Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3777/17.0T8VFR.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JUDITE PIRES
Descritores: CONTRATO DE COMODATO
BENFEITORIAS ÚTEIS
DIREITO DE INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RP202501233777/17.0T8VFR.P2
Data do Acordão: 01/23/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇAO
Decisão: CONFIMAÇÃO
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - São elementos caracterizadores do contrato de comodato: a sua natureza gratuita, a temporalidade e o dever de restituição.
II - As benfeitorias consistem nos melhoramentos feitos na coisa pelo proprietário, pelo possuidor, pelo locatário, comodatário, usufrutuário, distinguindo-se do instituto da acessão em que os melhoramentos são realizados por um terceiro, não ligado juridicamente à coisa objecto de tais melhoramentos, podendo este ser um simples detentor ocasional.
III - As benfeitorias distinguem-se em:
a) necessárias, as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa;
b) úteis, as que, não sendo indispensáveis para a conservação da coisa, lhe aumentam, todavia, o valor;
c) voluptuárias, as que, não sendo indispensáveis para a conservação da coisa, nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante.
IV - Tratando-se de benfeitorias úteis, ao benfeitorizante que reclame o direito a ser indemnizado pela realização das mesmas cabe o ónus da prova de que as obras aumentaram o valor do imóvel, bem como o ónus de demonstrar a impossibilidade do levantamento das benfeitorias sem deterioração do imóvel.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 3777/17.0T8VFR.P2

Tribunal Judicial de Aveiro

Juízo Central Cível de Santa Maria da Feira – Juiz 3

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO.

Identificação das partes:

Autora: - AA;

Réus: - BB e CC;

Réus habilitados na posição de BB (entretanto falecido): CC; DD e seu cônjuge EE;

Interveniente Principal: Banco 1..., S.A..

A Autora instaurou acção declarativa comum contra os Réus, peticionando a condenação destes no pagamento da quantia de € 102.706,62, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação.

Mais peticionou o reconhecimento de que a Autora beneficia, em garantia do pagamento de tal crédito, com preferência relativamente a qualquer outro credor e com carácter de direito real e assim com sequela, de direito de retenção sobre o imóvel que identifica.

Alegou, para o efeito, em síntese, residir e habitar numa casa, propriedade dos seus pais (os réus), por comodato sem prazo e que, entre 2012 e 2015, face ao estado degradado do referido imóvel, procedeu à realização de várias obras de manutenção e conservação, que foram não apenas autorizadas como também requeridas pelos Réus junto do órgão licenciador, tendo suportado com essas obras os valores que discrimina nos pontos 4.º a 10.º da petição, no valor total de € 102.706,62. Sustenta, assim, ter um crédito de benfeitorias sobre os réus, no valor de 102.706,62€, o qual recaindo sobre e por causa do imóvel e de despesas feitas por causa deste, beneficia de direito de retenção sobre o mesmo.

Os Réus contestaram, pugnando pela improcedência da acção.

Negam a existência de qualquer contrato de comodato, alegando que a Autora ocupou a casa em virtude da relação de parentesco com os Réus e por mero favor destes, seus pais, exercendo sobre a casa apenas um poder de facto, a título de mera detentora precária.

Acrescentam que o pedido de licenciamento por eles apresentado não teve qualquer relação com as obras invocadas nos autos, visando antes a realização de obras de alteração da casa na sua parte exterior, tendo em vista simplesmente a supressão de uma porta e o alargamento de uma janela.

Alegam ainda que não tiveram conhecimento das obras realizadas pela Autora, porquanto esta nunca os informou que as iria realizar, nem lhes pediu qualquer autorização para o efeito e, por essa razão, por terem sido realizadas à sua revelia, entendem que não lhes deve ser assacada qualquer responsabilidade pelo pagamento das mesmas.

Sustentam que a alegada deterioração da casa, a existir, deve-se à falta de conservação por parte da Autora, bem como ao seu uso indevido pela mesma, pelo que constituiria um abuso do direito vir exigir dos Réus aquilo que se deve à sua própria culpa e falta de cuidado.

Finalmente, além de impugnarem o valor indicado pela autora, sustentam o enriquecimento sem causa da Autora, em virtude de a ocupação da casa por esta ter causado aos réus prejuízos correspondentes, no mínimo, ao valor locativo do imóvel; assim, em reconvenção, invocam um prejuízo mensal de 300,00€, no total de 108.000,00€.

Peticionam ainda a condenação da Autora como litigante de má fé.

A Autora replicou, pugnando pela improcedência das excepções, da reconvenção e do pedido de condenação por litigância de má fé.

Alega, ainda, que o imóvel em causa nos autos foi penhorado aos Réus na execução que contra estes foi movida pelo Banco 1..., S.A. para pagamento da quantia de 12.494,91€, acrescidos de juros e despesas da execução que corre termos no Juízo de Execução de Oliveira de Azeméis sob o n.º ..., tendo a Autora já deduzido em tal processo o requerimento a que alude o art.º 792.º do Código de Processo Civil.

Requereu, em conformidade, a intervenção principal provocada do Banco 1..., reformulando o primitivo pedido nos seguintes termos:

1. Condenação dos RR. a pagarem à A. a quantia de 102.706,62€, acrescida de juros;

2. Reconhecimento de que a Autora beneficia em garantia do pagamento de tal crédito, com preferência relativamente a qualquer outro credor, incluindo o interveniente Banco 1..., S.A. e a sua penhora realizada no processo executivo ... do Juízo de Execução de Oliveira de Azeméis, e com carácter de direito real e assim com sequela, de direito de retenção sobre o imóvel referido no art. 1.º petição inicial, condenando-se os RR. e o Chamado Banco 1..., S.A. a tal reconhecerem.

Admitida a intervenção principal provocada do Banco 1..., como associado dos Réus/Reconvintes, veio o mesmo alegar que instaurou execução contra os aqui Réus, com vista ao ressarcimento do seu crédito, no montante de € 12.494,91. Nessa execução, foi penhorado o imóvel aqui em causa.

Refere ainda que nessa execução, a aqui Autora deduziu reclamação de créditos com base nos fundamentos invocados na presente acção, tendo o aqui Interveniente impugnado tal reclamação.

Impugna a factualidade invocada e pugna pela improcedência da acção.

Em 01.02.2019, a Autora apresentou articulado superveniente no qual alega que, posteriormente à instauração da acção, licitou o prédio em leilão electrónico pelo valor de € 121.693.40 e depositou a quantia de € 18.986.78, correspondente ao preço excedente ao crédito que tinha reclamado na ação executiva, tendo-lhe sido adjudicado o imóvel pela agente de execução.

Assim e com vista a obter título executivo que sirva de base àquela reclamação de crédito, requereu a alteração do pedido inicial no sentido de:

- Serem condenados os réus a pagar-lhe a quantia de € 102.706.62, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até efectivo pagamento;

- Ser reconhecido que a Autora beneficia em garantia do pagamento de tal crédito, com preferência relativamente a qualquer outro credor, incluindo o interveniente Banco 1... e da penhora realizada no processo executivo n.° ..., do Juízo de Execução de Oliveira de Azeméis, do direito de retenção sobre o imóvel em causa, agora, após a sua venda e transmissão na referida execução, sobre o produto dessa venda.

Com data de 19.03.2019, foi proferido despacho que admitiu este articulado superveniente.

Os Réus responderam ao articulado superveniente, pugnando pela sua improcedência, alegando ainda que, em virtude da aquisição do imóvel em causa nos Autos alegadamente benfeitorizado pela Autora ocorreu uma impossibilidade/inutilidade superveniente da lide.

Após realização de audiência prévia em 02.07.2019, em 27.09.2019 foi proferido despacho saneador que, apreciando a ineptidão da petição inicial e a reconvenção, decidiu:

i) - Julgar a petição inicial inepta nos termos do disposto no art.° 186.°, n.° 1 e 2, al. a) e b), do CPC e, em consequência, absolver os réus da instância;

ii) - Julgar a reconvenção inepta nos termos do disposto no art.° 186.°. n.° 1 e 2. al. b), ex vi do art.° 266.°, n.° 1 e 2. al. a), do CPC e, em consequência, absolver a reconvinda da instância reconvencional.

Inconformada com esta decisão, na parte que julgou inepta a petição inicial e absolveu os réus da instância, dela apelou a Autora para o Tribunal da Relação, que por acórdão proferido em 08.09.2020, decidiu, por unanimidade, julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.

Novamente inconformada com esta decisão, a Autora dela interpôs recurso de revista excepcional para o Supremo Tribunal de Justiça.

Por acórdão proferido em 27.01.2022, o Supremo revogou o acórdão recorrido e determinou a baixa dos autos ao Tribunal de 1ª Instância, para apreciação e julgamento da acção.

Foi, então, proferido despacho saneador que, considerando inexistirem excepções dilatórias ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa, identificou o objecto do litígio e enunciou os temas de prova.

Na sequência de reclamação apresentada pelas partes, realizou-se audiência prévia, no decurso da qual ficou acordado aditar dois novos temas de prova.

Instruída a causa, procedeu-se à audiência de julgamento, no termo da qual foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente a presente acção e, em consequência:

1. Condenam-se os Réus a pagar à Autora o valor das benfeitorias mencionadas em 3. a 10., em montante a liquidar posteriormente não superior a € 102.706,62 (cento e dois mil, setecentos e seis euros e sessenta e dois cêntimos), nem àquele que se venha a apurar como sendo o da expressão do aumento do valor do prédio referido em 14.;

2. Reconhece-se e condenam-se os Réus e o Interveniente Principal a reconhecerem à Autora o direito de retenção sobre o produto da venda executiva do prédio em causa, como garantia do crédito referido em 1.;

3. Absolvem-se os Réus do demais peticionado.

Custas, da acção, a cargo da Autora e dos Réus e do Interveniente principal, provisoriamente na proporção de metade para a primeira e de metade para os demais, a corrigir posteriormente em função do resultado da liquidação.

Registe e notifique”.

Inconformada com tal sentença, dela interpôs a Ré CC recurso de apelação para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões:

“1) A Ré/Recorrente interpõe recurso da Douta Sentença, por entender que o Meritíssimo Juiz do Tribunal recorrido, efetuou uma errada apreciação e valoração da prova produzida na audiência de julgamento, que impõe alteração da sobre a matéria de facto e necessidade de modificação da decisão de facto, com renovação da prova e errada subsunção da matéria de facto ao direito, a conduzir à absolvição da Recorrente e dos demais Réus dos pedidos formulados pela Autora atenta a manutenção da fruição do imóvel; por inexistência na matéria provada de

2) Ocorre errada subsunção e qualificação da relação estabelecida entre as partes como comodato, por resultar da prova que: a Autora era mera detentora precária do imóvel; falta-lhe o animus possidendi; por exercício do poder de facto sobre a coisa, quer antes, quer após as obras ser por mera tolerância do seu titular à data, por razões de parentesco; por inexistir uma verdadeira entrega da coisa à Autora, elemento subjacente ao contrato de comodato por manutenção da fruição do imóvel; inexistência na matéria de facto provada de estipulação quanto à obrigação de restituição (cfr. assentada na ata de audiência de julgamento de 20/03/2023, artigo 1253.º, alínea b) e 1251.º do CC), tudo o que determina improcedência do alegado pedido de indemnização por benfeitorias– o que se requer.

Sem prescindir, e no caso se considerar que a relação estabelecida é de comodato, sempre se dirá:

3) Verifica-se a ocorrência de união da alegada relação de comodato e de propriedade na Autora e suas consequências, por: a Autora, alegada comodatária, ter passado a ser a proprietária do prédio, onde se encontram implantadas as alegadas benfeitorias, cuja indemnização peticiona (cfr. artigos 21.º a 23.º do factos provados); por a aquisição do imóvel ter englobado as invocadas benfeitorias nele implantadas, ocorrendo união /confusão / indissociabilidade da aquisição do imóvel das alegadas benfeitoria (matéria sobre a qual o Supremo Tribunal não se pronunciou no seu Acórdão e como tal deverá ser analisada pelo Douto Tribunal); por inexistência por parte dos Réus de qualquer proveito ou vantagem patrimonial; por o eventual beneficio das alegadas benfeitorias produzir-se apenas na pessoa da Autora; inexistência de enriquecimento por parte dos Réus; existência de enriquecimento por parte da Autora com a aquisição do imóvel abaixo do valor de mercado (aquisição do imóvel em 2018: 102.06,62€ - artigo 19.º, valor de mercado do imóvel em 2018: 197.573,00€ - artigo 16.º); por ocorrência de uma exceção perentória ou uma causa de improcedência da ação que deverá determinar a absolvição ou improcedência da lide com absolvição do réus e ocorrência de abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium – o que se requer.

Sem prescindir, por mera cautela,

4) Verifica-se incumprimento do ónus de alegação por parte da Autora de matéria fáctica que permita a integração e classificação das alegadas obras no conceito de benfeitorias necessárias ou úteis, por: não alegação pela Autora de matéria de facto que permita a integração das alegadas obras no conceito de benfeitorias necessárias ou úteis; não separação/ identificação ou concretização na Petição Inicial as obras por tipo de benfeitorias realizadas; insuficiência na densificação ou concretização de factos materiais e principais da causa de pedir, referentes à falta de alegação pela Autora de matéria de facto que permita a integração das alegadas obras no conceito de benfeitorias necessárias ou úteis, cuja insuficiência foi já atestada pelo Douto Tribunal ad quo no Despacho proferido nos presentes autos de 05/09/2019 (inexistindo apreciação pelo STJ a questão invocada quanto à falta de factos essenciais respeitantes à caraterização das obras elencadas); não aproveitamento pela Autora da oportunidade de, no Articulado Superveniente, fazer adquirir factos essenciais nucleares estruturantes da causa de pedir, respeitantes à caraterização fáctica das obras elencadas como benfeitorias necessárias ou úteis; não descrição, nem caraterização dos alegado trabalho de molde a propiciar a qualificação jurídica como benfeitoria úteis ou necessárias, tais factos materiais não são complementares, nem meramente instrumentais, mas são factos essenciais que constituem a causa de pedir (cfr. Acórdão do TRC, processo n.º 1289/12.8TBACB.C1, Acórdãos do STJ de 06/02/2007, processo n.º 06A4036, de 22/01/2004, processo n.º 04B2064, de 22/01/2008, processo n.º 07A4154 e de 06/05/2008, processo n.º 08A1389, 11/12/2001, processo n.º 02B1024, 06/02/2007, processo n.º 06A4036).

5) Nos termos do artigo 342.º, n.º 1 do CC e artigo 5.º, n.º 1 do CPC, incumbe a quem invoca o direito a indemnização por realização de benfeitorias, o ónus de provar as características das obras efetuadas com vista à respetiva qualificação, à luz do disposto no citado artigo 216.º, bem como a possibilidade de remoção das benfeitorias úteis sem detrimento da coisa benfeitorizada, para os efeitos do disposto no artigo 1273.º do CC, não sendo possível ao Tribunal suprir esta falta de alegação, nem podendo recorrer a presunções judiciais, por o recurso a tais presunções não ter a virtualidade de inverter o ónus de prova, nem de ultrapassar o incumprimento do ónus de alegação de factos essenciais (cfr. artigo 5.º, n.ºs 2 e 3 do CPC e artigo 350.º do CC) (cfr. Acórdãos do STJ de 02/12/2013, processo n.º 2138/06.1TJLSB.L1.S1 e de 20/01/2010, processo n.º 642/04.5TBSXL-B.L1.S1).

6) Conclui-se, que, em face da pretensão de indemnização por alegadas benfeitorias realizadas pela Autora, verifica-se que não se encontram alegados factos essenciais principais estruturantes da causa de pedir respeitantes à caraterização fáctica das obras elencadas como benfeitorias necessárias ou úteis, pressupostos de facto que são indispensáveis à constituição do direito invocado nos termos dos artigos 216.º, 1138.º, n.º 1 e 1273.º do CC, o que implicará, necessariamente, a improcedência da ação – o que ora se requer.

7) No que respeita à errada apreciação e valoração da prova produzida na audiência de julgamento e da necessidade de modificação da decisão de facto e sua subsunção ao direito (cfr. artigos 640.º e 662.º do CPC), considera-se nos termos do disposto no Artigo 640.º, n.º 1, alínea a) do CPC que foram, incorretamente, julgados provados, na medida em que da transcrição da matéria de facto dada como provada e da prova documental, verifica-se que há factos incorretamente dados como provados, factos que padecem de erros, alguns dos quais grosseiros, e factos que carecem totalmente de prova, e outros que deveriam ter sido dados como provados, ou cuja prova impõe a modificabilidade da decisão da matéria de facto, nos termos do artigo 662.º do CPC, atenta a prova produzida, designadamente os seguintes: Artigos 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 12.º e 14.º dos factos dados como provados, e alínea j) dos factos não provados, os quais deverão ser dados como não provados e provados, respetivamente, ou ver a sua redação alterada/aditada no sentido que infra se deixará sumariamente explicitado.

8) No que concerne à ausência de prova quanto à efetiva realização das alegadas benfeitorias, ficou demonstrada: ausência de prova documental (impugnada) que permita concluir com segurança pela alegada realização da obra; inexistência nos autos de caderno de encargos, mapeamento, descrição documental e orçamento, e impossibilidade de atestar a efetiva realização/implantação das benfeitorias pela visualização do imóvel, o que não permite determinar a execução ou não da alegadas benfeitorias no imóvel (cfr. quesitos 3 a 11 do Relatório Pericial do Perito do Tribunal e dos Réus e Esclarecimentos dos Srs. Peritos - sessão de julgamento de 20/11/2023, com início: 14:09h e termo: às 15:22h e início: 15:29h e termo: 15:31h, por referência à Ata da Audiência de Julgamento, Minutos: 01:07m a 04:46m e Minutos: 52:00m a 56:50m: infra transcritos e que se dão aqui por integralmente reproduzidos);

9) ficou demonstrada, relativamente às benfeitorias elencadas no artigo 3.º e 4.º dos factos provados: a inexistência de faturas e dos documentos denominados “venda-a-dinheiro” (cfr. documentos n.ºs 7 a 15 à Petição Inicial), em nome da Autora (existência de mera declaração – doc. n.º 6 junto à PI) daí resultando a venda de materiais de construção ao FF e não à Autora e inexistência de prova quanto ao destino da aquisição daqueles materiais ser o prédio em causa nos autos, por o adquirente, à data, trabalhava e trabalha na área de construção civil; a alegada realização dos pagamentos em dinheiro atenta as regras da experiência e aos elevados valores das obras alegadamente em causa, afigura-se no mínimo caricato e pouco convincente; ausência de credibilidade dos documentos por aquisição de materiais estranhos à realização de obras de construção, aquisição de várias materiais, faturas de 2011 e por restituição dos valores pela A... (cfr. Depoimento de FF- sessão de julgamento de 06/12/2023, com início: 09:47h, e termo: 10:26h, por referência à Ata da Audiência de Julgamento, Minutos 09:47h, e termo: 10:26h, 28:15m a 29:04m, 27:02 a 27:22m, 02:52m a 03:18m, 04:22m a 04:29m, 04:38m a 04:50m, 08:26m a 09:02m, e 09:30m 10:28m, infra transcrito e que se dá aqui por integralmente reproduzido);

10) ficou demonstrada, relativamente às benfeitorias elencadas no artigo 3.º e 4.º dos factos provados: existência de contradições nos documentos n.º 7 a 15 da petição inicial e no próprio depoimento da testemunha FF, que põem em causa a sua credibilidade, por este na declaração por si emitida (doc. 6 junto à PI) referir que gastou 10.028,57€ em material, mas da soma dos documentos n.º 7 a 15 da PI, resultar que o valor gasto em materiais corresponde apenas a 7.304,01€; na declaração junta sob o documento n.º 6 à PI, resultar que aquela testemunha alegou ter recebido a quantia total de 46.678,75€ da Autora, mas no documento junto por aquela na audiência de julgamento de 11/12/2023, resultar ter recebido a quantia total de 47.020,36€; por no seu depoimento ter referido que, só a partir de setembro/outubro de 2012 é que passou a fazer trabalhos diretamente no imóvel, pelo que anteriormente trabalhava para a A... e a faturas anteriores eram pagas por aquela firma, mas não obstante consta dos autos várias fatura anteriores a esse período (cfr. Depoimento de FF- sessão de julgamento de 06/12/2023, com início: 09:47h, e termo: 10:26h, por referência à Ata da Audiência de Julgamento, Minutos 02:52m a 03:18m, 04:22m a 04:29m, 04:38m a 04:50m, 08:26m a 09:02m, e 09:30m 10:28m, infra transcrito e que se dá aqui por integralmente reproduzido);

11) ficou demonstrada, relativamente às alegadas benfeitorias elencadas no artigo 7.º, 8.º e 10.º dos factos provados: a inexistência de faturas em nome da Autora, mas apenas de mera declaração, – doc. n.º 19 e 27 junto à PI – e de documento em nome de terceiro não tendo tais documentos a virtualidade de demonstrar o efetivo fornecimento/realização de tais obras ao prédio em questão nos autos.

12) A prova produzida impõe que os factos dados como provados nos artigos 3.º a 10.º, 13.º e 14.º deverão ser dados como não provados – o que ora se requer, por Autora não ter conseguido provar a realização, de despesas no montante dado como provado no artigo 4.º dos factos provados e dos trabalhos elencados no artigo 3.º, 7.º, 8.º e 10.º dos factos provados.

Sem prescindir, por mera cautela, ainda que se considere provada a realização das alegadas benfeitorias, o que só se admite por mera hipótese, sempre se dirá que:

13) No que respeita à errada classificação e integração pelo Douto Tribunal das alegadas benfeitorias realizadas como benfeitorias úteis e suas consequências (cfr. ponto 14.º), atenta a prova que infra se irá aludir, é manifesto que, para além de não ter ficado demonstrado que as alegadas obras valorizaram o imóvel, as mesmas enquadram-se no conceito de benfeitorias voluptuárias e não úteis.

14) Foi feita uma errada ponderação pelo tribunal ad quo do teor Relatório Pericial: por o Douto Tribunal ad quo para dar como provado o ponto 14) da matéria de facto ter-se baseado unicamente no teor do Relatório Pericial do Perito escolhido pela Autora (em detrimento do Relatório Pericial do Perito do Tribunal e dos Réus) que considerando a data de construção do imóvel (1982) e os materiais aplicados, concluiu que as obras realizadas teriam valorizado o imóvel;

15) a matéria que integra artigo 14.º é conclusiva, e como tal deverá ser considerada como não escrita; ocorrência de um vício de deficiência e contradição da factualidade e fundamentação enunciada quanto ao ponto 14), com a fundamentação e factualidade enunciada para dar como provado os pontos 15) e 16), ou pelo menos errada apreciação e valoração da prova produzida no que ao Relatório Pericial diz respeito, na medida em que no ponto 14) o douto tribunal considerou credível o teor do Relatório Pericial do Perito da Autora quanto as obras terem valorizado o imóvel em questão e nos pontos 15) e 16) desconsiderou o teor do Relatório Pericial do Perito da Autora, por questão de independência e isenção dos Peritos do Tribunal e do Réus e os critério usados por ambos, face àquele;

16) tendo o exmo. sr. Perito da Autora partido da premissa de que o imóvel, antes da realização das obras, estava vetusto e degradado (als. b) e c) dos factos não provados), e que as obras tiveram por finalidade a recuperação e a conservação do edifício, (enquadrando-as assim no conceito de benfeitorias necessárias), ao contrário do que considerou o Tribunal ad quo, a conclusão que chegou tal Perito de que as alegadas obras valorizaram o imóvel também se encontrará inevitavelmente viciada, tanto mais porque, os exmos. Peritos do Tribunal e dos Réus concluíram, no seu relatório, que, desconhecendo o estado de conservação do imóvel antes das obras, não podem sequer estimar o valor do imóvel e consequentemente concluir que houve valorização do imóvel (por nem sequer terem podido atestar a realização ou não das obras elencadas pela Autora no imóvel) (cfr. ponto 3 a 11 do relatório e Esclarecimentos dos Srs. Peritos - sessão de julgamento de 20/11/2023, com início: 14:09h e termo: às 15:22h e início: 15:29h e termo: 15:31h, por referência à Ata da Audiência de Julgamento, Minutos: 01:07m a 04:46m e Minutos: 52:00m a 56:50m: infra transcritos e que se dão aqui por integralmente reproduzidos).

17) Atento o disposto nos artigos 216, n.º 3, 1273.º, 342, n.º 1 do CC, inexistindo prova nos autos de que as obras valorizaram o imóvel e em que medida, e se o respetivo levantamento deterioraria ou não a coisa, e quais os respetivos custos e atual valor e a valorização e deve ou não considerar consequência direta e necessária delas, não sendo possível ao Tribunal suprir esta falta de prova ou concluir nesse sentido, pela mera descrição de tais obras, sempre terá de se considerar o facto dado como provado no artigo 14.º como não provado – o que se requer.

18) No que respeita à prova efetuada nos autos quanto ao objetivo da Autora com a realização das alegadas obras e consequente enquadramento no conceito de benfeitorias voluptuárias, e seguindo a jurisprudência e doutrina citadas na Motivação, o aumento de valor subjectivo, concretizado em embelezamentos, visando a tornar a coisa mais aprazível, ou mesmo vantagens particulares, como ocorre in casu, ainda que de ordem patrimonial, não relevam para a qualificação como benfeitorias úteis, mas apenas como benfeitorias voluptuárias (cfr. Acórdãos do STJ de 30/11/2021, processo n.º 6438/15.1T8GMR.G1.S1; de 02/02/2023, processo n.º 3/15.0T8BJA.E2.S1);

19) resulta da sentença, que as alegadas obras realizadas pela Autora tiveram por objetivo que a casa tivesse mais comodidade, conforto, iluminação, organização espaço, ou seja, tiveram unicamente por objetivo aumentar o prazer e conforto da Autora no disfrute da casa e visaram tão-só aumentar as potencialidades do gozo do imóvel – nomeadamente em termos de aumento de comodidades e do conforto da Autora –, o que sempre configuraria uma situação de benfeitorias voluptuárias.

20) As benfeitorias feitas pela Autora, com a excepção da obra referida em 3.29 dos factos provados, não foram autorizadas pelo proprietário (cfr. al. e) dos factos não provados); visaram apenas o interesse e recreio da benfeitorizante, aqui Autora, em função do aumento da aprazibilidade do imóvel, conforme as preferências desta; correspondem a uma alteração que foi efetuada unicamente por interesse e vontade unilateral da Autora; são obras as quais os Réus nunca irão utilizar e/o usufruir (atenta a aquisição do imóvel pela Autora em leilão em 02/10/2018 – cfr. ponto 21 dos factos provados), pelo que apenas poderão qualificadas como benfeitorias voluptuárias, porque não visaram evitar a perda ou destruição ou deterioração da coisa, nem lhe aumentam o valor por não serem indispensáveis.

21) A testemunha GG, Arquiteta contratada pela Autora, referiu que: “a Autora queria casa com mais condições e mais agradável”, “A Autora queira uma casa mais confortável, à imagem dela”, “A Autora queria criar espaço mais confortável e aprazível”, “A Autora preocupada com falta de luminosidade e maior conforto”, “A cozinha não era moderna”, “A casa tinha condições, mas não tinha as melhores condições” (cfr. Depoimento de GG- sessão de julgamento de 23/11/2023, com início: 09:50h e fim 11:14h, por referência à Ata da Audiência de Julgamento, Minutos 00:59m a 03:29m, 56:10m a 56:53m, 32:00m a 32:44m, 01:13:21m a 01:14:16m e 01:18:10m a 01:19:34m, infra transcritos e que se dão aqui por integralmente reproduzidos).

22) A testemunha HH, engenheiro civil amigo do companheiro da Autora, referiu que este lhe solicitou aconselhamento, em termos de materiais, para a realização de obras na casa, com vista a obter melhor conforto térmico e acústico, tendo visitado a casa duas vezes antes das obras, referiu não poder afirmar que a mesma tivesse elementos deteriorados, tendo tal testemunha referido que “Sugeriu isolamento das fachadas e caixilharia e substituição do telhado,”, “para ter melhor conforto e melhores condições”, só sendo possível apurar a eventual melhoria do conforto térmico através de certificado energético (cfr. Depoimento de HH - sessão de julgamento de 06/12/2023, com início: 10:45h e fim 10:56h, por referência à Ata da Audiência de Julgamento, Minutos: 01:30m a 01:54m, 02:30m a 03:01m e 06:06m a 08:15m, infra transcritos e que se dão aqui por integralmente reproduzidos).

23) No que respeita à prova produzida quanto à não valorização do imóvel com a realização das alegadas benfeitorias e consequente enquadramento daquelas no conceito de benfeitorias voluptuárias, as alegadas obras só se podem enquadrar no conceito de benfeitorias voluptuárias por: não se encontrar provado que as obras tenham aumentado o valor venal ou objetivo do imóvel em referência, por não serem indispensáveis; da mera descrição de tais obras o Douto Tribunal ad quo pode inferir qualquer conclusão segura nesse sentido (relatório pericial supra referido);

24) a Autora continuar no gozo do imóvel alegadamente benfeitorizado, desde a data da alegada realização das benfeitorias (entre 2012 e 2015) e mantendo-se no gozo do mesmo, em virtude de aquisição do imóvel (cfr. artigo 21.º a 23.º dos factos provados), colhendo e gozando de todos os eventuais benefícios dali decorrentes, tendo já decorrido 10 anos, não é despiciente que com o passar, a erosão e desgaste dos anos, a que acresce a continuação da utilização/ gozo, os gastos feitos com alegadas benfeitorias tenham perdido todo ou parte do seu valor, dando-se no limite o caso de se ter esgotado/ exaurido as alegadas vantagens das benfeitorias efetuadas ou de até terem perdido todo ou a maior parte do seu eventual valor (e.g., o caso das benfeitorias nos pontos 3.5 a 3.12, 3.18, 3.19, 3.31, 3.33), configurando tal caso, até uma situação de abuso de direito ou de enriquecimento sem causa da Autora face aos Réus, não admitida pelos artigos 1273.º e 1275.º do CC, por o crédito por benfeitorias ali previsto ter em vista impedir enriquecimentos ilegítimos do proprietário à custa do benfeitorizante, mas, naturalmente, não autoriza ou consente que se adotem aplicações/interpretações que conduzam a empobrecimentos ilegítimos do proprietário (cfr. acórdão do TRC de 10/02/2015, processo n.º 1289/12.8TBACB.C1);

25) os trabalhos nas paredes e de pinturas (cfr. pontos 3.5, 3.18, 3.19, 3.24, 3.33 dos factos provados), não trouxeram qualquer valorização ao imóvel, por alegada existência de condensação manter-se derivado do facto de se estar perante imóvel localizado à beiramar;

26) As obras atinentes à substituição da tubaria, eletrificação, canalização (cfr. pontos 3.26, 3.27, 3.17 e 3.6): existência de prova de que fazia sentido fazer essas alterações/substituições, apenas porque se remodelou toda a casa, não se tendo efetuado prova que era útil face ao que já lá existia (cfr. Depoimento de GG- sessão de julgamento de 23/11/2023, com início: 09:50h e fim 11:14h, por referência à Ata da Audiência de Julgamento, Minutos 20:39m a 27:29m, 40:10m a 42:27m e 20:39m a 27:29m, infra transcritos e que se dão aqui por integralmente reproduzidos);

27) A instalação pela Autora de um sistema de aquecimento central e recuperador de calor (cfr. artigo 8.º e 3.30 dos factos dados como provados): ausência de aumento de valor à casa por tal sistema servir apenas para recreio e conforto do benfeitorizante, sendo uma opção desta, tal equipamento ser redundante e desnecessário, por ter resultado da prova produzida que o imóvel em questão já era dotado de um equipamento de aquecimento, de lareira convencional e funcional, resultando, aliás, que o objetivo foi apenas de colocar equipamento mais moderno e com melhor organização do espaço, sendo certo que atenta as declarações da testemunha II tal equipamento pode ser retirado (cfr. Depoimento de JJ- sessão de julgamento de 23/11/2023, com início: 14:58h e termo: 15:08h, por referência à Ata da Audiência de Julgamento, minutos 03:16m a 03:34m e 06:55m a 09:29m infra transcrito e que se dá aqui por integralmente reproduzido e Depoimento de GG- sessão de julgamento de 23/11/2023, com início: 09:50h e fim 11:14h, por referência à Ata da Audiência de Julgamento, Minutos 43:53m a 45:55m infra transcrito e que se dá aqui por integralmente reproduzido) (cfr. neste sentido, Acórdão do TRC de 12/06/2012, processo n.º 1119/10.5TBPBL-E.C2);

28) Quanto à obra atinente à eliminação de uma porta que dava para o exterior e que foi substituída por janela e consequente alteração da sala em função da eliminação da porta (cfr. pontos 3.22 e 3.29 dos factos provados), a única obra autorizada pelo proprietário (cfr. al. e) dos factos não provados), resulta do depoimento dos Peritos, que tal obra se traduz numa mais valia para o prédio em causa (cfr. Esclarecimentos dos Srs. Peritos - sessão de julgamento de 20/11/2023, com início: 14:09h e termo: às 15:22h e início: 15:29h e termo: 15:31h, por referência à Ata da Audiência de Julgamento, Minutos: 01:07m a 04:46m e Minutos: 52:00m a 56:50m: infra transcritos e que se dão aqui por integralmente reproduzidos);

29) obra atinentes ao levantamento da tijoleira existente na cozinha e do revestimento cerâmico e pavimentos (cfr. ponto 3.1 e 3.2 3.8, 3.18 e 3.21 dos factos provados): ausência de prova de que a realização de tais benfeitorias tenham acrescentado valor ao imóvel, ou de aumento da utilidade, em face daquilo que existia, o objetivo foi meramente estético, sendo uma opção da autora, por a tijoleira ali existente ter um aspeto antigo (pese embora reconhecer que não conhecia a casa antes) tendo-se substituído a tijoleira e revestimento cerâmico unicamente pelo facto de ter sido remodelada toda a cozinha, não existindo qualquer patologia, não se demonstrou que houve efetivo aumento de valor, por se desconhecer a qualidade e material do revestimento/pavimento anteriormente colocados e a técnica usada (cfr. Depoimento de GG- sessão de julgamento de 23/11/2023, com início: 09:50h e fim 11:14h, por referência à Ata da Audiência de Julgamento, Minutos 06:52m a 20:24m supra transcrito e que se dá aqui por integralmente reproduzido).

30) Quanto às demais obras realizadas na cozinha, referentes aos pontos 3.3, 3.4, 3.5, 3.6, 3.7, 3.8, 3.9, 3.10, 3.11, 3.12, 3.13 e 7 dos factos provados: ausência de prova quanto ao acrescento valor ao imóvel; ausência de prova do aumento da utilidade; remodelação da cozinha por objetivos meramente estéticos, de conforto e de comodidade para a Autora, por a cozinha existente, apesar de utilizável, não era moderna, e não conferia em termos de layout de organização as condições ideais pretendidas pela Autora, tendo-se remodelado toda a cozinha, incluindo canalização e parte elétrica, porque tal era necessário por causa da opção estética de mudança de layout e porque do momento em se decide fazer obras na cozinha, não faz sentido manter nada do que existia (cfr. Depoimento de GG- sessão de julgamento de 23/11/2023, com início: 09:50h e fim 11:14h, por referência à Ata da Audiência de Julgamento, Minutos 00:59m a 03:29m, 06:52m a 20:24m e 01:13:21m a 01:14:16m, supra transcrito e que se dá aqui por integralmente reproduzido).

31) No que respeita às obras realizadas na casa de banho, referentes aos pontos 3.16, 3.17, 3.25 e 7 dos factos provados, remete-se para o alegado no ponto anterior; remodelação total por objetivos estéticos e de comodidade para a Autora, por a casa de banho existente não ser moderna, não ter equipamento moderno e não cumprir requisitos que agora se exigem atualmente nas casas em termos de conforto, tendo-se remodelado toda a casa de banho, incluindo substituição louças e rede de água, porque tal era necessário por causa da opção estética de mudança de louças e alargamento casa de banho e porque do momento em se decide fazer obras, não faz sentido manter nada do que existia (cfr. Depoimento de GG- sessão de julgamento de 23/11/2023, com início: 09:50h e fim 11:14h, por referência à Ata da Audiência de Julgamento, Minutos 00:59m a 03:29m, 20:39m a 27:29m e 01:18:10m a 01:19:34m, supra transcrito e que se dá aqui por integralmente reproduzido).

32) Alargamento de portas para dar passagem a cadeira de rodas (cfr. ponto 3.23 dos factos provados): ausência de prova quanto à necessidade de realização dessa obra (cfr. Depoimento de GG- sessão de julgamento de 23/11/2023, com início: 09:50h e fim 11:14h, por referência à Ata da Audiência de Julgamento, Minutos 37:02m a 38:18m, supra transcrito e que se dá aqui por integralmente reproduzido).

33) A instalação de escada articulada para acesso ao sótão (cfr. ponto 6.º dos factos provados) foi apenas para facilitar passagem (cfr. Depoimento de GG- sessão de julgamento de 23/11/2023, com início: 09:50h e fim 11:14h, por referência à Ata da Audiência de Julgamento, Minutos 48:21m a 49:44m, supra transcrito e que se dá aqui por integralmente reproduzido).

34) Termos em que e atenta a prova produzida impõe que o facto dado como provado no artigo 14.º seja dado como não provado e consequentemente a ação julgada improcedente – o que e requer.

35) Por último, quanto ao não preenchimento dos requisitos do enriquecimento sem causa que permitam a atribuição de indemnização à Autora, seguindo a doutrina e jurisprudência citadas na motivação, inexiste enriquecimento por parte dos Réus à custa da Autora, por resultar dos autos que a Autora adquiriu o imóvel em 02/10/2018, com as alegadas benfeitorias, pelo valor de 102.706,62€ (cfr. artigo 21.º e 23.º do facto provado), ou seja, a aquisição do prédio foi efetuada por um valor abaixo do valor de mercado dado àquela mesma data, em 75.879,60€, considerando que o tribunal ad quo deu como provado, atendendo ao Relatório Pericial do Perito do tribunal e do Réus, no artigo 16.º, que o valor de mercado do prédio ascendia em 2018 a 197.573,00€.

36) Ora, atendendo que a Autora adquiriu o prédio em causa abaixo do valor de mercado em 75.879,60€, face ao seu valor real de mercado, configuraria uma situação de manifesto enriquecimento ilegítimo e sem causa, por parte da Autora, à custa dos Réus, não admitido pelos artigos 1273.º e 1275.º do CC, com o consequente empobrecimento do reu, e até de abuso de direito, a não ponderação de tal situação na medida do cálculo do enriquecimento/ empobrecimento, sob pena de conduzir a uma situação de empobrecimento ilegítimo do Réu.

37) Foram violados os artigos 1253.º, 1251.º, 1273.º, 1275.º, 216.º, 1138.º, n.º 1, 342.º, n.º 1, 350.º, 8.º, n.º 1, 473.º, 479.º do CC, artigos 5.º, n.ºs, 1 a 3, 514.º, n.º 1, 414.º do CPC.

Nestes termos e nos mais de direito, que V. Exas. suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, e em consequência ser revogada a Douta Sentença proferida, julgando totalmente improcedente a ação, tudo com as consequências legais, com o que farão, como sempre, JUSTIÇA!”.

A recorrida AA apresentou contra-alegações, pugnando pela rejeição do recurso na parte em que impugna a decisão relativa à matéria de facto e, em todo o caso, pelo não provimento do recurso.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II. OBJECTO DO RECURSO

A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.

B. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pela recorrente, no caso dos autos cumprirá apreciar:

- se ocorreu erro na apreciação da matéria de facto;

- existência ou não do reclamado crédito por benfeitorias reclamado pela Autora.

III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

III.1. Pelo tribunal recorrido foram considerados provados os seguintes factos:

1. A Autora reside e habita numa casa dos Réus BB e mulher CC, seus pais, sito na Rua ..., Avenida ..., ..., ..., ..., inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias ..., ..., ... e ... do concelho ... sob o art.º 805.º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ovar sob o n.º ...97/198701112;

2. A qual lhe foi cedida, para esse efeito, há mais de 30 anos, pelos Réus, sem qualquer contrapartida e sem prazo;

3. Entre 2012 e 2015, a Autora realizou e custeou em tal imóvel, a suas expensas ou com dinheiro emprestado, várias obras, designadamente:

3.1. Levantamento da tijoleira existente em cozinha;

3.2. Levantamento de revestimento cerâmico;

3.3. Desmontar caixilharia existente;

3.4. Preparação de paredes de cozinha;

3.5. Pintura;

3.6. Nova rede de abastecimento de água fria e quente;

3.7. Nova banca de aço e respectivas misturadoras;

3.8. Novo revestimento cerâmico na cozinha com posterior betuminação e limpeza;

3.9. Colocação de novas portas, aros e guarnições em material esmaltado;

3.10. Novas ferragens e puxadores;

3.11. Novos móveis de cozinha;

3.12. Fornecimento e colocação de vidro temperado;

3.13. Execução de rede de gás;

3.14. Fornecimento de nova caixilharia em PVC em todas as janelas;

3.15. Reparação e algumas alterações no 1º andar;

3.16. Substituição de louças, torneiras, canalização de água quente, frio e aquecimento, esgotos;

3.17. Ampliação do WC, substituindo as louças existentes, canalização, base de chuveiro e instalação de cabine em vidro;

3.18. Remoção dos tectos, paredes, pinturas e substituição do pavimento nos quartos e corredor;

3.19. Pintura da garagem;

3.20. Eliminação da caixa de esgotos que estava na sala de jantar, bem como diversificação dos esgotos;

3.21. Pavimentos levantados e substituídos no Rés do Chão;

3.22. Alteração da sala de jantar e estar em função da eliminação da porta, para se tornar mais funcional;

3.23. Substituição de todas as portas permitindo assim uma possível passagem de cadeira de rodas;

3.24. Pladur nos tectos das salas de jantar e estar, bem como no escritório;

3.25. A casa de banho do rés do chão foi modificada, tendo substituído a banheira por base de chuveiro, cabine em vidro, nova canalização e esgotos, louças, torneiras;

3.26. A tubaria da moradia foi toda substituída;

3.27. Electrificação totalmente nova;

3.28. Janelas, caixilharias e portas todas substituídas;

3.29. Eliminação de uma porta que dava para o exterior e que foi substituída por janela;

3.30. Instalação de recuperador de calor e respectiva canalização;

3.31. Substituição do telhado, isolamento em duas paredes e pintura exterior efectuada pela empresa B... de Coimbra;

3.32. A porta exterior foi substituída pela empresa C...;

3.33. Pintura interior;

3.34. Instalação de escada articulada para acesso ao sótão, bem como a respectiva abertura na placa;

3.35. Marquise reparada e alterada;

3.36. Passeio frontal reparado;

3.37. Alteração da posição das portas na cozinha e abertura e fecho de janela que dava para a marquise;

4. No que a Autora despendeu a expensas exclusivamente suas, em 2012 a 2015, para obras e trabalhos na referida habitação da Rua ... em ... – ... a quantia de 46.678,75€ com o empreiteiro FF, correspondendo 36.650,18€ (trinta e seis mil e seiscentos e cinquenta euros e dezoito cêntimos) a mão-de-obra e 10.028,57€ a material adquirido por este empreiteiro a D..., E..., Drogaria do F..., G... Lda.;

5. Antes disso e até à sua resolução por justa causa pela dona da obra, trabalhos houve que foram adjudicados por contrato à empresa A..., Lda, a quem a Autora pagou a expensas suas a quantia de 24.102,37€;

6. A Autora instalou ainda no imóvel a expensas exclusivamente suas uma Porta Segurança Dierre Asso 5 CE Top Line Anticorrosão, no que despendeu a quantia de 1.880,01€

7. Bem como despendeu a expensas exclusivamente suas 4.127,50€ em mobiliário de cozinha e de casa de banho instalado em tais divisões do imóvel ainda no ano de 2012;

8. A Autora despendeu ainda, com dinheiro emprestado por KK de quem ficou devedora no respectivo montante, num Sistema de Aquecimento Central instalado em Abril de 2014 no imóvel a quantia de 6.839,49€;

9. A Autora despendeu ainda a expensas exclusivamente suas 15.928,50€ com a reparação da cobertura do telhado e das empenas laterais da moradia, bem como com a pintura da fachada principal e posterior da moradia

10. Bem como a expensas exclusivamente suas despendeu em 2012 3.150,00€ com a instalação de um aparador fixo com gavetas e portas de correr para as diferentes divisões da moradia;

11. Os Réus autorizaram os trabalhos referidos em 3.29 (eliminação de porta exterior e sua substituição por uma janela);

12. As obras, trabalhos e objectos instalados na casa não podem ser retirados sem destruição dos mesmos e danificação da casa;

13. Ascendendo o custo das obras aos montantes gastos;

14. As obras realizadas valorizaram o imóvel, em montante que em concreto não foi possível precisar;

15. Actualmente, o valor de mercado do prédio ascende a €215.000,00;

16. Em 2018, o valor de mercado do prédio ascendia a €197.573,00;

17. O Banco 1..., S.A. instaurou processo executivo contra os aqui Réus, que corre termos no Juízo de Execução de Oliveira de Azeméis sob o n.º ..., para pagamento da quantia de 12.494,91€ acrescidos de juros, tendo por base uma livrança subscrita pela sociedade H..., Lda. e avalizada pelos aqui Réus BB e CC;

18. No âmbito desse processo foi penhorada e registada a penhora sobre o prédio aqui em causa, pertencente aos Réus;

19. A aqui Autora deduziu em tal processo o requerimento a que alude o art.º 792.º do Código de Processo Civil, alegando direito de retenção em virtude de obras realizadas entre 2012 e 2015 no imóvel, num total de € 102.706,62;

20. O Banco exequente apresentou impugnação aos créditos reclamados pela aqui Autora nessa execução;

21. No âmbito dessa execução, o imóvel foi, entretanto, licitado em leilão electrónico encerrado em 02/10/2018 pela aqui Autora e credora reclamante em tal processo, pelo valor de € 121.693,40;

22. Nessa sequência, após o pagamento das obrigações ficais devidas pela aqui Autora adquirente do imóvel em sede de IMT e Imposto de Selo e do depósito da quantia do preço na parte excedente ao crédito reclamado nessa acção executiva e peticionado na presente acção, em 19/10/2018 pela Sra. Agente de Execução em tal processo executivo lavrado título de transmissão do imóvel a favor da adquirente aqui Autora e credora reclamante em tal processo executivo com constituição de hipoteca legal para garantia do depósito do preço de que ficou dispensada nos termos dos art. 815.º, n.ºs 2 e 3, aplicáveis ex vi art. 792.º, n.º 6, do CPC;

23. Tais aquisição e hipoteca foram registadas sob as inscrições AP. ...37 e ...38 de 2018/10/19 ao prédio descrito na CRP de Ovar sob o n.º ...97/19870112 que está em causa nos autos;

24. Por decisão proferida em 30 de Setembro de 2021 pelo Supremo, no âmbito do apenso A, em virtude do falecimento do Réu BB em ../../2020, no estado de casado sob o regime de comunhão geral de bens com CC, foram habilitados CC; DD e seu cônjuge EE como seus representantes.

III. 2. E julgou não provados os seguintes factos:

a) Estado do prédio entre 2012 e 2015, em virtude do decurso normal do tempo;

b) Antes da realização das obras, entre 2012 e 2015, o imóvel estava velho e degradado;

c) A autora realizou as obras em virtude do imóvel estar velho e degradado e a fim de evitar a sua deterioração/degradação;

d) Para além da obra referida em 3.29., os Réus autorizaram as demais obras realizadas;

e) Para além da obra referida em 3.29. as demais obras foram realizadas com o conhecimento e o consentimento dos Réus;

f) Valor de mercado do prédio antes das obras;

g) Valor de mercado actual do prédio sem as obras;

h) As obras valorizam o imóvel em montante não inferior ao seu custo;

i) Deterioração da casa resulta da falta de conservação e uso indevido pela Autora;

j) A Autora ocupa a casa por mero favor dos Réus;

k) A autora realizou as obras aproveitando-se de um mero favor feito pelos pais para, assim, locupletar-se à sua custa, exigindo um valor completamente exagerado que, bem sabe, os Réus não dispõem e não têm qualquer capacidade para dispor;

l) A Autora realizou as obras para prejudicar os Réus;

m) A Autora conscientemente está a actuar contra a verdade dos factos.

IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

1. Questão prévia: da admissibilidade da impugnação da decisão relativa à matéria de facto.

Pugna a recorrida pela rejeição liminar do recurso que visa a reapreciação da matéria de facto alegando, para o efeito, que “a recorrente não deu cumprimento ao ónus que se lhe impunha de explanação crítica dos motivos, fundamentos e razões críticas sobre as provas e a sua valoração que justificam a formulação de um juízo crítico de erro de julgamento da decisão recorrida e a sua alteração, adiantando apenas as razões do seu ponto de vista sobre a prova produzida e não adiantando razões de crítica à Douta Sentença e à sua fundamentação da decisão da matéria de facto”.

A recorrente impugnou a decisão no que concerne aos factos dados como provados nos pontos 3 a 10.º, 13.º e 14.º, defendendo deverem os mesmos ser considerados não provados - cfr. alínea 12) das conclusões.

Expõe a mesma, designadamente nas conclusões elencadas nas alíneas 8) a 11) quanto à efectiva realização das alegadas benfeitorias, as razões pelas quais, na sua perspectiva, não foi produzida prova suficiente para que se possa ter como comprovada a factualidade constante daqueles segmentos decisórios e que, também no seu entender, justificam a reclamada alteração.

Assim, não existe qualquer fundamento para rejeição do recurso quanto à reapreciação da matéria em causa.

Também a recorrente impugna a decisão no que concerne à apreciação da matéria elencada na alínea j) dos factos não provados. Porém, não indica os concretos meios de prova, constantes do processo ou do registo ou gravação, que imponham decisão diversa da proferida em primeira instância, tal como impõe o artigo 640.º, n.º 1, b) do Código de Processo Civil.

Como é pacificamente aceite, o incumprimento de algum dos ónus previstos no citado artigo 640.º determina, sem possibilidades de soluções paliativas, a imediata rejeição do recurso na parte abrangida por tal incumprimento.

Como tal, rejeita-se o recurso na parte em que visa a impugnação da decisão relativa à apreciação da matéria contida na alínea j) dos factos não provados.
2. Reapreciação da matéria de facto.
Dispõe o n.º 1 do artigo 662.º do Código de Processo Civil que “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”, estabelecendo, por sua vez, o n.º 2:
A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta”.
Como refere A. Abrantes Geraldes[1], “a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência”… “afastando definitivamente o argumento de que a modificação da decisão da matéria de facto deveria ser reservada para casos de erro manifesto” ou de que “não é permitido à Relação contrariar o juízo formulado pela 1ª instância relativamente a meios de prova que foram objecto de livre apreciação”, acrescentando que este tribunal “deve assumir-se como verdadeiro tribunal de instância e, por isso, desde que, dentro dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova, encontre motivo para tal, deve introduzir as modificações que se justificarem”.
A recorrente, por discordar do decidido em primeira instância quanto ao julgamento da matéria elencada no pontos 3.º a 10.º, 13.º e 14.º[2] dos factos dados como provados, reclama desta instância de recurso a sua reapreciação.
O decidido quanto aos pontos 3.º a 10.º dados como provados mostra-se assim motivado na sentença sob recurso: “Quanto aos pontos 3. a 10.: O pedido de licenciamento, as declarações, as facturas, o contrato de prestação de serviços, as cartas da A..., o contrato de adjudicação à B... e o contrato de prestação de serviços com a A... juntos, conjugados com os depoimentos prestados por: - GG, arquitecta contratada pela Autora, a qual confirmou a realização das obras efectuadas entre 2012 e 2015; - KK, companheiro da Autora há cerca de 13 anos, o qual confirmou as obras realizadas e as correspondentes despesas da Autora, bem como os montantes por si emprestados para o efeito à Autora; - II, à data, possuidor da “I... – Mobiliário”, o qual confirmou o fornecimento dos móveis para cozinha e wc´s e o pagamento de tais fornecimentos pela Autora, confirmando ainda a declaração junta com a p.i. como doc. 19; - JJ, dono da J..., confirmou os fornecimentos e pagamento a que se reportam as facturas juntas como docs. 20 e 21 com a p.i.; - LL, engenheiro civil da B..., o qual confirmou o contrato de adjudicação, os serviços efectuados pela sua empresa e o pagamento dos mesmos pela Autora; - MM, sócio-gerente da “K...”, o qual confirmou os serviços efectuados e o seu pagamento, bem como a declaração junta com a p.i. como doc. 27; - FF, construtor civil, o qual confirmou os serviços por si efectuados, ao serviço (na qualidade de encarregado) da A... e, posteriormente, a título individual, bem como os pagamentos que a Autora lhe fez destes últimos serviços, confirmando ainda o teor dos documentos juntos como docs. 5 e seguintes e explicando o teor dos elementos por si juntos em 11/12/2023”.
Relativamente aos pontos 13.º e 14.º dos factos considerados provados, cuja decisão também foi alvo da impugnação da recorrente, o tribunal recorrido fundamentou desta forma os aludidos segmentos decisórios: “Quanto aos pontos 12. a 14: O teor do relatório pericial do perito escolhido pela Autora. É certo que, os demais peritos não deram resposta a tais matérias, mas tal ficou a dever-se, no fundo, ao facto de desconhecerem que obras foram realizadas, a data da sua execução e quem as mandou executar, face aos elementos constantes dos autos. Sucede que, como vimos (pontos 3. a 10. da matéria provada), ficou demonstrada a realização das obras pela Autora, no assinalado período. O Sr. Perito da Autora também lá conseguiu chegar, tendo em consideração a data de construção do imóvel (1982) e os materiais aplicados. E, comprovadas todas essas obras, afiguram-se-nos correctas as conclusões a que chegou o Sr. Perito que partiu dessa premissa, no sentido de que não podem ser retiradas sem destruição dos mesmas e danificação da casa, ascendendo o custo das obras aos montantes gastos e tendo as mesmas valorizado o imóvel.
Já quanto ao montante em que valorizaram o imóvel, não podemos, salvo o devido respeito, acompanhar tal relatório. Com efeito, nenhuma prova suficiente foi feita no sentido de que o imóvel, antes da realização das obras, estava degradado. Desconhecendo-se o estado de conservação do imóvel antes das obras, não é possível determinar em que medida estas o valorizaram”.
Importa notar que a sindicância cometida à Relação quanto ao julgamento da matéria de facto efectuado na primeira instância não poderá pôr em causa regras basilares do ordenamento jurídico português, como o princípio da livre apreciação da prova[3] e o princípio da imediação, tendo sempre presente que o tribunal de 1ª instância encontra-se em situação privilegiada para apreciar e avaliar os depoimentos prestados em audiência. O registo da prova, pelo menos nos moldes em que é processado actualmente nos nossos tribunais – mero registo fonográfico –, “não garante a percepção do entusiasmo, das hesitações, do nervosismo, das reticências, das insinuações, da excessiva segurança ou da aparente imprecisão, em suma, de todos os factores coligidos pela psicologia judiciária e dos quais é legítimo ao tribunal retirar argumentos que permitam, com razoável segurança, credibilizar determinada informação ou deixar de lhe atribuir qualquer relevo”[4].
Também é certo que, como em qualquer actividade humana, sempre a actuação jurisdicional comportará uma certa margem de incerteza e aleatoriedade no que concerne à decisão sobre a matéria de facto. Mas o que importa é que se minimize tanto quanto possível tal margem de erro, porquanto nesta apreciação livre o tribunal não pode desrespeitar as máximas da experiência, advindas da observação das coisas da vida, os princípios da lógica, ou as regras científicas[5].
De todo o modo, a construção da realidade fáctica submetida à discussão não se poderá efectuar de forma parcelar e desconexa, atendendo apenas a determinado meio de prova, ou a parte dele, e ignorando todos os demais, ainda que expressem realidade distinta, a menos que razões de credibilidade desacreditem estes.
Ou seja: nessa tarefa não pode o julgador conformar-se com a análise parcelar e parcial transmitida pelos litigantes, mas antes submetê-la a uma ponderação dialéctica, avaliando a força probatória do conjunto dos meios de prova destinados à demonstração da realidade submetida a debate.
Assinale-se que a construção – ou, melhor dizendo, a reconstrução, pois que é dela que se deve falar quando, como no caso, se procede à ponderação dos factos que por outros foram apreendidos e transmitidos com o filtro da interpretação própria de quem processa essa apreensão – da realidade fáctica não pode efectuar-se de forma parcelar e desconexa, antes reclamando o contributo conjunto de todos os elementos que a integram.
Quer isto dizer que a realidade surge de um conjunto coeso de factos, entre si ligados por elos de interdependência lógica e de coerência.
A realidade não se constrói apenas a partir de um depoimento isolado ou de um conjunto disperso de documentos, ainda que confirmadores de uma determinada versão factual, antes se deve conformar com um património fáctico consolidado de forma sólida, coerente, transmitido por elementos probatórios com idoneidade e aptidão suficientes a conferir-lhe indiscutível credibilidade.
Como se escreveu no acórdão da Relação de Lisboa de 21.12.2012[6], “…a verdade judicial traduz-se na correspondência entre as afirmações de facto controvertidas, relevantes e pertinentes, aduzidas pelas partes no processo e a realidade empírica, extraprocessual, que tais afirmações contemplam, revelada pelos meios de prova produzidos, de forma a lograr uma decisão oportuna do litígio. Sobre as doutrinas da verdade judicial como mera coerência persuasiva ou como correspondência com a realidade empírica, vide Michele Taruffo, La Prueba, Marcial Pons, Madrid, 2008, pag. 26-29. Quanto à configuração do objecto da prova e a sua relação com o thema probandum, vide Eduardo Gambi, A Prova Civil – Admissibilidade e relevância, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, Brasil, 2006, pag. 295 e seguintes; LLuís Muñoz Sabaté, Fundamentos de Prueba Judicial Civil L.E.C. 1/2000, J. M. Bosch Editor, Barcelona, 2001, pag. 101 e seguintes.
Por isso mesmo, a “reconstrução” cognitiva da verdade, por via judicial, não tem, nem jamais poderia ter, a finalidade exclusiva de obter uma explicação exaustiva e porventura quase irrefragável do acontecido, como sucede, de certo modo, nos domínios da verdade história ou da verdade científica, muito menos pode repousar sobre uma crença inabalável na intuição pessoal e íntima do julgador. Diversamente, tem como objectivo conseguir uma compreensão altamente provável da realidade em causa, nos limites de tempo e condições humanamente possíveis, que satisfaça a resolução justa e legítima do caso (…)”.
A factualidade constante dos pontos 3.º a 10.º dos factos considerados provados na sentença aqui escrutinada - obras/trabalhos efectuados, respectivos valores e pagamento dos mesmos - encontra suporte probatório nos elementos documentais nela expressamente identificados, mas igualmente nos depoimentos das indicadas testemunhas que confirmaram a execução dos trabalhos, valores e pagamento efectuado pela Autora.
Assim:
- GG, arquitecta, fez, a pedido da Autora, o projecto relativo às obras e efectuou o seu acompanhamento, esclarecendo detalhadamente quais as obras executadas;
- JJ, responsável pela empresa J..., confirmou os trabalhos realizados por esta – aquecimento central, com fornecimento de colocação de recuperador de calor e radiadores -, bem como o pagamento das facturas constantes dos autos;
- HH, que, por volta de 2011/2012, se deslocou ao imóvel, tendo, a pedido do engenheiro KK, companheiro da Autora, sugerido quais as obras a efectuar para obter melhor isolamento, nomeadamente, das fachadas e caixilharias e substituição do telhado. Referiu que a moradia precisava de alguns melhoramentos;
- FF, construtor civil, que precisou ter efectuado pessoalmente para a Autora “uns trabalhos pequenos”, por volta de Janeiro de 2012, tendo depois realizado, por conta da empresa “A...”, que o contratou, outros trabalhos na casa da Autora, tendo terminado, por volta de meados do ano de 2012, os trabalhos que a referida empresa deixou por concluir.
Referiu terem alguns pagamentos sido efectuados pela A... e que a partir da altura em que passou a realizar directamente os trabalhos para a Autora era esta quem lhe pagava, umas vezes através de cheque, outras mediante entrega de numerário, não tendo emitido facturas porquanto “nessa altura não estava a passar facturamento”, por não estar então colectado.
Confirma ter redigido e assinado a declaração junta aos autos, e que as facturas posteriores a Setembro de 2012 dizem respeito a materiais por si adquiridos para aplicar na execução da obra na casa da Autora.
- MM, sócio-gerente da empresa “K...”, confirmou igualmente os trabalhos efectuados na casa da Autora, bem como o teor da declaração junta com a petição inicial como documento n.º 27, afirmando não poder precisar se os trabalhos foram ou não facturados, pois quem na altura “tratava mais das contas” era o seu pai e o seu tio.
Importa assinalar que os depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas à matéria dos indicados segmentos decisórios incidiram sobre factos ocorridos há mais de uma década, banalizados em função da rotina inerente à actividade profissional desempenhada pelas mesmas, não lhes podendo, por isso, ser reclamado o mesmo rigor e precisão que seria exigível em relação a factos mais recentes ou cuja singularidade justificasse maior retenção na memória.
Acresce, por outro lado, que algumas das testemunhas ouvidas acerca da controvertida matéria explicaram, em termos de coerência e de lógica, as circunstâncias em que foram emitidas as facturas juntas aos autos, ou a ausência de facturas que determinaram a emissão das declarações também remetidas ao processo.
Os depoimentos em causa, prestados por quem não tem qualquer interesse no desfecho da acção (à excepção da testemunha KK, companheiro da Autora há cerca de 13 anos, mas que, não obstante essa ligação, prestou um depoimento objectivo, sem razões que permitam duvidar da sua credibilidade), consolidados pelo teor dos documentos indicados na fundamentação da decisão impugnada, permitem plenamente atestar a realização das obras, natureza e valores pagos pelas mesmas, e pagamento suportado pela Autora, não se justificando, em termos probatórios, a exigência dos documentos indicados nas alegações de recurso da recorrente, não se cuidando, em concreto, da avaliação da regularidade procedimental da execução das obras efectuadas.
A decisão relativa à factualidade constante dos pontos 13.º e 14.º fundamentou-se na prova pericial realizada nos autos e nos respectivos relatórios, sendo certo que nenhum outro meio probatório revelou aptidão para permitir formular juízo acerca da matéria neles vertida.
Tal como resulta do artigo 389.º do Código Civil, “a força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal”.
A prova pericial não tem, pois, natureza tarifada: “a força probatória das respostas dos peritos não é vinculativa para o tribunal, que pode afastar-se livremente do seu parecer, quer porque tenha partido de factos diferentes dos que aceitou o perito, quer porque discorde das conclusões deles ou dos raciocínios em que elas se apoiam, quer porque os demais elementos úteis de prova existentes nos autos sejam mais convincentes, em seu entender, que o laudo dos peritos[7].
O perito nomeado pelo tribunal e o perito indicado pelos Réus abstiveram-se de indicar o valor de mercado actual do imóvel sem as alegadas obras realizadas pela Autora e o valor que teria, à data, sem a realização das obras, invocando, para o efeito, o desconhecimento das obras executadas e o estado de conservação do prédio à data.
Já o perito indicado pela Autora indica, fundadamente, qual o valor actual do imóvel, com as obras e sem as obras, referindo que em 2012, antes das obras, valia € 59.980,04 e em 2015, depois de realizadas as obras, o seu valor era de € 144.234,80, precisando igualmente qual o valor das diversas obras realizadas.
Note-se que o que, na invocação dos dois primeiros peritos, os impossibilitou de emitir parecer quanto ao valor do imóvel, antes e depois das obras efectuadas, e valor destas, foi a circunstância de desconhecerem as alegadas obras[8], dificuldade que o perito indicado pela Autora conseguiu facilmente contornar tendo podido “constatar que tais trabalhos se encontram instalados no imóvel, e que não datam da construção inicial do imóvel que é de 1982 e assim há 40 anos, mas de há não mais de 10 anos, tendo em conta a sua natureza e o seu estado de conservação, e corresponderem às descrições do documento 5 junto com a petição”.
Resulta, de resto, do conhecimento geral e das regras de experiência comum que a globalidade das obras realizadas pela Autora conferem, pela sua própria natureza, um valor acrescido, em termos de mercado, do imóvel objecto do restauro/reabilitação.
Pelo exposto, não se vislumbra fundamento para alterar o decidido quanto à matéria objecto de impugnação, pelo que se mantém, sem alterações, o decidido quanto à matéria de facto, improcedendo, nessa parte, o recurso.
2. Do mérito da decisão recorrida.
2.1. Da caracterização da relação negocial ao abrigo da qual a Autora passou a ocupar o imóvel identificado no ponto 1.º dos factos provados.
Como resulta dos pontos 1.º e 2.º dos factos definitivamente assentes na sentença sob recurso, a Autora reside num prédio urbano que pertenceu a BB e mulher CC, seus pais, sito na Rua ..., Avenida ..., ..., ..., ..., inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias ..., ..., ... e ... do concelho ... sob o art.º 805.º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ovar sob o n.º ...97/198701112, o qual, para esse efeito, lhe foi cedido, há mais de 30 anos, pelos então proprietários, sem qualquer contrapartida e sem prazo.
Em contrapartida, não resultou provado que a Autora ocupa a casa por mero favor dos Réus – alínea j) dos factos não provados.
O artigo 1129.º do Código Civil contém a definição legal do contrato de comodato: “Comodato é contrato gratuito pelo qual uma das partes entrega à outra certa coisa móvel ou imóvel, para que se sirva dela com a obrigação de a restituir”.
Subjacentes a este tipo de contrato estão relações de cortesia, de gentileza, marcadas pela disponibilidade gratuita, concedida pelo dono da coisa: “É chamado comodato porque se dá para cómodo e proveito somente do que recebe a cousa[9].
Como refere Menezes Leitão[10], “a gratuitidade constitui [...] uma característica essencial do comodato, pelo que, se for estipulada qualquer contraprestação como contrapartida do uso da coisa, o contrato passará a ser qualificado como de locação se essa contraprestação tiver natureza pecuniária ou como um contrato atípico nas restantes situações[11].
Em anotação ao artigo 1129.º, esclarecem Pires de Lima e Antunes Varela[12]: “...Tal contrato apesar de gratuito, não deixa em regra de ser bilateral imperfeito: o contrato envolve obrigações, não só para o comodatário, mas também para o comodante.
Não há, porém, entre umas e outras a relação de interdependência e reciprocidade que, através do sinalagma, define os contratos bilaterais ou sinalagmáticos (perfeitos)... não há assim uma obrigação autónoma ao lado da entrega da coisa: a entrega é que é feita sob o signo da temporalidade”.
São elementos caracterizadores do contrato de comodato: a sua natureza gratuita, a temporalidade e o dever de restituição, nos termos definidos pelo artigo 1137.º do Código Civil.
Explica o Conselheiro Rodrigues Bastos, em anotação ao artigo 1137.º do Código Civil: “Não se tendo estipulado prazo certo para a restituição, o comodato considera-se convencionado pelo tempo necessário a fazer-se o uso para o qual a coisa foi comodatada.
Se a duração do contrato não foi expressamente convencionada, nem foi determinado o uso a dar à coisa comodada, o comodatário é obrigado a restituí-la logo que lhe seja exigida[13].


O circunstancialismo fáctico recolhido nos autos permite qualificar, tal como o fez a sentença recorrida, como contrato de comodato a relação negocial estabelecida entre a Autora e os seus pais, mediante o qual estes, a título gratuito e temporário – pois não foi fixado qualquer prazo -, lhe cederam o imóvel de que eram proprietários para esta usufruir.
O argumento esgrimido pela recorrente de que “a Autora era mera detentora precária do imóvel, tendo exercido o poder de facto obre a coisa, quer antes, quer após as obras por mera tolerância do seu titular à data” não encontra validade no quadro factual apurado nos autos, que, ao invés, aponta para a existência de um contrato de comodato.
Tal contrato, como refere a sentença recorrida, extinguiu-se com a aquisição pela Autora do imóvel comodado[14].
2.2. Das benfeitorias realizadas pela Autora no imóvel.
Resulta comprovado nos autos que entre 2012 e 2015, isto é, antes de adquirir o imóvel, a Autora efectuou nele, a expensas exclusivamente suas, diversas obras, designadamente as descritas no ponto 3.º dos factos provados.
Segundo o artigo 216º, n.º 1 do Código Civil, benfeitorias são todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa.
As benfeitorias consistem nos melhoramentos feitos na coisa pelo proprietário, pelo possuidor, pelo locatário, comodatário, usufrutuário, distinguindo-se do instituto da acessão em que os melhoramentos são realizados por um terceiro, não ligado juridicamente à coisa objecto de tais melhoramentos, podendo este ser um simples detentor ocasional.
Para o critério subjectivo, a distinção arranca da existência ou inexistência de uma relação jurídica que vincule a pessoa à coisa beneficiada, e daí que a benfeitoria consista num melhoramento feito por quem está ligado à coisa em consequência de uma relação ou vínculo jurídico, ao passo que a acessão é um fenómeno que vem do exterior, de um terceiro que não tem qualquer contacto jurídico com a coisa.
Ao contrário da acessão, em que ocorre, através de uma construção nova, a união e incorporação de uma coisa com outra pertencente a proprietário diverso, atribuindo a lei, em determinadas condições, ao autor da acessão o direito de propriedade, na benfeitoria apenas é melhorada a coisa já existente, conferindo ao seu autor um direito de crédito ou direito ao seu levantamento.
Os n.ºs 2 e 3 do citado dispositivo distinguem as benfeitorias em necessárias, úteis e voluptuárias. Assim, são:
- necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa;
- úteis, as que, não sendo indispensáveis para a conservação da coisa, lhe aumentam, todavia, o valor;
- voluptuárias, as que, não sendo indispensáveis para a conservação da coisa, nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante.
Segundo Carvalho Fernandes[15], “As benfeitorias são necessárias quando têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa. Benfeitoria necessária é, pois, por exemplo, a reparação de uma parede, ou de um telhado de um prédio que ameacem ruir; ou a pintura de um automóvel que corra o risco de corrosão pela ferrugem.
Quando a benfeitoria, não cabendo na noção que fica definida, aumenta, contudo, o valor da coisa, diz-se útil. Benfeitoria útil é, por exemplo, a instalação da corrente eléctrica numa casa, ou a modernização nela existente.
Finalmente, as benfeitorias voluptuárias visam apenas o recreio de quem as realiza, como seja o caso de pintar de cores garridas ou às riscas um veículo automóvel, não carecido de pintura, mas pelo simples facto de ele se tornar assim mais agradável ao seu dono.”
2.2.1. Do alegado incumprimento do ónus de alegação por parte da Autora de matéria fáctica que permita a integração e classificação das alegadas obras no conceito de benfeitorias necessárias ou úteis.
Invoca, entre o mais, a recorrente no n.º 4 das conclusões recursivas a não descrição, nem caraterização dos alegado trabalho de molde a propiciar a qualificação jurídica como benfeitoria úteis ou necessárias, tais factos materiais não são complementares, nem meramente instrumentais, mas são factos essenciais que constituem a causa de pedir.
Desde já se adianta não ter a recorrente razão.
Pode ler-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.01.2022, proferido nestes autos no âmbito do recurso de revista excepcional interposto pela Autora: “ainda que se reconheça algumas deficiências na exposição dos factos pertinentes, afigura-se-nos, contrariamente ao afirmado pelas instâncias, que a alegação feita pela autora feita na petição inicial que habita, há mais de 30 anos, numa casa que os pais lhe emprestaram, na qual realizou, entre os anos de 2012 a 2015 e a expensas suas, as obras destinadas a evitar a deterioração do imóvel, que discrimina nos artigos 3.º a 10.º da petição inicial, e nas quais despendeu os valores também aí referidos, permite identificar a causa de pedir invocada não só em termos de definir o quadro ou o núcleo factológico, mas também de divisar o quadro normativo aplicável, ou seja, o disposto nos arts. 1129º, 1138º, nº1 e 1273º, todos do Código Civil, constituindo já a base factual mínima para alicerçar o pedido formulado de indemnização das alegadas benfeitorias”.
É, pois, claro que foi alegada factualidade bastante para o preenchimento da causa de pedir da acção tal como é configurada pela Autora e na qual assenta os pedidos deduzidos contra os Réus. Assim concluiu o mencionado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, transitado em julgado.
Como tal, não pode a recorrente ressuscitar questão para a qual já aquela instância superior deu resposta.
Em todo o caso, sempre importa adicionar alguns esclarecimentos.
Prescreve o artigo 552.º, n.º 1, d) do Código de Processo Civil, “Na petição, com que propõe a acção, deve o autor […] expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir”, ou seja, o conjunto dos factos constitutivos da situação jurídica que o autor quer fazer valer (os que integram a previsão da norma ou das normas materiais que estatuem o efeito pretendido).
Os factos a que se refere a norma em causa são os factos principais, na concepção ampla dos factos essenciais a que alude o n.º 1 do artigo 5.º da lei processual civil, que, integrando a causa de pedir, têm função fundamentadora do pedido deduzido. A falta de alegação de algum deles compromete a procedência do pedido deduzido, por insuficiência de fundamentação de facto do mesmo, isto é, da respectiva causa de pedir, conduzindo à absolvição do demandado do pedido contra ele formulado.
Alguns desses factos principais são, todavia, factos essenciais, mas agora numa acepção estrita: tratam-se de factos que cumprem a função individualizadora da causa de pedir, são eles que individualizam a pretensão do autor (a causa de pedir é, enquanto cumpre a sua função individualizadora, o núcleo fáctico essencial tipicamente previsto por uma ou mais normas como causa do efeito de direito material pretendido)[16]. Estando esses factos essenciais alegados, a causa de pedir mostra-se identificada, não podendo considerar.se inepta a petição inicial por falta de causa de pedir, embora possa estar incompleta se faltarem alguns dos outros factos principais.
Faltando factos essenciais (na acepção estrita), a petição inicial considera-se inepta, não há lugar a despacho de aperfeiçoamento para permitir que essa falta seja suprida, tendo como consequência processual a absolvição do réu da instância[17].
Omitidos outros factos principais, a petição inicial não será de considerar inepta, mas a causa de pedir acha-se incompleta ou está insuficientemente concretizada. Nesta hipótese deve ser proferido despacho de aperfeiçoamento, que actualmente tem natureza vinculativa, convidando o juiz a parte a suprir as irregularidades do articulado, ou a suprir as deficiências de alegação ou exposição dos factos, designadamente completando a causa de pedir através de alegação de factos que complementem ou concretizem os factos antes alegados[18], podendo a parte ainda manifestar a vontade de se aproveitar desses factos que venham a surgir durante a instrução do processo[19].
Explica Lebre de Freitas[20] que a função individualizadora da causa de pedir permite verificar se a petição é apta (ou inepta) para suportar o pedido formulado e se há ou não repetição da causa para efeito de caso julgado. Mas não é suficiente para que se tenha por realizada uma outra função da causa de pedir, que é a de fundar o pedido, possibilitando a procedência da acção.
A causa de pedir é formada pelo complexo de factos que constituem o suporte da pretensão formulada, que fundamentam o efeito jurídico peticionado pelo autor.
Como refere Abrantes Geraldes[21], “no que concerne à causa de pedir, que, com o pedido completa o objecto do processo, exige-se da parte do autor, normalmente patrocinado por profissional do foro, apetrechado com os necessários conhecimentos técnicos, que saiba identificar os fundamentos fácticos da sua pretensão, de acordo com os preceitos que são aplicáveis, e transpor para o articulado inicial, através da verbalização adequada, a realidade histórica que subjaz ao litígio”.
Esse imperativo, que onera o autor, decorre claramente dos artigos 5.º, n.º 1, 552.º, n.º 1, d) da lei adjectiva.
A primeira circunstância que conduz à ineptidão da petição ocorre quando não exista qualquer narração da factualidade que serve de suporte ao(s) pedido(s) da causa de pedir, ou no caso de falta de pedido, o qual permite identificar a tutela jurídica reclamada por quem exerce o direito de acção.
Daí que “…a falta de pedido ou de causa de pedir, traduzindo-se na falta de objecto do processo, constitui nulidade de todo ele, o mesmo acontecendo quando, embora aparentemente existente, o pedido ou a causa de pedir é formulado de modo tão obscuro que não se entende qual seja ou a causa de pedir é referida em termos tão genéricos que não constituem a alegação de factos concretos”[22].
Ocorre omissão de indicação de causa de pedir “quando falte a alegação do núcleo essencial dos factos integrantes da previsão das normas de direito substantivo concedentes do direito em causa”[23]. Só esta constitui fundamento de ineptidão da petição inicial, com a decorrência processual fixada no n.º 1 do artigo 186.º do Código de Processo Civil.
Com efeito, há que distinguir entre a falta absoluta de formulação de causa de pedir, traduzida na omissão de alegação do complexo factual que serve de fundamento à pretensão deduzida, e a insuficiência de causa de pedir, neste caso por o quadro fáctico alegado no articulado inicial não ser bastante para conduzir à procedência do efeito jurídico peticionado[24].
Já Alberto dos Reis[25] ensinava que “se o autor exprimiu o seu pensamento em termos inadequados, serviu-se de linguagem tecnicamente defeituosa, mas deu a conhecer suficientemente qual o efeito jurídico que pretendia obter, a petição será uma peça desajeitada e infeliz, mas não pode qualificar-se de inepta.
Importa não confundir petição inepta com petição simplesmente deficiente (…) quando (…) sendo clara quanto ao pedido e à causa de pedir, omite facto ou circunstâncias necessárias para o reconhecimento do direito do autor, não pode taxar-se de inepta: o que então sucede é que a acção naufraga”.
Também Anselmo de Castro[26] entende que “para que a ineptidão seja afastada, requer-se, assim, tão só, que se indiquem factos suficientes para individualizar o facto jurídico gerador da causa de pedir e o objecto imediato e mediato da acção. Com efeito, a lei - art. 193 º, n.º 2 al. a)- só declara inepta a petição quando falta ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir, o que logo inculca ideia da desnecessidade de uma formulação completa e exaustiva de um e outro elemento”.
Só a total falta de causa de pedir, isto é, a absoluta ausência de factos fundamentadores da pretensão deduzida, é geradora do primeiro daqueles vícios[27], o que no caso concreto, como veremos, não se verifica.
A circunstância da causa de pedir e/ou o pedido serem incompreensíveis, isto é, indecifráveis também determina a ineptidão da petição. Sem conteúdo ou pretensão, a acção não pode assegurar qualquer tutela jurídica que demande a intervenção do tribunal. A propósito da ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir esclarece Rodrigues Bastos[28]: “é necessário, porém, ter sempre presente que não é a obscuridade, a imperfeição ou equivocidade da indicação do pedido ou da causa de pedir que aquele preceito (al. a) do artigo 193º) contempla, como bem se vê da redacção do n.º 3 do mesmo artigo.”

Poderá, assim, dizer-se que a petição é inepta por ininteligibilidade “quando os factos e a conclusão são nela expostos em termos de tal modo confusos, obscuros ou ambíguos que não possa apreender-se qual é o pedido ou a causa de pedir[29].

A petição só será inepta por ininteligível quando, face à forma deficiente como os factos e/ou o pedido foram articulados, não for possível determinar qual a causa de pedir e/ou o pedido.

Outra circunstância que pode ditar a ineptidão da petição inicial verifica-se quando exista uma desarmonia irreversível entre a exposição dos factos e a pretensão jurídica formulada. Isto significa que o percurso expositivo da factualidade está em oposição com a pretendida solução jurídica, existindo um impacto entre ambas que não possibilita qualquer tutela jurisdicional.

Desse vício não padece claramente a petição inicial da Autora: nela descreve detalhadamente as obras que efectuou, entre 2012 e 2015, a expensas exclusivamente suas, no imóvel que ocupava por cedência gratuita dos seus pais. Também indica os valores gastos por si com a realização das aludidas obras, quais os objectivos a que se propôs com a concretização dessas obras, acrescentando que elas trouxeram maior valor ao imóvel, correspondente, no mínimo, ao valor das mesmas.

A Autora alegou, assim, factualismo nuclear bastante para conferir suporte aos pedidos formulados na acção, e cuja articulação não despertou dúvidas ou incompreensão nos Réus, que os contraditaram, no exercício do seu direito de defesa.

Não tem, por conseguinte, qualquer fundamento o alegado incumprimento do dever de alegação da Autora, nos termos convocados pela recorrente.

2.2.2. Da extinção da relação negocial de comodato pela aquisição do imóvel.

Alega a recorrente que, tendo ocorrido união da relação de comodato com o direito de propriedade, por aquisição do imóvel benfeitorizado pela Autora, daí decorre a existência de uma exceção perentória ou uma causa de improcedência da ação que deverá determinar a absolvição ou improcedência da lide com absolvição do réus e ocorrência de abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium.

As obras realizadas pela Autora, traduzindo-se em benfeitorias úteis, tal como são qualificadas pela sentença impugnada, ocorreram entre 2012 e 2015, enquanto a mesma ocupava o imóvel por cedência gratuita de seus pais, ou seja, em data muito anterior à aquisição do imóvel pela Autora em acção executiva.

Desta forma, o crédito pela realização das aludidas benfeitorias já estava constituído e consolidado quando a Autora adquiriu o imóvel.

Se a aquisição do imóvel, com o correspondente direito de propriedade constituído a favor da Autora, extingue o contrato de comodato, essa extinção não abrange os direitos formados na vigência daquele contrato.

Como refere a sentença recorrida, “O crédito por benfeitorias não se extingue pela aquisição superveniente da propriedade do prédio onde as mesmas foram realizadas, em sede de venda executiva, não se verificando, por isso, contrariamente ao pugnado pelos Réus, uma impossibilidade/inutilidade superveniente da lide.

Tal crédito nasceu com a realização das obras pela Autora, na qualidade de comodatária, e com a extinção do comodato. Naquela qualidade, que então detinha, de comodatária é que a Autora tem o direito de crédito por obras realizadas em coisa alheia sobre o então proprietário”.

2.3. Do preenchimento dos requisitos de que depende o direito de indemnização pela realização das benfeitorias.
Dispõe o artigo 1273.º do Código Civil:
1. Tanto o possuidor de boa fé como o de má fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela.
2. Quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa.”.
Tratando-se de benfeitorias úteis as realizadas pela Autora, incumbia a esta, para sustentar o direito à indemnização por ela reclamado, a prova de que as obras aumentaram o valor do imóvel, como decorre do artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil[30].
Igualmente sobre a Autora recaía o ónus de demonstrar a impossibilidade do levantamento das benfeitorias sem deterioração do imóvel.
Tais ónus probatórios foram satisfeitos pela Autora – cfr. pontos 12.º e 14.º dos factos provados.
Sustenta a recorrente que não se verifica, no caso, o preenchimento dos requisitos do enriquecimento sem causa que permitam a atribuição da indemnização à Autora, argumentando, para o efeito, que resulta dos autos que a Autora adquiriu o imóvel em 02/10/2018, com as alegadas benfeitorias, pelo valor de 102.706,62€ (cfr. artigo 21.º e 23.º do facto provado), ou seja, a aquisição do prédio foi efetuada por um valor abaixo do valor de mercado dado àquela mesma data, em 75.879,60€, considerando que o tribunal ad quo deu como provado, atendendo ao Relatório Pericial do Perito do tribunal e do Réus, no artigo 16.º, que o valor de mercado do prédio ascendia em 2018 a 197.573,00€.
A factualidade assente permite concluir ter a Autora realizado obras no prédio urbano cedido por empréstimo de seus pais, e do qual eram eles, à data, proprietários.
Também resulta demonstrado que as referidas obras de melhoramento proporcionaram incremento económico no imóvel, valorizando-o, ainda que não tenha sido possível apurar em quanto importou tal valorização – cfr. ponto 14.º dos factos provados.
Uma vez que também se apurou que as benfeitorias realizadas pela Autora não podem ser levantadas sem detrimento das mesmas e da própria casa onde foram implantadas, tem a mesma direito a ser indemnizada pelo valor do incremento económico que as mesmas proporcionaram aos então proprietário do imóvel pela valorização do imóvel obtida com as referidas benfeitorias. Tal indemnização deve ser calculada segundo as regras do enriquecimento sem causa, como decorre do citado artigo 1273.º, n.º 2 do Código Civil, e nos termos das quais decidiu a sentença recorrida.
Neste sentido, pronunciou-se o acórdão da Relação de Coimbra de 2011.2012[31], ao afirmar que “no que concerne às benfeitorias úteis, as regras do cálculo da indemnização são as próprias do instituto do enriquecimento sem causa, sendo assim aplicável quanto preceitua o art.º 473.º, nos seu n.ºs 1 e 2. O crédito da autora atinente a este segmento indemnizatório encontra-se assim duplamente limitado, não podendo exceder o seu empobrecimento nem o enriquecimento que da realização das obras resultaram para a aqui ré, daqui resultando que o valor a restituir será “(...) o menor decorrente do custo da execução das benfeitorias e valor acrescido que delas adveio para o imóvel”.
Duas notas finais, para assinalar:
- A sentença recorrida condenou os Réus e o Interveniente Principal a reconhecer à Autora o direito de retenção sobre o produto da venda executiva – realizada no âmbito do processo 4674/17.T8OAZ - do prédio que antes ocupava por cedência gratuita dos seus pais e onde realizou as obras apuradas nos autos e que ela própria viria posteriormente a adquirir nos termos constantes do ponto 21.º dos factos provados, como garantia do crédito pelas benfeitorias concretizadas pela Autora[32].
É certo que este segmento decisório não foi objecto de impugnação recursiva, pelo que é vedada a esta instância a sua sindicância.
Não deixaremos, todavia, de deixar aqui manifestada a nossa estranheza por tão peculiar solução jurídica.
Se é certo que o artigo 754.º do Código Civil dispõe que “o devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados”, o que facultava à Autora o direito de invocar, enquanto comodatária e titular de um direito de crédito pelas benfeitorias realizadas no imóvel comodatado, objecto de penhora na referida acção executiva - o que a mesma fez -, a partir do momento em que a mesma adquire, por licitação, o imóvel em causa, aquele direito de retenção extingue-se por confusão com o direito de propriedade entretanto adquirido[33].
Porém, reafirmamos, tal questão não é aqui objecto de recurso.
- A segunda nota prende-se com a necessária delimitação temporal, para efeitos de posterior liquidação, do enriquecimento para efeitos de cálculo da indemnização pela realização das benfeitorias.
A data a atender, para esse efeito, será Outubro de 2018, data da aquisição do imóvel pela Autora, de acordo com a factualidade assente no ponto 21.º.
Deverá, como tal, na parte final do ponto 1.º do dispositivo, ser acrescentada a expressão “por referência a Outubro de 2018”.
Quanto ao mais, improcede o recurso, confirmando-se o decidido.


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Síntese conclusiva:

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Nestes termos, acordam os juízes desta Relação, na improcedência da apelação, em confirmar a sentença recorrida, precisando, todavia, relativamente ao ponto 1.º do seu dispositivo, que o valor “que se venha a apurar como sendo o da expressão do aumento do valor do prédio referido em 14.”, tem por referência Outubro de 2018.

Custas: a cargo da apelante – artigo 527.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.


Notifique.

Porto, 23.01.2025

Acórdão processado informaticamente e revisto pela 1.ª signatária.

Judite Pires

António Carneiro da Silva

Aristides Rodrigues de Almeida

______________________
[1]Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2013, Almedina, pág. 224 e 225.
[2] Também impugnou o decidido quanto à alínea j) dos factos não provados, mas esse segmento do recurso foi objecto de rejeição.
[3]Artigos 396º do C.C. e 607º, nº5 do Novo Código de Processo Civil.
[4] Abrantes Geraldes, “Temas da Reforma do Processo Civil”, vol. II, 1997, pág. 258. Cfr. ainda, o Acórdão Relação de Coimbra de 11.03.2003, C.J., Ano XXVIII, T.V., pág. 63 e o Ac. do STJ de 20.09.2005, proferido no processo 05A2007, www.dgsi.pt, podendo extrair-se deste último: “De salientar a este propósito, como se faz no acórdão recorrido, que o controlo de facto em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade.
Na verdade, a convicção do tribunal é construída dialecticamente, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im) parcialidade, serenidade, "olhares de súplica" para alguns dos presentes, "linguagem silenciosa e do comportamento", coerência do raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, por ventura transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos (sobre a comunicação interpessoal, RICCI BOTTI/BRUNA ZANI, A Comunicação como Processo Social, Editorial Estampa, Lisboa, 1997)”.
[5] Anselmo de Castro, “Direito Processual Civil”, Vol. 3º, pág. 173 e L. Freitas, “Introdução ao Processo Civil”, 1ª Ed., pág. 15 7.ve
[6] Processo nº 5797/04.2TVLSB.L1-7, l1-7, www.dgsi.pt.
[7] Acórdão da Relação do Porto de 18.06.2024, processo n.º 2223/21.0T8MAI-A.P1, www.dgsi.pt.
[8] Embora, em resposta a quesitos da Autora, afirmem que “podem admitir a existência de obras consideradas de requalificação, alteração e de conservação do prédio habitacional...”.
[9] Ordenações (Livro I, Título III).
[10] Direito das Obrigações, Volume III – Contratos em Especial, pág. 371,
[11] No mesmo sentido, sustenta o acórdão do STJ de 13.11.2007 (Fonseca Ramos) – www.dgsi.pt. - que “na base do contrato de comodato, empréstimo, estão relações de cortesia, de gentileza, marcadas pela disponibilidade gratuita, concedida pelo dono da coisa”, acrescentando que “são essenciais à caracterização do comodato: o carácter gratuito, a precariedade, a temporalidade e o dever de restituição”.
[12] "Código Civil Anotado", vol. II, 3ª edição.
[13] “Notas ao Código Civil”, vol. IV, págs. 250, 251.
[14] Segundo o acórdão da Relação do Porto de 9.03.2010 – processo n.º  554-C/1999.P1, www.dgsi.pt. - “A venda em execução provoca a extinção, dadas certas condições, de direitos de terceiro, sejam eles direitos reais de garantia, direitos reais de aquisição, direitos reais de gozo ou direitos pessoais de gozo.
[15] Teoria Geral do Direito Civil, I, 4.ª ed., Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 2007, pág. 699.
[16] Lebre de Freitas, A acção declarativa, pág. 41; Introdução ao processo civil…, 3ª edição, Coimbra Editora, 2013, págs. 64/72.
[17] Artigos 186.º, n.º 2, 278.º, n.º 1, b), 577.º, b), 595.º, n.º 1, a, todos do Código de Processo Civil.
[18] Artigo 590.º, n.ºs 2, b) e 4 do Código de Processo Civil.
[19] Artigo 5.º, n.º 2, b) do Código de Processo Civil.
[20] Introdução, 2013, págs. 70, 71.
[21] “Temas da Reforma do Processo Civil”, II volume, ed. Almedina, pág. 81.
[22] Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, “Código de Processo Civil anotado”, vol. 1º, 2ª ed., Coimbra Editora, pág. 343.
[23] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31.01.2007, processo nº 06A4150, www.dgsi.pt.
[24] Cfr. Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 82.
[25] “Comentário ao Código de Processo Civil”, 2º, págs. 364 e 371.
[26] “Direito Processual Civil Declaratório”, vol. II, pág. 221.
[27] Cfr. acórdão da Relação do Porto de 29.09.2011, processo nº 1023/10.0TBVNG.P1, www.dgsi.pt.
[28] “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. I, pág. 253.
[29] Citado acórdão da Relação do Porto de 29.09.2011.
[30] Cfr. Ac. S.T.J, de 02.12.2013, processo n.º 2138/06.1TJLSB.L1.S1; Ac. da Relação de Coimbra de 24.01.2023, processo n.º 274/21.3T8SEI.C1, ambos em www.dgsi.pt.
[31] Processo n.º 1119/10.5TBPBL-M.C1, www.dgsi.pt.
[32]2. Reconhece-se e condenam-se os Réus e o Interveniente Principal a reconhecerem à Autora o direito de retenção sobre o produto da venda executiva do prédio em causa,  como garantia do crédito referido em 1.;”.
[33] Sem que, naturalmente, tal prejudique a graduação do crédito de acordo com o direito de retenção invocado na acção executiva e o pagamento de acordo com essa graduação.