Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2177/20.0T8PNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NÉLSON FERNANDES
Descritores: CONCEITO DE RETRIBUIÇÃO
ACIDENTE DE TRABALHO
CÁLCULO DAS INDEMNIZAÇÕES OU PENSÕES
CUSTOS ALEATÓRIOS
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RP20221128217720.0T8PNF.P1
Data do Acordão: 11/28/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO PROCEDENTE; ALTERADA A SENTENÇA.
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - O conceito e retribuição, para efeitos de acidente de trabalho, sendo mais lato que o estabelecido no Código do Trabalho, abarca todas as atribuições patrimoniais feitas com carácter de regularidade pelo empregador ao trabalhador, desde que não se destinem a cobrir custos aleatórios.
II – A retribuição normalmente devida ao sinistrado é assim a que é devida no contexto do desenvolvimento normal, natural ou comum do contrato de trabalho, o qual pressupõe a prestação de trabalho e o pagamento da inerente retribuição.
III - Cabe ao empregador o ónus de alegar e provar a natureza compensatória de custos aleatórios referentes a valores regularmente pagos.
IV - Pagando o empregador ao trabalhador, motorista internacional, em cumprimento de CCT aplicável, o valor neste fixado como mínimo diário por cada dia de trabalho para fazer face exclusivamente às suas despesas em serviço com alimentação, dormidas e outras, acrescido da diferença se essas despesas fossem superiores, é de considerar que esse pagamento se destina a compensar o último por “custos aleatórios”, daí decorrendo que as correspondentes quantias não devem ser consideradas para efeitos de cálculo das indemnizações ou pensões devidas por acidente de trabalho.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação 2177/20.0T8PNF.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este Juízo do Trabalho de Penafiel

Autor/sinistrado: AA
Rés: Companhia de Seguros K..., S.A., e T... Unipessoal, Lda.
______
Nélson Fernandes (relator)
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
______


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório
1. AA, representado pelo Ministério Público, intentou ação com processo especial emergente de acidente de trabalho contra Companhia de Seguros K..., S.A. (1.ª Ré), e T... Unipessoal, Lda. (2.ª Ré), pedindo a condenação destas a pagarem-lhe: O capital de remição da pensão anual de €754,78, devida desde 27 de Agosto de 2020, num total de €8.501,84; A quantia de €2.005,23, a título de diferenças de indemnização devidas pelo período de incapacidade temporária sofrido pelo Autor; A quantia de €32 relativa a despesas de transporte ao Gabinete médico-legal e a este Tribunal; Juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos, sobre aquelas quantias e até integral pagamento.
Alegou para tanto, em síntese: que sofreu um acidente, no dia 28 de maio de 2020, quando se encontrava a trabalhar sob as ordens, direção e fiscalização da 2ª Ré, sua entidade empregadora, exercendo as funções de motorista de veículos pesados de mercadorias, auferindo a retribuição anual de €700,00 x 14 + €135,00 x 11 + €352,80 x 11 + €70,00 x 11 + €35,00 x 11 + €875,84 x 9, num total anual de €24.203,36; em consequência desse acidente sofreu lesões que lhe determinaram, como consequência direta e necessária, uma incapacidade permanente e parcial de 4,455%, desde 26 de agosto de 2020, data em que lhe foi atribuída alta por cura clínica, e ainda 38 dias de incapacidade temporária absoluta para o trabalho e 52 dias de incapacidade temporária parcial para o trabalho, fixada em 10% na data do acidente a 2ª Ré tinha transferido para a Ré seguradora a responsabilidade por acidentes de trabalho, mas apenas relativamente à retribuição de €635,00 x 14 + €105,75 x 11 + €2782,45 x 1, num total anual de €12835,70.

Devidamente citadas, ambas as Rés contestaram.
A 1.ª Ré alegou que o vencimento para si transferido ascendia ao montante de €635,00 x 14 + €105,75 x 11 + €2782,45 x 1, num total anual de €12835,70. Quanto ao demais, impugnou os factos alegados pelo Autor respeitantes às consequências que para ele advieram do sinistro, incluindo o grau de incapacidade que alega ser portador, dado que considera que o sinistrado ficou afetado de uma IPP de 1,5%.
Concluiu pelo julgamento da presente ação de acordo com a prova a produzir nos autos.
Por seu lado, a 2ª Ré impugnou os factos alegados pelo Autor relativos à retribuição que aquele reclama ter auferido, alegando que a remuneração mensal auferida pelo mesmo corresponde a €700,00 x 14 + €135,00 x 11 + €352,80 x 11 + €70,00 x 11 + €35.00 x 11 (total anual de 16.320,80), sendo o restante valor que o Autor incluiu no seu rendimento anual liquidado por si a título de ajudas de custo, tratando-se de um valor que ela Ré está obrigada a pagar ao Autor, por força do Contrato Colectivo, para o compensar das despesas com alimentação, dormidas e outros custos aleatórios.
Conclui considerando que a ação deve ser julgada em conformidade com o que resultar da produção de prova.

Foi elaborado despacho saneador, selecionada a matéria assente e organizada a base instrutória.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença, de cujo dispositivo consta (transcrição):
“Nesta conformidade, julgo a presente acção procedente por provada e, em consequência:
I) Condeno a 1ª Ré Companhia de Seguros K..., S.A., bem como a 2ª Ré T... Unipessoal, Lda, a pagarem ao Autor AA, na proporção respectiva de responsabilidades de 51,05% para a Ré Seguradora e de 48,95% para a Ré Empregadora, o capital de remição de uma pensão anual de €525,41 (quinhentos e vinte e cinco euros e quarenta e um cêntimos), devida a partir de 27 de Agosto de 2020, acrescida de juros de mora, à taxa legal, devidos desde o dia .../.../2020 até efectivo e integral pagamento.
II) Condeno a 1ª Ré Companhia de Seguros K..., S.A. a pagar ao Autor AA, a quantia de €837,04 (oitocentos e trinta e sete euros e quatro cêntimos) a título de diferenças de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária sofridos, acrescida de juros de mora, à taxa legal, devidos desde o dia .../.../2020 até efectivo e integral pagamento, bem como a quantia de €32 (trinta e dois euros) relativa às despesas suportadas pelo sinistrado com deslocações obrigatórias a Tribunal e ao gabinete médico-legal, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data do auto de não conciliação, ou seja, 19 de Maio de 2021, até efectivo e integral pagamento.
III) Condeno a 2ª Ré T... Unipessoal, Lda, a pagar ao Autor AA a quantia de €1.019,76 (mil e dezanove euros e setenta e seis cêntimos) a título de diferenças de indemnização pelo período de incapacidade temporária absoluta sofrido, acrescida de juros de mora, à taxa legal, devidos desde o dia .../.../2020 até efectivo e integral pagamento.
Valor da acção: €7.807,02.
Custas pelas Rés na proporção das respectivas quotas-partes de responsabilidade.
Registe e notifique.”

2. Não se conformando com o assim decidido, apresentou a 2.ª Ré requerimento de interposição de recurso, com alegações e respetivas conclusões, sendo que estas últimas, após despacho de convite formulado pelo relator, passaram a ser as seguintes (transcrição):
a. Por Sentença, notificação expedida via Citius, em 04/04/2022, decidiu-se condenar a Recorrente a pagar ao Recorrido, na proporção da responsabilidade de 48,95%, o capital de remissão de uma pensão anual de €525,41 (quinhentos e vinte e cinco euros e quarenta e um cêntimos), devida a partir de 27 de agosto de 2020, acrescida de juros desde o dia .../.../2020 até integral pagamento; e, ainda:
b. A pagar a quantia de €1.019,76 (mil e dezanove euros e setenta e seis cêntimos) a título de diferenças de indemnização pelo período de incapacidade sofrido, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde o dia .../.../2020, até efetivo e integral pagamento.
c. Isto, porque, considerou como não provado o ponto 6 (sexto) dos temas de prova, sustentando para o efeito, que não foi possível apurar a causa concreta do pagamento da verba constante dos recibos de retribuição do Recorrido sob a designação de “Claus. 59ª-Aj. Custo/Estrag. S/IRS”.
d. Ora, tal segmento decisório é contrariado, frontalmente, com o devido respeito por interpretação diversa, pela prova produzida, quer documental, quer testemunhal, a qual permite aferir que, a quantia paga sob a designação referida no artigo antecedente, se destinava a ressarcir o Recorrido das despesas que tinha quando deslocado em viagens ao estrangeiro. Senão vejamos:
e. Da prova testemunhal resulta provado que o Recorrido desempenhava a atividade de motorista a nível internacional.
f. Como asseverado pelo Recorrido nas suas declarações de parte, gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal recorrido, no dia 02/03/2022, com início pelas 10:04:17 e termo pelas 10:13:52, que questionado pela Meritíssima Juíza a quo sobre para que países fazia viagens, concretamente, na passagem (04:47-04:56) disse “Olhe é França, Bélgica, Itália, mas 90% França.”
g. De igual modo se apurou em Audiência de Julgamento que a Recorrente pagava ao Recorrido um valor diário – vulgo chamado diária – a título das ajudas de custo em menção para que este pudesse fazer face às despesas de alimentação, dormidas e outras.
h. Tal prova decorre das declarações de parte do Recorrido, gravadas no dia 02/03/2022, com início pelas 10:04:17 e termo pelas 10:13:52, que, a instâncias da Meritíssima Juíza a quo, referiu situar-se, tal valor, entre os €35,00 e os € 37,00, conforme se retira da passagem da gravação aos (04:12-04:21) “Ah, se não estou em erro 35 e qualquer coisa (imperceptível) 35, 37…”
i. De resto, no mesmo sentido, o depoimento da testemunha BB gravado em audiência de julgamento entre as 10.16.43 e termo pelas 10.38.08, que, quando questionada sobre tal matéria, na passagem da gravação ocorrida aos (06:35-06:52) certificou que: “Sim. São 36 e meio se não estou em erro que eles têm de receber de pequeno-almoço, almoço e jantar…”
j. Do mesmo modo, os documentos/mapas juntos aos autos sob fls. 89, 91, 93, 95, 97, 99, 101, 103, 105 e 107 designados de “Registo de Quilometragem e Relatório Mensal” provam os dias em que o Recorrido esteve deslocado em trabalho por conta da Recorrente e o valor que auferiu.
k. Bem como demonstram os dias em que por força de tais deslocações teve direito ao reembolso total das despesas em menção, bem como aqueles em que teve direito, apenas, ao reembolso proporcional.
l. A corroborar o antedito na conclusão precedente, quanto ao pagamento proporcional, remete-se para o depoimento da testemunha BB (autora dos documentos, como dado por provado na douta sentença sob recurso), gravado no dia 02/03/2022, com início pelas 10.16.43 e termo pelas 10.38.08.
m. A qual, a instâncias da Advogada da Recorrente, questionada sobre a razão de ser da referência a 0,15 dias feita constar no mapa do dia 05/07/2019, entre os minutos (11.00-11:09) referiu que “… isto aqui provavelmente tem a ver com a percentagem de horas que ele trabalhou, ele não trabalhou o dia inteiro”.
n. E, na passagem, 11:37-11:52, prosseguiu dizendo “Depende da hora que ele chega, provavelmente, neste dia, tem direito só ao pequeno-almoço…”
o. Já a prova de que os mapas refletem os dias efetivos em que o trabalhador/Recorrido esteve deslocado e com direito ao reembolso das despesas, resulta do depoimento da mesma testemunha, gravado no dia 02/03/2022, com início pelas 10.16.43 e termo pelas 10.38.08, melhor identificado supra, que perguntada pela mandatária da Recorrente sobre o que representavam os dias constantes no final do mapa, respondeu, aos minutos 21:0121:02, como se transcreve “Efetuou trabalho”.
p. De sorte, que de tal prova documental – desconsiderada pela Sentença a quo – corroborada por prova testemunhal, suporta o apuramento dos dias em que o trabalhador esteve deslocado, e, aqueles, em que teve direito a uma ajuda de custo diária completa ou parcial, para reembolso das suas despesas, em função de ter passado a noite fora, ou não.
q. Ademais, sem prescindir, das declarações de parte do Recorrido, retira-se de modo inelutável, contrariamente ao sustentado na douta sentença recorrida, que aquele bem sabia que, na sua retribuição, estava incluído o pagamento de diárias, as quais se inseriam na rubrica ajudas de custo, e que, estas, tinham natureza de reembolso/compensação de despesas, como refeições.
r. O sobredito colhe-se das declarações de parte do Recorrido, gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal recorrido, no dia 02/03/2022, com início pelas 10:04:17 e termo pelas 10:13:52, que, quando instado pela Meritíssima Juíza a esclarecer o que é que entendia por diárias estando em trabalho,
s. Entre os minutos, 02:34-02:40, da gravação referiu como se transcreveEstando em trabalho a diária (…) que supomos o subsídio que tínhamos de refeição(...)
t. E, ainda, quando questionado pela mandatária da Recorrente se as ajudas de custo englobam as diárias, as refeições, ou seja, todos os custos que tinha com as deslocações, aos 09:22-09:23, dissePenso eu que sim.”
u. Logo, de tudo quanto se deixou avançado, terá de concluir-se que, a prova documental junta aos autos e a prova produzida em Audiência de Julgamento, contrariamente ao defendido na decisão a quo, permite concluir a causa objetiva do pagamento das ajudas de custo denominadas no recibo de vencimento do Recorrido “Claus. 59ª. Aj. Custo/Estag. S/IRS”.
v. Por conseguinte, ao considerar como não provado que o valor pago ao Recorrido a coberto da “Claus. 59ªAj. Custo/Estrag. S/IRS”, se destinava a compensá-lo por despesas e custos aleatórios, a decisão a quo está inquinada de “error injudicando”, quanto à decisão de mérito da sentença, na parte que afeta a Recorrente, resultante de uma deficiente perceção da realidade factual – devido a incorreta apreciação da prova – e da aplicação do direito.
w. Atento tudo quanto antecede, considerando que o ponto seis dos temas de prova foi incorretamente julgado não provado, deve dar-se o mesmo provado alterando-se a sua redação para: “A quantia de € 875,84x9 apurada com base na média mensal de quantias pagas pela 2ª. Ré ao Autor constantes dos recibos sob a designação Claus.59ª.-Aj. Custo/Estran.S/Irs se destinou a compensar o Autor por despesas efetuadas ao serviço e em favor da aqui 2ª. Ré quando se encontrava em deslocação”.
x. E, por decorrência, de se dar como provado o ponto 6 (sexto) dos temas da prova, conforme propugnado na conclusão precedente, deve ser alterado o ponto 14 dos FACTOS PROVADOS, eliminando-se a sua redação a partir de “acrescidos de outras prestações mensais” até ao fim.”
y. Passando a constar a seguinte redação: “Á data do acidente o Autor auferia a retribuição anual de € 700,00x14+€ 135,00x11+ €352,80x11+€70,00x11+ €35,00x11.”
z. Na medida em que, Meritíssimos Juízes Desembargadores, se terá de concluir que o valor que foi pago ao Recorrido sobre a designação Claus. 59ª. Aj. Custo/Estag. S/IRS, não assume o carácter de retribuição, antes, tem a natureza de reembolso das despesas que o Recorrido suportou em virtude de se encontrar deslocado. aa. Mas, com o devido respeito, que é muito, o desacerto da douta decisão, de que se recorre, não se ficou pelo supra avançado.
bb. Pois, em boa verdade, deu como provado que, à relação laboral em análise, se aplica o Contrato Coletivo (doravante designado CCT) celebrado entre a Antran e a Festru, com revisão global outorgada entre a Antran e a Fectrans, mas não o aplicou.
cc. Pelo que, padece de “error juris” e, por conseguinte, o decidido não corresponde à realidade normativa.
dd. Em boa verdade, analisado tal Contrato Coletivo – o que, com o devido respeito, o Tribunal a quo não fez – logo se apura a existência da cláusula em dissenso, como aliás outras de carácter fixo, todas feitas constar do recibo de vencimento do Recorrido.
ee. E, por conseguinte, estando a atividade da Recorrente, por força de portaria de extensão nº. 287/2018, abrangida pelo CCT em menção, não podem subsistir dúvidas que, aquela, estava obrigada a pagar ao trabalhador/recorrido uma ajuda de custo diária para fazer face às despesas de alimentação, dormidas e outras, por força do previsto na cláusula 59ª. (atual 58ª).
ff. Ora, apurando-se, como se apurou – atento o sobredito – que o Recorrido era trabalhador móvel, afeto, maioritariamente, aos transportes internacionais e que esteve deslocado em serviço nos dias constantes nos mapas juntos a fls. 89, 91, 93, 95, 97, 99, 101, 103, 105 e 107, facilmente se alcança que a Recorrente estava obrigada a pagar, como valor mínimo de ajuda de custo diária, em 2019 €35,00, e, em 2020, €36,40.
gg. Tal como fixado no anexo III do CCT em menção, aplicável por remissão do nº. 3 da cláusula 59ª. na redação do BTE 34, de 15 de setembro se 2018.
hh. Em razão do que, não colhe a afirmação inserta na fundamentação da decisão a quo de que o Recorrido “sabia que se gastasse muito, pouco ou nada nas refeições ou outras despesas tinha sempre um crédito certo resultante dos dias trabalhados a multiplicar por determinado valor diário…”
ii. Sustentar tal asserção é violar o espírito do Contrato Colectivo aplicável ao sector de atividade da Recorrente. jj. Não sendo despiciendo salientar que, nos termos do nº. 6 da cláusula 59ª. do CCT em referência, “O pagamento regular e reiterado de ajudas de custo, em caso de constantes deslocações, não é considerado retribuição.”.
kk. Ora, a aplicação do regime legal previsto no CCT, o qual constitui fonte do Direito do Trabalho, nos termos do nº. 1 do Código do Trabalho, afasta a presunção de retribuição do artº. 258º. do Código do Trabalho, bem como a extensão do conceito geral do nº. 2 do artº. 71º. da Lei 98/2009.
ll. Por conseguinte, a decisão a quo violou o espírito do CCT, supra devidamente identificado, concretamente a Cláusula 59ª., na redação do BTE 34, de 15 de setembro de 2018 (atual 58ª.), bem como violou os artª. 258º. do Código do Trabalho e o artº. 71º. nº. 2 da Lei 98/2009.
mm. E, por isso, deve tal sentença ser revogada, e, consequentemente, substituída por outra, que determine que a retribuição a considerar para efeitos de ressarcimento do acidente de trabalho se cifra em €16.320, 80 e não em €25.145,33, conforme propugnado na douta sentença sob recurso.
nn. E, por conseguinte, se limite a responsabilidade da Recorrente (capital de remissão e diferenças no período de incapacidade a calcular em sede de incidente de remissão), para efeitos das prestações devidas ao Recorrido, apenas e tão só, à quantia de €3.485,10 (três mil quatrocentos e oitenta e cinco euros e dez cêntimos), resultante da diferença entre a retribuição de €16.320,80 paga ao Recorrido e a transferida para a Companhia de Seguros K... €12.835,70.
Termos em que deve, o presente recurso, ser julgado procedente e provado, e, a sentença a quo, na parte posta em crise, ser revogada e substituída por outra decisão, que fixe em € 16.320,80 (dezasseis mil trezentos e vinte euros e oitenta cêntimos) a retribuição do Recorrido a considerar para efeitos de ressarcimento do acidente de trabalho e considerando o valor transferido para a Companhia de Seguros K..., S.A., € 12.835,70 (doze mil oitocentos e trinta e cinco euros e setenta cêntimos), que determine que a responsabilidade da Recorrente para efeitos de apuramento das prestações devidas ao Recorrido se limita à quantia de €3.485,10 (três mil quatrocentos e oitenta e cinco euros e dez cêntimos), prestações, essas, a calcular pelo Tribunal, segundo os critérios legais.
Como é de inteira Justiça!”

2.2. Patrocinado pelo Ministério Público, contra-alegou o Autor, concluindo do modo seguinte:
“1. O Autor intentou a presente ação emergente de acidente de trabalho, contra a Ré seguradora Companhia de Seguros K..., S.A. e contra a recorrente T... Unipessoal, Lda., pedindo a condenação de ambas, na medida das suas responsabilidades, no pagamento do capital de remição da pensão anual, diferenças de indemnização devidas pelo período de incapacidade temporária e despesas de transporte , bem assim como juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos, sobre aquelas quantias e até integral pagamento.
2. Tal pedido baseava-se, essencialmente, na verificação de um acidente de trabalho ocorrido no dia 28 de maio de 2020, de que o Autor foi vitima, sendo certo que, à data do mesmo, auferia o salário anual de 700,00€x14+135,00X11+352,80X11+ 70,00X11+35,00X11+875,84X9, um total anual de 25 145,33€, tendo a recorrente transferido a responsabilidade decorrente de acidentes de trabalho transferida por contrato de seguro titulado pela apólice nº ..., mas apenas pela retribuição de 635,00€X14+105,75€X11+2782,45€X1, num total anual de 12 835,70€.
3. Ora, realizada a produção de prova, em audiência de julgamento, o Tribunal recorrido condenou a recorrente T... Unipessoal, Lda. No pedido formulado pelo Autor, ainda que com a correção da incapacidade permanente atribuída ao Autor em sede de junta médica.
4. Pretende a recorrente T... Unipessoal, Lda. a consideração de que a retribuição a atender não pode ser a considerada pelo Tribunal, alegando que as “ajudas de custo” pagas ao sinistrado, se destinavam a compensa-lo de despesas efetuadas ao serviço e em favor da recorrente, quando aquele se encontrava em deslocação.
5. Desde logo, salvo devido respeito, tal prova não foi realizada, não existindo qualquer demonstração da correlação entre despesas efetuadas pelo Autor, alegadamente em favor da recorrente, e os valores pagos a título de ajudas de custo. Na verdade, não está em causa um qualquer reembolso de despesas da recorrente, concreto e documentado, muito menos esporádico ou aleatório.
6. O que se demonstrou realmente é que tais montantes eram pagos nos termos do CCT aplicável no caso concreto. Desta forma, o que resulta demonstrado, à saciedade, é que tais montantes eram devidos ao Autor, em razão da sua categoria de motorista de transportes internacionais e em obediência ao CCT celebrado entre a Antran e a Festru, publicado no BTE 1ª. série, nº. 9, de 08/03/80 e republicado no BTE, 1ª. série, nº. 16, de 1982, Portaria de Extensão publicada in BTE 1ª. série, nº. 30, de 15/08/80 e sucessivas revisões e republicações, com revisão global outorgada entre a Antran e Fectrans, publicado no BTE nº. 34 de 15 de setembro de 2018 e Portaria de Extensão nº. 287/2018, de 24 de outubro, publicada in DR, 1ª. série, nº. 205, de 24/10/18, e, nova revisão global publicada no BTE nº. 45 de 08/12/2019 e PE 49/2020, publicada no DR nº. 40/2020, série I de 26 de fevereiro.
7. Entendemos mesmo não estar em causa a apreciação da matéria de facto considerada provada, mas antes a aplicação do direito sobre tal realidade, realizada na sentença em crise.
8. Face ao disposto nos art. 258.º do Código do Trabalho e 71º, nº2, da Lei nº 98/2009, não pode o Tribunal apreciar a matéria de facto considerada provada de outra forma.
9. Concorda-se, assim, com a exposição doutrinária e jurisprudencial realizada na sentença a propósito do conceito de retribuição, especificamente no contexto da Lei nº 98/2009, que o torna ainda mais amplo.
10. De resto, sobre esta matéria foi já produzida imensa jurisprudência, consonante em todos os tribunais superiores, designadamente nesse Tribunal da Relação do Porto.
11. Assim sendo, considerando-se como retribuição todas as prestações recebidas regularmente pelo Autor, ainda que em montante variável, mantendo a decisão recorrida, se fará inteira justiça.
Pelo exposto, entendemos que a douta decisão recorrida deve ser mantida, nos termos enunciados, e assim se fazendo inteira justiça.”

2.3 O recurso foi admitido em 1.ª instância como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e, após prestação de caução, efeito suspensivo.
***
Cumpridas as formalidades legais, nada obstando ao conhecimento do mérito, cumpre decidir:

II – Questões a resolver
Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo do Trabalho (CPC) – aplicável “ex vi” do art. 87º/1 do Código de Processo do Trabalho (CPT) –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir: (1) recurso sobre a matéria de facto; (2) O Direito do caso: (2.1) do conceito de retribuição para efeitos de acidente de trabalho; (2.2) o caso que se decide.

III - Fundamentação
A) Da sentença constam como factos provados os seguintes:
1)No dia 28 de Maio de 2020, pelas 14.00 horas, em França, o Autor sofreu um acidente (Alínea A) dos factos assentes).
2) …quando exercia as funções de motorista de veículos pesados de mercadorias, sob as ordens, direcção e fiscalização da 2ª Ré T... Unipessoal, Lda (Alínea B) dos factos assentes).
3) O acidente ocorreu quando o Autor, ao mudar o pneu do camião, apertou o dedo entre a roda e um ferro (Alínea D) dos factos assentes).
4) Em consequência desse acidente o Autor sofreu contusão do D2 da mão direita (Alínea E) dos factos assentes).
5) Na sequência das lesões sofridas no acidente o Autor sofreu um período de incapacidade temporária absoluta desde 29 de Maio de 2020 até 5 de Julho de 2020 e um período de incapacidade temporária parcial de 10% desde 6 de Julho de 2020 até 26 de Agosto de 2020 (Resposta ao ponto 2) dos temas da prova).
6) Em consequência das lesões sofridas no acidente referido em 1) o Autor apresenta como sequelas cicatrizes no 2º dedo da mão direita, com alteração de sensibilidade na extremidade distal do dedo e rigidez da IFD (Resposta ao ponto 3) dos temas da prova).
7) Tais sequelas determinam-lhe, como consequência directa e necessária, uma incapacidade permanente parcial de 2,985% desde 26 de Agosto de 2020, data em que lhe foi atribuída alta (Resposta ao ponto 4) dos temas da prova).
8) A 2ª Ré havia transferido para a 1ª Ré a responsabilidade por acidentes de trabalho dos seus trabalhadores, mediante contrato de seguro validamente celebrado, titulado pela apólice nº ..., junta aos autos, válida quanto ao Autor com base na retribuição €635,00 x 14 + €105,75 x 11 + €2782,45 x 1 (total anual de €12.835,70) (Alínea F) dos factos assentes).
9) A título de indemnização pelas incapacidades temporárias sofridas pelo Autor a Ré Seguradora pagou-lhe a quantia de €226,47 (Alínea G) dos factos assentes).
10) O Autor suportou despesas no montante de 32€ em transportes com deslocações obrigatórias a este Tribunal e ao Gabinete médico-legal (Alínea H) dos factos assentes).
11) O Autor nasceu no dia .../.../1960 (Alínea I) dos factos assentes).
12) O Autor foi admitido ao serviço da Ré em 02/07/2019 (Alínea J) dos factos assentes).
13) À relação laboral contratualizada entre a 2ª Ré e o Autor, aplica-se o CCT celebrado entre a Antran e a Festru, publicado no BTE 1ª. série, nº. 9, de 08/03/80 e republicado no BTE, 1ª. série, nº. 16, de 1982, Portaria de Extensão publicada in BTE 1ª. série, nº. 30, de 15/08/80 e sucessivas revisões e republicações, com revisão global outorgada entre a Antran e Fectrans, publicado no BTE nº. 34 de 15 de Setembro de 2018 e Portaria de Extensão nº. 287/2018, de 24 de Outubro, publicada in DR, 1ª. série, nº. 205, de 24/10/18, e, nova revisão global publicada no BTE nº. 45 de 08/12/2019 e PE 49/2020, publicada no DR nº. 40/2020, série I de 26 de fevereiro (Alínea L) dos factos assentes).
14) À data do acidente o Autor auferia a retribuição anual de €700,00 x 14 + €135,00 x 11 + €352,80 x 11 + €70,00 x 11 + €35,00 x11, acrescida de outras prestações mensais (cuja causa concreta do seu pagamento não foi possível apurar), e que eram inscritas pela Ré nos recibos de vencimento do Autor sob a designação de “Claus. 59º-Aj. Custo/Estrag. S/IRS”, ascendendo essas outras prestações às seguintes quantias:
a) no mês de Julho de 2019: €925,25.
b) no mês de Agosto de 2019: €1.012,50.
c) no mês de Setembro de 2019: €940,00.
d) no mês de Outubro de 2019: €975,00.
e) no mês de Novembro de 2019: €855,00.
f) no mês de Dezembro de 2019: €745,00.
g) no mês de Janeiro de 2020: €990,00.
h) no mês de Fevereiro de 2020: €941,90.
i) no mês de Março de 2020: €909,90.
j) no mês de Abril de 2020: €529,98 (Alínea C) dos factos assentes e Respostas aos pontos 1) e 5 dos temas da prova).

Por sua vez, considerou-se como “Fatos não provados” o seguinte:
“A quantia de €875,84 x 9 apurada com base na média mensal de quantias pagas pela 2ª Ré ao Autor constantes dos recibos sob a designação Claus.59ª-Aj. Custo/Estran. S/Irs se destinou a compensar o Autor por despesas efectuadas ao serviço e em favor da aqui 2ª Ré quando se encontrava em deslocação (resposta ao ponto 6) dos temas da prova).
***
B) - Discussão
1. Recurso sobre a matéria de facto
Dirigindo a Recorrente o presente recurso à reapreciação da matéria de facto, entendendo-se que foram suficientemente cumpridos os ónus legais estabelecidos no artigo 640.º do CPC, de seguida procederemos à apreciação.
Sustenta a Recorrente que, diversamente do decidido, deve dar-se como provado o ponto 6.º dos temas de prova, indicando como redação, “A quantia de € 875,84x9 apurada com base na média mensal de quantias pagas pela 2ª. Ré ao Autor constantes dos recibos sob a designação Claus.59ª.-Aj. Custo/Estran.S/Irs se destinou a compensar o Autor por despesas efetuadas ao serviço e em favor da aqui 2ª. Ré quando se encontrava em deslocação”, e que, por decorrência, deve ser alterado o ponto 14.º dos factos provados, eliminando-se a sua redação a partir de “acrescidos de outras prestações mensais” até ao fim.”, passando a ter a redação seguinte: “Á data do acidente o Autor auferia a retribuição anual de € 700,00x14+€ 135,00x11+ €352,80x11+€70,00x11+ €35,00x11.”
Mencionando que a prova produzida, quer documental, quer testemunhal, permite aferir que a quantia paga “se destinava a ressarcir o Recorrido das despesas que tinha quando deslocado em viagens ao estrangeiro”, indica o que diz resultar das declarações do Recorrido, do depoimento das testemunhas BB, dos documentos/mapas juntos aos autos sob fls. 89, 91, 93, 95, 97, 99, 101, 103, 105 e 107 designados de “Registo de Quilometragem e Relatório Mensal” e do estipulado no anexo III do CCT em menção, aplicável por remissão do nº. 3 da cláusula 59ª. na redação do BTE 34, de 15 de setembro se 2018.
Defende o Autor o julgado, sustentando nomeadamente que, em face da prova produzida, não existe demonstração da correlação entre despesas por si efetuadas em favor da Recorrente e os valores que lhe foram pagos a título de ajudas de custo, não estando assim em causa um qualquer reembolso de despesas concreto e documentado, muito menos esporádico ou aleatório, tendo-se demonstrado, diversamente, é que tais montantes eram pagos nos termos do CCT aplicável no caso concreto – tais montantes eram-lhe devidos em razão da sua categoria de motorista de transportes internacionais e em obediência ao CCT celebrado entre a Antran e a Festru,
Da motivação constante da sentença fez-se constar o seguinte:
“(…) No que respeita ao facto provado elencado no ponto 14), importa referir que tal factualidade constituía, sem dúvida, a questão central a dirimir em sede de julgamento, qual seja, apurar a retribuição auferida pelo sinistrado à data do sinistro.
Para apurar tal facto o Tribunal contou com as declarações de parte do Autor, com o teor dos documentos juntos a fls. 26 a 35, 89 a 111 e com os depoimentos das duas únicas testemunhas ouvidas em sede de julgamento, BB, empregada de escritório da 2ª Ré desde 2019 e CC, gerente de tráfego da 2ª Ré desde 11 de Junho de 2019.
Quanto às declarações de parte do Autor, este referiu que, em média, ganhava cerca de 2 mil euros por mês, mais referindo que o que auferia coincidia com a verba líquida que consta dos recibos de vencimento juntos aos autos. Esclareceu ainda que nesse vencimento estava incluída uma diária, que era sempre o mesmo valor diário, independentemente do país para onde se deslocava, paga no final do mês, só variando em função do número de dias de trabalho. Quando questionado sobre a que respeitava a verba constante dos recibos de vencimento juntos aos autos sob a designação de “Claus. 59º - Aj. Custo/Estrag. S/IRS”, referiu de forma espontânea e credível “tem tanta coisa no recibo que eu nunca perguntei o que era cada uma dessas verbas”.
Por seu lado, a testemunha BB, que elaborou os mapas de fls. 89, 91, 93, 95, 97, 99, 101, 103, 105, 107, esclareceu que 99,9% do trabalho prestado pelo Autor respeita a serviço internacional. Nesse âmbito, a Ré paga ao Autor em função do registo da jornada de trabalho. Há um valor mínimo diário que a empresa paga – 35 euros em 2019, mas desconhece se nos países onde os custos das refeições são superiores a empresa exige que o trabalhador apresente algum comprovativo para reembolso de despesas. Limita-se a fazer aqueles mapas, com base nos registos do trabalho e de resto nada mais sabia.
De igual modo, a testemunha CC referiu que o Autor aufere um salário base de 700 euros e depois tem complementos de refeições, não sabe é que valores em concreto. Referiu ainda que em geral essas despesas são liquidadas no final do mês, juntamente com o vencimento, não sabe é em que rubrica das várias descriminadas nos recibos de vencimento.
Consequentemente, perante estas declarações de parte e estes depoimentos das testemunhas, o Tribunal não conseguiu apurar a causa concreta do pagamento das verbas inscritas nos recibos de vencimentos do Autor com a designação de “Claus. 59º-Aj. Custo/Estrag. S/IRS”, todos os meses, e que eram pagas juntamente com a retribuição base e demais prestações ali descriminadas.
Ficou, no entanto, claro que não se destinava a compensar o Autor por custos aleatórios ou despesas efectuadas ao serviço e em favor da aqui 2ª Ré, como esta alegou. Ele sabia que gastasse muito, pouco ou nada nas refeições ou outras despesas tinha sempre um crédito certo resultante dos dias trabalhados a multiplicar por um determinado valor diário, quantia que lhe era paga no final do mês e que acrescia às demais prestações remuneratórias mensais “(…).
Cumprindo-nos apreciar, importa desde já assinalar que, não estando em causa (por não ser questionado) o pagamento das quantias mencionadas nos meses a que se alude no ponto 14.º da factualidade provada, desse constando, ainda, que o foram “sob a designação de “Claus. 59º-Aj. Custo/Estrag. S/IRS”, o que Recorrente indica como devendo dar-se como provado no presente recurso, assim que “a quantia de € 875,84x9 apurada com base na média mensal de quantias pagas pela 2ª. Ré ao Autor constantes dos recibos sob a designação Claus.59ª.-Aj. Custo/Estran.S/Irs se destinou a compensar o Autor por despesas efetuadas ao serviço e em favor da aqui 2ª. Ré quando se encontrava em deslocação”, acaba por traduzir-se em menção no essencial conclusiva, na medida em que, não concretizando quais foram afinal as “despesas efetuadas ao serviço e em favor da aqui 2ª. Ré quando se encontrava em deslocação”, fica-se sem saber a que despesas se reporta essa afirmação, sendo que, bem vistas as coisas, é dos factos em que se consubstanciariam tais despesas efetuadas em concreto que se poderá retirar a conclusão sobre se se tratariam, ou não, de “despesas efetuadas ao serviço e em favor da aqui 2ª. Ré quando se encontrava em deslocação”.
Não obstante o que se referiu anteriormente, constata-se, porém, que resulta da contestação que apresentou a Recorrente tal concretização, quando nessa alegou, remetendo ainda para a previsão da cláusula 59.ª, da CCT, que “atentas as funções do Autor, Motorista de Transportes Nacionais/Internacionais Rodoviários de Mercadorias, a Ré, por força do Contrato Coletivo de Trabalho sobredito, sempre que o Autor se encontre deslocado em serviço, está obrigada a pagar-lhe ajudas de custo, para o compensar das despesas com alimentação, dormidas e outros custos aleatórios – como aconteceu nos meses anteriores ao acidente” –“Por força do Contrato Colectivo aqui em menção, na redação à data aplicável, o valor das ajudas de custos diárias mínimas, ascendia, em média: - Ajuda de Custo Diária Nacional - € 21,50 - €23,00 a partir de 1/01/2020; - Ajuda de Custo Diária Ibérica: € 25,00 - €26,00 a partir de 01/01/2020; - Ajuda de Custo Diária Internacional - €35,00 - € 36,40 a partir de 01/01/2020;” (artigos 16.º e 17.º).
Nesse considerando, tendo sido como se viu expressamente alegados tais factos, importando verificar, tendo então presente a prova produzida – deixando-se desde já consignado que, no que à prova por declarações e testemunhal, se procedeu à audição integral dos registos de gravação –, se os mesmos resultaram demonstrados, desde já avançamos que a nossa resposta não pode deixar de ser positiva, assistindo assim razão à Recorrente, pois que resultam na nossa ótica elementos bastantes no sentido, diversamente do que foi o entendimento do Tribunal recorrido – quando considerou que perante as declarações de parte e os depoimentos das testemunhas “não conseguiu apurar a causa concreta do pagamento das verbas inscritas nos recibos de vencimentos do Autor com a designação de “Claus. 59º-Aj. Custo/Estrag. S/IRS” –, de se dever afirmar que os pagamentos constantes dos recibos sob a designação “Claus.59ª.-Aj. Custo/Estran.S/Irs” visaram, desde logo, cumprir a obrigação, que decorria da convenção coletiva aplicável, de pagamento pela Recorrente dos valores daquela expressamente constantes. Como nesta parte bem o refere a Recorrente, vejam-se em particular, por reporte aos motoristas internacionais, as cláusulas que fixam um valor mínimo a pagar aos motoristas sob a designação de ajudas de custo, no CCT na versão publicada no BTE n.º 34, de 15/09/2018, cláusula 59.ª, sob a epígrafe “ajudas de custo diárias”, que corresponde à atual clausula 58.ª, em que se determinava, assim no seu n.º 1, que, “Quando deslocados em serviço da entidade empregadora, os trabalhadores móveis têm direito, para fazer face às despesas com alimentação, dormidas e outras, a uma ajuda de custo, cujo valor será acordado com a empresa mas que não ultrapasse os limites da isenção previstos anualmente em portaria a publicar pelo Ministério das Finanças e da Administração Pública para o pessoal da Administração Pública”, sendo que, como resultava do seu n.º 3, independentemente do sistema de cálculo utilizado, o valor dessa ajuda de custo não podia ser inferior a uma ajuda de custo diária de valor mínimo que se encontrava fixado no anexo III do mesmo CCT, assim, sob a designação “Cláusulas de expressão pecuniária”, extraindo-se que esse valor mínimo a pagar, como ajuda de custo diária internacional, era de €35,00 (€36,40 a partir de 01/01/2020). Ou seja, a própria convenção coletiva aplicável, como o refere a Recorrente, permite encontrar, diversamente do afirmado em 1.ª instância, qual era afinal a causa do pagamento das verbas inscritas nos recibos de vencimentos do Autor com a designação de “Claus. 59º-Aj. Custo/Estrag. S/IRS”.
Ficando então por saber se o aludido pagamento se destinou efetivamente a custear as despesas a que se alude nas referidas cláusulas e mencionadas na contestação, a resposta, agora também por apelo à prova por declarações e testemunhal produzida, é, assim o consideramos, também positiva.
Na verdade, tal resulta desde logo das declarações prestadas pelo Autor, nos termos seguintes: depois de dizer que ganhava em média €2000, esclareceu depois que tinha um salário base de €700 euros e qualquer coisa, não sabendo ao certo, e que depois tinha “as cláusulas, tínhamos as diárias estando em trabalho, tínhamos os fins-de-semana e era as cláusulas não posso dizer quais são todas, há muitas cláusulas”, mais referindo, ainda, a pergunta sobre o que era isso das diárias, disse que supunha que, estando em trabalho, a diária se trataria do subsídio que tínhamos de refeição (minutos 1/2); perguntado sobre se a diária era sempre o mesmo valor, respondeu que sim e que esse valor seria, se não estava em erro, “35 e qualquer coisa” (minutos 4); a pergunta do Mandatário da Recorrente sobre se, tendo-se referido às diárias, estas “são para suportar despesas, … as despesas que o Sr. tem no estrangeiro”, respondeu “correto”, bem como que eram pagas no fim do mês (minutos 7) e, a pergunta sobre se as diárias estão incluídas nas ajudas de custo e para que servem as ajudas de custo, respondeu que “as ajudas de custo, as ajudas de custo que a gente tem estando lá fora, penso eu”, e, de seguida, no seguimento da afirmação no sentido de que “englobam as diárias, as refeições que o Sr. faz, todos os custos que terá pelas suas deslocações”, respondeu “penso eu que sim” (minutos 9).
Como resulta também, ainda, com maior evidência, em particular do depoimento prestado pela testemunha BB: a pergunta sobre quando estava a dizer quando falava de jornadas de trabalho, se estava a falar em termos de saber os dias em que o trabalhador esteve fora para depois lhe pagar determinado quantitativo, respondeu “exatamente” e, quando perguntada sobre que quantitativo era esse e para que servia o registo, respondeu “para aferir o tipo os dias que eles estiveram fora seja serviço internacional que tem o seu valor relativamente às ajudas de custo, outras ajudas, às cláusulas que eles têm que receber enquanto motoristas do internacional é toda essa gestão que tem de ser efectuada, as despesas que o motorista tem lá fora e essas coisas todas para depois apurar realmente o que ele tem haver com a empresa ou a empresa com ele neste caso”; em resposta à observação se “será no fundo para apurarem em termo que se costuma, que é normal utilizar, a diária”, respondeu “exatamente”; à observação “está relacionada com as despesas que ele tem efectivamente que fazer no estrangeiro como refeições, dormidas ou outros custos aleatórios”, se “É isso?”, respondeu “Exatamente” (minutos 4/5); a pergunta sobre se este motorista em concreto, … quando vai de viagem leva algum quantitativo, respondeu que não, que era pago no fim do mês como ajudas de custo (minutos 5), pois que não é fácil conseguirem “apurar logo inicialmente quanto é que serão as despesas que ele irá ter ou os dias que ele vai passar porque ele pode ir numa semana e só conseguir regressar passados 15 dias o que é perfeitamente natural, e, então, nunca iríamos conseguir ter um valor certo das despesas que ele iria ter em França até porque os valores variam de cidades para cidades e não é sempre a mesma coisa… portanto, também isso difere”; perguntada se o valor que era pago era fixo, respondeu que era pago por dia “36 e meio se não estou em erro que eles têm de receber de pequeno-almoço, almoço e jantar, mas depois difere sempre, lá está, a despesa difere sempre consoante o sítio, consoante a viagem e as refeições que eles fazem … que ele pode lá ter” (minutos 6/7); referiu ainda que a empresa assume todas as despesas, que o valor pago pode ser superior à diária, quando o motorista tiver despesas superiores… que a empresa está obrigada a suportar (minutos 8/9/10); perguntada sobre se a empresa exige algum documento para pagar valor superior… respondeu “Isso não sei… não consigo precisar…” (minutos 15); referiu que, se tiver de ficar no hotel… e for o motorista a pagar é incluído nas ajudas de custo no final do mês (minutos 17) … que é pago no final do mês nas ajudas de custo (minutos 18), que as ajudas de custo variam em função do local e das despesas que tiverem de fazer (minutos 19); confrontada com os documentos/mapas juntos aos autos, que reconheceu serem da sua autoria, a pergunta sobre se os dias que constam no final como totais serão dias efetivos em que o Autor trabalhou, respondeu que sim e, a pergunta sobre se quando está no estrangeiro e terá direito à diária ou completa ou proporcional, respondeu “exatamente” (minutos 20/21).
Do mesmo modo, também, muito embora com menor evidência, do depoimento da testemunha CC, quando referiu que os motoristas têm complementos, que têm que almoçar jantar lá fora, muito embora não saiba valores em concreto (minutos 4), que a diária é liquidada no final do mês… como ajudas de custo…, para as refeições que tem de fazer lá fora, referindo que é essa a ideia que tem, mas que não é ela que o faz (minutos 4/5).
Ora, na consideração, pois, da prova antes referidas, como ainda do que consta dos documentos juntos aos autos, em particular os mapas juntos com a contestação da Recorrente, entendemos, salvo o devido respeito, que com relativa facilidade se extrai, até por mera análise de tais mapas, conciliados como se disse com o que resultou da prova por declarações e testemunhal, a conclusão sobre qual foi afinal a causa efetiva e concreta para os pagamentos, nos meses aqui em análise, dos valores que se fizeram constar sob a rúbrica “Claus. 59º-Aj. Custo/Estrag. S/IRS”, carecendo assim de adequado suporte, na prova produzida, a afirmação do Tribunal recorrido em contrário. Na verdade, extrai-se inequivocamente a convicção, com segurança bastante, de que tais pagamentos decorreram, afinal, desde logo da obrigação, que decorria da convenção coletiva aplicável, de pagamento pela Recorrente dos valores daquela constantes como ajudas de custo, com a finalidade de que o trabalhador, quando deslocado ao serviço da entidade empregadora, faça “face às despesas com alimentação, dormidas e outras”.
Consta efetivamente, no que aqui importa, da cláusula 59.ª do CCT vigente no ano de 2019 (Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 34, 15/9/2018), que corresponde à cláusula 58.ª vigente no ano de 2020 (Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 45, 8/12/2019), sob a epígrafe “ajudas de custo diárias” (Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 45, 8/12/2019), o seguinte:
“1- Quando deslocados ao serviço da entidade empregadora, os trabalhadores móveis têm direito, para fazer face às despesas com alimentação, dormidas e outras, a uma ajuda de custo, cujo valor será acordado com a empresa mas que não ultrapasse os limites da isenção previstos anualmente em portaria a publicar pelo Ministério das Finanças e da Administração Pública para o pessoal da Administração Pública.
2- Os sistemas de cálculo das ajudas de custo praticados no sector pelas entidades empregadoras, para fazer face exclusivamente às despesas mencionadas no número anterior, devem respeitar o princípio da boa-fé, normalidade e razoabilidade sem comprometer a segurança rodoviária e/ou favorecer a violação da legislação comunitária.
3- Independentemente do sistema de cálculo utilizado, o valor das ajudas de custo em cada mês, não pode ser inferior à soma dos valores mínimos das ajudas de custo diárias fixados no anexo III do CCTV.
4- Para efeitos do número anterior, no apuramento do número de dias da ajuda de custo diária, contabilizar-se-ão as noites passadas em deslocação.
5- Os trabalhadores com a categoria profissional de motoristas, afectos ao transporte internacional, terão como valor mínimo de referência de ajuda de custo diária os seguintes valores:
a) Pernoita fora de Portugal, incluindo Espanha e, bem assim, a pernoita do dia de regresso a Portugal, mesmo que esta já ocorra em território nacional mas fora da sua residência, o valor fixado no anexo III para os motoristas afectos ao transporte internacional;
b) Demais pernoitas em território nacional fora da sua residência, o valor fixado no anexo III para os motoristas afectos ao transporte nacional.
6- Nas situações de serviços de transporte que impliquem deslocações a Espanha durante a jornada de trabalho, os trabalhadores com a categoria profissional de motorista, que pernoitem fora da sua residência, terão direito à ajuda de custo correspondente à deslocação a Espanha prevista no anexo III, independentemente de pernoitarem naquele país ou em Portugal.
7- Os trabalhadores com a categoria profissional de motorista, nos dias em que realizam serviços de transporte em Espanha mas cujo repouso diário é realizado em território nacional na sua residência, terão direito a receber uma ajuda de custo, que visa custear as despesas realizadas com as refeições, conforme os horários estabelecidos na clausula 56.ª número 2 alínea b), nos valores previstos no anexo III.
8-O pagamento regular e reiterado de ajudas de custo, em caso de constantes deslocações, não é considerado retribuição.
9-A presente norma tem natureza interpretativa sobre a legislação que regule a matéria das ajudas de custo.”
Depois, em face do anexo III para que remete tal cláusula, para o motorista internacional, constata-se que no ano de 2020 era de €36,4 o valor “da ajuda de custo diária mínima” e, por sua vez, agora na versão vigente no ano de 2019, anexo correspondente, que esse valor era de €35 (“da ajuda de custo diária mínima”).
Pois bem, do mero confronto com os documentos / mapas a que antes se aludiu, juntos aos autos, ressalta à evidência que os valores dos mesmos constantes correspondem, em coluna própria, ao número de dias trabalhados em cada mês multiplicados pelos valores mínimos antes indicados das ajudas de custo diárias (respetivamente, de €35 e €36,40), a que acresce, em coluna diversa, um outro valor, este claramente inferior, sendo que, no que se refere a este último, na consideração também do que foi referido em particular pela testemunha BB extrai-se a ilação de que se trata de compensar o Autor por outros valores pelo mesmo suportados, assim quando essa testemunha referiu: que eram pagas as despesas no fim do mês, como ajudas de custo, pois que não é fácil conseguirem “apurar logo inicialmente quanto é que serão as despesas que ele irá ter ou os dias que ele vai passar porque ele pode ir numa semana e só conseguir regressar passados 15 dias o que é perfeitamente natural, e, então, nunca iríamos conseguir ter um valor certo das despesas que ele iria ter em França até porque os valores variam de cidades para cidades e não é sempre a mesma coisa… portanto, também isso difere”; perguntada se o valor que era pago era fixo, respondeu que era pago por dia “36 e meio se não estou em erro que eles têm de receber de pequeno-almoço, almoço e jantar, mas depois difere sempre, lá está, a despesa difere sempre consoante o sítio, consoante a viagem e as refeições que eles fazem … que ele pode lá ter” (minutos 6/7); referiu ainda que a empresa assume todas as despesas, que o valor pago pode ser superior à diária, quando o motorista tiver despesas superiores… que a empresa está obrigada a suportar (minutos 8/9/10).
Sendo assim, em face de toda a prova produzida, em particular a antes indicada, a nossa convicção, divergindo daquela que foi afirmada em 1.ª instância, é claramente no sentido de que os valores constantes dos recibos, sob a designação de “Claus. 59º-Aj. Custo/Estrag. S/IRS”, correspondiam efetivamente aos que lhe foram pagos para fazer face às suas despesas em serviço com alimentação, dormidas e outras, muito embora, importa explicitá-lo, com o esclarecimento de que, em cumprimento da Convenção Coletiva aplicável, era pago o valor diário mínimo de €35 em 2019 e €36,40 em 2020, acrescido, se tais despesas fossem superiores, da diferença.
Nos termos expostos, na procedência do recurso nesta parte, eliminando-se o que consta da sentença como não provado, altera-se o ponto 14.º da factualidade provada, o qual passará a ter como redação:
“14) À data do acidente:
a) O Autor auferia a retribuição anual de €700,00 x 14 + €135,00 x 11 + €352,80 x 11 + €70,00 x 11 + €35,00 x 11.”;
b) Para além do referido em a), em cumprimento do CCT a que se alude no ponto 13), com esclarecimento de que foi pago o valor diário mínimo de €35 em 2019 e €36,40 em 2020 nesse estabelecido por cada dia, acrescido da diferença se tais despesas fossem superiores, foram pagas ao Autor, exclusivamente para fazer face às suas despesas em serviço com alimentação, dormidas e outras, nos dias em que esteve deslocado, sob a designação de “Claus. 59º-Aj. Custo/Estrag. S/IRS”, as seguintes quantias:
a) no mês de julho de 2019: €925,25;
b) no mês de agosto de 2019: €1.012,50;
c) no mês de setembro de 2019: €940,00;
d) no mês de outubro de 2019: €975,00;
e) no mês de novembro de 2019: €855,00;
f) no mês de dezembro de 2019: €745,00;
g) no mês de janeiro de 2020: €990,00;
h) no mês de fevereiro de 2020: €941,90;
i) no mês de março de 2020: €909,90;
j) no mês de abril de 2020: €529,98”.

1.2. Por decorrência do anteriormente decidido, a base factual a atender, para dizermos de direito, é aquela que foi considerada em 1.ª instância, mas com as alterações antes afirmadas.

2. O Direito do caso
Sustenta o Apelante, assim nas conclusões mm) e nn), que, em face da alteração da factualidade provada por que pugnou, deve a sentença ser revogada, sendo substituída por outra que determine que a retribuição a considerar para efeitos de ressarcimento do acidente de trabalho se cifra em €16.320,80 e não em €25.145,33, e, por conseguinte, se limite a responsabilidade da Recorrente (capital de remissão e diferenças no período de incapacidade a calcular em sede de incidente de remissão), para efeitos das prestações devidas ao Recorrido, apenas e tão só, à quantia de €3.485,10 (três mil quatrocentos e oitenta e cinco euros e dez cêntimos), resultante da diferença entre a retribuição de €16.320,80 paga ao Recorrido e a transferida para a Companhia de Seguros K... €12.835,70.
Defendendo o julgado, no que se refere à aplicação do direito, sustenta o Apelado, por sua vez, que, não estando em causa um qualquer reembolso de despesas da Recorrente, concreto e documentado, muito menos esporádico ou aleatório, demonstrando-se antes que tais montantes eram pagos nos termos do CCT aplicável no caso concreto – sendo assim devidos ao Autor, em razão da sua categoria de motorista de transportes internacionais e em obediência ao CCT –, em face do disposto nos artigos 258.º do Código do Trabalho e 71º, nº 2, da Lei nº 98/2009, devem considerar-se integrados, ainda que em montante variável, na retribuição do Autor, tal como se concluiu na sentença recorrida.
Na sentença recorrida, apreciando a questão, faz-se constar nomeadamente o seguinte:
“(…) Importa ainda ter em atenção o disposto no artigo 258º, nº3, do Código do Trabalho, nos termos do qual presume-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador.
Por seu lado, a noção legal de retribuição no campo dos acidentes de trabalho é dada, no que ao caso em análise respeita, pelo artigo 71º, nº2, da Lei 98/2009, nos termos do qual «entende-se por retribuição mensal todas as prestações recebidas com carácter de regularidade que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios», devendo ainda ter-se em consideração o nº1 desse preceito, que estipula que a indemnização por incapacidade temporária e a pensão por morte e por incapacidade permanente, absoluta ou parcial, são calculadas com base na retribuição anual ilíquida normalmente devida pelo sinistrado, à data do acidente».
No caso em análise, provou-se que o Autor auferia a retribuição anual de €700,00 x 14 + €135,00 x 11 + €352,80 x 11 + €70,00 x 11 + €35,00 x 11, acrescida de outras prestações mensais (cuja causa concreta do seu pagamento não foi possível apurar), e que eram inscritas pela Ré nos recibos de vencimento do Autor sob a designação de “Claus. 59º-Aj. Custo/Estrag. S/IRS”, ascendendo essas outras prestações às seguintes quantias:
a) no mês de Julho de 2019: €925,25.
b) no mês de Agosto de 2019: €1.012,50.
c) no mês de Setembro de 2019: €940,00.
d) no mês de Outubro de 2019: €975,00.
e) no mês de Novembro de 2019: €855,00.
f) no mês de Dezembro de 2019: €745,00.
g) no mês de Janeiro de 2020: €990,00.
h) no mês de Fevereiro de 2020: €941,90.
i) no mês de Março de 2020: €909,90.
j) no mês de Abril de 2020: €529,98 (Alínea C) dos factos assentes Resposta ao ponto 1) e 5 dos temas da prova).
Aplicando as normas supra citadas ao caso sub júdice, impõe-se concluir que a retribuição do sinistrado a considerar terá de incluir todas verbas por ele auferidas, abarcando o vencimento base e as outras prestações.
Isto porque, e como se disse no acórdão do STJ de 2 de Maio de 2007, disponível in www.dgsi.pt “cabe à entidade empregadora, nos termos dos artigos 344º, nº1 e 350º, nº1 do CC, provar que a atribuição patrimonial por ela feita ao trabalhador reveste a natureza de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes (por comodidade, passaremos a designar tais atribuições apenas por “ajudas de custo)” para assim ter aplicação o disposto no artigo 260º, nº1, alínea a), do Código do Trabalho.
Sucede que, no caso, não logrou a 2ª Ré fazer tal prova e, nessa medida, tem aqui inteira aplicação a presunção, não ilidida pela 2ª Ré, do nº3 do artigo 258º do CT.
Temos, por conseguinte, de concluir que a retribuição do sinistrado era composta por uma parte certa e uma parte variável, sendo esta última a correspondente ao montante pago a título de outras prestações.
Segundo o disposto no artigo 261º, nº3, do Código do Trabalho, “para determinar o valor da retribuição variável, quando não seja aplicável o respectivo critério, considera-se a média dos montantes das prestações correspondentes aos últimos 12 meses, ou ao tempo de execução do contrato que tenha durado menos tempo”.
Assim, fazendo uma média dessas prestações que o sinistrado recebia regularmente, temos que a retribuição daquele, para efeitos de cálculo das prestações devidas ao Autor, deverá ser, não o valor de €700,00 x 14 + €135,00 x 11 + €352,80 x 11 + €70,00 x 11 + €35,00 x 11, como pretende a 2º Ré, mas antes o valor de €700,00 x 14 + €135,00 x 11 + €352,80 x 11 + €70,00 x 11 + €35,00 x 11 + €802,23 x 11, (média mensal das outras prestações €925,25 + €1.012,50 + €940,00 + €975,00 + €855,00 + €745,00 + €990,00 + €941,90 + €909,90 + €529,98 = €8.824,53 : 11 meses), num total de €25.145,33.
Ora, tendo a sua empregadora apenas transferido para a Companhia Seguradora a quantia correspondente à remuneração anual €635,00 x 14 + €105,75 x 11 + €2782,45 x 1 (total anual de €12.835,70), haverá que lançar mão do preceituado no n° 4, do artigo 79º, da Lei nº 98/2009, de 4/09. Nos termos desta disposição legal, quando a retribuição declarada para efeito do prémio de seguro for inferior à real, a entidade seguradora só é responsável em relação àquela retribuição, respondendo a entidade empregadora, por foça do nº 5, do citado preceito legal, pela diferença relativa a indemnizações por incapacidade temporária e pensões devidas, na respectiva proporção.
Quer isto dizer que as Rés seguradora e entidade empregadora são responsáveis pela reparação devida ao Autor, respondendo a primeira em relação à retribuição transferida pelo contrato de seguro e a segunda pela diferença entre a retribuição transferida e a efectivamente auferida pelo Autor. (…)”.
Em face da fundamentação antes citada, na consideração dos argumentos avançados no recurso, de seguida passaremos à apreciação, iniciando-se a análise pela questão do que em tese deve integrar o conceito de retribuição para efeitos de acidente de trabalho, para de seguida procedermos à integração do caso que se decide.

2.1. Do conceito de retribuição
No âmbito do regime jurídico da reparação dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais, estabelecido na Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro (LAT) – aplicável ao caso –, o seu artigo 71.º rege sobre a retribuição atendível para o cálculo das indemnizações e pensões, na parte que aqui importa, nos termos seguintes:
“Cálculo
1 - A indemnização por incapacidade temporária e a pensão por morte e por incapacidade permanente, absoluta ou parcial, são calculadas com base na retribuição anual ilíquida normalmente devida ao sinistrado, à data do acidente.
2 - Entende-se por retribuição mensal todas as prestações recebidas com carácter de regularidade que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios.
3 - Entende-se por retribuição anual o produto de 12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios de Natal e de férias e outras prestações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade.
(…)
11 - Em nenhum caso a retribuição pode ser inferior à que resulte da lei ou de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.”
Como aliás tem sido reconhecido pela jurisprudência, este preceito adota um conceito de retribuição que, ao abarcar nessa todas as prestações que assumam caráter de regularidade, é sem dúvidas mais abrangente em relação ao que se encontra estabelecido no Código do Trabalho (CT/2009), pois que apenas alude, para efeitos de exclusão retributiva, ao destino aleatório das prestações.
O legislador conferiu particular atenção ao elemento periodicidade ou regularidade no pagamento ao dispor que por “retribuição mensal” se entende "todas as prestações recebidas com carácter de regularidade", acrescentando expressamente que esta “não” abarca as prestações regulares que “se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios”.
Trata-se assim de um regime que, como tem sido reconhecido pela Jurisprudência, adota um conceito de retribuição mais abrangente do que o que se encontra previsto no CT/2009, pois que o legislador, na LAT, conferiu relevância exclusivamente ao elemento regularidade no pagamento, ao dispor que por “retribuição mensal” se entende "todas as prestações recebidas com carácter de regularidade", acrescentando apenas, para efeitos de exclusão, que a retribuição “não” abarca as prestações regulares que “se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios”. Ou seja, a LAT deixou de remeter para os critérios estabelecidos na lei geral[1], excetuando agora apenas do conceito de retribuição, de modo expresso, as prestações que se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios que tenha que suportar por causa do trabalho[2], o que se traduz, afinal, no reconhecimento de um critério que tem presente a justa medida das expectativas de ganho do trabalhador, conferindo assim por essa via relevância ao nexo existente entre a retribuição e as suas necessidades pessoais e familiares. Percebe-se aliás esse desiderato pois que, visando as indemnizações ou pensões fixadas na sequência de um acidente de trabalho compensar o sinistrado da falta ou diminuição da sua capacidade laboral e consequente falta ou diminuição dos rendimentos que lhe derivavam da prestação do trabalho, com facilidade se aceitará que no cálculo daquelas indemnizações ou pensões se devam atender a todas as prestações que, não sendo desde logo absorvidas em custos aleatórios, o mesmo recebia e de acordo com as quais programava regularmente o seu dia-a-dia. Deste modo, apenas deverão ter-se por excluídas as prestações que, como se refere o n.º 3 do artigo 71.º da LAT, se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios, ou dito de outro modo, precisamente por terem essa natureza, as que tenham uma causa específica e individualizável diversa pois da remuneração do trabalho ou da disponibilidade da força de trabalho do trabalhador.
É precisamente o que ocorre, manifestamente, como se refere no Acórdão da Relação de Lisboa de 9 de Maio de 2018[3], “nos casos da recepção pelo trabalhador do valor correspondente ao preço do transporte, alojamento e alimentação no caso de transferência de local de trabalho, bem como das ajudas de custo e subsídio de deslocação devidos como compensação enquanto perdurar a execução de determinada tarefa, numa área de laboração distinta da habitual e num condicionalismo que não permita ao trabalhador organizar a sua vida pessoal e familiar nos termos normais, tendo custos acrescidos pelo facto de trabalhar. Estes valores estão arredados do cômputo da "retribuição-base" para o cálculo das pensões e indemnizações por acidentes de trabalho por força do especial regime que emerge do artigo 71.º, n.º 3 da LAT, e sem necessidade de lançar mão do regime geral emergente dos artigos 258.º e 260.º do Código do Trabalho de 2009.”

2.2. O caso que se decide
No caso sujeito à nossa apreciação, constata-se, quanto às quantias que foram pagas mensalmente sob a designação de “Claus. 59º-Aj. Custo/Estrag. S/IRS” – respetivamente: a) no mês de julho de 2019: €925,25; b) no mês de agosto de 2019: €1.012,50; c) no mês de setembro de 2019: €940,00; d) no mês de outubro de 2019: €975,00; e) no mês de novembro de 2019: €855,00; f) no mês de dezembro de 2019: €745,00; g) no mês de janeiro de 2020: €990,00; h) no mês de fevereiro de 2020: €941,90; i) no mês de março de 2020: €909,90; j) no mês de abril de 2020: €529,98. (pontos 15.º da factualidade, introduzido no presente recurso) –, que se provou, exercendo o trabalhador / aqui Autor a atividade de motorista internacional, que essas quantias lhe foram pagas exclusivamente para fazer face às suas despesas em serviço com alimentação, dormidas e outras, nos dias em que esteve deslocado, em cumprimento do CCT aplicável, tendo sido pago o valor diário mínimo de €35 em 2019 e €36,40 em 2020 nesse CCT estabelecido por cada dia, acrescido da diferença se tais despesas fossem superiores.
E, sendo assim, importando então verificar qual o regime que deve ser aplicado ao caso que se decide, desde já avançamos que não se acompanha a solução a que se chegou na sentença recorrida, assim na parte em que considerou como integrantes da retribuição o valor de “€802,23 x 11 (média mensal das outras prestações €925,25 + €1.012,50 + €940,00 + €975,00 + €855,00 + €745,00 + €990,00 + €941,90 + €909,90 + €529,98 = €8.824,53 : 11 meses)”, como veremos de seguida.
Desde logo, tendo sido pagos valores por cada dia efetivo de trabalho (pelo menos o valor mínimo nos termos do CCT aplicável), pode dizer-se que ocorre regularidade e periodicidade do pagamento, como exigido pelo n.º 2 do citado artigo 71.º, pois que a referência a que foram pagos por dia de trabalho efetivo significa que o foi em todos esses dias, ou seja com uma cadência diária, não dependendo, pois, de qualquer causa específica ou temporária que fuja ao normal da prestação do trabalho, ou seja, diversa daquelas a que se alude no Acórdão anteriormente citado, regularidade essa que determina, pois, a sua subsunção à previsão da primeira parte do n.º 3 do artigo 71.º da LAT, sendo que, apesar do seu valor ser numa parte igual em todos os dias efetivos de trabalho (quando se tratou do valor mínimo estabelecido no CCT) e já diverso quando as despesas foram superiores, verifica-se, ainda assim, constância na sua atribuição ao Autor/sinistrado, só variando o que é pago mensalmente, como se viu, pela circunstância de ser prestada atividade em mais ou menos dias ou de terem ocorrido despesas não integradas no valor mínimo previsto no CCT. Ou seja, tratando-se de prestações recebidas com carácter de regularidade e periodicidade, integram-se sem dúvidas, como afirmado no Acórdão supra citado[4], “no "padrão retributivo" enunciado na previsão da primeira parte do artigo 71.º, n.º 3 da LAT (sem necessidade, sequer, de lançar mão da presunção estabelecida no n.º 2 do artigo 258.º do Código do Trabalho)”.
Porque assim é, restará então, por último, saber se se verifica a exceção à referida regra, que se retira da 2.ª parte do indicado n.º 3 do artigo 71.º da LAT, ou seja, o saber se se destinam a compensar o sinistrado por custos aleatórios.
Como se escreve no citado Acórdão da Relação de Lisboa de 9 de Maio de 2018:
“(…) Com efeito, constituindo a LAT lei especial face ao regime geral da retribuição que emerge dos artigos 258.º e ss. do Código do Trabalho (incluindo o que prescreve o seu artigo 260.º) é aos seus preceitos que deve o intérprete recorrer em primeira linha, sem prejuízo do contributo da lei geral naquilo que não tiver regulação expressa na lei especial.
É ao empregador que cabe o ónus da prova dos factos integrantes da excepção enunciada na parte final do artigo 71.º, n.º 3 da LAT, nos termos prescritos no artigo 342.º, n.º 2 do Código Civil. Com efeito, não se trata já aqui de ilidir uma presunção como ocorre à face da lei geral (pois que a primeira parte da norma afirma a qualificação retributiva, não indicando que a mesma se presume como ocorre com o n.º 3 do artigo 258.º do CT) pelo que não cabe lançar mão do artigo 350.º do Código Civil, mas de provar o facto impeditivo da natureza retributiva que é enunciado na segunda parte do n.º 3 do artigo 71.º da LAT.
É aliás pacífica a jurisprudência no sentido de que cabe ao empregador o ónus de provar a natureza compensatória de custos aleatórios dos valores pagos[5], bem como de que o que é determinante para aferir a natureza das atribuições patrimoniais não é a sua denominação ou o modo como o empregador as classifica nos recibos emitidos, mas o fim a que se destinam[6]”.
Ora, apreciando então, como primeira nota, não poderemos deixar de ter presente, porque necessariamente do conhecimento do legislador, a significação comum da expressão (adjetivo) “aleatório”, assim no sentido do que “depende do acaso ou de circunstâncias imprevisíveis; sujeito a contingências; casual; fortuito”[7] – ou que “depende de acontecimento incerto” ou “sujeito às incertezas do acaso”[8] –, permitindo deste modo dizer que se teve em conta, excecionando-as, as prestações que se destinem a compensar o sinistrado por custos ocasionais ou que dependem do acaso ou de circunstâncias imprevisíveis, sendo que, verdadeiramente, num caso como o que se decide, é fundada a afirmação de que era afinal imprevisível o valor de tais custos pois que, enquanto motorista internacional, dependeriam os mesmos do tipo de refeição e /ou dormida, local e até estabelecimento em que fossem prestados os serviços – que dependeria pois do tipo de alimentação, modo e local como satisfaria essa necessidade, o mesmo ocorrendo com as dormidas.
Voltando então ao caso, como já o dissemos antes, entendemos não ser de acompanhar a sentença recorrida, ao ter concluído que o pagamento das analisadas quantias não se destinava a compensar o Autor / trabalhador por custos aleatórios, pois que, em face da factualidade provada, nos termos que também resultou da nossa apreciação em sede de apreciação do recurso sobre a matéria de facto, consideramos que, com salvaguarda do respeito devido por entendimento diverso[9], concluímos, à semelhança do que ocorreu no acórdão de 22 de outubro de 2018[10], encontrando-se ainda satisfeito de modo bastante o que sobre essa questão tem sido afirmado pela jurisprudência a respeito do ónus da prova, que os valores em causa se integram na previsão da parte final do n.º 2 do artigo 71.º da LAT – destinaram-se a compensar o Sinistrado por custos aleatórios. Na verdade, compreendendo-se a fixação de um valor mínimo por cada dia de serviço efetivo no CCT aplicável também como forma de facilitar o pagamento desses custos, assim sem necessidade de uma qualquer operação para acerto de contas (e mesmo da apresentação de quaisquer faturas), tendo como se disse por base o elenco factual fixado, a que já nos referimos, o facto de se provar que as analisadas prestações foram pagas ao Autor para o mesmo fazer face exclusivamente às suas despesas em serviço com alimentação, dormidas e outras, nos dias em que esteve deslocado, permite concluir que estamos perante a previsão da última parte do n.º 3 do artigo 71.º da LAT – pagamentos que se destinavam, efetivamente, a compensar o sinistrado por custos aleatórios que tivesse que suportar –, pois que, afinal, tais prestações têm apenas uma causa e uma destinação específica, precisamente aquele pagamento, efetivo e exclusivo, das aludidas despesas, assumindo assim uma natureza que permite integrá-las na categoria das ajudas de custo. De resto, o que não poderemos deixar de sinalizar, é precisamente com tal designação que constam do CCT aplicável, aí se afirmando, assim na mesma cláusula em que estão previstas as aludidas ajudas de custo, seus n.ºs 8 e 9, que “O pagamento regular e reiterado de ajudas de custo, em caso de constantes deslocações, não é considerado retribuição” e que “A presente norma tem natureza interpretativa sobre a legislação que regule a matéria das ajudas de custo” – e, portanto, não se podendo sequer dizer que excedam o montante efetivamente gasto para o pagamento de tais despesas, muito embora se possa tratar em parte significativa de montante pago em quantia certa relativamente a cada dia de trabalho efetivo (valor mínimo da diária previsto no CCT), a aleatoriedade da sua causa mantém-se, por essa ter a ver, de acordo com a lei, não com o que é pago pela entidade patronal e sim, noutros termos, com o tratar-se ou não de prestações que se destinam a “compensar o sinistrado por custos aleatórios”, ou seja, é a natureza dos custos, assim o serem ou não imprevisíveis/aleatórios, que determina a aplicação da norma – e neste caso, é afinal imprevisível o preço efetivo das refeições e ou dormidas, os quais podem variar conforme o local e tipo de estabelecimento prestador do serviço.
Como se refere no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Abril de 2011[11], “As ajudas de custo não visam, em regra, pagar o trabalho ou a disponibilidade para o trabalho, antes se destinam a compensar as despesas realizadas pelo trabalhador por ocasião da prestação do trabalho ou por causa dele”, sendo que “Só assim não será quando estas compensações excedem as despesas suportadas, pois conforme resulta da parte final do artigo 260º nº 1 do CT/2003, a parte excedente dessas despesas deverá considerar-se retribuição, no caso de se tratar de deslocações frequentes.”
E, do mesmo modo como no Acórdão da Relação de Évora de 12 de julho de 2018[12], poderemos também dizer que “o pagamento acordado visa facilitar o reembolso das despesas com a alimentação e não a beneficiá-lo através da atribuição de um suplemento remuneratório regular. Ou seja, não resultava daí um ganho para o trabalhador no final do mês. Apenas era reembolsado das despesas que havia efetuado”.
Nos termos expostos, procedendo assim o recurso quanto a esta questão, dessa circunstância deriva, por consequência, também a alteração da sentença quanto aos cálculos e valores a que nessa se chegou, nos termos que se seguem:

Importando dar cumprimento ao regime que resulta da Lei n.º 102/2009 (LAT), nos termos do disposto nos artigos 23.º, alínea b), 39.º, 47.º, n.º 1, alíneas a), c), 48.º, n.ºs 1, 2 e 3, alíneas c) e d), 50.º, 71.º e 79.º, n.ºs 4 e 5, atendendo à incapacidade de que o Autor /sinistrado ficou a padecer, a reparação deve consistir no pagamento das indemnizações por incapacidades temporárias e do capital de remição da pensão anual que lhe é devida (já que a sua incapacidade permanente é inferior a 30%).
Tendo então em vista apurar o montante indemnizatório a que tem direito, excluindo nos termos antes decididos o mais, a retribuição anual auferida pelo Autor é de €16 320,80 (€700,00 x 14 + €135,00 x 11 + €352,80 x 11 + €70,00 x 11 + €35,00 x 11), pelo que, apresentando uma IPP 2,985% (tendo tido alta definitiva em 26 de Agosto de 2020, para além de ter sofrido um período de ITA desde 29 de Maio de 2020 até 5 de Julho de 2020 e um período de ITP de 10% desde 6 de julho de 2020 até 26 de agosto de 2020), tem direito ao capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de €341,02, devida a partir de 27 de agosto de 2020, sendo responsáveis pelo respetivo pagamento, na proporção respetiva de responsabilidades, ambas as Rés (artigo 79.º, n.º5, da LAT). Assim, porque a Recorrente apenas transferiu para a Ré Companhia Seguradora a quantia correspondente à remuneração anual €12.835,70, ou seja, de 78,65% da remuneração efetivamente auferida, essa apenas responde por essa parte, respondendo a Recorrente pelos restantes 21,35%.
Quanto ao cálculo da indemnização pelo período de incapacidade temporária absoluta (ITA) – importando ter presente que, como se provou, ocorrendo a consolidação médico-legal das lesões sofridas pelo Sinistrado em 26 de agosto de 2020, sofreu este de ITA no período compreendido entre 29 de maio de 2020 até 5 de julho de 2020 –, resulta do disposto no artigo 48.º, n.ºs 1 e 3, al. d), da Lei n.º 98/2009, que tal incapacidade lhe confere o direito a receber uma “indemnização diária igual a 70% da retribuição nos primeiros 12 meses e de 75% no período subsequente”, indemnização essa que é paga em relação a todos os dias, incluindo os de descanso e feriados, e que começa a vencer-se no dia seguinte ao acidente, processando-se o pagamento mensalmente (artigos 50.º/1 e 72.º/3, da LAT), e, sendo superior a 30 dias, como acontece no caso, é paga a parte proporcional correspondente aos subsídios de férias e de Natal, determinada em função da indemnização diária que for apurada (art.º 50.º /3).
Deste modo, incluindo já a parte proporcional, na medida em que partimos do valor da RA integrando os subsídios de Férias e de Natal, assiste ao Sinistrado o direito a receber €1205, 93 – (€16.320,80:12:30 x 70%) x 38 dias de ITA.
Por sua vez, por aplicação do regime que resulta da alínea e) do n.º 3 do indicado artigo 48.º, que confere o direito a receber, por incapacidade temporária parcial, “indemnização diária igual a 70 % da redução sofrida na capacidade geral de ganho”, porque no caso o Sinistrado esteve com ITP de 10% no período compreendido entre 6 de julho de 2020 até 26 de agosto de 2020, ou seja um total de 52 dias, tem o direito a receber €165,02 – (€16.320,80:12:30 x 70%) x 10% x 52 dias.
Totalizando assim o devido a título de incapacidades temporárias o valor total de €1370,95, aplicando a percentagem de responsabilidades antes mencionada, tal traduz-se em € 1078,25 para a Ré Seguradora (a que se terá de deduzir a quantia de €226,47, referente à indemnização por aqueles períodos que já pagou) e de €292,70 para a Ré / recorrente.
Por decorrência do anteriormente exposto, na procedência do presente recurso, a sentença recorrida será alterada, em conformidade, no presente acórdão.
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Sumário, nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do CPC:
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IV. Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, na procedência do recurso, em alterar o decidido na sentença recorrida nesta parte, a qual é substituída pelo presente acórdão, nos termos que se seguem:
1. Condena-se a 1.ª Ré Companhia de Seguros K..., S.A., bem como a 2.ª Ré T... Unipessoal, Lda, a pagarem ao Autor, AA, na proporção respetiva de responsabilidades de 78,65% para a primeira e 21,35% para a segunda, o capital de remição de uma pensão anual de €341,02, devida a partir de 27 de agosto de 2020;
2. Condena-se a 1ª Ré Companhia de Seguros K..., S.A. a pagar ao Autor AA, a quantia de €851,78 a título de diferenças de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária sofridos;
3. Condena-se a 2ª Ré T... Unipessoal, Lda, a pagar ao Autor AA a quantia de €292,70 a título de diferenças de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária sofridos.
4. Ás quantias referidas nos pontos anteriores acrescem juros de mora, nos termos constantes do dispositivo da sentença.

Custas da ação na proporção de vencimento por Autor e Rés, tendo em conta quanto a estas as respetivas responsabilidades, sendo as do recurso pelo Autor / recorrido, sem prejuízo isenção ou benefício de que goze.

Porto, 28 de novembro de 2022
Nélson Fernandes
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes

Acórdão assinado digitalmente, com declaração da Exma. 1.ª Adjunta, de que subscreve o presente acórdão, esclarecendo que a factualidade neste provada é diversa daquela que esteve na base do acórdão n.º 1253/20.3T8VLG.P1.
___________________
[1] Como ocorria no âmbito da Base XXIII da Lei nº 2127, de 3 de Agosto de 1965 e da Lei n.º 100/97, em que o legislador começava por utilizar uma remissão genérica para “tudo o que a lei considere como seu elemento integrante” – aproximando-se do conceito genérico vertido na lei geral (no Decreto-Lei n.º 49.408, de 24 de novembro de 1969 ou artigo 249.º do Código do Trabalho de 2003, num primeiro momento, mas acabando depois por nele integrar, num segundo momento, todas as prestações que assumissem carácter de regularidade –, colocando assim o enfoque, apenas, no elemento da regularidade no pagamento.
[2] Acabando assim por consagrar o entendimento uniforme do STJ no sentido deque as prestações que constituam ajudas de custo regulares não se qualificam como retribuição quando têm efetivamente uma causa específica e individualizável, diversa da remuneração da disponibilidade para o trabalho, e não se traduzem num ganho efetivo para o trabalhador – vejam-se, nomeadamente, os Acórdãos STJ de 19-10-2004 (n.º 2711/04), 19-02-2004 (n.º 3478/03) e 19-01-2003 (n.º 1192/02).
[3] Relatora Desembargadora Maria José Costa Pinto, in www.dgsi.pt.
[4] Que com a devida vénia temos seguido de muito perto.
[5] [9]Vide o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa 2014.03.26, Processo n.º 1837/12.3TTLSB.L1-4, in www.dgsi.pt, o Acórdão da Relação de Lisboa de 2016.12.15, Processo n.º 220/14.0TTTVD.L1, inédito, ao que supomos (que a ora relatora e a Exma. Sra. Desembargadora ora primeira adjunta subscreveram como adjuntas), e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Março de 2010, Recurso n.º 436/09.1YFLSB- 4.ª Secção, sumariado in www.stj.pt.
[6] [10]Vide o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Junho de 2010, Recurso n.º 108/07.1TTBRR.S1 - 4.ª Secção, sumariado no mesmo sítio e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa 08 de Setembro de 2010, Processo: 530/06.0TTVFX.L1-4, in www.dgsi.pt.
[7] https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa
[8] https://dicionario.priberam.org
[9] No qual se parecer inserir o entendimento sufragado no Acórdão desta Secção de 7 de dezembro de 2018, Relator Desembargador Jerónimo Freitas, in www.dgsi.pt.
[10] Apelação 4442/16.1T8VIS.P1 – então referente à quantia de €19,00 paga pela entidade patronal em cada dia efetivo de trabalho e que se provou que visava reembolsar o trabalhador (motorista, também) “dos gastos com alimentação (pequeno almoço, almoço e jantar) nas viagens que efetuava a mando” da sua entidade patronal”.
[11] Relator Conselheiro Gonçalves Rocha, in, de cujo texto consta ainda – muito embora proferido no domínio de aplicação da Lei 100/97, assim seu artigo 26.º, n.º 3, mas que se pode ter por relevante no domínio da atual LAT, face à similitude de redação das normas –, citando também: “
“Esta era a orientação corrente na jurisprudência no domínio da vigência da Lei 2127, que já se orientava neste sentido, afastando do conceito de retribuição a atender em sede de acidente de trabalho, os valores recebidos pelo trabalhador e que eram meramente compensatórios de despesas por si realizadas com deslocações ao serviço da entidade patronal, conforme se colhe dos acórdãos de STJ de 8/3/95, in BMJ 445/371 e principalmente pgª 379.
Nesta linha, era também jurisprudência corrente no domínio daquela lei, que as ajudas de custo não visavam, em regra, pagar o trabalho ou a disponibilidade para o trabalho, antes se destinavam a compensar as despesas realizadas pelo trabalhador por ocasião da prestação do trabalho – acórdãos de 17/10/2001, Revista 166/01; de 05/12/01, Revista 1313/01; e de 03/02/99, CJ/STJ, I, 271.
A lei em vigor ao tempo da ocorrência do acidente dos autos, também exclui do conceito de retribuição os valores que o sinistrado receba e que se destinem a compensá-lo por custos aleatórios, conforme advém do nº 3 do artigo 26º da Lei 100/97.
[12] Num caso em que tais despesas ocorriam no estrangeiro, mas que se tem por aplicável ao caso, Relator Desembargador Moisés Silva, in www.dgsi.pt.