta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios. Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, 7ª ed., 2008, pág. 77, explicam que tal vicio ocorre quando se verifica “falha grosseira e ostensiva na análise da prova, percetível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram como provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que efetivamente se provou ou não provou, ou seja, que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável. (…) há um tal erro quando um ser humano médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só, ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o Tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis”. É um erro tão crasso que salta aos olhos do leitor médio, sem necessidade de qualquer exercício mental especial em que as provas revelam claramente um sentido e a decisão recorrida extraiu ilação contrária, logicamente impossível, incluindo na matéria fáctica ou dela excluindo, algum facto essencial com o qual ou sem o qual, o julgado não faz sentido – cfr. CPP anot. De BB Gama Lobo, 2ª ed. Mas, o vicio vindo de referir, que como se disse se refere às situações de falha grosseira e ostensiva, na análise da prova, insiste-se, não se confunde com a mera discordância ou diversa opinião quanto à valoração da prova produzida levada a efeito pelo julgador, antes traduz-se em distorções de ordem lógica entre os factos provados ou não provados, ou na evidência de uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável e, por isso, incorreta e que, em si mesma, não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio. Donde, no caso presente, revela-se inconsistente e infundada a arguição do aludido vício, já que não se deteta na decisão em análise erro grosseiro e ostensivo no raciocínio lógico desenvolvido pelo tribunal ou afronta das regras da normalidade e da experiência comum, sendo evidente a confusão entre o “erro de julgamento” e o “erro notório na apreciação da prova”, pois o recorrente pretende é que prevaleça a sua versão dos apontados factos, em detrimento daquela que vingou na sentença recorrida, discutindo a prova produzida, na sua perspetiva mal apreciada. Em suma, não se vislumbra do texto da decisão recorrida a existência do assacado vício. Uma breve nota ainda para a “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, aludida na alegação recursiva, como é sabido só ocorre quando há lacunas factuais que podiam e deviam ter sido averiguadas e se mostram necessárias à formulação de juízo seguro de condenação ou absolvição. Ora, embora a redação da al. a) do nº 2 do art. 410º não se nos afigure feliz, gerando constantes equívocos, não subsiste qualquer dúvida que o vício em causa diz respeito à insuficiência de apuramento/investigação de “matéria de facto” relevante que não da “prova” – que pode ser reapreciada em sede de impugnação ampla. No caso, a matéria de facto que o tribunal considerou provada é suficiente para um juízo de condenação, donde, não estando em causa qualquer omissão de investigação/apuramento de matéria de facto relevante não se verifica, manifestamente, o alegado vício. Decai, por isso, este concreto fundamento de recurso. * Retomando a impugnação ampla, única que verdadeiramente o recorrente adoptou, resulta do disposto no art. 412º do CPP para o que aqui releva: “3. Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas; 4. Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no nº3 do artigo 364º devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação. 6. No caso previsto no nº4 o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.” Porém, o reexame da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, com base na audição de gravações, mas constitui apenas um remédio para eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida (erros in judicando ou in procedendo) na forma como o tribunal recorrido apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente, pelo que não pressupõe a reapreciação total dos elementos de prova produzidos em audiência e que fundamentaram a decisão recorrida, mas apenas aqueles sindicados pelo recorrente e no concreto ponto questionado, constituindo uma reapreciação autónoma sobre a bondade e razoabilidade da apreciação e decisão do tribunal recorrido quanto aos “concretos pontos de facto” que o recorrente especifique como incorrectamente julgados. A este respeito, reavivamos o que nos acórdãos do STJ de 15.12.2005 e de 9.03.2006 (procs. nº 2951/05 e 461/06, respetivamente, ambos relatados por Simas Santos e acessíveis in www.dgsi.pt), se esclarece, “O recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2.ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1ª instância, como se o julgamento ali realizado não existisse: antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros”. A reapreciação da prova na 2ª instância, limita-se por isso a controlar o processo de formação da convicção decisória da 1ª instância e da aplicação do princípio da livre apreciação da prova consagrado no nosso Código Penal (art. 127º), tomando sempre como ponto de referência a motivação/ fundamentação da decisão, e neste recurso de impugnação da matéria de facto, o Tribunal da Relação não vai à procura de uma nova convicção - a sua - mas procura saber se a convicção expressa pelo Tribunal recorrido na fundamentação tem suporte adequado na prova produzida e constante da gravação da prova por si só ou conjugados com as regras da experiencia e demais prova existente nos autos (documental, pericial etc..) e, em face disso, obviamente o controlo da matéria de facto apurada tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, mas não pode subverter ou aniquilar a livre apreciação da prova do julgador, construída, dialecticamente, na base da imediação e da oralidade, tendo presente que, como expressa o Prof. Figueiredo Dias, in Direito Processo Penal, 1º Vol. Coimbra ed. 1974, pág. 233/234, só aqueles princípios da imediação e da oralidade “… permitem …avaliar o mais correctamente possível a credibilidade das declarações pelos participantes processuais”. Donde, sem dispor da apreciação directa e imediata da prova, ao tribunal de recurso cabe apenas averiguar se existe o erro de julgamento na fixação da matéria de facto, o que passamos a analisar: No caso que nos ocupa, o recorrente indicou os concretos factos provados que considera incorrectamente julgados - 5, 6, 7, 8, 9, 11 e 12 - mencionando as provas que, no seu entender, demostram necessariamente a existência do erro de julgamento, e no que tange à prova testemunhal (gravada) indicou as passagens (transcrevendo-as) em que fundou a impugnação. Anota-se ainda que, estando em causa dois distintos eventos (dois furtos) situados no tempo a 4 e a 10 de outubro de 2020, o Ministério Público na 1ª instância vai de encontro à posição assumida pelo recorrente no que tange ao primeiro. Nessa medida sustenta que o Tribunal deveria ter concluído, pelo menos, pela existência de dúvida razoável quanto à autoria do primeiro furto. Por conseguinte, impõe-se apurar se os meios probatórios sindicados sustentam a convicção adquirida pelo tribunal a quo, de harmonia e em coerência com os princípios que regem a apreciação da prova, ou se ao invés, não foi produzida prova que permitisse concluir que o recorrente teve qualquer participação nos dois furtos, objeto dos presentes autos. A essência da impugnação do recorrente centra-se na circunstância de ninguém o ter visto a retirar os objetos da casa do ofendido, quer no dia 4 de outubro (pontos 5 e 6. dos FP), quer no dia 10 de outubro (pontos 7. e 8. dos FP), sequer o próprio, que o confirmou no depoimento prestado. Há ainda outras circunstâncias particulares assentes a reter no caso, o que se confere: durante o mês de setembro de 2020, o arguido residiu na habitação do ofendido BB, tendo-lhe sido entregue (pela mulher do ofendido) uma chave dessa residência para fazer uma cópia. Logo no mês seguinte, em outubro, o arguido passa a residir na casa de DD, e não chegou aquele a entregar a chave ao ofendido BB. Depois, atentando na motivação da sentença, constatamos que em momento algum é feita referência à prova documental indicada na acusação, mormente o auto de notícia e aditamentos de fls. 2 e 7, da qual resulta que o ofendido BB apresentou denúncia contra dois suspeitos, o aqui arguido e a testemunha DD, manifestando desejo de proceder criminalmente contra ambos. O certo é que o referido DD não foi constituído arguido nos presentes autos, acabando por neles intervir tão só como testemunha. Por seu turno, o depoimento do ofendido BB em audiência confirma que o referido DD frequentava a sua casa. Com efeito, por aquele é dito: Ministério Público 00:13:43 min – “Diga-me uma coisa o DD era visita de sua casa?” Testemunha 00:13:46min – “ele era amigo de um colega meu” Ministério Público 00:13:50min – “Ele sabia que tinha lá essas coisas? Computadores….” Testemunha 00:13:53 min – “Sim sim porque ele volta e meia ia lá a casa sim” Defensora 00:14:25min – “Quantas pessoas é que moravam lá?” Testemunha 00:14:27min – “Na altura morava eu, a CC, o EE e o FF dado que o EE e o FF estavam a trabalhar no algarve nessa altura” Testemunha 00:14:41min – “O AA sim para todos os efeitos morava lá sim dado que o EE e o FF estavam no algarve a trabalhar e na altura a minha namorada obviamente acho eu que não ia fazer isso ela também não estava em casa no dia do portátil ok para não haver confusões” Defensora 00:15:21min– “Usava a playstation com regularidade?” Testemunha 00:15:22min – “Dependia” Defensora 00: 15:24min – “Ou seja não sabe quando é que efetivamente aconteceu o furto” Testemunha 00:15:26min- “Eu sei que foi cerca de duas semanas antes o que não da para ligar diretamente a única coisa que consigo ligar diretamente é o portátil e o monitor” Defensora 00:15:38min – “O senhor BB quando deu por conta do computador viu o AA entrar la em casa?” Testemunha 00:15:42min – “Não não vi ninguém” Defensora 00:15:55min – “Quando se dirigiu á esquadra e deu por falta do portátil e foi a esquadra apresentar queixa o senhor apresentou queixa contra o AA e contra o DD porquê que suspeitou do DD?” Testemunha 00:15:58min – “Porque o DD também é um individuo com alguns problemas deste caracter” Defensora 00:16:06min – “Deste caracter como assim?” Testemunha 00:16:08min - “Más vidas por assim dizer” Defensora 00:16:10min – “Não percebi” Testemunha 00:16.11 – “Furtos drogas…” Defensora 00:16:35min – “Esse DD é o DD certo?” Testemunha 00:16:35min - “Exatamente” Defensora 00:16:36 min “Ele frequentava a casa?” Testemunha 00:16:38min – “Sim” Retira-se, pois, do transcrito depoimento que não só o identificado DD visitava a casa, como eram várias as pessoas que moravam/frequentavam a casa do ofendido, e este não consegue afirmar concludentemente quem retirou os objetos da sua habitação, nem, com exatidão, quando é que a sua subtração ocorreu. Já a testemunha DD nega conhecer o ofendido BB e ter frequentado a casa dele, o que é no mínimo estranho e implausível, tendo por credível a versão dos factos apresentada pelo sobredito ofendido. Por sua vez, a testemunha CC, esposa do ofendido, que disse nada ter visto ou saber, confirmou que várias pessoas moravam lá em casa e todos tinham chave da casa, e, consequentemente, com acesso a essa mesma residência. “Defensora 00:03:24 min – “Quem é que morava la na casa? Quem é que morava consigo e com o BB la em casa?” Testemunha 00:03:29 min “Era os amigos do BB o FF, GG” Defensora 00:03:39 min “Mais alguém?” Testemunha 00:03:43 min - “Acho que não..Não” Defensora 00:03:45min – “Vocês os dois?” Testemunha 00:03:46min- “Sim” Defensora 00:03:49min – “E esse FF e o GG também tinham chave da casa? Testemunha 00:03:51min “Sim tinham chaves eles tinham todos chaves” Defensora 00:03:53 min “E quantas pessoas tinham acesso à casa? Testemunha 00:03:58 min “Éramos todos que tínhamos acesso!” Também é no mínimo inabitual, que se permita que alguém permaneça na posse da chave da habitação, sem lá residir, sendo o procedimento expectável que se mude a fechadura da porta, até porque podem-se fazer cópias das chaves, e assim a segurança da casa revela-se comprometida, no que a essa via diz respeito. E se quanto ao primeiro furto, não se mostrou suficientemente esclarecedora a prova produzida, mormente perante os assinalados depoimentos, por tudo quanto se acabou de expender, não pode este tribunal ad quem dar como provada a tese da acusação. Reitera-se: ninguém viu o arguido a subtrair os objetos da casa do ofendido, objetos estes nunca foram encontrados, e outras pessoas, para além do arguido, tinham acesso à dita residência com várias chaves, pelo que, não se extrai da prova, ou seja, dos depoimentos das testemunhas com inequívoca certeza, a versão dos factos constante do libelo acusatório, nomeadamente no que tange ao primeiro e referenciado furto ocorrido a 4 de outubro. Ora, perante este cenário, parece-nos temerário concluir, por si só, sem mais nenhum “plus” probatório, que o arguido tivesse tido intervenção nestes factos, pois tal raciocínio extravasa o uso das regras da experiência comum e das deduções logicas da prova indireta e a que mais à frente voltaremos. Perante tudo quanto se deixou dito, não resta outra alternativa a este tribunal se não considerar como não provada a elencada factualidade considerada provada (pontos 5 e 6) quanto à intervenção do arguido. Vejamos agora os factos atinentes ao dia 10 de outubro. No que tange a este segundo grupo de factos, e à semelhança dos primeiros, o arguido não foi visto a entrar na residência do ofendido BB, tendo-se o tribunal estribado, para além do depoimento deste ultimo quanto aos objetos em falta, que confirmou ter dado pela falta daqueles bens, nas declarações do arguido que admitiu ter vendido um monitor de 24 e um portátil da marca ACER, objetos que não foram recuperados, tal como o ofendido referiu no depoimento prestado: “Ministério Público – 00:07:50 min - “O senhor chegou a recuperar algum destes objetos a reconhecer na policia algum destes objetos?” Testemunha – 00:07:54 min – “Nunca fui chamado para isso nem recuperei nenhum objeto”. Ministério Público – 00:09:21 min – “Como é que ele garante que esses bens que foram vendidos eram os dele… O senhor nunca foi reconhecer os objetos?” Testemunha 00:09:25min – “Não nunca fui.” Ministério Público 00:09:38 min – “Olhe isso são objetos de produção em massa não é? e a referencia batia com a referencia?” Testemunha 00:09:54 min– “A referência não sei dizer mas os nomes são exatamente os mesmos” Ministério Público 00:09.57min –“Os números quais?” Testemunha 00:09:58min – “Os nomes” Ministério Público 00:09:59 min – “Sim mas isso é a marca e o modelo e as referencias o senhor viu as referencias?” Testemunha 00:10:03min – “Eu acho que tenho a caixa do monitor tenho que, posso confirmar isso mas não pode ser neste momento”. Certo é que tal correspondência ocorre em relação ao computador portátil, atento o teor do aditamento de fls. 7 e a informação de fls. 52. Por seu turno, o arguido apresentou uma versão dos factos em que explica o contexto da venda desses objetos, afirmando que foi a testemunha DD quem lhe pediu para vender o monitor de 24 e o portátil da marca ACER, porém, contrariamente ao referido na motivação da sentença, desconhecia a proveniência dos mesmos (Relatou que foi a testemunha DD quem lhe pediu para vender o monitor de 24 e o portátil da marca ACER, retirados da casa do ofendido, o que veio a fazer), pelo que, neste trecho, a fundamentação está em oposição com o referido pelo arguido. Com efeito, escutadas as suas declarações, resulta: Ministério Público - 00:09:10 min - “Então nem sequer sabia que ele tinha la ido?” Arguido – 00:09:12min – “Não eu só sei que o ecrã e o computador chegou na minha mão” Ministério Publico – 00:09:17min – “Então ele foi lá sozinho buscar o computador é isso? E entregou-lhe o computador aonde?” Arguido – 00:09:20min- “Na casa dele.” Ministério Público – 00:09:22min – “Na casa dele? E ele disse de onde é que vinha?” Arguido – 00:09:24min – “Não” Ministério Público – 00:09:25min – “E o senhor não sabia?” Arguido – 00: 09:26 min - “Não ele só me comentou queres vender isto para ganhar um dinheiro eu simplesmente não sabia que era roubado não suspeitava que fosse do BB porque eu tive dentro da casa do BB tive pouco tempo nunca reparei para as coisas do BB porque o BB me ajudou” Ora, como já supra se fez notar, o ofendido, em sede de audiência de discussão e julgamento referiu que a testemunha DD frequentava a sua casa e que este tinha conhecimento que ele possuía os bens que lhe foram furtados, não se olvidando que o arguido residia com aquele, daí que o dito DD poderia ter acesso à chave que este tinha em sua posse da casa do ofendido BB. Pelo que à mingua de mais e melhor prova não poderia o tribunal, apenas com tal evidência, ter concluído ser o arguido o autor do furto do monitor de 24 e do portátil da marca ACER. Temos assim para nós, que a prova indiciária de que o tribunal recorrido se socorreu é insuficiente, para com segurança, poder afirmar a autoria do arguido dos factos em apreço. E no que à prova indiciária se refere não podemos deixar de observar o seguinte: A prova por presunções constitui um meio de prova legalmente previsto no art. 349º do Código Civil: “Presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido”. Esclarecendo o art. 351º do mesmo Diploma que “As presunções judiciais só são admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal”. Assim, não sendo afastada a sua relevância no processo penal por qualquer disposição legal, constituirá meio de prova permitido em processo penal, dentro do princípio geral do art. 125º do CPP: “São admissíveis todas as provas que não forem proibidas por lei.” E se as presunções legais ou de direito resultam da própria lei, as presunções de facto - judiciais, naturais ou hominis – fundam-se nas regras da experiência comum. Antunes Varela in Manuel de Processo Civil, ed. 1985, p. 502 explicitava “é no saber de experiência feito que mergulham as suas raízes as presunções continuamente usadas pelo juiz na apreciação de muitas situações de facto”. As presunções naturais, “como juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto, não anteriormente conhecido nem directamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido.” como se lê no Ac. do STJ de 07/01/2004, proc. 03P3213, Relator Cons. Henriques Gaspar. Genericamente, e em síntese apertada, temos como certo que a presunção consiste em obter a prova de um determinado facto (facto presumido) partindo de um outro ou outros factos básicos (indícios) que se provam através de qualquer meio probatório e que estão estreitamente ligados com o facto presumido, de maneira tal que se pode afirmar que, provado o facto ou factos básicos, também resulta provado o facto consequência ou facto presumido. Porém, a utilização de presunções exige todavia, da parte do tribunal, um particular esforço de fundamentação como se realça no Ac. do TRC de 09/05/2012 proferido no Pr. nº 347/10.8PATNV.C1 acessível in www.dgsi.pt. e tal como no antedito aresto se enfatiza “Desde logo porque estas apresentam uma estrutura mais complexa que os restantes meios de prova. Com efeito, não só há-de resultar provado o ou os factos básicos mas há-de determinar-se, ainda, a existência ou conexão racional entre esses factos e o facto consequência. Além de se permitir, em concreto, a análise de toda a prova produzida em sentido contrário com vista a desvirtuar quer os indícios quer a conexão racional entre esses indícios e o facto consequência.” Daí que, para a valoração de tal meio de prova indiciária, devam exigir-se, os seguintes requisitos: - pluralidade de factos-base ou indícios; - precisão de tais indícios estejam acreditados por prova de carácter directo; - que sejam periféricos do facto a provar ou interrelacionados com esse facto; - racionalidade da inferência. Dito isto e voltando ao case em exame, não cremos que os factos provados permitem a base de uma presunção de facto. Com efeito, não está afastada qualquer outra possibilidade da autoria dos factos, até porque o próprio ofendido apresentou denúncia não só contra o arguido como contra a testemunha DD, e para além disso outras pessoas tinham acesso à residência, inclusivamente as chaves dessa mesma residência, pelo que há mais do que uma pessoa referenciada na discussão da causa em situação de poder ter praticado os factos; inexiste qualquer prova direta de que o arguido esteve no local no momento da prática dos factos, tendo oportunidade de os praticar, pois não há prova testemunhal nesse sentido, já que nenhuma testemunha o confirmou; a venda dos objetos pelo arguido - subtraídos da residência do ofendido -, tem uma explicação lógica e plausível e ocorreu apenas nos dias 12 e 13 de outubro, e não no próprio dia do furto. Deste modo, quando o tribunal na motivação diz que está indubitavelmente provado o facto partida “Efectivamente, do depoimento do ofendido resultou que os restantes habitantes da habitação não se encontravam em casa sendo que a única pessoa de fora que tinha a chave da sua casa era o arguido, que havia ficado com a mesma e não a entregou quando deixou de ali residir.”, tal conclusão não se extrai da prova produzida na sua plenitude, pois não só o arguido não era a única pessoa de fora que tinha chave, como sequer conseguiu precisar em que momento os furtos ocorreram para se poder concluir que nesse momento o arguido era a única pessoa que ali podia ter acedido. Nesta decorrência, não ficou excluída outra possibilidade razoável, de que os factos (do dia 4 e do dia 10 de outubro) pudessem ter sido praticados por outra pessoa que não o arguido, assim se mostrando legitimada a aplicação do princípio in dúbio pro reo, em relação aos dois eventos. Na verdade, contrariamente ao modo como o tribunal recorrido formou a sua convicção, não se pode demonstrar, in casu, o facto presumido com base naqueles factos básicos, como se acabou deixou evidenciado. Para poder operar a presunção judicial utilizada pelo tribunal a quo, deveria ter sido provado mais algum facto periférico (que não apenas o eventual acesso à residência do ofendido e a venda dos bens no tocante ao segundo furto, para a qual foi aventada uma explicação aceitável) do facto a provar ou interrelacionado com o mesmo, como por exemplo ter sido o arguido avistado nas imediações da residência do ofendido nos dias dos furtos. Não concorrendo para o estabelecimento da referida presunção judicial outros factos-base, ou facto periférico do qual resulte demonstrado ter sido o arguido a praticar os factos considerados provados nos pontos 5, 6, 7 e 8, não existe outra solução senão considerar essa autoria não provada. Por conseguinte, a convicção do julgador expressa na sentença recorrida é inadmissível, não podendo extrair-se dos factos básicos apurados o facto presumido, sendo assim errada a formação da presunção judicial que conduziu à condenação penal do arguido. Os factos básicos apurados apenas permitem sustentar uma indiciação, mas não a prova da autoria de ambos os furtos. Em conformidade, procede a pretendida alteração da decisão da matéria de facto, passando a ficar não provada a participação do arguido nos factos 5 a 8, 10 e 11 e 12 descritos na decisão da matéria de facto, e subsequentemente impõe-se a revogação da sentença recorrida, por alteração da decisão da matéria de facto e, em consequência, absolve-se o arguido da prática dos crimes porque foi acusado. Destarte procede, nesta parte, o recurso. * 3. Decisão:Pelo exposto, acordam os juízes desta Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e, em consequência, mediante a alteração da decisão da matéria de facto, decidem: a) revogar a condenação do arguido em primeira instância; e b) absolvê-lo da acusação pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso efectivo, de dois crimes de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º nº 1, e 204.º n.º 2, al. e) do Código Penal. Sem custas. Notifique. (Elaborado e revisto pela relatora – art. 94º, nº 2, do CPP – e assinado digitalmente). Porto, 27 de novembro de 2024 Cláudia Rodrigues Maria João Ferreira Lopes Fernanda Sintra Amaral |