Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | FILIPE CÉSAR OSÓRIO | ||
| Descritores: | CONTRATO DE ARRENDAMENTO CONTRATO DE DURAÇÃO LIMITADA OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RP202510271504/24.5T8VLG.P1 | ||
| Data do Acordão: | 10/27/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA | ||
| Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - É de rejeitar a impugnação da decisão da matéria de facto, em que está em causa prova gravada, se os Recorrentes não indicaram quaisquer passagens da gravação em que se funda o seu recurso nem procederam à transcrição de eventuais excertos que considerassem relevantes, como lhes incumbia (cfr. art. 640.º/2-a), do CPC), bem como, ainda por serem sempre irrelevantes os factos em causa, configurando a prática de atos inúteis, por isso ilícitos (cfr. artigo 130.º do Código de Processo Civil). II - A oposição à renovação do contrato de arrendamento para habitação com prazo certo exercida pela senhoria com a antecedência legalmente prevista para a data da renovação contratual e legal configura um direito potestativo em que esta manifesta a vontade de não renovar o contrato findo o prazo de renovação, comunicando tal vontade aos inquilinos, não carece da invocação de qualquer motivo, sendo irrelevante que os inquilinos tenham mais de 65 anos idade, situação que só funcionaria como excepção impeditiva do direito de denúncia, se estivéssemos perante um contrato de duração não limitada ou indeterminada. III - No caso concreto não existe, de todo, qualquer caso omisso, o legislador regulamentou, aliás, de forma bastante desenvolvida, o regime do arrendamento urbano, mormente no que toca à cessação do contrato, quis mesmo diferenciar expressamente os contratos de arrendamento para habitação celebrados com prazo certo dos celebrados por duração indeterminada, por isso a criação de subsecções diferentes para cada um deles. IV - Não existe qualquer violação de normas e princípios constitucionais, já que ao celebrarem um contrato de duração limitada, com prazo certo, renovável, caso nenhuma das partes se opusesse a tal renovação, foram as partes a estipular, por sua livre vontade, um dado regime contratual que permite a cessação do contrato no termo do prazo impedindo nova renovação, tudo no âmbito da liberdade contratual, no seio de um Estado de Direito Democrático (cfr. art. 2.º, da CRP). | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Apelação n.º 1504/24.5T8VLG.P1
(5.ª Secção Judicial, 3.ª Secção Cível) Comarca de Porto Juízo Local Cível de Valongo – Juiz 1 Relator: Filipe César Osório 1.º Adjunto: Ana Olívia Loureiro 2.º Adjunto: Maria de Fátima Andrade Sumário: ……………………………… ……………………………… ……………………………… * * * ACORDÃO NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO * I. RELATÓRIO Ação Declarativa, Processo Comum 1. As partes: Autora/Recorrida – AA Réus/Recorrentes – BB e CC * 2. Objecto do litígio – EXTINÇÃO DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO POR OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO OU CADUCIDADE, consubstanciado nos seguintes pedidos: a) a condenação dos Réus a reconhecer que a Autora é proprietária e legítima possuidora da fração autónoma identificada no artigo 1.º da petição inicial; b) a condenação da primeira Ré a reconhecer que o contrato de arrendamento que celebrado entre as partes cessou no dia 31 de março de 2024, por oposição à renovação ou caducidade; c) a condenação da primeira Ré a entregar à Autora o locado, livre de pessoas e bens; d) a condenação dos Réus, por ocupação ilegítima e pela demora na restituição do locado desde 31 de março de 2024, ao pagamento da quantia mensal equivalente ao dobro da renda contratada (358,41 € x 2), desde a referida data e até à entrega do imóvel, acrescida dos juros legais vencidos e vincendos, até integral pagamento, contados desde a citação; e e) a condenação dos Réus nas custas do processo. Para o efeito, a Autora alegou essencialmente que entre Autora e Ré foi celebrado um contrato pelo qual a primeira deu de arrendamento à segunda, e esta tomou-o, mediante o pagamento de uma renda mensal, o imóvel que descreve. Comunicada a cessação do contrato por oposição à renovação, a Ré não restituiu o locado. O Réu, por seu turno, assumiu o pagamento, solidariamente com a Ré, enquanto fiador, de todos os valores devidos por força do contrato celebrado. Os Réus, em contraponto, na Contestação, alegaram essencialmente que a Autora assumiu uma atitude que constitui assédio aos arrendatários, concretamente, quis impor um aumento de renda não contemplado no respetivo recibo de renda, motivo pelo qual não pode opor-se à renovação do contrato, que dada a idade dos Réus, superior a 65 anos, não pode a senhoria Autora pôr termo ao contrato, por força da aplicação analógica dos artigos 1101.º do Código Civil e 26.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, que aprovou o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), ou por interpretação extensiva do disposto no artigo 1097.º do Código Civil, sob pena de falta de proteção de uns arrendatários face a outros. * Realizada audiência final foi oportunamente proferida sentença com o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, julgo a presente totalmente procedente e, em consequência, decido: 1. Condeno os Réus BB e CC a reconhecer o direito de propriedade da Autora AA sobre a fração autónoma designada pela letra B correspondente ao R/C Esq. Traseiras e lugar de garagem “B” na cave do prédio constituído em regime de propriedade horizontal, destinado a habitação, sito na Rua ..., da freguesia ... do município de Valongo, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Valongo sob o n.º ...; 2. Condeno os Réus a entregar à Autora, livre e desocupada de pessoas e bens, a fração autónoma identificada em 1, por força da cessação em 31 de março de 2024 do contrato de arrendamento que vigorava entre as partes, dada a oposição à renovação comunicada pela Autora à Ré; 3. Condeno os Réus a pagar à Autora: a) A quantia mensal de 716,82 € (setecentos e dezasseis euros e oitenta e dois cêntimos) a título de indemnização equivalente ao dobro do valor da renda acordado pela ocupação do locado desde 1 de abril de 2024 e até à sua entrega efetiva, descontada dos valores já pagos ou que venham, entretanto, a pagar; b) Juros de mora civis à taxa legalmente prevista, contados sobre cada uma das quantias referidas em a), a contar do respetivo vencimento, ou seja, o primeiro dia útil de cada mês decorrido até efetivo e integral pagamento; 3. Condenar os Réus no pagamento integral das custas do presente processo, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiem.». * 4. Recurso de apelação: Inconformado com esta sentença, os Réus vieram interpor recurso de apelação, com as seguintes conclusões [transcrição]: «I- A factualidade dada como não provada está em contradição com prova documental junta aos autos. II- Devem ser dado como PROVADOS os seguintes factos. Entre junho e julho de 2023, a Autora contactou o Réu e, entre lamúrias e queixumes, propôs-lhe um aumento de renda no montante de 50,00/mês. Em resposta, o Réu comunicou à Autora que tal valor era muito elevado, considerando os rendimentos do agregado familiar, ao que a Autora respondeu que “pensasse e lhe fizesse” uma contraproposta. Alguns dias após o contacto telefónico referido, a Autora telefonou de novo ao Réu CC questionando-o se já tem valor para lhe comunicar, ao que o Réu responde que aceitava um aumento de 25,00 €, ainda que fosse custoso para o agregado familiar. A Autora não aceitou a proposta do Réu, alegando ser um valor muito baixo e contrapôs o valor de 35,00 €. O Réu reclamou, mas acabou por aceitar e questionou quando será o aumento e qual passaria a ser valor do recibo. No imediato, a Autora “avisa” o Réu que o valor de 35,00 € não será incluído no recibo e teria de ser “pago por fora”. Em resposta, por não considerar justo, o Réu disse à Autora que se o aumento da renda não fosse incluído no recibo não aceitará pagar. III- por força do disposto no artigo 26º do NRAU, atenta a idade dos arrendatários, está vedada a possibilidade de DENUNCIA. IV- Pelo que consideram, que se está perante uma excepção compreendida na alínea a), do artigo 107º do RAU, aplicável que é aos presentes autos, em virtude do contrato de arrendamento ter sido celebrado em 2014. V- Atentando-se à ratio da norma invocada, que se encontra na Constituição da República Portuguesa, doravante CRP, na proteção à terceira idade, cfr art. 72º do mesmo diploma; VI- A salvaguarda das posições jurídicas de quem se encontra em situações especiais de desfavor e, em concreto, art. artigo 65º, onde se encontra consagrado o Direito à Habitação. VII- ASSIM, DEVE A DOUTA SENTENÇA SER REVOGADA, e em substituição ser proferida outra que ABSOLVA OS RECORRENTES DO PEDIDO, JULGANDO-SE INEFICAZ A DENUNCIA DO CONTRATO. E CONSEQUENTEMENTE, CONSIDERAR EM VIGOR O CONTRATO DE ARRENDAMENTO. ABSOVENDO-SE OS RECORRENTES DE TODA A CONDENAÇÂO PROFERIDA NA DOUTRA SENTENÇA ORA EM CRISE.». * 5. Resposta: Não foram apresentadas contra-alegações. * 6. Objecto do recurso – Questões a Decidir: Considerando que o objecto dos recursos está delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso - arts. 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º n.º 4, 639.º e 663.º n.º 2, todos do Código de Processo Civil – são as seguintes as questões cuja apreciação aquelas convocam: * II. FUNDAMENTAÇÃO 7. É o seguinte o teor da decisão de facto constante da sentença recorrida: «Factos provados 1. A Autora adquiriu o direito de propriedade sobre a fração B correspondente ao R/C Esq. Traseiras e lugar de garagem “B” na cave do prédio constituído em regime de propriedade horizontal, destinado a habitação, sito na Rua ..., da freguesia ... do município de Valongo, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Valongo sob o n.º .... 2. Por documento particular datado de 1 de abril de 2014, que as partes denominaram de CONTRATO DE ARRENDAMENTO, a Autora deu de arrendamento à primeira Ré, que a tomou de arrendamento, a fração autónoma identificada em 1, a qual se destinava única e exclusivamente à habitação da Ré (inquilina). 3. Através do referido contrato, as partes acordaram que o mesmo era celebrado pelo prazo certo de 1 (um) ano, com início no dia 1 de abril de 2014, considerando-se prorrogado por períodos de um ano, enquanto não fosse denunciado nos termos legais. 4. Através do referido contrato, as partes acordaram ainda que a renda anual correspondia ao valor de 3.840,00 € (três mil oitocentos e quarenta euros), a pagar mensalmente, em duodécimos de 320,00 € (trezentos e vinte euros), no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que disser respeito. 5. Por força das atualizações de renda que as partes também acordaram, no ano de 2024 o montante de renda anual era de 4.300,92 € (quatro mil e trezentos euros e noventa dois cêntimos), a ser paga mensalmente em duodécimos de 358,41 € (trezentos e cinquenta e oito euros e quarenta e um cêntimos), no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que disser respeito. 6. No dia 23 de agosto de 2023, a Autora enviou à primeira Ré uma comunicação postal com o seguinte teor: Tendo presente o contrato de arrendamento em assunto, Venho por este meio, e nos termos do artigo 1097, n. °1 al. a) do Código Civil declarar a minha Oposição a renovação do contrato de arrendamento identificado a qual produzirá efeitos no final do prazo de renovação em curso, que ocorrerá em 31 de MARÇO DE 2024. Na data da cessação do contrato deverão V. Exas, entregar o locado livre de pessoas e bens e no estado em que receberam, ressalvadas as deteriorações decorrentes do tempo e de uma utilização prudente do imóvel. 7. A primeira Ré rececionou a referida carta em data não concretamente apurada, mas anterior a 1 de setembro de 2023. 8. Porém, a Ré não entregou à Autora a referida fração autónoma em 31 de março de 2024, continuando a ocupá-la, contra a vontade da Autora. 9. A Autora interpelou a primeira Ré para que entregasse a referida fração autónoma, sem sucesso. 10. O segundo Réu também interveio na celebração do contrato acima referido, na qualidade de fiador, assumindo as obrigações da Ré, solidariamente com esta, sem que as partes tenham acordado o benefício da excussão. 11. Os Réus são casados entre si. 12. Em 01.09.2023, os Réus enviaram à Autora carta registada com aviso de receção, com o seguinte teor: Não obstante, fazer a referida comunicação com a invocação do preceito legal, certo é que a posição assumida por V. Exa. resulta tão só do facto de não termos aceitado o aumento de renda que nos propôs. Efectivamente, comunicou-nos V. Exa. que pretendia um aumento de renda no montante de 50,00€ mensais, não incluídos no recibo. Sendo que face a tal proposta, e por se tratar de um valor exagerado, e incomportável, fizemos contra proposta de 25,00 € desde que incluído tal valor no recibo. Ou seja, V. Exa. não está a usar da faculdade do artigo 1097º, nº 1 al. a) mas sim encapotadamente a fazer operar uma denuncia por não aceitação de aumento de renda. Ora, no que ao aumento de renda se refere a S/ proposta (50,00 sem recibo) a mesma é totalmente inviavel, e legalmente inadmissível, em face dos n/s rendimentos. E a denuncia nunca poderia ser efectuada atenta a considerando a n/ idade. Porquanto quer a inquilina, quer o fiador, e marido, têm ambos mais e 65 anos sendo reformados.- anexo cópias de CC E como tal não podemos ser menos protegidos do que os arrendatários em caso de denuncia, designadamente por não aceitação do aumento de renda.(vidé artº 1101 do Código Civil e artº 26ªdo NRAU) Posto isto, está V. Exa., indevidamente a usar de uma faculdade legal, subvertendo o espirito legal da mesma, fazendo-o como forma de assédio. Assim comunicamos que, -NÃO ACEITAMOS A COMUNICAÇÂO DE OPOSIÇÂO Á RENOVAÇÂO, agiremos em conformidade e fazendo valer n/s direitos se a tal formos obrigados. Reiteramos a n/ proposta de aceitar um aumento de renda no valor de 25,00€ por mês, incluídos no recibo”. 13. Em 15.09.2023, a Autora enviou à Ré carta registada com aviso de receção, com o seguinte teor: Exma. Senhora Conforme resulta do documento em anexo, serão realizadas obras de manutenção ordinária no imóvel tomado de arrendamento por V.exa. Como é do conhecimento de V.exa, nos termos da cláusula 6 do n.º 2 do contrato de arrendamento celebrado por Vossa Exma. que transcrevo o referido no contrato de arrendamento... “Ficarão a cargo da Segunda Outorgante todas as obras de adaptação, beneficiação e de conservação/manutenção, ordinárias, interiores ou de exteriores, do local arrendado… O valor das obras foi fixado no montante de 2.000,00 (dois mil euros), por fração facto que foi comunicado a V.exa. Pelo que terão o prazo até 08.01.2024 para o pagamento do montante acima indicado que deverá ser transferido para a conta do condomínio. Junto orçamento global, a aguardar de Vexas. O comprovativo do montante devido. 14. Em 22.09.2023, os Réus enviaram carta registada com aviso de receção à Autora, por esta recebida, negando a responsabilidade pelas obras no prédio. 15. Após conversações com vista ao pagamento mensal de um valor adicional ao da renda, e sem que tenham chegado a entendimento, a Autora comunicou verbalmente ao Réu que iria pôr ao contrato e, mais tarde, contactou o Réu dizendo que pretendia vender o imóvel e que precisava de lá ir com uma agente imobiliária para tirar fotografias, ao que os Réus não se opuseram. 16. Na sequência, foram realizadas duas visitas ao locado. 17. A Ré nasceu em ../../1955. 18. O Réu nasceu em ../../1950. Factos não provados 1. Entre junho e julho de 2023, a Autora contactou o Réu e, entre lamúrias e queixumes, propôs-lhe um aumento de renda no montante de 50,00/mês. 2. Em resposta, o Réu comunicou à Autora que tal valor era muito elevado, considerando os rendimentos do agregado familiar, ao que a Autora respondeu que “pensasse e lhe fizesse” uma contraproposta. 3. Alguns dias após o contacto telefónico referido, a Autora telefonou de novo ao Réu CC questionando-o se já tem valor para lhe comunicar, ao que o Réu responde que aceitava um aumento de 25,00 €, ainda que fosse custoso para o agregado familiar. 4. A Autora não aceitou a proposta do Réu, alegando ser um valor muito baixo e contrapôs o valor de 35,00 €. 5. O Réu reclamou, mas acabou por aceitar e questionou quando será o aumento e qual passaria a ser valor do recibo. 6. No imediato, a Autora “avisa” o Réu que o valor de 35,00 € não será incluído no recibo e teria de ser “pago por fora”. 7. Em resposta, por não considerar justo, o Réu disse à Autora que se o aumento da renda não fosse incluído no recibo não aceitará pagar. 8. Irritada e desagradada a Autora respondeu ENTÃO VOU PO-LO NA RUA e desligou a chamada ao Réu. 9. Após as visitas ao locado referidas nos factos provados, a agente imobiliária que se encontrava a promover a venda do locado contactou o Réu e, com o intuito de lhe causar indignação e choque, como efetivamente causou, disse-lhe que já tinha muitas pessoas interessadas, mas que iria deixar as visitas para momento posterior, uma vez que o Réu ia sair do imóvel.». * 8. Impugnação da decisão da matéria de facto 8.1. A impugnação da decisão sobre a matéria de facto está sujeita a determinadas regras ou ónus sob pena de rejeição e o incumprimento destas regras também deve ser oficiosamente conhecido. Dispõe o art. 640.º, do CPC, sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, o seguinte: 1 – Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 – O disposto nos 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do no 2 do artigo 636.º. Então, daqui resulta desde logo que o recorrente tem de especificar obrigatoriamente, sob pena de rejeição: 1.º - Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; 2.º - Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; 3.º - A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas; 4.º - E quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes. A previsão destes ónus tem razão de ser, quer para garantia do contraditório, quer para efeito de rigorosa delimitação do objeto do recurso, até porque o sistema consagrado não admite recursos genéricos contra a decisão da matéria de facto, não é compreensível que a verificação do cumprimento de tais ónus se transforme num exercício meramente burocrático[1]. No caso concreto em apreciação, os Recorrentes discordam da decisão de facto relativa aos pontos 1, 2, 3, 4, 5, 6 e 7 dos factos julgados como não provados, consideram que deviam ser considerados provados e apresentam as razões dessa discordância invocando essencialmente um conjunto de considerações sobre declarações prestadas em conjugação com documentos dos autos que deveriam ter tido diversa valoração[2]. Contudo, apesar de estar em causa prova gravada, os Recorrentes não indicaram quaisquer passagens da gravação em que se funda o seu recurso (muito menos com exatidão) nem tão pouco procederam à transcrição de eventuais excertos que considerassem relevantes, como lhes incumbia. Deste modo, em consequência, impõe-se a imediata rejeição da impugnação da decisão de facto no que toca à valoração da prova gravada. Quanto à valoração da demais prova documental, admitindo que poderia ser cindida da valoração das declarações, a factualidade não provada que foi impugnada pelos Recorrentes sempre seria totalmente irrelevante para o desfecho do litígio, porque está em causa o exercício do direito potestativo do senhorio de oposição à renovação do contrato de arrendamento, para a qual não se exige o apuramento da motivação ou das circunstâncias subjacentes à mesma alegados pelos Recorrentes-Réus e que foram julgados não provados na sentença, ou seja, mesmo que se considerassem provados seriam inócuos ou neutros para o desfecho da lide, como se verá melhor infra na reapreciação jurídica da causa. Para melhores desenvolvimentos desta temática, pode ser consultado o Ac. TRP de 11/12/2024[3] (Carlos Gil, proc. n.º 10508/22.1YIPRT.P1, www.dgsi.pt), onde se considerou essencialmente que “a reapreciação da decisão matéria de facto não é um exercício dirigido a todo o custo ao apuramento da verdade afirmada pelo recorrente mas antes e apenas um meio de o recorrente poder reverter a seu favor uma decisão jurídica fundada numa certa realidade de facto que lhe é desfavorável e que o recorrente pretende ver reapreciada de modo a que a realidade factual por si sustentada seja acolhida judicialmente. Logo que faleça a possibilidade de uma qualquer alteração da decisão da matéria de facto poder ter alguma projeção na decisão da matéria de direito em sentido favorável ao recorrente, deixa de ter justificação a impugnação deduzida, traduzindo-se antes na prática de um ato inútil, por isso ilícito.”. Em suma, porque na impugnação da decisão da matéria de facto, em que está em causa prova gravada, os Recorrentes não indicaram quaisquer passagens da gravação em que se funda o seu recurso nem procederam à transcrição de eventuais excertos que considerassem relevantes, como lhes incumbia (cfr. art. 640.º/2-a), do CPC), bem como, ainda por ser sempre irrelevante, configurando a prática de atos inúteis, por isso ilícitos (cfr. artigo 130.º do Código de Processo Civil), rejeita-se a mesma. * 9. Reapreciação jurídica da causa 9.1. Os Recorrentes discordam da decisão porque entendem essencialmente que estava vedada a possibilidade de “denúncia” por força da idade dos arrendatários superior a 65 anos (alega que a Recorrente mulher tem 68 anos e o Recorrente marido, tem 73 anos), socorrendo-se do disposto no art. 1101.º, al. c), do Código Civil (denúncia do contrato de duração indeterminada), entendendo ser aplicável por aplicação do disposto no art. 26.º, n.º 4, al. c), do NRAU: O disposto na alínea c) do artigo 1101.º do Código Civil não se aplica se o arrendatário tiver idade igual ou superior a 65 anos ou deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60 %. Os Recorrentes entendem que apesar da referida norma se referir apenas aos contratos de duração indeterminada também deve considerar-se aplicável ao caso concreto (de contrato com prazo certo) “sob pena de, se assim não se entender, haver uma clara falta de proteção de uns arrendatários face a outros, por força de uma eventual lacuna do legislador, que será sempre colmatada por via de uma interpretação extensiva que se impõe ser feita no que diz respeito ao disposto no artigo 1097º, do CC”. Consideram ainda os Recorrentes “que se está perante uma excepção compreendida na alínea a), do artigo 107º do RAU, aplicável que é aos presentes autos, em virtude do contrato de arrendamento ter sido celebrado em 2014. Assim, preenchido que está o requisito elencado taxativamente no artigo supra-referido, persiste impedimento ao direito de denúncia. Invocam ainda os Recorrentes “que se encontra na Constituição da República Portuguesa, doravante CRP, na proteção à terceira idade, cfr art. 72º do mesmo diploma” e ainda a“salvaguarda das posições jurídicas de quem se encontra em situações especiais de desfavor e, em concreto, art. artigo 65º, onde se encontra consagrado o Direito à Habitação”. * 9.2. Movemo-nos no âmbito da cessação de um contrato de arrendamento urbano para fim habitacional, celebrado em 01/04/2014 entre a Autora e a Ré, pelo prazo de um ano, com início em 01/04/2014. O aludido contrato de arrendamento urbano para fim habitacional com prazo certo, está previsto nos artigos 1022.º e ss., do Código Civil (CC) e em especial nos artigos 1064.º e ss., 1092.º e ss., e 1095.º, e ss., do CC. Quanto à sua cessação, o artigo 1079.º, do Código Civil, prevê que se verifique por acordo das partes, resolução, caducidade, denúncia ou outras causas previstas na lei. No que respeita à caducidade são várias as causas que a determinam, atento o disposto no artigo 1051.º, do Código Civil, entre outras, o contrato de arrendamento caduca findo o prazo de duração contratual ou legalmente estipulado (alínea a) do citado preceito). E no caso de contratos de arrendamento para habitação celebrados com prazo certo (art. 1095.º, do CC) – como o caso dos autos – o senhorio pode impedir a renovação automática do contrato mediante comunicação ao arrendatário com determinada antecedência mínima (art. 1097.º, do CC). Então, a oposição à renovação é um direito potestativo que depende apenas da vontade de quem emite a declaração, sem precisar de invocar qualquer justificação e só opera para futuro, como única condicionante, impõe-se-lhe apenas que respeite o período de aviso consignado na lei ou no contrato – Ac. TRP de 12/10/2023[4]. Então decorre do disposto no artigo 1097.º, n.º 1, alínea b), do Código Civil, sob a epígrafe “Oposição à renovação deduzida pelo senhorio” que o senhorio pode impedir a renovação automática do contrato mediante comunicação ao arrendatário com a antecedência mínima de 120 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a um ano e inferior a seis anos. Nesta sequência, a oposição à última renovação, comunicada pela Autora aos Réus por carta, produziu efeitos, visto ter sido efetuada com observância da antecedência exigida pela referida alínea b), do artigo 1097.º, do Código Civil, obstando, assim, à renovação, do contrato de arrendamento, que, por tal motivo, cessou os seus efeitos. * 9.3. Recorde-se que os Recorrentes entendem que estava vedada a possibilidade de “denúncia” por força da idade dos arrendatários superior a 65 anos (alega que a Recorrente mulher tem 68 anos e o Recorrente marido, tem 73 anos), socorrendo-se do disposto no art. 1101.º, al. c), do Código Civil (denúncia do contrato de duração indeterminada), por aplicação do disposto no art. 26.º, n.º 4, al. c), do NRAU: O disposto na alínea c) do artigo 1101.º do Código Civil não se aplica se o arrendatário tiver idade igual ou superior a 65 anos ou deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60 %. Nos termos do disposto no art. 26.º, da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, do capítulo das normas transitórias, que aprova o “Novo Regime do Arrendamento Urbano” (NRAU), invocado pelos Recorrentes: «1 - Os contratos para fins habitacionais celebrados na vigência do Regime do Arrendamento Urbano (RAU), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de outubro, bem como os contratos para fins não habitacionais celebrados na vigência do Decreto-Lei n.º 257/95, de 30 de setembro, passam a estar submetidos ao NRAU, com as especificidades dos números seguintes. 2 - À transmissão por morte aplica-se o disposto nos artigos 57.º e 58.º 3 - Quando não sejam denunciados por qualquer das partes, os contratos de duração limitada renovam-se automaticamente no fim do prazo pelo qual foram celebrados, pelo período de dois anos ou, quando se trate de arrendamento não habitacional, pelo período de três anos, e, em ambos os casos, se outro prazo superior não tiver sido previsto. 4 - Os contratos sem duração limitada regem-se pelas regras aplicáveis aos contratos de duração indeterminada, com as seguintes especificidades: a) Continua a aplicar-se o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 107.º do RAU; b) Para efeitos das indemnizações previstas no n.º 1 do artigo 1102.º e na alínea a) do n.º 6 e no n.º 9 do artigo 1103.º do Código Civil, a renda é calculada de acordo com os critérios previstos nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 35.º da presente lei; c) O disposto na alínea c) do artigo 1101.º do Código Civil não se aplica se o arrendatário tiver idade igual ou superior a 65 anos ou deficiência com grau comprovado de incapacidade igual ou superior a 60 /prct.. 5 - Em relação aos arrendamentos para habitação, cessa o disposto na alínea a) do número anterior após transmissão por morte para filho ou enteado ocorrida depois da entrada em vigor da presente lei. 6 - (Revogado.) 7 - Os direitos conferidos nos números anteriores ao arrendatário podem ser invocados pelo subarrendatário quando se trate de subarrendamento autorizado ou ratificado nos termos da lei.». Da referida norma transitória do NRAU resulta apenas que os contratos para fins habitacionais celebrados na vigência do Regime do Arrendamento Urbano (RAU), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de outubro, bem como os contratos para fins não habitacionais celebrados na vigência do Decreto-Lei n.º 257/95, de 30 de setembro, passam a estar submetidos ao NRAU, com as especificidades dos números seguintes, onde se inclui aquela que foi invocada pelos Recorrentes, ou seja, “O disposto na alínea c) do artigo 1101.º do Código Civil não se aplica se o arrendatário tiver idade igual ou superior a 65 anos ou deficiência com grau comprovado de incapacidade igual ou superior a 60 /prct..” (cfr. art. 26.º, n.º 4, al. c). Portanto, considerando que a referida norma invocada é apenas aplicável aos contratos para fins habitacionais celebrados entre 15/11/1990 e 27/06/2006, mostra-se desde logo afastada a aplicabilidade desta norma ao contrato de arrendamento em causa celebrado em 01/04/2014. Acresce ainda que tal norma nunca seria aplicável, porque a mesma refere expressamente que “Os contratos sem duração limitada regem-se pelas regras aplicáveis aos contratos de duração indeterminada”, por isso, tendo em conta que o contrato de arrendamento dos autos tem prazo certo, ou seja, duração limitada (cfr. art. 1095.º, do CC) é patente que não configura um contrato “sem duração limitada” nem um contrato de “duração indeterminada”. Além disso, não existe qualquer caso omisso, qualquer lacuna a carecer de analogia ou interpretação extensiva, como se verá. Nos termos do disposto no artigo 10.º do Código Civil sob a epígrafe “Integração das lacunas da lei”: 1. Os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos. 2. Há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei. 3. Na falta de caso análogo, a situação é resolvida segundo a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema. Este artigo regula a integração das lacunas da lei, pelo que apenas é aplicável quando haja um caso omisso. Para estar legitimado o recurso à analogia é necessário o seguinte[5]: - Se trate de caso absolutamente não previsto; - exista, pelo menos, um elemento de identidade entre o caso previsto na lei e o não previsto; - a identidade entre os dois casos leve em conta a ratio legis do preceito passível de extensão analógica. Em sentido estrito, lacuna da lei, seria assim, a constatação da existência de um concreto conflito de interesses insusceptível de ser enquadrado na hipótese de uma norma de direito positivo, uma ausência de resposta do sistema normativo a uma questão juridicamente relevante[6]. Ora, no caso concreto em apreciação não existe de todo qualquer caso omisso, o legislador regulamentou, aliás, de forma bastante desenvolvida, o regime do arrendamento urbano, mormente no que toca à cessação do contrato, quis mesmo diferenciar expressamente os contratos de arrendamento para habitação celebrados com prazo certo dos celebrados por duração indeterminada, por isso a criação de subsecções diferentes para cada um deles. Com efeito, o contrato de arrendamento urbano para habitação pode celebrar-se com prazo certo ou por duração indeterminada (cfr. art. 1094.º, n.º 1, do CC). Nos artigos 1095.º a 1098.º, do CC, regulam-se os contratos com prazo certo e nos artigos 1099.º a 1104.º, do CC, os contratos de duração indeterminada, em duas subsecções distintas, também com diferentes modos de cessação. A este propósito aderimos à fundamentação constante da sentença recorrida no que toca à não aplicabilidade da acima citada norma do art. 26.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, por analogia ou interpretação extensiva: «Este artigo 26.º integra o Capítulo I do Título II da Lei em análise. Daqui decorre que o artigo em análise constitui uma norma transitória (Título II) atinente aos contratos habitacionais celebrados na vigência do Regime do Arrendamento Urbano e contratos não habitacionais celebrados depois do Decreto-Lei n.º 257/95, de 30 de setembro (Capítulo I). Este normativo não é diretamente aplicável ao contrato dos nossos autos uma vez que o contrato em análise foi, como vimos, celebrado já na vigência do Novo Regime do Arrendamento Urbano aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro. Citando o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.01.2013 (proferido no âmbito do processo n.º 219/11.9JELSB-L1.S1, disponível no sítio da internet da dgsi), [o] recurso à analogia como primeiro meio de preenchimento das lacunas justifica-se por uma razão de coerência normativa ou de justiça relativa (princípio da igualdade: casos semelhantes ou conflitos de interesses semelhantes devem ter um tratamento semelhante) a que acresce ainda uma razão de certeza do direito: é muito mais fácil obter a uniformidade de julgados pelo recurso à aplicação, com as devidas adaptações, da norma aplicável a casos análogos do que remetendo o julgador para critérios de equidade ou para os princípios gerais do Direito. Assim sendo, facilmente se compreende a norma do artigo 11.º do Código Civil segundo o qual as normas excecionais não comportam aplicação analógica, embora admitam interpretação extensiva (o Prof. Manuel de Andrade problematizava, nos trabalhos preparatórios do Código Civil, a possibilidade de aplicação analógica de normas excecionais em determinadas circunstâncias – vd. DIOGO FREITAS DO AMARAL, Código Civil Anotado, Vol. I, Coordenação de Ana Prata, Almedina, 2017, p. 31). Ora, a norma em análise reveste indubitavelmente natureza excecional, uma vez que prevê um regime transitório para determinados contratos e, nessa medida, não admite a aplicação analógica. Para além disso, perante a previsão de norma legal que versa sobre a situação em análise, nem sequer seria de afirmar o pressuposto da aplicação analógica que é a verificação de uma lacuna (uma vez que os contratos não contemplados pela norma em análise, celebrados após a entrava em vigor do NRAU, foram propositadamente excluídos dessa previsão, como é típico característico das normas transitórias aprovadas aquando da aprovação de um novo regime jurídico). Mas será possível a – também propugnada pelos Réus – interpretação extensiva de qualquer uma das normas do regime do arrendamento urbano para obstar à oposição à renovação do contrato por parte da Autora senhoria? Entendemos que a resposta não pode deixar de ser negativa. Vejamos. O recurso à analogia pressupõe a existência de uma lacuna da lei, isto é, pressupõe que determinada situação não está compreendida nem na letra nem no espírito da lei. Esgotou-se todo o processo interpretativo dos textos sem ter encontrado nenhum que contemplasse o caso cuja regulamentação se pretende, ao passo que, na interpretação extensiva, encontra-se um texto, embora, para tanto, haja necessidade de estender as palavras da lei, reconhecendo que elas atraiçoaram o pensamento do legislador que, ao formular a norma, disse menos do que efetivamente pretendia dizer. Mas o caso está contemplado. Não há omissão. (PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA – Código Civil Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, 1987, 4.ª Edição, p. 60). Como analisamos já, o regime do arrendamento urbano, regulado no Código Civil e na Lei 6/2006, contempla normas diferentes de cessação do contrato consoante estejamos perante contratos de duração determinada ou contratos de duração indeterminada. Ora, estando expressamente reguladas as circunstâncias de cessação do contrato de duração determinada, não existe fundamento para buscar nas normas que regulam os termos em que o senhorio pode fazer cessar o contrato que não seja de duração determinada regulação para aqueloutros contratos. Tal solução poderia até ser suscetível de violar o princípio da certeza jurídica [Como o Tribunal Constitucional também salientou, no Acórdão n.º 862/2013: «A proteção da confiança é uma norma com natureza principiológica que deflui de um dos elementos materiais justificadores e imanentes do Estado de Direito: a segurança jurídica dedutível do artigo 2.º da CRP. Enquanto associado e mediatizado pela segurança jurídica, o princípio da proteção da confiança prende-se com a dimensão subjetiva da segurança – o da proteção da confiança dos particulares na estabilidade, continuidade, permanência e regularidade das situações e relações jurídicas vigentes. (…) – acórdão do TRC de 22.09.2015, proferido no âmbito do processo n.º 2604/15.8T8VIS.C1, disponível no sítio da internet da dgsi]. Citando o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24.05.2022 (proferido no âmbito do processo n.º 7855/20.0T8LRS.L1-7, disponível no sítio da internet da dgsi), [a] possibilidade de o senhorio impedir a renovação automática do contrato mediante comunicação ao arrendatário, com observância da antecedência mínima prevista o artigo 1097º do Código Civil constitui norma imperativa, nos termos do artigo art.º 1080º do referido diploma legal, visando estabelecer um prazo mínimo de protecção ao inquilino face à cessação do contrato. A oposição à renovação é um poder (potestativo), livre (discricionário) e unilateral, dependente apenas da manifestação de vontade do senhorio e sua comunicação, nos termos e condições legalmente definidos, ao inquilino (declaração receptícia), enquanto meio de impedir que, por via da renovação automática tácita, a vigência do contrato se perpetue.». * 9.4. Os Recorrentes insistem, alegando ainda que apesar da referida norma se referir apenas aos contratos de duração indeterminada também deve considerar-se aplicável ao caso concreto (de contrato com prazo certo) “sob pena de, se assim não se entender, haver uma clara falta de proteção de uns arrendatários face a outros, por força de uma eventual lacuna do legislador, que será sempre colmatada por via de uma interpretação extensiva que se impõe ser feita no que diz respeito ao disposto no artigo 1097.º, do CC”. Consideram ainda “que se está perante uma excepção compreendida na alínea a), do artigo 107º do RAU, aplicável que é aos presentes autos, em virtude do contrato de arrendamento ter sido celebrado em 2014. Assim, preenchido que está o requisito elencado taxativamente no artigo supra-referido, persiste impedimento ao direito de denúncia. Ora, o disposto no art. 107.º/1-a), do RAU (anexo ao DL n.º 321-B/90, de 15/10), relativo às limitações ao direito de denúncia, invocado pelos Recorrentes, dispunha o seguinte: 1 - O direito de denúncia do contrato de arrendamento, facultado ao senhorio pela alínea a) do n.º 1 do artigo 69.º, não pode ser exercido quando no momento em que deva produzir efeitos ocorra alguma das seguintes circunstâncias: a) Ter o arrendatário 65 ou mais anos de idade ou, independentemente desta, se encontre na situação de reforma por invalidez absoluta, ou, não beneficiando de pensão de invalidez, sofra de incapacidade total para o trabalho; Contudo, esta norma foi revogada pela Lei n.º 6/2006, de 27/02, no seu art. 60.º, portanto, já não estava em vigor aquando da celebração do contrato de arrendamento dos autos (em 01/04/2014) e por isso não tem aplicação ao caso concreto. Importa referir ainda que a factualidade considerada não provada da sentença recorrida (decisão que os Recorrentes impugnaram sem sucesso, como já vimos supra) é irrelevante porque não impede a senhoria, ora Autora, do exercício do seu direito potestativo de se opor à renovação do contrato de arrendamento em causa. Com efeito, o artigo 13.º-A, do NRAU, estabelece que é proibido o assédio no arrendamento ou no subarrendamento, entendendo-se como tal qualquer comportamento ilegítimo do senhorio, de quem o represente ou de terceiro interessado na aquisição ou na comercialização do locado, que, com o objetivo de provocar a desocupação do mesmo, perturbe, constranja ou afete a dignidade do arrendatário, subarrendatário ou das pessoas que com estes residam legitimamente no locado, os sujeite a um ambiente intimidativo, hostil, degradante, perigoso, humilhante, desestabilizador ou ofensivo, ou impeça ou prejudique gravemente o acesso e a fruição do locado. Por sua vez, o art. 13.º-B, do NRAU, prevê diversas providências de defesa perante a verificação de assédio no arrendamento, sem prejuízo da responsabilidade civil, criminal ou contraordenacional decorrente dos atos e omissões em que se consubstancie o comportamento previsto no artigo anterior. Ora, no caso concreto em apreciação, os Réus não formularam qualquer pedido de indemnização contra a Autora com fundamento em alegado assédio, nem este, mesmo que tivesse ocorrido, teria a virtualidade de obstar ao direito potestativo da Autora de se opor à renovação do contrato de arrendamento em causa, por isso, a irrelevância dos factos dados como não provados na sentença para a economia do presente litígio. * 9.5. Invocam ainda os Recorrentes “que se encontra na Constituição da República Portuguesa, doravante CRP, na proteção à terceira idade, cfr art. 72.º do mesmo diploma” e ainda a “salvaguarda das posições jurídicas de quem se encontra em situações especiais de desfavor e, em concreto, artigo 65.º, onde se encontra consagrado o Direito à Habitação”. Nos termos do disposto no art. 65.º, da CRP, sob a epígrafe “Habitação e urbanismo”: 1. Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar. 2. Para assegurar o direito à habitação, incumbe ao Estado: a) Programar e executar uma política de habitação inserida em planos de ordenamento geral do território e apoiada em planos de urbanização que garantam a existência de uma rede adequada de transportes e de equipamento social; b) Promover, em colaboração com as regiões autónomas e com as autarquias locais, a construção de habitações económicas e sociais; c) Estimular a construção privada, com subordinação ao interesse geral, e o acesso à habitação própria ou arrendada; d) Incentivar e apoiar as iniciativas das comunidades locais e das populações, tendentes a resolver os respectivos problemas habitacionais e a fomentar a criação de cooperativas de habitação e a autoconstrução. 3. O Estado adoptará uma política tendente a estabelecer um sistema de renda compatível com o rendimento familiar e de acesso à habitação própria. 4. O Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais definem as regras de ocupação, uso e transformação dos solos urbanos, designadamente através de instrumentos de planeamento, no quadro das leis respeitantes ao ordenamento do território e ao urbanismo, e procedem às expropriações dos solos que se revelem necessárias à satisfação de fins de utilidade pública urbanística. 5. É garantida a participação dos interessados na elaboração dos instrumentos de planeamento urbanístico e de quaisquer outros instrumentos de planeamento físico do território. E nos termos do disposto no art. 72.º, da CRP, sob a epígrafe “Terceira idade”: 1. As pessoas idosas têm direito à segurança económica e a condições de habitação e convívio familiar e comunitário que respeitem a sua autonomia pessoal e evitem e superem o isolamento ou a marginalização social. 2. A política de terceira idade engloba medidas de carácter económico, social e cultural tendentes a proporcionar às pessoas idosas oportunidades de realização pessoal, através de uma participação activa na vida da comunidade. Os referidos direitos fundamentais de índole social impõem ao Estado a prossecução de políticas que promovam a habitação e melhores condições para a terceira idade, enquanto tarefas fundamentais de índole social (cfr. art. 9.º, al. d), da CRP). Por outro lado, não se pode perder de vista que também configura um direito fundamental económico o direito à propriedade privada, ao abrigo do disposto no art. 62.º, da CRP, que impõem ao Estado de igual modo a prossecução de políticas que promovam este direito de índole económica (cfr. art. 9.º, al. d), da CRP). A prossecução pelo Estado das tarefas mencionadas, sociais e económicas, em nada contende com o regime jurídico civil do arrendamento urbano. Portanto, não existe qualquer violação de normas e princípios constitucionais, já que ao celebrarem um contrato de duração limitada, com prazo certo, renovável, caso nenhuma das partes se opusesse a tal renovação, foram as partes a estipular, por sua livre vontade, um dado regime contratual que permite a cessação do contrato no termo do prazo impedindo nova renovação, tudo no âmbito da liberdade contratual, no seio de um Estado de Direito Democrático (cfr. art. 2.º, da CRP). No mesmo sentido do exposto em situação idêntica, pode ser consultado o Ac. TRL de 03/11/2016[7]: «A denúncia do contrato de arrendamento pelo senhorio, quando este manifesta a vontade de não renovar o contrato findo o prazo de renovação, comunicando tal vontade à inquilina com um ano de antecedência e no âmbito de um contrato de arrendamento de duração limitada, não carece da invocação de qualquer motivo. Sendo irrelevante que a inquilina tenha atingido os 65 anos idade, situação que só funcionaria como excepção impeditiva do direito de denúncia, se estivéssemos perante um contrato de duração não limitada ou indeterminada. O senhorio na oposição à renovação automática do contrato não tem de invocar qualquer justificação nem o inquilino lhe pode opor as excepções previstas no art. 107.º, do RAU, só aplicáveis aos contratos de duração indeterminada, incluindo a já mencionada idade do inquilino ser igual ou exceder os 65 anos. E não existe qualquer violação de normas e princípios constitucionais. Ao celebrarem um contrato de duração limitada, renovável por um ano decorrido o prazo inicial, ao preverem em tal contrato que as renovações seriam por um ano caso nenhuma das partes se opusesse a tal renovação, foram as partes a estipular, por sua livre vontade, um dado regime contratual que permite a denúncia do contrato no termo do prazo impedindo nova renovação. Ou seja, no âmbito da liberdade contratual, as partes quiseram celebrar um contrato de duração limitada.». Deste modo, a oposição à renovação exercida pela Autora porque foi conhecida dos Réus e cumpriu a antecedência legalmente exigida produziu os seus efeitos, por isso, devem proceder os pedidos de reconhecimento do direito de propriedade da Autora sobre o locado, de reconhecimento da cessação do contrato de arrendamento, por oposição à renovação, e de condenação na entrega do locado à Autora, livre de pessoas e bens, como decidido na sentença recorrida. * 9.6. Em suma, impõe-se julgar totalmente improcedente o recurso e confirmar a sentença recorrida. * 10. Responsabilidade Tributária As custas são da responsabilidade dos Recorrentes. * III. DISPOSITIVO Nos termos e fundamentos expostos, - Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação e confirmar a sentença recorrida. - Custas a cargo dos Recorrentes. - Registe e notifique. * Filipe César Osório Ana Olívia Loureiro Fátima Andrade ________________ [1] António Abrantes Geraldes e outros, CPC Anotado, Vol. I, Almedina, 2022, pág. 831. [2] Como resulta do corpo das alegações, pág. 17 a 22. [3] Ac. TRP de 11/12/2024 (Carlos Gil, proc. n.º 10508/22.1YIPRT.P1, www.dgsi.pt). [4] Ac. TRP de 12/10/2023 (Paulo Dias da Silva, proc. n.º 328/23.1YLPRT.P1, www.dgsi.pt). [5] Trabucchi, Instituzioni di Diritto Civile, Cedam, Padova, 1981, pág. 45, citado por Alberto González, Código Civil Anotado, vol. I, Quid Juris, 2011, pág. 32. [6] A. Agostinho Guedes, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, 2.ª ed., UCP Editora, 2023, pág. 66. [7] Ac. TRL de 03/11/2016 (António Valente, proc. n.º 8698/12.0YYLSB-A.L1-8, www.dgsi.pt). |