Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4253/19.2T8OAZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ NUNO DUARTE
Descritores: COMPRA E VENDA DE AUTOMÓVEL
BEM DEFEITUOSO
DIREITOS DO CONSUMIDOR
DIREITO DE REGRESSO DO VENDEDOR
Nº do Documento: RP202411254253/19.2T8OAZ.P1
Data do Acordão: 11/25/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGAÇÃO
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Os mecanismos de responsabilização dos profissionais que hajam tido intervenção na cadeia de contratos de compra e venda que culmina com a aquisição por um consumidor final de um bem defeituoso, previstos no DL n.º 67/2003, de 8-04, obedecem a requisitos próprios, perfeitamente autónomos daqueles que enformam o regime jurídico da venda de coisas defeituosas previsto no Código Civil.
II – À luz do estatuído no DL n.º 67/2003, de 8-04, o direito de regresso do vendedor que satisfaz direitos do consumidor, assim como os eventuais direitos de regresso subsequentes que sejam exercidos contra profissionais que, dentro da mesma cadeia contratual, hajam anteriormente vendido a coisa, operam independentemente de considerações de culpa, apenas podendo o direito de regresso ser afastado, se o demandado provar que o defeito não existia quando entregou a coisa ou, se o defeito for posterior à entrega, que não foi causado por si.
III – Desta forma se evita que os vendedores finais ou intermédios sofram prejuízos por causa de defeitos resultantes de actos ou omissões de outros profissionais, permitindo-se-lhes o exercício de direitos de regresso sucessivos até se chegar ao verdadeiro responsável pelo defeito ou, no limite, ao produtor do bem de consumo vendido.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 4253/19.2T8OAZ.P1
(Comarca de Aveiro – Juízo Local Cível de Oliveira de Azeméis)



Relator: José Nuno Duarte.
1.º Adjunto: Carla Fraga Torres.
2.ª Adjunta: Ana Paula Amorim.




Acordam os juízes da quinta secção judicial (3.ª secção cível) do Tribunal da Relação do Porto:




I – RELATÓRIO

O A., AA, intentou acção declarativa sob a forma de processo comum contra a R., A..., Lda., alegando que: após ter comprado à Ré, em leilão, um veículo automóvel usado, vendeu o mesmo a BB; este consumidor final moveu contra si uma acção judicial (processo n.º ..., do Juízo Local Cível de Oliveira de Azeméis) por causa das anomalias que a viatura apresentava, na qual foi proferida decisão, já transitada em julgado, que declarou resolvido o contrato de compra e venda celebrado e condenou o aqui A. a restituir a BB, contra a entrega da viatura, o valor de 10.000,00 €, correspondente ao preço pelo qual o negócio havia sido feito, bem como a pagar a BB outros valores indemnizatórios adicionais; nos termos do disposto no DL n.º 67/2003, de 8-04, tem direito de regresso sobre a sociedade Ré relativamente aos prejuízos que sofreu por causa da acção judicial que lhe foi movida. Conclui o Autor, pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe os seguintes valores:
- 23.311,65 €, referentes aos prejuízos patrimoniais que sofreu e que correspondem ao somatório dos seguintes montantes:
§ 15.250,00 €, correspondente aos quantitativos monetários que, por força da condenação que lhe foi dirigida, pagou a BB;
§ 6.153,65 €, correspondente à diferença entre o valor que a viatura tinha quando a comprou em 2015 e o valor da mesma à data (31/10/2019) em que, devido à decisão judicial, ela lhe foi restituída por BB;
§ 408,00 € de taxa de justiça que suportou na acção judicial que BB lhe moveu;
§ 1500,00 € que pagou ao advogado que constituiu;
- 2.000,00 €, para ressarcimento dos danos não patrimoniais que sofreu devido à afectação da sua imagem e reputação pública e ao desgosto e vergonha que sentiu.
- montante das “custas que vierem a ser imputadas como responsabilidade do A no processo ...”.
- juros de mora incidentes sobre os montantes acima referidos, contados desde a data da citação da R até efectivo pagamento.
A R. apresentou contestação, pugnando pela improcedência da acção mediante a alegação de que não se encontram preenchidos os pressupostos do direito de regresso invocado pelo A., já que a R. é alheia e desconhecedora dos vícios que a viatura apresentava, mais acrescentando que o A. vendeu a viatura omitindo e sonegando informações relevantíssimas sobre o historial da mesma com o único propósito de se enriquecer e locupletar à custa do património do seu cliente BB. A R. invocou ainda a caducidade do direito de acção do A., sustentando, por um lado, que foram ultrapassados há muito os prazos previstos nos números 2 e 3 do artigo 8.º DL nº67/2003, de 8-04, para o exercício do direito de regresso que alega, e, por outro lado, que, face às condições do leilão no âmbito do qual adquiriu o veículo, o A. apenas poderia exercer qualquer tipo de reclamação, primeiramente sobre a empresa “B...” e, posteriormente, sobre a Ré, no prazo máximo de uma hora após o fecho do leilão e se, entretanto, não tivesse vendido a viatura.
Após requerimentos apresentados nesse sentido, foram admitidas as intervenções acessórias, como auxiliares da defesa, sucessivamente, de CC (terceiro contra quem a R. referiu ter acção de regresso para ser indemnizada do prejuízo que lhe cause a perda da demanda), DD (terceiro contra quem o chamado CC referiu ter idêntica acção de regresso) e de EE (terceiro contra quem o chamado DD, por sua vez, referiu ter também acção de regresso).
Após a citação dos intervenientes acessórios, foram apresentadas contestações por CC (que, entre o mais, arguiu a sua ilegitimidade substantiva e invocou a caducidade do direito de acção do autor no que a si diz respeito) e por DD (que também invocou a caducidade do direito de acção do autor).
Os autos seguiram os seus regulares termos até à realização da audiência de julgamento da causa, após o que foi proferida sentença com a seguinte parte dispositiva:
- “Perante os fundamentos de facto e de Direito supra expostos, decide este Tribunal julgar totalmente improcedente, por não provada, a presente acção, em consequência do que se absolve a 1ª ré A... do pedido contra si deduzido e sem que sejam assacadas outras consequências aos chamados.”

Desta decisão veio a R. interpor recurso, tendo, na sequência da respectiva motivação, apresentado as seguintes conclusões:
1- A sentença proferida nos autos constitui uma decisão errada, que resulta duma inadequada ponderação da matéria de facto provada e da lei que deveria ter sido aplicada, e assim quer do ponto de vista da interpretação dos factos ou da apreciação dos factos que foram dados como provados e da sua valoração jurídica, quer da apreciação das declarações prestadas em audiência de julgamento, e da adequada aplicação da lei.
2- Tal sentença, no que diz respeito aos direitos que a Lei consagra no âmbito do direito de regresso do recorrente como vendedor profissional, inserido numa cadeia contratual e que tenha, como teve o recorrente, que satisfazer por completo os direitos do consumidor final, constitui uma decisão inaceitável, violando lei substantiva no que respeita aqui à legislação que deveria ter sido aplicada (o Dec. Lei 67/2003 e que é e foi a lei que foi aplicada na acção anterior em que o A foi condenado, abaixo referida), mas também em termos adjectivos pois também violou o ónus de prova consagrado no art. 343 e nº 3 do C. Civil e ainda o artigo 7 daquele decreto 67/2003 (3 - O demandado pode afastar o direito de regresso provando que o defeito não existia quando entregou a coisa ou, se o defeito for posterior à entrega, que não foi causado por si).
3- Desonerando dessa forma os ónus que, em função da matéria invocada e dos factos a apurar, recaíam sobre o recorrido, e violando ainda o disposto nos n.os 2, 3 e 4 artigo 8 dessa Lei quando aos prazos de exercício do direito por parte do recorrente, que foram incorrectamente contados e valorados, decidindo-se por uma caducidade que não tem lugar no caso concreto.
4- A razão pela qual o A/recorrente decidiu demandar o R, não foi de modo algum por ter adquirido o veículo em leilão, mas sim o ter sido condenado a pagar uma elevada indemnização ao consumidor final BB, pois na qualidade de vendedor de veículos usados, o recorrente 2 meses antes de o ter vendido, adquiriu ao recorrido, e a mais ninguém, e colocou no seu “stand”, (sendo o recorrido um outro vendedor profissional como está provado), conforme também dado como provado, um veículo carregado de defeitos e avarias, que o recorrido assim colocou no mercado de usados sem qualquer hesitação e sem ter sido adequadamente reparado antes de o vender ao A.
5- Tal decisão remete mesmo, surpreendentemente, para uma elogiosa e inconcebível valoração da conduta do verdadeiro responsável pelas consequências dos factos que considerou provados, o recorrido e mais ninguém, não só não reparando na revoltante dissimulação como o seu responsável justificou que suspeitava, antes de o vender ao recorrente, que esse carro tinha o conta quilómetros viciado, mas também nada dizendo quanto ao facto de ter sido o recorrido, e mais ninguém, a introduzir um veículo no mercado que sabia estar impróprio para vendas e para uso, falhando o alvo do que deveria ser o acerto da aplicação da justiça, imputou ao recorrente uma censura de condutas que este não entende nem pode entender.
6- Depois do próprio Tribunal ter dado como adquirido que o recorrido sabia da real quilometragem do veiculo que vendeu ao A, escondida numa adulteração do mecanismo de contagem dos quilómetros, depois de o Tribunal saber que foi o gerente do recorrido o primeiro a saber que até já tinha sido táxi, (muito embora não seja este o motivo da ilegalidade imputada ao recorrente), depois do próprio Tribunal ter dado como provado o que conta dos pontos da Alinea D dos factos provados, designadamente nos pontos 53 a 64 e 98 e 99, o teor da sentença constitui um decisão violadora dos artigos 7 e 8 da Lei 67/2003.
7- Tendo o Tribunal dado como provado, nesta e na anterior acção 5049/18.9T8OAZ (em que o ora recorrente, como se disse nessa anterior acção tinha a qualidade de reu que 58) Nenhuma adulteração o réu ou alguém a seu mando fez no veículo, designadamente no conta-quilómetros e depois de ter sido dado como provado que… As informações constantes da ficha de inscrição da viatura são correctas e completas, não existindo qualquer falsidade, inexactidão ou omissão; c) O veículo preenche todas as condições legais necessárias para circulação e venda” e ainda que .98) Na documentação referida em 56) constava que o veículo CS tinha 170.175Kms., 99) O réu desconhecia que o veículo tivesse outra quilometragem que não a mencionada em 56, considera o Reu que a acção deveria ter sido dada como procedente.
8- Se tanta preocupação foi essa do responsável do R e tantas as suspeitas que tinham o recorrido e o seu responsável de que o veículo poderia estar adulterado no que respeita à Quilometragem, o Tribunal deveria fazer constar da motivação da decisão que era total responsabilidade do recorrido e do seu gerente, como a pessoa quem na verdade sabia do que se passava, impedir a venda em leilão do veículo em questão nessas condições ilegais.
9- Deveria o Tribunal a quo ter assinalado essa irresponsabilidade de que o recorrido tinha esse conhecimento, e registar a indiferença e o desprezo que o recorrido revelou dessa forma relativamente às mais que prováveis consequências que a venda do veiculo, nesse estado, daria e deu causa quando o colocou no mercado de usados, reveladas nos incómodos enormes e no prejuízo que o recorrente suportou, pois tais suspeitas do responsável do recorrido, no sentido de que o veiculo que vendeu ao A estava adulterado no que respeita aos quilómetros, constituem a prova evidente de que o recorrido nunca poderia socorrer-se do disposto no nº 3 do art. 7 do Dec Lei 67/2003.
10- Nenhuma prova fez o recorrido que afastasse o direito de regresso do recorrente nem provou que a adulteração dos quilómetros e as suspeitas das avarias e defeitos do veículo eram posteriores à sua entrega ao recorrente.
11- O Tribunal a quo deveria ter verificado as responsabilidades do recorrido, nos termos do disposto na legislação aplicável designadamente o que, com clareza, determina o apontado art. 7 e 8 do Dec. Lei 67/2203 e do inquestionável direito de regresso do recorrente contra o recorrido, como profissional que satisfez a indemnização que pagou à pessoa a quem vendeu o carro tal como ele lhe foi entregue pelo recorrido, mas tal legislação, como se disse, foi totalmente ignorada na decisão ora em causa, pois deveria pois ter condenado o recorrido A... a pagar ao A, como compensação prevista no art 7, nº 1 do Dec. Lei 67/2003, todos os prejuízos que a conduta do recorrido deu causa, designadamente o montante de 408€, de custas judiciais pagas pelo recorrente no processo ..., e o valor de €15.250,00 que o recorrente pagou ao consumidor final a quem depois vendeu o veículo, o BB a 31.10.2019.
12- Tendo o tribunal definido, como definiu, os pontos essenciais que cumpria apurar, nos termos do disposto no artigo do 342, e no nº 2 do artigo 343 do código Civil, cumpria ao recorrido provar que não tinha qualquer responsabilidade nos factos que lhe foram imputados na acção e tal matéria era inequivocamente ónus do recorrido porque, tal como se disse já, é exactamente assim o disposto no no nº 3 do artigo 7 do Dec. Lei 67/2003, e a este respeito a sentença recorrida violou tais disposições legais, pois conforme consta da matéria dada como provada, nenhuma prova fez o recorrido que afastasse a sua responsabilidade, tendo em vista o que foi inquestionavelmente dado como assente na anterior acção ....
13- A sentença recorrida não valorizou o comprovado desconhecimento, pelo recorrente, do que se passava com o veículo quando ele lhe foi entregue, (pois é isso que consta do A, os pontos 1, e 53 a 70 da alínea D, e os factos das alienas J, K, L, M, N., P, Q.), optando pela desoneração de qualquer responsabilidade do recorrido, enquadrando as condutas, os factos, não no direito aplicável pelo Decreto Lei 67/2003, mas baseando-se no arcaico art. 471 do Cod. Comercial, e assim em violação de lei, recorrendo a disposição e procedimento inaplicável aos factos, e desse modo afastada pelo regime especial do Decreto Lei definidor da matéria em questão, o referido o Dec. Lei 67/2003.
14- A apreciação jurídica das comprovadas condutas, quer do A quer do Recorrido, quer nos factos dados como provados nesta acção, conduzia inevitavelmente o Tribunal para a aplicação da legislação aplicável a tal factualidade, o Dec. lei 67/2003, lei essa tão aplicável aos factos e de forma tão inquestionável que, por tais razões, foi essa mesma legislação que determinou a condenação do recorrente na acção que contra ele foi movida pela pessoa a quem o A o vendeu, passado dois meses de o ter comprado ao recorrido R e o colocado à venda no seu estabelecimento, a acção nº ....
15- Invocando a decisão recorrida o eminente autor Calvão da Silva deve ainda o recorrente alegar que quer este autor (in Venda de Bens de Consumo, p 116 e 117) quer Paulo Mota Pinto (In “O direito de Regresso do Vendedor Final de Bens de Consumo, pags. 1187 e 1191), afinal, defendem integralmente a posição correspondente ao direito invocado pelo ora recorrente.
16- A decisão recorrida ignora pois, por completo, o que se apurou na acção ..., designadamente os factos dados como provados nas alíneas A, os pontos 1, e 53 a 70, e 98 e 99 da alínea D, e os factos das alienas J, K, L, M, N., P, Q, pois para o recorrente, os factos dados como provados nesta e na anterior acção ... determinam, sem qualquer dúvida que
- Que foi o Recorrido quem vendeu o veículo ao A num estado miserável (pontos 9 a 36 e 53 a 70 dos factos provados).
- Que o recorrente procedeu à compra do veículo ao recorrido e foi o R quem introduziu tal veículo no mercado de carros usados.
- Que ambos, A e recorrido, são vendedores profissionais.
- Que o recorrente desconhecia que o veículo estava com defeitos e avarias enormes quando o adquiriu ao recorrido.
- Que esta acção deu entrada em juízo em 10.12.2019 e que o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto data de 08.10.2019, conforme as alienas J, K, M, N., P, Q
- Que o exerceu o seu direito contra o Recorrido dentro o prazo de 2 meses previsto no artigo 8 do De. Lei 67/2003, pois ficou provado na alínea K dos factos dados como provados que o A satisfez o direito do consumidor em 31.10.2019 e na alínea Q desses factos o recorrido A... foi citado para esta acção em 10.12.2019.
- Que o recorrido na qualidade demandado e em conformidade com a matéria dada como provada em ambas as acções, não provou que os defeitos e avarias não existiam quando entregou a coisa ao A nem que tais defeitos e avarias foram posteriores à entrega ao A.
- Que o Recorrido suspeitava das avarias do veículo, pelo menos da adulteração do conta Quilómetros ante de o vender ao recorrente.
- Que o veículo se encontrava nesse estado quando o A o comprou à R.
- Que o A/recorrente não procedeu a qualquer alteração no veículo ponto 58, e que na documentação que foi entregue ao A pelo intermediário constava que, à data da entrega do veículo pelo A ao réu, o mesmo possuía 170.075Kms.
- Que o A quando recebeu o veículo, vendido pela R, recebeu toda a documentação em como tal veículo se encontrava em todas as condições legais necessárias.
- Que o autor procedeu ao pagamento do valor de €15.250,00 ao consumidor final a quem o A vendeu o veículo, o BB a 31.10.2019.
- Que a presente acção deu entrada em juízo a 29.11.2019.
- Que a 1ª ré foi citada nestes autos a 10.12.2019.

17- Considera o recorrente que a conclusão feita na decisão recorrida de que o direito do A tinha caducado, por alegada aplicação do artigo 471 do Código Comercial constitui também a violação do direito de regresso previsto no at. 7, nº 1, do Dec. 67/2003, além dos já citados arts. 342 e 2 do 243 do Código Civil.
18- O recorrente foi citado no âmbito da acção nº ... a 04.01.2017, e tendo o Acórdão proferido na sequência do recurso da sentença proferida nessa acção ..., sido proferido em 08.10.2019 conforme se diz na al. H dos factos provados, e ainda tendo-se provado (A aliena K dos factos provados) que o autor/recorrente procedeu ao pagamento do valor de €15.250,00 a BB a 31.10.2019, tendo também esta acção dado entrada em juízo a 29.11.2019, e provado na al. Q. que o recorrido foi citado nestes autos a 10.12.2019, foi o direito do requerente contra o Recorrido exercido tempestivamente e não estava caducado nos termos do disposto no artigo 8 do Dec. Lei 67/2003.
19- Considera o A que em oposição aos factos dados como provados e a decisão, esta constitui mesmo uma evidente falta de coerência lógica da sentença relativamente tal matéria provada, pois que entre esta e a decisão verifica-se contradição lógica: a decisão proferida seguiu dessa forma incompreensível para o recorrente um caminho diverso daqueles que apontavam os fundamentos, os factos provados.
20- O recorrente, por causa dum veículo que adquiriu ao recorrido, dum veículo que colocou no seu estabelecimento comercial, no mínimo nas mesmas condições em que o recebeu do recorrido, pois nenhuma a alteração fez nesse curto espaço de tempo, sendo este quem introduziu tal veículo no mercado de usados, teve inúmeros prejuízos que deveriam ter sido dado como provados.
21- O recorrente quando adquiriu o carro ficou confortado com o que tais documentos transmitiam quando ao estado em que o veículo se encontrava e que lhe asseguravam que estava em boas condições para ser vendido e usado, como constava da documentação que lhe foi entregue conforme os pontos 98 e 99 da Al D dos factos dados como provados (.98) Na documentação referida em 56) constava que o veículo CS tinha 170.175Kms. 99) O réu desconhecia que o veículo tivesse outra quilometragem que não a mencionada em 56.)
22- Nos pontos 55, 56, 57, 58, 62 e 63, 98 e 99 da alínea D da matéria dada como provada foi provado que o recorrente adquiriu um veículo em bom estado, que nenhuma alteração nele fez, com o certificado de inspecção periódica válido e sem indicação de avarias ou defeitos, com o número de quilómetros normais, sendo alias de sublinhar o que conta dos pontos 98 e 99.
23- Por causa dum veículo cheio de problemas e avarias, que o recorrente comprou ao recorrido convencido que o carro estava em boas condições, o recorrente passou pelo pior que pode passar um vendedor de carros usados, foi sujeito a vexatórias acusações por parte da pessoa a quem vendeu o veículo, foi processado, responsabilizado por levados custos com o processo judicial, teve custos com o processo e foi obrigado a pagar uma elevada indemnização.
24- Nos termos do disposto no art. 640.º do Cpc, o recorrente considera que, de forma incorrecta, na sentença recorrida, não resultou provado que tenha sido do conhecimento público que o autor realizou a venda de veículo com a quilometragem adulterada, o que causou vergonha e desgosto ao autor e que a imagem comercial do autor, o seu bom nome e a sua credibilidade enquanto vendedor de veículos usados, tenha ficado afectada com a comercialização de um veículo com a quilometragem adulterada.
25- Tal decisão, na opinião do recorrente, nessa parte foi feita em violação do que a esse propósito dispõe a lei porque, conforme se alegou, tais factos, o ponto 6 e 7 dos factos não provados deveriam ter sido dados como provados, pois constam do processo ou do registo ou gravação nele realizado os concretos meios probatórios que impunham uma decisão diferente da sentença recorrida.
26- E por tais razões deveria pois o recorrido também ser condenado o pagamento ao recorrente desses danos não patrimoniais relevantes no montante de 2000 € e como se peticionou.
Nestes termos e nos mais de direito doutamente supríveis por V.Excas deve ser dado provimento ao presente recurso e, nessa consequência ser revogada a sentença recorrida, de forma a que o recorrido seja condenado a pagar ao recorrente a título de compensação prevista no nº 1 artigo 7 da Lei 67/2003, pelo menos os valores de €408,00 de despesas judiciais e o valor de €15.250,00, acrescidos dos juros de mora a contar da citação até integral pagamento, e ser também o Recorrido ser condenado a reconhecerem aos Autores o direito aos danos não patrimoniais peticionados na petição no montante de 2000€, assim se fazendo JUSTIÇA.
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A Ré apresentou contra-alegações, pugnando pelo não provimento do recurso e pela confirmação da sentença recorrida, apresentando no seu articulado as seguintes conclusões:
1.ª) Nos antípodas do alegado pelo apelante, inexiste qualquer erro notório ou contradição na apreciação da matéria de facto e, em menor medida, incorreta interpretação das normas legais constantes do artigo 640º, nº1, alíneas a), b) e c) do CPC.
2.ª) A Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo” teve a possibilidade de aferir da produção imediata e oral da prova, corroborada e sustentada no anterior processo ..., e no que aí foi decidido, não bastando agora ao apelante alegar que houve equívoco na sua apreciação, é preciso prová-lo, irrefutavelmente, o que o recorrente não faz, por não ter acontecido.
3.ª) Permita-se, com todo o respeito, devido e prestado, referir que o principio da reapreciação da matéria de facto em 2ª instância, o duplo grau de jurisdição em matéria de facto, não representa uma total desvalorização do julgamento em 1ª instância, sob pena de este passar a ser um mero ensaio, não se podendo, pois, julgar de novo, só se vai aferir se o Tribunal “a quo” decidiu bem.
4.ª) Essa sindicância do Tribunal de 2ª Instância terá necessariamente de ter presente que a imediação e a oralidade asseguram a probabilidade da boa decisão da 1ª instância.
5.ª) Deve ser mantida a douta decisão recorrida que julgou com acerto e perfeita observância dos factos e da lei aplicável, julgando a acção totalmente improcedente.
7.ª) Pois que, assim, e dada a matéria assente, provada e não apurada, terá de decidir-se como muito bem fez a Mª Juiz a quo.
8.ª) Nos presentes autos ,ao contrário do alegado pelo recorrente, não existiu qualquer inversão ao ónus da prova.
9.ª) A douta sentença recorrida apreciou devidamente a prova, quer a produzida em audiência de julgamento, quer a vasta prova documental junta aos autos, subsumindo correctamente a matéria de facto provada nos autos às normas jurídicas aplicáveis.
10.ª) O apelante verte nas suas alegações que pretende impugnar parte da matéria de facto dada como não provada, por entender que determinados factos deveriam ter sido dados como provados, quando assim o não foram. Porém, e salvo melhor entendimento, percorrido o teor do artigo 640º do C.P.C., atinente à impugnação da matéria de facto, facilmente se conclui que o apelante não dá cumprimento ao estatuído naquele normativo legal.
11.ª) O apelante, ao pretender a impugnação da matéria de facto, demitiu-se da obrigação legal, enquanto recorrente, de dar cumprimento ao estatuído no artigo 640º, nº1, alínea b) do C.P.C., isto porque, não especificou quais os concretos meios probatórios, constantes da gravação que impunham decisão diversa sobre a matéria de facto.
12.ª) Por outro, e ainda quanto à impugnação da matéria de facto, o apelante também não cumpre com a disposição legal constante do nº2, alínea a) do artigo 640º do C.P.C., que remete para as situações enquadráveis na atrás citada alínea b) do nº1, não tendo apelante indicado com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, nem sequer procedeu à transcrição dos excertos tidos por relevantes, sendo a consequência imediata para a violação de tal normativo legal a imediata rejeição do recurso nessa parte.
13.ª) A douta decisão recorrida que julgou com lisura, acerto e perfeita observância dos factos e da lei aplicável, julgando a acção totalmente improcedente.
14.ª) Pois que, assim, e dada a matéria assente, provada e não apurada, terá de decidir-se como muito bem fez a Mª Juiz a quo.
15.ª) Nos presentes autos, ao contrário do alegado pelo recorrente, não existiu qualquer inversão ao ónus da prova.
16.ª) Como bem refere o Tribunal a quo na sua Sentença, “O Tribunal atendeu à factualidade dada como provada e como não provada nessa acção declarativa (processo ...), porquanto, foi o autor que carreou para estes autos essa factualidade, recordando a mesma, com ênfase, na sua petição inicial, circunstância que, nessa medida, mereceu a concordância das restantes partes, o que foi essencial para dar como provada a factualidade de A) a J) e O). Como se alcança dessa factualidade, ali foi dado como assente nos pontos 80 e 81, que a aqui 1ªrénão teve intervenção em acto de adulteração de quilometragem e que desconhecia que o veículo pudesse ter uma quilometragem superior à que exibia. A par disso, resulta dos factos 78 e 79 que o relatório emitido pela B... continha, para além do mais, a menção a que o veículo tinha sido utilizado como táxi.”.
17.ª) O apelante AA dedica-se à comercialização de veículos automóveis usados, possuindo um stand, sediado na Rua ..., ..., em ..., ....
18.ª) Por sua vez, a apelada é uma sociedade comercial que se dedica à comercialização de veículos automóveis, tendo a sua sede em ..., concelho ....
19.ª) O apelante adquiriu o veículo automóvel ligeiro de passageiros, no estado de usado, da marca ..., modelo ..., com a matrícula ..-CS-.., através de leilão promovido pela empresa B..., Lda, leilão ao qual apenas podiam e podem aceder comerciantes.
20.ª) Os estabelecimentos leiloeiros apenas podem aceder comerciantes, tendo estes, previamente ao leilão, a possibilidade de in loco e on-line, vistoriar os veículos expostos.
21.ª) Do auto de recepção do veículo elaborado pela B... em 21/01/2015, constava que o veículo “Tem 7 bancos; vedante da bagageira rasgado; luz do sistema electrónico acesa; consola central perfurada; vedante da porta da frente esquerda rasgado; tem fuga de óleo; viatura já foi táxi; viatura com defeito de pintura”.
22.ª) Estas anotações eram do conhecimento de qualquer comerciante que pudesse estar interessado na compra do CS, incluindo do apelante AA.
23.ª) A A... desconhecia que a viatura pudesse ter uma quilometragem diversa da acima referida.
24.ª) A A... não alterou a quilometragem do veículo.
25.ª) O apelante AA ao intentar a presente ação deu uma ênfase muito especial, pela positiva, dos factos dados como provados no referido processo .../19.
26.ª) Nessa medida, convém transcrever um excerto de uma passagem da motivação constante da Sentença aí proferida: “Acrescente-se, por outro lado, que sabendo o réu, comerciante de automóveis, que o veículo tinha sido táxi (como melhor veremos infra), não vemos como pudesse legitimamente acreditar que, com cerca de oito anos, o mesmo registasse somente 170.000Kms. O réu não podia ignorar que essa quilometragem não podia corresponder à realidade, como também o autor lhe veio a assinalar.”.
27.ª) O apelante, quer nas suas alegações de recurso, quer na petição inicial por si apresentada, faz questão, até à exaustão, de fazer referência aos factos dados como provados no citado processo ..., quando na verdade, e salvo melhor opinião de V. Exas., são tais factos completamente em seu desfavor.
28.ª) O apelante, aquando da licitação/compra que fez no estabelecimento leiloeiro da B... referente à viatura em causa nos presentes autos, foi previamente alertado e informado para as caraterísticas do veículo em causa, sabendo o mesmo tratar-se de um veículo com 08 anos de idade, que tinha sido táxi, com pouco mais de 170.000KMS, com várias reparações, mecânicas e outras, a efetuar, como resulta do relatório de Diagnóstico previamente elaborado pela “B...”.
29.ª) Sabendo o apelante do relatório prévio elaborado pela B..., sabendo das caraterísticas enunciadas no parágrafo anterior, e, se licitou tal viatura, é óbvio que omesmo sabia que os quilómetros do mesmo nunca poderiam ser verdadeiros, ou, pelo menos, deveria suspeitar de tal facto, ou não fosse o apelante um comerciante de automóveis usados com mais de 20 anos de trabalho naquela área.
30.ª) Em sede de depoimento de parte, na audiência de julgamento, ocorrida nos presentes autos, o apelante desprezou e desvalorizou por completo o facto de estar num julgamento, porém, o que ressalta de tal depoimento é a sua confissão de que tinha conhecimento das informações que a B... tinha dado para a viatura em questão, designadamente o facto da viatura que estava a comprar ter sido táxi, inclusive dizendo ter visto tais informações no interior da viatura e que, apesar de saber que era táxi, licitou na mesma, acabando por dar o lanço mais alto, ficando com a mesma. Isto na compra.
31.ª) Quanto à venda da viatura ao dito BB, o apelante confessou que, no momento da venda, disse que o automóvel era de uma pessoa conhecida, de uma amiga, daí ter poucos quilómetros, atenta a idade do automóvel.
32.ª) Mais tarde, e ao ser confrontado pelo dito BB com a adulteração de quilómetros e quanto ao facto do mesmo automóvel ter sido um táxi, face à insistência daquele BB, o apelante AA lá acabou por confessar que sabia que o automóvel já tinha sido táxi.
33.ª) Era do completo desconhecimento da apelada A... que a viatura aqui em questão tinha sido táxi. A apelada apenas teve conhecimento de tal facto aquando da comunicação, pela B..., do relatório efetuado à viatura aqui em questão, facto que ficou a constar das informações que a dita B... colocou no anúncio para a venda/leilão da viatura aqui em questão, por ordem expressa do legal representante da apelada.
34.ª) Ou seja, todos os potenciais compradores da viatura aqui em questão, souberam, previamente à realização do leilão, que aquela viatura já tinha sido táxi, aliás, tais informações constavam do site da leiloeira, do documento em suporte de papel que foi deixado no interior da viatura previamente à realização do leilão, para que qualquer potencial comprador o visse e analisasse e, pelo próprio pregoeiro aquando da realização do leilão.
35.ª) Procedimento mais claro, honesto e sério não podia ser.
36.ª) E, tudo isto era do conhecimento do apelante! Não lhe foi omitido! Nada lhe foi omitido!
37.ª) O apelante é que, ainda assim, persistiu nessa decisão, dado que da mesma maneira poderia ter optado por não adquirir!
38.ª) É a leiloeira que detecta que o veículo em crise fora táxi e que faz isso constar do relatório sobre aquele e não por que a apelada soubesse e/ou lho tivesse solicitado!
39.ª) O apelante é profissional do ramo! Não se crê que esteja no ramo “há meia-dúzia de dias”!
40.ª) Tinha o apelante uma “natural obrigação” de saber, ou pelo menos desconfiar que algo poderia estar errado com o veículo.
41.ª) Mais, o apelante no seu depoimento de parte manifestou ser irrelevante o facto do veículo ter sido um táxi.
42.ª) Como se pode extrair do teor do excerto transcrito quanto à testemunha BB, que foi parte no citado processo nº5049/16, é perfeitamente claro que presta um depoimento credível, genuíno, consistente, espontâneo e consentâneo com a versão da apelada e em linha com a posição que esta testemunha manteve enquanto parte no outro processo.
43.ª) É notório que há um comportamento “ilusionista” (para não chamar outra coisa) por parte do apelante, o qual se percebe que enganou deliberadamente a testemunha BB, aquando da celebração de negócio tendente à comercialização do carro em crise nos autos.
44.ª) Torna-se evidente que o apelante omitiu deliberadamente da testemunha BB o facto da viatura ter sido táxi, situação que mais tarde, por pressão daquele BB, veio a confirmar, quando confrontado com inúmeras avarias, desgaste em várias peças/componentes do veículo, o que significa que o veículo nunca poderia ter a quilometragem constante do quadrante, mas uma quilometragem muito superior.
45.ª) A testemunha BB, que foi parte no anterior processo, mas manteve a dinâmica anteriormente mostrada, relatando os factos de forma natural e fluida, demonstrando que o apelante se socorreu de evasivas, tentando furtar-se à sua responsabilidade, enganando esta testemunha ao dizer-lhe que o veículo tinha sido propriedade de uma pessoa amiga, o que não era verdade como o apelante bem sabia, omitindo que o veículo fora táxi, como sabia ainda antes de adquirir o veículo em leilão, esquivando-se ao pedido desta testemunha para que assumisse as suas responsabilidades, atento o facto de necessitar de um veículo para deslocações pessoais que tinha de realizar com frequência e, ainda, o facto de ter contraído um crédito para um carro, do qual não podia fruir plenamente.
46.ª) A testemunha FF referiu em julgamento que a B..., tal como acontecia e acontece com outros carros, fazia e faz um relatório exaustivo dos mesmos aquando da sua entrada na leiloeira, sendo que um dos seus colegas, que era e é chefe de parque da leiloeira, logrou apurar que o carro em crise havia sido táxi. Indicou que deram conta desse facto à apelada, a qual, de forma alguma, quis escamotear ou enganar alguém, muito menos pediu para omitir essa informação, pelo contrário, apurado tal facto foi dito pela apelada à B... que tal facto da viatura ter sido táxi passasse a constar do referido relatório.
47.ª) Quanto às declarações de parte do apelante AA, ainda que seja parte e tenha interesse na matéria em apreço, o que é facto é que se trata dum depoimento deplorável, cheio de mentiras, de contradições.
48.ª) Não obstante ter sido conhecedor de elementos determinantes, designadamente o facto do veículo ter sido táxi, o apelante “confiou na sorte”, ignorou o desgaste do veículo, ignorou as queixas do comprador BB, ignorou a informação e o relatório elaborado pela B..., ignorou a informação em como o veículo era táxi, ou seja, ignorou pontos essenciais, chegando a dizer que não deu importância, tentando por via de dois processos judiciais evadir-se à sua responsabilidade.
49.ª) O depoimento da testemunha GG, funcionário da B... e responsável pela elaboração do relatório supra citado, referiu lembrar-se do apelante como comerciante do ramo automóvel e frequentador das instalações da B..., aliás, não podia ser de outra maneira, pois se assim não fosse, não poderia participar nos leilões, referindo que tido aquilo que colocou no supra citado relatório, incluindo a informação da viatura ter sido táxi, era de conhecimento de todos quantos, comerciantes, os que lá se encontravam, não só os interessados, e que pretendessem licitar a viatura aqui em questão, mais referindo que a dita informação, de ter sido táxi, foi também divulgada pelo pregoeiro.
50.ª) Por fim, e quanto ao depoimento da testemunha HH, funcionário da apelada, trouxe desde logo “para cima da mesa” uma informação importante que descredibiliza a tese do apelante, quanto à responsabilidade e conhecimento da situação, por parte da apelada e que se cinge ao número de kms. Esta testemunha foi peremptória em afirmar que, aquando da retoma, caso tivessem sabido que o veículo tinha sido táxi, ou tivessem sabido que o número de kms tinha sido adulterado, já nem sequer faziam negócio.
51.ª) Ao contrário do alegado pelo recorrente, o direito de regresso invocado por aquele assenta num contrato de compra e venda comercial de coisa (no caso veículo usado) defeituosa, e não nos termos do disposto nos artigos 7 e 8 do Decreto Lei 67/2003 – Lei de Defesa do Consumidor.
52.ª) Entende a apelada que tal diploma legal não tem aplicação ao caso em apreço, porém, e se por mera hipótese académica se admitisse, mesmo assim, o desfecho da presenta ação seria o mesmo – a sua improcedência total.
53.ª) Como já acima se referiu, nos presentes autos, tendo o apelante comprado, enquanto comerciante de automóveis, a viatura automóvel ao longo desta peça referida, através da leiloeira B..., viatura essa aí depositada para leilão pela apelada, esta compra e venda, nos termos em que o foi, assume tal contrato natureza comercial – conforme artigo 2º do Código Comercial.
54.ª) Então, estamos perante um contrato de compra e venda comercial de coisas defeituosas, pelo que, a tal contrato devem aplicar-se as normas do Código Comercial, só sendo admissível o recurso às normas do direito civil para preencher as lacunas do direito comercial.
55.ª) Assim sendo, e ao contrário do que é pretendido pelo apelante, nunca o referido contrato de compra e venda se subsume às regras da Lei de Defesa do Consumidor.
56.ª) Reproduzindo o Tribunal a quo na sua Decisão, “…no caso concreto, é essencial referir o disposto no art.º 471.º do Código Comercial, que prevê um regime de denúncia dos defeitos da coisa objecto do contrato. Segundo este normativo, “as condições referidas nos dois artigos antecedentes haver-se-ão por verificadas e os contratos como perfeitos, se o comprador examinar as cousas compradas no acto da entrega e não reclamar contra a sua qualidade, ou não as examinando, não reclamar dentro de oito dias”.
57.ª) Conforme bem diz o Tribunal a quo na sua Sentença, “Como havia sido dado como assente na acção ..., a desconhecia essa adulteração e não teve intervenção nesse processo de alteração da quilometragem. Não foram carreados factos novos para esta nossa acção susceptíveis de abalar essa realidade e permitir a imputação à da responsabilidade pelos defeitos no veículo. Não obstante, como resultava daquela acção e foi reiterado na presente, do relatório que acompanhava o veículo em leilão resultava a menção em como o veículo tinha sido utilizado como táxi, o que, necessariamente, era do conhecimento do vendedor e do comprador, o aqui autor. Por conseguinte, não pode o autor lançar mão desse argumento para dizer que se tivesse tido oportuno conhecimento desse facto não tinha adquirido o veículo, porquanto, esse facto estava ao dispor do autor e foi o próprio que reconheceu “não dar muita importância aos papéis que estavam no interior do veículo”. Em face do exposto, não foram provados factos susceptíveis de imputar à responsabilidade pela circunstância do veículo ter sido vendido com a quilometragem alterada, aliás, como antes dissemos, da acção anterior derivou o seu contrário o desconhecimento e não intervenção da nesse evento -. E não seria exigível outra conduta à quando esta se muniu de relatórios de inspecção obrigatória que haviam classificado o veículo automóvel como aprovado, nada denotando quanto à quilometragem.
Por outro lado, a informação quanto à utilização anterior do veículo como táxi estava disponível para o autor no momento do leilão. A ausência de memória por parte do autor quanto a essa informação e se interiorizou ou não a mesma, não se assumiu razoável, sobretudo, tratando-se de um comerciante de veículos usados, que faz disto a sua actividade comercial e, portanto, habituado a adquirir veículos usados, do que se infere que todos os pormenores de caracterização de um veículo como a sua utilização anterior sejam ponderados pelo comprador comerciante, em particular num leilão onde podiam participar comerciantes.”.
58.ª) O apelante no caso em apreço demonstrou ser um comerciante sem escrúpulos, enganando intencionalmente o comprador BB quanto às características do veículo. Mas, mais grave ainda, depois de ter sido demandado no processo ..., e de ter tido a oportunidade, inclusive, de ter evitado tal processo judicial, repondo a verdade e com isso resolver a situação do BB, o qual em Tribunal referiu ter estado sempre à espera do apelante para resolver as coisas de forma extrajudicial, mas não, o apelante, demonstrando uma insensibilidade atroz, só mesmo condenado, e depois de Sentença transitada em julgado, é que ressarciu o dito BB. Mas fê-lo porque foi obrigado!
59.ª) Por fim, mesmo que se por mera hipótese académica se entendesse que ao direito de regresso alegado pelo apelante se aplicava a Lei de Defesa do Consumidor, acima referida, o que não se concebe, não se aceita e não se admite, mesmo nessa situação, atenta toda a factualidade dada como provada e não provada, quer nos presentes autos, quer nos autos ..., o desfecho da presente ação teria que ser o mesmo, ou seja, a improcedência total da presente ação, sob pena, se assim não fosse, da clara existência de um manifesto ABUSO DE DIREITO.
60.ª) O apelante se pagou uma elevada indemnização, nas palavras daquele, tal só ao mesmo se deve, isto porque, se o mesmo fosse imbuído de alguma seriedade e boa fé, quiçá nunca teria adquirido o automóvel na B..., e/ou, tendo-o feito, procuraria reparar devidamente a viatura, informando potenciais clientes de que o carro já tinha sido táxi e, numa última hipótese, caso não fizesse nada disso, como veio a acontecer, sempre poderia ter chegado a acordo extrajudicial com o referido comprador BB, por exemplo anulando o negócio, evitando processos judiciais desnecessários e potenciais condenações severas, como veio a acontecer no processo ....
61.ª) Como em boa gíria popular se costuma dizer, o apelante “fez a sua cama e, agora, vai ter que se deitar nela.”.
62.ª) Agora o que o apelante não pode, é arrastar a apelada para algo do qual a mesma é completamente alheia e não responsável.
63.ª) Seja por que legislação fosse, a presente ação, atenta a má fé demonstrada pelo apelante, quer nestes autos, quer nos anteriores, só poderia soçobrar.
64.ª) Pela descrição apresentada, o Recorrente, não só pela sua experiência profissional, como pela descrição que acompanhava o veículo quando o adquiriu na leiloeira, não podia deixar de conhecer que o veículo não apresentava as características que referiu ao comprador BB e que foram essenciais para este o adquirir. E, se o conseguiu vender ao dito BB, foi porque usou de engano, de mentira.
65.ª) O objectivo da apelante é obter em seu proveito a modificação total da douta sentença recorrida, sem para tal ter fundamento.
66.ª) Ou pelo menos protelar algo irremediável e decidido pelo Tribunal a quo.
67.ª) A Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo” decidiu bem, quer de Facto, quer de Direito.
68.ª) Pelas razões supra expostas, temos como certo e estamos crentes, assim doutamente se entenderá, que muito bem andou e julgou a M. Juiz do Tribunal a quo, devendo manter-se na íntegra a douta decisão por este proferida, declarando totalmente improcedente a ação proposta pelo apelante.
69.ª) A sentença proferida, no entender da Recorrida, não merece qualquer reparo a fazer relativamente à matéria colocada em crise por parte do Recorrente, motivo pelo qual deve ser mantida, tal qual se encontra.
TERMOS em que, negando provimento ao Recurso e mantendo a douta Sentença recorrida nos precisos termos em que foi proferida, farão V. Exas., aliás, como sempre, inteira e JUSTIÇA.
Nestes termos e nos melhores de Direito que Doutamente foram supridos, a Douta Decisão deve ser mantida porque está elaborada em harmonia com a fundamentação fáctica e de direito, que não têm qualquer contradição ou defeito que a invalide, negando-se por isso provimento ao recurso para que seja feita JUSTIÇA.
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O recurso foi admitido nos termos que constam do despacho com a ref.ª electrónica 133891139, de 16/07/2024.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

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II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Considerando que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, sem prejuízo da apreciação por parte do tribunal ad quem de eventuais questões que se coloquem de conhecimento oficioso, bem como da não sujeição do tribunal à alegação das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (cf. artigos 5.º, n.º 3, 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do C.P.C.), as questões a tratar no âmbito do presente recurso são as seguintes:
a) aferir se a decisão proferida sobre a matéria de facto deve ser alterada, considerando-se provados os Factos 6) e 7) que, na sentença recorrida, foram julgados não provados;
b) averiguar, com base na pretendida alteração da matéria de facto ou independentemente dela, se o A., nos termos do disposto no artigo 7.º do DL 67/2003, de 8-04, goza de direito de regresso contra a R. por todos os prejuízos que sofreu por causa da condenação que lhe foi dirigida na acção judicial que lhe foi intentada por BB;
c) aferir, em caso de resposta afirmativa à anterior questão, se o A. exerceu tempestivamente o respectivo direito de regresso;
d) determinar se os pedidos deduzidos pelo A. contra a R. devem, total ou parcialmente, proceder.
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Não emergindo outros assuntos que devam ser conhecidos oficiosamente, impõe-se avançar, de seguida, para a análise das questões enunciadas.

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III – FUNDAMENTAÇÃO

A) Da matéria de facto
1. Para resolver as questões enunciadas, cumpre atentar, antes de mais, na factualidade que foi dada como provada na decisão recorrida, a qual foi a seguinte:
A. Correu termos neste Juízo Local Cível a acção declarativa sob a forma de processo comum sob o nº ..., intentada por BB contra AA.
B. Nessa acção foi requerida a intervenção de B..., Lda., de A..., Lda. e de CC.
C. AA é o autor na presente acção.
D. Em sede de sentença proferida na acção referida em A., datada de 06.03.2019, foram julgados como provados os seguintes factos que aqui se dão por integralmente reproduzidos:
1) O réu AA dedica-se à comercialização de veículos automóveis, possuindo um stand, sediado na Rua ..., ..., em ....
2) Em 25 de Março de 2015, o autor adquiriu ao réu AA, pelo preço de €10.000,00, o veículo automóvel ligeiro de passageiros, no estado de usado, da marca ..., modelo ..., com a matrícula ..-CS-.., a gasóleo, com data de matrícula de 10/01/2007, cujo conta-quilómetros indicava, refere-se no documento de venda, 184.000Kms.
3) O preço acordado foi pago mediante a entrega de uma viatura da marca ..., de que o autor era proprietário, à qual foi atribuído o valor de €4.000,00.
4) E da quantia de €6.000,00, que o autor obteve através de recurso ao crédito.
5) O réu garantiu ao autor que o veículo em causa, embora usado, se encontrava nas melhores condições, apresentando qualidade e desempenho adequados a um veículo da mesma marca, categoria e quilómetros.
6) A entrega do veículo ocorreu no dia 25 de Março de 2015.
7) O autor adquiriu o veículo para seu uso pessoal e do respectivo agregado familiar, em especial, para deslocação e viagens da sua família e transporte dos seus pais.
8) O veículo CS é do tipo familiar, com a lotação máxima de 7 pessoas.
9) Decorrido algum tempo da compra, concretamente, cerca de um mês depois, o veículo começou a apresentar sucessivas avarias ao nível do motor e da caixa de velocidades, que o impedem de circular normalmente, em concreto: a. Fugas de óleo pelo motor. b. O veículo não atingia a velocidade esperada no tempo médio de reacção (“não desenvolvia”). c. A caixa de velocidades apresentava folgas. d. As mudanças de velocidade “saltam” quando o veículo está em andamento.
10) Por três vezes, pelo menos ao longo dos três meses subsequentes ao referido em 9) e com conhecimento do réu, o veículo foi levado ao mecânico para reparação, permanecendo uma das vezes na oficina durante duas semanas, cujo custo foi por aquele suportado.
11) Apesar disso, o veículo voltou sempre com os mesmos problemas ao nível do motor e caixa de velocidades.
12) Os quais se mantêm.
13) Em Janeiro de 2016, o autor dirigiu-se a uma garagem da marca ..., onde, depois de verificado o veículo, lhe foi referido que o mesmo necessitava de uma intervenção para ficar apto a circular, na ordem dos €12.415,74.
14) O autor recorreu ainda a um mecânico da sua confiança, que, perante a observação do veículo, concluiu que o mesmo teria de ter um desgaste muito superior à quilometragem que efectivamente apresentava à data da compra.
15) Das pesquisas efectuadas em Janeiro de 2016, o autor apurou que, em 06/01/2014, o veículo tinha 799.728Kms.
16) Até Janeiro de 2016, o autor realizou com o veículo pouco mais de 4.000Kms.
17) Mediante carta datada de 04/02/2016, recebida pelo réu no dia 10 subsequente, o autor comunicou-lhe: “Vimos pela presente comunicar-lhe que tomei agora conhecimento que a viatura que me venderam, em Abril de 2015, com matrícula ..-CS-.. (…), com 170.000Kms foi objecto de infidelidade relativamente aos KM. Na verdade, depois dos sucessivos problemas que o veículo tem vindo a apresentar, os quais lhes tenho vindo a comunicar e que “tentaram” solucionar, sem que tal ocorresse de forma eficaz, e de, por vossa sugestão, ter levado o veículo a um mecânico da minha confiança, foi apurado que o veículo, nesta data, apresenta uma quilometragem muito superior àquela que me foi dada a conhecer aquando da compra (em Abril de 2015). Depois de verificado na marca foi confirmado que à data de 06.01.2014 o veículo já apresentava 799.728Kms, uma quilometragem muito superior àquela que hoje apresenta (179.000KM). (…)”.
18) Missiva à qual o réu respondeu referindo, além do mais, que: “… informamos ainda que tal veículo nos foi vendido a nós nas exactas condições em que fizemos negócio com V. Excia, sendo que a verificar-se tal eventual alteração ou viciação do mecanismo de registo de quilómetros, tal facto é-nos absolutamente alheio”.
19) O veículo possui ainda problemas na parte eléctrica, os sensores dos cintos de segurança não funcionam, os eixos apresentam fixações deficientes ao chassis, os sinoblocos do 2.º eixo estão deteriorados, a suspensão apresenta diferença de eficiência no 2.º eixo superior a 30%.
20) A caixa de velocidade está partida e foi preenchida com solda.
21) Ao tomar conhecimento dos quilómetros do veículo e dos problemas mecânicos que o veículo apresentou e continua a apresentar, o autor receia conduzir o veículo, com medo de que ocorra qualquer incidente.
22) Em 27/12/2016, o veículo foi sujeito a inspecção técnica periódica, que confirmou as deficiências descritas em 19), com excepção da parte eléctrica e cintos de segurança.
23) As quais afectam gravemente as condições de funcionamento do veículo e as suas condições de segurança.
24) Na sequência dessa inspecção, o veículo veio condicionado à possibilidade de circular até à reinspecção, sem passageiros e sem carga.
25) O veículo encontra-se imobilizado desde 26/01/2017.
26) A efectiva quilometragem do veículo reflecte-se no estado e desgaste, entre outros, do motor, da caixa de velocidades, diferencial, travões, ligações eléctricas, sensores, centralina e eixos.
27) Se, à data da aquisição, o autor tivesse conhecimento que o veículo tinha pelo menos 799.728Kms, nunca o teria adquirido.
28) O autor tem tido muitos incómodos com o veículo.
29) É uma pessoa simples e humilde, que teve de recorrer a um empréstimo bancário para comprar o veículo.
30) O que tem custos e encargos que o autor tem assumido.
31) Apesar de não usufruir em pleno do veículo.
32) O autor teve necessidade de adquirir outro veículo para poder responder às necessidades do seu agregado familiar.
33) E para o efeito teve de recorrer a outro empréstimo bancário para o comprar.
34) O autor encontra-se assim a pagar duas mensalidades.
35) Desde 26/01/2017 até Fevereiro de 2018, o autor pagou €2.106,65 relativamente a prestações bancárias relativas à aquisição do CS, cujo valor mensal ascende a €162,05.
36) O veículo encontra-se imobilizado na garagem de um vizinho do autor.
37) O autor terá de continuar a pagar as prestações do crédito bancário até Abril de 2019, data em que o contrato terminará.
38) De imposto de selo e juros do empréstimo bancário contraído para aquisição do CS, o autor suportou a quantia de €1.827,48.
39) O autor pagou o IUC de 2017 e 2018 do veículo CS, no valor de €84,44.
40) O veículo não permite uma condução normal, segura e prazerosa, porque o autor e ocupantes temem pela sua segurança dentro do veículo.
41) O autor sente a sua liberdade e a da sua família limitada, o que lhe provoca grande desgaste psicológico e emocional.
42) Desde que tomou conhecimento da alteração dos quilómetros, o autor sente-se enganado, defraudado e incapaz de, por si só, resolver a situação.
43) A inércia do réu causa-lhe angústia, porque tem de pagar uma prestação mensal para liquidar um crédito sem poder usufruir em pleno do bem para cuja aquisição o mesmo foi contraído.
44) A acção foi proposta em 30/12/2016.
45) O réu foi citado para os termos da acção em 04/01/2017.
46) Consta da cláusula 1.ª, parágrafo 3, alínea b) do acordo escrito celebrado entre autor e réu no dia 25/03/2015, que: “O vendedor vende o veículo com o desgaste e deterioração resultantes da sua idade e utilização”.
47) Nas alíneas d) e e) do parágrafo 3 da cláusula 1.ª consta: “d) o vendedor não está em condições de garantir a veracidade dos quilómetros apresentados no conta quilómetros em virtude de não ter o perfeito conhecimento do seu historial; e) o comprador compra a viatura com perfeito conhecimento da possibilidade dos quilómetros apresentados no conta quilómetros poderem não corresponder aos reais quilómetros de utilização desta”.
48) Segundo a cláusula 2.ª, parágrafo 2 do mesmo acordo: “Na determinação do preço foram elementos da sua fixação o facto de não ser um veículo novo, o uso e desgaste do veículo e a quilometragem do mesmo”.
49) Consta da cláusula 2.ª parágrafo 2 que: “A garantia da viatura decorrerá por um período de doze meses, contados a partir da data da entrega da viatura ao comprador”.
50) Nos termos da cláusula 3.ª parágrafo 3: “Os órgãos da viatura garantidos são o motor e a caixa de velocidades”.
51) Já segundo o parágrafo 4 da cláusula 3.ª, “Estão excluídos da garantia os restantes órgãos para além dos mencionados no número anterior, designadamente o sistema eléctrico e electrónico, peças de desgaste e os defeitos resultantes da má utilização do veículo”.
52) Nas cláusulas gerais da garantia, subscritas por ambas as partes, consta que: “4. Estão excluídos da garantia os restantes órgãos para além dos mencionados no número anterior, designadamente o sistema eléctrico e electrónico, bomba injectora e injectores, disco de embraiagem, turbo-compressores, peças de desgaste, assim como os defeitos resultantes de uma má utilização do veículo”.
53) O réu adquiriu o veículo CS através de leilão promovido pela B..., Lda.
54) O que fez, em 12/02/2015.
55) A B... entregou ao réu toda a documentação referente ao veículo.
56) Nessa documentação constava que, à data da entrega do veículo ao réu, o mesmo possuía 170.075Kms.
57) E do certificado de inspecção periódica realizada ao veículo em 25/11/2014, entregue pela B... ao réu, constava que o mesmo tinha sido aprovado e nessa data possuía 168.293Kms.
58) Nenhuma adulteração o réu ou alguém a seu mando fez no veículo, designadamente no conta-quilómetros.
59) A menção a 184.000Kms no documento de venda do veículo ao autor deveu-se a mero lapso, já que o mesmo apresentava cerca de 170.075Kms.
60) A B..., Lda. é uma sociedade que se dedica com carácter habitual e escopo lucrativo à actividade de leilões de automóveis.
61) Estabelecendo a mediação entre o vendedor, entendendo-se como tal o “legítimo proprietário do veículo, ou o seu mandatário, que inscreva o mesmo para o leilão” e o comprador, entendido como “o autor do lanço mais alto aceite pelo pregoeiro com o bater do martelo ou através de contrato de compra e venda posterior ao leilão”.
62) Consta da cláusula segunda das condições gerais do leilão, que: “1. As partes no contrato de compra e venda de um lote leiloado são o comprador e o vendedor. (…) 3. A B... não é parte do contrato de compra e venda, nem se responsabiliza pelo seu incumprimento, temporário ou definitivo, ou cumprimento defeituoso, actuando enquanto mandatária do vendedor, sujeita aos termos e condições do mandato que lhe é conferido por este na ficha de inscrição do veículo ou em qualquer documento válido para o mesmo efeito”.
63) Consta da cláusula 4.ª das condições gerais do leilão, que: “Cada viatura apresentada a leilão é aceite pela B... de boa fé, pressupondo e considerando que: b) As informações constantes da ficha de inscrição da viatura são correctas e completas, não existindo qualquer falsidade, inexactidão ou omissão; c) O veículo preenche todas as condições legais necessárias para circulação e venda”.
64) Pela actividade que exerce, a B... apenas recebe uma comissão de venda paga pelo vendedor e uma taxa de aquisição, suportada pelo comprador.
65) O preço de venda reverte exclusivamente para o vendedor.
66) O valor pago pelo réu reverteu para o vendedor, A..., Lda.
67) A B... limitou-se a angariar interessados na aquisição do veículo CS e a mediar a venda.
68) À data da entrada do veículo CS nas instalações da B..., em 26/01/2015, o mesmo apresentava 170.075Kms.
69) Nas instalações da B... não foi efectuada qualquer alteração ao estado do veículo, designadamente na quilometragem.
70) A A..., Lda. dedica-se à comercialização de veículos automóveis usados.
71) No âmbito da sua actividade, a A..., em 06/01/2015, foi abordada no seu stand, por CC, que demonstrou interesse numa viatura que a primeira tinha exposta para venda, da marca ..., modelo ..., com matrícula ..- MN-...
72) Nesse dia foi acordada a venda desse veículo pelo preço de €17.500,00.
73) Para pagamento do preço, CC entregou à interveniente, a título de retoma, o automóvel ..-CS-.., da marca ..., modelo ..., ao qual foi atribuído o valor de €6.750,00.
74) Na altura da compra do veículo pela interveniente, CC entregou-lhe o DUA e uma folha de inspecção periódica, da qual constava que, em 25/11/2014, o veículo CS tinha sido aprovado e apresentava 168.293Kms.
75) Quando o recebeu de CC o CS tinha cerca de 170.000Kms.
76) Após a efectivação do negócio, a interveniente enviou, em 21/01/2015, no estado em que o recebeu, o veículo CS para venda em estabelecimento leiloeiro, concretamente nas instalações da B....
77) Aos estabelecimentos leiloeiros apenas podem aceder comerciantes, tendo estes, previamente ao leilão, a possibilidade de in loco e on-line, vistoriar os veículos expostos.
78) Do auto de recepção do veículo elaborado pela B... em 21/01/2015, consta que o veículo “Tem 7 bancos; vedante da bagageira rasgado; luz do sistema electrónico acesa; consola central perfurada; vedante da porta da frente esquerda rasgado; tem fuga de óleo; viatura já foi táxi; viatura com defeito de pintura”.
79) Estas anotações eram do conhecimento de qualquer comerciante que pudesse estar interessado na compra do CS, incluindo do réu.
80) A A... desconhecia que a viatura pudesse ter uma quilometragem diversa da referida em 68).
81) A A... não alterou a quilometragem do veículo.”

E. Ainda na predita sentença foram julgados como não provados os seguintes factos:
82) O preço de compra do CS pelo autor ao réu tenha sido €11.060,00.
83) Ao veículo referido em 3) foi atribuído o valor de €5.000,00.
84) A quantia mencionada em 4) fosse €6.060,00.
85) O autor acedeu a reduzir a garantia ao prazo de 12 meses, contados da data da entrega da viatura, em virtude do referido em 5).
86) O veículo CS apresenta fugas de óleo pelo cano de escape.
87) Em finais de Novembro de 2016, o veículo voltou a apresentar novo problema na caixa de velocidades.
88) O réu, com conhecimento do referido no ponto precedente, nada fez para resolver o problema.
89) Como solução provisória, foi dada a possibilidade ao autor de ser soldada mais uma vez a caixa de velocidades.
90) A caixa de velocidades precisa de ser substituída.
91) O autor apenas utilizou o veículo em último recurso e para levar a mãe ao hospital, dadas as características que possui e que lhe permitem algum conforto e agilidade.
92) Na inspecção técnica periódica efectuada em 27/12/2016, foram confirmadas as deficiências descritas em 9).
93) O autor paga pela ocupação do espaço aludida em 36), €20,00 mensais, o que comporta €260,00 até Fevereiro de 2018.
94) As prestações do contrato de crédito contraído pelo autor terminarão em Março de 2019.
95) As avarias do veículo foram imediatamente conhecidas pelo autor após a entrega do veículo.
96) A citação do réu ocorreu em 03/01/2017.
97) O réu adquiriu o veículo CS à B..., Lda.
98) Na documentação referida em 56) constava que o veículo CS tinha 170.175Kms.
99) O réu desconhecia que o veículo tivesse outra quilometragem que não a mencionada em 56).
100) A inspecção referida em 57) ocorreu em 10/01/2015.
101) O réu colocou no veículo CS uma embraiagem nova e reparou o sistema de ar condicionado.”.

F. A referida sentença decidiu
a) julgar improcedente a excepção peremptória de caducidade dos direitos do autor.
b) julgar improcedente o pedido de condenação do réu na substituição do veículo objecto do negócio, colocando à disposição do autor um veículo da mesma marca, modelo, ano de matrícula, quilometragem, estado de conservação e preço.
c) Declarar resolvido o contrato de compra e venda celebrado entre o autor e o réu, que teve por objecto o veículo da marca ..., modelo ..., com a matrícula ..-CS-.., e subsequentemente,
d) Condenar o réu a restituir ao autor a quantia de €10.000,00 (dez mil euros) contra a entrega do dito veículo por parte do autor.
e) Condenar o réu a pagar ao autor a quantia de €1.911,92 (mil novecentos e onze euros e noventa e dois cêntimos), acrescida de juros de mora, calculados à taxa de 4%, a contar da citação até efectivo e integral pagamento, absolvendo-o do demais peticionado.
f) Condenar o réu a pagar ao autor, a título de ressarcimento de danos não patrimoniais, a quantia de €3.000,00 (três mil euros), acrescida de juros de mora, calculados à taxa de 4%, contados desde a data da sentença até efectivo e integral pagamento.
g) Condenar o autor e o réu no pagamento das custas processuais, na proporção de 18,69% e 81,31%%, respectivamente, nos termos do artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, atendendo-se ao disposto no artigo 538.º, n.º 1, deste diploma no que tange às intervenientes acessórias.
G. Desta sentença foi interposto recurso de apelação para o Venerando Tribunal da Relação do Porto, este que decidiu julgar improcedente o recurso, mantendo integralmente a sentença proferida.
H. Este acórdão data de 08.10.2019.
I. Nessa acção o aqui autor liquidou a taxa de justiça no valor de €408,00.
J. O aqui autor adquiriu o veículo em apreço a 12.02.2015.
K. O aqui autor procedeu ao pagamento do valor de €15.250,00 a BB a 31.10.2019.
L. O veículo ..., foi entregue ao aqui autor pelo BB em 31/10/2019.
M. O autor dedica-se à compra e venda de veículos usados.
N. A ré A... também se dedica à comercialização de veículos automóveis usados.
O. O aqui autor foi citado no âmbito da acção nº ... a 04.01.2017., apresentou contestação a 08.02.2017 e nela requereu, apenas, a intervenção de B..., S.A.
P. A presente acção deu entrada em juízo a 29.11.2019.
Q. A 1ª ré foi citada nestes autos a 10.12.2019.
R. O réu chamado CC foi citado nesta acção a 13.03.2020.
S. O réu chamado DD foi citado nestes autos a 09.11.2020.
T. O réu chamado EE foi citado por éditos.

Ao invés, na sentença recorrida foi dado como não provado:
1) Que o autor só passou a conhecer a identidade de quem vendeu o veiculo aqui em causa à B... e a responsabilidade deste vendedor após o chamamento à demanda da B..., mais concretamente através da contestação que esta apresentou na acção nº ..., até porque o documento que foi entregue ao autor pela B..., quando adquiriu o veiculo não referia quem procedia à venda.
2) Que a 1ª ré tenha omitido a informação ao autor de que o veículo tinha sido utilizado como táxi.
3) Que o autor não tenha tomado conhecimento de que o veículo tinha sido usado como táxi.
4) Que o veículo ... assuma um valor comercial não superior a €500,00.
5) Na acção nº ... o autor suportou o pagamento de €1500,00 a título de honorários com mandatário e na presente acção suportou o pagamento de €2.000,00 também a esse título.
6) Que tenha sido do conhecimento público que o autor realizou a venda de veículo com a quilometragem adulterada, o que causou vergonha e desgosto ao autor.
7) Que a imagem comercial do autor, o seu bom nome e a sua credibilidade enquanto vendedor de veículos usados, tenha ficado afectada com a comercialização de um veículo com a quilometragem adulterada.

2. A recorrente, em cumprimento do disposto no artigo 640.º, n.º 1, do Código do Processo Civil, apenas impugnou especificadamente os pontos de facto não provados 6) e 7) acima referidos, pugnando para que os mesmos sejam julgados provados.
A matéria de facto em causa refere-se à vergonha e ao desgosto que o ora A. alegou ter sofrido por ter sido do conhecimento público que havia vendido um veículo com a quilometragem adulterada e aos danos de imagem e reputação que, enquanto profissional do ramo da venda de veículos usados, sofreu por causa disso.
Compulsada a motivação constante da sentença recorrida, verifica-se que os pontos de facto 6) e 7) foram julgados não provados em virtude de os mesmos, para além de não terem resultado de prova documental, não terem sido referidos pelas testemunhas ouvidas na audiência de discussão e julgamento, nem sequer pelo Autor, já que este “[e]m momento algum descreveu aquilo que alegou como vergonha ou lesão do seu bom nome, credibilidade ou imagem comercial…”.
Sustenta agora o Recorrente/A. que a referida matéria de facto devia ter sido dada como provada face ao teor da “petição inicial”, dos “documentos juntos pelo A com a petição inicial, designadamente a sentença proferida pelo Tribunal recorrido na acção ....e o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto” e, àquelas que foram “as declarações da testemunha BB, prestadas na sessão de julgamento do dia 28 de Setembro de 2023”, conforme depoimento gravado no programa "Habilus Media Studio", com início às 15h57 m e fim às 16h21m.
Sucede que a petição inicial, peça processual apresentada por quem propõe a acção (cf. artigo 552.º do Código do Processo Civil), não encerra qualquer valor probatório, pois, obviamente, não tem por função a demonstração da realidade de factos mas, sim, apresentar os factos que o autor alega, indicar as suas razões de direito e formular o pedido. Por outro lado, analisada a certidão junta aos autos da acção declarativa n.º ... que correu termos no Juízo Local Cível de Oliveira de Azeméis, verifica-se que neste processo não foi analisada nem apurada qualquer factualidade atinente às consequências que advieram para o ora A., AA, devido ao litígio que surgiu entre ele e BB, matéria que, de todo, não foi apurada quer na sentença que ali foi proferida em primeira instância, nem no acórdão posteriormente proferido em sede de recurso no Tribunal da Relação do Porto. Desta forma, impossível se mostra recolher qualquer apoio documental para, tal como pretende o recorrente, se alterar a decisão que, no âmbito dos presentes autos, julgou não provados os pontos de facto 6) e 7).
Finalmente, procedendo-se à audição das declarações prestadas na audiência de discussão e julgamento dos presentes autos pela testemunha BB, também não se detecta qualquer fundamento para alterar aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo. Com efeito, sem prejuízo de a testemunha, por várias vezes, ter manifestado o seu desagrado pela conduta do ora A., (dizendo até, a dado passo, que se sentiu “gozado” por ele), jamais emergiu do respectivo depoimento sequer que tivesse propalado publicamente esse seu sentimento ou que, de alguma forma, os problemas com que se confrontou tivessem estado na origem de eventuais comentários públicos sobre a honorabilidade do ora A..
Assim, e porque a análise global da prova produzida nos autos, mesmo com recurso aos demais documentos existentes nos autos e aos demais depoimentos prestados na audiência, não permite efectuar juízo diferente daquele que foi efectuado na primeira instância quanto aos pontos de facto 6) e 7), considera-se que nenhuma censura merece a decisão que julgou tais factos como não provados, pelo que se julga improcedente a impugnação que, quanto à mesma, foi apresentada pelo recorrente.

B) Do direito
3. Estabilizado que a factualidade em que se deve basear a decisão sobre o mérito da causa é a mesma que foi fixada na primeira instância, cumpre agora abordar as demais questões (agora de cariz jurídico) que se suscitam no âmbito do presente recurso.
A primeira das referidas questões versa sobre o facto de o A. gozar ou não de direito de regresso contra a R. por causa dos prejuízos que sofreu em consequência da condenação que lhe foi dirigida na acção judicial que BB lhe moveu devido aos defeitos da viatura de matrícula ..-CS-.. (marca ..., modelo ...) que este adquiriu.
Na sentença recorrida, esse direito não foi reconhecido, por ter sido efectuado um raciocínio jurídico no sentido de que, tendo sido celebrado entre a R. e o A. um contrato de compra e venda comercial, não foi feita prova da culpa da R. relativamente aos defeitos que o bem vendido (um veículo automóvel) apresentava, já que a R., vendedora, desconhecia as anomalias existentes, designadamente a adulteração da quilometragem do veículo, processo no qual não teve qualquer intervenção. Por esse motivo, o tribunal a quo considerou não ser possível imputar à R. qualquer responsabilidade pelos defeitos do veículo, mais afirmando, especificamente em relação ao direito de regresso que o A. sempre alegou possuir nos termos do DL nº 67/2003, de 08-04, que “[c]ompetia ao autor comprador provar o vício do veículo e/ou a impossibilidade de o detectar anteriormente, desiderato que não logrou alcançar, não tendo demonstrado que o vício do veículo quanto à quilometragem já existia aquando da sua entrega pela 1ª ré e que esta disso tinha conhecimento, não se encontrando fundamento para o exercício do direito de regresso contra a 1ª ré”. Acrescenta-se ainda na sentença recorrida que o A. também “não conseguiu demonstrar que desconhecia a circunstância do veículo ter sido utilizado como táxi e que, caso tivesse tido conhecimento, não teria adquirido o veículo automóvel” e, por fim, que, mesmo que se considerasse que “o autor tinha demonstrado factos tendentes ao exercício de um direito de regresso contra a R.”, sempre se teria que reconhecer que o direito de acção do A. havia caducado, pois o mesmo não reclamou contra a qualidade da coisa que adquiriu dentro do prazo de 8 dias previsto no artigo 471.º do Código Comercial, facto que, na óptica do tribunal a quo, determina a “preclusão da possibilidade do comprador exercer todos os direitos que a lei confere em caso de incumprimento do outro contraente”.
Dos factos provados resulta claramente que, A. e R, no ano de 2015, celebraram um contrato de compra e venda de um veículo automóvel (cf. artigo 874.º do Código Civil), pois, ainda que esse negócio se tenha concretizado na sequência de um leilão promovido pela sociedade B..., Lda., esta empresa mais não assumiu do que um papel de mediação entre a vendedora e o comprador do bem leiloado. Por outro lado, uma vez que está demonstrado que tanto o A. como a R. se dedicam profissionalmente à comercialização de veículos automóveis usados, dúvidas não há de que, quer atendendo à natureza do acto (cf. artigo 463.º, 1.º do Código Comercial), quer à qualidade das partes (cf. artigo 13.º do Código Comercial), é aplicável ao contrato celebrado a lei comercial, circunstância que não obsta, no entanto, à aplicação subsidiária das normas do Código Civil (cf. artigos 1.º, 2.º e 3.º do Código Comercial). Desta forma, considera-se, igualmente, isento de dúvidas de que se aplicam ao contrato de compra venda celebrado entre as partes as regras gerais do cumprimento (artigos 762.º e seguintes do Código Civil) e do não cumprimento das obrigações (artigos 790.º e seguintes do Código Civil), bem como, na parte não coberta por normas específicas do Código Comercial, o regime previsto ao nível dos artigos 913.º e seguintes do Código Civil para as situações em que se venha a verificar que a coisa vendida esteja afectada de “vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim”.
O regime jurídico da venda de bens defeituosos coloca ao dispor do comprador que se confronta com a existência de defeitos na coisa que adquiriu vários meios de tutela que o mesmo poderá fazer valer em relação ao vendedor [1]. Conforme princípio geral da responsabilidade civil, porém, o exercício pelo comprador dos direitos que lhe assistem pressupõe que se encontre demonstrada a culpa do devedor, demonstração esta que, em sede de responsabilidade contratual se encontra facilitada, pois, de acordo com o disposto no artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil, “[i]ncumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua”.
Sucede que a disciplina legal que acaba de ser referida não é a única que rege em sede de venda de coisas defeituosas, já que existem outros diplomas que regulam situações contratuais específicas em que se podem verificar anomalias das coisas vendidas. É o caso dos diversos instrumentos que, com vista a assegurar a protecção dos interesses dos consumidores, têm sido aprovados para disciplinar alguns aspectos da venda de bens de consumo, entre os quais importa chamar aqui à colação o Decreto-Lei nº 67/2003, de 8-04, que, apesar de em 1 de Janeiro de 2022 ter sido revogado pelo DL n.º 84/2021, de 18-10, se aplica aos contratos celebrados desde a data da sua entrada em vigor até à data da sua revogação [2], abrangendo, assim, o período temporal em que se verificou não só a aquisição pelo A. do veículo automóvel de matrícula ..-CS-.. (12-02-2015), como também a subsequente venda da viatura a BB (25-03-2015).
O DL n.º 67/2003, de 8-04, transpôs para a nossa ordem jurídica a Directiva n.º 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho de 25 de Maio de 1999, tendo, com o fito de proteger os interesses dos consumidores adquirentes de coisas defeituosas, estabelecido um regime que, entre o mais, assegura que o vendedor responda perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe é entregue (atribuindo ao consumidor o direito de exigir do vendedor a reposição da conformidade sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato), mas que, paralelamente, permite ao consumidor optar por exigir directamente do produtor a reparação ou substituição do bem (cf. artigos 3.º, 4.º e 6.º).
De qualquer modo, para que, sem prejuízo da primordial tutela dos direitos do consumidor, a responsabilidade última pelos defeitos dos bens de consumo possa incidir sobre os efectivos responsáveis, estabelece-se no artigo 7.º do DL nº 67/2003, de 8-04, que o vendedor que tenha satisfeito ao consumidor um dos direitos que assistem a este devido a desconformidades da coisa (bem como a pessoa contra quem foi exercido o direito de regresso) goza de direito de regresso contra o profissional que lhe vendeu a coisa, por todos os prejuízos causados pelo exercício daqueles direitos. Este direito de regresso rege-se por pressupostos próprios que se evidenciam tanto ao nível das normas específicas ínsitas no próprio artigo 7.º (das quais se destaca o n.º 3 que dispõe: “[o] demandado pode afastar o direito de regresso provando que o defeito não existia quando entregou a coisa ou, se o defeito for posterior à entrega, que não foi causado por si”), como ao nível das respectivas condições de exercício (estabelecidas no artigo 8.º).
Resulta do exposto que os mecanismos de responsabilização dos profissionais que hajam tido intervenção na cadeia de contratos de compra e venda que culmina com a aquisição por um consumidor final de um bem defeituoso, previstos no DL nº 67/2003, de 8-04, obedecem a requisitos próprios, perfeitamente autónomos daqueles que enformam o regime jurídico da venda de coisas defeituosas previsto no Código Civil (e que se aplica subsidiariamente no campo das compras e vendas comerciais). A tutela dos direitos dos consumidores justifica que, sempre que estes comprem bens a pessoas que fazem da venda de bens de consumo actividade profissional, exista um regime específico que melhor garanta a possibilidade de eles, caso se confrontem com desconformidades da coisa adquirida, obterem a reparação ou substituição desta ou, então, a resolução do contrato que celebraram ou a redução adequada do preço da coisa, sem prejuízo, ainda, de, nos termos gerais do direito, serem indemnizados dos prejuízos que hajam sofrido [3]. Todavia, para que que os profissionais que satisfaçam aos consumidores os direitos que lhes assistem não fiquem desprotegidos (nomeadamente o vendedor final que, à luz deste regime, fica sempre responsável pela conformidade do bem perante o consumidor) justifica-se que, paralelamente, existam meios específicos para que esses profissionais possam repercutir, dentro da mesma cadeia contratual, os prejuízos da reposição da conformidade a que foram obrigados, gozando, por isso, do direito de regresso especialmente regulado nos artigos 7.º e 8.º do DL n.º 67/2003, de 8-04.
Aqui chegados, estamos em condições de afirmar que a disciplina legal do DL n.º 67/2003, de 8-04, é aplicável ao contrato de compra e venda do veículo automóvel de matrícula ..-CS-.. que, em 23-05-2015, foi celebrado entre BB (como comprador) e o ora A. e recorrente AA (como vendedor), pois o contrato teve como objecto um bem de consumo e foi celebrado entre um profissional e um consumidor (cf. artigo 1.º-A e as definições legais constantes do artigo 1.º-B do DL nº 67/2003, de 8-04). Consequentemente, uma vez que o ora A. foi demandado judicialmente por causa dos defeitos que a viatura apresentava e, por força da condenação que lhe foi dirigida na acção declarativa comum n.º ... do Juízo Local Cível de Oliveira de Azeméis, foi obrigado não só a restituir ao comprador/consumidor BB a quantia de €10.000,00 (dez mil euros) que havia recebido pela venda do veículo (contrato que o tribunal declarou resolvido), como também uma quantia de 1.911,92 €, acrescida de juros, e um quantitativo 3.000,00 €, para ressarcimento dos danos não patrimoniais sofridos por BB, afigura-se-nos também claro que o recorrente AA, a partir do momento em que procedeu aos pagamentos devidos ao consumidor, face ao disposto no artigo 7.º, n.º 1, do DL nº 67/2003, de 8-04, passou a gozar de direito de regresso contra o profissional a quem adquiriu o veículo, por todos os prejuízos que lhe foram causados pela demanda.
Assim, como se encontra apurado nos autos também que foi a ora Ré, a sociedade A..., Lda, a entidade que, no âmbito da sua actividade profissional, havia vendido o veículo automóvel em apreço ao ora A. e recorrente, resta apurar se a mesma pode ou não afastar o aludido direito de regresso.
O tribunal a quo entendeu não ser possível imputar à Ré qualquer responsabilidade pelo ressarcimento dos danos alegados pelo A., fundamentalmente, por não sido feita prova da culpa da Ré relativamente aos defeitos que o veículo vendeu apresentava.
Sucede que, à luz do regime estatuído no do DL nº 67/2003, de 8-04, o direito de regresso do vendedor que satisfaz direitos do consumidor, assim como os eventuais direitos de regresso subsequentes que sejam exercidos contra profissionais que, dentro da mesma cadeia contratual, hajam anteriormente vendido a coisa, operam independentemente de considerações de culpa. Toda a construção do diploma legal foi concebida, acima de tudo, para conferir protecção acrescida ao consumidor que se depara com desconformidades da coisa que adquire, o que, sem prejuízo de outras faculdades que foram colocadas ao dispor deste, levou a que se estabelecesse um mecanismo de responsabilidade objectiva do profissional a quem ele comprou o bem de consumo, o qual, para além de ter que arcar com a presunção da existência do defeito no momento da entrega do bem (cf. artigo 3.º, n.º 2, do DL nº 67/2003, de 8-04), não pode também opor ao consumidor o eventual facto de o vício não resultar de qualquer conduta (activa ou omissiva) sua. Nessa sequência, para evitar que os vendedores finais sofram prejuízos por causa de defeitos resultantes de actos ou omissões de outras pessoas, suportando o custo de ter que satisfazer os direitos do consumidor de forma claramente desproporcionada e injusta em relação aos demais profissionais inseridos na mesma cadeia contratual, o legislador criou um sistema que permite o exercício de direitos de regresso sucessivos entre esses diversos profissionais (em “cascata”) até se chegar ao verdadeiro responsável pelo defeito ou, no limite, ao produtor do bem de consumo. O direito de regresso tem como objectivo último transferir todos os custos da satisfação dos direitos do consumidor para aquele que seja o real e efectivo responsável pela falta de conformidade do bem, sem onerar de forma injusta, contudo, os profissionais que estão numa posição da cadeia de contratos mais próxima do consumidor, designadamente os vendedores finais. Por isso, assim como a responsabilidade destes perante o consumidor é objectiva, também lhes deve ser reconhecido um direito de regresso que não permita que os vendedores intermédios invoquem motivos subjectivos para a arredarem a sua responsabilidade pelo ressarcimento pelos prejuízos decorrentes da satisfação dos direitos do consumidor, gerando-se, deste modo, um mecanismo de repercussão objectiva destes prejuízos entre os diversos profissionais existentes ao longo da cadeia contratual [4]. De todo o modo, para que o demandado da acção de regresso não fique completamente desprovido de meios de defesa, designadamente quando existem elementos que permitem estabelecer que o defeito é superveniente à entrega da coisa que por si foi vendida, admite-se ao nível do n.º 3 do artigo 7.º do DL n.º 67/2003, de 8-04, que ele possa afastar o direito de regresso, o que, no entanto, apenas acontecerá se provar “[q]ue o defeito não existia quando entregou a coisa ou, se o defeito for posterior à entrega, que não foi causado por si”.
Pelo que se acaba de expor, podemos agora concluir que, no caso sub judice, o facto de não estar demonstrada a culpa da Ré, A..., Lda., em relação à desconformidade de que padecia o veículo automóvel que vendeu ao A., AA, não constitui impedimento a que, com base no direito de regresso previsto no artigo 7.º, n.º 1, do DL n.º 67/2003, de 8-04, seja responsabilizado pelos prejuízos que o A. sofreu devido à condenado na acção que lhe foi movida pelo consumidor final, BB. Todos os pressupostos desse direito estão in casu verificados, pois, para além de estar demonstrado que o A. já pagou a BB os valores que foram fixados na sentença condenatória do processo n.º ... do Juízo Local Cível de Oliveira de Azeméis, também está demonstrado que tanto o A. como a R. são profissionais do ramo do comércio de automóveis e que foi, no âmbito dessa actividade, que o veículo automóvel de matrícula ..-CS-.. foi vendido pela R. ao A.. Para além disso, devido à intervenção acessória que a R. teve na referido processo n.º ..., auxiliando a defesa aí deduzida pelo A., não pode já ser discutida a efectividade do defeito de que padecia o veículo, facto que tem que ser considerado assente, pois, conforme estabelecido no artigo 323.º, n.º 4, do Código do Processo Civil, a sentença que ali foi proferida “[c]onstitui caso julgado quanto ao chamado, nos termos previstos no artigo332.º, relativamente às questões de que dependa o direito de regresso do autor do chamamento, por este invocável em ulterior acção de indemnização”.
Neste contexto, a R. só poderia afastar o direito de regresso invocado pelo A. caso lograsse provar que, como se diz no n.º 3 do artigo 7.º do DL n.º 67/2003, de 8-04, o defeito não existia quando entregou a coisa ou, se o defeito for posterior à entrega, que não foi causado por si. Ora, compulsados os factos, constata-se que não se logrou determinar com exactidão qual o momento a partir do qual surgiram as anomalias do veículo de matrícula ..-CS-.. que levaram a que contrato de compra e venda celebrado entre o ora A. e BB fosse anulado pelo tribunal que julgou o processo n.º ... do Juízo Local Cível de Oliveira de Azeméis. É verdade que neste processo foi dado como provado que BB apenas “cerca de um mês depois” da compra é que começou a confrontar-se com sucessivas avarias do veículo, principalmente ao nível do motor e da caixa de velocidades”. Mas, é igualmente verdade que se provou nesse processo, também, que a quilometragem do veículo havia sido adulterada em momento anterior à data em que o ora A. adquiriu o referido veículo à ora R., pois, apesar de constar do certificado de inspecção periódica realizada ao veículo em 25/11/2014 que, aquando da aquisição, foi entregue ao ora A. que a sua quilometragem era de 168.293 Kms, veio a descobrir-se que o mesmo, em 6-01-2014, possuía já 799.728 Kms. Assim, e porque, acima de tudo, foi o logro decorrente da adulteração da quilometragem do veículo e o enorme desgaste mecânico que este apresentava que levou o tribunal a anular o contrato de compra e venda a condenar o ora A. a indemnizar o adquirente final BB, é inevitável concluir que não está demonstrado nos autos que a falta de conformidade do bem com o contrato que foi descoberta tivesse surgido apenas após a data (12-02-2015) do leilão em em que o ora A. comprou a viatura, ou da subsequente data da sua entrega ao ora A.. Pelo contrário, a anomalia de base já existia desde pelo menos finais de 2014 (pois o veículo, em 25-11-2014, já apresentava uma quilometragem muito inferior àquela que possuía em 6-01-2014). Consequentemente, uma vez que não foi feita a prova prevista no n.º 3 do artigo 7.º do DL n.º 67/2003, de 8-04, não existe fundamento para afastar o direito de regresso invocado pelo A.

4. Afirmado o direito de regresso de que o A. goza contra a R. por todos os prejuízos que lhe foram causados pela acção judicial movida pelo adquirente final do veículo BB, cumpre apreciar agora se esse direito foi exercido tempestivamente.
Atenta a já afirmada autonomia do regime de responsabilidade civil pela venda de bens de consumo defeituosos que está plasmado no DL n.º 67/2003, de 8-04, em relação ao regime jurídico da venda de coisas defeituosas previsto no Código Civil, a tempestividade do exercício do direito de regresso do A. deve ser aferida à luz do disposto no artigo 8.º do DL n.º 67/2003, norma cujo teor é o seguinte:
1- O profissional pode exercer o direito de regresso na própria acção interposta pelo consumidor, aplicando-se com as necessárias adaptações o disposto no n.º 2 do artigo 329.º do Código de Processo Civil.
2 - O profissional goza do direito previsto no artigo anterior durante cinco anos a contar da entrega da coisa pelo profissional demandado.
3 - O profissional deve exercer o seu direito no prazo de dois meses a contar da data da satisfação do direito ao consumidor.
4 - O prazo previsto no n.º 2 suspende-se durante o processo em que o vendedor final seja parte.

No caso em apreço, está provado que o ora A. comprou o veículo defeituoso à ora R. em 12-02-2015 e intentou contra este a presente acção judicial, destinada a exercer o respectivo direito de regresso, em 29.11.2019. Assim, estando ainda provado que a ora R. foi citada nestes autos em 10.12.2019, dúvidas não há de que o A. exerceu o seu direito de regresso dentro do prazo de 5 anos previsto no n.º 2 do artigo 8.º do DL n.º 67/2003, de 8-04.
Por outro lado, estando provado que o A. pagou no dia 31.10.2019 a BB os montantes indemnizatórios em que foi condenado no processo n.º ..., dúvidas não há também de que o direito de regresso foi exercido dentro do prazo de dois meses previsto no n.º 3 do mesmo artigo 8.º do DL n.º 67/2003.
Pelo exposto, conclui-se que o A. exerceu o seu direito de regresso de forma tempestiva, não se verificando, assim, qualquer caducidade do mesmo.

5. Cumpre determinar, finalmente, se os pedidos deduzidos pelo A. contra a R. devem proceder, na totalidade ou parcialmente.
De acordo com o artigo 7.º do DL n.º 67/2003, de 8-04, o A. goza de direito de regresso contra o A. por todos os prejuízos que sofreu por causa de o consumidor (ou seja, BB) ter exercido os direitos que lhe assistiam devido ao facto de ter adquirido um veículo automóvel com anomalias graves. In casu esse exercício ocorreu no âmbito do processo judicial com o n.º ..., do Juízo Local Cível de Oliveira de Azeméis, que foi movido contra o ora A. e que culminou, entre o mais, com a condenação deste a pagar a BB 15.250,00 €uros. Como se encontra provado que, em 31-10-2019, o ora A. cumpriu essa obrigação pecuniária, mostra-se claro que o valor do pagamento efectuado deve regressar ao respectivo património, condenando-se, assim, a R. a pagar ao A. o aludido quantitativo monetário de 15.250,00 €uros.
Por outro lado, por estar provado que o ora A., no processo n.º ... do Juízo Local Cível de Oliveira de Azeméis suportou 408,00 € de taxa de justiça e foi, ainda, condenado a pagar 81,31% do valor das custas processuais, deve também proceder a pretensão que deduziu no sentido de ser indemnizado pela R. do valor correspondente a esse prejuízo.
Já não assim, porém, quanto aos montantes de 1500,00 € e de 2.000,00 € que também foram reclamados pelo A., correspondentes, respectivamente, ao quantitativo monetário que alegou ter pago ao advogado que constituiu, e ao valor dos danos não patrimoniais que alegou ter sofrido devido à afectação da sua imagem e reputação pública e ao desgosto e vergonha que sentiu. Com efeito, dado que incidia sobre o A., conforme estabelecido no artigo 342.º. n.º 1 do Código Civil, o ónus de fazer a prova dos factos constitutivos do direito de receber esses valores, verifica-se que AA não logrou demonstrar que, efectivamente, sofreu tais prejuízos, conforme, aliás, se encontra vertido de forma expressa nos Factos Não Provados 5), 6) e 7).
O A. peticionou ainda que a R. seja condenada a pagar-lhe a quantia de 6.153,65 €, correspondente à diferença entre o valor (6.613,65 €) que pagou à R. pela aquisição da viatura ... de matrícula ..-CS-.. e o valor (500,00 €) que esta tinha quando, em 31/10/2019, lhe foi restituída por BB. Sucede que, como também resulta dos Factos Não Provados, não foi feita prova de que o valor deste veículo, aquando da sua restituição ao A. em 2019, fosse igual ou inferior a 500,00 € e, logo, ficou por demonstrar a efectividade do dano respeitante à alegada desvalorização do valor patrimonial da viatura. Consequentemente, face às regras de direito probatório estabelecidas no nosso Código Civil, deve improceder também, nesta parte, o pedido do A.
Concluindo-se que a R. deve ser condenada a pagar ao A. a quantia global de 15.658,00 euros (15.250,00 € + 408 €), bem como o valor das custas da responsabilidade do A. no processo ..., resta dizer que a estas quantias deve, ainda, acrescer um montante indemnizatório destinado a reparar os danos causados ao credor pelo retardamento das prestações devidas (cf. artigos 804.º, n.º 1 e n.º 2, 798.º e 799.º, n.º 1, do Código Civil), suportando por isso a Ré, por estarem em causa obrigações pecuniárias, o valor dos juros legais calculados sobre as quantias devidas desde a data da citação até efectivo e integral pagamento (artigos 559.º, 805.º, n.º 1, e 806º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil).

6. No que diz respeito às custas da acção e da apelação, importa esclarecer que, não tendo o A. obtido vencimento total relativamente àquilo que peticionou da R., tanto na acção, como no presente recurso, não pode o mesmo deixar de suportar o montante de custas correspondente aos respectivos decaimentos verificado (cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código do Processo Civil), sendo as demais custas suportadas pela Ré.

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III – DECISÃO

Por tudo o exposto, acorda-se em conceder provimento parcial ao recurso e, revogando-se a decisão recorrida, julga-se parcialmente procedente a acção e, em consequência:
1.º) condena-se a Ré, A..., Lda., a pagar ao Autor, AA, a quantia de €:15.658,00 (quinze mil, seiscentos e cinquenta e oito euros), acrescida de juros de mora calculados sobre esta quantia, à taxa legal, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento, e ainda, do valor das custas da responsabilidade do A. no processo ...;
2.º) absolve-se a Ré do mais que de si foi peticionado nos autos pelo Autor;
3.º) condena-se A. e R. no pagamento das custas da acção, de acordo com a proporção do respectivo decaimento.
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Custas da apelação a cargo de A. e R., segundo a proporção, igualmente, do respectivo decaimento (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C.).
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Notifique

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SUMÁRIO
(da exclusiva responsabilidade do relator - artigo 663.º, n.º 7, do C.P.C.)
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Porto, 25.11.2024.
Relator: José Nuno Duarte.
1.º Adjunto: Carla Fraga Torres.
2.ª Adjunta: Ana Paula Amorim.





Acórdão datado e assinado electronicamente
(redigido pelo primeiro signatário segundo as normas ortográficas anteriores ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990)

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[1] Consoante os casos, o comprador beneficia dos seguintes meios de tutela: a anulação do contrato (artigos 905.º e 913.º do Código Civil); as pretensões indemnizatórias unidas ao direito de anular; a redução do preço (artigo 911.º e 913.º do Código Civil); a reparação da coisa ou a sua substituição (artigo 914.º do Código Civil).
[2] O artigo 53.º, n.º 1 do DL n.º 84/2021, de 18-10, é bem claro ao estabelecer que as suas disposições apenas se aplicam aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor.
[3] Como se refere no Ac. RC de 26-02-2019 (pr. 349/21.9T8SRT.C1, rel. Carlos Moreira), o regime do DL nº 67/2003, de 8-04, prevalece sobre a lei geral em virtude de ser mais favorável para o consumidor, “[o] que decorre, essencialmente: i) de o produtor/vendedor responder ex vi da desconformidade do bem/obra - presumida em função dos factos índice estabelecidos no nº2 do artº 2º ; ii) de responder, mesmo que tenha agido sem culpa, a não ser que prove que as causas do defeito não dimanam da sua atuação; iii) de o comprador poder optar por várias hipóteses de ressarcimento.” <URL: http://www.dgsi.pt/>.
[4] Como referido por Ana Rita Polónia Semblano Silva em valiosa dissertação de mestrado esta “[f]oi claramente uma opção do legislador português, porquanto a Diretiva comunitária permitia aos Estados-Membros estabelecer e regular uma ação direta de responsabilização contra o verdadeiro causador da desconformidade do bem”, solução que, independentemente da pertinência dos motivos que levaram a que não tivesse sido adoptada, “muito poderia contribuir para o descongestionamento das vias judicias de resolução de litígios” (Responsabilidade do Produtor - O Direito de Regresso no âmbito da Venda de Bens de Consumo, Universidade do Minho - Escola de Direito, Outubro de 2014, p. 78 – 80 <URL: https://repositorium.sdum.uminho.pt>).