Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | MIGUEL BALDAIA DE MORAIS | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE CONTRATUAL DEVERES ACESSÓRIOS DE CONDUTA | ||
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Nº do Documento: | RP202503244475/16.8T8MAI.P2 | ||
Data do Acordão: | 03/24/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMAÇÃO | ||
Indicações Eventuais: | 5. ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Atualmente o contrato é perspetivado como uma relação obrigacional complexa - em que o dever de prestação (e o correlativo direito) é apenas um dos seus elementos, quiçá o mais importante - integrando um conjunto ou sistema de vínculos de diversa natureza, emergentes do facto constitutivo da obrigação e unificados pela sua comum afetação à realização do mesmo fim contratual. II - Entre esses vínculos contam-se os deveres acessórios de conduta ou deveres laterais destinados a assegurar a perfeita execução da obrigação principal, os quais são habitualmente agrupados em deveres de informação ou esclarecimento, em deveres de lealdade e em deveres de proteção ou segurança. III - A injustificada inobservância desses deveres pode gerar uma situação de responsabilidade contratual do devedor inadimplente, contanto se verifiquem os demais pressupostos normativos dessa fonte de obrigações. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo nº 4475/16.8T8MAI.P2
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, ... – Juízo Local Cível, ... Relator: Miguel Baldaia Morais 1º Adjunto Des. José Eusébio Almeida 2º Adjunto Des. Jorge Martins Ribeiro
* SUMÁRIO ……………………………………… ……………………………………… ………………………………………
* Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I - RELATÓRIO
AA intentou a presente ação declarativa sob a forma comum contra A... CRL e B... Companhia de Seguros S.A., pedindo que as rés sejam solidariamente condenadas a pagar-lhe o montante global de €16.000,00 (dezasseis mil euros). Fundamentou, no essencial, esta sua pretensão na circunstância de se ter lesionado durante uma aula prática de ginástica no âmbito do Curso de Educação Física e do Desporto que estava a frequentar no estabelecimento de ensino da 1ª ré, a qual havia celebrado com a 2ª ré contrato de seguro do ramo de acidentes pessoais escolar que cobria esse tipo de risco. Acrescenta que esse evento lesivo se ficou a dever à omissão dos deveres de proteção e vigilância que impendiam sobre o docente que ministrava a aula, na medida em que não se encontrava a vigiar a execução do exercício de “salto de cavalo” que o autor então realizava. Adianta que do acidente resultaram danos patrimoniais e não patrimoniais de que pretende ser ressarcido. A 1ª ré apresentou contestação, alegando que o autor era portador de lesões anteriores que terão contribuído para o acidente, não tendo o mesmo respeitado a imposição médica de, no período em que esse evento ocorreu, não praticar exercícios físicos. Por sua vez a ré seguradora contestou, articulando que o seguro celebrado com a 1ª ré não cobre as lesões alegadamente sofridas pelo demandante. Foi proferido despacho saneador em termos tabelares, definiu-se o objeto do litígio e fixaram-se os temas da prova. Realizou-se audiência final, vindo a ser proferida sentença na qual se decidiu julgar «parcialmente provada a ação e, em consequência: (i) Condenar a ré A... a pagar ao autor a importância de 11.000,00 € (onze mil euros) acrescida dos respetivos juros moratórios vencidos e vincendos, calculados à taxa legal de 4%, desde a citação até efetivo e integral pagamento; (ii) Absolver a ré A... da restante importância peticionada; (iii) Absolver a ré Seguradora do pedido». Não se conformando com o assim decidido, a ré A... CRL interpôs o presente recurso, que foi admitido como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes
CONCLUSÕES:
I A A..., C.R.L. é a entidade instituidora da UNIVERSIDADE ... - UNIVERSIDADE ..., anteriormente C... – ..., estabelecimentos do Ensino Particular e Cooperativo, em que são ministrados múltiplos cursos de Licenciatura, Mestrado e Doutoramentos em diversas áreas do saber. II Entre estes graus académicos, a Licenciatura do Curso de Educação Física e Desporto, ministrada no C..., actual UNIVERSIDADE ... - UNIVERSIDADE ..., visa preparar técnicos especialistas nos mais variados ramos do desporto, sejam eles professores de ginástica, treinadores nas diversas modalidades desportivas e “personal trainer’s” em ginásios, etc., e, para a prossecução da sua actividade possui um corpo docente de elevado nível de formação académica, técnica e intelectual. III Os candidatos a alunos, prestam provas físicas – os chamados pré-requisitos – e apresentam, ainda, um atestado médico de robustez física por forma a avaliar se possuem qualquer limitação física que impeça a frequência do mesmo. IV Tal documento, mais não é que uma reminiscência do Decreto Lei n.º 48359 de 27/04, publicado pelo Ministério da Saúde e Assistência – Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos, resultante da situação epidemiológica existente à época em Portugal, e que passou a constituir exigência formal para as mais diversas situações profissionais, algumas já revogadas de acordo com as áreas de funções a que se destinam, e no caso do desporto muitas outras regras e exames são solicitados. V No caso do ensino superior é atualmente definido no Diário da República n.º 52/2024, Série II de 2024-03-13 por decisão da Comissão Nacional de Acesso ao Ensino Superior. VI Como toda a actividade física comporta riscos, é obrigatório que os alunos, no acto de matrícula, subscrevem um seguro obrigatório de acidentes pessoais, que é accionado na sequência de qualquer acidente que se verifique. VII No acto de matrícula no Curso de Educação Física e do Desporto, em 05/11/2013, o Recorrente subscreveu a modalidade de seguro Normal. (cfr. doc. n.º 9.1 da Contestação) VIII Em 21/11/2013, dois dias depois do alegado acidente, seu pai, BB alterou esse seguro para a modalidade de seguro, com cobertura alargada !!!! (cfr. Doc. 11 da Contestação) IX A A..., perante o alegado acidente que o Recorrente alegou ter sofrido na aula de Ginástica no passado dia 19/11/2013, comunicou tal facto à Companhia de Seguros B..., titular do seguro escolar. X Mas só o fez por carta que dirigiu ao mediador de seguros autorizado, em 27/05/2014 (cfr. Doc. 24 da Contestação), dado que o A./Recorrido só lhe fez chegar, perto dessa data, documentos do Hospital .../..., já em (cfr. Doc’s n.º 21,22 23, 25 e 26 da Contestação de 27/10/2016). XI Antes de se inscrever no então C..., o Recorrente era jogador federado de futebol, e, afirmou inequivocamente essa mesma situação no depoimento que prestou no Tribunal “a quo”. XII A qualidade de jogador de futebol federado também consta das informações que prestou aos peritos médicos que o observaram. Assim, XIII Dos Relatórios Clínicos elaborados em exames efectuados no IML, que se encontram juntos aos Autos, consta que o A./Recorrido sofreu um acidente desportivo em 2011, de que resultou traumatismo do joelho direito com rotura do ligamento cruzado anterior que foi tratado cirurgicamente na D... (Ver. P.f.de Relatório Clínico do IML de 06/07/2018, pág. 5 –Antecedentes.) XIV Desse mesmo Relatório do IML, pág. 6, consta que esclareceu o médico que o observou, que: “…na data do acidente, em 19/11/2013 era jogador de futebol federado…… e que ……continuou a jogar futebol com os amigos entre as duas cirurgias. Depois da segunda cirurgia evita jogar futebol e outras actividades que exijam esforços com os membros inferiores.”. XV Também desse Relatório consta que no dia 19/11/2013, tendo recorrido ao SU do Hospital ..., dele saiu com alta, não lhe sendo apontadas quaisquer lesões. XVI Ainda nas conclusões do mesmo Relatório do IML consta que o Recorrente referiu (Pág. 7) que: “alguns meses decorridos, refere novo acidente, com queda na via pública, de que terá resultado lesão meniscal, no mesmo joelho direito, tendo sido submetido a novo tratamento cirúrgico, também por artoscopia…..” XVII Encontrando-se inscrito no C..., depois do dito acidente de 19/11/2013 ainda frequentou aulas teóricas e práticas (actividade desportiva), prestou provas de exame efectuando, como é obvio, exercícios físicos de diversa natureza, nunca informando os docentes de quaisquer limitações físicas. Ainda, XVIII No ano lectivo de 2016/2017 ao abrigo do Programa Erasmus, o Recorrente frequentou, na ..., a University School of Physical Education in ..., que ministra Cursos de natureza idêntica ao C.... XIX As classificações obtidas nessa Universidade, foram reconhecidas pelo C..., hoje UNIVERSIDADE ..., na respectiva Certidão de Frequência. XX Inequivocamente, desse documento consta a frequência de disciplinas de natureza desportiva, não sendo referida qualquer limitação física ao Recorrente (CFR. pf. Doc’s 17, 18 e 19 da Contestação- 1.º Processo). XXI Anteriormente à matrícula no Curso de Licenciatura em Educação Física e do Desporto, no ano lectivo de 2012/2013, o Recorrente frequentou no C... um CET – Curso de Especialização Tecnológica, que integrava as disciplinas de Técnicas de Desporto e Treino e Traumatologia Desportiva (sublinhado nosso). XXII O Recorrente não desconhecia, portanto, os cuidados a ter perante as limitações físicas eventualmente decorrentes de uma lesão, nomeadamente a lesão sofrida em 2011. XXIII O curso de Educação Física e Desporto ministrado no C..., hoje UNIVERSIDADE ... visa a preparação teórica e a prática desportiva, e destina-se a habilitar os alunos para o ensino do desporto, atentas as saídas profissionais, incluindo, naturalmente, preparar os mesmos em aspectos relacionados com os cuidados a ter ao nível da execução de exercícios, nomeadamente quando existem limitações físicas anteriores. XXIV O Recorrente sabia das suas próprias limitações físicas, e os cuidados a ter na execução dos seus exercícios. Todavia, ocultou-as, nunca alertando os docentes do C... para qualquer limitação física, ou ter sofrido a lesão anterior em 2011. XXV E não as comunicou ao médico que lhe havia passado a Declaração Médica indispensável à realização dos pré-requisitos de inscrição. XXVI Como não comunicou as suas limitações físicas aos docentes do C..., nomeadamente à Doutora CC, docente de Ginástica. XXVII Tão pouco se apresentou nas aulas usando qualquer proteção no joelho direito. XXVIII À docente CC, é doutorada na área da Educação Física e Desporto. É uma docente competente pois nunca lhe foi apontada qualquer falha profissional. É apreciada e elogiada pelos restantes professores e alunos. XXIX No C... existe um processo de avaliação dos docentes, quer pelos Coordenadores dos Cursos, quer por parte dos alunos preenchem os documentos de avaliação interna. XXX Posteriormente a Doutora CC desempenhou o cargo de Coordenadora do Curso de Educação Física e Desporto, por eleição dos seus pares. XXXI Por isso mesmo não se aceitam as críticas invocadas pelo Recorrente quanto ao desempenho profissional da docente em causa. XXXII Relativamente à organização de uma aula de ginástica como foi aquela em que o dito acidente ocorreu, a testemunha Doutora DD, ex-coordenadora do Curso de Educação Física e Desporto afirmou: A instituição “ensina a ensinar, eles irão ser professores” (cfr. p.f. minuto 13.33), que “os alunos estão a trabalhar em exercícios diferentes em outros espaços” (cfr. pf. minuto 13.50), “a nossa preocupação é criar diferentes grupos de trabalho e termos sempre alguém, entre eles próprios, a dar apoio uns aos outros, ensinamos nesse sentido, também” (cfr. p.f. minuto 14.00). XXXIII Assim sendo, como efectivamente é, a docente CC, tida pelo aluno como uma professora negligente, era na aula de Ginástica, a Coordenadora dos diversos grupos de alunos, em exercícios executados em simultâneo, mas diferenciados, em que cada grupo tinha alunos a ajudar aqueles que, como era o caso específico dos que saltavam o cavalo, poderiam apresentar alguma limitação ou dificuldade. XXXIV O salto de instrumento “cavalo” não é de execução difícil, nem um exercício desconhecido dos alunos. Além de ter sido sempre executado em aulas de EF no secundário, é um dos exercícios que faz parte das provas de pré-requisitos de admissão no C..., hoje UNIVERSIDADE .... XXXV No caso do Recorrente, também foi executado nas aulas do CET acima indicado. XXXVI Um exercício que apenas pressupõe uma corrida de alguns metros, o toque na base de chamada-estrado para ganhar impulso, o salto propriamente dito, e a recepção em colchão próprio, em espuma. XXXVII Este exercício não comporta dificuldade, nem perigosidade que pressuponha a presença do docente junto do “cavalo” para obstar a eventuais quedas, estas sempre ocorrem sobre o colchão de espuma, instrumento destinado a amortecer a receção ao solo. XXXVIII No contexto da aula em que o dito acidente alegadamente ocorreu, não houve qualquer comportamento omissivo em termos profissionais da docente CC, pelo que não se pode aceitar que tenha havido negligência da sua parte, nomeadamente em termos de falta de vigilância na execução do salto de cavalo. Afinal os alunos presentes na aula, estavam a ser orientados pela docente em causa, e no caso do Recorrente, acompanhado pelos seus colegas indicados e orientados pela docente na vigilância e apoio na execução do salto ao cavalo, pois estavam a aprender a ensinar. XXXIX A aula decorreu com inteiro cumprimento das regras de segurança, sob a orientação da docente, não tendo esta cometido qualquer facto ilícito suscetível de a censurar. XL O pavilhão estava dotado das condições indispensáveis à prática dos exercícios físicos, e no caso do local do salto ao cavalo existia um colchão destinado a suster eventuais quedas ou lesões na receção ao solo. XLI Toda a actividade física comporta riscos, sendo muito comum verificar em ambiente desportivo, a existência de lesões, sem que se compreenda as razões pelas quais acontecem. XLII A dita lesão sofrida só pode ter tido origem na fragilidade de tecidos do joelho devido a lesão anteriormente sofrida, e consequências de actividade desportiva do recorrente, pois este depois de 2011 como, aliás por ele foi reconhecido que “continuou a jogar futebol com os amigos entre as duas cirurgias”. XLIII Assim, a douta decisão proferida pela Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo” sob o ponto de vista da fundamentação fáctico-jurídica, deve ser revertida, absolvendo-se a Recorrente dos pedidos. XXXXIV A decisão apresenta sérias divergências entre a Fundamentação e as Conclusões, omitindo conteúdo do elemento diferenciador constituído pelos Relatórios Médicos Forenses, de que evidenciam os diversos momentos em ocorreram lesões, suas consequências, e, fundamentalmente, dele emerge a constatação de falta de cuidado por parte do A/. Recorrido na prática de atividades desportivas e exercícios lectivos. XLV Sendo inequívoco que esses Relatórios Forenses assentam na documentação médica a que os peritos acederam, independentemente das declarações do Recorrido, mas também, sendo, portanto, fundamentais para compreender da evolução clínica das lesões anteriores (desde 2011) que o Recorrido sofria. XLVI Com o devido respeito, que é muito, a Sentença recorrida, foi elaborada em sentido contrário da anteriormente proferida, sem que tenha sido explicado o porquê. Ou se o foi, foi, no nosso entender, mal. XLVII A douta sentença proferida pelo tribunal “a quo” baseou-se nos depoimentos das testemunhas do Recorrido, que, no dizer da mesma, foram feitos com alegada credibilidade. Mas não considerou os depoimentos das docentes da Recorrente, pessoas cuja integridade moral, e profissional são intocáveis. XLVIII Não merecendo do Tribunal “a quo” a aceitação das explicações da docente CC quer da forma como organizou a aula e distribuiu os alunos por exercícios, nem tomou por boas as suas declarações, negando a percepção de qualquer acidente na aula, que, a ter existido teria, obviamente, criado burburinho entre os demais alunos, que não o restrito grupo de amigos do recorrido. XLIX Sendo que o acidente só acabou por ser comunicado à Recorrente, e por isso mesmo, também à Seguradora, tardiamente, apenas, e só, porque é perfeitamente normal e habitual, acompanhar os alunos quando estes invocam problemas. L Os termos apresentados na PI, e a sua ponderação, ouvidos internamente as docentes levaram à não aceitação dos mesmos e à convicção do “mau uso do processo” por parte do A. Recorrido, para obtenção de um resultado em desconformidade com a realidade dos factos, resulta, desde logo, na informação do Serviço de Urgência do Hospital ... constante do Relatório Médico (pág. 4), consta que em 19/11/2013 recorre à SU do Hospital ... por nova contusão do joelho, mas com alta sem lesões! LI Se assim foi, como inequivocamente foi, o A./Recorrido faltou à verdade ao Tribunal porque não se lesionou na aula de 19/11/2013, pois o Hospital não lhe reconheceu qualquer lesão. LII Facto, é que a convicção e a de ter construído todo um esquema para obter uma compensação que bem sabia que não lhe era devida. LIII A douta Sentença Recorrida não fez uma avaliação perfeita dos factos invocados provados em audiência, e omitiu uma análise ponderada de documentos/peritagens médicas que foram juntas aos autos. LIV Pelo que, salvo melhor opinião, existe divergência entre a fundamentação e as conclusões, pelo que, face às disposições da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, o Tribunal “a quo” “…deixou de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar……”, o que constitui uma nulidade que expressamente se invoca. (cfr. n.º 4 do mesmo preceito legal) LV Assim, a douta Sentença deve ser revertida, absolvendo-se a Recorrente nos presentes Autos, o que expressamente se requer.
* Notificado o autor apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.
* Após os vistos legais, cumpre decidir.
*** II- DO MÉRITO DO RECURSO
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil[1]. Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pela apelante, são as seguintes as questões solvendas: . da nulidade da sentença por omissão de pronúncia; . saber se ao autor assiste (e em que termos) o direito de exigir da ré/apelante o pagamento da quantia de €11.000,00, a título de indemnização/compensação pelos danos que para si resultaram de acidente sofrido quando frequentava aula prática de ginástica no Curso de Educação Física e Desporto ministrado por aquela.
* 2. Da nulidade da sentença Nas suas alegações recursórias a apelante advoga, desde logo, que o ato decisório sob censura enferma de vício de nulidade que reconduz à previsão da alínea d) do nº 1 do art. 615º. Certo é que não identifica em que passos concretos da sentença ocorre o invocado vício formal, limitando-se a alegar, de forma marcadamente genérica e conclusiva, que a mesma “deixou de se pronunciar sobre questões que devia apreciar” já que “não fez uma avaliação perfeita dos factos invocados em audiência, e omitiu uma análise ponderada de documentos/peritagens médicas que foram juntas aos autos” o que, per se, motivaria, por falta de objeto, o indeferimento de tal invocação, dado que, nessas circunstâncias, este tribunal ad quem está impedido de aferir da justeza da crítica que a apelante direciona a essa peça processual. Como quer que seja, mesmo a admitir-se que a “falta de pronúncia” se verificou relativamente a uma (alegada) não consideração de meios probatórios carreados para os autos, sempre se dirá que o fundamento invocado não poderia sequer ser subsumido à previsão normativa da mencionada al. d) do nº 1 do art. 615º, no segmento em que considera nulo o ato decisório que não se pronuncie sobre “questões que devesse apreciar”. A respeito da densificação deste conceito, a doutrina[2] vem advogando que tal expressão deve ser entendida no sentido de que o juiz deve conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer. Ora, o alegado erro na apreciação da prova em resultado da não atendibilidade de determinados meios de prova não constitui “questão” para efeito de despoletar a consequência anulatória cominada no citado normativo, consubstanciando, quando muito, erro de julgamento a corrigir por intermédio do mecanismo contemplado no art. 662º. Não se verifica, pois, o invocado vício formal.
*** 3. FUNDAMENTOS DE FACTO 3.1. Factualidade considerada provada na sentença
O tribunal de 1ª instância considerou provada a seguinte matéria de facto: 1 - A primeira ré, à data era uma cooperativa de ensino superior, que compreende as atividades do ensino superior, universitário e politécnico, ao qual têm acesso indivíduos habilitados com um curso secundário ou equivalente e indivíduos maiores de vinte e três anos que, não possuindo a referida habilitação, revelem qualificações através de prestação de provas, agora é uma Universidade. 2- O A. esteve devidamente inscrito, frequentou, e concluiu, no C..., no ano letivo de 2012/2016, o Curso de Especialização Tecnológica, CET – Técnicas de Desporto e Lazer, aprovado pelo Despacho n.º 16253/2011, publicado em 30/1120111 e efeitos desde 2010/05/21. 3- Este curso regulamentado pelo Decreto-Lei n.º 88/2006, de 23 de Maio, com a qualificação tecnológica de nível 5, de acordo com a Portaria n.º 782/2009 de 23 de Julho, foi concluído com êxito, e média global de 14 valores, conforme se documenta pela cópia do Diploma que lhe foi passado no passado dia 31 de Outubro de 2013, pelo Senhor Presidente do Conselho de Direcção do C.... 4- Do seu Processo Individual de aluno, consta que: a) Em 19 de Março de 2013 candidata-se à Frequência do Curso de Educação Física e Desporto (1.º Ciclo), juntando a documentação necessária, cujas cópias se juntam e se dão como integralmente reproduzidos, com destaque para a Declaração Médica, de robustez física (Doc. 3). b) Decorrido o procedimento de pré-requisitos na candidatura on line, foi emitida a respetiva ficha de comprovação em 2013-07-16, conforme se documenta pela cópia que se junta e se dá como inteiramente reproduzida (Doc. 7). c) No dia 05 de Novembro de 2013 o A. entrega nos serviços de Secretaria o Boletim de Candidatura ao referido Curso de Educação Física e do Desporto (1.º Ciclo Licenciatura). d) No mesmo dia, efetuou a matrícula no curso em a que se candidatara, sob o n.º ...75, declarando no Registo de Opções – Opção de Seguro de Acidentes Pessoais, a opção pela cobertura Normal, facto que assinalou no campo destinado para esse efeito, do Anexo ao Boletim de Inscrição. e) No dia 18 de Novembro de 2013, o A. efetuou alteração quanto à modalidade de pagamento, conforme melhor resulta da cópia do documento que se junta e se dá como inteiramente reproduzida (Doc. 10). f) Em 21 de Novembro de 2013, o A. alterou a modalidade de Seguro que subscrevera, passando a usufruir a partir dessa data, das coberturas da modalidade de Seguro Alargado, conforme se comprova pela cópia do Boletim de inscrição/alteração, que se junta e se dá como inteiramente reproduzido (Doc. 11). g) Em 12 de Dezembro de 2013 o A. procede à alteração da sua inscrição, retirando as disciplinas de Anatomofisiologia- 14025, e Jogos de Raquete-14032, disciplinas essas que lhe foram creditadas devido à frequência do Curso CET referido acima, no ponto 1, mantendo a opção pelo seguro alargado, conforme melhor se documenta pela cópia do Boletim de Inscrição/alteração que se junta e se dá como inteiramente reproduzida (Doc.12). h) O A. inscreveu-se no C... nos anos letivos de 2012/2013, 2014/2015, 2015/2016 e 2016/2017, conforme cópia dos respetivos boletins de inscrição que se juntam e se dão como inteiramente reproduzidos (Docs. 13 a 16). i) O autor foi frequentar o Programa Erasmus Exchange, na University School of Phisical Education in ..., tendo-se deslocado para o efeito para a ..., conforme documentos justificativos que se juntam e se dão como inteiramente reproduzidos (Docs. 17 a 19). j) Dos registos do Gabinete Académico do C..., extraiu-se uma Certidão de Frequência, que evidencia as disciplinas concluídas pelo A. até à presente data, com referência às classificações obtidas, anos letivos em que realizou as diversas disciplinas, e se anotaram as datas de conclusão, documento que se junta e se dá como inteiramente reproduzido (Doc. 20). 5- O autor nasceu no dia ../../1990. 6- O autor no dia 19 de novembro de 2013, entre as 09horas e as 10:00 horas, durante uma aula prática de ginástica, ao saltar ao cavalo, ao apoiar o pé direito no chão, sentiu um estalo no joelho direito. 7- O salto ao cavalo consubstancia-se num exercício realizado por todos os alunos, incluindo o autor. 8- O autor ao executar o exercício de salto de cavalo, percorreu um pequeno espaço em corrida, apoiou os pés num estrado que lhe permitiu realizar o impulso necessário ao salto, por ser provido de um sistema de mola, e depois de realizado aquele, fez a receção no solo sobre um colchão destinado a amortecer os efeitos do impacto. 9- Foi no preciso momento em que fez a receção ao solo e ao apoiar o pé direito no chão que o autor sentiu um estalo no joelho direito, exercício este do qual resultaram as lesões melhor descritas nos relatórios periciais médicos. 10- Do evento resultou traumatismo do joelho direito. 11- O acidente ocorreu numa aula de ginástica que estava a ser lecionada por uma docente a cargo da primeira ré, no curso ministrado por esta, sendo o autor seu aluno, a quem todos os meses pagava a respetiva propina. 12- O autor saiu da aula a “braços” dos colegas de turma e deslocou-se de imediato ao Hospital. 13- A professora não colocou gelo no joelho do autor e como a dor persistiu, também não providenciou por solicitar ajuda médica, o que nada fez, não lhe tendo prestado qualquer assistência. 14- Nenhum socorro foi prestado pela professora nem pela primeira ré, tendo sido os colegas da aula que o fizeram. 15- A docente da primeira ré não se encontrava presente junto do autor aquando do exercício efetuado por este. 16- Trata-se de um exercício que, atentas as características, poderia advir algum perigo para o aluno, envolvendo um risco especialmente agravado a demandar redobrada prudência e vigilância sob as ordens de quem eram executados. 17- A docente, não se encontrava a vigiar a execução do exercício. 18- A docente não estava atenta e pronta a intervir no caso de uma falha técnica e até mesmo na receção ao solo, amortecendo assim o seu impacto. 19- A professora Dra. CC não apoiou o autor na receção ao solo aquando da realização do salto, e não estava. 20- A docente não se recorda do acidente. 21- O autor em consequência do acidente ocorrido em Novembro de 2013, teve rotura em asa de cesto do menisco externo e rotura parcial do menisco interno. 22- Por persistência de dor no joelho direito, efectuou uma RM e em Maio de 2014 foi submetido a cirurgia ao joelho direito, ficando internado um dia no Hospital .... 23- Teve alta para o domicílio efectuando marcha com apoio em 2 bengalas canadianas cerca de 15 dias e 1 canadiana cerca de mais 15 dias. 24- Efectuou fisioterapia durante 2 semanas no Hospital .... 25- Teve alta das consultas no Hospital ... em finais de Junho de 2014. 26- Na sequência do acidente Novembro de 2013 interrompeu a frequência das aulas práticas de futsal, ginástica, natação e outras modalidades em realizava esforços físicos. 27- O autor na data do acidente, em 19 de Novembro de 2013, era jogador de futebol federado, atividade que interrompeu por se sentir incapaz. 28- O autor não reiniciou as aulas práticas de educação física. 29- O autor apresenta as seguintes sequelas, decorrentes do acidente: 30- No membro inferior direito tem duas cicatrizes de tipo cirúrgico, de coloração avermelhada, com vestígios de agrafes, com 3 por 1 cm de maiores dimensões, de trajeto horizontal; cicatriz de coloração avermelhada, com 1 cm de comprimento, na face anterior do joelho. 31- No perímetro da coxa tem uma cicatriz de 55 cm (57 cm à esquerda, medida efetuada a 15 cm do polo superior da rótula). 32- O autor no perímetro da perna de 40 cm (41 cm à esquerda, a 20 cm do polo superior da rótula). 33- O autor tem dor à palpação da interlinha articular interna junto do bordo da rótula. 34- O autor no membro inferior direito tem cicatriz vertical, nacarada, com 3 cm de comprimento, no terço superior da face anterior da perna. 35- O autor efetuou relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito cível em 08 de Março de 2016. 36- Consta do aludido relatório e em jeito de conclusão terminando com as seguintes conclusões: “A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 29 de Maio de 2014. Período de Défice Funcional Temporário Total sendo fixável num período de 2 dias. Período de Défice Funcional Temporário Parcial sendo assim fixável num período 190 dias. Quantum Doloris fixável no grau 2/7. Défice Funcional Permanente da Integridade Físico – Psíquica fixável em 3 pontos, sendo de admitir a existência de Dano Futuro. As sequelas descritas são, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares. Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer fixável no grau 1/7.”. 37- O autor antes do acidente era uma pessoa dinâmica, saudável, alegre e cheio de vida. 38- Em face das sequelas sobrevidas á queda, as mesmas são compatíveis com o exercício da atividade atual, mas implicam esforços suplementares. 39- Com as lesões, tratamentos e sequelas, sentiu e sente dores e incómodos que se prolongarão por toda a sua vida. 40- O autor desde o ano de 2012 que está inscrito no curso que a ré ministra, e só em 19 de Novembro de 2013, é que por causa do acidente que teve, é que se queixa a esta. 41- Desde Setembro de 2012 a Novembro de 2013, com inúmeras aulas práticas, exercícios e vários exames, nunca se queixou do quer que seja, pois do acidente ocorrido em 2011 não houve qualquer recidiva. 42- O autor não tinha qualquer lesão, ou limitação física resultante de anterior episódio de lesão, que foi totalmente debelada, 43- Não foi a continuidade de atividade desportiva ou frequência de aulas no C..., que impliquem esforço físico, que agravou o quer que seja, pois o autor não tinha qualquer lesão e ou sequela. 44- O autor fez a disciplina de desportos de combate, na data de 21 de Janeiro de 2014, 64 dias após o acidente, mas apenas na componente teórica. 45- O autor não se podia movimentar sequer, logo apenas teve o exame teórico sem a componente prática, assistia sempre as aulas, com muita dificuldade, e no final ao autor foi-lhe dada a possibilidade de por parte do Professor da cadeira, em efetuar exame escrito em vez do exame da parte prática, o que veio a suceder. 46- Nas demais disciplinas foram realizadas provas em datas diferentes, dos demais alunos, porque o autor assim o requereu, atenta a lesão que sofreu, tendo a ré concedido um regime especial para realizar exames ao autor. 47- No demais das disciplinas: 1. Ginástica I – dia 12 de Dezembro de 2014, 2. Futebol – 18 de Setembro de 2014, 3. Ginástica II – 09 de Dezembro de 2014, 4. Futsal – 27 de Dezembro de 2014, 5. Andebol – 20 de Janeiro de 2015, 6. Natação I – 13 de Janeiro de 2015 e 7. Rugby – 30 de Junho de 2015. 48- O autor apenas fez os exames de 1. a 5, inclusive, na parte prática, a muito custo, com a ajuda de colegas, com liga elástica no joelho e com analgésicos e nas datas aí referidas. 49- Os exames não foram nada complicados, não foram puxados, foram exercícios simples, por exemplo no futebol e futsal, efetuou passes curtos, passes contra a parede e nunca dos exames de 1. a 5, inclusive, não foram cronometrados. 50- O autor teve dificuldade nos exames 1. e 3, pelo que teve a ajuda de professores e colegas, para que pudesse passar nos mesmos. 51- No exame referido em 6. não teve prática. 52- No exame aludido em 7. não fez exame prático, fez testes escritos, e no dizer do Professor da cadeira o importante não era fazer o exercício em si, mas obter o conhecimento para depois saber explicar. 53- A intervenção cirúrgica a que o autor foi sujeito, foi devido ao acidente de 19 de Novembro de 2013, e não por causa da prova de avaliação na disciplina de Desportos de Combate, nem em aulas. 54- Depois do alegado acidente, o A. continuou a frequentar algumas aulas, embora usando uma proteção, melhor dizendo, uma liga elástica no joelho esquerdo. 55- Consta do relatório pericial elaborado no âmbito destes autos, pelo Instituto de Medicina Legal e em jeito de conclusão: -A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 3.06.2014. -Período de Défice Funcional Temporário Total sendo fixável num período de 2 dias. -Período de Défice Funcional Temporário Parcial, sendo assim fixável num período de 222 dias. -Quantum Doloris fixável no grau 2/7. -Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 3 pontos, sendo de admitir a existência de dano futuro. -As sequelas descritas são, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, são compatíveis com o exercício da atividade atual, mas implicam esforços suplementares. - Dano Estético Permanente Fixável no grau 1/7. -Repercussão Permanente das Atividades Desportivas e de lazer fixável no grau 1/7. 56- A R. Seguradora, celebrou com a R. A... CRL um contrato de seguro do ramo de Acidentes Pessoais Escolar, titulado pela apólice nº ...29. 57- Constam da apólice contratada os seguintes dizeres: Coberturas: Capital: Morte por Acidente: 12.500,00 € Invalidez Permanente por Acidente: 12.500,00 € Despesas de Tratamento por Acidente: 2.500,00 € Responsabilidade Civil do Aluno: 2.500,00 € 58- Trata-se, dos quatro únicos riscos cobertos pela apólice contratada com a contestante – a morte por acidente, a invalidez permanente por acidente, as despesas de tratamento, também por acidente, assim como a responsabilidade civil em que incorra o aluno. 59- E, quanto à cobertura de tais riscos, contém a dita apólice os referidos dizeres relativos ao capital coberto, por risco, que fixa em € 12.500,00 ou € 2.500,00, respetivamente, os quais limitam a tais montantes a responsabilidade máxima da R. Seguradora. 60- A aula de ginástica envolve uma turma completa de cerca de 30 alunos. 61- É realizada num Pavilhão devidamente apetrechado e com condições de segurança para o exercício da ginástica. 62- A docente iniciou a aula de ginástica, separando os alunos por grupos, destinando-os rotativamente, ao uso dos diversos aparelhos existentes.
* 3.2. Factualidade considerada não provada na sentença
O Tribunal de 1ª instância considerou não provados os seguintes factos: . Em consequência da queda e sequelas, o autor não conseguiu arranjar emprego. . Que o autor tenha realizado a prova de Desportos de Combate, na sua vertente prática, antes de se mostrarem decorridos 30 dias de ter ficado impedido da prática de exercícios físico, de harmonia com a declaração médica de Centro Hospitalar ..., datada de 16 de janeiro de 2014. . Que o autor não tenha respeitado o prazo de 30 dias, período em que estava impedido de efetuar exercícios físicos. . Que as lesões do acidente, tenham sido um agravamento das anteriores lesões. . Que o autor não tenha ficado completamente curado, das lesões anteriores. . Que o autor tenha dificuldade em permanecer sentado (não consegue manter-se com o joelho fletido a 90º ou em extensão completa), de pé e agachado. . O autor tem dificuldade na marcha prolongada, por mais de 15 minutos. . O autor não consegue saltar. . O autor não consegue ajoelhar nem correr. . O autor tem dificuldade ao subir e descer escadas e rampas, e nas atividades que exigem a marcha prolongada, tem dificuldade em entrar no carro e entrar e sair da banheira. . Em face das sequelas sobrevindas à queda, o autor vê-se impedido de praticar, quaisquer atividades desportivas. . Que a professora tenha aconselhado a aplicação de gelo e o recurso a assistência médica se necessário.
*** 4. FUNDAMENTOS DE DIREITO
Na sentença recorrida, depois de se considerar estarem preenchidos os pertinentes pressupostos da responsabilidade civil contratual da ré A... CRL, foi esta condenada a pagar ao autor a quantia de €11.000,00, a título de indemnização e compensação pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreu em consequência de acidente ocorrido durante uma aula prática de ginástica no âmbito do Curso de Educação Física e do Desporto que estava a frequentar no estabelecimento de ensino daquela. A apelante rebela-se contra esse segmento decisório sustentando que, no caso, não pode ser responsabilizada pela reparação dos mencionados danos, porquanto os mesmos não resultaram de um comportamento seu passível de ser rotulado de ilícito e culposo. Que dizer? Como é consabido, no domínio da responsabilidade civil obrigacional/contratual, a obrigação de indemnizar exige a verificação e demonstração de alguns pressupostos, elementos ou requisitos genéricos. Isso mesmo resulta do art. 798º do Cód. Civil, no qual se dispõe que «[O] devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor». Seguindo uma posição largamente difundida na doutrina pátria[3], esses pressupostos poderão reconduzir-se à conduta, à ilicitude, à culpa, ao dano e ao nexo de causalidade. E, por mor do disposto no art. 342º do Cód. Civil, ao credor incumbe a prova dos factos consubstanciadores do direito invocado, enquanto fundamentadores dos pressupostos da responsabilidade civil. Tal sucede porque, como bem se sublinha no acórdão da Relação de Coimbra de 19.10.2010[4], “ocorrido um dano, do que se trata é de saber se quem o sofre há-de suportá-lo ou, em vez, se há alguém responsável pelo dano”, sendo certo que o dano somente será imputado a alguém, que responde por ele perante a parte lesada, quando aquele “haja praticado uma ação causadora do dano e ilícito-culposa”. Porém, em consonância com o regime plasmado no arts. 798º e 799º do Código Civil, ao contrário do que sucede na responsabilidade civil delitual, no domínio da responsabilidade obrigacional ou contratual o ónus de prova dos respetivos pressupostos não incumbe sempre à parte lesada (o credor), podendo ao invés dizer-se que, feita a prova da constituição de uma obrigação a favor do credor que não foi executada e que este sofreu prejuízos em consequência da violação da obrigação, os ónus de prova a cargo do credor lesado se encontram praticamente esgotados. De facto, estando demonstrado pelo credor o incumprimento pelo devedor, a culpa deste presume-se (art. 799º, nº 1 do Cód. Civil), sendo certo que, a este propósito, alguma doutrina[5] vem até sustentando que, para além da presunção de culpa, se presumirá também a própria ilicitude e ainda o nexo de causalidade. No caso vertente, como se deu nota, a condenação vertida no dispositivo do ato decisório sob censura assentou no pressuposto de que a ré/apelante cumpriu defeituosamente os seus deveres contratuais, mormente por violação dos deveres de cuidado e diligência que lhe eram exigíveis (e aos funcionários que utilizava no cumprimento da sua prestação perante o autor, com quem havia firmado contrato de prestação de serviços de natureza educacional), já que foi em resultado da omissão do cumprimento pontual desses deveres que se verificaram os danos cuja reparação o demandante reclama na presente demanda. A apelante filia essencialmente a sua pretensão recursória alegando que o tribunal não teve em conta “o percurso das lesões anteriormente sofridas pelo autor/recorrido”, não atendendo “aos depoimentos das suas (dela, recorrente) testemunhas, produzidos sem divergências (…) com inteira verdade e esclarecimento de como se organiza uma aula de ginástica, nos seus diversos exercícios, dentro de um pavilhão desportivo, com os alunos (cerca de trinta) integrados em diversos grupos de exercício”, que o “salto de cavalo não exige ajudas de um professor” e bem assim que “do alegado acidente durante a aula de ginástica não resultaram as lesões que o autor veio invocar”. Tais afirmações correspondem, na essência, à negação da veracidade de materialidade que consta de enunciados fácticos que foram considerados provados na sentença recorrida (v.g. pontos nºs 15 a 19, 21, 29 a 34, 42 e 43). Ora, se era propósito da apelante impugnar a decisão sobre a matéria de facto, deveria tê-lo feito de forma processualmente válida, mormente cumprindo os ónus estabelecidos no art. 640º. Certo é que não o fez, razão pela qual não pode ser introduzida qualquer alteração ao substrato factual que, na sentença recorrida, foi dado como provado e não provado. Isto posto, vejamos então se o quadro fáctico apurado permite, ou não, a afirmação do preenchimento dos enunciados pressupostos normativos da responsabilidade obrigacional da ora apelante, com particular incidência na ilicitude da sua atuação e na imputabilidade do evento a título de culpa. No que a esta questão releva resultou provado que: . “O autor no dia 19 de novembro de 2013, entre as 09horas e as 10:00 horas, durante uma aula prática de ginástica, ao saltar ao cavalo, ao apoiar o pé direito no chão, sentiu um estalo no joelho direito” (ponto nº 6); . “O autor ao executar o exercício de salto de cavalo, percorreu um pequeno espaço em corrida, apoiou os pés num estrado que lhe permitiu realizar o impulso necessário ao salto, por ser provido de um sistema de mola, e depois de realizado aquele, fez a receção no solo sobre um colchão destinado a amortecer os efeitos do impacto” (ponto nº 8); . “Foi no preciso momento em que fez a receção ao solo e ao apoiar o pé direito no chão que o autor sentiu um estalo no joelho direito, exercício este do qual resultaram as lesões melhor descritas nos relatórios periciais médicos” (ponto nº 9); . “Do evento resultou traumatismo do joelho direito” (ponto nº 10); . “O acidente ocorreu numa aula de ginástica que estava a ser lecionada por uma docente a cargo da primeira ré, no curso ministrado por esta, sendo o autor seu aluno, a quem todos os meses pagava a respetiva propina” (ponto nº 11); . “O autor saiu da aula a “braços” dos colegas de turma e deslocou-se de imediato ao Hospital” (ponto nº 12); . “A professora não colocou gelo no joelho do autor e como a dor persistiu, também não providenciou por solicitar ajuda médica, o que nada fez, não lhe tendo prestado qualquer assistência” (ponto nº 13); . “Nenhum socorro foi prestado pela professora nem pela primeira ré, tendo sido os colegas da aula que o fizeram” (ponto nº 14); . “A docente da primeira ré não se encontrava presente junto do autor aquando do exercício efetuado por este” (ponto nº 15); . “Trata-se de um exercício que, atentas as características, poderia advir algum perigo para o aluno, envolvendo um risco especialmente agravado a demandar redobrada prudência e vigilância sob as ordens de quem eram executados” (ponto nº 16); . “A docente, não se encontrava a vigiar a execução do exercício” (ponto nº 17); . “A docente não estava atenta e pronta a intervir no caso de uma falha técnica e até mesmo na receção ao solo, amortecendo assim o seu impacto” (ponto nº 18); . “A professora Dra. CC não apoiou o autor na receção ao solo aquando da realização do salto, e não estava presente” (ponto nº 19); . “O autor não tinha qualquer lesão, ou limitação física resultante de anterior episódio de lesão, que foi totalmente debelada” (ponto nº 42); . “Não foi a continuidade de atividade desportiva ou frequência de aulas no C..., que impliquem esforço físico, que agravou o quer que seja, pois o autor não tinha qualquer lesão e ou sequela” (ponto nº 43). Já se deu nota que neste tipo de responsabilidade a obrigação de indemnizar depende do cometimento de um ilícito contratual, envolvendo a desconformidade entre o comportamento devido, esperado e necessário e o comportamento efetivamente observado. Ora, o descrito quadro factual é de molde a permitir suportar conclusão no sentido de que, ao invés do que sustenta, a apelante atuou em desconformidade com o comportamento que seria esperado aquando da execução por banda do autor do “salto ao cavalo”, exercício que consiste em o aluno percorrer um pequeno espaço em corrida, apoiando, de seguida, os pés num estrado que permite realizar o impulso necessário ao salto, por ser provido de um sistema de mola, e depois de realizado aquele, faz a receção no solo sobre um colchão destinado a amortecer os efeitos do impacto. Com efeito, como se provou, trata-se de um exercício de cuja execução pode advir risco para a integridade física do aluno. Por essa razão justifica-se que o docente acompanhe a realização do salto de molde a intervir no caso de uma falha técnica e até mesmo na receção ao solo, auxiliando no amortecimento do impacto. Não foi esse, no entanto, o comportamento adotado pelo docente que ministrava a aula de ginástica que, no momento em que o autor realizava o salto, não estava a vigiar a execução do exercício, nem sequer estando presente junto do “cavalo” por forma a auxiliá-lo, designadamente, na receção ao solo. Tal conduta do docente (que a ré utilizava como “auxiliar” no cumprimento das suas obrigações contratuais, o que releva, pois, para os efeitos do disposto no art. 800º, nº 1 do Cód. Civil) corresponde, assim, a um cumprimento defeituoso da prestação debitória da demandada por violação de deveres laterais ou acessórios que sobre ela impendiam e não propriamente do dever de prestação principal. De facto, entre as partes de um contrato não existem apenas os deveres de efetuar a prestação principal correspondente. O intento das partes de alcançar a satisfação de determinados fins faz surgir entre elas toda uma série de vínculos singulares de diferente natureza (dever de prestação principal, deveres acessórios deste, deveres laterais de adoção de outros comportamentos, direitos potestativos, sujeições, expectativas, ónus, etc.). Por conseguinte, atualmente, o contrato é perspetivado como uma relação obrigacional complexa - em que o dever de prestação (e o correlativo direito) é apenas um dos seus elementos, quiçá o mais importante – integrando um conjunto ou sistema de vínculos de diversa natureza, emergentes do facto constitutivo da obrigação e unificados pela sua comum afetação à realização do mesmo fim contratual. Como, a este propósito, sublinha MENEZES CORDEIRO[6], por um lado, temos os deveres de prestação, que correspondem a condutas desenvolvidas pelo devedor em favor do credor, os quais, por sua vez, se distinguem entre deveres principais ou primários de prestação (aqueles que operam como núcleo da relação obrigacional considerada) e deveres secundários de prestação, que se caraterizam como “atuações de tipo instrumental que complementam a [prestação] principal, de modo a afeiçoar, no sentido pretendido, o interesse do credor”. Por outro lado, existem deveres acessórios (por vezes também designados deveres laterais de conduta) cujo conteúdo não é uma prestação e que emergem do princípio da boa fé, consagrado na lei. São habitualmente agrupados em deveres de informação ou esclarecimento, em deveres de lealdade e em deveres de proteção ou segurança, cuja violação é passível de fazer incorrer o devedor inadimplente em responsabilidade contratual[7]. É precisamente na inobservância desses deveres de proteção e segurança que radica a injustificada desconformidade entre a conduta devida pela ré e a conduta por si efetivamente assumida, ou seja, a ilicitude do seu comportamento. Idêntica conclusão se impõe relativamente ao requisito ou pressuposto da culpa, sendo certo que, como emerge da materialidade provada, a apelante não logrou ilidir a presunção legal estabelecida no nº 1 do art. 799º do Cód. Civil, já que não demonstrou que o facto lesivo tenha tido na sua génese um comportamento culposo do próprio demandante. Como assim, inexistindo fundamento para divergir no sentido decisório sustentado no ato decisório sob censura quanto à verificação dos enunciados requisitos da responsabilidade contratual da apelante, impõe-se, pois, a improcedência do recurso.
*** III- DISPOSITIVO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida. Custas do recurso a cargo da apelante (art. 527º, nºs 1 e 2).
Porto, 24.03.2025 Miguel Baldaia de Morais José Eusébio Almeida Jorge Martins Ribeiro _________________________ |