Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ISABEL PEIXOTO PEREIRA | ||
Descritores: | ATO JURÍDICO INTERPRETAÇÃO APOIO JUDICIÁRIO DECISÃO NOTIFICAÇÃO PRESUNÇÃO ILIDÍVEL | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RP202406063573/22.3T8PRT-B.P1 | ||
Data do Acordão: | 06/06/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I - Em causa nas alegações apreciadas e ora apreciandas um acto jurídico não negocial, ao qual aplicáveis, nos termos e para os efeitos do art. 295º do CC, as disposições gerais da interpretação e, consequentemente, a teoria da impressão do destinatário e, estando em causa uma peça escrita, a impossibilidade de consideração de um sentido sem correspondência textual… Ora, alegada apenas a falta de notificação da decisão de indeferimento do apoio pelo Tribunal, o que releva decisivamente quando se atente na junção aos autos pelo organismo da SS de prova da notificação realizada/enviada por si, nos termos da lei do apoio judiciário… Não pode inferir-se do texto ou sequer do contexto do recurso que a recorrente se reconduziu ao não recebimento da decisão do indeferimento do apoio judiciário remetida ou enviada pelo organismo competente da Segurança Social, uma vez que assacada tal falta e todo o comportamento ao Tribunal mesmo. II - Assistia à Recorrente o ónus da alegação e da prova da falta de notificação da decisão de indeferimento pela “Segurança Social”, ilidindo a presunção juris tantum do art.º 113.º, n.º 1 e 2 do CPA. III - Não foi o que fez, reconduzindo-se já e em sede de recurso da decisão, a uma falta de notificação pelo Tribunal, sem a alegação das circunstâncias e factos que determinariam a elisão da presunção de notificação e assim de conhecimento da decisão de indeferimento. | ||
Reclamações: | |||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Processo nº 3573/22.3T8PRT-B.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo Central Cível do Porto - Juiz 7
Decisão em conferência (reclamação) Relatora: Isabel Peixoto Pereira 1º Adjunto: Ana Luísa Loureiro 2º Adjunto: João Venade Nos autos de Procedimento Cautelar registados sob o n.º 3573/22.3T8PRT, em que são Requerente AA e Requeridos BB e outro(s), foi proferido despacho, em 06/07/2023 que, com relação a um interposto, em 25.07.2023, recurso de um outro despacho de 3/06/2022, ao abrigo do art. 642.º, n.º 2 do CPC, determinou o desentranhamento das alegações. Deste (de 06.07) veio a requerente, novamente, recorrer, tendo sido proferido despacho, mediante o qual se determinou a sua notificação para, no prazo de 10 dias, juntar comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida, sob pena da cominação prevista pelo nº 2 do artigo 642º do Código de Processo Civil. Entretanto, verificando-se que a Recorrente, aquando da interposição do recurso em 25/07/2023, havia formulado pedido de apoio judiciário junto da Segurança Social, no que concerne ao pagamento da taxa de justiça pela interposição daquele recurso, foi, então, determinado se aguardasse pela decisão do organismo competente da SS. Mediante ofício de 12.01.2024, o Centro Distrital do Porto da SS, veio informar nos autos que o requerimento de proteção jurídica da requerente AA, foi objecto de decisão de indeferimento à requerente, conforme cópia junta, sendo-o bem assim comprovativo de notificação daquela decisão à requerente. Na sequência dessa informação, foi então proferido, a 16/01/2024. o seguinte despacho: «Em face da decisão que antecede do ISS de indeferimento do pedido de apoio judiciário apresentado pela Requerente/recorrente (cfr. fls. 266 e ss., 271 v. e ss. e 290 e ss.), renovo o despacho de 27/07/2023 (fls. 274).» Datada de 17-01-2024, foi notificada a requerente de todo o conteúdo do despacho que vem de reproduzir-se, e para, em dez dias, juntar comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida, sob pena da cominação prevista pelo nº 2 do artigo 642º do Código de Processo Civil. É do despacho que decidiu da notificação para proceder ao pagamento da taxa de justiça devida pela interposição do identificado recurso que vem agora interposto recurso, mediante a formulação das seguintes CONCLUSÕES: A) O Tribunal não notificou a requerente da decisão do ISS. B) Mesmo assim, notifica a requerente do pagamento da taxa de justiça! C) A requerente apesar de juntar o respectivo comprovativo de pagamento, requer que esta decisão seja revista, ou senão, impugnada. D) A decisão administrativa não pode produzir efeitos em acções que já tenham findado, nem sequer está decidido o apoio judiciário requerido, violando o disposto no n.º 4 do art. 28.º da LAJ, E) O Tribunal omitiu a pronúncia e errou de julgamento. F) Não se vislumbra qualquer motivo para a sua derrogação no caso concreto. G) Mas, sobre estas matérias, não se pronuncia o Tribunal a quo. H) O Tribunal a quo não fundamenta nem de facto nem de direito e de forma inteligível a decisão nesta matéria. I) A omissão de pronúncia e a falta de fundamentação consubstanciam nulidades que se invocam para todos os legais efeitos, que redundam na nulidade da própria sentença (artigo 615.º, n.º 1 alíneas b) e d) do CPC) o que se expressamente se invoca. J) Assim não entendeu o despacho recorrido que, sem qualquer fundamentação, indefere o requerido. K) Pretende, portanto, a recorrente conhecer e quiçá confrontar os fundamentos que deveriam servir de base à decisão mas não os conhece. Conclui pedindo seja o despacho na íntegra revogado e não usado o DUC e o pagamento, ou se assim não se entender, se profira um despacho que fundamente de facto e de direito todas as questões. Por decisão sumária foi negado provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida. Dessa decisão veio a recorrente apresentar recurso de revista. Decidiu-se então que nos termos gerais do art. 671.º do Código de Processo Civil – como aliás, nos termos dos arts. 672.º e 673.º do mesmo Código – não há lugar a recurso de revista de decisões da Relação proferidas em singular, pelo que a única possibilidade de aproveitamento do requerimento de recurso que antecede vem a sê-lo mediante convolação em requerimento de impugnação para a conferência do Tribunal da Relação. A doutrina do AUJ n.º 2/2010 (publicado no Diário da República, Iª Série, de 22.02.201) continua a impor-se, por força do disposto no n.º 3 do art. 193.º do CPC e, assim, “apresentado requerimento de interposição de recurso de decisão do relator, que não seja de mero expediente, este deverá admiti-lo como requerimento para a conferência prevista”, desde que, naturalmente, o requerimento tenha sido apresentado no prazo legal de dez dias (art. 149.º do CPC) aplicável à impugnação para a conferência, acrescido do prazo previsto no art. 139.º, n.º 5, do CPC. Tendo o recurso de apelação sido decidido liminarmente pela relatora, o meio idóneo para impugnar essa decisão é a reclamação para a conferência, sendo que esse procedimento visa garantir o controlo horizontal das decisões do relator, tornando viável a substituição de uma decisão singular por uma decisão colegial, porquanto só os acórdãos da Relação – e não as decisões singulares do relator – são susceptíveis de impugnação para o STJ mediante recurso de revista, seja ela normal ou excepcional. No caso, a convolação do requerimento de interposição de recurso em reclamação para a conferência, porquanto apresentado após o decurso do prazo de 10 dias de que a parte dispõe para esse efeito, antes embora dos 3 em que o n.º 5 do 139º do CPC, admite a prática do acto, paga que o seja a multa ali referida, foi havida como dependente, precisamente, do pagamento da multa, condição de validade da apresentação intempestiva. Paga a multa, cabe apreciar/conhecer da reclamação. Vejamos a fundamentação apresentada. Aduz a reclamante que, independentemente, de lhe assistir razão quando sustenta que o Tribunal tem que “mostrar” a prova de que, o ISS indeferiu, ignora ainda a decisora, que, se a Requerente se reclama essa notificação, é porque obviamente!!!, não foi notificada da decisão pelo ISS. O Tribunal PRESUME exactamente o contrário do que devia presumir: que a Requerente e por PRESUNÇÃO, considera-se notificada. E, como tal, não pode o Tribunal presumir que a Requerente foi notificada. Tem que presumir, que a Requerente não foi notificada. E, se não foi notificada, tem que ser, para poder do alegado indeferimento, que nunca “viu”, poder impugnar. Só depois, é que o Tribunal pode decidir, da impugnação nos termos do art. 28.º n.º 4 da LAJ. Antes, viola a competência e esta mesma disposição legal. Sempre a Requerente juntou requerimento de apoio judiciário no mesmo dia do recurso, a fls. (...), nos termos do art. 18.º n.º 4 LAJ, o que o Tribunal ignora liminarmente também, e, que a Requerente pode sujeitar a apreciação do ISS, ou por erro do ISS, ou porque quer ver reapreciados os pressupostos e o Tribunal, tem que aguardar que haja decisão do ISS, para poder decidir da impugnação, sob pena de violação daquela mesma disposição. Donde, o Tribunal errou de julgamento nos termos do art. 615.º alíneas b) a e) do CPC., cuja nulidade expressamente se invoca, pelo que se impõe a sua revogação. Em causa a reclamação da decisão singular que manteve o despacho que determinou o pagamento pela ora reclamante da taxa de justiça devida pela interposição de um outro recurso. Nessa medida, cabe apreciar já, em conferência, os termos do recurso mesmo interposto, ainda quando se “complete” mediante a consideração das razões ou fundamentos aduzidos na reclamação. É o que se nos afigura ser determinado pelo disposto nos nºs 3 e 4 do artigo 652º do CPC. Com efeito, o objecto da reclamação vem a ser o mesmo do recurso decidido sumariamente. II - Considerando que o objeto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (cfr. arts. 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do C.P.C.), são as seguintes as questões a tratar, pela ordem lógica que segue, vista a precedência emergente das consequências jurídicas implicadas pela verificação dos vícios assacados à decisão, em termos de não ser arbitrário o conhecimento respectivo: Como se sustentou na decisão reclamada, Cabe distinguir as nulidades da decisão do erro de julgamento seja de facto seja de direito. As nulidades da decisão reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de actividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal; trata-se de vícios de formação ou actividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão) que afectam a regularidade do silogismo judiciário, da peça processual que é a decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronunciamento de mérito, enquanto o erro de julgamento (error in judicando) que resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei, consiste num desvio à realidade factual -nada tendo a ver com o apuramento ou fixação da mesma- ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma. Dispõem as alíneas b) e d) do n.º 1 do art.º 615º do CPC, aplicáveis aos despachos por via da remissão do art. 613º, n.º 3: 1. É nula a sentença quando: (…) b) (…) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. (…)” A sentença ou despacho podem ser vistos como trâmite ou como ato: no primeiro caso, atende-se àqueles no quadro da tramitação da causa; no segundo, considera-se o conteúdo admissível ou necessário da sentença ou despacho. As nulidades da sentença/despacho referem-se ao conteúdo destes atos, ou seja, estas decisões não têm o conteúdo que deviam ter ou têm um conteúdo que não podiam ter (cfr. Miguel Teixeira de Sousa, in O que é uma nulidade processual? in Blog do IPPC, 18-04-2018, disponível em https://blogippc.blogspot.com/search?q=nulidade+processual). Na realidade, não basta que o juiz decida a questão posta; é indispensável, do ponto de vista do convencimento das partes, do exercício fundado do seu direito ao recurso sobre a mesma decisão (de facto e de direito) e do ponto de vista do tribunal superior a quem compete a reapreciação da decisão proferida e do seu mérito, conhecerem-se das razões de facto e de direito que apoiam o veredicto do juiz. Vide, neste sentido, J. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, 3ª edição, Coimbra Editora, pág. 139. Neste sentido, a fundamentação da decisão deve ser expressa, clara, suficiente e congruente, permitindo, por um lado, que o destinatário perceba as razões de facto e de direito que lhe subjazem, em função de critérios lógicos, objetivos e racionais, proscrevendo, pois, a resolução arbitrária ou caprichosa, e por outro, que seja possível o seu controle pelos Tribunais que a têm de apreciar, em função do recurso interposto. Sobre a fundamentação das decisões judiciais, vide, por todos, Ac. do STJ de 24.11.2015, Processo n.º 125/14.5FYLSB, relator Souto Moura, acessível em www.dgsi.pt. Todavia, ao nível da fundamentação de facto e de direito da sentença (consequentemente do despacho), como é lição da doutrina e da jurisprudência, para que ocorra esta nulidade “não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito”. Vide, neste sentido, por todos, Antunes Varela, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª edição, pág. 687. Neste sentido, que é o tradicionalmente perfilhado, referia J. Alberto dos Reis[2], a propósito da especificação dos fundamentos de facto e de direito na decisão, que importa proceder-se à distinção cuidadosa entre a “falta absoluta de motivação, da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.” Vide, ainda, no mesmo sentido, Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, Coimbra Editora, 2001, pág. 609; e Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Código de Processo Civil, Lex, 1997, págs. 221-222. Sufragamos, contudo, uma jurisprudência mais exigente, da qual são exemplo os Ac. do STJ de 02.03.2011, proc. n.º 161/05.2TBPRD.P1.S1, relator Sérgio Poças e da Relação do Porto de 16.06.2014, proc. n.º 722/11.0TVPRT.P1, relator Carlos Gil., ambos disponíveis em www.dgsi.pt., para a qual, no atual quadro constitucional (art. 205º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa), em que é imposto um dever geral de fundamentação das decisões judiciais, ainda que a densificar em concretas previsões legislativas (cfr. art. 154º do C. P. Civil), parece que também a fundamentação de facto ou de direito gravemente insuficiente, isto é, em termos tais que não permitam ao respetivo destinatário a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial, deve ser equiparada à falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto e de direito e, consequentemente, determinar a nulidade do ato decisório. Feitas estas considerações, de todo o modo, no caso em apreço, é nosso entendimento que não ocorre a invocada nulidade por falta de fundamentação de facto e/ou de direito. Com efeito, do teor da decisão recorrida é perfeitamente possível alcançar o quadro factual e jurídico subjacente ao sentido decisório contido na mesma decisão, nomeadamente é possível alcançar, sem particular esforço, que o Juiz a quo definiu concretamente a matéria de facto relevante para a decisão da causa, a saber, a decisão de indeferimento pelo organismo competente da SS do pedido de apoio judiciário deduzido pela Recorrente. Subsequentemente, na mesma decisão, por remissão, clara e admissível, para o teor de despacho anterior, devidamente feito constar da notificação à recorrente, subsumiu a factualidade relevante (ausência do beneficio do apoio judiciário requerido, na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e custas), ao Direito, fundamentando juridicamente a decisão de notificação à requerente, que havia interposto recurso e como condição legal da admissibilidade deste, para proceder ao pagamento da taxa de justiça devida por aquela interposição. Donde, manifestamente, a fundamentação constante da decisão recorrida é a bastante para a decisão que ali era suposto ser proferida, sendo certo que é perfeitamente claro o enquadramento factual tido por assente e considerado relevante pelo tribunal de 1ª instância, assim como o quadro normativo aplicável e subjacente à decisão, permitindo, pois, à respetiva destinatária exercer, de forma efectiva e cabal, a sua análise e a sua crítica, suscitando a sua reapreciação, como ora sucede nesta instância. Não pode, pois, sustentar-se que o despacho em crise seja nulo por falta de fundamentação de facto e de direito, pois que os pressupostos de facto e de direito que conduziram ao sentido decisório acolhido se mostram nele evidenciados de forma objetiva, lógica e racional. E mais que suficiente. A alínea d) vem convocada no segmento que determina a nulidade quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (omissão de pronúncia). Está correlacionada com a 1ª parte do n.º 2 do art.º 608º do CPC, que dispõe: “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras;…” O normativo tem em vista as questões essenciais, aqui incluídas as de conhecimento oficioso, sob pena da sentença/despacho ser nula por omissão de pronúncia. As questões essenciais não se confundem com os argumentos invocados pelas partes. O que a lei impõe, sob pena de nulidade, é que o juiz conheça as questões essenciais e não os argumentos invocados pelas partes (sendo abundante a jurisprudência em que esta questão é suscitada, a título meramente exemplificativo o Ac. do STJ de 21/01/2014, proc. 9897/99.4TVLSB.L1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jst). Questões, para efeito do disposto no art. 615º, n.º 1, al. d) do CPC, não são os argumentos e razões das partes, mas sim e apenas as questões de fundo, isto é, as que integram matéria decisória. A esse respeito continuam mais uma vez plenamente válidos, ainda hoje, os ensinamentos de Alberto dos Reis, quando sustentava que “uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção”, sendo, na verdade, coisas diferentes “deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte”[3]. No mesmo sentido, Lebre de Freitas[4] ao referir que “Resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação’ não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito, as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido. Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Abril de 2014[5], o juiz “não tem que esgotar a análise da argumentação das partes, mas apenas que apreciar todas as questões que devam ser conhecidas, ponderando os argumentos na medida do necessário e suficiente”. A não apreciação de algum argumento ou razão jurídica invocada pela parte ou que devesse ser objecto de consideração oficiosa pode, eventualmente, prejudicar a boa decisão sobre o mérito das questões suscitadas. Porém, daí apenas pode decorrer um, eventual, erro de julgamento ou “error in iudicando”, mas já não um vício (formal) de omissão de pronúncia. Feitas estas considerações prévias, cremos que, in casu, não existe qualquer “omissão de pronúncia” na decisão recorrida. O tribunal de 1ª instância apreciou e decidiu todas as questões jurídicas em discussão, a saber, a da necessidade do pagamento da taxa de justiça devida pela interposição de recurso, visto o indeferimento da decisão do benefício do apoio judiciário. É que ilógica até a invocação de uma omissão de pronúncia respeitante à circunstância de a decisão administrativa não poder produzir efeitos em acções que já tenham findado, como incompreensível a menção a que nem sequer está decidido o apoio judiciário requerido… Com efeito, desse logo, a acção não findou, achando-se pendente, precisamente, o recurso a cuja admissão se destinava o ordenado pagamento da taxa de justiça… Sempre caracterizada já nos autos uma situação, transitada, de recusa do benefício do apoio judiciário com efeitos de pretérito… De todo o modo, dos autos não consta qualquer demonstração de impugnação da decisão de indeferimento, com o que não se alcança a alusão a não estar decidido. Acresce que o pedido de apoio judiciário junto entretanto não abrange, obviamente, a taxa de justiça devida antes do momento em que foi deduzido/apresentado, sendo certo que na situação decidenda, embora tal não seja objecto de recurso nestes autos, sequer pode ser atendido… É que, a um tempo, não se constitui “novo/subsequente/renovado pedido de apoio judiciário” como um modo legal ou legítimo de ultrapassar uma decisão de indeferimento já caracterizada/assumida (sendo que a lei do apoio judiciário prevê o modo de impugnação), sendo certo que não justificada bem assim uma alteração da situação económica da requerente que o possa sustentar. Tudo para dizer da manifesta improcedência das arguidas nulidades do despacho. Como já anotado, Não se reconduz a Recorrente nem ao vício daí recorrente (nulidade processual, por omissão de um acto que a lei prescreva?, erro de julgamento quanto ao facto mesmo do indeferimento?), nem também à disposição legal em que estriba a imperatividade daquela notificação… Reconduz-se, vaga e conclusivamente, a uma putativa violação do direito de defesa ou ao contraditório, sem que, contudo, se atreva a aduzir a falta de notificação da decisão de indeferimento mesmo do benefício… Não colhe, minimamente, a tese em sede de reclamação da decisão sumária de que a alegação de desconhecimento da decisão ia necessariamente referida à invocação da falta de conhecimento/recepção da notificação da decisão pela SS, esta perfeitamente documentada nos autos, como acima referido… Em causa nas alegações apreciadas e ora apreciandas um acto jurídico não negocial, ao qual aplicáveis, nos termos e para os efeitos do art. 295º do CC, as disposições gerais da interpretação e, consequentemente, a teoria da impressão do destinatário e, estando em causa uma peça escrita, a impossibilidade de consideração de um sentido sem correspondência textual… Ora, alegada apenas a falta de notificação da decisão de indeferimento do apoio pelo Tribunal, o que releva decisivamente quando se atente na junção aos autos pelo organismo da SS de prova da notificação realizada/enviada por si, nos termos da lei do apoio judiciário… Não pode inferir-se do texto ou sequer do contexto do recurso que a recorrente se reconduziu ao não recebimento da decisão do indeferimento do apoio judiciário remetida ou enviada pelo organismo competente da Segurança Social, uma vez que assacada tal falta e todo o comportamento ao Tribunal mesmo.
Deve ter-se em conta que, de acordo com o disposto no art.º 37.º da Lei n.º 34/2004, de 29/07, são subsidiariamente aplicáveis ao procedimento de concessão de protecção jurídica as disposições do Código de Procedimento Administrativo. Por aplicação subsidiária do art.º 112.º, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento Administrativo[6], a notificação em referência pode ser feita “Por carta registada, dirigida para o domicílio do notificando ou, no caso de este ter escolhido para o efeito, para outro domicílio por si indicado.”, sendo que, por aplicação do art.º 113.º, n.º 1 e 2 seguinte, “A notificação por carta registada presume-se efectuada no terceiro dia útil posterior ao registo ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil.” Estabelece-se aqui uma presunção iuris tantum: a notificação efectuada pela Segurança Social com observância das formalidades indicadas no dispositivo legal do art.º 112.º do Código de Procedimento Administrativo é válida e eficaz, presumindo-se que foi entregue ao seu destinatário. Como se explicita no Código Civil Anotado com coordenação de Ana Prata; Volume I, 2017, Almedina, pág. 427, as presunções legais apelam sempre “a regras de experiência que, atendendo o elevado grau de probabilidade ou verosimilhança da ligação concreta entre o facto que constitui base da presunção e o facto presumido, permitem dar este por assente quando o primeiro é provado”. O tribunal recorrido assentou a sua decisão de necessidade de pagamento pela Recorrente da taxa de justiça devida pela interposição do recurso que lhe cabia decidir, exacta e directamente nesta presunção de notificação. Certo que, em termos substantivos, o art.º 350.º, n.º 2, do Código Civil estabelece que as presunções legais podem ser ilididas mediante prova em contrário (com excepção, obviamente, das inilidíveis), fixando o art.º 344.º, n.º 1, do mesmo Código uma correspondente inversão do ónus da prova. E bem assim que, em termos processuais, deve atender-se a que um dos princípios basilares do processo civil é o princípio fundamental de acesso à justiça, aqui se incluindo os subprincípios da indefesa e do direito à prova[7]. À luz deste regime legal e dos princípios da indefesa e do direito à prova, deve entender-se que assistia à Recorrente o ónus da alegação e da prova da falta de notificação da decisão de indeferimento pela “Segurança Social”, ilidindo a referida presunção juris tantum. Não foi o que fez, reconduzindo-se já e em sede de recurso da decisão, a uma falta de notificação pelo Tribunal, sem a alegação das circunstâncias e factos que determinariam a elisão da presunção de notificação e assim de conhecimento da decisão de indeferimento já caracterizada… É que, decisivamente, como adiantado, mas agora com um relevo suplementar, sequer admissível noutra sede que não a da impugnação da decisão respectiva, a arguição daquela falta de notificação ou desconhecimento dos termos da decisão. Ainda quando o princípio da gestão processual, consagrado em termos gerais no art.º 6.º do CP Civil, obrigue a que o processo comporte os actos e formalidades indispensáveis ou úteis à apreciação e decisão da causa, sempre se impunha à Recorrente a necessidade de suscitar/alegar e provar, em incidente preliminar ao recurso (já que, naturalmente, não apreciada na decisão recorrida, por falta de invocação), a questão da ilisão da presunção de notificação já aludida... É o que sempre determina a improcedência do recurso e da reclamação. Por isso que inexiste fundamento para a pretendida notificação pelo tribunal da decisão da SS; sendo certo que não alegada também a falta de recebimento da decisão de indeferimento, que sempre não podia sê-lo apenas em sede recursiva. Nessa medida, não se antevê a violação de qualquer procedimento pelo Tribunal, nem se alcança a que violação do contraditório e proibição da indefesa se reconduz a recorrente. O tribunal não notificou a recorrente da decisão do ISSS porque não tinha que o fazer, já que a notificação desta o foi, como tinha de sê-lo, pelo ISSS… Se o não foi, a Recorrente tinha que alegar e provar essa falta, que não assacar ao tribunal a omissão de um acto sem fundamento. O despacho recorrido não padece, pois, de qualquer nulidade ou vício. III - Por tudo o exposto, decide-se negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida. Custas da apelação pela recorrente (art. 527º, nºs 1 e 2, do C.P.C.). Notifique. Porto, 06 de Junho de 2024 |