Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | GERMANA FERREIRA LOPES | ||
Descritores: | NULIDADE DA SENTENÇA ÓNUS LEGAIS NA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO ÓNUS DE INVOCAÇÃO NO ÂMBITO DA APLICAÇÃO DA LEI DE ARGUMENTOS JURÍDICOS | ||
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Nº do Documento: | RP202405203489/22.3T8VFR.P1 | ||
Data do Acordão: | 05/20/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 4. ª SECÇÃO SOCIAL | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I – As nulidades da sentença previstas no artigo 615.º do Código de Processo Civil sancionam vícios formais, de procedimento – errore in procedendo - e não patologias que eventualmente traduzam erros judiciais – error in judicando. II - A nulidade da sentença prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, só se verifica quando haja falta absoluta de fundamentos, quer no respeitante aos factos, quer no tocante ao direito e não já, portanto, quando esteja apenas em causa uma motivação deficiente, medíocre ou até errada. III - Na nulidade prevista no primeiro segmento da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC está em causa um vício estrutural da sentença, por contradição entre as suas premissas, de facto e/ou de direito, e a conclusão, de tal modo que este deveria seguir um resultado diverso. Já o vício da ambiguidade ou obscuridade (2º segmento desse normativo) pressupõe uma situação de ininteligibilidade. IV – A nulidade por omissão de pronúncia prevista na alínea d) do n.º 1 do preceito em referência, sancionando a violação do estatuído no nº 2 do artigo 608.º do CPC, apenas se verifica quando o tribunal deixe de conhecer questões temáticas centrais, importando não confundir questões com factos, argumentos, razões ou considerações. V - No caso de impugnação da matéria de facto, o recorrente tem de alegar e levar às conclusões, sob pena de rejeição do recurso, a indicação dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, como estatuído na alínea a) do n.º 1, do artigo 640.º do CPC, enquanto definição do objeto do recurso. Deverá também o recorrente, nos termos do n.º 2, alínea b), do mesmo preceito, relativamente à prova pessoal gravada que pretende que seja analisada, indicar na motivação as passagens em concreto da gravação dos depoimentos, que impliquem decisão diversa. VI – Recai sobre o recorrente o ónus de invocar, também no âmbito da aplicação da lei, os argumentos (jurídicos) que em seu entender justificam o afastamento dos fundamentos constantes da decisão recorrida para alicerçar a forma como interpretou e/ou aplicou a lei, de forma a que o tribunal ad quem os possa apreciar, no sentido de lhes dar ou não acolhimento [incidindo o recurso sobre a matéria de direito, deve o recorrente, para além de indicar nas conclusões as normas jurídicas violadas, referir também o sentido que, no seu entender, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas (cfr. artigo 639.º, nº 2, do CPC). [elaborado pela sua relatora nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil (cfr. artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho)] | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Apelação/Processo n.º 3489/22.3T8VFR.P1 Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo do Trabalho de Santa Maria da Feira, Juiz 2 4ª Secção Relatora: Germana Ferreira Lopes 1ª Adjunta: Eugénia Pedro 2º Adjunto: António Luís Carvalhão Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: I – Relatório AA (adiante designado por Autor), intentou ação declarativa com processo comum contra “A..., S.A.” (adiante designada por Ré), em 14-10-2022, peticionando que se declare o procedimento disciplinar inválido e a ilicitude do despedimento de que foi alvo, com as legais consequências. Por despacho datado de 27-10-2022, transitado em julgado, julgou-se verificada a exceção de erro na forma do processo e convolou-se a ação de processo comum em ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, valendo a petição inicial na parte em que identifica as partes (trabalhador e entidade patronal), a categoria profissional do trabalhador, a data do despedimento e a declaração do trabalhador de oposição ao despedimento, como requerimento/formulário de ação especial, considerando-se não escritos todos os outros factos constantes da petição inicial, aproveitando-se ainda a comunicação escrita do despedimento junta – cfr. decisão refª citius 124162558. Foi realizada a audiência de partes, à qual a Ré não compareceu, razão pela qual se frustrou a tentativa de conciliação. A Ré apresentou articulado a motivar o despedimento, pugnando pela licitude do mesmo e juntando o procedimento disciplinar. Alegou, em súmula, que: em 30-09-2000, admitiu ao seu serviço o Autor, como vigilante e por adenda ao contrato de trabalho celebrada em 05-09-2001, passou a desempenhar funções correspondentes à categoria profissional de vigilante de transporte de valores; no período compreendido entre 18-05-2022 e 27-05-2022 foram feitas auditorias a 12 máquinas ATM manuseadas pelo Autor, no exercício das funções de porta valores, em três das quais se verificou diferenças no numerário, tendo-se o Autor apropriado de € 50,00, no dia 18-05-2022 e no dia 26-06-2022 de € 80,00 (€40,00x2). Concluiu que o comportamento do trabalhador é culposo, assumindo gravidade que, por si só, põe em causa a base de confiança que se exige na execução das funções de vigilante de transporte de valores, violando os deveres de respeito e lealdade para com a sua empregadora, bem como o dever de realizar o trabalho com probidade e diligência, o que inviabiliza a manutenção do seu contrato de trabalho, enquadrando-se nas alíneas a), d) e e) do n.º 2, e n.º 1 do artigo 351.º do Código do Trabalho. O Autor contestou, pugnando pela ilicitude do despedimento de que foi alvo, com as legais consequências. Peticionou que o procedimento disciplinar fosse declarado inválido, sustentando que foi violado o direito de defesa do trabalhador (por lhe ter sido negada a possibilidade de consultar todo o processo, por terem sido eliminadas as imagens de videovigilância) e, bem assim, que se verificava nulidade de todo o processo por vício procedimental, por ter sido notificado da nota de culpa no 33º dia posterior ao encerramento da auditoria. Por impugnação, o Autor referiu, em síntese, que podem existir falhas ao longo do circuito de carregamento/recolha de numerários em ATM e que as situações descritas no articulado motivador serão só mais um erro/falha de numerário que acontecem em diversas máquinas e que não são sindicáveis pela Ré, apontando a falta de fiabilidade e segurança nos métodos e procedimentos tomados pelos funcionários da Ré e que há sempre risco de falhas e erros em armazenamentos, recolhas e no próprio estado de conservação das notas. Argumentou que foi alvo de um procedimento disciplinar em que a Ré não tem prova de que foi o Autor a retirar o dinheiro. Concluiu que o seu despedimento é ilícito, peticionando as retribuições intercalares, a sua reintegração ou, caso a Ré não pretenda a reintegração, o pagamento de uma indemnização no montante de € 33,818,40 acrescida de juros de mora até efetivo e integral pagamento. Peticionou ainda em sede de reconvenção a condenação da Ré no montante de € 2.000,00 a título de indemnização por danos, com base nos factos alegados nos artigos 137º a 149º do respetivo articulado e, bem assim, no pagamento dos proporcionais de subsídio de férias e de Natal no montante de € 1.668,48, tudo acrescido de juros de mora até efetivo e integral pagamento. A Ré respondeu, alegando quanto à matéria de exceção, que o superior hierárquico com competência disciplinar para a decisão e aplicação de sanções disciplinares, a diretora de relações laborais, apenas teve conhecimento da matéria em causa em 07-06-2022, data em que suspendeu preventivamente o Autor e determinou a instauração do processo. Entre essa data e o dia 01-07-2022, dia em que o Autor recebeu a nota de culpa, não decorreram mais de 60 dias, pelo que não se verifica qualquer caducidade. Mais refere que, no caso, não houve qualquer inquérito prévio, pelo que não houve necessidade de interromper o prazo de caducidade com vista a elaborar a nota de culpa, esclarecendo que as auditorias realizadas não tiveram como base factos praticados entre 04 de fevereiro a 26 de abril. Quanto à invocada violação do direito de defesa, a Ré alegou que o Autor teve acesso ao processo disciplinar integral, tendo sido informado da inexistência das requeridas imagens CCTV, por terem sido eliminadas, em virtude do disposto no artigo 31º, nº2, do DL nº 34/2013, tendo sido disponibilizado ao Autor a identificação de todos os trabalhadores que participaram na contagem do numerário e/ou visualizaram em tempo as respetivas imagens. Pugnou pela improcedência da reconvenção, referindo que não foram alegados factos dos quais decorram danos a indemnizar pela Ré e em relação aos créditos laborais a título de subsídio de férias e subsídio de Natal é o Autor que se encontra em mora por não ter ido levantar o cheque relativo ao respetivo pagamento, conforme lhe foi comunicado pela Ré. O Autor apresentou requerimento, pugnando pelo desentranhamento do articulado de resposta da Ré, por extravasar a matéria passível de ser respondida. Foi proferido despacho saneador datado de 13-02-2023 (refª citius 125559374), no âmbito do qual: - Foi dispensada a audiência prévia; - Foi admitida a reconvenção; - Foi fixado o valor da causa em € 43.928,16 [com fixação do valor da ação em €2.000,00 e do valor da reconvenção em € 41.928,16]; - Foi considerada admissível a resposta da Ré à matéria da reconvenção e, bem assim, foi decidido ser de aproveitar a resposta apresentada também à matéria de exceção, ao abrigo dos princípios da agilização e simplificação processuais; - Foi decidido que a Ré instaurou o procedimento disciplinar dentro do prazo legal de 60 dias e que não ocorre a invocada exceção de caducidade; - Foi decidida a questão da invocada invalidade do processo disciplinar (com invocação da violação do direito de defesa), no sentido da sua improcedência, aí constando, para além do mais, o seguinte: «Tendo a Ré fundamentado por escrito as razões - objetivamente plausíveis, já que as imagens tinham sido destruídas por decorrência do previsto no regime legal aplicável à atividade de segurança privada - pelas quais não disponibilizou as imagens CCTV ao A., não se mostra que tenha ocorrido qualquer nulidade, que importe nesta sede declarar, já que o A. pode consultar o processo disciplinar na íntegra. Pelo que, com tal fundamento, improcede a pretensão do A.». * Custas da ação pelo A. e da reconvenção a cargo do Autor e da R. na proporção do decaímento, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficie o A. * Mantém-se o valor da ação fixado no despacho saneador. Registe e notifique.».
Inconformado com esta decisão o Autor interpôs recurso de apelação (refª citius 14940025). No requerimento de interposição do recurso, o Recorrente arguiu a nulidade da sentença, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alíneas b), c) e d) do Código de Processo Civil e com os fundamentos constantes em tal requerimento. Apresentou alegações de recurso de apelação, formulando as seguintes CONCLUSÕES [que se transcrevem]: (…) As contra-alegações apresentadas pela Recorrida/Ré foram-no extemporaneamente, pelo que assim foram consideradas por despacho refª citius 129716168 que determinou o respetivo desentranhamento. Foi proferido despacho pelo Tribunal a quo (refª citius 129038734) a admitir o recurso de apelação interposto pelo Autor, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo. No identificado despacho o Tribunal a quo pronunciou-se sobre a nulidade da sentença invocada pelo Recorrente, referindo que na motivação vertida nessa decisão o Tribunal explicou em que prova alicerçou a sua convicção sobre a matéria de facto, pelo que, sob esse prisma, não se vislumbrava a apontada nulidade, sendo que a discordância do Recorrente quanto à valoração da prova (designadamente da prova testemunhal) efetuada, seria o verdadeiro fundamento do seu requerimento de arguição de nulidade e também o fundamento do seu recurso, o que contenderia já com o mérito do mesmo, mas não integraria qualquer nulidade. Já quanto à alegação do Recorrente no sentido de que o Tribunal não se pronunciou sobre os direitos legais do trabalhador peticionados (ainda que sem concretizar qual o concreto direito, dos peticionados, é que não foi apreciado), o Tribunal a quo, considerou que ocorria a apontada nulidade, relativamente ao pedido de condenação da Ré no pagamento de uma indemnização por danos de € 2.000,00, uma vez que tal pedido não estava dependente da ilicitude do despedimento. O Tribunal a quo considerou que se impunha corrigir a sentença, apreciando tal pedido e completando a sentença na fundamentação de direito, na parte em que aprecia o pedido reconvencional e quanto a tal pedido de condenação da Ré no pagamento de uma indemnização, o que fez no identificado despacho de admissão do recurso. O Tribunal a quo decidiu corrigir a sentença proferida em 03-08-2023, ao abrigo do disposto no artigo 617.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, determinando que na parte da fundamentação de direito, na apreciação do pedido reconvencional, imediatamente antes do segmento decisório fosse acrescentado o texto vertido no despacho em referência, concluindo pela improcedência do referido pedido de indemnização. Nesse mesmo despacho foi ainda determinada a notificação nos termos e para os efeitos do artigo 617.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 1.º, n.º 2, a), do Código de Processo do Trabalho, nada tendo sido dito ou requerido pelas partes. * II – OBJETO DO RECURSO O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, que não tenham sido apreciadas com trânsito em julgado e das que se não encontrem prejudicadas pela solução dada a outras [artigos 635.º, n.º 4, 637.º n.º 2, 1ª parte, 639.º, n.ºs 1 e 2, 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (adiante CPC), aplicáveis por força do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho (adiante CPT)]. Assim, as questões a apreciar e decidir são: * III – FUNDAMENTAÇÃO 1) Decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância A decisão da matéria de facto proferida na 1ª instância é a seguinte (transcrição): «Estão provados, com relevo para a decisão da causa, os seguintes factos: (DA MOTIVAÇÃO) 1º- Por decisão da Ré A..., S.A, foi instaurado processo disciplinar, com vista ao despedimento por justa causa, ao Autor, processo no qual foram nomeados instrutores o Dr. BB e a Dra. CC, ambos Advogados, com escritório na Rua ..., ... em Lisboa, a qual, após recolhida prova elaborou a Nota de Culpa, onde se articulavam circunstancialmente os factos imputados ao mesmo, e comunicando a intenção de despedimento, através de carta registada com aviso de receção, em 30.06.2022, onde se articulavam circunstanciadamente os factos imputados ao mesmo, e comunicando a intenção de despedimento. * FACTOS NÃO PROVADOS Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a boa decisão da causa, designadamente não se provou que: - O cliente Banco 1... poderá obrigar a entidade empregadora a ressarcir aquele pelos danos provocados; - o Autor foi um trabalhador exemplar e cumpridor das suas funções durante o vínculo laboral com a Ré, cumprindo sempre com o seu trabalho com rigor e dedicação desde o primeiro dia de trabalho; - o facto de a máquina estar suja ou ter notas extraviadas conduz a situações em que o ATM dispense mais do que uma nota ao mesmo tempo, o que automaticamente interferirá com a leitura da máquina das notas restantes na caixa da máquina, bastando apenas uma pequena sujidade no leitor, para haver situações em que a máquina tenha distribuído duas notas, quando foi solicitada apenas uma nota; - para ser efetuado um descarregamento, contagem, carregamento da máquina e verificação do dispensador é necessário um tempo estimado não inferior a 15 minutos; - as auditorias devem ser realizadas pelos superiores hierárquicos dos funcionários, ou por funcionários com a mesma função, mas com equiparação de antiguidade e/ou experiência; - no dia 26 de maio de 2022, o Autor não recarregou o ATM ...18/...65/...9 - ...18 ...45; - esta conduta da Ré (de realizar auditorias às máquinas) no caso do A. foi uma “inovação” nos casos de falta de numerário; - esta conduta da Ré aparenta uma persistência no controlo ao Autor e a todos os serviços que foram efetuados por ele, e de incessante procura por uma falha; - a auditoria interna teve como base factos praticados entre 04 de fevereiro e 26 de abril e teve como objetivo principal o apuramento de factos para justificar a nota de culpa apresentada ao trabalhador; - para descarregar a máquina e voltar a carregar o ATM, tal nunca poderia ser feito em menos de 30 minutos; - o facto de alguns dos superiores hierárquicos serem menos experientes do que o Autor neste tipo de serviços é relevante nos tempos de carregamento; - para que se consiga verificar todo o circuito é necessário desmontar todo o circuito das notas, nomeadamente o dispensador e é também necessário que a equipa de auditoria esteja munida das ferramentas indispensáveis para efetuar este tipo de serviço ou então terá de se fazer acompanhar de uma equipa externa à Ré com o equipamento e a técnica necessária para desmontar todo o circuito e dispensador de notas; - e mesmo que tivesse sido feito, não era possível no curto espaço de tempo entre o início da auditoria e o fim da auditoria; - a Ré tinha total conhecimento do estado de saúde do Autor, designadamente da doença referida; - a Ré não disponibilizava as carrinhas blindadas mais recentes para os serviços do Autor; - mesmo conhecendo dos problemas de saúde do mesmo; - a Ré não respeitava as recomendações do médico, até pela recusa do pedido efetuado pelo Autor em fazer outro tipo de trabalhos, menos gravosos para a sua condição de saúde, como seria o caso da função de assistência de máquinas de multibanco; - com a sujidade da ventilação, o estado de saúde do Autor piorava bastante, vendo-se muitas vezes privado da sua voz e com dificuldades respiratórias, em virtude das más de condições de trabalho a que estava sujeito durante horas, agravando o seu problema clínico, afetando naturalmente todo o seu bem-estar, integridade física e vida privada/familiar; - foi precisamente a existência dessas falhas, e o conhecimento delas por parte do A (e, por sua vez, o claro desconhecimento do A, como dos demais trabalhadores, no que respeita às averiguações realizadas pela empresa sempre que existem discrepâncias ou circunstâncias anómalas ao normal circuito do dinheiro), que motivou o A a se apropriar de notas ao longo dos dias descritos na NC; - a SIBS, na qualidade de empresa que gere as máquinas de multibanco pertencentes às entidades bancárias, sob a qual os funcionários da Ré exercem as atividades já previamente referidas, detém um seguro contra as ocorrências de falhas no além dos próprios Bancos; - a última sanção aplicada ao Autor, em 2019, foi desproporcional e desajustada ao facto que lhe foi imputado, visto que em momento algum a quantia transportada esteve em risco e o Autor viu-se na obrigação de juntar as referidas quantias por facto não imputável a si, em concreto a ausência de sacos e por causa de um erro ocorrido no ATM.». *** 2) Da invocada nulidade da sentença Consigna-se que, não obstante o Recorrente o ter feito constar em requerimento autónomo, o que se entende não ser o modo adequado de atuação processual (atente-se que o artigo 77.º do Código de Processo do Trabalho sofreu alteração decorrente da Lei n.º 107/2019 de 9/09), não o levando às conclusões, não deixaremos de nos pronunciar sobre as nulidades da sentença que invoca. Sustenta o Recorrente que a decisão recorrida incorre em vício de nulidade, padecendo de insuficiências gravosas. Para tanto, refere, em substância, que o Tribunal a quo: - não teve em conta “a vasta fundamentação tida nos articulados do Recorrente, bem como todos os depoimentos, tanto da prova testemunhal do Recorrente como da Recorrida”; - ignora “vários factos reportados pelas testemunhas em sede de audiência de julgamento”, “desconsiderando os mesmos na hora de apreciação da sua decisão”; - “em momento algum (…) se pronuncia sobre os direitos, e garantias legais que lhe são assegurados em legislação laboral, e com ainda maior gravidade, de legislação constitucional, ignorando preceitos legais que visam precisamente assegurar uma certeza jurídica e a segurança laboral no trabalhador, e na segurança do seu trabalho!”; - omite uma análise detalhada de toda a prova documental junta pelo Recorrente, priorizando pela junção de documentação da Recorrida, sem qualquer clareza ou confirmação dos procedimentos e conclusões apuradas por aquela. Vejamos. A sentença, como ato jurisdicional que é, se atentar contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou ainda contra o conteúdo e limites do poder à luz do qual é proferida, torna-se passível do vício da nulidade nos termos do artigo 615.º do CPC. Em consonância com o entendimento pacífico da doutrina e jurisprudência, assinala-se, desde já, que as causas de nulidade constantes do elenco do n.º 1, do artigo 615.º do CPC, não incluem o “chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário”[1]. As nulidades da sentença encontram-se taxativamente previstas no artigo 615.º do CPC e reportam-se a vícios estruturais da sentença, também conhecidos por erros de atividade ou de construção da própria sentença, que não se confundem com eventual erro de julgamento de facto ou de direito. Tais nulidades sancionam, pois, vícios formais, de procedimento – errore in procedendo – e não patologias que eventualmente traduzam erros judiciais - errore in judicando. De facto, como se evidencia no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-11-2021[2] «[a] violação das normas processuais que disciplinam, em geral e em particular (artigos 607º a 609º do Código de Processo Civil), a elaboração da sentença - do acórdão - (por força do nº 2 do artigo 663º e 679º), enquanto ato processual que é, consubstancia vício formal ou error in procedendo e pode importar, designadamente, alguma das nulidades típicas previstas nas diversas alíneas do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil (aplicáveis aos acórdãos ex vi nº 1 do artigo 666º e artigo 679º do Código de Processo Civil).». Nos termos do artigo 615.º, n.º 1, a sentença é nula quando: “a) Não contenha a assinatura do juiz; b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.”. O Recorrente começa por dizer que vem arguir a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, mas depois refere e conclui pela nulidade da sentença nos termos das alíneas b), c) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, razão pela qual serão analisados tais vícios. A nulidade da sentença prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, como tem sido afirmado na jurisprudência, só se verifica quando haja falta absoluta de fundamentos, quer no respeitante aos factos, quer no tocante ao direito e não já, portanto, quando esteja apenas em causa uma motivação deficiente, medíocre ou até errada. Nesse mesmo sentido aponta a doutrina[3]. Como se pode ler no recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4-04-2024[4] (citando), «[o] vício relativo à falta de fundamentação correlaciona-se com o dever de fundamentação das decisões que se impõe ao julgador “por imperativo constitucional e legal (artigos 208.º, n.º1, da Constituição e 154.º, n.º1, do CPC) tendo ainda a ver com a legitimação da decisão judicial em si mesma e com a própria garantia do direito ao recurso (as partes precisam de ser elucidadas quanto aos motivos da decisão, sobretudo a parte vencida, para poderem impugnar os fundamentos perante o tribunal superior)” (acórdão deste Supremo Tribunal de 04-06-2019, proc. n.º 64/15.2T8PRG-C.G1.S1, consultável em www.dgsi.pt). No entanto, como é sublinhado pela doutrina (cfr. Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, 3.ª ed., Almedina, Coimbra, 2017, pág. 736) e afirmado, de forma constante, pela jurisprudência deste Supremo Tribunal (cfr., a título de exemplo, os acórdãos de 11-02-2015 (proc. n.º 422/2001.L1.S1), não publicado, de 14-01-2021 (proc. n.º 2342/15.1T8CBR.C1.S1), in www.dgsi.pt, e de 17-01-2023 (proc. n.º 5396/18.5T8STB-A.E1.S1), não publicado), só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de indicação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, gera a nulidade do acórdão, não integrando tal vício a fundamentação deficiente, errada ou não convincente.». A nulidade por falta de fundamentação apenas se verifica quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido, mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão, violando assim de forma evidente o dever de motivação ou de fundamentação das decisões judiciais. Só a ausência absoluta de uma qualquer motivação seja de facto, seja de direito conduz à nulidade da decisão. Por sua vez, quanto à alínea c) do n.º 1, do artigo 615.º do CPC, decorre do seu primeiro segmento que o vício de nulidade da sentença – fundamentos em oposição com a decisão – ocorre quando os fundamentos de facto e/ou direito invocados pelo julgador deveriam conduzir logicamente a um resultado oposto ao expresso na decisão. Está, pois, em causa um vício estrutural da sentença, por contradição entre as suas premissas, de facto e/ou de direito, e a conclusão, de tal modo que esta deveria seguir um resultado diverso. Porém, esta nulidade não abrange, como atrás já se referiu, o erro de julgamento, seja de facto ou de direito, designadamente a não conformidade da sentença com o direito substantivo. A propósito desta causa de nulidade referem A. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa[5] o seguinte: “A nulidade a que se reporta a 1ª parte da al. c) ocorre quando existe incompatibilidade entre os fundamentos e a decisão, ou seja, em que a fundamentação aponta num sentido que contradiz o resultado final. Situação que, sendo violadora do chamado silogismo judiciário, em que as premissas devem condizer com a conclusão, também não se confunde com um eventual erro de julgamento, que se verifique quando o juiz decide contrariamente aos factos apurados ou contra norma jurídica que lhe impõe uma solução jurídica diferente. A decisão judicial é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível e é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes.” Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8-04-2021[6] (citando), «[e]sta nulidade remete-nos para o princípio da coerência lógica da sentença, pois que entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica. Não está em causa o erro de julgamento, quer quanto aos factos, quer quanto ao direito aplicável, mas antes a estrutura lógica da sentença, ou seja, quando a decisão proferida seguiu um caminho diverso daquele que apontava os fundamentos. Por vezes torna-se difícil distinguir o error in judicando – o erro na apreciação da matéria de facto ou na determinação e interpretação da norma jurídica aplicável – e o error in procedendo, que é aquele que está na origem da decisão. No acórdão do STJ de 30/9/2010[3], refere-se que “o erro de julgamento (error in judicando) resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa”. Porque assim é, as nulidades da decisão, previstas no artigo 615º do CPC são vícios intrínsecos da própria decisão, deficiências da estrutura da sentença que não podem confundir-se com o erro de julgamento que se traduz antes numa desconformidade entre a decisão e o direito (substantivo ou adjectivo) aplicável. Nesta última situação, o tribunal fundamenta a decisão, mas decide mal; resolve num certo sentido as questões colocadas porque interpretou e/ou aplicou mal o direito.». O vício da ambiguidade ou obscuridade pressupõe ininteligibilidade de uma decisão ou resposta, ou seja, que não pode, com segurança, determinar-se o sentido exato dessa decisão ou resposta, quer porque não se mostra claramente expresso, quer porque contém em si mais que um sentido. Por último, quanto à nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, a decisão queda-se aquém ou foi além do thema decidendum ao qual o tribunal estava adstrito, consubstanciando-se no uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de se ter deixado por tratar de questões que deveria conhecer (no caso da omissão de pronúncia) ou por se ter abordado e decidido questões de que não se podia conhecer (no caso de excesso de pronúncia). O prescrito na citada alínea d) está em consonância com o n.º 2 do artigo 608.º, que dispõe: «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras». A nulidade em referência serve, pois, de cominação para o desrespeito do artigo 608.º, n.º 2, do CPC, reconduzindo-se os vícios aí previstos à inobservância dos estritos limites do poder cognitivo do tribunal. Como constitui também entendimento sedimentado na doutrina e jurisprudência os argumentos convocáveis para se decidir certa questão não se identificam necessária e coincidentemente com a própria questão a decidir, em si mesma considerada. Ou seja, questões e argumentos não se confundem, sendo que o dever de decisão é circunscrito à apreciação daquelas. Sobre esta matéria, e no mesmo sentido, vejam-se, entre muitos outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 8-03-2023[7], 10-12-2020[8], 10-04-2024[9] e de 1-02-2023[10]. Assim, como se assinala no citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8-03-2023, [a] nulidade por omissão de pronúncia (art. 615.º, n.º l, d), do CPC1), sancionando a violação do estatuído no nº 2 do artigo 608.º, apenas se verifica quando o tribunal deixe de conhecer “questões temáticas centrais”2 (isto é, atinentes ao thema decidendum, que é constituído pelo pedido ou pedidos, causa ou causas de pedir e exceções) suscitadas pelos litigantes, ou de que se deva conhecer oficiosamente, cuja resolução não esteja prejudicada pela solução dada a outras, questões (a resolver) que não se confundem nem compreendem o dever de responder a todos os invocados argumentos, motivos ou razões jurídicas, até porque, como é sabido, “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito” (art. 5.º, n.º 3).». A nulidade em referência, como se expõe no citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-12-2020, “apenas se verifica quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre as «questões» pelas partes submetidas ao seu escrutínio, ou de que deva conhecer oficiosamente, como tais se considerando as pretensões formuladas por aquelas, mas não, como é pacífico, os argumentos invocados, nem a mera qualificação jurídica oferecida pelos litigantes.” Importa, pois, não confundir questões com factos, argumentos, razões ou considerações. Apelando aos ensinamentos de Alberto dos Reis[11], o que importa é que o tribunal decida a questão posta, não lhe incumbindo apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão. Questões a decidir no sentido do artigo 608.º, n.º 2, são as concretas controvérsias centrais a dirimir e não os factos que para as mesmas concorrem. Não são questões a decidir os factos, nem a argumentação utilizada pelas partes em defesa dos seus pontos de vista. O facto material é um elemento para a solução da questão, não é a questão em si mesma. O juiz não está obrigado a apreciar cada um dos argumentos de facto ou de direito que as partes invocam com vista a obter a procedência ou a improcedência da ação, sendo certo que o facto de não lhes fazer referência – eventualmente por não ter considerado tais factos como relevantes no tratamento da questão – não determina a nulidade da sentença por omissão de pronúncia. A circunstância de não ter sido feita menção a um facto que poderia relevar no âmbito da valoração e aplicação das regras de direito não determina a nulidade da sentença por omissão de pronúncia prevista no artigo 615.º, alínea d), do Código de Processo Civil. A sua falta pode consubstanciar um errore in judicando ou erro judicial, mas não o indispensável errore in procedendo (vício formal), que carateriza as nulidades da sentença previstas no artigo 615.º do CPC. Refira-se que os casos de eventual omissão indevida de factos na pronúncia do tribunal sobre a matéria de facto realizada na sentença têm cobertura no âmbito previsto sobre a reapreciação da matéria de facto a que alude expressamente o artigo 662.º do CPC (cfr. n.º 2, alínea c), de tal normativo). Perante o sobredito enquadramento, e descendo ao caso dos autos, diremos, desde já adiantando a conclusão, que, ao contrário do sustentado pelo Recorrente, não ocorre qualquer dos vícios de nulidade apontados à sentença recorrida. Por um lado, e quanto à alegada “falta de fundamentação”, como vimos, para que se verificasse a nulidade com esse fundamento teria que existir uma absoluta falta de fundamentação da decisão proferida, o que não é, manifestamente, o caso. Da sentença recorrida não ressalta de modo algum uma carência absoluta de fundamentação nem de facto, nem de direito. Muito pelo contrário, a sentença recorrida contém ampla fundamentação ao nível dos fundamentos de facto (incluindo ao nível da motivação da decisão, nomeadamente o processo de formação da convicção do Juiz a quo), especificando também o direito aplicado para justificar a decisão. O Recorrente pode não concordar com a fundamentação da sentença, máxime a nível fáctico, por a considerar deficiente ou incorreta, o que se situa já ao nível da questão do erro de julgamento, mas tal não consubstancia o vício formal de falta de fundamentação. Não se verifica, pois, a nulidade em causa. Por outro lado, lida a sentença recorrida, não se identifica qualquer vício estrutural e intrínseco da sentença recorrida, que afete a sua estrutura lógica e que consubstancie uma situação de error in procedendo. Ou seja, não pode dizer-se que ocorra uma incompatibilidade entre os fundamentos e a decisão, que a fundamentação aponta num sentido que contradiz o resultado final. Não se deteta qualquer contradição, pois que, analisada a pronúncia da sentença, podendo o Recorrente divergir da solução a que na mesma se chegou, tal não se traduz, porém, na existência do vício lógico que carateriza a nulidade em causa (em que os fundamentos conduziriam logicamente, não ao resultado expresso, mas ao oposto). Na verdade, sendo ou não adequado o juízo e conclusão a que se chegou na decisão recorrida – questão esta que, como vimos, não colhe cobertura no âmbito do vício analisado e sim no âmbito de eventual erro de julgamento –, percebe-se o raciocínio seguido nessa sentença e as razões que conduziram àquela conclusão. Poderá o Recorrente divergir do entendimento seguido, seja na subsunção e consideração dos factos provados, seja depois na aplicação aos factos do direito, sendo que tal juízo não tem assento no vício que se analisa. A sentença é também perfeitamente inteligível, não se identificando qualquer vício de ambiguidade ou obscuridade. Não se pode, pois, afirmar a verificação da nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC. Por outro lado, ainda, e quanto ao invocado vício de omissão de pronúncia, pese embora o Recorrente não tivesse concretizado o concreto direito, dos peticionados, que não tinha sido apreciado, verifica-se que o Tribunal a quo admitiu a existência do vício de omissão de pronúncia relativamente ao pedido de condenação da Ré no pagamento da indemnização de € 2.000,00, tendo nessa decorrência proferido decisão a corrigir a sentença. Com efeito, na decisão com a refª citius 129038734, o Tribunal a quo apreciou o pedido indemnizatório em referência, completando a sentença na fundamentação de direito, na parte em que aprecia o pedido reconvencional e quanto a tal pedido de condenação da Ré no pagamento de uma indemnização de € 2.000,00, o qual foi julgado improcedente. O identificado despacho, tendo suprido a nulidade por omissão de pronúncia quanto ao referido pedido indemnizatório, considera-se como complemento e parte integrante da sentença recorrida, ficando o recurso interposto a ter como objeto a nova decisão, nos termos do artigo 617.º, n.º 2, do CPC (atente-se que, notificadas nos termos e para os efeitos dos n.ºs 3 e 4 do artigo 617.º do CPC, nada disseram). Mostra-se, pois, suprida a nulidade quanto à omissão de pronúncia da sentença recorrida no que respeita ao referido pedido indemnizatório. Perante tal suprimento, forçoso é concluir que a sentença recorrida, já complementada e integrada com a sobredita decisão, não deixou de apreciar qualquer questão que lhe cumprisse apreciar, relembrando-se que o vício de nulidade por omissão de pronúncia se reporta a questões e não a razões ou argumentos invocados pela parte em defesa do seu ponto de vista. Importa também relembrar, tendo em conta o invocado pelo Recorrente, que não integram o âmbito do vício em causa os casos de eventual omissão indevida de factos na pronúncia do tribunal na matéria de facto realizada na sentença, sendo certo que, quanto a esses casos, rege o regime previsto no artigo 662.º do CPC. Daqui decorre que, em face dos argumentos invocados pelo Recorrente nesta parte, ainda que se verificassem os pressupostos que indica, a situação não seria reconduzível à previsão da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, e sim, diversamente, a um erro de julgamento, no caso quanto à pronúncia em sede de matéria de facto. Tal situação pode ser sindicável em sede de recurso, podendo/devendo então o recorrente, tendo em vista afastar esse erro, dirigir o recurso à reapreciação da matéria de facto, como aliás o fez o Recorrente, sem prejuízo de se exigir nesse caso o cumprimento, por apelo ao disposto no artigo 640.º do CPC, dos ónus legais aí estabelecidos (questão que irá ser apreciada no ponto subsequente). O CPC prevê, de facto, norma específica em sede de pronúncia sobre a matéria de facto, assim o regime previsto no n.º 2 do artigo 662.º do CPC, como seja as suas alíneas c) e d) - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente: (…) c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta; d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.” Ao contrário do que sustenta o Recorrente, não se vislumbra que tenha sido proferida qualquer decisão surpresa, com ofensa dos respetivos direitos constitucionais a uma tutela jurisdicional efetiva. Com a necessidade de observância do princípio do contraditório (artigo 3.º, n.º 3, do CPC) visa-se evitar as chamadas decisões surpresa, ou seja, aquelas com que as partes não poderiam razoavelmente contar. Tal princípio do contraditório proíbe, pois, as chamadas decisões surpresa, ao impedir que o tribunal tome conhecimento de questões, ainda que de apreciação oficiosa, sem que as partes tenham prévia oportunidade de sobre elas se pronunciarem, a não ser que a sua audição se revele manifestamente desnecessária. A decisão surpresa vale para as situações em que o juiz, de forma inesperada, opta por uma solução jurídica que as partes, pelas posições assumidas no processo, não poderiam prever. No mesmo sentido, elucida o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24-02-2015[12], “[A] decisão surpresa faz supor que a parte possa ser apanhada em falta por uma decisão que embora pudesse ser juridicamente possível, não esteja prevista nem tivesse sido por si configurada”. Visa-se evitar a surpresa de se decidir uma questão com que se não estava a contar. Em suma, em obediência ao princípio do contraditório e salvo em casos de manifesta desnecessidade devidamente justificada, o juiz não deve proferir nenhuma decisão, ainda que interlocutória, sobre qualquer questão, processual ou substantiva, de facto ou de direito, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que previamente tenha sido concedida às partes a efetiva possibilidade de a discutir, contestar e valorar. Ora, no caso, não pode afirmar-se que a sentença recorrida consubstancie uma decisão surpresa no sentido acima delimitado, sendo certo que não se extravasaram os estritos limites do poder cognitivo do tribunal. O Tribunal recorrido não ultrapassou o thema decidendum, relativamente ao qual as partes tiveram oportunidade de se posicionar, discutir e valorar. O Tribunal recorrido também não omitiu o tratamento e a solução das questões suscitadas (questões no sentido acima definido). Em conclusão, percorrendo as considerações efetuadas pelo Recorrente em sede do vício de nulidade que aponta à sentença, o que sucede é que o mesmo discorda da sentença proferida, assentando a sua discordância em eventuais erros de julgamento, mas o error in judicando, como vimos, não consubstancia qualquer um dos vícios de nulidade da sentença previsto no artigo 615.º do CPC. Pelo exposto, e sem necessidade de considerações adicionais, conclui-se que a sentença recorrida não enferma de qualquer vício formal de nulidade previsto no artigo 615.º do CPC, improcedendo a arguida nulidade da mesma. *** 3) Impugnação da decisão relativa à matéria de facto No recurso, o Apelante vem impugnar a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª instância em sede de matéria de facto. O Exmº Srº Procurador-Geral-Adjunto neste Tribunal da Relação, pronunciou-se no sentido de ser evidente a fragilidade argumentativa do Recorrente quanto à impugnação da matéria de facto apresentada quanto ao ponto 77 dos factos provados, por incorreta observância do ónus a que se alude no artigo 640.º do CPC., o que refere ser causa de imediata rejeição do recurso nessa parte. Preliminarmente, importa enquadrar os termos em que está prevista a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, já que haverá desde logo que aferir se foram observados os ónus estabelecidos pelo legislador a cargo da parte recorrente. Vejamos. Como refere António Santos Abrantes Geraldes[13], quanto às funções atribuídas à Relação em sede de intervenção na decisão da matéria de facto, “foram recusadas soluções maximalistas que pudessem reconduzir-nos a uma repetição dos julgamentos, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas e relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente”. Em conformidade, refere-se no Acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 17-04-2023[14] que no caso «de impugnação da decisão sobre a matéria de facto com fundamento em erro de julgamento, é necessário que se indiquem elementos de prova que não tenham sido tomados em conta pelo tribunal a quo quando deveriam tê-lo sido; ou assinalar que não deveriam ter sido considerados certos meios de prova por haver alguma proibição a esse respeito; ou ainda que se ponha em causa a avaliação da prova feita pelo tribunal a quo, assinalando as deficiências de raciocínio que levaram a determinadas conclusões ou assinalando a insuficiência dos elementos considerados para as conclusões tiradas. É que, a reapreciação pelo Tribunal da Relação da decisão da matéria de facto proferida em 1ª instância não corresponde a um segundo (novo) julgamento da matéria de facto, apenas reapreciando o Tribunal da Relação os pontos de facto enunciados pelo interessado (que circunscrevem o objeto do recurso).». O artigo 640.º, n.º 1, do CPC, impõe ao recorrente, na impugnação da matéria de facto, a obrigação de especificar, sob pena de rejeição: a) “os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados” [tem que haver indicação inequívoca dos segmentos da decisão que considera afetados por erro de julgamento; ou seja, essa indicação tem que ser de molde a não implicar uma atividade de interpretação e integração das alegações do recorrente, tendo o tribunal que encontrar na matéria de facto provada e não provada a matéria que o mesmo pretenderia impugnar, o que, aliás, está vedado ao tribunal, face ao princípio do dispositivo]; b) “os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida” [tem que fundamentar os motivos da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios de prova produzidos – constantes dos autos ou da gravação – que, no seu entender, implicam uma decisão diversa da impugnada]; c) “a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”. Por sua vez, e no que respeita ao ónus previsto na alínea b), determina o legislador no n.º 2 do mesmo artigo que se observe o seguinte: a) “quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”; b) “independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes”. O citado artigo 640.º impõe, pois, um ónus rigoroso ao recorrente, cujo incumprimento implica a rejeição imediata do recurso[15]. Importa consignar que se entende inexistir despacho de aperfeiçoamento quanto ao recurso da decisão da matéria de facto. Neste sentido, vejam-se, entre outros, os recentes Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 6-02-2024[16] e de 23-01-2024[17]. Este entendimento vem também sendo seguido nesta Secção Social, de forma que se pensa unânime, e de que é exemplo o Acórdão de 5-06-2023[18]. Tal entendimento é também defendido por António Santos Abrantes Geraldes[19]. Assim, e como também evidencia António Santos Abrantes Geraldes[20], a rejeição do recurso (total ou parcial) respeitante à matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações (o elenco indicado tem por base o entendimento jurisprudencial que vem sendo sufragado nesta matéria, máxime pelo Supremo Tribunal de Justiça): a - Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto [artigos 635.º, n.º 4 e 641.º, n.º 2, alínea b), do CPC)]; b - Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados [artigo 640.º, n.º 1, alínea a), do CPC)]; c - Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc); d - Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda; e - Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento de impugnação. No que respeita à situação plasmada na alínea e), tenha-se presente que o Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão n.º 12/2023[21], uniformizou jurisprudência nos seguintes moldes: «Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações.». Como sublinha António Abrantes Geraldes[22], as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor, decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconformismo. Contudo, importa que não exponenciem os requisitos formais a um ponto que seja violado o princípio da proporcionalidade e seja denegada a reapreciação da decisão da matéria de facto com invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara na letra ou no espírito do legislador. O Supremo Tribunal de Justiça teve já oportunidade de se pronunciar sobre o artigo 640.º do CPC, em inúmeros arestos, como seja o Acórdão de 30-11-2023[23], que refere: “Como tem sido enunciado pela jurisprudência deste STJ - ver por todos o ac. de 29.10.2015 no processo nº 233/09.4TBVNG.G1.S1 in dgsi.pt – este regime consagra um ónus primário ou fundamental de delimitação do objeto do recurso e de fundamentação concludente da impugnação e um ónus secundário, tendente a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida. O ónus primário é integrado pela exigência de concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, da especificação dos concretos meios probatórios convocados e da indicação da decisão a proferir, previstas nas als. a), b) e c) do nº1 do citado art.640º, na medida em que têm por função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto. O ónus secundário traduz-se na exigência de indicação das exatas passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, contemplada na al. a) do nº 2 do mesmo art. 640 tendo por finalidade facilitar a localização dos depoimentos relevantes no suporte técnico que contém a gravação da audiência. De acordo com esta delimitação entende-se que, não sendo consentida a formulação ao recorrente de um convite ao aperfeiçoamento de eventuais deficiências, deverá ter-se atenção se as eventuais irregularidades se situam no cumprimento de um ou outro ónus uma vez que a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº1 do referido art. 640º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada, enquanto a falta ou imprecisão da indicação das passagens da gravação dos depoimentos a que alude o nº 2, al. a) terá como sanção a rejeição apenas quando essa omissão ou inexatidão dificulte, gravemente, o exercício do contraditório pela parte contrária e/ou o exame pelo do tribunal de recurso – vd. Abrantes Geraldes in “ Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2018, 5ª ed. , págs. 169 a 175. A leitura interpretativa do art. 640 do CPC processa-se seguindo a ideia base de no cumprimento dos ónus, reportando sempre a um caso concreto, preferir o mérito e a substância sobre os requisitos ou exigências puramente formais, não esquecendo nunca que estes requisitos de forma devem ser respeitados de forma a permitirem, sem necessidade de serem completados por qualquer esforço interpretativo da responsabilidade do julgador (e do recorrido), um acesso fácil e direto ao objeto da impugnação: aos concretos factos que se impugnam; aos concretos meios de prova e razões que impunham decisão diversa; e a decisão que diversamente se protesta dever ser proferida. Não se extraindo diretamente do enunciado do art. 640 do CPC que o recorrente quando impugne a matéria de facto tenha de replicar uma fundamentação igual ou semelhante à que deve ser observada pelo julgador nos termos do art. 607 nº4 primeira parte do CPC - que reporta à análise crítica da prova e à especificação dos fundamentos decisivos para a convicção -, a aparente inexistência desta obrigação apenas pode ser entendida como advertência para que a impugnação que realize deva ser precisa, clara e completa, de acordo com o que a lei lhe exige e a finalidade a que se destina. Deve indicar quanto a cada facto impugnado os concretos meios de prova em que baseia a sua discordância, sendo que “concreto meio de prova” no que se refere às testemunhas não é a transcrição de todo o depoimento, mas apenas o segmento decisivo e relevante quanto ao facto singular impugnado, do mesmo modo que, quanto aos documentos, não é apenas a identificação do mesmo. Podemos então ver como contrapartida à obrigação de o tribunal fazer a análise crítica das provas (de todas as provas que se tenham revelado decisivas), aquela outra que impende sobre o recorrente ao ter de enunciar sobre cada concreto facto os concretos meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa – não esquecendo a necessidade de o julgador perceber das alegações a análise (necessariamente crítica) que o recorrente faz não bastando reproduzir um ou outro segmento dos depoimentos. Sendo mais ou menos exigível, segundo o caso, que o recorrente explicite a sua discordância fundada nos concretos meios probatórios ou pontos de facto que considere incorretamente julgados, certo é que as insuficiências, discrepâncias ou deficiências da prova produzida têm de resultar do que e como se alegue e conclua, no confronto com o resultado que pelo Tribunal foi declarado. (…)”. O recente Acórdão da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça de 17-04-2024[24], dá nota do seguinte: “Tem sido entendimento consolidado deste STJ e secção social que a verificação do cumprimento dos ónus de alegação, previstos no artigo 640.º do Código de Processo Civil, no que respeita aos aspectos de ordem formal, deve ser norteada pelo princípio da proporcionalidade e da razoabilidade, tendo em conta o caso concreto, o número de factos impugnados e o número de meios de prova, nomeadamente depoimentos, devendo evitar-se formalismos excessivos.- Ac. de 13-01-2022, Proc. n.º 417/18.4T8PNF.P1.S1, e de 08-07-2020. Proc. n.º 4081/17.0T8VIS.C1-A.S1, entre muitos outros. Na impugnação da decisão sobre a matéria de facto, os apelantes têm obrigatoriamente, sob pena de rejeição, de cumprir os ónus elencados no art. 640.º do C.P.C., nomeadamente os concretos pontos de facto que consideram incorretamente julgados, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.- Ac. de 30-03-2022, Proc. n.º 330/14.4TTCLD.C1.S1. Independentemente das exigências especificamente contidas no art. 640.º, do CPC, o recorrente -em qualquer recurso - não pode dispensar-se de claramente explicitar os "fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão" (art. 639.º, n.º 1, do mesmo diploma), resultando da articulação destas disposições legais que o recorrente é onerado com imposições (de motivação) situadas em dois planos que, sendo complementares, têm natureza diversa: i) por um lado, impõe-se-lhe a precisa delimitação do objeto do recurso; ii) por outro lado, exige-se-lhe a efectiva e clara compreensibilidade das razões em que assenta o recurso, por forma a que na sua apreciação o tribunal não se confronte com dificuldades desmesuradas, nem demore tempo excessivo- Ac. de 06-07-2022, Proc. n.º 3683/20.1T8VNG.P1.S1. A inobservância da exigência da indicação exacta das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, o seu incumprimento ou o cumprimento deficiente apenas acarreta a rejeição nos casos em que dificultem, gravemente, a análise pelo tribunal de recurso e/ou o exercício do contraditório pela outra parte- Ac. de 24-03-2021 Proc. n.º 7430/17.7T8LRS.L1.S1, e de 21-03-2019, Proc. nº 3683/16.6T8CBR.C1.S2. Não cumpre os ónus da alínea b) do n.º 1 e da alínea a) do n.º 2 do art. 640.º do CPC o recorrente que mais não faz do que mencionar, sem qualquer outra particularização ou esclarecimento, o início e o termo das horas em que se processaram os depoimentos das pessoas em que se apoia, tudo como constante (com ligeiríssima diferença) do que consta da acta da audiência- Ac. de 18-06-2019 , Proc. nº 152/18.3T8GRD.C1.S1. Não existe dificuldade relevante na localização pelo Tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado para demonstrar o invocado erro de julgamento nos casos em que, para além de o apelante referenciar, em função do conteúdo da acta, os momentos temporais em que foi prestado o depoimento, tal indicação é complementada com a indicação do inicio e termo dos depoimentos, com a indicação do inicio das passagem dos depoimentos com referência ao tempo de gravação e ainda com a transcrição de excertos desses depoimentos- Ac. de 16-12-2020, Proc. nº 8640/18.5YIPRT.C1.S1. Não se exigindo um excessivo formalismo, em todo o caso, há sempre um “mínimo” a cumprir, sem o qual ainda estaremos no âmbito do requisito formal do ónus de impugnação- Ac. de 07-07-2021, Proc. n.º 682/19.0T8GMR.G1.S1 Tendo-se o recorrente limitado a transcrever parte dos depoimentos das testemunhas em que se baseia, fazendo referência apenas ao início desses depoimentos é de considerar que o recorrente não cumpriu com os referidos ónus de impugnação- Ac. de 09-03-2021, Proc. n.º 2028/12.9TBVCT-D.G1.S1”. No entanto, como também se dá conta no recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-01-2024[25], os princípios gerais de proporcionalidade e razoabilidade «têm essencialmente uma função moderadora da rigidez e do exacerbado formalismo na análise do cumprimento do artigo 640.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, funcionando como uma espécie de filtro de segurança do sistema, sem que, em circunstância alguma, devam servir como forma de desculpabilização, panaceia ou manto (ilimitado) de cobertura e salvaguarda de falhas ou omissões, quando é evidente o não acatamento de cada uma das obrigações processuais aí especificamente exigidas, com o inerente prejuízo para o exercício do contraditório que assiste à outra parte». Feitas estas considerações, haverá agora que incidir a análise sobre o caso vertente. Por um lado, analisado o recurso do Recorrente (alegações e conclusões), verifica-se que o mesmo incide sobre impugnação da matéria de facto. Um ónus primário ou fundamental de delimitação do objeto do recurso a cargo do recorrente que impugna a decisão da matéria de facto, como vimos, é a exigência de concretização dos pontos de facto incorretamente julgados e de indicação da decisão a proferir sobre essas questões de facto impugnadas (artigo 640.º, n.º 1, alíneas a) e c), do CPC). Neste conspecto, importa salientar, recorrendo para tanto ao exposto no Acórdão desta Secção Social de 13-11-2023[26], o seguinte: «[s]endo o objeto do recurso, como é, delimitado pelas conclusões, a parte que pretenda impugnar a decisão da matéria de facto deverá indicar nas conclusões, do recurso, por estas consubstanciarem a delimitação do objeto do recurso no que tange à matéria de facto; ou seja, delimitando as conclusões o que se pretende com o objeto do recurso, deverá o Recorrente nelas indicar o ou os concretos factos de cuja decisão se discorda. Diga-se que tal indicação deve ser feita por referência aos concretos factos que constam da decisão da matéria de facto e/ou dos articulados e não por referência a meros “temas” das questões de facto sobre as quais o Recorrente discorde.». Ou seja, em termos de ónus a cumprir pelo recorrente quando pretende impugnar a decisão sobre a matéria de facto, sempre terá de ser alegada e levada para as conclusões, a indicação dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, na definição do objeto do recurso. Neste sentido também o citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-10-2023 que, muito embora apenas tenha fixado jurisprudência a respeito da alínea c) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, na sua fundamentação pronunciou-se a respeito da exigência contida na alínea a) do n.º 1 desse mesmo normativo. No caso, o ponto 77 da matéria de facto provada é o único concreto ponto da matéria de facto que se pode considerar como impugnado pelo Recorrente em sede de matéria de facto, sendo certo que é o único que aparece mencionado em sede de conclusões do recurso – cfr. conclusão 11. pág. 60 do recurso. É também possível perceber que o Recorrente considera que não devia ter sido dada como provada a matéria constante desse ponto 77 dos factos provados [que tem a seguinte redação: “O Autor apropriou-se do montante de € 50,00 no dia 18-05-2022 e, no dia 26.05.2022, do montante de € 80,00 (40,00 x 2 vezes), o que perfaz a importância total de € 130,00.”]. Percorridas as conclusões de recurso nenhum outro facto concreto vem aí especificado como sendo considerado incorretamente julgado. Ou seja, além desse ponto 77, por referência à decisão da matéria de facto (factos provados e não provados), não é indicado qualquer outro facto concreto de cuja decisão o Recorrente discorde. Refira-se que, mesmo quanto ao ponto 77, a única expressa menção que é feita acontece na referida conclusão 11., no seguinte contexto que se transcreve: «Aquela que era a testemunha capacitada para a realização de auditorias, dado o cargo que exerce e melhor descrito supra, II, afirma em juízo, de forma convicta e plena, que é incapaz de assegurar que o Recorrente se apropriou de 130 euros. Tal afirmação tem evidente peso para a boa decisão da causa, sendo evidentemente contraditório com a “tese” idealizada pela Recorrida de que o Recorrente se teria apropriado da referida quantia, e que surpreendentemente, não só o douto Tribunal concorda, tal como referido em 77 dos “factos provados”, como omite e desconsidera tal depoimento, desconhecendo-se os motivos para tal!». O certo é que nessa conclusão é feita menção expressa a esse ponto da matéria de facto e, compaginando a leitura conjunta das conclusões e da motivação, é possível alcançar por forma inequívoca que o Recorrente considera incorretamente julgado esse concreto ponto no sentido de que entende que deveria ser julgado não provado [Cfr. pág. 56 da motivação onde consta: “Torna-se por demais evidente que a sentença proferida carece de fundamento legal, de prova sólida, que cabalmente confirme que o Recorrente se apropriou, do que quer que seja”; conclusão 40. “Tornando-se por demais evidente que a sentença proferida carece de fundamento legal, de prova sólida, que cabalmente confirme que o Recorrente se apropriou, do que quer que seja (…)”]. Assim, e procurando reverenciar um entendimento que privilegie o mérito e a substância sobre exigências formais, entende-se que o Recorrente terá cumprido o mínimo exigível quanto ao referido ónus primário em sede da exigência da especificação daquele concreto ponto de facto (ponto 77.) como considerado incorretamente julgado e de indicação de que entende que deverá ser considerado não provado (alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC). O objeto da impugnação da matéria de facto apresentada pelo Recorrente apenas se poderá considerar, pois, como reportada à impugnação do ponto 77 dos factos provados, visando que o mesmo seja considerado como não provado. Por outro lado, o Recorrente coloca em causa a razoabilidade e solidez da convicção formada pelo Tribunal a quo quanto à demonstração da matéria vertida no ponto impugnado (ponto 77 dos factos provados), tecendo considerações sobre as auditorias que terão sido efetuadas pela Ré e a falta de suporte documental das mesmas e, bem assim, sobre o conteúdo dos depoimentos e declarações prestados em sede de audiência de julgamento. Para a impugnação em referência, e no âmbito de tais considerações, o Recorrente refere-se aos depoimentos prestados pelas testemunhas II, VV, WW, FF, XX, EE, DD, LL, QQ, KK, NN, PP, RR, TT, YY, ZZ e, bem assim, às suas próprias declarações de parte. Sucede que, relativamente à prova pessoal, gravada, constata-se que: - Quanto às suas declarações de parte e aos depoimentos prestados pelas testemunhas WW, FF, XX, EE, DD, LL, QQ, KK, NN, PP, RR, TT, YY, ZZ, o Recorrente não menciona na “fundamentação/corpo” da alegação de recurso ou nas respetivas “conclusões”(entendendo-se que seria suficiente a indicação/concretização na respetiva fundamentação) quaisquer passagens da gravação tidas por relevantes para a pretendida modificação da matéria de facto, sendo que, e tratando-se de um procedimento facultativo, também não procede à transcrição de qualquer excerto desses depoimentos que tivesse por relevante. No que respeita a tal prova o Recorrente, aliás, nem sequer indica as sessões de julgamento em que terá sido gravada, muito menos identifica o ficheiro em que terão sido gravados os referidos depoimentos e declarações de parte. O Recorrente sequer invoca as gravações em bloco (com indicação do início e do fim), sendo certo que não procede a qualquer transcrição de qualquer gravação dessa prova (nem global, nem parcial). Atente-se que, por vezes, na motivação do Recorrente constam transcrições, verificando-se que se tratam de excertos da motivação da matéria de facto constantes da sentença recorrida. Exemplificando o procedimento em causa, * Veja-se na pág. 20 das alegações em que se refere: “As testemunhas arroladas pelo Recorrente, como o caso das testemunhas FF, XX, FF, EE, ou DD, todos elementos (ou ex-elementos da Recorrida com vários anos de experiência em VTV) afirmam perentoriamente, de forma segura, que por forma a ser efetuada uma auditoria a uma máquina de ATM, cumprindo-se com todos os procedimentos exigidos, demoraria sempre significativamente mais tempo do que o que é descrito em procedimento disciplinar pela Recorrida.” – sem qualquer indicação quanto à gravação dessa prova; * Veja-se na pág. 21 das alegações em que se refere: “Tendo inclusive em conta, diferentemente do que transparece em sentença, da parte da testemunha da Recorrida, LL, que novamente em discurso incoerente, referiu que para realização de um carregamento de uma máquina de ATM, demoraria sensivelmente 15 minutos, sendo que, para a realização de uma auditoria completa (onde se inclui o dito carregamento), demoraria também 15 minutos.” – sem qualquer indicação quanto à gravação dessa prova; * Veja-se na pág. 23 das alegações em que se refere: «Tão ou mais grave do que isso prende-se com o referido posteriormente pela dita testemunha, LL, e que aqui se cita “Não sabe ao certo quanto tem durou cada uma dessas verificações/auditorias que efetuaram à máquina e referiu que não estava preocupado com o tempo, afirmando que uma auditoria pode demorar cerca de 15 minutos; o que afirma é que a ideia que lhe foi transmitida é que era verificar o dinheiro (quanto) existia na máquina ATM e se podiam existir notas fora dos cacifos, ou presas e foi isso que fez, sendo que a verificação se existiam notas fora do sítio é feita a olho nu. Ainda quanto ao tempo necessário para fazerem essa verificação às máquinas, esclareceu que a contagem das notas demora sempre o mesmo tempo” (sublinhado nosso).»;«Se tal não bastasse, termina a testemunha mencionando que caso houvesse diferença de valores na contagem “Como faltou dinheiro, refere que contaram duas vezes o dinheiro, pois tinham decidido que quando fosse detetada uma falha, contavam o dinheiro duas vezes.”- Estas citações não consubstanciam qualquer transcrição relativa a qualquer excerto da gravação do depoimento da testemunha LL, traduzindo, sim, transcrição de parte da motivação da sentença recorrida em sede de valoração do depoimento dessa testemunha. Muitos outros exemplos poderiam ser aqui plasmados, em que são feitas transcrições da motivação da sentença recorrida em sede de valoração dos depoimentos prestados (v.g. págs. 24, 26, 28, 29, 32, 33, 34, 35, 36, 43, 53, 54, 55, 56) e tecidas considerações sobre o que terá sido dito/mencionado pelas ditas testemunhas e pelo próprio Recorrente, sempre sem que seja feita qualquer indicação quanto à gravação dessa prova, conforme acima explicitado. - No que se refere ao depoimento prestado pela testemunha II, apesar de o Recorrente tecer também considerações sobre o que a mesma terá mencionado no seu depoimento (sem que o faça em modo de transcrição de excertos do respetivo depoimento por apelo à prova gravada), o certo é que, a dado ponto das alegações, mais precisamente nas páginas 13 a 15, o Recorrente apela ao depoimento gravado dessa testemunha, identificando a sessão de julgamento em que prestou depoimento e o ficheiro de gravação do mesmo. Esse ficheiro de gravação reporta-se a todo o depoimento prestado pela testemunha em causa (que teve uma duração de cerca de 02:43:01). No entanto, a verdade é que acaba também por localizar (ainda que na maior parte dos casos sem o devido rigor, já que não situa sempre o inicio e o termo do excerto da gravação que entende relevante, apenas indicando o seu início) as passagens da gravação que em seu entender justificam a alteração pretendida e cita pequenas passagens em itálico que corresponderão à transcrição de excertos que considerará relevantes. Veja-se, neste particular, o procedimento seguido pelo Recorrente (citando o que consta das alegações): «A rondar o registo de tempo de 01:59:00, aquando da questão sobre o facto de não ter estado presente em todas as auditorias, e se ainda assim poderia assegurar que os trâmites teriam sido cumpridos na íntegra naquelas em que esteve ausente, a referida testemunha nega isso: “não estive presente, não sei se eles efetuaram ou não” (pág. 13); «Posteriormente, e em mais um elemento determinante mencionado pela dita testemunha, na referência de tempo de 02:07:00 – 02:10:00 do seu depoimento, contrariamente ao disposto pela Recorrida na decisão final de procedimento disciplinar, menciona este “não digo que se apropriou (…)” (pág. 14); «Posteriormente, na referência de tempo de 02:19:00, corrige-se a própria testemunha com: "tira não (…) não aparece dinheiro correto na tesouraria", colocando de parte no seu depoimento da certeza de que o recorrente de facto tivesse “tirado” dinheiro, caso contrário, qual o motivo para, por sua iniciativa, expressamente retificar tal expressão. Acrescentando ainda, agora em 02:19:06: "eu tiro sempre o "tira" e o "apropriado" (…), não sei bem o que as pessoas fizeram ali, só sei que aquilo não estava certo”, posteriormente utilizando a expressão "falha" (pág. 14); «De seguida, e quando questionado sobre a referida “fiabilidade das máquinas”, acrescenta este, agora em 02:22:00 ss. do seu depoimento, quando questionado se por alguma anomalia pode a máquina vir a obter a algum erro na contagem, aquele responde perentoriamente: "sim claro!" Além disso, e agora em 02:23:30 e ss. do seu depoimento, a testemunha novamente sublinha "apropriado? não disse apropriado", sendo que de seguida quando questionado se o raciocínio de que a diferença de numerário seria de facto imputado ao recorrente era de 100% de certeza da sua parte, este responde: "não é". Seguidamente, e por sua iniciativa, agora em 02:26:00 e ss. do seu depoimento, afirma a testemunha: "não dependo hierarquicamente dos chefes do AA e da gerência do AA (…) dependo de uma hierarquia global a partir de Madrid". Ainda nessa linha de esclarecimentos, segundos depois, afirma esta testemunha, em 02:27:34 e ss. "não quero empregar a palavra apropriar (…) não sei o que é que ele fez ao dinheiro (…) se se apropriou, furtou o que é que querem chamar a isso para mim é indiferente" (…) (pág. 15). - Relativamente ao depoimento prestado pela testemunha VV, o Recorrente tece também considerações sobre o que a mesma terá mencionado no seu depoimento (sem que o faça em modo de transcrição de excertos do respetivo depoimento por apelo à prova gravada). A verdade é que, a dada altura das alegações, mais precisamente nas páginas 39 a 41, o Recorrente apela ao depoimento gravado dessa testemunha, identificando a sessão de julgamento em que o mesmo foi prestado e referindo que se reporta ao seu depoimento da parte de tarde (já que esta testemunha prestou depoimento na sessão de 17 de março de 2023, da parte da manhã e da parte da tarde – na sessão da manhã com uma duração de sensivelmente 01.53:43 e na sessão da tarde com uma duração de cerca de 1:24.22), permitindo assim com relativa facilidade a localização do ficheiro de gravação do seu depoimento. O Recorrente acaba também por localizar (ainda que sem o devido rigor, já que nunca situa o termo do excerto da gravação que entende relevante, apenas indica o seu início) as passagens da gravação que em seu entender justificam a alteração pretendida e cita pequenas passagens em itálico que corresponderão à transcrição de excertos que considerará relevantes. Veja-se, neste aspeto, o procedimento seguido pelo Recorrente (citando o que consta das alegações): «No seu depoimento, na parte da tarde, com relevo para a boa decisão da causa, é, sensivelmente ao minuto 00:48:00 questionado o mesmo sobre se, aquando dos procedimentos de averiguação de diferença de numerário, não se afiguraria como prudente questionarem-se todos os elementos envolvidos, tendo até em conta a hipótese por exemplo de rompimento de um saco, ao que o mesmo assegura: “pode-se fazer como pode-se não fazer, aqui foi opção não o fazer” (…) Posteriormente, sensivelmente ao minuto 00:49:13, assegura perentoriamente a testemunha que “as auditorias deram 100% certezas” (pág. 39); «Depois, e em mais um comportamento desigual e discriminatório na condução deste processo, confirma plenamente a testemunha, em 00:50:23, que “podem haver diferenças com outras investigações”, tornando-se inconcebível os “contornos” a que o Recorrente foi sujeito neste processo! Além disso, confirma a testemunha, em 00:51:00 e ss., que: " a auditoria feita por pessoas responsáveis da empresa (…) por vezes por 1 pessoa de um departamento independente que é o nosso departamento de segurança”, indiciando da presença da testemunha que trabalha no departamento independente, II, testemunha essa que toma a posição e declarações já analisadas previamente. Novamente em discurso discrepante com a testemunha II, assegura a testemunha VV, em 00:53:00 e ss. que:” (…) o Sr. AA subtraiu 130 euros!” Mais tarde, agora em 00:55:00 do seu depoimento, afirma que os elementos presentes nas auditorias tinham “know how”, enquanto uma das testemunhas, QQ, tem um depoimento conclusivo de que não tinha de facto esse “know how”, sendo inexperiente na área! Por fim, sensivelmente em 00:55:36 do seu depoimento, é a testemunha inquirida pelo douto Tribunal: "essas diferenças (...) foram assumidas pela A... ou o cliente é que suporta?" ao que a testemunha clarifica de imediato: "É o cliente que suporta sôtora. Nós não enviamos um email ao cliente a dizer que há uma diferença de 20 euros nesta máquina, nós reportamos em automático os valores que recolhemos, e esse valor que recolhemos é transferido para o saldo do Banco na nossa tesouraria."» (pág. 40); «E o douto tribunal de seguida questiona: “O cliente assume o custo?”, obtendo a resposta da testemunha: “Sim, é o cliente que assume”, sendo que segundos depois questiona o douto tribunal: "independentemente dos valores?", tendo obtido a resposta da testemunha: "Não, se for diferença grande tem de ter cuidado menos automático, temos de falar com os elementos do Banco diferença de 3.000,00 (…) o banco aí vai pedir justificações”»; «Concluindo-se depois, sensivelmente 00:57:00 e ss. do mesmo depoimento, em questão do douto tribunal: "o valor que vocês assumem está predefinido?" cuja resposta da testemunha foi: "sôtora está…diferenças de 20, 30 euros são em tanta quantidade que os bancos não questionam ou não tem questionado", tendo de imediato o Tribunal a quo questionado: “Este prejuízo foi suportado pelos clientes?”, concluindo a testemunha: “Sim acabou por ser suportado pelo banco!” (pág. 41). A questão que se coloca é saber se o Recorrente especificou os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre o ponto da matéria de facto impugnado diversa da recorrida, com indicação concreta quanto aos meios probatórios indicados que tenham sido gravados das passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (cfr. artigo 640.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, alínea a), do CPC). Constitui facto incontornável que, com a ressalva que adiante se efetuará quanto à prova gravada relativa aos depoimentos prestados pelas testemunhas II e VV, o Recorrente quanto à demais prova pessoal gravada a que alude não cumpre de todo com o respetivo ónus de impugnação, não fazendo qualquer delimitação por mínima que seja da prova gravada a que alude (não se trata apenas de não especificar a concreta passagem da gravação da prova em causa que imporia distinta decisão que visa, o Recorrente nem invoca sequer a data do depoimento/a sessão do julgamento, nem a hora de início e fim de cada depoimento!), sendo ainda certo que também não procede à transcrição de qualquer excerto (da gravação) que considere relevante. Estamos perante inúmeros e extensos depoimentos e declarações (no caso das declarações de parte), que terão abarcado matéria bastante diversificada, sendo ainda certo que decorre da fundamentação de facto da sentença recorrida (sob o item “Motivação”) que está em causa prova que serviu para alicerçar a convicção do Tribunal a quo não só quanto ao ponto colocado em crise pelo Recorrente como em relação ao julgamento de muita outra factualidade (não se olvide que no elenco dos factos provados constam 137 pontos, para além da matéria considerada não provada). Atente-se que o julgamento teve sete sessões, algumas das quais de manhã e de tarde, estando em causa o depoimento de 14 testemunhas e as declarações de parte do Autor. Ora, perante o acima descrito regime jurídico, quanto à prova pessoal gravada invocada pelo Recorrente na impugnação – com a ressalva, como se disse, que se fará quanto aos depoimentos das testemunhas II e VV - verifica-se no caso em apreciação ostensivo desrespeito das exigências claramente estabelecidas na lei sobre a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, dificultando gravemente (ou mesmo inviabilizando) ao tribunal de recurso a determinação dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado para sustentar o invocado erro de julgamento com base nessa prova. Verifica-se, pois, um claro incumprimento das obrigações processuais especificamente exigidas no artigo 640.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2., alínea a), do CPC quanto à prova pessoal gravada referente às declarações de parte do Recorrente e aos depoimentos das testemunhas WW, FF, XX, EE, DD, LL, QQ, KK, NN, PP, RR, TT, YY, ZZ. A tal incumprimento/falta/omissão, salvo o devido respeito por opinião divergente, e reverenciando mais uma vez os sobreditos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, terão que ser excecionadas apenas as situações das testemunhas II e VV. Quanto estas últimas testemunhas, com relevo para o cumprimento do ónus previsto no artigo 640.º, n.º 2, alínea a), do CPC, considera-se que a indicação efetuada nos moldes acima elencados, ainda que não rigorosa, não dificulta de modo relevante a localização por este Tribunal dos excertos em que o Recorrente se fundou para demonstrar o invocado erro de julgamento. Nestes termos, irá conhecer-se da impugnação, mas não poderá ser considerada a prova pessoal invocada, com exceção das duas situações referenciadas (depoimentos das testemunhas II e VV). Isto posto, vejamos agora a forma como a Mmª Juíza a quo fundamentou a sua convicção [iremos transcrever a motivação da sentença recorrida quase na sua totalidade – deixando apenas de fora a parte respeitante a factos que não têm qualquer ligação com a atuação imputada ao Autor no procedimento disciplinar para fundamentar o seu despedimento -, sendo certo que existe factualidade que se mostra necessariamente interligada]. Consta da sentença recorrida, em sede de motivação, o seguinte: «A decisão da matéria de facto no que concerne aos factos dados como provados e não provados, assentou no conjunto da prova produzida em audiência, documental, testemunhal e por declarações, que o tribunal valorou de acordo com a sua livre convicção e fazendo apelo às regras da experiência comum. (…) Quanto aos restantes factos do articulado motivador, que se prendem sobretudo com a realização das auditorias nos dias 18 a 27 de maio e a forma como foram levadas a cabo, o que as motivou e o que delas resultou, foram valorados os depoimentos das testemunhas, conjugados com os documentos juntos ao processo disciplinar. O que ressalta da prova produzida é que no processo de distribuição e recolha de valores das ATM´s (em que intervêm várias pessoas) podem existir falhas e essas falhas podem não ser intencionalmente provocadas. Tal facto não obsta, porém, a que possam existir comportamentos dos trabalhadores intencionalmente provocados, designadamente dos vigilantes de transporte de valores, que integrem infrações. Para se poder afastar, numa situação concreta, com o grau de segurança que se exige, que as diferenças de numerário não se ficam a dever a qualquer erro ou falha nesse circuito, é necessário analisar cada uma dessas fases do percurso do dinheiro (instituindo procedimentos de controlo capazes de excluir (por verificação) quaisquer erros/falhas que possam ocorrer), para se poder perceber a causa. Claro está que, não é qualquer falha de numerário que determina logo se proceda a essa análise de todo o circuito, como explicitaram as testemunhas da Ré (o que se compreende, do ponto de vista logístico e operacional, tendo em conta que estamos a falar de um universo de 3500 máquinas por todo o país e uma m´dia mensal de 16481 abastecimentos/levantamentos). No caso, a Ré vinha a constatar diferenças de numerário em ATM´s da Delegação do Porto, desde fevereiro de 2022 a abril, sendo que em todas essas situações o A. tinha tido intervenção no processo e era mesmo o denominador comum em todas essas situações. É neste contexto (aqui se afastando a ideia de que a Ré agiu movida por qualquer intuito persecutório ao A., quer fosse relacionado com o facto de ter sido subdelegado sindical - circunstância que não se apurou tivesse qualquer relação com esta decisão -, quer fosse pelo facto de há mais de dois anos ter proposto ao A. que cessasse o seu contrato de trabalho por acordo, o que se verificou não só com o A. mas com outros colegas de trabalho), que surge a decisão da Ré de mandar realizar auditorias às máquinas que iam ser intervencionadas pelo A., num determinado período temporal, precisamente para detetar o que podia estar a causar essas diferenças de numerário (nomeadamente se ocorria algum erro/falha) e se existia algum responsável pelas mesmas. A Ré realizou, no período compreendido entre 18.05.2022 e 27.05.2022, auditorias a 12 máquinas ATM manuseadas pelo A., no exercício das suas funções de porta valores, e verificaram-se diferenças de numerário em três delas. As testemunhas que intervieram nessas auditorias (tanto as que realizaram as auditorias nas máquinas ATM´s (todas com anos de experiência), como as que fizeram contagem do dinheiro e os que visualizaram as imagens CCTV correspondentes à contagem dos remanescentes dos selos ...64 e ...64 e os que visualizaram a preparação e contagem do numerário inserido no saco com o selo ...63), depuseram no essencial de forma a convencer, esclarecendo os procedimentos que adotaram em concreto, não se demonstrando que tivessem qualquer tipo de animosidade ou opinião negativa relativamente ao A., sendo certo que algumas dessas testemunhas nem sequer sabiam que o dinheiro dos sacos que estavam a contar era do A., pois os sacos são identificados com códigos e não com o nome do porta-valores, vindo apenas relatar as diferenças que constataram. Da conjugação dos depoimentos prestados por essas testemunhas e os documentos juntos aos autos de processo disciplinar, ficou o tribunal convencido da atuação do A. nos moldes em que lhe foi imputada na nota de culpa e confirmada na decisão final do processo disciplinar. Acresce ainda que, apesar de as imagens das filmagens da contagem do dinheiro (quer dos sacos com os remanescentes, quer do saco com a quantia para abastecimento) não terem instruído o processo disciplinar, por terem sido destruídas pela Ré por estar ultrapassado o prazo a que alude o artigo 31º, nº2, da Lei nº46/2019, de 08.07 (facto de que foi dado conhecimento ao A. durante o processo disciplinar, como resulta de fls. 110, tendo sido logo identificados os trabalhadores que tinham participado no processo de contagem do numerário e que visualizaram as imagens de CCTV), tendo sido lícita a sua recolha (facto que o A. nem sequer questiona), porque efetuada ao abrigo do artigo 31º, nº1, da citada lei (e Portaria nº273/2013, de 20.08, com as alterações que lhe foram introduzidas, que regula as condições específicas da prestação dos serviços de segurança privada), afigura-se-nos ser admissível o depoimento das testemunhas cujo conhecimento dos factos assenta na visualização dessas imagens (já destruídas), licitamente obtidas. Dos depoimentos dessas testemunhas, designadamente das que intervieram nas auditorias às máquinas ATM, foi possível esclarecer de forma segura o que justifica que as auditorias a essas máquinas não tivessem demorado todas o mesmo tempo (tendo todos afirmado que a contagem do dinheiro era rápida, já que era feita numa máquina de contagem de notas (que contava 1200notas/minuto) e o que podia fazer variar o tempo que demoravam prendia-se com a própria ATM, existindo algumas que por serem mais antigas, o processador da própria máquina, demorava mais nas operações que tinham de realizar; foi possível esclarecer, sem margem para quaisquer dúvidas (até porque o próprio A. o confirmou), que o código ...5 e o código ...5 correspondem exatamente à mesma ATM, situada na área reservada do exterior do Restaurante ...”, sito na Rua ..., cujo abastecimento e recolha do numerário remanescente foi efetuada pelo A no dia 26.05.2022 e que tal diferença de códigos se ficou a dever ao facto de a SIBS (a pedido do respetivo banco e por motivos a que a R é alheia), ter atualizado o código da ATM para ...9, tendo-se apurado que a R atribui, para efeitos internos, um número único a cada ATM, que neste caso, é o n.º ... (ou ...), conforme vem discriminado no diário de bordo; foi possível esclarecer a razão pela qual a máquina de contagem das notas evidenciava uma hora que não corresponde à hora em que foi feita a auditoria (tendo todos explicado, desde logo, que essa hora que consta do relógio da máquina de contar notas, que levaram, não interfere com a sua função de contagem e que se deve ao facto de essa máquina não estar ligada em rede (era apenas ligada à corrente elétrica para poder funcionar), pelo que não evidenciava a hora certa. Primeiramente, foram tidos em conta os depoimentos das testemunhas que intervieram diretamente nas auditorias realizadas, que revelaram ter conhecimento direto sobre os factos relativamente aos quais depuseram e que lograram convencer o tribunal. Foi valorado o depoimento da testemunha LL, vigilante chefe desde 2001, na Ré, tendo antes trabalhado como vigilante de transporte de valores. Referiu ainda que também participa em auditorias aos ATM´s, desde 2012. Refere que esteve presente nas auditorias realizadas na junta freguesia ..., no restaurante ... e em Paços de Brandão. No dia 18.05.2022, verificou a ATM 18kb35, e nesta primeira auditoria, o dinheiro batia certo (o montante de notas que a máquina continha correspondia ao saldo que constava do fecho contabilístico). A primeira auditoria foi feita por volta das 07h30. Nesta primeira que realizaram esteve presente ele, o II, o JJ e o KK (a ideia era na primeira irem todos, para nas seguintes fazerem sempre o mesmo procedimento) e os 4 estiveram juntos sempre a ver o que estavam a fazer, ninguém ficou cá fora a falar ao telefone. Entravam no local, abriam a porta de acesso, desligam o alarme, preparavam a máquina de contagem, punham a máquina em supervisão (tem que ter acesso a essa parte), solicitavam (ao módulo) o código do cofre, porque a chave só por si não abre. Depois de abrir o cofre, seleciona na máquina o talão que a máquina tinha que ter. Seleciona a opção reforço de notas, a máquina desprende os cacifos (primeiro verifica aqui). Puxa o dispensador, vê se há alguma nota do dispensador (nenhuma máquina tinha indicação que não estava a funcionar bem). Verificam quantas notas estão nas cassetes das digitadas, contam o dinheiro da máquina. Não viram notas perdidas em nenhuma das auditorias que realizou e estiveram sempre dois, ao pé um do outro (sendo que na primeira estiveram os 4), sendo que o objetivo era precisamente verificar se podiam existir notas fora dos cacifos, quer nos cacifos que dispensam notas, quer no cacifo das rejeitadas. Ainda nesse mesmo dia, fez outra auditoria a essa mesma máquina, por volta das 11h15 (após o A. já ter efetuado o seu serviço de carregamento e recolha do remanescente), tendo contado as notas ali existentes e verificado os montantes que estavam nos cacifos das notas de dispensação e no cacifo das rejeitadas, bem como no cofre, e o dinheiro que contaram também batia certo com os registos de saldo existente e indicado no fecho contabilístico da ATM, o número e o montante em notas que os cacifos da ATM continham correspondia ao saldo que constava do fecho contabilístico da referida ATM. Não sabe ao certo quanto tem durou cada uma dessas verificações/auditorias que efetuaram à máquina e referiu que não estava preocupado com o tempo, afirmando que uma auditoria pode demorar cerca de 15 minutos; o que afirma é que a ideia que lhe foi transmitida é que era verificar o dinheiro (quanto) existia na máquina ATM e se podiam existir notas fora dos cacifos, ou presas e foi isso que fez, sendo que a verificação se existiam notas fora do sítio é feita a olho nu. Ainda quanto ao tempo necessário para fazerem essa verificação às máquinas, esclareceu que a contagem das notas demora sempre o mesmo tempo (é muito rápida (minutos, e a máquina de contar conta milhares de notas). O que pode fazer demorar mais ou menos é o processador da própria máquina, porque há máquinas mais lentas. E esclareceu que antes de sair o primeiro comprovativo (talão) da máquina, já fez várias fases da auditoria. Ainda esclareceu que só soube depois que havia uma diferença com o numerário que constava do saco de recolha do remanescente entregue pelo A.(em confronto com o fecho contabilístico que se encontrava no interior do saco), já que nesses procedimentos de controlo que efetuou na máquina estava tudo certo. Refere que também interveio na auditoria à máquina do restaurante ...,.... No dia 25 (antes do A. intervir na máquina), foi ele e o II e no dia 27 (já depois do A. ter efetuado o serviço) foi ele e o QQ. Fizeram sempre o mesmo, tendo contado as notas ali existentes e verificado os montantes que estavam nos cacifos das notas de dispensação e no cacifo das rejeitadas, bem como no cofre. Também nesta ATM, nas duas situações, o dinheiro que contaram batia certo com o registo de saldo existente e indicado no fecho contabilístico da ATM, o número e o montante em notas que os cacifos da ATM continham correspondia ao saldo que constava do fecho contabilístico da referida ATM. E, por fim, interveio na auditoria à máquina do ex-balcão do Banco 1... de Paços brandão, .... Aqui, no dia 27.05, ele e o QQ, depois do A. ter feito o abastecimento da máquina, efetuaram uma verificação à máquina, tendo contado os montantes existentes quer nos cacifos de dispensação quer no cacifo das rejeitada, bem como no cofre e ao fazerem a contagem, e aqui verificou uma diferença, faltaram duas notas de €20; no confronto com os registos de saldo existente e indicado no fecho contabilístico, o número e montante de notas de €20 que os cacifos de ATM continham não correspondia ao saldo que constava do fecho contabilístico. (fls. 43 do processo disciplinar, faltavam duas notas de 20€). Como faltou dinheiro, refere que contaram duas vezes o dinheiro, pois tinham decidido que quando fosse detetada uma falha, contavam o dinheiro duas vezes (para se certificarem sem margem para dúvidas e daqui, salvo melhor opinião, não pode concluir-se que a máquina de contagem não contasse corretamente; o que pode concluir-se é que, como estavam a efetuar um procedimento de controlo, tinham definido que, caso se detetasse uma falha de numerário, o dinheiro era contado uma segunda vez e foi isso que fizeram). Foi isso que combinaram fazer e foi isso que fez nas auditorias em que interveio, sendo que só nesta situação verificou a falta de dinheiro. Confirmou que o recibo contante de fls. 46 do processo disciplinar foi extraído por eles (quando seleciona a opção estado dos cacifos, às 7he qualquer coisa, nesses 14 minutos fez isso que descreveu, verificar os cacifos e o cofre e contar as notas). Explicitou ainda que não tem que desmontar o dispensador para ver se tem aí notas, porque se houvesse algum problema no dispensador, isso aparecia evidenciado. E confirmou que entre auditorias, a máquina não teve intervenção nenhuma. Afirmou ainda que, em nenhuma máquina das que foi verificar tinha existido o chamado time out, (situação em que a máquina recolhe o dinheiro por o cliente não o ter levantado no tempo que dispõe para esse efeito) e que, como a máquina não faz contabilização do dinheiro que entra, esse dinheiro recolhido fica a mais. Também afirmou que não é possível irem duas notas coladas para o cliente, porque a máquina deteta que a espessura da nota é diferente, e ela é rejeitada, já não vai para a cliente; sendo que essas notas rejeitadas são consideradas existentes. E também esclareceu que a sujidade da máquina, designadamente na parte onde são dispensadas as notas aos clientes, não tem qualquer interferência, já que a máquina conta o dinheiro na parte do cofre. Além disso, se houver algum problema, a máquina fica bloqueada, não dispensa notas, por exemplo se rasgar a nota e bloquear o circuito, situação em que a máquina fica fora de serviço (o que não era o caso em qualquer uma das máquinas em que efetuou a verificação). Foi ainda valorado o depoimento de KK, que trabalha na assistência técnica (desde 2020), mas já trabalha na Ré desde 1993, como porta-valores. Confirma que participou numa auditoria à máquina no dia 18.05. A primeira que fizeram, foram os quatro juntos: ele, o II, LL e JJ, na Junta de Freguesia .... (entre as 07 e as 08h00). Descreveu o que aí fizeram (em tudo coincidindo com o já referido pela testemunha LL), foram ao local, desativaram os alarmes, colocaram a máquina em supervisão, fazem um reforço de notas (para baixarem os dispensadores de notas), abriram o cofre (tem um código que é fornecido pela base), soltam os cacifos, e verificam se está sem anomalias ou se há alguma nota fora dos cacifos. Levam os cacifos das notas de 10, de 20 e as rejeitadas, um de cada vez, para fazer a contagem. Como deu sempre o valor certo (com o que constava do fecho contabilístico), não fizeram nenhuma recontagem. Os documentos de fls. 46 do processo disciplinar, são os talões dessa auditoria, a hora que surge no ticket é quando já abriu a máquina e está a fazer o carregamento de notas, para dispensar os cacifos; verificam as existentes e batia certo com o que constava do talão do fecho contabilístico. E depois do porta-valores abastecer, voltaram a verificar a máquina. Neste segundo momento, verifica se os valores introduzidos (que o porta-valores digita que está a introduzir) coincidem com as notas existentes (e estava certo). O dispensador (só desmonta se tiver alguma anomalia), puxam para fora esse dispensador, na parte em que passa a nota viram se tinha lá alguma nota e não tinha, afirmando que foi feita essa verificação. Contavam as notas, com uma máquina da tesouraria, por cada espécie. Nas auditorias que fez, bateu sempre tudo certo. Refere que o tempo de cada auditoria é variável, mas demoraram o tempo necessário para verificarem se existiam notas fora dos cacifos, na parte do dispensador em que a nota passa e para contarem o dinheiro, não estando preocupados em contabilizar o tempo. Esclareceu ainda que a máquina, quando é feito o primeiro abastecimento, puxa uma nota para calibrar, em todas as espécies (a calibração é milimétrica). E se a nota não estiver em condições, vai para as rejeitadas. Nas situações de time out, o cliente não levanta o dinheiro e as notas são recolhidas pela máquina e vão para as rejeitadas, sendo que a máquina assinala se houve time out, sai no fecho contabilístico e nas máquinas que verificou não existia essa situação, assim como não houve intervenções técnicas na máquina entre as auditorias. Referiu que na primeira auditoria estiveram os 4 e a partir daí fizeram as verificações das máquinas dois a dois. Igualmente foi valorado o depoimento da testemunha II, que é chefe de serviços e auditor de segurança interna na Ré, competindo-lhe auditar procedimentos (operativos, de execução de serviços), que também interveio em algumas das auditorias realizadas nas máquinas manuseadas pelo A., referindo que as auditorias realizadas foram rigorosas, tendo-se verificado passo a passo todo o circuito do dinheiro. Contactaram o departamento dele, porque se estavam a verificar diferenças de numerário nas ATM´s do Porto (em vários meses seguidos) e pelos registos desses fechos contabilísticos dessas ATM´s havia um denominador comum, que era o A., para ver o que se propunham fazer para apurar o que estava a acontecer e desenharam estas auditorias: quando e como iam ser feitas, sendo que a ideia era conferirem o que se encontrava nas máquinas antes e depois do A. nelas intervir. Acompanhou o processo, para verificar se estavam a fazer as auditorias, conforme foi determinado pelo seu departamento, mas não esteve presencialmente em todas. Esteve presente na auditoria do dia 18 de maio: a 1ª máquina foi em ..., como se documenta a fls. 46 do processo disciplinar, afirmando que os apontamentos manuais aí apostos são da sua lavra. Colocaram a máquina em supervisão, pediram o código para o cofre, abrem o cofre, verificaram as existências, verificam o estado dos cacifos, puxaram o dispensador, fazem a consulta do saldo, pegam no dinheiro e contam-no, utilizando a máquina de contagem que levaram e ligaram a uma ficha (neste caso o dinheiro foi contado num salão que ali existia, perto da máquina. Aqui o dinheiro batia certo (o que estava na máquina com o que constava do saldo do fecho contabilístico); se houvesse diferença, recontavam o dinheiro, era sempre esse o princípio. Nessa auditoria esteve ele, JJ, KK, LL. Nas auditorias em que esteve presente, não detetaram falta nenhuma de dinheiro. E também não houve situações de time out, pois se houvesse a máquina tinha dinheiro a mais, o que não se verificou, assim como não houve terceiros a intervirem nas máquinas entre as auditorias. Quanto às máquinas de contagem de notas que utilizaram, são de fabricantes certificadas, auditadas pelo Banco de Portugal (a máquina de contagem que levaram não está ligada à rede informática, por isso é que a hora que aparece na máquina não está certa, mas diz que essa hora em nada interfere com a contagem das notas). O talão junto a fls. 110 verso, refere-se à auditoria à mesma máquina que fizeram após o A. ter procedido ao carregamento de notas. Depois de consultar uma agenda pessoal, já que não tinha já presente esse facto, confirma que foram realizadas auditorias a 12 máquinas e que o tempo estimado de uma auditoria a uma ATM: 10-15 minutos. Nos dias em que o A. entregou os remanescentes, observou por CCTV a descarga do veículo na garagem: põe no carro agrupador e entrega ao colega da casa forte e depois é conferido o conteúdo na tesouraria. O A. entregou todos os sacos; o colega da casa forte pica cada um dos sacos e vê se o selo se está intacto, verificando-se que não havia problemas com os sacos. Como sabia quais as máquinas que tinham sido auditadas e os selos respeitantes às mesmas, levam para a contagem os sacos respeitantes a esses selos, para serem abertos e contados na mesa. Assistiu a todas as contagens (para ver se não havia dinheiro a mais noutros sacos, por isso é que assistiu a todas). No dia 19, verificou-se uma diferença no remanescente da máquina de ...; no dia 27 diferença no remanescente da máquina da grelha, 40 euros e em paços de brandão, uma diferença de 40 euros na conferência abastecimento. À contagem dos remanescentes refere-se o documento nº48 do processo disciplinar. A contagem foi feita sempre debaixo de câmara: o operador pica o selo, está a ver que o selo está intacto; parte o selo, tira o dinheiro para cima da mesa, vira o saco ao contrário, arruma os talões dos fechos contabilísticos, põe o dinheiro em cima da máquina de contar e o dinheiro é contado. No caso dos carregamentos: o processo começa na mesa de carregamentos, recontadas as notas antes de entrarem nos sacos que o A. ia levar na rota dele. Viu o saco a ser fechado e selado e colocado no carro agrupador da rota dele (previamente programada). O A. quando carrega a viatura blindada também confere os sacos. Refere que nestas auditorias contaram o dinheiro antes e depois do A. intervir nas máquinas, para afastar que outro trabalhador pudesse ter tido intervenção e para verificar se existiam anomalias nas ATM ou erros humanos, e neste caso não havia anomalias. É por isso que consegue afirmar que foi o A. que provocou as diferenças verificadas nas três máquinas identificadas, tendo dito ao A., cara a cara, que não estava lá à frente dele se não tivesse a certeza que tinha sido ele a provocar essas diferenças de numerário, e que o A. apenas lhe disse “eu não posso assumir”. Foi ainda valorado o depoimento da testemunha MM, operadora de valores na Ré há 12 anos. Preencheu o documento nº49, do processo disciplinar, onde coloca o código da máquina (código SIBS e código interno), o nº do selo (...64) e o 117 é o número do posto dela, precisamente porque verificou uma anomalia na contagem, aquela ATM trazia dinheiro a menos (menos 50 euros face o que constava do fecho do saldo contabilístico). Estes sacos foram-lhe trazidos pelo chefe de turno, se não bater certo, chama o chefe de serviço, para ele também vir verificar, está ao lado dela, sendo que todo o processo de contagem é feito debaixo da câmara. Quando há diferença contam duas vezes, como sucedeu neste caso, não sabendo precisar quanto tempo demorou a contagem. Quando fez a contagem na tesouraria do selo nº...64, nem sequer sabia quem era o trabalhador que manuseou o saco e o selou. Só identifica o nº selo e a máquina, desconhecendo nesse momento quem é o porta-valores que selou o saco. Igualmente foi valorado o depoimento da testemunha NN, gestor de turno há 13 anos na Ré, trabalhando na tesouraria, tendo antes sido operador de valores. Refere que, quando existem auditorias na tesouraria, são informados que vai haver auditoria a determinadas máquinas (como sucedeu nos dias 19, 20 e 27 de maio e 01 de junho), e separam as máquinas das auditorias: duas pessoas para fazer o carregamento e duas na contagem. Também afirmou que não sabem quem é que está a ser visado (designadamente se há um trabalhador em concreto que está a ser visado) quando é solicitada a auditoria. Confirma o que consta da informação interna contante do documento nº48 do processo disciplinar, tendo estado presente nessas auditorias. No dia 19.05, esclareceu que a máquina ATM é identificada por códigos: o do cliente ...18/...53/...4; o código deles (interno) é 18/...(este é que lhes interessa), que são códigos únicos. Toda a operação de contagem do dinheiro que vem dentro do saco é filmada. O saco é colocado em cima da mesa, verificam o selo e o saco (para verificar se estão intactos), picam o selo, quebram o selo, abrem o saco, despejam o dinheiro, viram ao contrário o saco. Contam o dinheiro, e se não bater certo (com o que consta do talão do saldo contabilístico, neste caso junto a fls.46), recontam. Verificam mesmo o espaço físico ali à volta, para ver se não fica nada. Foi isso que foi efetuado nesta contagem. No dia 27 de maio, fizeram a mesma coisa, a mesma verificação, com o que consta do talão junto a fls.45 do processo disciplinar, logo explicando que o número interno do cliente (dessa máquina ...18/...15/...1) não corresponde ao que consta desse talão (...9), porque o cliente pode mudar o número, mas o número interno dessa máquina (atribuído pela Ré) é sempre o mesmo (18/...), não existindo assim qualquer dúvida que esse talão respeita à máquina com o número interno 18/.... Segundo referiu, de forma clara, na tesouraria, fazem a contagem do remanescente, e registam se houver diferenças, ou a mais ou a menos; mas não sabe a que se devem essas diferenças e nem lhe compete averiguar os motivos. Quando está a fazer a contagem do dinheiro para colocar nos sacos que se destinam aos carregamentos, se se enganar a contar (e colocar um maço a mais ou a menos num saco), vai haver sobra ou falta de dinheiro no fim do serviço, porque o dinheiro é colocado certo para encher os sacos. Aí, comunica ao chefe de serviço, vão verificar as imagens, até detetar o saco onde há diferença. E mesmo que, nos dias de muito serviço, deixem sair o saco onde há diferença, o problema é logo detetado e é logo sinalizado. Só podem contar dinheiro debaixo de câmara. O dinheiro vem em maços de 100 notas, o que colocam dentro do saco que vai para as ATM é sempre em maços de 100. Em todas as máquinas auditadas, estas e outras, recontam o dinheiro, é este o procedimento. E o dinheiro é contado em máquinas de contagem de notas, não tendo conhecimento de erros na contagem por parte dessas máquinas que utilizam na tesouraria. Igualmente se atendeu ao depoimento da testemunha PP, operadora de valores da Ré há 5 anos. Depôs de forma clara e coerente, revelando ter conhecimento direto sobre os factos sobre que depôs. Trabalha na tesouraria e conta dinheiro de clientes. Afirmou que só consegue aperceber-se que estão a fazer auditorias, porque nessas situações, o chefe está lá ao lado dela, a ver a contagem que está a efetuar, mas não sabe quem é que está a ser auditado, quem é o trabalhador em concreto. Recebe o saco do chefe de turno, saco esse que vem selado (lêem o selo, o código de barras), corta o selo, tira o dinheiro, viram do avesso o saco e contam o dinheiro, na máquina de contagem. Tudo na mesa onde existem câmaras para filmar o que está a fazer. Confirma que é sua a assinatura que consta dos documentos de fls. 51 e 50 do processo disciplinar, que elabora quando há diferenças (entre o dinheiro que conta e o que consta do fecho do saldo contabilístico). Os talões dos fechos contabilísticos também vêm dentro do saco com o dinheiro remanescente que tiram das ATM´s. Como se verifica uma diferença entre o dinheiro que traz o saco e o valor que consta dos talões, preenche a folha que consta de documentos nºs 51 e 50 do processo disciplinar. (onde coloca o nº selo e o nº interno da Ré dessa máquina, que é único para cada máquina e é sempre igual). Em casos de diferença de valores, o dinheiro que estava no saco é sempre recontado (é uma regra que tem de seguir), mas refere que nunca lhe aconteceu na recontagem dar um valor diferente do da primitiva contagem (inculcando a ideia que as máquinas de contagem de notas são fidedignas, ninguém tendo referido ter verificado alguma vezes diferenças entre uma primeira contagem e a recontagem). Foi também valorado o depoimento da testemunha RR, operador de valores na Ré há 19 anos, trabalha na tesouraria. Depôs de forma clara, explicitando o que faz nas suas funções de contar dinheiro para clientes. Quando está a preparar o dinheiro para cliente, coloca a quantidade em cima da mesa, conta o dinheiro na máquina de contagem e mete-o dentro do saco, que sela. A próxima pessoa a abrir esse saco selado, é o porta-valores, que tem de quebrar o selo e uma vez quebrado o selo, não pode voltar a usar o mesmo selo para fechar o saco (portanto, entre ele e o porta-valores não há mais nenhum trabalhador a manusear o dinheiro, só o saco). Em caso de auditoria, antes de colocar o dinheiro no saco, ele volta a contar o maço de notas, desfaz o maço, e conta com a máquina. Sabe que houve auditoria em 2022, no dia 25 de maio, num total de 75.000€ (2500 notas de 10 e 2500 notas de 20), tendo-se socorrido de uma anotação em papel que fez, com a anotação dos códigos, 4 selos de 4 ATM´s, e quantidade de dinheiro. A 1ª foi 38513263kj78 (este último é o código da máquina); tem a hora de início a que começou a auditoria das 15h00 e acabou às 15h48 (total das 4 máquinas), demora o tempo que precisar, não é o ato de contagem em si, mas pôs os elásticos ou as cintas e tem cuidado necessário para não haver misturas. Ele põe sempre o tempo, mesmo quando não há auditoria. A máquina de contagem não se engana a contar, para ele é fidedigna. E por fim, foi valorado o depoimento da testemunha QQ, coordenador de logística da delegação Norte, desde novembro de 2019. Refere que o A. trabalhava na equipa dele, sob a alçada dele. Foram detetadas diferenças, ao longo de algum tempo, desde fevereiro de 2022 (1º registo de diferenças não justificadas) e isto repetiu-se ao longo de alguns meses, a tesouraria é que lhe comunica as diferenças. Começa a registar a diferença para si (num apontamento seu), para ver se consegue perceber o que pode justificar essas diferenças de numerário, e em todas as diferenças verificadas, o A. tinha tido alguma intervenção no circuito, havia uma pessoa em comum, que era o A. Em 3 de fevereiro 2022, verificou-se uma diferença de menos €50, o A. tinha trazido o remanescente; em 11.03.2022, menos€80; 17.03, menos €60; 19.03, menos €40; 29.03, menos €40; 08.04., menos €40, até aqui o A. tinha trazido os remanescentes; 09.04, menos €100 (aqui tinha feito o abastecimento da maquina a 04.04); 14.04, duas vezes, uma no carregamento outra no remanescente; 19.04, menos €40 (o A. tinha efetuado o carregamento) e 26.04, menos €60 (o A. tinha efetuado o carregamento). Também verifica se há assistência técnica nas máquinas e não houve. Como não conseguiu perceber essas diferenças comunicou à chefia (faz parte das suas funções fazê-lo), VV e à segurança interna, II. Foi então determinada uma auditoria, que incluía a ida a várias máquinas (que são determinadas quais são, não podem ser todas, têm que permitir fazer com cuidado e segurança essa auditoria, com uma rota específica), para permitir isolar cada abastecimento. Foram então efetuadas auditorias a 12 máquinas, em 3 dias, 4 máquinas por dia, (foi ele escolheu as máquinas, porque conhece o terreno, visita muito nas suas funções). A formação dele é na engenharia, não é segurança, a experiência dele é na coordenação, embora já tivesse visto o funcionamento das máquinas. Esclarece, contudo, que funcionamento da máquina é muito simples e o manuseamento da máquina também é simples. Acompanhou as auditorias. No dia 18 de maio, também foi ao ponto de encontro a ..., mas para levar o LL. Eram duas equipas, II e JJ e KK e LL. E no dia 27 de maio, acompanhou as auditorias, ex-balcão de Paços de Brandão e ..., detetaram diferença no ex-balcão de Paços de brandão. Sabe descrever o que foi feito (descrevendo de forma pormenorizada o que foi feito em concreto, designadamente na auditoria em que esteve presente no dia 27 de maio), (certificou-se que mais ninguém mexeu na máquina entretanto, ninguém pode ir ao cofre sem a A... saber); refere que quem mexia na máquina era o LL (ele só estava a observar, para verificar se estava tudo a ser feito corretamente), colocava em supervisão (tem um menu), (fica fora de serviço para o cliente), tirava os talões do estado dos cacifos (o saldo que tem a máquina) naquele momento, não faziam fecho contabilístico (isso ia deixar rasto); depois abrem o cofre, ligam para a segurança para obter o segredo, abrem o cofre e confirmam as cassetes das rejeitadas (contam o dinheiro que está lá, normalmente é uma de 10 e uma de 20 que estão lá, as que a máquina usa para verificar/calibrar), vêem os dispensadores (cacifo de 10, confrontam com o talão e depois o outro cacifo de 20) e confirmam as existentes. Voltam a colocar em serviço e vão embora. Refere que a máquina é simples de operar e é fácil perceber a informação que a máquina está a dar. Se houver diferença, tinham definido contar uma segunda vez. Houve diferença em Paços de Brandão. (menos €40, duas notas de 20€) Foi ele que tirou a foto constante do documento nº42 do processo disciplinar, talão da máquina. A contagem é posterior. A hora a que fizeram a auditoria (nela se incluindo a contagem) é diferente da que está na máquina, porque a máquina da contagem não estava ligada à rede, logo a hora que aparece na máquina de contagem pode não estar certa, porque é um relógio e não prestam atenção a essa hora (a hora do talão que sai da máquina ATM é que está certa), e não ligam a essa hora que está no relógio da máquina de contagem, porque isso não interfere com a sua função da contagem. A máquina conta 1200 notas por minuto, pelo que a contagem das notas em si é rápida. O que faz variar o tempo que demoram a fazer a auditoria à máquina é o tempo de processamento da máquina (depende da máquina, da antiguidade e da própria rede de comunicações do sistema), tendo identificado o interior das máquinas nas fotos de fls. 164 e verso dos autos. Igualmente confirmou o documento nº41 do processo disciplinar que é o diário de bordo e o serviço da rota nº15, sendo que o ponto 13 dessa rota é do balcão de paços de brandão, e o ponto 17 é o restaurante ..., constando sempre o número interno de cada máquina (nº deles), nesse caso o .... Também confirmou o documento nº38 do processo disciplinar, relatório de agrupamento de rotas e os documentos nºs 52 e 53 do processo disciplinar, (guia que o porta valores entrega e o controlo da casa forte). Ao retirar o dinheiro da máquina (o remanescente), o porta-valores coloca-o no saco e põe um selo (o porta valores leva vários selos virgens para poder usar). Tem um sistema de leitura ótica e o porta valores regista. E depois entrega esse saco na casa forte, também fechado. Ainda referiu que, como resulta dos talões juntos a fls. 51 do processo disciplinar, o A. demorou a carregar essa máquina 6/7 minutos. (tempo suficiente para efetuar todo o serviço) e esclarece que o carregamento da máquina depois da auditoria é muito mais rápido, porque não têm selos, nem sacos, pelo que a auditoria não demora muito mais tempo. Confirma ainda que entre a auditoria que efetuaram às máquinas e o posterior abastecimento, ninguém foi lá, não houve pedidos de assistência. A par destes depoimentos foi ainda valorado o depoimento da testemunha VV, diretor operações Norte na Ré, desde junho de 2012, gere todas as operações da empresa na zona Norte, sendo que toda a parte operacional é da responsabilidade nele. Explicou de forma detalhada como se desenvolve a atividade operacional da Ré, revelando conhecimento direto desses factos e logrando convencer. Quem faz a atividade específica do transporte e distribuição de valores são os vigilantes de transporte de valores, que tripulam uma viatura blindada: um condutor e um porta-valores. As remessas de cada cliente são preparadas no centro de tratamento de valores, que é a tesouraria, existindo 3 tesourarias: Loulé, Lisboa, Porto (esta serve a delegação de logística do Porto). Explicou que o dinheiro passa por vários mãos na tesouraria, vão buscar o dinheiro ao stock que têm na tesouraria, e o mesmo é colocado na mesa, debaixo de câmara, para ser contado e é conferido por 2 pessoas (operador de valores), aqui só conferem os maços (que antes foram contados nota a nota) e preparam as saídas, colocando-o dentro de sacos de transporte que são selados. O operador levanta os maços, para se ver na máquina e coloca-os dentro do saco; fecha o saco e lê o selo (em formato de código de barra), aparece na imagem o selo, e fica inviolável, a não ser que quebrem o selo. Todo esse processo é filmado. Daqui vão para outro setor, para a área de distribuição/casa forte, para serem distribuídos os sacos pelas rotas, sendo que é em Lisboa fazem a programação das rotas. Esses sacos selados são colocados num carro agrupador da rota que os vai transportar, procedendose à picagem do código de barras de cada um dos selos que fecham os sacos e inseridos os sacos dessa rota, o carro agrupador é fechado e selado pelo operador de valores, e é esse carro que é entregue ao porta-valores. O porta-valores, é que abre/quebra esse carro, confirmando o número do selo com o número inscrito no terminal (que ele verifica no terminal que é o selo dele). A abertura do carro agrupador e contagem dos sacos que o mesmo tem é feita pelo porta-valores, que depois faz a entrega/carregamento dos vários clientes e ATM´s e recolhe o numerário que houver. O dinheiro que está na ATM é recolhido e colocado num saco. O saco é fechado, sendo lá também colocado o talão com o fecho contabilístico, que indica quantas notas de cada espécie foram carregadas, quantas foram distribuídas e quantas existem em cada cacifo, por referência a um período contabilístico, mas é colocado um novo selo. E regista no terminal que recolheu o saco com aquele selo. Desde que ele fecha, só é contado na mesa de contagem, num ambiente controlado (revira até o saco para ver se não ficou lá nenhum dinheiro), para se ver que é aquele selo que é aberto e onde consta a referência à máquina a que respeita. Além da descrição desta parte operacional da atividade da Ré, o mesmo esclareceu o que gerou o alerta para terem sido realizadas as auditorias nas máquinas manuseadas pelo A.: tinham uma série de diferenças de numerário para as quais não tinham uma explicação (já desde fevereiro) e verificaram que tinha um denominador comum, o AA: tratavam-se de máquinas abastecidas pelo mesmo ou em que tinha recolhido o dinheiro. Em cada ciclo intervêm 2 pessoas (a pessoa que abastece e a pessoa que recolhe, dias depois, que à partida não é a mesma). Por isso, fizeram as auditorias a máquinas que iam ser manuseadas pelo A., selecionaram os dias em que iam ser realizadas e as máquinas. Apesar de não ter presencialmente acompanhado o processo das auditorias às máquinas, soube descrever o processo e o que resultou de cada uma dessas auditorias (sendo que foram inquiridas todas as pessoas que intervieram efetivamente na realização dessas auditorias às máquinas, que descreveram pormenorizadamente o que foi feito em cada uma delas), tendo ainda visualizado as imagens de CCTV referentes às contagens do numerário. Levou o dinheiro contado em tesouraria, mas preparado de maneira diferente; debaixo de câmara contaram nota a nota, para poderem afirmar que aquele saco continha efetivamente aquelas notas, para afastar a hipótese de se verificar qualquer erro nessa contagem. E colocado o selo, o saco foi para circuito. Antes do A. chegar à máquina, uma equipa foi contar nota a nota o dinheiro que tinha na máquina (para ver se estava certo com o registo da máquina). Levaram uma máquina profissional, conta 1200 notas/minuto, para ser rápido e eficaz, é uma das máquinas da tesouraria, que são inspecionadas pelo Banco de Portugal. O objetivo era ter a certeza que antes do A. ir à máquina, o dinheiro que estava na máquina estava certo. (entre a auditoria e o abastecimento do A., ninguém mais entrou no cofre da máquina). Nas ATM´s, o porta-valores é que digita na máquina o dinheiro que está a entregar, a máquina não conta o dinheiro. Quando chega à mesa de contagem, o saco com a recolha do remanescente, o mesmo é aberto e o dinheiro contado. Em duas situações foram detetadas diferenças. Verificaram que os sacos estavam intactos, tendo visto as imagens desses sacos e contagens, o que fez precisamente porque estavam a fazer as auditorias. Depois do abastecimento feito pelo A., voltaram à máquina, para verificar. No dia 18.05.2022, refere que inspecionaram 4 máquinas (que identificou com recurso a apontamentos seus): máquina ... (...); ...; ... e ... (junta freguesia ...); estas máquinas faziam parte da rota do A. (pontos 9 e 10 da rota). O condutor era o HH e o A. era o porta-valores, pontos 9 e 10 da rota. Foi feita uma auditoria antes do abastecimento, para verificar o remanescente que se encontrava na máquina, quer nos cacifos de dispensação, quer no das notas rejeitadas, bem como no cofre, e para verificar se nenhuma nota estava fora desses cacifos, tendo contabilizado as mesmas. E essa contagem coincidia com o registo do saldo indicado no fecho contabilístico dessa ATM, (€44.850), como documenta fls. 46 do processo disciplinar. O A. carregou essa máquina (com €75.000) e recolheu o remanescente, tendo-o colocado no saco de valores com o selo nº ...64, juntamente com o talão do fecho contabilístico. Depois disso, pelas 11h13, a mesma equipa realizou nova auditoria à máquina, contando as notas ali existentes e verificado se não existiam notas que pudessem estar fora dos cacifos, tendo verificado que por referência ao período contabilístico nº21, o número e montante em notas correspondia ao saldo que constava do fecho contabilístico, como documenta fls.45 do processo disciplinar. Esse saco com esse selo foi aberto na tesouraria no dia seguinte debaixo de câmara, o saco vinha inviolável e o selo também, contaram nota a nota. Faltou uma nota de 10 e duas de 20, sendo que não houve nenhuma intervenção técnica na máquina entre as auditorias e o abastecimento. Foram realizadas mais auditorias a 4 máquinas ... (restaurante ... ...), ..., ..., ..., que colocaram na rota do A. À 1ª máquina, a primeira auditoria foi em 25.05 (aproximadamente às 10h30, mas não está certo) e no dia 27 de maio a segunda. Verificaram se o dinheiro que tinha de estar na máquina estava e estava correto. Foi feita uma auditoria antes do abastecimento, para verificar o remanescente que se encontrava na máquina, quer nos cacifos de dispensação, quer no das notas rejeitadas, bem como no cofre, e para verificar se nenhuma nota estava fora desses cacifos, tendo contabilizado as mesmas. E essa contagem coincidia com o registo do saldo indicado no fecho contabilístico dessa ATM, como documenta fls. 45 do processo disciplinar. Já no dia 26.05.2022, o A. efetuou o carregamento da máquina e recolheu o remanescente, tendo colocado o valor recolhido num saco com o nº...30 juntamente com o talão do período contabilístico nº...9... seguir à recolha/carregamento do A., no dia 27.05, foi feita nova auditoria, contando as notas ali existentes e verificado se não existiam notas que pudessem estar fora dos cacifos, tendo verificado que por referência ao período contabilístico nº70, o número e montante em notas correspondia ao saldo que constava do fecho contabilístico, como documenta fls.43 do processo disciplinar. Foi contado esse saco no dia 27.05, na tesouraria, verificando-se que o saco estava intacto, e havia uma falha de €40, duas notas de €20. A propósito, explicou a razão pela qual o número da máquina não coincide com o recibo da máquina ATM, referindo que qualquer cliente tem um código interno, este é o código deles (é aquela máquina que está ali no restaurante ...). Já os bancos têm as máquinas divididas por balcão, com um código deles e que é do conhecimento da SIBS. (este código eles não usam). O nº (SIBS) que consta do talão ...9 corresponde à máquina 0018/... (número interno da Ré e é este que utilizam). Foi feita igualmente uma auditoria à máquina do ex-balcão do Banco 1... de Paços de Brandão, ..., como documenta fls. 44 do processo disciplinar, que cabia ao A. abastecer no dia 26.05, com o numerário constante do saco com o selo ...63, saco esse que foi preparado pelo colega RR, contou nota a nota (2500 notas de 20 e 2500 notas de 10). Refere que viu sempre as imagens; consegue ver que a máquina contou x notas. Esse saco fechado e selado, foi para distribuir, rota nº15, entregue ao A., que era o porta-valores e o OO o condutor. O A. chegado à maquina encerrou o fecho contabilístico nº83 e deu início ao 84 e devia abastecer a máquina com o montante que levava no saco: 2500 notas de 10 e 2500 notas de 20, tendo informado a máquina que estava a colocar €75000. No dia seguinte, foram fazer uma nova auditoria à máquina, e verificaram em confronto com o registo contabilístico nº84, que o número e montante das notas de 20€ que os cacifos continham não correspondia ao saldo que constava do fecho contabilístico: deviam estar 2101 notas de €20 e só estavam 2099, faltando €40,00 (como documentam fls. 43 e 42 do processo disciplinar). Afirma que não houve nenhum erro na máquina e a diferença foi verificada a seguir, quando contaram. Questionado se essas ATM´s não apresentavam anteriormente diferenças, esclareceu que foi ver os registos do ano de 2022, e que a máquina de ... teve 47 abastecimentos, e houve 4 diferenças, três positivas (time out, situação que refere por definição é sempre positiva e refere-se aos casos em que o cliente não retira o dinheiro da máquina a tempo, caso em que fica dinheiro a mais na máquina, porque a máquina regista que saíram dos cacifos um determinado valor, mas fisicamente não saíram) e uma negativa (a do A.).; no Ex-balcão Paços Brandão, 64 abastecimentos: registaram duas diferenças, uma negativa (do A.) e outra positiva; na máquina do restaurante ..., 71 abastecimentos: 5 diferenças, três positivas e duas negativas, uma, a do A. suprarreferida e outra diferença de €100 que não consegue explicar (precisamente porque como não foi feita qualquer auditoria, não conseguem saber com segurança o que motiva a diferença, referindo que foi uma das situações que motivou a auditoria realizada em maio). Dos 6000 abastecimentos por mês que fazem só no Porto, só fazem auditorias esporadicamente, ou quando há suspeita. Mais disse, que o A. foi confrontado com estes factos. (…) Esclareceu ainda que as máquinas estavam a funcionar aquando das auditorias, a anterior à intervenção do A. e a posterior, não existindo qualquer registo de avaria. E que as instruções que foram dadas aos elementos das equipas de auditoria era para contarem o dinheiro sem margem para dúvidas e verificar o interior da máquina. Quanto à contagem do dinheiro nas máquinas, refere que foi feita e que são contadas milhares de notas na máquina de contagem, em minutos, sendo que essas máquinas de contagem (sendo que levaram uma dessas máquinas para realizar as auditorias) são fiscalizadas pelo Banco de Portugal e não tem conhecimento de erros nessas máquinas de contagem de dinheiro. Quanto à hora que marca o relógio dessa máquina de contar (que não coincide com a hora da auditoria), esclareceu que tal se deve ao facto de nesses locais onde fizeram as auditorias a máquina não ser ligada à rede informática (caso em que assume a hora correta), e que essa hora não interfere em nada com a contagem das notas e é essa a função da máquina. Como resulta claro do seu depoimento, no circuito da distribuição podem existir falhas (ainda que por regra o processo, pela sua robustez, permita perceber os erros), e precisamente por isso é que realizaram as auditorias às máquinas e ao circuito para se certificarem que, nas situações que imputaram ao A., não tinha existido alguma destas falhas que justificasse as diferenças de numerário. Foi igualmente valorado o depoimento da testemunha TT, coordenador do Porto da A..., desde 20.05.2013. Refere que foi pedido à tesouraria para fazer uma auditoria aos remanescentes que o A. trazia; e à preparação das máquinas que o A. iria carregar e o que traria como remanescente, sendo certo que não foi a primeira auditoria que fez. Confirma que viu as imagens da contagem efetuada pela MM, documentada na informação interna constante de fls. 48 do processo disciplinar, respeitante ao saco com o selo ...64, esclarecendo todos procedimentos que a operadora de valores realizou e que estava a ver nas imagens: fez a leitura do selo, abriu o saco (que estava fechado), tirou o dinheiro, vira o saco do avesso (para ver que não ficou lá dentro nenhuma nota) e contou o dinheiro que está dentro do saco e conferiu os talões (de dinheiro retirado da máquina). E igualmente viu as imagens da contagem do saco com o selo ...30, documentada a fls. 47 do processo disciplinar, esclarecendo os procedimentos que foram efetuados. Mais afirmou que o código ...1 é o código SIBS e o código ...5 é o código interno que utilizam, tratando-se da mesma máquina ATM. Os tickets da máquina, como por exemplo o junto a fls. 51 do processo disciplinar, que vêm dentro do saco com o remanescente, apresentam o código SIBS, que é diferente do código interno que é usado pela Ré, afirmando que o código ...1 constante desse ticket corresponde ao código interno 18/.... Esclareceu que também houve auditorias à preparação do abastecimento; nas mesas de preparação de serviço, cada colaborador tem uma folha com os totais de dinheiro que tem de preparar, mete as notas e sela o saco (quem o abre é a pessoa que vai abastecer o ATM, o porta-valores, mais ninguém mexendo no dinheiro). Na auditoria, recontam o dinheiro que metem em cada um desses sacos, tendo também visto as imagens dessas contagens, nota a nota (têm displays por baixo das câmaras que mostram as notas contadas). Na tesouraria, têm dois tipos de máquinas: de contagem (contadoras) e de seleção de notas (contadoras/classificadoras). Essas máquinas são homologadas pelo BCE e BPortugal (a máquina e o software). Todos os meses inspecionam as máquinas. Na contagem das notas realizadas nas auditorias (as realizadas no exterior) foi usada uma dessas máquinas de contagem (gfs 220). A máquina de contagem não falha e conta 1200 notas/minuto, sendo que não repara no relógio da máquina; a máquina na tesouraria está sempre ligada ao sistema informática e a hora que contam é a do sistema deles. Todas estas testemunhas, que intervieram nas auditorias realizadas, descreveram com rigor e precisão as suas concretas intervenções no processo, não manifestando qualquer tipo de animosidade relativamente ao A., sendo certo que algumas delas tinham apenas conhecimento de que estava a ser levada a cabo uma auditoria, mas nem sequer sabiam quem era a pessoa visada. As auditorias realizadas foram efetuadas por pessoas experientes, que levaram o tempo necessário a realizar as verificações do dinheiro que estava nas máquinas ATM´s, dinheiro que contaram utilizando uma máquina de contagem de notas das que são usadas na tesouraria, aprovadas pelo Banco de Portugal, verificaram se existiam notas fora dos cacifos ou no circuito do dispensador e extraíram os talões do fecho contabilístico Quanto à matéria da contestação foram valorados os documentos fotográficos juntos com a contestação, onde se visualizam algumas notas rasgadas ou que podem ficar presas numa ATM (documentos nºs 7 a 11), ou com as cintas retiradas (documento nº3), sendo que nas restantes fotografias juntas não se visualizam as situações alegadas pelo A. (designadamente notas presas nos elásticos, que as fotografias nºs 8 e 9 não permitem visualizar) ou selos de segurança partidos (que o documento nº5 também não permite visualizar), conjugados os depoimentos das testemunhas inquiridas, que não tinham real conhecimento sobre os concretos procedimentos que foram levados a cabo pela Ré, designadamente para apurar que as diferenças de numerário não se deveram a quaisquer falhas que pudessem ter ocorrido durante todo o circuito, tendo sobretudo revelado conhecimento sobre o estado de higiene das viaturas blindadas. De facto, dos depoimentos das testemunhas indicadas pelo A., nada de concreto foi possível esclarecer quanto aos factos imputados ao A., já que nada de concreto sabem quanto ao sucedido relativamente às três máquinas em que se verificaram diferenças de numerário e em que o A. teve intervenção no circuito de distribuição, antes se limitando a descrever falhas que podem ocorrer no processo de distribuição, mas que manifestamente não sabem se ocorreram nas situações descritas nos autos. A testemunha XX, que trabalhou na Ré até 2019, altura em que saiu da empresa, por acordo, tendo chegado a trabalhar com o A. Foi vigilante chefe na área de controlo de segurança, no módulo de segurança (de 1999 até mais ou menos 2007), aqui via imagens; depois para o carro de apoio (2007 a 2010) e depois passou para porta valores. Refere que quando visualizavam pessoas a tirar dinheiro (na altura em que via imagens), vinha uma auditoria. Fez referência a vários problemas que se podem verificar no circuito do dinheiro, referindo que há máquinas de ATM em que andam ratos e por isso pode haver notas “ratadas”; que por engano podiam vir dois sacos selados para o mesmo ATM. Mas não sabe se nas situações imputadas ao A. no processo disciplinar se verificava alguma dessas situações, até porque nessa altura (do processo disciplinar), já nem sequer estava na empresa. Quanto às auditorias realizadas que levaram à instauração do processo disciplinar, nada sabe esclarecer com o mínimo rigor ou conhecimento direto, não sabendo os procedimentos que nelas têm de se observar, nem quem as fez, pelo que o tempo que referiu ser necessário para as realizar, 45 minutos, se nos afigura uma referência completamente à toa, sem qualquer sustentação fáctica, já que nunca realizou sequer nenhuma auditoria, nem sabe o que nelas se faz nem como. (…) Foi também valorado o depoimento da testemunha FF, vigilante/porta-valores na Ré há 22 anos. (…) Refere que um ATM demora cerca de 15 minutos para carregar, podendo demorar mais algum tempo se for mais antigo (20/22 minutos). Quanto a auditorias nas máquinas, nada sabe esclarecer, desconhecendo com o mínimo rigor como são feitas; apesar disso, afirma que têm que demorar pelo menos 40minutos, sem que se alcance em que factos ou conhecimento se estriba para afirmar esse tempo. Também afirmou que podem ocorrer erros no funcionamento da máquina ou falhas no circuito, por exemplo pode levar dois sacos para a mesma ATM (mas aqui é logo detetado e comunica à empresa), mas não sabe se ocorreram quaisquer erros nas situações concretas imputadas ao A. Foi também valorado o depoimento da testemunha EE, vigilante de transporte de valores, há 22/23 anos. (…) Refere que faz carregamento de ATM em 12-15 minutos, mas pode fazer 10-12 minutos; antigamente, ou em máquinas mais antigas, demoravam mais a dispensar. Nada sabe quanto às auditorias realizadas às máquinas ou à forma como são realizadas, sendo certo que nunca sequer assistiu a nenhuma. Apesar disso, refere que a auditoria demora mais do que o carregamento que efetua, ainda que na auditoria não se faça a picagem de selos, nem se guarde o dinheiro/remanescente em sacos, nem coloquem selos, pelo que não se percebe porque refere que tem de demorar mais, quando a contagem do dinheiro (operação que o porta-valores não faz), é uma tarefa muito rápida, já que a máquina de contagem conta 1200 notas por minuto. Fez referência a uma situação em que foram encontradas notas na viatura (500 notas de 5 euros), ou uma situação em que havia um problema com o selo, mas nessas situações reportam logo a situação à Ré, não sendo pois, manifestamente, uma dessas situações que ocorreu nas situações concretas imputadas ao A. Foi também valorado o depoimento da testemunha ZZ, trabalha na Ré há 28 anos, atualmente vigilante no transporte de valores. Começou por referir que há 16 anos trabalhou na tesouraria, havia abonos para falhas, porque havia erros, refere que havia maços de notas com 99 notas (e não 100 como devia) e maços com 101 notas (e não 100 como devia). Refere até que chegaram a fazer auditorias, mas já não se recorda bem. Até referiu uma situação, dentro da tesouraria, em que desapareceu um maço de notas (que foi logo detetado) e até andaram à procura de uma quantia de €50.000, que se veio a apurar ter sido um trabalhador, AAA, que tirou esse dinheiro; esse trabalhador teve um processo disciplinar e judicial, e saiu da empresa. Refere que nessa altura guardavam as cassetes das filmagens e se houvesse alguma situação que quisessem verificar, a cassete ficava guardada, não sabendo se agora ainda é assim, e muito menos por quanto tempo guardam as imagens. Afirma que o processo de distribuição não é um processo infalível, acontecendo várias situações, por exemplo virem as cintas dos maços das notas rasgadas, ou aperceberem-se que andam ratos na máquina (vêem dejetos do animal), em que já não fazem o carregamento. Tiram fotos e mandam para a Ré, mas nas situações que descreve como problemas no processo, já nem sequer faz o carregamento. Quanto ao tempo que demora a efetuar um carregamento de uma ATM, refere que em média é de 14/15 minutos (se estivermos a falar só o tempo na ATM à volta de 5 minutos, sendo que as máquinas que são carregadas no próprio local também demoram menos tempo). Apesar de nunca ter efetuado nenhuma auditoria, diz que demorava para aí uma hora a fazer, ainda que nem sequer saiba o que é feito numa auditoria, nem como é feito. (…) Valorou-se ainda o depoimento da testemunha YY, vigilante de transporte de valores na Ré, há 23 anos. (…) Esclarece que por vezes acontecem erros no processo de carregamento, por exemplo, erros que podem vir já da tesouraria, referindo que há pressão da empresa para fazer rapidamente os carregamentos das ATM´s, que referem demoram cerca de 15 minutos. Mas quando não consegue cumprir todos os serviços que estão na sua rota, não faz. Nessas alturas, refere que é chamado pelo chefe para explicar o sucedido, mas nunca teve processos disciplinares. Nunca acompanhou nenhuma auditoria a máquinas, pelo que não sabe o que fazem na mesma; apesar dessa sua falta de conhecimento, afirma que as auditorias demoram uma hora. Foi ainda valorado o depoimento da testemunha DD, que trabalha na Ré desde 07.02.2001. (…) Mais disse que há muita coisa que pode falhar no transporte de valores, que pode haver falhas, mas reconhece que o padrão não é a falha; refere por exemplo situações em que o dinheiro que trazem no saco, vindo da tesouraria, pode não estar certo; ou notas novas darem problemas. Mas nessas situações que identifica, a falha é detetada e no caso das notas novas, simplesmente a máquina fica fora de serviço. (…) Quanto ao tempo que demora o carregamento ATM, recolha e abastecimento, refere ser de 15/20 minutos, mas reconhece que por exemplo na ATM do restaurante ...” é mais rápido, porque aí não tem de ir ao carro. Ainda foi tido em conta o depoimento testemunha WW, reformado, que trabalhou na Ré durante 35 anos, de onde saiu há três. Apresentou um depoimento nervoso e em muitos segmentos comprometido, que não logrou no essencial convencer. (…) A testemunha afirmou que não eram executadas auditorias na Ré e que não pode haver uma auditoria para se investigar uma pessoa específica e que, na auditoria feita ao A. até tinha vindo uma pessoa de Lisboa, pretendendo claramente insinuar que tal atuação da Ré não era conforme com o que habitualmente sucedia. Porém, quando questionado diretamente se era a primeira vez que esse colega de Lisboa (II) tinha vindo fazer auditorias, acabou por afirmar que não e que já tinha acontecido noutras vezes (acabado de um assentada por desdizer o que inicialmente afirmar com grande segurança, ou seja, afinal existiam auditorias e noutras vezes com a intervenção desse colega de Lisboa, que trabalha precisamente no departamento de segurança interna); por outro lado, o que resulta da prova documental produzida é que foram auditadas máquinas que iam ser manuseadas pelo A., tendo sido controlado todo o circuito do dinheiro, e que tal sucedeu na sequência de se virem a verificar várias diferenças de numerário em ATM da delegação do Porto, em vários meses seguidos, que não conseguiram explicar e em que o único denominador comum era o A. Mais disse que enquanto trabalhou na Ré nunca aconteceu instaurarem processo disciplinar, por falhas na ATM de valores tão pequenos como €130. Acontece que, como resultou à saciedade da prova produzida, o que muitas vezes sucede é que a Ré não consegue explicar essas falhas de numerário e, como não está constantemente a levar a cabo auditorias e várias pessoas intervêm no circuito da distribuição do dinheiro, muitas vezes não consegue determinar, com segurança, quem foi o responsável por essa diferença ou se a mesma se deve a algum outro motivo, o que permite justificar que não haja um responsável a quem possa imputar essa situação. Mas daí não decorre, ao contrário do que a testemunha quis afirmar que a Ré tem uma política de condescência relativamente a pequenas diferenças de numerário (designadamente, no sentido de transmitir que se faltarem pequenas quantias de dinheiro, a mesma desinteressa-se por essa situação). Não ficamos convencidos de tal suceda e nem nos parece, à luz das regras da experiência comum e da normalidade, que uma empresa que lida com dinheiro possa passar uma imagem de contemporização com pequenas diferenças de numerário. Aliás, a própria testemunha acabou a reconhecer, no seu depoimento, que tinha havido uma situação anterior com um trabalhador BBB, por faltarem notas, e que esse trabalhador foi embora da empresa, chegaram a acordo e igualmente reconheceu que quando há várias falhas consecutivas, sistematicamente, era movido processo disciplinar (não sabendo o que neste caso sucedeu), concluindo afinal que a Ré reagia nestas situações, de novo contrariando aquilo que a este propósito inicialmente afirmara no seu depoimento. Confirmou que o Banco de Portugal fazia auditorias nanas máquinas de contagem na tesouraria, pese embora não acompanhasse as mesmas, nada sabendo a esse propósito com conhecimento direto. Também afirmou que as filmagens, ao fim de 30 dias, eram apagadas, mas que quando havia erros eram guardadas à parte, no computador do coordenador de segurança, ficando sem se perceber a que propósito e com que objetivo eram guardadas, se não podiam já servir de prova válida. Igualmente, afirmou que o A. nunca tinha tido processos disciplinares; contudo, confrontado com o que consta de fls. 20 a 31 do processo disciplinar, acabou por reconhecer, visivelmente desnorteado com esse facto, que afinal o mesmo já antes tinha sido disciplinarmente sancionado, incluindo por si. (…) Uma última nota, para fazer referência às declarações de parte do A. AA. O mesmo confirmou as suas funções na empresa Ré, afirmando que quando entrou o VV como superior hierárquico, em meados de 2011/2012, começou a haver problemas, já que o mesmo não tinha experiência, nem conhecimento dos processos de trabalho, mas apesar disso quis mudar procedimentos de trabalho, com o que claramente não concordou (introduziu, por exemplo, a mala de segurança nas circulações). Mas do que referiu, não se alcança nenhuma medida que tenha sido tomada por esse superior hierárquico que visasse apenas o A. (a pressão que refere existir para fazerem mais horas, não era só a si dirigida, antes sendo dirigida a todos os trabalhadores), nem que existisse algum tipo de animosidade entre o referido VV e o A. Quanto aos erros que afirmou podem existir no processo de distribuição, não conseguiu afirmar que se verificasse algum desses erros (cintas das notas estarem danificadas ou existirem notas rasgadas) em qualquer das concretas situações em causa nos autos, tanto mais que afirmou que quando se apercebe de alguma dessas situações já nem sequer faz o serviço, reportando a situação à Ré. E mesmo a situação que descreveu, de o mesmo lhe ter proposto em 2020 que cessasse o seu contrato de trabalho por acordo, o que refere ter sido feito de forma bastante incisiva, o que recusou fazer por não terem chegado a acordo quanto ao valor, não foi capaz de explicitar em que medida é que tal situação, ocorrida mais de dois anos antes da instauração do processo disciplinar pode ter qualquer relação com este (sendo certo que esse acordo de cessação foi também proposto pelo menos a outro colega, que saiba, que também recusou e o mesmo mantém-se na empresa). (…)». O Recorrente sustenta que a sentença proferida carece de “fundamento legal e de prova sólida, que cabalmente confirme que o Recorrente se apropriou, do que quer que seja”. Que dizer? Importa relembrar que o objeto da impugnação da decisão relativa à matéria de facto apenas se poderá considerar como reportada à impugnação e alteração do ponto 77 dos factos provados, visando que o mesmo seja considerado como não provado. Nesta decorrência, verifica-se que não podem considerar-se como impugnados todos os demais factos constantes da decisão relativa à matéria de facto (factos provados sob os pontos 1 a 76 e 78 a 137 e elenco dos factos não provados). Nesse elenco factual dos factos provados e não impugnados encontra-se factualidade relativa às concretas funções exercidas pelo Autor nos dias 18 e 26 de maio de 2022 (rotas, ATM´s, tarefas), à forma como foram acondicionados, entregues, recolhidos e contados os valores, às auditorias efetuadas e ao procedimento operacional de contagem e verificação dos valores adotado em relação a cada uma das situações concretas em causa. Em nada releva, pois, para a impugnação em análise as afirmações do Recorrente de inexistência de prova documental – como sejam, relatórios escritos das auditorias, filmagens dos procedimentos efetuados nas auditorias, não junção de jornal eletrónico do ATM. A factualidade atinente às auditorias efetuadas, aos procedimentos levados a cabo nas mesmas e ao aí apurado, mostra-se assente [cfr. pontos 37 a 76 dos factos provados]. Seja como for, sempre se dirá que não estão em causa factos que apenas poderiam ser demonstrados por documentos. Ora, como não estão em causa factos relativamente aos quais existissem regras de prova vinculada, como seja aquelas que impõem a apresentação de prova documental, não existe no caso qualquer violação dessas regras de prova vinculada a reclamar a intervenção oficiosa da Relação para a desconsideração de qualquer um desses factos com esse fundamento (cfr. artigo 662.º, n.º 1, do CPC). De facto, não decorre de preceito algum que os factos em causa apenas possam ser provados documentalmente e/ou que o não possam ser por qualquer meio de prova, designadamente testemunhal. Estão, pois, tais factos sujeitos a qualquer meio de prova, designadamente testemunhal, valendo quanto a esta prova a livre convicção do julgador, sendo que a Mmª Juiz a fundamentou por forma exaustiva nos depoimentos das testemunhas e documentos que indica na motivação da decisão da matéria de facto quanto à matéria em questão. Não desconhece este Tribunal que o ponto 77 dos factos provados não surge desgarrado ou desligado do demais circunstancialismo fáctico apurado, tendo, como é óbvio, como seu precedente lógico desde logo a factualidade constante dos pontos 37 a 76, matéria que não foi objeto de impugnação. Com efeito, como resulta dos factos provados sob os pontos 37 a 76 e da fundamentação da sentença, o resultado material a que o Tribunal a quo chegou e fixou no ponto 77, tem como antecedente lógico do processo intelectual valorativo em sede de convicção todo o procedimento e sequência de factos e demais circunstâncias relativamente aos quais adquiriu convicção positiva e segura no que diz respeito às concretas funções do Autor nos dias 18 e 26 de maio de 2022 (rotas, ATM´s e tarefas do Autor), à forma como foram acondicionados, entregues, recolhidos e contados os valores, às auditorias efetuadas e ao procedimento operacional de contagem e verificação de valores por reporte a cada uma das situações concretas em que se verificaram as diferenças em dinheiro. Não sendo objeto da impugnação a factualidade em referência, no rigor dos princípios, tal bastaria para votar ao insucesso a impugnação da resposta dada pelo Tribunal a quo à matéria vertida no ponto 77. Sem prejuízo do antedito, este Tribunal de recurso procedeu à audição integral dos registos de gravação dos depoimentos das testemunhas II e VV [única prova pessoal gravada relativamente à qual foram cumpridos os sobreditos ónus legais a cargo do Recorrente em matéria de impugnação de facto]. Com relevo para a matéria objeto de impugnação, sustenta o Recorrente no seu recurso que a testemunha II afirmou “em juízo, de forma convicta e plena, que é incapaz de assegurar que o Recorrente se apropriou de 130 euros”. Mais sustenta que a testemunha VV ao referir que “as auditorias deram 100% de certezas” e que o Recorrente “subtraiu 130,00 euros” presta declarações discrepantes com a testemunha II. Para o ilustrar apelou às passagens da gravação que entendeu como relevantes, nos termos já acima explicitados. Refira-se que, como se disse, este Tribunal procedeu à audição integral dos depoimentos destas testemunhas, por forma a que estivesse garantida a devida contextualização das afirmações que aos mesmos são imputadas. Resulta inequivocamente do depoimento da testemunha II que nas auditorias realizadas foi contado o dinheiro antes e depois do Autor intervir nas máquinas, para afastar que outro trabalhador pudesse ter tido intervenção e para verificar se existiam anomalias nas ATM´s ou erros humanos, ficando afastadas com os procedimentos adotados qualquer uma dessas situações. Esta testemunha afirmou também por forma segura e inequívoca que, perante o resultado das auditorias realizadas, foi o Autor que provocou as diferenças verificadas (veja-se depoimento desta testemunha a rondar o registo de tempo de gravação 1:34/1:35). Saliente-se que, na passagem invocada pelo Recorrente 02:07:00-02:10:00, a mesma está descontextualizada, na medida em que a pergunta feita já em sede de contra instância pelo Ilustre Mandatário do Autor era no sentido de questionar a testemunha como é que podia ter 100% de segurança de que o autor se apropriou (com apelo a uma foto com a qual a testemunha é confrontada), ao que a testemunha refere a dada altura “eu não digo que se apropriou”. Mas, a testemunha não diz só isso, continuando dizendo “que provocou a diferença tenho a certeza”, explicitando também de onde emana essa sua certeza. Mais, quanto à referência de tempo de 02:19:00 invocada pelo Recorrente, a testemunha nessa altura está a reportar-se ao modo como foram configuradas as auditorias e o motivo pelo qual tal aconteceu por referência às diferenças de dinheiro que antes dessas auditorias tinham sido reportadas e que aconteciam quer nos remanescentes quer nos carregamentos, onde figurava como denominador comum o Autor (ou seja, as diferenças a que se alude nos pontos 79 e 80 dos factos provados, que não foram impugnados). Quanto às demais passagens invocadas, o que resulta da audição do depoimento da testemunha é que a mesma refere não querer empregar a palavra apropriar porque não sabe o que o Autor fez ao dinheiro, “se apropriou, furtou, o que lhe queiram chamar para mim é indiferente”. A testemunha reiterou na parte final do seu depoimento ter sido o Autor que provocou a diferença, resultando do seu depoimento que o único motivo para a falta do dinheiro verificada nas auditorias realizadas é imputável ao Autor. A testemunha VV, que prestou depoimento da parte da manhã e da tarde (na parte da tarde foi já em sede de contra instância do Ilustre Mandatário do Autor), referiu que antes das auditorias tiveram uma série de diferenças (de dinheiro) para as quais não tinham explicação e em que havia um denominador comum que era o Autor, por isso fizeram as auditorias a máquinas que iam ser manuseadas pelo mesmo. Confrontando o seu depoimento com o depoimento da testemunha II, e com relevância para a matéria objeto de impugnação, não se identificou qualquer contradição, divergência ou discrepância. Quanto às diferenças de dinheiro em falta verificadas pelas auditorias, o depoimento de ambos foi coincidente na imputação das mesmas a um comportamento voluntário do Autor, sem manifestarem qualquer margem de dúvida. Se um referiu que o Autor provocou as diferenças de dinheiro em falta (e disse não utilizar a expressão apropriar porque não sabe o que o Autor fez ao dinheiro, se se apropriou, se furtou…) e outro utilizou a expressão subtraiu, não é minimamente relevante, o que é relevante é que ambos atribuíram a falta do dinheiro [50,00 no dia 18-05-2022, 80,00 no dia 26-05-2022 (€ 40,00x 2 vezes), num total de € 130,00] a um ato voluntário do Autor, afastando qualquer situação de erro ou falha. Ponderados e analisados criticamente tais depoimentos não se identificaram as apontadas discrepâncias/divergências e muito menos se retirou qualquer erro na apreciação da prova no que respeita à valoração de tais depoimentos plasmada na motivação da decisão recorrida. Acresce que, como resulta evidente da fundamentação constante da sentença recorrida, a decisão do Tribunal a quo quanto da matéria de facto, onde se inclui o ponto impugnado, não se alicerçou apenas no depoimento das testemunhas II e VV, antes assentando no conjunto da prova produzida, valorada de acordo com a sua livre convicção. Impõe-se também referir que, ponderada a motivação da decisão de facto da sentença recorrida e que se deixou transcrita, a mesma perfila-se como exaustiva, clara, coerente, resultando da conjugação de todos os meios de prova produzidos nos termos explicitados na fundamentação, estando em consonância com as regras da lógica e da experiência comum. A decisão de 1ª instância em sede de matéria de facto mostra-se, pois, perfeitamente fundamentada em termos que permitem alicerçar por forma segura e sustentada a livre convicção a que chegou o Tribunal a quo, máxime quanto à matéria objeto de impugnação. Não se justifica, portanto, qualquer intervenção oficiosa do Tribunal da Relação (cfr. artigo 662.º do CPC). Por todo o exposto, improcede a impugnação. * O elenco factual a atender é, pois, aquele que como tal foi considerado em 1ª instância. * 4) Juízo sobre o mérito no que se refere ao despedimento – questão da licitude ou ilicitude do despedimento do Autor. As conclusões do recurso, como já se referiu, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, delimitam o âmbito do nosso conhecimento. Tendo em conta o que resulta das conclusões apresentadas pelo Recorrente, verifica-se que o mesmo tece considerações relacionadas com atuações processuais, prova ou com a matéria de facto, que visavam a pretendida alteração da matéria de facto, objetivo que não logrou alcançar. No entanto, constata-se também que o mesmo não apresenta, no âmbito da aplicação do direito, quaisquer efetivos argumentos jurídicos. Não constam dos autos contra-alegações, sendo certo que o Exmo. Procurador-Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. Em sede de fundamentação de direito, depois de algumas considerações a respeito do enquadramento teórico e legal quanto à questão da justa causa de despedimento, consta da sentença recorrida o seguinte (transcrição):
«Do transcrito acervo fáctico resulta, em suma, que o trabalhador A., com 22 anos de antiguidade, com antecedentes disciplinares, que desempenhava à data dos factos a categoria de vigilante de transporte de valores e no exercício das suas funções de porta valores, se apropriou das quantias acima referidas, nas circunstâncias descritas, apesar de saber que não o podia fazer, com prejuízo para a R. Daqui resulta claro que o A. teve comportamentos voluntários e culposos, que violam os seus deveres de realizar o seu trabalho com probidade, de zelar pelos bens que lhe são confiados pela sua entidade empregadora e pelos clientes a esta, e de tratar com lealdade e respeito a sua empregadora. As funções do A. enquanto porta valores implicam além do mais manusear dinheiro, que lhe é confiado pela sua entidade patronal, e os comportamentos do A., acima descritos, traduzem uma conduta desonesta, com prejuízo para a sua entidade empregadora, que não pode ser socialmente aceite e não pode ser aceite do ponto de vista empresarial. O autor tinha a categoria profissional de "vigilante de transporte de valores" e aos trabalhadores com essa categoria compete efetuar, como condutores ou como porta-valores, o transporte e guarda de valores (numerário e outros) de terceiros, clientes da recorrida, geralmente Bancos, nas viaturas especiais da mesma, com base em circuitos e numa operativa de transporte e segurança pré-definidas. Essa atividade e as funções exercidas pelo autor revestiam características de alta segurança e o respeito pelas operativas e normas de segurança estabelecidas era essencial, como essencial é a confiança da ré no seu escrupuloso e integral cumprimento por parte dos seus trabalhadores. De facto, os descritos comportamentos do autor, violadores dos deveres de obediência e lealdade a que estava obrigado na sua qualidade de trabalhador subordinado da empresa ré e do dever de cumprir as ordens e instruções do empregador, devem ser considerados graves em si mesmos e nas suas consequências, pois criaram no espírito do empregador a dúvida sobre a idoneidade futura da sua conduta, deixando de existir o tal suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento duma relação laboral estável e sem reservas, assente numa relação de confiança, de que o mesmo cumpra as suas funções de acordo com as instruções que recebe, adotando os comportamentos adequados a cumprir tais instruções, sem desvios, sendo que o A. quebrou irremediavelmente essa relação de confiança com a sua entidade patronal. A partir daí, a ré ficaria sempre na dúvida se o autor não voltaria a praticar outros actos “desviantes”, com reflexos negativos na Ré. Subsumindo a transcrita situação fáctica ao disposto no artigo 128.º do Código de Trabalho, constata-se que o autor adotou conduta que se traduz em violação das alíneas c), e), f) e g) deste preceito legal, as quais estabelecem respetivamente, que o trabalhador deve: - Realizar o trabalho com zelo e diligência (c); - Cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes a execução ou disciplina do trabalho, bem como a segurança e saúde no trabalho, que não sejam contrárias aos seus direitos ou garantias (e); - Guardar lealdade ao empregador, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele, nem divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios (f); - Velar pela conservação e boa utilização de bens relacionados com o trabalho que lhe forem confiados pelo empregador (g); Assim, nesta fase, verifica-se que a conduta do autor preenche sem dúvida o teor das alíneas c), e), f) e g) do art.º128. Constituem deveres do trabalhador, o de obedecer às ordens e instruções do empregador, porque está inserido numa estrutura organizativa com um fim determinado, e o de guardar lealdade e respeito ao empregador, procedendo tais deveres do dever geral de boa-fé, devendo abster-se de qualquer ato contrário aos interesses do empregador. Com efeito, pese embora o diminuto concreto valor do prejuízo patrimonial que adveio para a Ré em consequência dos comportamentos do A., ao apropriar-se de quantias que não lhe pertenciam, o A. adotou uma postura desleal com a sua entidade patronal, com vista à obtenção de benefícios ilegítimos. Todavia, deve ser dito que o preenchimento das alíneas do preceito em análise não é condição suficiente para a existência de justa causa de despedimento. Com efeito, tais alíneas constituem preposições jurídicas incompletas que contêm uma referência implícita para a cláusula geral do n.º 1, sendo de exigir, mesmo na hipótese de preenchimento de uma das alíneas (as quais, diga-se, a latere, são meramente exemplificativas), a verificação de um comportamento culposo do trabalhador, que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho (JOÃO LEAL AMADO, op. cit. p. 371). Destarte, importa ainda apurar a existência de um comportamento culposo do trabalhador. A culpa, nos termos gerais, pode corresponder a uma situação de dolo ou de negligência, devendo ser aferida por um critério objectivo segundo a diligência média exigida a um trabalhador daquele tipo, nos termos em que se desenvolve a relação labora e atendendo às circunstâncias do caso concreto (neste sentido, cfr. PEDRO ROMANO MARTINEZ, Direito do Trabalho, 2ª Edição, Almedina, 2005, p. 937). Ora, no caso, cumpre dirigir um juízo de censura à conduta do trabalhador que legitima a pretensão da entidade empregadora. De facto, é inequívoco que o A. sabia que não podia apropriar-se de quantias em dinheiro que não lhe pertenciam, pelo que tinha (não podia deixar de ter, face aos largos anos de experiência que possuía) consciência da ilicitude da sua conduta; pelo que se conclui por uma atuação culposa do autor, que agiu de forma livre, voluntária e consciente, de que agia em desconformidade com as diretrizes da entidade patronal. A apropriação de quantias em dinheiro que não lhe pertenciam, aquando do exercício das suas funções de porta-valores, assume extrema gravidade no contexto da empresa, pois que, independentemente do valor dos bens de que o A. se apropriou, o seu comportamento é gerador de descrédito da entidade patronal na futura conduta do A., na sua lealdade para com o empregador, já que a R. confiava legitimamente que o A. procedesse apenas aos carregamentos autorizados e recolhesse todo o remanescente que aí encontrasse e o entregasse e não se apropriasse de bens que não lhe pertenciam no âmbito do exercício das funções que lhe foram atribuídas. E é de tal modo grave que põe em causa a subsistência da relação laboral. Como se pode ler no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.09.2010, os factos integradores da justa causa são constitutivos do direito do empregador ao despedimento do trabalhador ou, na perspectiva processual da dita acção de impugnação, impeditivos do direito à reintegração ou ao direito indemnizatório que o trabalhador nela acciona, com base numa alegada ilicitude do despedimento, e como tal a provar por ele empregador (art.º 342º, n.º 1 do CC) – relatado por MÁRIO SILVA, proc. 1229/06.3TTCBR.C1.S1, disponível in dgsi.pt. Tanto a gravidade do comportamento, como a culpa hão-de ser apreciadas em termos objetivos e concretos, de acordo com o entendimento de um bom pai de família ou de um empregador normal, em face do caso concreto, e segundo critérios de objetividade e razoabilidade (artigo 487º, nº2, do Código Civil). No âmbito das relações jurídicas de trabalho, como referem Pires de Lima e Antunes Varela, no Código Civil Anotado, vol.II, o trabalhador deve proceder de boa-fé no exercício dos seus direitos e no cumprimento dos seus deveres (artigo 126º, nº1, do Código do Trabalho e 762º, nº2, do Código Civil) e com a ideia de boa fé estão relacionados, como é sabido, as ideias de fidelidade, lealdade, honestidade e confiança na realização e cumprimento dos negócios jurídicos. Neste contexto, em face do elenco factual, é forçoso considerar culposa a atuação do trabalhador e, em consequência, julgar verificada a justa causa para o despedimento com base nos comportamentos acima sublinhados, pois que a subsistência daquela pressuposta confiança ficou irremediavelmente destruída, uma vez que o A. violou aquele seu dever de lealdade/honestidade perante a Ré. Veja-se, aliás, que atento o carácter absoluto deste dever de lealdade, a jurisprudência e a doutrina, consideram que a diminuição da confiança resultante da violação deste dever não está dependente da verificação de prejuízos materiais.- cfr. Ac. TRP de 05.12.2011 e RL de 26.09.2012, in www.dgsi.pt e Lobo Xavier, Da Justa Causa de Despedimento no Contrato de Trabalho, pág.19. Ainda a propósito da confiança nesta específica atividade de transporte de valores, pode ver-se com interesse o Acórdão do TRP de 18.05.2020, in www.dgsi.pt, onde se refere que: “Na actividade de Transporte de Fundos e Valores urge destacar, como linha de força da sua actuação, a confiança. Do latim fiducia.ae., fidúcia, fiduciário, diz-se do que ou de quem se encontra dependente da confiança; que manifesta ou demonstra confiança. E nesta confiança reside também a segurança do sistema bancário e de crédito no seu todo, incluindo os operadores de transporte de valores, donde a competência e adequada preparação exigida aos respectivos servidores, enquanto veículo de confiança em face dos utentes, devem potenciar. Exige-se, portanto, dos operadores de transporte de fundos e valores monetários uma postura de inequívoca transparência, exercendo de forma idónea, leal e de plena boa fé a respectiva actividade, com respeito pela salvaguarda desses bens que lhes são confiados. A salvaguarda de tais bens impõe, por isso, regras rígidas de transporte, que os próprios trabalhadores estão obrigados a cumprir, sob pena do seu incumprimento colocar em risco os fundos e valores monetários transportados, risco esse que pode conduzir à quebra de confiança entre a instituição financeira ou de crédito e o operador a quem confiaram o respectivo transporte. Logo, essa cadeia de confiança exige-se, pois, absoluta.” (negrito e itálico nossos). O A./trabalhador assumiu comportamentos culposos e censuráveis, consubstanciados em infrações disciplinares e comportamentos lesivos do dever de lealdade/honestidade paracom a Ré, que pela sua gravidade objetiva inviabiliza que o A. continue a prestar a sua atividade na Ré. Os vigilantes porta-valores, têm o especial dever de atuar de forma idónea e leal, salvaguardando os bens que lhe são confiados e o empregador, dada a exigência dessas funções, deve poder confiar sem qualquer dúvida no empregado. Neste sentido, ou melhor, com respeito a estas funções, qualquer violação do dever de lealdade é absoluta e não suscetível de graduação, à semelhança do que a jurisprudência vem decidindo maioritariamente quanto ao furto de bens do empregador cometido pelo trabalhador.”- cfr. Acórdão do TRP de 19.09.2011, in www.dgsi.pt. Por nos parecer pertinente, citamos ainda, algumas passagens do Acórdão do TRP de 19.10.2015, in www.dgsi.pt, apreciando um caso de despedimento com fundamento num furto de bens do empregador cometido pelo trabalhador, onde se aprecie e densifica este dever de lealdade: “…no caso em análise estamos perante o caso de um furto praticado pela Trabalhadora. Neste âmbito, quer a doutrina, quer a jurisprudência têm vindo há muito a entender, de forma pacífica e unânime, que o furto de bens pertencentes ao empregador configura uma violação grave do dever de fidelidade, independentemente do valor subtraído, que justifica a aplicação da sanção de despedimento, na medida em que acarreta irremediavelmente a perda da confiança do empregador no trabalhador. Concluindo: Assim sendo, e sob esta perspectiva, é de concluir que a conduta da Trabalhadora, ao furtar os produtos expostos para venda no estabelecimento da Empregadora, é apta a provocar nesta última a perda irremediável da confiança naquela, assim tornando insustentável e inexigível a manutenção do vínculo laboral com a mesma. Face ao exposto, apenas resta concluir pela existência, em concreto, de justa causa para o despedimento da Trabalhadora. (…) Para Monteiro Fernandes, em geral, o dever de fidelidade, de lealdade ou de execução leal tem o sentido de garantir que a actividade pela qual o trabalhador cumpre a sua obrigação representa de facto a utilidade visada, vedando-lhe comportamentos que apontem para a neutralização dessa utilidade ou que, autonomamente, determinem situações de perigo para o interesse do empregador ou para a organização técnico-laboral da empresa.[20] Lembra Júlio Gomes que, no respeitante às consequências da conduta do trabalhador, estas deverão consistir num prejuízo grave para o empregador, embora tal prejuízo não seja necessariamente de ordem patrimonial. Com efeito, as consequências perniciosas podem consistir em minar a autoridade do empregador (ou do superior hierárquico), lesar a imagem da empresa ou num dano por assim dizer “organizacional”. Referimo-nos, com isto, ao que vulgarmente se refere pela perda de confiança no trabalhador.[21] A violação de tais deveres assume gravidade suficiente para justificar a sanção de despedimento com justa causa, uma vez que comprometeu irremediavelmente a relação de confiança indispensável para a manutenção da relação contratual.” Neste contexto, em face do elenco factual apurado, dado o tipo da atividade que era exercida pelo autor (que reveste características de alta segurança), é para nós evidente que aquela relação de confiança tem de ser absoluta, já que a entidade empregadora tem de ter absoluta confiança nos trabalhadores que prestam a sua atividade nesse sector, não podendo ter dúvidas acerca da sua conduta. Neste enquadramento, é forçoso considerar culposa a atuação do trabalhador e, em consequência, julgar verificada a justa causa para o despedimento com base nos comportamentos acima sublinhados, pois que a subsistência daquela pressuposta confiança ficou irremediavelmente destruída, uma vez que o A. violou aquele seu dever de lealdade/honestidade. E essa deslealdade/desonestidade do A., ainda por cima dolosa e praticada mais que uma vez, mina irremediavelmente a relação de confiança que tinha de existir para a manutenção do contrato de trabalho, violando definitivamente a confiança que a Ré nele podia depositar. Os factos provados são suficientes para concluir pela existência de justa causa de despedimento, e consequentemente, proceder à declaração de licitude e regularidade do mesmo, já que o A./trabalhador assumiu comportamentos culposos e censuráveis, consubstanciados em infrações disciplinares e comportamentos lesivos do dever de lealdade/honestidade para com a Ré, que pela sua gravidade inviabilizam que continue a prestar a sua atividade na Ré, sendo certo que o A. já tinha antecedentes disciplinares (tendo sido punido anteriormente com 5 repreensões registadas e, em 2019, com 3 dias de suspensão com perda de retribuição) . Acresce ainda que, nada na prova produzida, nos permite concluir que a atuação da empregadora (ao instaurar o processo disciplinar que culminou com o despedimento do A.) foi movida pelo facto de o A. ter exercido as funções de subdelegado sindical, não se estabelecendo ao longo de toda a prova produzida em audiência qualquer relação de causa/efeito, mínima que fosse, entre o facto de o A. ter exercido essas funções e a instauração do processo disciplinar. Sublinha-se que as reclamações acerca da pouca higiene das viaturas blindadas eram feitas não só pelo A., mas também por outros trabalhadores e a Ré foi sempre emitindo orientações reforçando a ideia de que era proibido fumar dentro das mesmas e apelando para a limpeza e cuidado com as mesmas, não se nos afigurando que esse facto fosse gerador de uma situação de conflito/constrangimento no relacionamento laboral. Por outro lado, também não se demonstrou existir qualquer relação entre a instauração do processo disciplinar ao A. em 2022 e o facto de a Ré ter questionado o mesmo, no ano de 2020, se estava interessado em sair da empresa, por acordo. Em primeiro lugar, se existisse esse propósito, certamente que a Ré não estaria à espera dois anos para mover um processo disciplinar ao A. O que se apurou a este propósito é que, em fevereiro de 2020, na sequência da perda de um cliente (IGCP) que determinou a redução de serviço/número de paradas, a R. viu-se na necessidade de reduzir a operativa, motivo pelo qual, a R questionou alguns trabalhadores se teriam interesse em cessar o contrato de trabalho mediante o pagamento de uma contrapartida económica com acesso ao subsídio de desemprego, entre os quais o A. Daqui resulta, desde logo, que não foi só o A. que foi abordado nesse sentido (e tal decisão da Ré foi motivada pelo facto de terem perdido um cliente importante) e nenhum outro trabalhador que também foi abordado nesse sentido e também recusou essa proposta, foi alvo de qualquer processo disciplinar. Igualmente não se demonstrou que a decisão disciplinar aplicada ao A. tivesse qualquer relação com o seu estado de saúde; há vários anos que o A. estava a trabalhar condicionadamente, como resulta das fichas de aptidão médica juntas.». Conforme se dá nota no Acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 5-06-2023[27], é comummente afirmado que «impende sobre o recorrente, em sede de recurso, o ónus de invocar, também no domínio da aplicação da lei, os argumentos (jurídicos) que na sua ótica justificam o afastamento dos fundamentos constantes da decisão recorrida para sustentar o modo como interpretou e/ou aplicou a lei, de tal modo que o tribunal superior os possa apreciar, no sentido de lhes dar ou não sustentação – versando o recurso sobre matéria de direito, deve o Recorrente, para além de indicar nas conclusões as normas jurídicas violadas, referir também o sentido que, no seu entender, as normas que constituem o fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas (artigo 639.º, n.º 2, do CPC).». Ora, o Recorrente, como já se adiantou supra, não avançou nas suas conclusões (nem, aliás, nas alegações/motivação), com quaisquer efetivos argumentos jurídicos, tendentes a colocar em crise aqueles que se fizeram constar da sentença recorrida no que toca à fundamentação de direito e no sentido de explicitar a razão pela qual em seu entender a decisão deveria ter sido outra, no caso aquela com que concluiu, no final, «dar como procedente o pedido formulado no seu articulado, determinando-se pela ilicitude do seu despedimento com as consequências legais a nível indemnizatório» [conclusão 48]. Visto o teor da sentença recorrida, a mesma não evidencia qualquer erro na interpretação ou aplicação da lei, mostrando-se fundamentada, com apelo a doutrina e jurisprudência sedimentadas. Não se encontram fundamentos para colocar em crise a aplicação do direito realizada na sentença recorrida, sendo a mesma de manter na ordem jurídica. Improcede, pois, o presente recurso. Quanto a custas, havendo improcedência do recurso, as custas do recurso ficam a cargo do Recorrente (artigo 527.º do Código de Processo Civil). * IV – Decisão Em face do exposto, acorda-se em julgar totalmente improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida. Custas da apelação a cargo do Recorrente. Notifique e registe.
(texto processado e revisto pela relatora, assinado eletronicamente) Porto, 20 de maio de 2024 Germana Ferreira Lopes [Relatora] Eugénia Cunha [1ª Adjunta] António Carvalhão [2º Adjunto] [1] Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição revista e Actualizada, Coimbra Editora, Almedina, 1985, página 686. [2] Processo n.º 1436/15.8T8PVZ.P1.S1, Relator Conselheiro Pedro de Lima Gonçalves – acessível in www.dgsi.pt, site onde se mostram disponíveis os demais Acórdãos infra a referenciar, desde que o sejam sem menção expressa em sentido adverso. [3] Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, obra citada páginas 687/688. [4] Processo n.º 5223/19.6T6STB.E1.S1, Relatora Conselheira Maria da Graça Trigo. [5] In Código de Processo Civil Anotado, Almedina 2020, págs. 763/762. [6] Processo n.º 3340/16.3T8VIS-A.C1.S2, Relator Conselheiro Ilídio Savcarrão. [7] Processo n.º 16978/18.5T8LSB.L2.S1, Relator Conselheiro Mário Belo Morgado. [8] Processo n.º 12131/18.6T8LSB.L1.S1, Relatora Conselheira Maria do Rosário Morgado. [9] Processo n.º 1610/19.8T8VNG.P1.S1, Relator Conselheiro Nelson Borges Carneiro. [10] Processo n.º 252/19.2T8OAZ.P1.S1, Relator Conselheiro Júlio Gomes. [11] Código de Processo Civil, anotado, volume 5º, página 143. [12] Processo nº 116/14.6YLSB, Relatora Conselheira Ana Paula Boularot. [13] In “Recursos em Processo Civil – Recursos nos Processos Especiais, Recursos no Processo do Trabalho”, Almedina, 7ª edição atualizada, 2022, pág. 195. [14] Processo n.º 1321/20.1.T8OAZ.P1, Relator Desembargador António Luís Carvalhão, aqui 2º Adjunto. [15] Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 4ª ed., Revista e Atualizada, Almedina, p. 157, nota (333). [16] Processo n.º 18321/21.7T8PRT.P1.S1, Relator Conselheiro Nelson Borges Carneiro. [17] Processo n.º 2605/20.4.L1.S1, Relator Conselheiro Pedro de Lima Gonçalves. [18] Processo n.º 125/22.1T8AVR.P1, Relator Desembargador Nelson Fernandes. [19] Obra citada, pág. 199. [20] Obra citada pág. 200 e 201. [21] Publicado no DR, Série I, n.º 220/2023, de 14-11-2023 – cujo sumário foi retificado pela Declaração de Retificação n.º 35/2023, de 28 de novembro, publicado no DR, Série I, de 28-11-2023. [22] Obra citada, págs. 201 e 202. [23] Processo n.º 556/21.4T8PNF.P1.S1, Relator Conselheiro Manuel Capelo. [24] Processo n.º 26736/20.1T8LSB.L1.S1, Relator Conselheiro Ramalho Pinto. [25] Processo n.º 818/18.8STB.E1.S1, Relator Conselheiro Luís Espírito Santo. [26] Processo n.º 10658/21.1T8PRT.P1, Relatora Desembargadora Paula Leal de Carvalho (atualmente Juiz Conselheira), no qual interveio como 2ª Adjunta a aqui 1ª Adjunta. [27] Processo n.º 125/22.1.T8AVR.P1, Relator Desembargador Nelson Fernandes. |