Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | JOÃO VENADE | ||
| Descritores: | EMBARGOS DE EXECUTADO CASO JULGADO QUESTÕES DE CONHECIMENTO OFICIOSO NA EXECUÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RP202510096577/24.8T8MAI-C.P1 | ||
| Data do Acordão: | 10/09/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA | ||
| Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - Sendo indeferidos embargos de executado por serem extemporâneos, as questões aí suscitadas que sejam de conhecimento oficioso podem ser apreciadas na execução, ao abrigo do disposto no artigo 734.º, n.º 1, do C. P. C.. I.1 - Se o executado alegou, em sede de embargos, que a execução deveria ser extinta por força do disposto no artigo 17.º-E, n.º 1, do C. I. R. E. e apresenta requerimento na execução nesse sentido, não há impedimento legal em o tribunal o apreciar. II - Tendo sido homologado o plano de revitalização do executado por decisão transitada em 23/09/2024, face ao disposto no artigo 17.º-E, n.º 1, do C. I. R. E., pode ser intentada execução, em 06/12/2024 contra o mesmo executado. II.1 - Também não há óbice a que seja intentada a execução se no plano não se prevê essa impossibilidade de se intentarem execuções durante algum período de tempo. II.2 - Questão diversa, que não é objeto do recurso, será aferir se o título executivo é suficiente para o valor cuja execução se pede, tendo em atenção o acordado no plano de revitalização. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Processo n.º 6577/24.8T8MAI-C.P1.
João Venade. Isabel Rebelo Ferreira. António Carneiro da Silva. * 1). Relatório. A..., Rl, com sede na Avenida ..., Lisboa propôs em, 15/07/2024, contra Clube ..., com sede na Rua ..., ... Requerimento de injunção, ao qual foi atribuído força executiva (em 25/10/2024) pedindo o pagamento de 4.612,50 EUR, acrescido de juros de mora, relativo à prestação de serviços jurídicos. Alega que prestou serviços jurídicos ao executado, tendo sido emitida fatura no valor de 4 612,50 EUR, vencida em 15/09/2023. A execução deu entrada em 06/12/2024. * Os autos prosseguiram os seus termos, tendo sido efetuada, em 28/01/2025, a penhora do saldo de duas contas bancárias, uma com o saldo de 561,35 EUR e outra com o valor de 801,27 EUR. Em 26/03/2025 foi efetuada a penhora de crédito que o executado detém sobre o Município ..., até ao valor de 6.061,10 EUR. Por comunicação de 28/03/2025, foi pedido, pelo agente de execução, o levantamento da penhoras do saldo bancário no valor de 561,35 EUR. * Em 27/03/2025, o executado apresentou requerimento onde alega que: . requereu processo especial de revitalização que correu termos sob o n.º ... no Juiz 5 do Juízo de Comércio de Santo Tirso, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto; . foi aprovado e homologado o plano apresentado pelo executado, por sentença transitada em julgado em 23/09/2024; . a fatura que deu azo à injunção que sustenta a presente execução tem como data de vencimento 15/09/2023, sendo que o processo especial de revitalização deu entrada a 01/03/2024. Pede assim que, ao abrigo do disposto no artigo 17.º-E, n.º 1, do C. I. R. E. se julgue extinta a execução. * O exequente opôs-se, alegando que: . tendo sido julgados extemporâneos os embargos de executado, está precludido o direito em o executado deduzir nova oposição; . a fórmula executória data de outubro de 2014, não estando abrangido pelo processo de revitalização. * O tribunal indefere o requerido, mencionando, em síntese, que: . os fundamentos de facto e de direito invocados pelo executado haviam já sido invocados pelo mesmo nos embargos de executado que correm termos pelo apenso A); . por despacho proferido em 12/03/2025, nesse apenso A), os embargos de executado foram liminarmente indeferidos por manifesta extemporaneidade; . por isso, o presente requerimento consubstancia uns novos embargos de executado encapotados, que deram entrada em juízo após o termo do respetivo prazo legal em requerimento avulso; . assim, está precludido o direito do executado a invocar matéria de oposição à execução que tem sede própria em embargos de executado. * Inconformado, recorre o executado, formulando as seguintes conclusões: «A. A presente execução, apresentada a 06-12-2024, fundamenta-se numa factura vencida em 15-09-2023, por serviços prestados pela Exequente ao Executado/Recorrente. B. Serviços esses jurídicos, sendo que a Exequente era totalmente conhecedora da situação financeira e económica do Recorrente, tendo conhecimento que o Recorrente se ia apresentar a processo especial de revitalização. C. Sucede que o Recorrente instaurou a 01-03-2024 um processo especial de revitalização, ao abrigo do CIRE, que correu termos sob o n.º ..., no Juiz 5 do Juízo de Comércio de Santo Tirso, em 1 de março de 2024. D. Em 15-03-2024 foi nomeado Administrador Judicial Provisório, tendo sido a nomeação e o processo especial de revitalização publicitado no portal citius, nos termos legais. E. A publicitação do processo especial de revitalização deu início ao prazo de 20 dias para os credores reclamarem créditos, conforme o artigo 17.º-D, n.º 2 do CIRE. F. A Exequente não apresentou reclamação de créditos no prazo legal, apesar do crédito ser anterior à instauração do processo especial. G. O plano de recuperação apresentado no processo especial de revitalização foi aprovado e homologado por sentença de 03-09-2024. H. Pese embora o exposto, o Tribunal a quo entendeu, por despacho de 14-05-2025, que aqui se impugna e do qual se recorre, que a execução não pode ser extinta por aplicação do disposto no artigo 17.º-F, n.º 11, do CIRE, porque tal matéria consubstancia um facto extintivo do direito, pelo que deveria ter sido alegada em sede de embargos de executado. I. Entendimento que viola o mencionado preceito, pois, a homologação do plano vincula todos os credores com créditos constituídos até à data da nomeação do Administrador Judicial Provisório, mesmo que não tenham reclamado créditos ou participado nas negociações (artigo 17.º-F, n.º 11, do CIRE). J. Sendo o crédito exequendo anterior à nomeação do Administrador Judicial Provisório no processo especial de revitalização do Executado, opera, ope legis, a vinculação do crédito ao plano de pagamentos aprovado no âmbito do processo especial, pois, todos os credores do Executado, quer tenham reclamado créditos, quer não os tenham reclamado – como é o caso da Exequente –, ficam sujeitos às condições de regularização de crédito prescritas no plano. K. Isto porque, como estipula o artigo 17.º-F, n.º 11, do CIRE, “a decisão de homologação vincula a empresa e os credores, mesmo que não hajam reclamado os seus créditos ou participado nas negociações, relativamente aos créditos constituídos à data em que foi proferida a decisão prevista no n.º 5 do artigo 17.º-C, e é notificada, publicitada e registada pela secretaria do tribunal”. L. O entendimento do Tribunal a quo, que reserva à defesa em embargos de executado o pedido de extinção da execução com fundamento na aprovação de plano de pagamentos apresentado num processo especial de revitalização de empresa, leva a que nunca se possa, então, requerer a extinção da execução num processo executivo que haja sido iniciado antes da propositura do processo especial de revitalização, mas após a preclusão do prazo para a apresentação de embargos. M. Ora, não podemos aceitar tal entendimento por manifesta violação da lei e porque, como referido, o artigo 17.º-F, n.º 11, do CIRE, opera ope legis – neste sentido veja-se o acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido a 13 de janeiro de 2020, no proc. n.º 7725/15.4T8MAI.P1. N. Assim, ao Executado está reservado o direito de requerer, por mero requerimento, a extinção de execução com fundamento na aprovação e homologação de plano de pagamentos em processo especial de revitalização, ao abrigo do CIRE. O. Até porque a instauração de um processo especial de revitalização e a aprovação do plano de pagamentos é de conhecimento oficioso, na medida em que é publicitado via portal citius, pelo que o Tribunal deveria rejeitar, ab initio, o prosseguimento da execução e ordenar a extinção do processo com a homologação do plano, sem necessidade de qualquer requerimento por parte do Executado. P. Sendo o Processo Especial de Recuperação um processo que decorre com publicidade, deveria o Juiz ter decidido oficiosamente pela impossibilidade da lide, nos termos do artigo 277.º, al. e) do Código de Processo Civil. Q. Posto isto, o Tribunal a quo, com o entendimento vertido no despacho de que ora se recorre, violou o disposto nos artigos 17.º- F, n.º 11, do CIRE, bem como o disposto no artigo 277.º, al. e), do CPC, pelo que deve ser proferida decisão judicial que ordene a extinção imediata da execução, com a entrega ao Executado de todos os valores penhorados à ordem do processo, tudo com fundamento na aprovação e homologação de plano de pagamentos em sede de processo especial de revitalização do Executado, ao qual o crédito do Exequente está inteiramente vinculado, nas condições de pagamento aí prescritas. R. Até porque o pagamento do crédito da Exequente no âmbito da presente execução, como entende o Tribunal a quo dever ser feito, viola o princípio da igualdade de credores, plasmado no artigo 194.º do CIRE. S. Com efeito, o plano de recuperação deve tratar de forma igual os credores em situação equivalente, salvo fundamentação objetiva em contrário. T. Sucede que no âmbito do presente processo, entendeu o Tribunal a quo que a Exequente deve ser ressarcida na quantia exequenda, em manifesta violação do plano de pagamentos aprovado em processo especial de revitalização de empresa ao qual o crédito da Exequente se encontra vinculado, por força da lei. U. Tal decisão do Tribunal derroga por completo o disposto no artigo 194.º do CIRE, violando de forma ostensiva a norma e deturpando o direito, pelo que deve ser proferida nova decisão, determinando-se a extinção da execução nos termos supramencionados. V. Sem prescindir, importa assinalar que a Exequente tinha o dever, em virtude da publicidade dada ao processo especial de revitalização, de conhecer a instauração do mesmo e do prazo que possuía para proceder à reclamação dos seus créditos. W. Todavia, a Exequente decidiu não reclamar qualquer crédito. X. Pior, em manifesto abuso de direito pretende, de uma forma encapotada, ver o seu crédito satisfeito por violação de caso julgado. Y. A Exequente tinha plena noção e conhecimento, até pelos serviços que prestou ao Executado, da existência do processo especial de revitalização do Executado. Z. Não obstante, opta por não reclamar os créditos neste processo especial e instaurar uma execução posteriormente, tudo com vista a abusar do direito e a defraudar a lei. AA. Com efeito, é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. BB. Ao actuar como actuou, o Exequente violou o disposto no artigo 334.º do Código Civil, pelo que jamais poderia ter sido admitida a execução. CC. Sendo o abuso do direito de conhecimento oficioso, o Tribunal a quo devia ab initio ter recusado a execução. DD. Posto isto, a decisão de que se recorre padece de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, do CPC, na medida em que não apreciou a questão do abuso de direito por parte da Exequente. EE. Assim, a decisão que aqui se impugna violou o disposto no mencionado artigo 615.º do CPC e artigo 334.º do Código Civil, pelo que deve ser proferida outra que determine a extinção da execução, sem qualquer penalidade para o Executado.». * Contra-alegou o exequente, pugnando pela manutenção do decidido. * As questões a decidir são: . preclusão da possibilidade de se apreciar requerimento do executado, apresentado nos autos de execução, em que se pede a extinção da execução por motivo já alegado em embargos de executado, tendo estes sido julgados extemporâneos; . extinção da execução por força do disposto no artigo 17.-E, n.º 1, do C. I. R. E.; . abuso de direito do exequente. * 2). Fundamentação. 2.1). De facto. Consideram-se assentes os factos que resultam do relatório que antecede, bem como: 1). Em 01/03/2024, a aqui recorrente «Clube ...…» intentou processo especial de revitalização, a que foi atribuído o n.º ..., a correr termos no Juízo de Comércio de Santo Tirso, Juiz 5. 2). Nos referidos autos, em 15/03/2024 foi nomeado administrador judicial provisório. 3). O plano de recuperação foi homologado por sentença, transitada em julgado, em 23/09/2024. 3.1). No referido plano prevê-se, na cláusula 4.7, que: . «produzem-se as alterações dos créditos sobre a devedora e introduzidas pelo plano de recuperação, independentemente de tais créditos terem sido, ou não, reclamados ou verificados (artigos 17.º-D, 17.º-F e 217.º do CIRE). A admissão do presente processo obsta à instauração de quaisquer ações executivas contra a empresa para cobrança de créditos durante um período máximo de quatro meses, e suspende quanto à empresa, durante o mesmo período, as ações em curso com idêntica finalidade nos termos do artigo 17.º-E do CIRE. Aquando da homologação do presente plano, os processos executivos suprarreferidos consideram-se extintos quanto à devedora, procedendo-se ao levantamento das penhoras existentes, com exceção dos Processos de Execução Fiscal, os quais serão extintos nos termos do CPPT.». * Estes factos têm por base o teor dos documentos juntos com o requerimento do executado de 27/03/2025 bem como o que resulta da publicação via citius dos atos do referido processo de revitalização. * 2.2). Do mérito do recurso. A). Do conhecimento da eventual extinção da execução. O tribunal entendeu que não podia conhecer o requerimento do executado, aqui recorrente, datado de 27/03/2025, por terem sido indeferidos os embargos de executado onde a matéria que sustenta o pedido de extinção já tinha sido alegada. Assim, considerou precludido o direito de o executado pedir a extinção da execução. Vejamos. O executado/recorrente alega que a execução deve ser julgada extinta ao abrigo do disposto no artigo 17.º-E, n.º 1, do C. I. R. E.; ora, para que o tribunal possa concluir que não há um motivo para extinguir a execução, terá desde logo de aferir se há norma legal que imponha essa mesma extinção. Se o tribunal, no caso, soubesse que a executada tinha sido alvo de um plano de revitalização devidamente homologado e concluísse que a lei impunha a extinção da execução, mesmo que o executado não o tivesse alegado, teria que julgar extinta a execução (Ac. R. P. de 13/01/2020, processo n.º 7725/15.4T8MAI.P1, citado pelo recorrente, www.dgsi.pt). Ficando o tribunal a conhecer da decisão de homologar plano de revitalização através do executado, poderia suceder que: . o executado suscitava a questão em sede de embargos de executado e, apreciada em concreto a mesma, transitado o aí decidido, ficava determinado se ocorria ou não a extinção; . o executado suscitava a questão em sede de embargos de executado mas estes não foram admitidos por um vício processual (extemporaneidade, como sucedeu in casu), o que levou a que a extinção da execução não fosse apreciada em concreto; aqui, na nossa opinião, o tribunal até poderia desde logo apreciar, na execução, se esta deveria ou não ser julgada extinta face àquela decorrência da lei; . ou então o executado apresenta requerimento na execução onde suscita a questão que ainda não foi apreciada nos autos, a qual podia ser conhecida oficiosamente; aqui, havendo requerimento e não estando a questão já decidida, o tribunal pode e deve apreciar o requerimento. Nos embargos de executado, o caso julgado forma-se quando a questão é concretamente apreciada (artigo 732.º, n.º 6, do C. P. C. -Para além dos efeitos sobre a instância executiva, a decisão de mérito proferida nos embargos à execução constitui, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda – nosso sublinhado -); não sendo apreciada por motivos processuais, não há caso julgado (Ac. R. G. de 10/09/2020, processo n.º 956/14.6TBVRL-T.G1, no mesmo sítio[1]. Assim, o tribunal teria de apreciar o requerimento, não só porque a possibilidade de suscitar a questão não estava precludida pois não se formou caso julgado como podia estar em causa uma causa de extinção da execução de conhecimento oficioso, sempre possível de analisar ao abrigo do artigo 734.º, n.º 1, do C. P. C. (O juiz pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo.). No caso, o executado alega que há um plano de revitalização, homologado por sentença transitada em 23/09/2024 e, tendo a execução dado entrada em 06/12/024, estava em causa a apreciação de matéria que, potencialmente, poderia conduzir ao indeferimento liminar da execução por falta de um pressuposto processual – impossibilidade legal de se intentar a execução ou insuficiência de título, por exemplo, como infra mencionaremos -. Assim, o indeferimento do suscitado pelo executado por aquele fundamento não foi, na nossa perspetiva, correto. Não se descortinando motivo legal que impeça o conhecimento do requerido, importa então apreciar se a execução deve ou não ser julgada extinta como pedido. * B). Da extinção da execução. Nos termos do artigo 17.º-C, n.º 1, do C. I. R. E., atual redação (vigente à data de interposição – 01/03/2024 - do processo de revitalização acima identificado – artigos 10.º, n.º 1 e 12.º, da Lei n.º 9/2022, de 11/01) «a decisão a que se refere o n.º 5 do artigo 17.º-C obsta à instauração de quaisquer ações executivas contra a empresa para cobrança de créditos durante um período máximo de quatro meses, e suspende quanto à empresa, durante o mesmo período, as ações em curso com idêntica finalidade.». A decisão ali mencionada é a nomeação, por despacho, administrador judicial provisório (artigo 17.º-C, n.º 5, do C. I. R. E.). Assim, não está prevista neste artigo nem a proibição de se intentarem ações executivas após a homologação do plano nem a extinção de ações (pendentes) após ocorrer a homologação do plano de revitalização, algo que sucedia na redação anterior deste mesmo artigo, o qual dispunha que: «A decisão a que se refere n.º 4 do artigo 17.º-C obsta à instauração de quaisquer ações para cobrança de dívidas contra a empresa e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto à empresa, as ações em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação.» - nosso realce -. Temos assim que, atualmente, a lei não prevê que, atingida a homologação do plano de recuperação, o processo se extinga (ou haja impossibilidade de se intentar novos processos). Porventura, o legislador terá sentido que não era justificável que o exequente tivesse de intentar nova execução unicamente para adaptar a sua pretensão ao acordado pelos credores no âmbito do processo de revitalização[2] ou que, findos aqueles quatro meses, o exequente já não teria de dar tréguas ao devedor no decurso das negociações para se obter acordo quanto à revitalização. Mas, se na vigência da anterior redação do artigo 17.º-E, n.º 1, do C. I. R. E., apesar de se prever a extinção da execução, a mesma poderia prosseguir se no plano se previsse que as execuções podiam continuar, agora, não se prevendo legalmente a extinção da execução, a vontade dos credores pode ser a de que alguns processos se extingam (eventualmente para libertar de modo mais veemente o devedor de obrigações pendentes, estando o reinício do cumprimento das suas obrigações mais facilitado). E, como consta nos factos assentes, no plano foi previsto que: . os créditos sofrem as alterações introduzidas pelo plano de recuperação, independentemente de terem sido, ou não, reclamados ou verificados; . a admissão do processo obsta à instauração de quaisquer ações executivas contra a empresa para cobrança de créditos durante um período máximo de quatro meses, e suspende quanto à empresa, durante o mesmo período, as ações em curso com idêntica finalidade nos termos do artigo 17.º-E do CIRE.: . aquando da homologação do plano, os referidos processos executivos consideram-se extintos quanto à devedora, procedendo-se ao levantamento das penhoras existentes, com exceção dos Processos de Execução Fiscal, os quais serão extintos nos termos do CPPT.». Temos então, na primeira parte, a menção de que os créditos que são abrangidos pelos planos não são unicamente os que foram reclamados e verificados, conforme artigos 17.º-D, 17.º-F e 217.º do CIRE. E, na verdade, os créditos que são abrangidos pelo plano, após homologação, são os de todos os credores, mesmo que estes não hajam reclamado os seus créditos ou participado nas negociações, desde que constituídos à data em que foi proferida a decisão prevista no n.º 5 do artigo 17.º-C, e é notificada, publicitada e registada pela secretaria do tribunal, tudo conforme artigo 17.º-F, n.º 11, do C. I. R. E. –. A nomeação de administrador judicial provisório ocorreu em 15/03/2024; o crédito do ora exequente foi constituído (nasceu), de acordo com o alegado e que não foi questionado, em 15/09/2023 (é a data de contrato indicada no requerimento de injunção que coincide com a data de vencimento). Assim, este crédito está abrangido pelo plano de revitalização. E, se nada impedia que o Autor (ora exequente/recorrido) intentasse, em 15/07/2024, a ação declarativa especial (injunção) para obter o pagamento pois o artigo 17.º-E, n.º 1, do C. I. R. E. apenas proíbe a instauração de ações executivas num período de quatro meses (ou seja, no caso, entre 15/03/2024 e 15/07/2024), quando a execução se inicia em 06/12/2024, já estava homologado o plano de revitalização, por decisão transitada em 23/09/2024. E, por força do que consta do plano de revitalização, tendo em atenção a data de constituição da dívida, estando o crédito do ora exequente sujeito ao aí decidido, o certo é que: . o plano foi homologado por decisão transitada em 23/09/2024; . a execução dá entrada em 06/12/2024, pelo que não está em causa um processo executivo pendente que se deva considerar extinto. O que está em causa é um processo executivo que é intentado depois do trânsito da homologação do plano de revitalização, não havendo nem norma que determine a sua extinção nem a mesma extinção resulta do plano de revitalização. E neste também não se prevê que não podem ser intentadas pelos credores ações executivas durante algum período de tempo (para permitir, por exemplo, uma melhor capacidade de cumprir as obrigações).[3] O que eventualmente importa saber é se o exequente tem título suficiente para poder pedir o pagamento coercivo da quantia tal como pede na execução já que, na nossa ótica, estando o seu crédito sujeito ao constante do plano (nomeadamente ao ponto 4.2.3.4, conforme página 25 do plano junto em 27/03/2025), pode sofrer algum tipo de alteração quanto à sua exigibilidade e montante exequendo. Porém, essa matéria não é objeto do presente recurso que se limita a ter que apreciar se o tribunal recorrido podia/devia apreciar o pedido de extinção da execução e, na afirmativa (como concluímos) se ocorria a extinção (o que já mencionamos que não ocorre). A questão de poder existir a violação do princípio da igualdade de credores, prevista no artigo 194.º, no caso, ex vi artigo 17.º-F, n.º 7, ambos do C. I. R. E. - o plano de insolvência obedece ao princípio da igualdade dos credores da insolvência, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objetivas -, além de ter a sua principal aplicação no momento da homologação do plano, não é questão a apreciar no recurso pois o pedido do executado era o de se extinguir a execução e não que esta seguisse de acordo com o decidido no plano, matéria que não foi apreciada na 1.ª instância e que, por isso, constitui questão nova que não se pode apreciar. Improcede assim o pedido de extinção da execução. * C). Do abuso de direito. Em primeiro lugar, importa improceder o pedido de nulidade da decisão recorrida por não ter apreciado este instituto de abuso de direito (eventual omissão de pronúncia, que fulminava com nulidade o despacho, conforme artigo 615.º, n.º 1, d), ex vi artigo 613.º, n.º 3, ambos do C. P. C.). Na verdade, não foi suscitada, no já citado requerimento do executado de 27/03/2025, esta questão; e, sendo de conhecimento oficioso, se o tribunal não a apreciou, terá sido porque entendeu que não havia motivo para a apreciar, ou seja, não era uma questão que o tribunal tivesse de apreciar. E, no caso concreto, tendo indeferido a pretensão por concluir que havia preclusão de apreciação do pedido de extinção da execução, sem assim poder analisar os fundamentos do pedido, naturalmente que não tinha de apreciar se o exequente tinha incorrido em abuso de direito que pressupunha a análise de que o mesmo era titular de um direito (no caso, de manter a pendência da execução). Improcede assim a, linearmente arguida, nulidade de decisão. Prosseguindo, e em segundo lugar, o recorrente alega que o exequente optou por não reclamar o seu crédito, sabendo que estava pendente um processo de revitalização e depois intenta uma execução posteriormente (dizemos nós, à homologação do plano de revitalização), pedindo na íntegra o valor que entende ter direito, assim atuando em abuso de direito. O abuso de direito está previsto no artigo 334.º, do C. C., nos seguintes termos: é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. Para nós, o instituto está pensado para atuações ao nível substantivo, ou seja, alguém que é detentor de um direito, ao exercê-lo está a ferir aqueles valores, não porque, por exemplo, usa uma estratégia processual inadequada de acordo com a boa-fé, mas porque a sua pretensão, independentemente do modo processual que adota, viola aqueles limites. Para quando uma parte abusa processualmente dos seus direitos deve buscar-se a solução desde logo nas regras previstas para a litigância de má-fé (artigo 542.º, do C. P. C.) . Comungamos das reservas de Miguel Teixeira de Sousa, in Blog do IPPC, post de 15/04/2020, Jurisprudência 2019 (218)¸quando menciona que «não se nega que que se possa verificar em qualquer processo um abuso do direito à ação (a não confundir com o exercício abusivo do direito que é invocado na ação), mas não se entende que esse abuso possa ser relevante fora das situações de litigância de má fé. Realmente, não se concebe que se possa verificar um abuso do direito à ação sem os elementos subjetivos que são típicos da litigância de má fé. Por exemplo: a mentira em juízo é concebível sem dolo ou negligência grave?; o uso manifestamente reprovável de um meio processual pode verificar-se sem uma atuação dolosa ou gravemente negligente?; uma situação de venire contra factum proprium (negando nas alegações de recurso o que antes tinha reconhecido na contestação, ou vice-versa) é concebível sem dolo ou negligência grave?».[4] Ora, se é certo que o exequente intenta uma execução sem ter reclamado o seu crédito (algo que resulta do documento junto em 27/03/2025 – certidão, páginas 3 a 5 -), e que podia conhecer a homologação do plano face à sua publicação no Diário da República, não é possível concluir que a sua atuação viole ostensivamente as regras da boa-fé para que se possa condená-lo por um eventual abuso de direito processual, ainda que integrado no instituto da litigância de má-fé (artigo 542.º, n.º 2, do C. P. C.). Não se sabendo se se tratou de uma atuação deliberada – pedir o pagamento de quantias a que sabia não tinha direito – ou meramente pouco cuidada –, não se pode concluir que esteja em causa a manifestação de uma pretensão a que sabia não ter direito, por exemplo (citado artigo 542.º, n.º 2, na sua alínea a), do C. P. C.). Por outro lado, o que se afigura que sucede é que o exequente entende que o seu crédito foi constituído depois da nomeação do administrador judicial provisório e que, por isso, nada obstava à instauração da execução.[5] Deste modo, não existe matéria factual que permita entender que está em causa uma atuação deliberada ou excessivamente temerária do ora exequente em não se reclamar o crédito e intentar a execução, podendo estar em causa uma perceção jurídica, ainda potencialmente incorreta.[6] Deste modo, conclui-se pela improcedência do recurso. * 3). Decisão. Pelo exposto, julga-se totalmente improcedente o presente recurso e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida. Custas do recurso pelo recorrente. Registe e notifique.
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