Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3240/24.3T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: TERESA FONSECA
Descritores: CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
Nº do Documento: RP202504283204/24.3T8VNG.P1
Data do Acordão: 04/28/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Verificando-se falta da causa de pedir ou a sua manifesta incompletude, o princípio da cooperação entre o tribunal e as partes sofre limitações, não havendo lugar a convite ao aperfeiçoamento da petição inicial, pois a nulidade decorrente da ineptidão é insuprível.
II - Existe simulação relativa na situação da compra e venda em que não se quis, nem vender, nem comprar, mas sim doar.
III - É inepta a petição inicial, por contradição entre o pedido e causa de pedir, na situação em que se pede a declaração de nulidade de compra e venda e o cancelamento das inscrições correspondentes no registo predial, se subjacente àquele negócio se quis doar, já que a doação dissimulada se mantém válida.
IV - É inepta a petição inicial em que se pede que seja considerado aceite e provado o enriquecimento sem causa por parte da R. e a condenação da mesma por via deste instituto por ininteligibilidade do pedido e incompatibilidade com o pedido de declaração de nulidade do negócio, inexistindo fundamento para convidar à escolha, por nenhum dos pedidos ser suscetível de decisão de mérito favorável.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo: 3240/24.3T8VNG.P1
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Sumário
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Relatora: Teresa Maria Fonseca
1.º adjunto: Manuel Fernandes
2.º adjunto: António Mendes Coelho

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório
AA da Viúva intentou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra BB.
Pede:
a) a declaração de nulidade, por simulação absoluta, do negócio jurídico de “compra e venda” celebrado entre A. e R., através de documento particular autenticado outorgado em 4 de novembro de 2016, referente:
- à fração autónoma designada pela letra F, composta por habitação no terceiro andar esquerdo, com arrecadação no rés-do-chão, descrita na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, freguesia ..., com o número ...-F, inscrita a favor do A., nos termos da inscrição ap. ..., de 14 de abril de 1993, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo ...-F, com o valor patrimonial tributário de 50.475,95 euros;
- à fração autónoma designada pela letra X, composta por habitação no sexto andar B, com garagem no rés-do-chão, descrita na descrita na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, freguesia ..., com o número ...-X, inscrita a favor do A., nos termos da inscrição Ap. ..., de 22 de outubro de 1999, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo ...-X, com o valor patrimonial tributário de 22.857,80 euros;
b) que seja ordenado o cancelamento das inscrições de aquisição a favor da R. pelas Ap. ..., de 5 de junho de 2017, referentes às aludidas frações autónomas, bem como eventuais registos de transmissão a favor de terceiros;
c) que seja reposta no registo predial a titularidade dos bens na propriedade do A.;
d) que seja considerado aceite e provado o enriquecimento sem causa por parte da R. e a condenação da mesma por via deste instituto;
e) que a R. seja condenada a pagar-lhe indemnização por danos não patrimoniais no montante de € 1 000,00.
Alega que na constância do seu casamento com a R., celebrado no regime da separação de bens e dissolvido por divórcio a 28 de junho de 2022, adquiriu juntamente com a R. as frações autónomas identificadas. A R. verbalizou temer que o A. pré-falecesse, demonstrando preocupação por não ser sua herdeira e por aquele ter filhos do anterior casamento, o que a colocaria numa posição frágil. O A. não quis vender e a R. não quis comprar, nem foi pago o preço (o preço declarado é inferior ao valor patrimonial e ao valor de mercado) ou existiu entrega, constituindo uma das frações autónomas a casa de morada da família, onde o A. continua a residir. A verdadeira intenção foi a de sonegar os imóveis da futura herança do A., no que respeita aos filhos do primeiro casamento. Alega ainda que a R. enriqueceu, sem causa justificativa, à custa do seu património hereditário. O direito à restituição por enriquecimento está a ser exercido dentro do prazo. Por força do ocorrido sente-se triste, deprimido e angustiado.
A R. contestou, impugnando o alegado e reconvindo, reconvenção que não veio a ser admitida.
Em sede de saneamento do processo, foi julgada verificada a exceção de ineptidão da petição inicial, com absolvição da R. do pedido.
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Inconformado, o A. interpôs o presente recurso, que finalizou com as conclusões que em seguida se transcrevem.
i. O presente Recurso é interposto na sequência da Sentença datada de 27 de novembro de 2024 (Ref.ª 465847480).
ii. Na sentença referenciada o Tribunal a quo, entre outros, decidiu pela decretação da nulidade de todo o processado com fundamento na ineptidão da petição inicial apresentada pelo Autor.
iii. O Autor não se conforma com a decisão proferida, pelo que vem pelo presente apresentar recurso da mesma.
iv. A ação alvo do processo acima melhor id., teve como fundamento a arguição por parte do Autor de simulação absoluta do negócio jurídico trazido a juízo a estes autos pelo mesmo, sendo o escopo da mesma por parte do Autor o seguinte:
“Ser declarada a nulidade, por simulação absoluta, do negócio jurídico de “compra e venda” celebrado entre o Autor e a Ré, através de documento particular autenticado, outorgado em 4 de novembro de 2016, no escritório do Sr. Dr. CC, Solicitador, referente às seguintes frações autónomas:
- fração autónoma designada pela letra “F” composta por habitação no terceiro andar esquerdo, com arrecadação no rés do chão, descrita na Segunda Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o número Quatrocentos e Setenta e Nove-F, da Freguesia ... e nela inscrita a favor do Autor, nos termos da respetiva inscrição ap. ... de 14 de abril de 1993, inscrita na matriz predial urbana da Freguesia ..., sob o artigo ...-F com o valor patrimonial tributário de 50.475,95 € (cinquenta mil quatrocentos e setenta e cinco euros e noventa e cinco cêntimos); e
- a fração autónoma designada pela letra “X” composta por habitação no sexto andar B, com garagem no rés-do-chão, descrita na Segunda Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o número …-X, da Freguesia ... e nela inscrita a favor do Autor, nos termos da respetiva inscrição Ap. ... de 22 de outubro de 1999, inscrita na matriz predial urbana da Freguesia ..., sob o artigo ...-X com o valor patrimonial tributário de 22.857,80€ (vinte e dois mil oitocentos e cinquenta e sete mil euros e oitenta cêntimos).
E, em consequência, seja ordenado o cancelamento das inscrições de aquisição a favor da Ré, pelas Ap. ... de 2017/06/05 referentes às frações X e F, bem como eventuais registos de transmissão dos ditos prédios a favor de terceiros.
Seja reposta no registo predial a titularidades dos bens na propriedade do Autor.
Seja considerado aceite e provado o enriquecimento sem causa por parte da Ré e a condenação da mesma por via deste instituto.
Seja a Ré condenada a pagar uma indemnização por danos não patrimoniais no montante de 1.000,00€ (mil euros).”
v. O Autor ao longo do seu vasto articulado da petição inicial expôs a fundamentação de facto e de direito que deram origem aos presentes autos e cuja obrigação lhe cabia nos termos do estatuído no art.º 552.º, n.º 1, al. d) do CPC.
vi. Todavia não foi esse o entendimento do tribunal a quo.
vii. Tendo por conseguinte, na sentença julgado o tribunal a quo a nulidade de todo o processo.
viii. Alega o tribunal a quo para tanto que: “O autor expõe os factos em termos confusos, ambíguos ou ininteligíveis, não sendo possível apreender com segurança a causa de pedir (qual o vício da vontade em causa);
ix. No que diz respeito ao enriquecimento sem causa, impõe-se, ainda, dizer que, face ao alegado, poderia o autor utilizar outro meio ou ação, o que sempre impediria a sua apreciação no âmbito da presente ação. De facto, a natureza subsidiária do enriquecimento sem causa, prevista no art.º 474º do CC, significa que enquanto o empobrecido puder utilizar outro meio ou ação para se fazer ressarcir dos seus prejuízos, é destes que deve lançar mão.
x. Afigura-se-nos, assim, que estamos perante uma ineptidão da petição inicial (por falta de pedido (em parte), por cumulação de pedidos incompatíveis ou inconciliáveis e por ininteligibilidade da causa de pedir), insuscetível de suprimento (por não ser, desde logo, percetível a causa de pedir).
xi. Por outro lado, também não é possível fazer uso da salvaguarda prevista no n.º 3 do art.º 186º do CPC (não obstante a ré ter apresentado contestação). A este propósito, escreve-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18 de outubro de 2016 (in www.dgsi.pt), o seguinte: “Diga-se que o critério para aferir se uma petição é apta ou inepta (…) não reside em os réus haverem reclamado esses vícios, ou haverem contestado sem os protestarem. E o óbvio desta conclusão parte desde logo de se ter por inequívoco que a falta ou ininteligibilidade da causa de pedir se estabelece em relação ao processo e ao que nele fica expresso e não ao que eventualmente o réu possa ter conhecimento para lá do que seja expresso na petição inicial. (…). É que não se trata de o Réu entender ou não mas sim, diferentemente, de tal ter de ser entendido no processo nomeadamente por aquele que vai ter de julgar.”.
xii. A locução normativa segundo a qual “se o réu contestar apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, não se julgará procedente a arguição quando ouvido o autor se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial” (art.º 186 nº3 do NCPC) – não significa, pois, que a ausência de arguição de nulidade por parte do réu torne boa a petição quando a esta falte a causa de pedir ou esta seja ininteligível.”.
xiii. A petição inicial é, pois, inepta (art.º 186º, n.º 1, n.º 2, alíneas a) e c), do Código de Processo Civil).
xiv. A ineptidão da petição inicial é um vício gerador da exceção dilatória da nulidade de todo o processo, de conhecimento oficioso, conduzindo, no caso em apreço, à absolvição da ré da instância (cf. artigos 186º, 196º, 278º, n.º 1, alínea b), 576º, n.º 2, 577º, alínea b), do Código de Processo Civil).”
xv. Com isto, julga o tribunal a quo: “verificada a exceção da nulidade de todo o processo com fundamento em ineptidão da petição inicial e, em consequência, absolvo a ré da instância.”
xvi. O Tribunal a quo invoca a ineptidão da petição inicial com base no art.º 186.º, n.º 1, n.º 2.º, al. a) e c) do CPC.
xvii. O recorrente entende que a sentença recorrida, que julgou inepta a petição inicial, deve ser anulada, devendo o Tribunal a quo proferir despacho, nos termos previstos no art.º 590º, nº 2, al. b), do CPC, convidando o recorrente em prazo a fixar, suprir a insuficiência na alegação dos factos constitutivos do direito a que se arroga.
xviii. Invoca o recorrente o preceituado no art.º 5º, nº 1, do CPC.
xix. Aquele artigo consagra o princípio do dispositivo.
xx. Com efeito, cabe às partes alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas.
xxi. Como decorrência e concretização deste princípio geral, estabelece o art.º 552º, nº 1, als. d) e e), que na petição com que propõe a ação deve o autor expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação e formular o pedido.
xxii. A causa de pedir consiste no facto jurídico concreto, ou no complexo de factos jurídicos concretos, que integram a relação material controvertida invocada e dos quais procede o efeito jurídico pretendido ou a pretensão deduzida em juízo.
xxiii. No nosso sistema processual civil vigora a denominada teoria da substanciação.
xxiv. Pelo que, na exposição da causa de pedir não basta ao autor a indicação genérica do direito que pretende tornar efetivo e de que faz derivar o pedido.
xxv. É necessário que o Autor indique de forma específica e concreta o facto constitutivo do direito do qual faz derivar a sua pretensão.
xxvi. Pelo que ao Autor compete alegar de forma substanciada os factos que integram a causa de pedir, isto é, o quadro factual atinente ao tipo legal de que pretende prevalecer-se e do qual faz derivar a pretensão que deduz.
xxvii. Posto isto, da conjugação das disposições dos artigos 5º, n.º 1 e 552º, n.º 1, al. d), do CPC, resulta que o autor apenas tem o ónus de alegação dos factos essenciais que constituem a causa de pedir.
xxviii. Impunha-se ao julgador o convite ao aperfeiçoamento como forma de sanar e suprir a deficiente exposição ou concretização da matéria de facto.
xxix. O que no caso em apreço não ocorreu.
xxx. Findos os articulados, nos quais contempla uma contestação com pedido reconvencional por parte da Ré, no qual demonstra claramente não haver lugar a dúvidas quanto ao pedido e causa de pedir, há lugar a audiência prévia. Sendo que só após a sua concretização é que é proferida a sentença de que ora se recorre.
xxxi. No que concerne à relação entre o pedido e a causa de pedir, aquele tem de apresentar-se como a consequência ou o corolário lógico desta.
xxxii. O que no caso em concreto foi devidamente respeitado.
xxxiii. Impunha-se ao julgador nos termos do disposto no art.º 6.º do CPC um convite prévio convite ao aperfeiçoamento, sob pena de ocorrer uma situação de nulidade caso tal ato seja omitido.
xxxiv. O que não ocorreu.
xxxv. Com efeito, dispõe o art.º 6.º, nº 2, do CPC, sob a epígrafe “dever de gestão processual” que o juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo.
xxxvi. Como manifestação deste princípio geral, lê-se no art.º 590.º, nº 2, al. b), que, findos os articulados, o juiz profere, sendo caso disso, despacho pré-saneador destinado a providenciar pelo aperfeiçoamento dos articulados, sendo que, de acordo com o nº 4 do mesmo normativo.
xxxvii. Incumbe ainda ao juiz convidar as partes ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para a apresentação de articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido.
xxxviii. Face à redação atual do preceito citado, ficou ultrapassada a anterior controvérsia sobre a natureza discricionária ou vinculada da prolação do despacho de aperfeiçoamento e parece-nos ser entendimento pacífico o de que, o tribunal está obrigado ou vinculado a dirigir à parte convite de aperfeiçoamento no sentido de ser sanada ou suprida a aludida insuficiência, não podendo o processo prosseguir sem que tenha lugar este ato.
xxxix. “o juiz que não convida ao aperfeiçoamento e decide desfavoravelmente à parte com base numa deficiência que podia ter sido corrigida deixa de praticar um ato que não devia ter omitido (art.º 195º, nº 1). No entanto, a omissão só se torna patente no momento do proferimento da decisão em que o tribunal decide contra a parte com base na deficiência - ou seja, no momento em que o tribunal decide utilizando matéria que, atendendo à falta de convite ao aperfeiçoamento, não podia ter conhecido - pelo que aquela decisão é nula por excesso de pronúncia (art.º 615º, nº 1, al. d)). Esta nulidade só pode ser evitada se, antes do proferimento da decisão, o tribunal convidar a parte a aperfeiçoar o articulado”. - Castro Mendes e Teixeira de Sousa (in Manual de Processo Civil, Vol. II, p. 84).
xl. “I - A ineptidão da petição inicial, apenas, ocorre quando esta contém deficiências que comprometem irremediavelmente a sua finalidade, determinando a nulidade de todo o processo e a absolvição da instância, conforme artigos 186º, nº 1, 576º, nºs 1 e 2, 577º al. b) e 278º 1 al. b), do CPC.
II - Ainda, que os factos essenciais alegados sejam insuficientes, se a ré contestar, decorrendo da contestação que interpretou convenientemente a petição inicial e os pedidos, impugnando expressamente o que foi alegado pela autora e, em consequência, requerendo a sua absolvição daqueles, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a), do nº 2, do art.º 186º, do CPC seja, com fundamento na falta ou ininteligibilidade de causa de pedir ou do pedido, a arguição não é julgada procedente quando, conforme estipula o nº 3, daquele mesmo artigo.
III - Quando no decurso do processo o juiz reconheça que deixaram de ser articulados factos que considera relevantes para o reconhecimento do direito invocado pela autora, o mesmo não pode, de imediato, proferir decisão, julgando procedente a ineptidão da petição inicial, atento o disposto nos artigos 27º, nº 2, al. b) e 54º, nº1 do CPT, (quer na anterior redação, quer na atual, decorrente da entrada em vigor da Lei nº 107/2019, de 9 de setembro). sem prejuízo do seu indeferimento nos termos do disposto no nº 1, do artigo 590º, do CPC.
IV - O juiz deve, oficiosamente, determinar que a autora aperfeiçoe a petição inicial, suprindo as omissões detetadas, no prazo fixado e só depois é que poderá extrair as consequências daquela omissão, caso não sejam supridas as insuficiências.” - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 4138/18.0T8MTS-A.P1, Relator Rita Romeiro, datado de 22/10/2019.
IV. Do pedido:
Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis e com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., Venerandos Desembargadores, deve ao presente recurso ser dado total provimento, nos termos e pelas razões supra descritas e, por consequência, ser:
a) declarada nula por excesso de pronúncia nos termos do disposto no art.º 615.º, nº 1, al. d) do CPC a Sentença de que aqui se recorre quanto à nulidade de todo o processo com fundamento em ineptidão da petição inicial que por sua vez absolveu a Ré da instância.
Caso improceda a nulidade invocada:
b) deve ao presente recurso ser dado total provimento, nos termos e pelas razões supra descritas e por consequência deve revogar-se a douta sentença na parte sob censura ao Autor,
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A R. contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
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II - Questões a dirimir:
a - da nulidade da sentença por excesso de pronúncia;
b - da ineptidão da petição inicial por referência ao pedido de declaração de nulidade da compra e venda celebrada entre A. e R., ao pedido de condenação com fundamento em enriquecimento sem causa e ao pedido de indemnização por danos não patrimoniais.
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III - Fundamentação de facto
Os factos a atender são os que constam do relatório.
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Fundamentação jurídica
a - Da nulidade da sentença por excesso de pronúncia
O apelante invoca a nulidade da sentença com fundamento em excesso de pronúncia nos termos do disposto no art.º 615.º/1/d do C.P.C..
Alega que o tribunal não poderia ter declarado nula a petição inicial com fundamento em ineptidão, com a inerente absolvição da R. da instância, sem que previamente lhe tivesse dirigido convite a aperfeiçoar aquele articulado, com vista ao suprimento da exceção.
Preceitua o art.º 615.º/1/d do C.P.C. que é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
A censura do recorrente à sentença funda-se no pressuposto de que a exceção de ineptidão da petição inicial é suprível, pelo que lhe deveria ter sido dirigido convite nesse sentido.
Em nosso entendimento não lhe assiste, porém, razão.
De acordo com o disposto no art.º 186.º/2 do C.P.C. a petição é inepta quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir (al. a), quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir (al. b) ou quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis (al. c).
Não se olvida que o princípio da cooperação entre o tribunal e as partes que preside ao atual modelo de processo civil dita que sempre que seja possível salvar a ação se proceda a aperfeiçoamento da petição inicial, de modo a que a prossecução dos autos ofereça ainda um resultado útil, consentâneo com o princípio do dispositivo.
Para lá do mero suprimento de irregularidades dos articulados ou da omissão da apresentação de documentos essenciais (art.º 590.º/2/b/c), o juiz pode ainda convidar as partes a suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para o efeito (art.º 590.º/3).
Enfatiza Lopes do Rego (Rego, Carlos Francisco de Oliveira Lopes do, 2004, Comentários ao Código de Processo Civil, 2.ª edição, vol. I, Livraria Almedina, p. 265), não se prevê expressamente - como decorrência da cooperação do tribunal com as partes - a existência de um genérico dever de prevenção e esclarecimento das partes sobre quaisquer insuficiências e deficiências das peças processuais que apresentem em juízo, de modo a caber ao juiz sugerir-lhes os comportamentos processuais que repute mais adequados, incluindo - como sucede no sistema jurídico alemão - a própria alteração das pretensões deduzidas.
O dever de cooperação, tal como configurado no direito processual civil português, não comporta a possibilidade de o juiz repensar ou reconfigurar o pedido.
A cooperação do tribunal com as partes traduz-se, essencialmente, no convite ao aperfeiçoamento dos articulados que comportem alegações de facto incompletas, ambíguas, lacunarmente concretizadas ou densificadas, bem como na ultrapassagem de obstáculos de natureza formal à realização da função substancial do processo.
De outra forma, se ao juiz está vedado mudar o pedido ou se sobre o juiz não impende o dever de o alterar, alargar ou reduzir, o que parece lógico, pois que só a parte poderá conhecer da sua pretensão, já relativamente à causa de pedir os poderes-deveres do juiz são mais latos e mais complexos.
A causa de pedir consiste, como resulta do art.º 581.º/4 do C.P.C., nos factos concretos da vida a que o autor pretende que se venha a reconhecer força jurídica adequada para desencadear os efeitos por si visados na ação.
Entende-se a causa de pedir enquanto o conjunto dos fundamentos de facto e de direito da pretensão alegada pelo autor (Gouveia, Mariana França, 2004, A Causa de Pedir na Ação Declarativa, Coimbra, Almedina, p. 542).
A causa de pedir tem uma função individualizadora do pedido que possibilita a definição do caso julgado e impede uma eventual repetição de causas. Por isso, há de conter os factos essenciais (art.º 5.º do C.P.C.), os factos que justificam o pedido, suscetíveis de conduzir à respetiva procedência.
A petição é inepta quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir (al. a) do n.º 1 do art.º 186.º do C.P.C.).
Entende-se que na situação em que o autor não consubstanciou em factos bastantes a causa de pedir, por não estarmos perante meras imprecisões ou lacunas expositivas, não deve haver lugar à prolação de despacho convite ao aperfeiçoamento da petição inicial. Quando falta a causa de pedir ou esta é manifestamente incompleta, não há que convidar ao aperfeiçoamento da petição inicial, pois a nulidade decorrente da ineptidão é insuprível. Ao cabo e ao resto, não há como aperfeiçoar o que não existe. Por outro lado, como o juiz não conhece dos factos, não lhe é possível suprir o ónus da alegação.
A ineptidão da petição inicial não dará, assim, lugar ao aperfeiçoamento. A ineptidão da petição inicial persiste no C.P.C. de 2013, em regra, como uma exceção dilatória insuprível (cf. António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Almedina, 2018, vol. I, p. 222, e José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.º, 3.ª ed., 2017, p. 623).
Lê-se no ac. da Relação de Coimbra de 18-10-2016 (proc. 203848/14.2YIPRT.C1, Manuel Capelo): o poder de mandar aperfeiçoar os articulados para serem supridas insuficiências ou imprecisões na exposição e concretização da matéria de facto alegada (art.º 590 n.º 4 do CPC) tem de ser entendido em rigorosos limites, e isto porque este convite se realiza apenas quando existam as apontadas insuficiências ou imprecisões que possam ser resolvidas com esclarecimentos, aditamentos ou correções. Ou seja, anomalias que não ponham em causa, em absoluto, o conhecimento da questão jurídica e a decisão do seu mérito mas que possam facilitar que este conhecimento e decisão sejam realizados de forma mais eficaz.
Assim, cremos que não se deve mandar aperfeiçoar uma petição inepta mas apenas a que seja deficiente, sendo o critério decisivo para distinguir, o que se decide no saber se a petição permite ou não, como foi apresentada, o conhecimento e a decisão sobre o mérito do pedido.
Veja-se no ac. da Relação de Guimarães de 18-12-2017 (proc. 3756/12.4TBGMR.G1, Eugénia Cunha): apesar de o atual Código de Processo Civil, com o louvável objetivo de se alcançar a verdade material e se lograr obter a boa administração da justiça, a justa composição dos litígios e a ampla satisfação dos interesses de cada cidadão e do Estado, interessado em que tais resultados últimos se alcancem, ter dado passos consideráveis para ultrapassar entraves formais, designadamente conferindo ao juiz poderes de convidar as partes ao aperfeiçoamento dos articulados, há uma barreira que não pode ultrapassar: se, na configuração que as partes deram ao litígio, estas omitiram os factos essenciais à causa de pedir e ao pedido, seja da pretensão seja da defesa, não pode o tribunal ex officio tomar um articulado inepto num articulado viável, mediante um convite ao aperfeiçoamento. A tanto se opõe, além do mais, o princípio da autorresponsabilização das partes. E o mesmo se diga relativamente a uma pretensão manifestamente inviável. Não pode o tribunal convidar a alegar de outro modo ou a retirar, até ocultando, factos para que uma ação inviável passe a poder proceder.
Concluímos que, independentemente da verificação da exceção de ineptidão, uma vez que esta é insanável, não houve excesso de pronúncia do juiz de 1.ª instância ao julgar a mesma verificada sem que antes tenha dirigido ao A. convite a aperfeiçoamento.
Desatende-se, por isso, a arguição de nulidade.
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b - Da ineptidão da petição inicial
A decisão recorrida julgou a petição inicial inepta com fundamento na caracterização da exposição dos factos pelo A. como confusa, ambígua e ininteligível, não sendo possível apreender com segurança a causa de pedir (qual o vício da vontade em causa).
Quanto ao enriquecimento sem causa, atenta a respetiva natureza subsidiária, aduziu que, podendo o A. empregar outro meio jurídico, sempre estaria impedido de se socorrer deste instituto.
Conclui que existe falta de pedido (em parte), cumulação de pedidos incompatíveis ou inconciliáveis e ininteligibilidade da causa de pedir.
É nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial (art.º 186.º/1 do C.P.C.).
A nulidade do processo é uma exceção dilatória, que importa a absolvição dos réus da instância (artigos 576.º/1/2 e 577.º/1/b do C.P.C.).
Anselmo de Castro (Direito Processual Civil Declaratório, V. II, Almedina, 1982, pp. 219, 220) escreve: com a figura processual da ineptidão da petição inicial visa-se, em primeiro lugar, evitar que o juiz seja colocado na impossibilidade de julgar corretamente a causa, decidindo sobre o mérito, em face da inexistência de pedido ou de causa de pedir, ou de pedido ou causa de pedir que se não encontrem deduzidos em termos inteligíveis (…). Propõe-se ainda impedir se faça um julgamento sem que o réu esteja em condições de se defender capazmente, para o que carece de conhecer o pedido contra ele formulado e o respetivo fundamento.
No que se refere ao pedido de declaração de nulidade por simulação absoluta da compra e venda celebrada entre A. e a R. das duas frações identificadas, subjaz ao mesmo a alegação de que o A. não teria querido vender e de que a R. não teria querido comprar. A declaração negocial teria como verdadeiro escopo o propósito de impedir que os imóveis viessem a integrar o acervo hereditário do A. por este ter descendência de outro casamento. O intuito subjacente ao negócio consistiria, assim, em avantajar o património da R..
Importa aqui convocar o regime jurídico da simulação.
Se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado (art.º 240.º/1 do C.C.). Nos termos do n.º 2 do mesmo art.º, o negócio simulado é nulo.
Na génese da existência de negócios simulados, ainda que para camuflar negócios dissimulados, estão declarações negociais queridas para valer com força vinculativa, mas que não foram sinceras (…) Sendo a simulação um fingimento que visa criar a aparência de um negócio que não foi querido pelas partes (simulação absoluta), ou que foi celebrado para esconder um outro, esse sim querido pelas partes (negócio dissimulado)(…) Quando se invoca a simulação, afirma-se que a vontade declarada intencionalmente não correspondeu à vontade representada e querida pelas partes; através de um concerto defraudatório, fingido, as partes emitiram intencionalmente declarações não consonantes com aquilo que efetivamente queriam, com o fito de enganar terceiros (art.º 240.º do CC), ou seja, simularam declarações negociais (in ac. do S.T.J. de 22-5-2012, proc. 82/04-6TCFUN-A.L1.S2, Fonseca Ramos, consultável in http://www.dgsi.pt/, tal como os demais acórdãos que infra serão referidos).).
Prevê o art.º 241.º/1 do C.C. que quando sob o negócio simulado exista um outro que as partes quiseram realizar, é aplicável a este o regime que lhe corresponderia se fosse concluído sem dissimulação, não sendo a sua validade prejudicada pela nulidade do negócio simulado.
Acrescenta-se no n.º 2 do art.º 241.º que se, porém, o negócio dissimulado for de natureza formal, só é válido se tiver sido observada a forma exigida por lei.
Dispõe o art.º 242.º/1 que, sem prejuízo do disposto no art.º 286.º, a nulidade do negócio simulado pode ser arguida pelos próprios simuladores entre si, ainda que a simulação seja fraudulenta.
Os elementos da simulação são a divergência entre a vontade real e a declarada, o acordo ou conluio (pactum simulationis) entre as partes e a intenção de enganar terceiros (animus decipiendi). As partes declaram uma vontade que não corresponde aos efeitos que pretendem alcançar com a celebração do negócio, conluiando-se, expressa ou tacitamente, com o propósito de enganar terceiros - poderão ou não ter o intuito de prejudicar terceiro, apesar de o prejuízo poder verificar-se (cf. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, Coimbra Editora, p. 227).
Enquanto requisitos da simulação, o art.º 240.º/1do C.C. exige a existência de um pacto simulatório, a divergência intencional entre o sentido da declaração e os efeitos do negócio jurídico simuladamente celebrado e o intuito de enganar terceiros (cf. Mota Pinto, Carlos Alberto, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª edição, Coimbra Editora, p. 413).
O A. invoca que celebrou o negócio no pressuposto de que a R. lhe sobreviveria. Aquando do seu óbito, as duas frações não integrariam a herança, beneficiando, assim, a sua então cônjuge.
Em face do alegado pelo A. é forçoso concluir que subjacente à compra e venda declarada (negócio simulado) estava a intenção de avantajar o património da R., desde logo em vida, para que esses efeitos perdurassem após a morte (negócio dissimulado). É também inequívoco que a R. aceitou esse benefício.
Independentemente da fragilidade da descrição dos factos apresentada pelo A., importa, por conseguinte, assinalar que mesmo que se viesse a entender não ser válido o negócio simulado, a simulação não seria absoluta, pois existe um negócio dissimulado, a doação.
O art.º 940.º/1 do C.C. define a doação como o contrato pelo qual uma pessoa, por espírito de liberalidade e à custa do seu património, dispõe gratuitamente de uma coisa ou de um direito, ou assume uma obrigação, em benefício do outro contraente.
Nos termos previstos no art.º 947.º/1 do C.C., a doação de coisas imóveis só é válida se for celebrada por escritura pública ou por documento particular autenticado.
A compra e venda foi celebrada através de escritura pública, registando-se, assim, que a forma do contrato de doação foi observada.
Pelo que se vem de expor, a pretensão do A. de ver declarada a nulidade por simulação absoluta da compra e venda das duas frações sempre teria que ser julgada improcedente. Mesmo a fazer-se prova de tudo quanto alega o A., a simulação seria relativa, pelo que não haveria lugar à peticionada declaração de nulidade e ao cancelamento dos registos de aquisição a favor da R..
Por aqui já se vê que tampouco haveria lugar à procedência do pedido de enriquecimento sem causa. Este pedido (que seja considerado aceite e provado o enriquecimento sem causa por parte da R. e a condenação da mesma por via deste instituto), aliás, é, em si mesmo, ininteligível.
Atente-se, ainda, em que o pedido é formulado cumulativamente com os demais. Não se alcança como poderiam os negócios de compra e venda ser declarados nulos, revertendo o direito de propriedade à pessoa do A. e, simultaneamente, ver-se demonstrado que existiu enriquecimento sem causa.
Decorre do disposto no art.º 555.º/1 do C.P.C. que são incompatíveis os pedidos cuja procedência produza efeitos jurídicos incompatíveis entre si, como são incompatíveis os pedidos em que o reconhecimento de um deles exclui a possibilidade de verificação dos restantes.
São de considerar incompatíveis, não só os pedidos que mutuamente se excluamm como também os que assentam em causas de pedir inconciliáveis (Antunes Varela, Miguel Bezerra Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª ed., p. 246, nota 4).
Refere Alberto dos Reis (in Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3.º, pp. 154/156) que duas ou mais pretensões são legalmente incompatíveis quando produzam efeitos contraditórios ou sob o aspeto material, ou sob o aspeto processual. (…) Exemplo nítido de incompatibilidade substancial: o autor pede simultaneamente a anulação e o cumprimento de determinado contrato.
Mais esclarece Alberto dos Reis (Comentário ao Código de Processo Civil, vol II, p. 390) que a incompatibilidade respeita à incompatibilidade de efeitos jurídicos que o autor se propõe obter com os vários pedidos
Existe incompatibilidade substancial de pedidos quando os efeitos jurídicos que com eles se pretendem obter estão, entre si, numa relação de oposição ou contrariedade, de tal modo que o reconhecimento de um é a negação dos demais (in ac. da Relação de Évora de 11-5-2017, proc. 74/14.7T8LAG.E1, Mata Ribeiro).
A incompatibilidade substancial de pedidos, geradora de ineptidão da petição inicial, verifica-se quando as pretensões se excluem mutuamente, sejam contrárias entre si de tal forma que uma impede o exercício da outra, que o juiz se veja impossibilitado de decidir face à ininteligibilidade do pensamento do autor (in ac. da Relação de Guimarães, proc. 5533/18.0T8GMR.G1, Margarida Almeida Fernandes, também consultável in http://www.dgsi.pt/).
Os pedidos de declaração de nulidade da compra e venda e de enriquecimento sem causa são incompatíveis porque sendo o primeiro de entre eles acolhido cessaria o pretenso fundamento do enriquecimento. E a existir fundamento para a nulidade não poderia haver lugar à aplicação do instituto do enriquecimento por este ser subsidiário (art.º 474.º do C.C.).
Mesmo que se ponderasse dirigir convite ao A. para que este esclarecesse por qual dos pedidos optava, nos termos do disposto no art.º 38.º/1 do C.P.C. (por analogia), no caso concreto, tal redundaria na prática de um ato inútil, como tal, proibido por lei (art.º 130.º do C.P.C.).
É que, vimos já, no tocante ao pedido de nulidade da compra e venda, existe contradição entre a causa de pedir (são alegados factos integradores de nulidade relativa, que conduzem à subsistência do negócio subjacente) e o pedido (nulidade).
No que diz respeito ao pedido de reconhecimento de enriquecimento sem causa da R. (não se alcançando em que moldes e qual a medida do enriquecimento), existe verdadeira ausência ou, pelo menos, ininteligibilidade do pedido. Acresce que, como se disse, se trata de instituto que só em caso de inexistência de outro meio para fazer valer o direito pode ser exercido. Tal não se verifica, uma vez que, na ótica do A., existe negócio inválido e, na perspetiva deste tribunal, em face da alegação existe fundamento jurídico para a aquisição pela R. do direito de propriedade sobre as duas frações: o negócio de doação dissimulado.
Relativamente ao pedido de condenação da R. no pagamento de indemnização por danos não patrimoniais no montante de € 1 000,00, esteia-se este na alegação de que, por força do ocorrido, o A. se sente triste, deprimido e angustiado. Note-se que também neste conspecto a alegação é vaga e indeterminada. Não se alcança se o estado do espírito se deve à motivação da celebração do negócio simulado, se aos factos atinentes ao divórcio entre A. e R.. Em qualquer dos casos, não se entrevê fundamento para a responsabilidade civil da R. a este título, já que não foram alegados os factos constitutivos desta, como sejam a existência, nos termos do disposto no art.º 483.º/1 do C.C., de facto ilícito e culposo, adequado a produzir o resultado. Tampouco se verificando os pressupostos dos pedidos formulados com precedência, sempre este pedido quedaria destituído de sentido.
Em conclusão, pelo que dissemos no contexto suscitado pelo A. de nulidade da decisão por ausência de convite ao aperfeiçoamento sabemos já que no caso de ineptidão sob apreciação não assistia ao tribunal esta possibilidade. E em qualquer das situações enunciadas o objeto da ação será sempre inapto para uma apreciação de mérito.
Pelo que se vem de dizer, não se poderá deixar de secundar a decisão do tribunal de 1.ª instância.
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Dispositivo
Em face do exposto, acorda-se em julgar o recurso improcedente, confirmando-se na íntegra a decisão recorrida.
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Custas pelo apelante por ter sucumbido na sua pretensão (art.º 527.º/1/2 do C.P.C.).
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Porto, 28-4-2025
Teresa Fonseca
Manuel Domingos Fernandes
Mendes Coelho