Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | JUDITE PIRES | ||
Descritores: | PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO PRINCÍPIO DISPOSITIVO PRINCÍPIO DA PRECLUSÃO PRINCÍPIO DA AUTORESPONSABILIDADE DAS PARTES NULIDADE DA SENTENÇA | ||
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Nº do Documento: | RP202201271513/20.3T8PNF.P1 | ||
Data do Acordão: | 01/27/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO | ||
Indicações Eventuais: | 3. ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Apesar da incontroversa evolução para a prevalência do princípio do inquisitório, este continua a coexistir com os princípios do dispositivo, da preclusão e da autorresponsabilidade das partes, continuando a exigir-se destas não apenas o cumprimento do dever de alegação dos factos essenciais que constituem a causa de pedir e daqueles em que se baseiem as excepções invocadas, mas também a indicação dos meios de prova adequados à satisfação do respectivo ónus probatório, a cumprir no momento processualmente fixado para o efeito. II - O exercício dos poderes de investigação oficiosa do tribunal pressupõe que as partes cumpriram minimamente o ónus que sobre elas prioritariamente recai de indicarem tempestivamente as provas de que pretendem socorrer-se para demonstrarem os factos cujo ónus sobre elas recai, não podendo aceitar-se como uma forma de suprimento oficioso de comportamentos grosseira ou indesculpavelmente negligentes das partes. III - Para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta de fundamentação, embora esta se possa referir aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito. Só a falta de fundamentação é geradora da nulidade da sentença. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 1513/20.3T8PNF.P1 Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este Juízo Central Cível de Penafiel – Juiz 3 Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I.RELATÓRIO. 1. O Ministério Público, em representação da Fazenda Pública – Estado Português -, propôs acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra os réus F..., S.A., com sede na rua..., ..., ..., ..., N..., SA, com sede na rua..., ..., freguesia de ..., ..., I..., Unipessoal, Lda., com sede na rua..., ..., freguesia de ..., ..., S..., Lda., com sede na Travessa..., ..., ..., pedindo que seja declarada a ineficácia, em relação ao Autor, o Estado Português, da compra e venda operada por contrato de 13.7.2015, descrita no artigo 11.º da petição inicial, das compras e vendas operadas por contratos de 10.7.2015, descritos no artigo 21.º da petição inicial, da compra e venda operada por contrato de 27.7.2015, descrito no artigo 22.º da petição inicial, da compra e venda operada por contrato de 7.9.2015, descrito no artigo 44º da petição inicial e da compra e venda operada por contrato de 21.6.2016, descrito no artigo 45º da petição inicial, podendo, assim, o Autor executar o imóvel e os quatro veículos automóveis que foram vendidos como se todos estes bens nunca tivessem saído do património do devedor à Autoridade Tributária, isto é, do património da 1.ª Ré. Alega, para tanto e em síntese: - a existência de um crédito a favor do autor e de que é devedora a primeira ré; - descreve as execuções intentadas para cobrança coerciva do mencionado crédito; - descreve as transações impugnadas, afirmando que as referidas vendas foram todas celebradas com o único propósito de frustrar a A.T. de cobrar o seu crédito, bem como de outros que a partir dessa data se constituíssem, o que foi conseguido; - e refere que naquelas execuções não foi possível obter a cobrança coerciva do crédito, pois nelas não foi penhorado património suficiente a essa cobrança. Válida e regularmente citadas, as rés apresentaram contestações - com excepção da ré L..., Lda., que não contestou -, tendo impugnado motivadamente os factos articulados pelo autor. As 1ª, 2ª e 3ª rés acrescidamente excepcionaram que: - o crédito reclamado assenta num relatório de inspecção tributária que foi objecto de impugnação, pelo que todos os actos subsequentes são nulos e de nenhum efeito, a determinar a inexigibilidade do crédito alegado pelo autor; - os bens móveis penhorados pela ATA garantem o crédito em causa; - uma das impugnações já foi decidida e reduziu o crédito respeitante a IRS de 2009 a € 56.852,57; - sobre os créditos reclamados deve ser deduzida quantia de € 3.157,60 de que a ATA é devedora à primeira ré a título de custas de parte; - o prédio urbano cuja venda é impugnada foi objecto de arresto pelo Estado Português no âmbito do processo 64/13.7IDPRT, arresto que garante o crédito alegado pelo autor; e - existência de litispendência. Todas as rés pugnam pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido. O autor exerceu o contraditório quanto à matéria de excepção nos moldes articulados no requerimento com a referência 15340. Foi proferido despacho saneador, onde foi afirmada a validade e regularidade da instância, foi julgada improcedente a excepção de litispendência, foi identificado o objecto do litígio, fixados os factos assentes e aqueles que integravam os temas da prova. Realizado o julgamento, foi proferida sentença como seguinte dispositivo: “…julgando-se a acção parcialmente procedente, decide-se: a) declarar a ineficácia, em relação ao Autor, o Estado Português, da compra e venda operada por contrato de 13.7.2015 descrita no art. 11º da petição inicial, das compras e vendas operadas por contratos de 10.7.2015 e respeitantes aos veículos de matrícula ...-...-OU e ...-BF-..., podendo, assim, o Autor executar tanto o imóvel como os referidos veículos automóveis como se todos estes bens nunca tivessem saído do património do devedor à AT, isto é, do património da 1ª Ré; b) absolver as rés dos demais peticionado pelo autor. Custas a cargo do autor e das 1ª, 2ª e 3ª rés, na proporção de 5% para o autor e 95% para as referidas rés. Registe e notifique”. 2. Não se resignando a Ré F..., S.A. com tal sentença, dela interpôs recurso de apelação para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões: 1. O presente recurso é tempestivo e nada obsta à sua aceitação; 2. A douta sentença, ora em crise, é manifestamente omissa sobre factos e diligências que eram relevantes/essenciais para o apuramento da verdade dos factos e boa decisão da causa, que consistia na junção aos autos de determinados documentos, sob a forma de certidão, e respetiva análise, mas que não foram por óbvia falta de fundamentação e manifesta violação do princípio do inquisitório, por parte do digno Tribunal, porquanto, a Recorrente, não foi notificada ou convidada para a sua junção aos autos e, tendo-se que os temas de prova foram determinados pelo digno Tribunal ”a quo”, e que os tinha como relevantes, impunha-se que oficiosamente, nos uso dos legítimos direitos que lhe estão cometidos, assegurasse a sua junção requisitando-os às entidades competentes, como devidamente justificado e explicitado supra nos artigos 12.º a 27.º, para onde e por brevidade se faz remissão e se pede que seja complemento da presente conclusão, em face do que, com todo o respeito por melhor opinião, a douta sentença deverá ser declarada anulada, com todos os seus efeitos legais; 3. A douta sentença, ora em crise, assenta de forma genérica e vaga no princípio da livre apreciação da prova, e constata-se que é destituída de qualquer análise critica, sobre o probatório produzido nos autos, sem qualquer especificação, em concreto, que permita conhecer a efetiva motivação que a sustenta e qual o iter cognitivo do digno Tribunal “a quo” na sua formação e coerente concordância com a verdade dos factos, evidenciada no binómio de convencido versus convincente, e em consequência direta a bondade da decisão proferida assegurando-se, em caso de discordância, a salvaguarda dos motivos de reação sobre a mesma, conforme devidamente explicitado supra nos artigos 28.º a 51.º, do presente recurso, constatando-se do confronto do probatório dos autos, da factualidade dada como provada e como não provada e, com todo o respeito, ainda da conclusiva, vaga e ilógica motivação plasmada na douta sentença, que se afigura como discriminatória ou arbitrária e destituída de qualquer fundamento de facto, evidenciada na manifesta violação do princípio da livre apreciação da prova, sem rigor de verdade e de especificação concreta, que a douta sentença, s.m.o., deverá ser declarada nula ou anulada e substituída por outra que, repondo a merecida justiça, julgue o presente recurso procedente e consequentemente a presente ação improcedente; 4. Em face do probatório dos autos, tendo por referência a prova documental aceite pelo digno Tribunal e a factualidade alegada e não impugnada e em consequência tida como aceite, verifica-se que a douta sentença enferma de manifesto erro de julgamento conforme devidamente explicitado e justificado supra, nos artigos 52.º a 107.º, do presente recurso, e por conseguinte, com todo o respeito, a douta sentença, em crise, deverá ser declarada nula ou anulada, e substituída por outra que, repondo a merecida justiça julgue o presente recurso procedente e improcedente a presente ação; 5. Em face do exposto/esclarecido e justificado supra, repondo-se a verdade dos factos tendo por base o probatório dos autos e a factualidade, por não impugnada, aceite, os factos dados como provados nos Pontos 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 28.º, 30.º, 36.º e 38.º, da douta sentença, em crise, deverão ser alterados ou corrigidos e substituídos por outros, permitindo-se, conforme se propõe, mais precisamente: FACTO 16.º: “Previamente à liquidação e instauração do PEF (Processo de Execução Fiscal), o reclamado débito assenta no relatório da inspeção tributária, elaborado na OS (Ordem de Serviço) O..........., relativa ao ano de 2009, a qual foi objeto de impugnação judicial, que corre os seus termos no Processo n.º 597/15.0BEPNF, tendo sido atribuído efeito suspensivo ao recurso interposto (Doc. 1 junto com a contestação da ré F..., S.A., que aqui se dá por reproduzido para os devidos e legais efeitos) e por isso, estando suspensa a ordem de serviço que sustentava a liquidação e as imputadas dívidas tem-se que estas são nulas, ineficazes, incertas, ilíquidas e inexigíveis.” FACTO 17.º: “Em sede das ações executivas supra identificadas, a 1.ª Ré foi de facto notificada, em 23.09.2015, para considerar penhorados os bens móveis que integram o activo imobilizado do seu inventário, constantes da relação que então anexou, a qual (penhora) nunca foi cancelada e se mantêm e sobre a qual foi constituído como fiel depositário o seu administrador AA.” FACTO 18.º: “Nessa sequência, os funcionários da autoridade tributária, sem prévia notificação e de surpresa, deslocaram-se às instalações da Recorrente, no sentido de verificar os bens do activo penhorados à ordem do processo de execução e de proceder à sua valorização, tendo sido informados pelo administrador, e nomeado fiel depositário, AA, que os mesmos estavam guardados num armazém mas que naquele momento não se poderia deslocar ao local.” FACTO 19.º: “A 1.ª Ré, na pessoa do seu legal representante, a partir de 2 de Abril de 2015, data em que recebeu a notificação da autoridade tributária, referida nos factos assentes, não ficou de modo algum consciente da existência das imputadas dívidas, ao Serviço de Finanças ..., porquanto, impugnou as ordens de serviços e as consequentes liquidações, que foram feitas ao abrigo dessas ordens de serviços, além de as ter como injustificadas, tendo tão só consciência de que lhe estavam a ser imputadas e reclamadas aquelas dívidas tributárias e que as tinha como incertas, ilíquidas e inexistentes.” FACTO 28.º: “Desconhece-se qual o saldo da conta bancária, de que é titular a 1.ª Ré no Banco C..., sendo que, os bens do activo imobilizado foram penhorados; existe o direito de usufruto do prédio urbano, supra descrito; a autoridade tributária reverteu a execução contra os administradores da 1.ª Ré; e, existe o arresto de bens efetuado no âmbito do Processo n.º 64/13.7IDPRT, onde se incluem os mesmos créditos tributários, relativo ao IRS, IVA e IRC, do ano de 2009, pelo que, não está impossibilitado/frustrado, o pagamento dessas imputadas dívidas tributárias, se for o caso, com o produto da venda destes bens e direitos.” FACTO 30.º: “Os administradores da 1.ª Ré, AA e BB possuem bens próprios mormente, participações num valor substancialmente superior aos imputados débitos tendo a autoridade tributária revertido a execução contra estes seus administradores, o que foi objeto de impugnação que corre os seus termos no Tribunal Administrativo e Fiscal ....” FACTO 36.º: “As 2.ª e 3.ª Rés, nas pessoas dos seus representantes, que era o mesmo da 1.ª Ré, tinham conhecimento das imputadas dívidas da 1.ª Ré à autoridade tributária e sabiam que esta 1.ª Ré tinha como bens o activo do imobilizado e o direito ao usufruto do imóvel, atrás referido, incluindo as referidas quatro veículos automóveis, e que tais bens seriam suficientes, se fosse o caso, para garantir o pagamento das imputadas dívidas, além de que, as vendas foram feitas para sociedades tituladas e geridas pelas mesmas pessoas e que, tinham bens mais que suficientes para, se fosse o caso e necessário, garantir o seu pagamento.” FACTO 38.º: “O prédio urbano identificado nos factos provados, conjuntamente com outros bens, foi objecto do arresto que foi feito no âmbito do processo nº 64/13.7IDPRT, que corre seus termos no Juízo Central Criminal ... - Juiz ... e tem subjacente as imputadas dívidas tributárias de IRS, IVA e IRC, relativas ao ano de 2009, e reclamadas nos referidos processos de execução fiscal pelo que, na qualidade de ofendido, o Autor não está de modo algum impossibilitada de cobrar, se for o caso, o pagamento das imputadas dívidas.” 6. Em face do esclarecido e justificado supra, repondo-se a verdade dos factos tendo por base o probatório dos autos e factualidade aceite, por não impugnada, os factos dados como provados nos Pontos 22.º, 23.º, 26.º, 27.º, 31.º, e 32.º, da douta sentença, englobando-se, por estarem inter-relacionados entre si, os factos 23.º, 23.º e 31.º, sob a denominação de Facto 22.º e englobando, pelos mesmos motivos, os factos 26.º, 27.º, e 32.º, sob a denominação de Facto 26.º, com eliminação da restante numeração, devem ser alterados/corrigidos e substituídos por outros, permitindo-se, conforme se propõe, mais precisamente: FACTO 22.º (engloba os factos 22.º, 23.º, e 31.º): “O referido negócio não foi celebrado com o intuito de frustrar a autoridade tributária de cobrar o seu reclamado crédito ou outros que se vencessem a partir dessa data porquanto, haviam bens do activo imobilizado da 1.ª Ré e o direito de usufruto do prédio urbano, referido nos autos, e ainda porque a raiz do prédio, embora transmitida para outra pessoa/sociedade, nunca saiu da, e permanece na, titularidade e gestão dos mesmos administradores, contra quem foi revertida a execução pelas imputadas dívidas.” FACTO 26.º (engloba os factos 26.º, 27.º e 32.º): “A venda destas quatro viaturas por parte da 1ª Ré à 3ª Ré não teve igualmente como o propósito o de frustrar a autoridade tributária de cobrar o seu crédito à 1.ª Ré, ou de outros créditos que se vencessem a partir dessas datas porquanto, haviam bens do activo imobilizado e o direito de usufruto do prédio, referido nos autos, e porque tais bens, embora transmitidos para outras pessoas/sociedades, com exceção de duas viaturas automóveis degradadas, nunca saíram da titularidade e gestão dos mesmos administradores.”. 7. Em face do exposto/esclarecido e justificado supra, repondo-se a verdade dos factos tendo por base o probatório dos autos e a factualidade aceite, por não impugnada, os factos dados como não provados nos Pontos 1.º, 2.º e 5.º, da douta sentença, deverão ser alterados/corrigidos e deverão substituídos por outros, permitindo-se, mantendo-se como não provados, de acordo com o se propõe, mais precisamente: FACTO 1.º: “A transmissão das viaturas automóveis, de matrícula ...-...-SH e ...-...-QJ, respetivamente, às 4.ª e 5.ª Rés tivesse sido efectuada com o conhecimento, por parte dos seus legais representantes, da existência de qualquer dívida e do património da 1.ª Ré, e/ou que houvesse algum intuito de frustrar o pagamento de quaisquer débitos tributários ou de quaisquer outros.” FACTO 2.º: “As 4.ª e 5.ª Rés, nas pessoas dos seus legais representantes, tivessem conhecimento de qualquer dívida da 1.ª Ré à autoridade tributária e soubessem qual era o património que esta detinha e respetivos valores do referido imóvel e das mencionadas quatro viaturas.” FACTO 5.º: “Não foi possível apurar e dar como provado que os bens móveis do activo imobilizado, que foi penhorado pela autoridade tributária não tivesse um valor igual ou superior ao valor dos imputados débitos.” 8. Em face do exposto/esclarecido e justificado supra, repondo-se a verdade dos factos tendo por base o probatório dos autos e a factualidade aceite, por não impugnada, os factos dados como não provados nos Pontos 4.º, 6.º e 7.º, da douta sentença, deverão ser alterados/corrigidos e substituídos por outros, permitindo-se, como factos dados como provados, sob a denominação n.ºs 39.º, 40.º e 41.º, respetivamente, conforme se propõe, mais precisamente: FACTO 39.º: “No âmbito do PEF n.º ...68 e seus Apensos, a autoridade tributária, em 21.09.2015, procedeu à penhora de bens móveis do activo da 1.ª Ré, designadamente os referidos em 17.º, do factos provados, cuja penhora nunca foi cancelada, e constituiu como fiel depositário o seu administrador, AA.” FACTO 40.º: “Ficou provado que as liquidações efetuadas pela autoridade tributária, de IRS, IVA e IRC, relativas ao ano de 2009, foram objeto de impugnação judicial, no âmbito da reversão da execução, contra os seus administradores, que corre termos nos Processos n.º 559/17...., n.º 560/17...., n.º 561/17.... e n.º 562/17...., conforme referido nos artigos 38.º ou 39.º, das contestações apresentadas pelas Rés.” FACTO 41.º: “O arresto existente no âmbito do processo nº 64/13.7IDPRT, que corre termos no Juízo Central Criminal ... - Juiz ..., é garantia plena para pagamento do ofendido (Estado Português), se for o caso, dos imputados débitos nos quais se incluem os créditos referidos nos presentes autos, sendo que nesse processo foi promovido o pedido de perda alargada bens.“ 9. Em face do esclarecido/exposto supra o presente recurso, por provado, repondo-se a merecida justiça, com as necessárias alterações esclarecidas e justificadas supra, deverá ser julgado procedente e consequentemente a interposta ação, destes autos, por não provada, deverá ser julgada improcedente. Nestes termos e nos demais de direito, com o sempre douto suprimento de Vossas Excelências, o presente recurso deverá merecer provimento e em consequência a douta sentença deverá ser revogada e substituída por outra decidindo-se conforme a precedentes alegações e conclusões”. O apelado Estado Português apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida. Colhidos os vistos, cumpre apreciar. II.OBJECTO DO RECURSO. A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelos recorrentes e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito. B. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelos recorrentes, no caso dos autos cumprirá apreciar: - se ocorreu omissão de diligências probatórias essenciais e, na afirmativa, consequências legais; - se a sentença recorrida é desprovida de fundamentação ou se é deficiente a sua fundamentação e, em caso positivo, consequências jurídicas daí resultantes; - se existe erro na apreciação da prova. - consequências jurídicas da eventual alteração da decisão relativa à matéria de facto. III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO. III.1. Foram os seguintes os factos julgados provados em primeira instância: 1º - A 1ª Ré, F..., SA, com o CAE Principal .....-R3, que tem sede social na Rua..., .../..., freguesia ..., .... – ... ... e que tem por objecto social o fabrico de mobiliário (cfr. certidão permanente do registo comercial junta como Doc. nº 1 com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzida), foi alvo de um acção inspectiva pela AT iniciada em 5 de Novembro de 2012, a coberto da ordem de serviço OI........., emitida pela Direcção de Finanças ... e que foi desencadeada para efeitos de avaliação da situação tributária por alegada divergência entre declarações entregues. 2º - Em 30 de Março de 2015, foi lavrado o relatório de inspecção tributária, o qual considerou que a 1ª Ré estava em falta com IVA de 2009, no montante de €146.788,68 fixado por métodos indirectos e no montante de €10.545,22 resultante de correções meramente aritméticas. 3º - O referido relatório de inspecção tributária foi notificado à 1ª Ré por carta registada com aviso de recepção em 2 de Abril 2015. 4º - Carta registada esta que foi enviada para a sede social da 1ª Ré naquela altura, mais precisamente, ...,..., ... ..., .... 5º - Das correcções efectuadas resultaram liquidações, que foram notificadas à primeira Ré e determinaram a emissão de certidões de dívida, que deram origem às execuções fiscais nºs ...60, ...22 e ...50, todas instauradas contra esta Ré e que correm termos no Serviço de Finanças .... 6º - Assim, a execução fiscal nº ...60 foi instaurada em 28/6/2015, aí se invocando a falta de pagamento de IRS – retenções na fonte, do ano de 2009, sendo a quantia exequenda €152.038,33, a que acresce juros e custas. 7º - A 1ª ré deduziu oposição à execução fiscal nº ...60, tendo aí a mesma sido decidida por sentença datada de 7/06/2017, transitada em julgado, nos seguintes termos: “Pelo exposto, a oposição tem de proceder parcialmente pelo que, em consequência, julga-se a oposição: a) Procedente quanto à liquidação da dívida exequenda por retenção na fonte a título de trabalho dependente de 2009, no montante de €1.456,00, e a título de outros rendimentos de capitais relativos aos meses de janeiro, fevereiro, abril, maio e julho a novembro de 2009, no montante de €65.810,00 e respectivos juros compensatórios, no montante de 15.218,99; e b) Improcedente quanto ao mais, absolvendo-se a Fazenda Pública do pedido nesta parte. (…)”. 8º - Já a execução fiscal nº ...22 foi instaurada em 26/10/2015, aí se invocando a falta de pagamento de IVA, do ano de 2009, sendo a quantia exequenda €192.273,76, a que acresce juros e custas. 9º - A execução fiscal nº ...50 foi instaurada em 1/11/2015, aí se invocando a falta de pagamento do IRC, do ano de 2009, sendo a quantia exequenda € 149.095,79, a que acresce juros e custas. 10º - No Serviço de Finanças ... foram instauradas contra a 1ª Ré as seguintes execuções fiscais: - execução fiscal nº ...68, instaurada em 26/6/2015, aí se invocando falta de pagamento de duas coimas aplicadas nos processos de contra-ordenação nºs ...51 e ...02, sendo que aí se alegou que a coima aplicada no primeiro destes processos foi devida à falta de entrega de pagamento especial por conta previsto no art. 106º, nº 1 do CIRC, em 10/2011, e a coima aplicada no segundo destes processos foi devida também à falta de entrega de pagamento especial por conta, em 10/2013, sendo que a quantia exequenda da execução fiscal é de €653,99, a que acresce juros e custas; - execução fiscal nº ...69, instaurada em 16/4/2016, aí se invocando falta de pagamento de uma coima fiscal, alegando-se ter sido fixada por falta de apresentação de declaração periódica de IVA, relativa ao período de 10/2015, sendo a quantia exequenda de € 383,70, a que acresce juros e custas; - execução fiscal nº ...88, instaurada em 14/5/2016, aí se invocando falta de pagamento de uma coima fiscal, alegando-se ter sido fixada por falta de apresentação de declaração periódica de IVA, relativa ao período de 11/2015, sendo a quantia exequenda € 384,15, a que acresce juros e custas; - execução fiscal nº ...12, instaurada em 5/6/2016, aí se invocando falta de pagamento de IMI do ano de 2015, sendo a quantia exequenda €815,53, a que acresce juros e custas; - execução fiscal nº ...51, instaurada em 20/6/2016, aí se invocando falta de pagamento de uma coima fiscal, alegando-se ter sido fixada por falta de apresentação de declaração periódica de Iva, relativa ao período 12/2015, sendo a quantia exequenda €384,75, a que acresce juros e custas (cfr. Doc. nº 2 junto com a petição inicial que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais). 11º - No dia 13 de Julho de 2015, perante a Exma. CC, com cartório notarial em ..., a 1ª Ré, F..., SA, representada pelo Presidente do Conselho de Administração, AA, como primeiro outorgante, e a 2ª Ré, N..., SA, representada pelo Administrador Único, DD, como segundo outorgante, celebraram uma escritura pública de compra e venda, através da qual a 1ª Ré declarou vender à 2ª Ré, que esta declarou aceitar, o seguinte imóvel de que até aí era proprietária: prédio urbano, destinado a armazém e actividade industrial, composto por casa de cave, rés-do-chão e primeiro andar, com logradouro, com a área coberta de três mil novecentos e quarenta metros quadrados e vinte e cinco decímetros quadrados e a área descoberta de cinco mil duzentos e noventa e um metros quadrados e setenta e cinco decímetros quadrados, sito no lugar..., freguesia de ..., concelho ..., a confrontar do norte com EE, do sul com FF, do nascente com FF e outros e do poente com caminho público, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ..., da freguesia de ..., aí registado a favor da 1ª Ré, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...85, com o valor patrimonial de € 815.523,10. 12º - Nessa escritura pública, o referido imóvel foi vendido pela 1ª Ré à 2ª Ré pelo preço de €326.209,00, que a 2ª Ré declarou já ter recebido, ficando, no entanto, a 1ª Ré com reserva de usufruto deste imóvel pelo prazo de trinta anos (cfr. Doc. nº 7 que aqui se dá por integralmente reproduzido). 13º - Dá-se aqui por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais os documentos nºs 2, 11, 12, 13, 14, 15 e 16 juntos com a petição inicial. 14º - A AT em 20/11/2015 determinou a constituição de hipoteca legal a favor da Fazenda Nacional, para garantia do crédito exequendo e acréscimos no montante máximo de €627.680,00 (quantia exequenda, juros de mora e custas), incidindo sobre o usufruto do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ...85 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...77. 15º - Hipoteca esta sobre o usufruto do referido imóvel que foi registada na Conservatória do Registo Predial ..., pela AP. ...80 de 20/11/2015. 16º - Previamente à liquidação e instauração do PEF (Processo de Execução Fiscal) -, o reclamado débito assenta no relatório da inspeção tributária, elaborado na OS (Ordem de Serviço) O..........., relativa ao ano de 2009, a qual foi objeto de impugnação judicial, que corre os seus termos no Processo n.º 597/15.0BEPNF, tendo sido atribuído efeito suspensivo ao recurso interposto (Doc. 1 junto com a contestação da ré F..., S.A., que aqui se dá por reproduzido para os devidos e legais efeitos). 17º - Em sede das acções executivas supra identificadas, a 1ª ré foi notificada, em 23/09/2015, para considerar penhorados os bens móveis que integram o seu inventário, do qual aquela sociedade ficava fiel depositária. 18º - Nessa sequência, foram feitas diversas notificações à 1ª ré no sentido de indicarem o local onde se encontravam esses bens móveis para poderem ser apreendidos, indicação que nunca foi feita, razão pela qual tais bens não foram apreendidos à ordem daquelas execuções. 19º - A 1ª Ré, na pessoa do seu legal representante, a partir de 2 de Abril de 2015, data em que recebeu a notificação da AT referida nos factos assentes, ficou plenamente consciente da existência da dívida mencionada nos factos assentes ao Serviço de Finanças .... 20º - Aquando da realização da escritura pública supra referida a Exma. Notária informou os representantes da 1ª Ré e da 2ª Ré presentes, nas pessoas dos referidos AA e DD, respectivamente, que sobre este imóvel se encontrava pendente o registo de penhora de acordo com a apresentação ...59 de 10 de Julho de 2015, registo de penhora este em que é sujeito activo a Fazenda Nacional e sujeito passivo a 1ª Ré, F..., SA, pela quantia exequenda de €152.038,33 e que se refere à penhora deste imóvel efectuada no âmbito do processo de execução fiscal nº ...60 a correr termos pelo Serviço de Finanças .... 21º - Mais, a Exma. Notária advertiu o representante da 1ª Ré e o representante da 2ª Ré presentes nesta escritura pública da inoponibilidade deste contrato de compra e venda em relação à Fazenda Nacional, caso a penhora anteriormente mencionada viesse a ser registada definitivamente, nos termos do art. 819º do Código Civil, cuja redacção foi explicada àqueles, penhora esta que veio a ser registada definitivamente. 22º - O referido negócio foi celebrado com o único intuito de frustrar a Autoridade Tributária (AT) de cobrar o seu crédito e, bem assim, de outros que a partir dessa data se constituíssem. 23º - O que foi conseguido. 24º - A 1ª Ré, F..., SA, vendeu à 3ª Ré, I..., Unipessoal, Lda, em 10 de Julho de 2015, os veículos automóveis de que era proprietária, com as matrículas ...-...-OU, ...-...-QJ e ...-BF-.... 25º - A 1ª Ré, F..., SA, vendeu à 3ª Ré, I..., Unipessoal, Lda., em 27 de Julho de 2015, outro veículo automóvel de que era proprietária, com a matrícula ...-...-SH. 26º - A venda destas quatro viaturas por parte da 1ª Ré à 3ª Ré teve igualmente como o único propósito o de frustrar a Autoridade Tributária (AT) de cobrar o seu crédito à 1ª Ré, bem assim, de outros que a partir destas últimas datas se constituíssem. 27º - O que foi igualmente conseguido. 28º - Para além da quantia de €598,00, relativa ao saldo da conta bancária de que é titular a 1ª Ré no Banco C... e do direito de usufruto supra descrito, esta Ré não tem quaisquer outros bens, nomeadamente bens sujeitos a registo, livres e desembaraçados que possam garantir o pagamento do referido crédito. 29º - O usufruto do imóvel sobre o qual incide a hipoteca supra referida tem um valor patrimonial de €489.313,90. 30º - São desconhecidos bens penhoráveis pertença dos que foram administradores da 1ª Ré, BB e AA, pois os bens de que estes eram proprietários foram todos alienados, pelo que a AT, pelo menos até Julho de 2016, não tinha revertido a dívida da 1ª Ré para a esfera destes administradores. 31º - Com a realização da escritura pública de compra e venda do imóvel supra referida, tanto a 1ª Ré como a 2ª Ré, na pessoa dos seus administradores que compareceram a representá-las, tiveram intenção de que a 1ª Ré ficasse sem património suficiente para garantir a dita dívida à Fazenda Nacional (AT), mas também as dívidas que a partir daí se vencessem, nomeadamente os juros que viessem a incidir sobre a dívida inicial e as custas dos processos executivos fiscais. 32º - As vendas dos quatro veículos automóveis anteriormente referidos, efectuada pela 1ª Ré à 3ª Ré, tiveram o propósito de que a 1ª Ré ficasse sem património suficiente para garantir a dívida que tinha para com a Fazenda Nacional (AT), mas também as dívidas que a partir daí se vencessem, nomeadamente os juros que viessem a incidir sobre a dívida inicial e as custas dos processos executivos fiscais. 34º - A 3ª Ré, I..., Unipessoal, Lda., da qual é gerente aquele que também foi administrador da 1ª Ré e que representou esta na aludida escritura pública de compra e venda do imóvel, o referido AA, acabou por vender o veículo automóvel de matrícula ...-...-SH anteriormente mencionado à 4ª Ré, S..., Lda., em 4 de Setembro de 2015. 35º - Também a 3ª Ré, I..., Unipessoal, Lda., vendeu o veículo automóvel de matrícula ...-...-QJ anteriormente mencionado à 5ª Ré, L..., Lda., em 21 de Junho de 2016. 36º - A 2ª Ré e a 3ª Rés, nas pessoas dos seus representantes, tinham conhecimento da dívida da 1ª Ré à AT e bem sabiam que esta Ré apenas tinha como património de valor o imóvel atrás referido e os quatro veículos automóveis anteriormente mencionados, estando as 1ª, 2ª e 3ª rés, nas pessoas dos seus representantes, perfeitamente cientes que com todos os contratos de compra e venda atrás aludidos o Estado ficava impossibilitado de satisfazer o seu crédito. 37º - A F..., SA, reclamou à ATA, pelo menos, a quantia de €3.157,60 (três mil cento e cinquenta e sete euros e sessenta cêntimos) que entendia ser devida a título de custas de parte do Processo n.º 657/16...., a título de taxa de justiça e despesas com o processo. 38º - O prédio urbano identificado nos factos provados foi objecto de arresto, no âmbito do processo nº 64/13.7IDPRT, que corre termos no Juízo Central Criminal ... – Juiz .... III.2. A mesma instância considerou com relevância para a decisão a proferir, não resultaram provados os restantes factos, nomeadamente: 1º - A transmissão das viaturas de matrícula ...-...-SH e ...-...-QJ, respectivamente, à 4ª e 5ª rés também tivesse sido efectuada com o conhecimento por parte dos legais representantes destas Rés de que a venda dos veículos automóveis em causa vinha no seguimento do plano delineado pelos legais representantes das 1ª e 3ª Rés de retirar da esfera jurídica da 1ª Ré todo e qualquer bem que pudesse ser penhorado pela AT para cobrança do crédito desta sobre a 1ª Ré. 2º - A 4ª Ré e a 5ª Ré, nas pessoas dos seus representantes, tivessem conhecimento da dívida da 1ª Ré à AT e que bem soubessem que esta Ré apenas tinha como património de valor o imóvel atrás referido e os quatro veículos automóveis anteriormente mencionados. 3º - A 4ª e 5ª rés estivessem, nas pessoas dos seus representantes, perfeitamente cientes que com todos os contratos de compra e venda atrás aludidos o Estado ficava impossibilitado de satisfazer o seu crédito. 4º - No âmbito do PEF n.º ...68 e seus Apensos, a ATA, se encontrem penhorados, desde 21.09.2015, bens móveis do ativo da 1ª ré, designadamente os referidos em 17º dos factos provados. 5º - Os referidos bens móveis tivessem valor igual ou superior aos créditos reclamados. 6º - As liquidações efetuadas pela ATA, de IVA e IRC, de 2009, tivessem sido objeto de impugnação (Processos n.ºs 559/17.... e 561/17....) que se encontram em tramitação). 7º - O arresto existente no âmbito do processo nº 64/13.7IDPRT, que corre termos no Juízo Central Criminal ... – Juiz ..., visasse garantir o eventual pagamento de créditos tributários nos quais se incluem os créditos referidos nos presentes autos, sendo que nesse processo foi promovido o pedido de perda alargada bens. IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO. 1. Da alegada omissão de factos e diligências essenciais ao apuramento da verdade dos factos e boa decisão da causa. 1.1. Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia. Segundo a recorrente, “a douta sentença, ora em crise, é manifestamente omissa sobre factos e diligências que eram relevantes/essenciais para o apuramento da verdade dos factos e boa decisão da causa, que consistia na junção aos autos de determinados documentos, sob a forma de certidão, e respetiva análise, mas que não foram por óbvia falta de fundamentação e manifesta violação do princípio do inquisitório, por parte do digno Tribunal, porquanto, a Recorrente, não foi notificada ou convidada para a sua junção aos autos e, tendo-se que os temas de prova foram determinados pelo digno Tribunal ”a quo”, e que os tinha como relevantes, impunha-se que oficiosamente, nos uso dos legítimos direitos que lhe estão cometidos, assegurasse a sua junção requisitando-os às entidades competentes [...]”. Dispõe actualmente o n.º 1 do artigo 6.º do Código de Processo Civil: “Cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir activamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adoptando mecanismos de implificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável”. Por sua vez, determina o artigo 411.º do mesmo diploma, que consagra o princípio do inquisitório, que “incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer”. E o artigo 436.º estabelece: “1 - Incumbe ao tribunal, por sua iniciativa ou a requerimento de qualquer das partes, requisitar informações, pareceres técnicos, plantas, fotografias, desenhos, objetos ou outros documentos necessários ao esclarecimento da verdade. 2 - A requisição pode ser feita aos organismos oficiais, às partes ou a terceiros”. Na enunciação dos temas de prova o despacho saneador proferido nos autos elencou factos controvertidos, sob a forma de quesitos, alertando quanto aos constantes dos n.ºs 19, 21 e 23: “facto só a provar por documento certificado pela entidade competente, excluído da prova testemunhal”. A recorrente, que não providenciou pela junção dos documentos idóneos à prova daqueles factos, vem agora defender que devia o tribunal tê-los oficiosamente requisitado, afirmando ainda não ter sido convidada a suprir qualquer irregularidade ou para juntar quaisquer documentos, em conformidade com o disposto no artigo 590.º do Código de Processo Civil. À semelhança do que já sucedia na vigência do Código de Processo Civil de 1961, mesmo antes da reforma de 1995/1996, o juiz continua a dispor de amplos poderes de iniciativa oficiosa, incluindo determinar a junção de documentos ao processo, quer estejam em poder da parte contrária, de terceiro ou de organismo oficial[1]. Trata-se de uma clara manifestação do princípio do inquisitório, tudo sem prejuízo das regras do ónus de alegação dos factos essenciais e da prova[2] Pode ler-se no acórdão desta Relação de 11.01.2021[3]: “A dinâmica evolutiva do processo civil tem-se afirmado no confronto dialéctico entre dois princípios que na aparência se contradizem – dispositivo e inquisitório – com sucessivas cedências do primeiro e prevalência do segundo, com vista à realização do verdadeiro desiderato do processo, afirmado nos artigos 8º, nº 1 e 411º do CPC: o apuramento da verdade e a justa composição do litígio. Uma das linhas mestras do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro – que alterou o artigo 645º, nº 1 do CPC de 1961, atribuindo-lhe uma redacção igual à do artigo 526º, nº 1 do CPC actual (inquirição por iniciativa do tribunal) –, tal como definidas no seu preâmbulo, era a de privilegiar a decisão de fundo sobre a decisão meramente formal, através de uma atitude mais interventiva do Juiz – cfr. Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro: “Garantia de prevalência do fundo sobre a forma, através da previsão de um poder mais interventor do juiz, compensado pela previsão do princípio de cooperação, por uma participação mais activa das partes no processo de formação da decisão.” Nas palavras do legislador de 1995 cabia ao processo civil procurar a verdade material, em vez de se privilegiarem aspectos formais, que não assumem verdadeira importância perante o objectivo de boa aplicação do Direito Substantivo ao caso concreto – cfr. citado diploma legal: “Ter-se-á de perspectivar o processo civil como um modelo de simplicidade e de concisão, apto a funcionar como um instrumento, como um meio de ser alcançada a verdade material pela aplicação do direito substantivo, e não como um estereótipo autista que a si próprio se contempla e impede que seja perseguida a justiça, afinal o que os cidadãos apenas pretendem quando vão a juízo.”De notar, que quando o legislador fala em verdade material quer significar como sendo a absoluta correspondência entre afirmações sobre factos e a realidade dos mesmos através da produção da prova. Esta verdade material, será ou tenderá a ser, aquela “verdade processual”, que os diversos meios de prova permitam apurar. A maior prevalência do princípio do inquisitório sobre o princípio do dispositivo foi explicada da seguinte forma no Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro: “Procede-se a uma ponderação entre os princípios do dispositivo e da oficiosidade, em termos que se consideram razoáveis e adequados. (…) Para além de se reforçarem os poderes de direcção do processo pelo juiz, conferindo-se-lhe o poder-dever de adoptar uma posição mais interventora no processo e funcionalmente dirigida à plena realização do fim deste, eliminam-se as restrições excepcionais que certos preceitos do Código em vigor estabelecem, no que se refere à limitação do uso de meios probatórios, quer pelas partes quer pelo juiz, a quem, deste modo, incumbe realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente e sem restrições, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.” Ora, “o CPC de 2013 acentuou a tendência para o reforço dos poderes do juiz e da sua compreensão como deveres, com a correlativa compressão do princípio do dispositivo (em sentido amplo) e os inerentes riscos no plano das garantias processuais fundamentais do cidadão perante o uso ou não uso de tais poderes/deveres… (…).O CPC de 2013 acentuou o carácter público da função jurisdicional civil, enquanto função estadual ao serviço da justa composição de litígios de acordo com a verdade material. Com efeito, a descoberta da verdade material envolve um alto interesse do Estado e assim se promove a confiança na justiça dos tribunais. O poder de livre disposição reconhecido à vontade individual mantém-se na fase do impulso inicial e de identificação do objecto do processo; porém, a partir do momento em que as partes submetem o litígio ao tribunal todo o decurso do processo passa a ser dominado quase exclusivamente pela ideia de que a função jurisdicional deve observar as exigências da justa composição do litigio e esta é uma incumbência do juiz, não está dependente da vontade das partes…”[...]. Esta prevalência da verdade material sobre a forma é a razão de ser da opção feita pelo legislador pela consagração do princípio do inquisitório em matéria da instrução do processo em detrimento (“com forte compressão”) do princípio do dispositivo - é significativo disso mesmo a expressão sistemática da inserção do artigo 411.º do Código de Processo Civil, logo nas disposições gerais do Título V, Instrução do processo, na actual redacção. Como referem A. Geraldes/ P. Pimenta/Luís Sousa[...], o artigo 411º do CPC faz apelo à realização de diligências probatórias que importem a justa composição do litígio, cumprindo ao juiz exercitar a inquisitoriedade, preservando o necessário equilíbrio de interesses, critérios de objectividade e uma relação de equidistância e de imparcialidade. Afirmando, noutro ponto das suas anotações, que, apesar da rigidez para que o art. 423.º do CPC (Prova Documental) parece apontar, “em parte associada ao princípio da auto-responsabilidade das partes, o mesmo não pode deixar de ser compatibilizado com outros preceitos ou com outros princípios que justificam a iniciativa oficiosa do tribunal na determinação da junção ou requisição de documentos que, estando embora fora daquelas condições, sejam tidos como relevantes para a justa composição do litígio, à luz, pois, de um critério de justiça material, cabendo realçar em especial o princípio do inquisitório consagrado no art. 411º e concretizado ainda no art. 436º”[...]”. Se é certo que o juiz tem a obrigação de ordenar as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer, esses poderes/deveres inquisitórios não são ilimitados quanto à determinação de provas: “Se fosse este o alcance, então teríamos de admitir que as partes estavam dispensadas de indicar provas, já que o juiz tinha o dever de procurá-las de diligenciar, por exemplo, quem residia nas imediações onde ocorreram os factos para verificar se alguém os tinha constatado, ou procurar entre familiares e amigos das partes as possíveis provas que poderiam existir e, claro está, as contraprovas”[4]. Segundo Paulo Pimenta, “o equilíbrio do nosso quadro legal resulta da intersecção das duas dimensões: por um lado, o ónus da iniciativa probatória das partes; por outro, o poder-dever do juiz em sede instrutória. Daqui resulta o seguinte: jamais as partes podem encontrar naquele poder-dever um pretexto para negligenciarem a sua iniciativa probatória; jamais o juiz pode ver naquela iniciativa probatória um alibi para a sua própria inércia. O critério firmado no art. 411º coloca a questão ao nível da necessidade das diligências probatórias para o apuramento da verdade e para a justa composição do litigo. Verificando-se o pressuposto da necessidade, o juiz tem um dever oficial de agir. Não se verificando o pressuposto, inexistirá aquele dever”. Como refere o acórdão da Relação do Porto de 23.04.2020[5], subscrito enquanto adjunta pela aqui relatora, “Não obstante esta possibilidade/dever de iniciativa instrutória do juiz, como manifestação do princípio do dispositivo, as provas devem, em princípio, ser requeridas pelas partes e no momento processual em que tal lhes é facultado, já que é de cada uma delas a defesa do interesse que visa acautelar no processo, tendo o ónus de demonstrar os factos cujo efeito a favorece. Como expõe Paulo Pimenta[13], “(…) não deve ser confundido aquilo que é próprio do princípio do inquisitório, em que a actuação do juiz é vinculada desde que se convença da necessidade de certa diligência probatória, com uma pretensa auto-responsabilidade das partes em sede probatória”. A atividade que o juiz desenvolve no exercício dos poderes conferidos pelo citado art.º 411º há de ter em mira a prevalência da verdade material sobre uma verdade meramente formal, e a justa composição do litígio, mas não pode deixar de ter presente os ónus que a lei especialmente impõe às partes, o que se torna evidente nas situações em que seria uma ofensa a estes imperativos que o juiz oficiosamente determinasse a realização de meios de prova que a parte, a quem incumbia a sua apresentação, não o tivesse feito nas condições em que o deveria ter efetuado. Na acção declarativa comum, é dever das partes juntar os documentos, apresentar o rol de testemunhas e requerer outros meios de prova com os respetivos articulados (art.ºs 423º 552º, nº 2 e 572º, al d), do Código de Processo Civil). Depois dessa fase, poderá haver alteração do requerimento probatório e aditamento ou alteração ao rol de testemunhas apenas nas condições previstas no art.º 598º do mesmo código, entre elas, quanto ao requerimento probatório, na audiência prévia quando a ela haja lugar nos termos do disposto no artigo 591º ou nos termos do disposto no nº 3 do art.º 593º, ambos do Código de Processo Civil. Dos princípios da igualdade, da preclusão e da autorresponsabilidade das partes resulta que, caso não indiquem os meios de prova nos respetivos articulados quando tal lhes é legalmente imposto, com observânciados prazos perentórios a que estes estão sujeitos, ocorre preclusão desse direito. É incontroverso que fora dos prazos e momentos previstos na lei não podem as partes apresentar os seus requerimentos probatórios. O dever de oferecer os meios de prova de que dispõem, nos respetivos articulados, ou seja, no ato em que cada uma das partes desenvolve a sua argumentação e formula a sua pretensão, tem razões óbvias: traz coerência, inteligibilidade e sustentabilidade à argumentação, e permite à parte contrária avaliar melhor a sua consistência e viabilidade, assim como a necessidade e a medida da sua oposição, no exercício do contraditório. Os documentos podem ainda ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado (nº 2 do art.º 423º do Código de Processo Civil). Depois deste limite temporal, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tomado necessária em virtude de ocorrência posterior (nº 3 do mesmo preceito legal). Este regime, algo rígido e simultaneamente flexível, tem ainda uma válvula de escape na norma do citado art.º 411º, justificada pela necessidade de dar prevalência à realização da justiça material. Mas, o dever investigatório do juiz, fora das condições do exercício do ónus das partes requererem e apresentarem os meios de prova no prazo ou no momento próprio, não pode obliterar aquele regime especificamente prescrito para esse efeito e, em igualdade, para ambas as partes (a apresentação do requerimento probatório nos tempos e lugares devidos). O princípio do inquisitório não impõe ao tribunal o dever de acolher toda e qualquer pretensão instrutória de uma das partes em qualquer momento e condição formulada, e menos ainda que, oficiosamente, sob a invocação da relevância dos meios que aponta, lhe faculte a produção de qualquer prova que tempestivamente podia e devia ter oferecido e deixou de requerer, prejudicando com isso o regime especificamente prescrito para esse efeito e, em igualdade, para ambas as partes. Expende-se no acórdão da Relação do Porto de 4.6.2013[...]: “Com efeito, só em concreto, seja por via da dinâmica da produção da restante prova produzida em sede própria (maxime em audiência de julgamento), e sob contraditório, ou por via de sugestão de qualquer das partes, nessa mesma sede e sob o mesmo contraditório, haverá o tribunal de averiguar da utilidade ou necessidade da produção de outros meios de prova para além dos oportunamente produzidos ou requeridos pelas partes. Só em concreto, isto é, nas concretas circunstâncias da actividade instrutória desenvolvida conforme tempestivamente proposto pelas partes, é que o tribunal poderá considerar a necessidade de outros meios de prova, que se revelem necessários "ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio". E isso, poderá até acontecer no decurso da audiência de julgamento, ou até antes, se, na situação concreta, o tribunal entender antecipadamente ser essencial à realização desses objectivos a produção de qualquer meio de prova que as partes não requereram.”[...] Não esqueçamos que nos encontramos perante um processo de partes, em que impera o dispositivo quanto à alegação da matéria de facto e quanto ao ónus da prova, com julgamento segundo um critério de legalidade; não é um processo de jurisdição voluntária em que o legislador privilegia a intervenção do tribunal, pela oficiosidade dos atos[...], sem vinculação à observância rigorosa do direito aplicável, designadamente do direito processual” De acordo com Lopes do Rego[6], “o exercício dos poderes de investigação oficiosa do tribunal pressupõe que as partes cumpriram minimamente o ónus que sobre elas prioritariamente recai de indicarem tempestivamente as provas de que pretendem socorrer-se para demonstrarem os factos cujo ónus probatório lhes assiste - não podendo naturalmente configurar-se como uma forma de suprimento oficioso de comportamentos grosseira ou indesculpavelmente negligentes das partes”. Já assim o lembrava o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28.05.2002[7] ao referir que “o exercício dos poderes de investigação oficiosa do tribunal não serve para suprir comportamentos negligentes das partes”, pressupondo “que estas cumpriram minimamente o ónus que sobre elas recai de indicarem as provas de que pretendem socorrer-se”. No que nos autos se discute, os artigos 19.º, 21.º e 23.º dos designados temas de prova reproduzem matéria alegada em sede de contestação pela Ré, aqui recorrente. Esta, não obstante não poder desconhecer que a demonstração da matéria controvertida em causa não podia fazer-se por qualquer meio de prova, antes a sua comprovação exigia prova documental específica, não juntou essa prova com a contestação, onde articulou a referida factualidade, como lhe era legalmente exigido pelo n.º 1 do artigo 423.º do Código de Processo Civil. Podendo, ainda assim, juntar os documentos necessários à demonstração da aludida matéria controvertida no prazo previsto no n.º 2 do referido normativo, a ora recorrente não os apresentou e nada requereu, nomeadamente quanto à sua requisição, apesar da advertência na enunciação dos temas de prova quanto à natureza do meio de prova considerado necessário para a comprovação dos factos elencados nos n.ºs 19.º, 21.º e 23.º. Ora, apesar da incontroversa evolução para a prevalência do princípio do inquisitório, este continua a coexistir com os princípios do dispositivo, da preclusão e da autorresponsabilidade das partes, continuando a exigir-se destas não apenas o cumprimento do dever de alegação dos factos essenciais que constituem a causa de pedir e daqueles em que se baseiem as excepções invocadas, mas também a indicação dos meios de prova adequados à satisfação do respectivo ónus probatório, a cumprir no momento processualmente fixado para o efeito, não podendo, quando confrontadas com o resultado da sua própria inércia e negligência, exigir que o juiz as tivesse suprido, substituindo-se à parte incumpridora, comprometendo, desse modo, o próprio princípio de igualdade das partes consagrado no artigo 4.º da lei processual civil. Defende a recorrente que a “...douta sentença, por omissão de pronúncia sobre factos que determinava nos temas de prova como relevantes para apuramento da verdade dos factos e boa decisão da causa, deverá ser declarada nula ou anulada, com todas o seus efeitos legais”. Do que se deixou exposto, não poderá deixar de se concluir que não só o tribunal recorrido não omitiu qualquer diligência probatória que oficiosamente devesse desenvolver, como, das taxativamente enumeradas no n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, não se mostra concretamente preenchida nenhuma das circunstâncias aí tipificadas como nulidades da sentença. 2. Da invocada deficiente/falta de fundamentação. Alega a recorrente que “A douta sentença, ora em crise, assenta de forma genérica e vaga no princípio da livre apreciação da prova, e constata-se que é destituída de qualquer análise critica, sobre o probatório produzido nos autos, sem qualquer especificação, em concreto, que permita conhecer a efetiva motivação que a sustenta e qual o iter cognitivo do digno Tribunal “a quo” na sua formação e coerente concordância com a verdade dos factos, evidenciada no binómio de convencido versus convincente, e em consequência direta a bondade da decisão proferida assegurando-se, em caso de discordância, a salvaguarda dos motivos de reação sobre a mesma, conforme devidamente explicitado supra nos artigos 28.º a 51.º, do presente recurso, constatando-se do confronto do probatório dos autos, da factualidade dada como provada e como não provada e, com todo o respeito, ainda da conclusiva, vaga e ilógica motivação plasmada na douta sentença, que se afigura como discriminatória ou arbitrária e destituída de qualquer fundamento de facto, evidenciada na manifesta violação do princípio da livre apreciação da prova, sem rigor de verdade e de especificação concreta, que a douta sentença, s.m.o., deverá ser declarada nula ou anulada e substituída por outra que, repondo a merecida justiça, julgue o presente recurso procedente e consequentemente a presente ação improcedente”: artigo 3.º das conclusões. Aponta a recorrente à sentença de cujo conteúdo diverge falta, ou, pelo menos, deficiente fundamentação, reclamando, em consequência, que seja a mesma “declarada nula ou anulada”. Sem expressamente o convocar, parece, assim, imputar a apelante à sentença de que recorre vício passível de integração na previsão da alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, de enumeração taxativa. A decisão relativa à matéria de facto mostra-se assim motivada: “Quanto aos factos que se encontravam controvertidos, o tribunal formou a sua convicção na análise crítica, à luz das regras da experiência comum e critérios de normalidade, dos depoimentos das testemunhas ouvidas, das declarações de parte prestadas por AA, das declarações de parte da ré S..., Lda., prestadas pelo seu legal representante GG, e de todos os documentos juntos autos. Ora, os factos objectivos alegados pela autora encontram-se evidenciados essencialmente pela documentação junta com a petição inicial, a qual, de forma idónea, certifica, não apenas os créditos alegados, como também toda a actuação e diligências feitas pela Autoridade Tributária nos respectivos processos executivos. Essa documentação foi complementada pelos depoimentos das testemunhas ouvidas, HH e II, respectivamente, técnica da Administração Tributária e chefe dos serviços das ..., as quais, como é natural, dado o decurso do tempo e os inúmeros processos que têm a seu cargo, revelaram um conhecimento menos preciso e pormenorizado do que aquele que ficou exarado naquela documentação. Sendo certo que o facto descrito em 7º dos factos provados encontra-se comprovado através do documento de fls. 285 a 303 dos autos. Por outro lado, a prova produzida é de molde a concluir-se que o património da 1ª ré, sem os bens cujas vendas estão impugnadas, é manifestamente insuficiente para obter o pagamento do crédito em causa nos autos. Isto tendo presente o valor do imóvel descrito nos factos apurados, o valor do direito de usufruto, o valor do crédito reclamado, mesmo que com a redução determinada na sentença a que alude o ponto 7º dos factos provados, e bem assim a previsibilidade, de acordo com as regras da experiência comum, da dificuldade que existirá em vender tal direito de usufruto, em sede executiva, pelo seu valor, sendo expectável que, se a venda ocorrer, seja obtido um valor muito inferior. Ao que acresce o facto de não existirem outros bens penhorados, sendo facto notório que a penhora de bens móveis só se tem por concretizada com a apreensão dos bens, que, no caso concreto, não se verificou por motivo não imputável à Autoridade Tributária como decorre de toda a prova produzida. O acervo probatório exposto não foi infirmado por mais nenhum meio de prova, revelando-se suficiente para a formação de uma convicção segura sobre a ocorrência dos factos objectivos que se encontravam controvertidos, a justificar a sua prova. No que se refere aos factos de natureza subjectiva dados como provados, tratando-se de factos do foro interno, o tribunal teve presente que os factos objectivos apurados, quer essenciais quer instrumentais (estes resultantes das próprias declarações prestadas por AA), são de molde a, de acordo com as regras da experiência comum e critérios de normalidade, extrair aqueles outros factos de natureza subjectiva no que se refere às rés F..., S.A., N..., SA, e I..., Unipessoal, Lda., (presunção judicial – art. 349º do CC). O mesmo não acontecendo no tocante às rés S..., Lda., e L..., Lda... Com efeito, é o próprio declarante AA que, nas suas declarações, refere ser a pessoa que, de facto, sempre mandou e manda na 1º a 3ª rés, sem prejuízo de, do ponto de vista formal, poder já não ser, actualmente ou no passado, gerente de direito. Resultando, de resto, das suas declarações que o próprio não faz qualquer distinção entre a sua própria pessoa e as pessoas colectivas que representa, quer de facto quer de direito, desconsiderando totalmente as suas personalidades e existindo uma clara confusão entre os patrimónios de uns e de outros, os quais são geridos de acordo com as conveniências daquele AA. Este contexto revela com toda a probabilidade, de acordo com as regras da experiência comum e critérios de normalidade, a intencionalidade e conhecimento das 1ª a 3ª rés dados como provados relativamente aos negócios impugnados nestes autos. Porém, do quadro probatório exposto, e em particular das declarações daquele AA, das declarações prestadas pelo legal representante da ré S... e dos documentos por esta juntos aos autos com a sua contestação (factura e recibo que titularam a sua compra), não resulta qualquer ligação entre essas empresas e o referido AA, não estando apurada, relativamente aquelas empresas, qualquer ingerência daquele AA na gestão e processo decisório das mesmas. Não há, ademais, qualquer prova de que a 4ª e 5ª rés soubessem das dívidas tributárias da 1ª ré. Deste modo, o quadro probatório não permite, em relação às referidas 4ª e 5ª rés, qualquer ilação da factualidade de natureza subjectiva que foi dada como não provada. Quanto aos restantes factos dados como não provados, o seu não apuramento resulta do facto de não terem sido juntos aos autos os documentos legalmente necessários à sua demonstração, a qual não podia ser feita através de testemunhas – cfr. art. 393º, n.º 1, do CC (exigência a que se fazia alusão em cada um dos respectivos temas da prova)”. Segundo o já mencionado artigo 615.º, n.º 1, b) do Código de Processo Civil, é nula a sentença quando “não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”, vício que se reporta à inobservância da exigência legal fixada nos n.ºs 3 e 4 do artigo 607.º do mesmo diploma legal. Respeita o vício elencado na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º da lei processual civil à omissão de fundamentação, quer de facto, quer de direito, da sentença. Como esclarecem, a propósito, Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora[8], “para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta embora esta se possa referir aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito. (…) Para que haja falta de fundamentação, como causa de nulidade da sentença, torna-se necessário que o juiz não concretize os factos que considera provados e coloca na base da decisão. Relativamente aos fundamentos de direito, dois pontos importa salientar. Por um lado, o julgador não tem que analisar todas as razões jurídicas que cada uma das partes invoque em abono das suas posições, embora lhe incumba resolver todas as questões suscitadas pelas partes: a fundamentação da sentença contenta-se com a indicação das razões jurídicas que servem de apoio a solução adoptada pelo julgador. Por outro lado, não é indispensável, conquanto seja de toda a conveniência, que na sentença se especifiquem as disposições legais que fundamentam a decisão; essencial é que se mencionem os princípios, as regras, as normas em que a sentença se apoia”[9]. Importa ainda reter que “da falta absoluta de motivação jurídica ou factual - única que a lei considera como causa de nulidade —há que distinguir a fundamentação errada, pois esta, contendendo apenas com o valor lógico da sentença, sujeita-a a alteração ou revogação em recurso, mas não produz nulidade”[10]. Como precisa o acórdão da Relação do Porto de 28.10.2021[11], “...à apreciação da nulidade da decisão por falta de fundamentação não interessa curar do acerto e justeza dos fundamentos elencados na decisão (do seu desacerto, da sua deficiência ou da sua incompletude – ou seja, não está em causa o erro do julgamento, a injustiça da decisão e/ou a sua não conformidade ao direito) – importa apurar, precisamente, se a decisão se mostra fundamentada, ou seja, alicerçada em argumentos que a suportem, independentemente de eles se mostrarem incompletos, deficientes, não convincentes ou mesmo desacertados. Entendimento que deve ser amenizado em vista de conformar as exigências impostas pelo quadro constitucional vigente que impõe um dever geral de fundamentação das decisões judiciais (art. 205º, nº 1, da CRP), a densificar em concretas previsões normativas, de modo a que os seus destinatários as possam apreciar e analisar criticamente, designadamente mediante a interposição de recurso, nos casos em que tal for admissível’, o que só será conseguido se a decisão for perceptível – e assim que também a ‘fundamentação de facto ou de direito insuficiente, em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial, deve ser equiparada à falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto e de direito e, consequentemente, determinar a nulidade do acto decisório’[...]; à ‘falta de fundamentação de facto e de direito deve ser equiparada a fundamentação que exponha as razões, de facto e de direito, para a decisão de modo incompleto, tornando deste modo a decisão incompreensível e não cumprindo o dever constitucional/legal de justificação.’[...]”, concluindo o mesmo acórdão que “Actualmente não está excluído que na descrição da matéria de facto da causa se recorra a expressões de conteúdo mais genérico ou até conclusivo, desde que permitam percepcionar a realidade invocada e estejam concretizadas e substanciadas nos demais factos que as contêm ou que a elas se reportam em ordem à concretização da realidade subjacente ao litígio”. Quanto à decisão de facto, as críticas formuladas pela recorrente não permitem atestar a denunciada falta de fundamentação, não padecendo igualmente a sentença de falta de fundamentação de direito, sendo a sentença claramente perceptível quanto às razões que conduziram à decisão, de facto e de direito. Não padece, pois, a sentença aqui sindicada de vício que se reconduza à sua nulidade ou que justifique a “anulação” reclamada pela apelante. 3. Reapreciação da matéria de facto. Não se conformando a recorrente com a decisão proferida em primeira instância quanto a parte da matéria de facto submetida a julgamento, reclama desta instância o reexame da mesma e alteração da matéria fixada, de forma que os factos dados como provados sob os n.ºs 16º, 17º, 18º, 19º, 28º, 30º, 36º e 38º, 22º, 23º, 26º, 27º, 31º e 32, e os dados como não provados nos n.ºs 1.º, 2.º e 5.º, e 4.º, 6.º e 7.º, sejam “alterados ou corrigidos e substituídos por outros”, propondo a respectiva redacção. Dispõe hoje o n.º 1 do artigo 662.º do Código de Processo Civil que “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”, estabelecendo o seu nº 2: “A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente: a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento; b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova; c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta”. De acordo com o n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, “quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”. Como esclarece Abrantes Geraldes[12] , “a rejeição do recurso, na parte respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto, deve verificar-se em alguma das seguintes situações: a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto; b) Falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados; c) Falta de especificação dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.); d) Falta de indicação exacta das passagens da gravação em que o recorrente se funda, quando tenha sido correctamente executada pela secretaria a identificação precisa e separada dos depoimentos; e) Falta de apresentação da transcrição dos depoimentos oralmente produzidos e constantes de gravação quando esta tenha sido feita através de mecanismo que não permita a identificação precisa e separada dos mesmos; f) Falta de especificação dos concretos meios probatórios oralmente produzidos e constantes de gravação quando, tendo esta sido efectuada por meio de equipamento que permitia a indicação precisa e separada, não tenha sido cumprida essa exigência por parte do tribunal; g) Apresentação de conclusões deficientes, obscuras ou complexas, a tal ponto que a sua análise não permita concluir que se encontram preenchidos os requisitos mínimos para que possa afirmar-se a exigência de algum dos elementos referidos nas anteriores alíneas b) e c)”. E acrescenta o mesmo autor: “importa observar ainda que as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor, próprio de um instrumento processual que visa pôr em causa o julgamento da matéria de facto efectuado por outro tribunal em circunstâncias que não podem ser inteiramente reproduzidas na 2ª instância. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”[13]. Já no preâmbulo do Decreto - Lei n.º 39/95, de 15/02, que introduziu o artigo 690º-A do Código de Processo Civil, na versão anterior à do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, se fazia constar: “a consagração de um efectivo duplo grau de jurisdição quanto à matéria de facto não deverá redundar na criação de factores de agravamento da morosidade na administração da justiça civil. Importava, pois, ao consagrar tão inovadora garantia, prevenir e minimizar os riscos de perturbação do andamento do processo, procurando adoptar um sistema que realizasse o melhor possível o sempre delicado equilíbrio entre as garantias das partes e as exigências de eficácia e celeridade do processo... A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência - visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso. Não poderá, deste modo, em nenhuma circunstância, admitir-se como sendo lícito ao recorrente que este se limitasse a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida em 1.ª instância, manifestando genérica discordância com o decidido. A consagração desta nova garantia das partes no processo civil implica naturalmente a criação de um específico ónus de alegação do recorrente, no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação”. Tal orientação foi claramente reafirmada na reforma legislativa de 2007, como expressamente decorre do artigo 685º-B, já referido, tendo sido até reforçada pelo novo Código de Processo Civil aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho[14]. Como é afirmado por Abrantes Geraldes[15], “com o art. 640º do novo CPC o legislador visou dois objectivos: sanar dúvidas que o anterior preceito suscitava e reforçar o ónus de alegação imposto ao recorrente, prevendo que deixe expresso a decisão alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova”. Das normas em causa ressaltam essencialmente duas conclusões: A primeira reporta-se ao âmbito da impugnação da matéria de facto: só é possível uma impugnação delimitada, discriminada, não sendo admissível uma oposição genérica, indiferenciada do decidido. Como salienta Lopes do Rego[16], «…o alegado “erro de julgamento” normalmente não inquinará toda a decisão proferida sobre a existência, inexistência ou configuração essencial de certo “facto”, mas apenas sobre determinado e específico aspecto ou circunstância do mesmo, que cumpre à parte concretizar e delimitar claramente». A segunda refere-se à indicação dos meios probatórios que suportam a divergência quanto ao julgamento da matéria de facto: o recorrente deve indicá-los, de forma precisa e individualizada, reportando-os ao concreto segmento da decisão impugnada, pois que não é mister da segunda instância proceder à reapreciação da globalidade dos meios de prova produzidos. O ónus específico que o anterior artigo 685º-B do Código de Processo Civil e actualmente o artigo 640.º do NCPC faz recair sobre o recorrente mais não é do que uma manifestação de princípios processuais fundamentais como o da cooperação, da lealdade e da boa-fé, assegurando a seriedade do próprio recurso interposto, evitando que o mesmo seja usado com fins meramente dilatórios, com o único propósito de protelar o trânsito da decisão[17]. De acordo com as “linhas orientadoras da nova legislação processual civil”[18], um dos objectivos essenciais da reforma do processo civil consistia em assegurar a “efectiva existência de um segundo grau de jurisdição na apreciação de questões de facto, em articulação com o princípio do registo das audiências e da prova nela produzida”, mas para que tal não constituísse um factor de acentuada morosidade na segunda instância, ressalva-se a necessidade de alteração do “ónus de alegação e formulação de conclusões pelo recorrente que impugne a matéria de facto, incumbindo-lhe a indicação precisa, clara e determinada dos concretos pontos de facto em que diverge da apreciação do tribunal, devendo fundamentar a sua divergência com expressa advertência às provas produzidas - procurando-se, por esta via, tornar praticável uma verdadeira reapreciação dos concretos pontos de facto controvertidos, sem custos desmedidos em termos de morosidade na apreciação dos recursos”. Assinala o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.10.2015[19]: “para além de sempre ter vigorado um rigoroso ónus de delimitação do objecto da impugnação deduzida pelo apelante e de fundamentação minimamente concludente de tal impugnação (traduzido na necessária e cabal indicação dos pontos de facto questionados e dos meios probatórios que imponham decisão diversa sobre eles, complementado entretanto pela vinculação do recorrente a indicar qual o exacto sentido decisório que decorreria da correcta apreciação dos meios probatórios em causa, assim mostrando claramente onde estava situado o invocado erro de julgamento), estabelecia ainda o regime originário, emergente do DL 329-A/95 um ónus de transcrição das passagens da gravação em que o recorrente se fundava para demonstrar a existência do erro na apreciação das provas gravadas ou registadas (facultando-se assim ao Tribunal da Relação um suporte físico escrito, tendente a facilitar grandemente a tarefa de reapreciação dos depoimentos e, pela onerosidade da tarefa de transcrição, inteiramente a cargo do recorrente, desmotivando impugnações manifestamente infundadas e ostensivamente inviáveis). Por outro lado, procurou inviabilizar-se a possibilidade de formulação de convites ao aperfeiçoamento, geradores de incidentes dilatórios, no que se refere ao adequado cumprimento dos ónus a cargo do apelante, cabal e claramente definidos pela lei de processo, por se considerar tal possibilidade geradora de possíveis abusos e potenciadora de atrasos processuais: a falta de cumprimento adequado pelo recorrente dos ónus, claramente definidos na lei, seria, pois, indício de uma falta de consistência e seriedade na impugnação da matéria de facto que, sem mais, deveria ditar o imediato insucesso do recurso, nessa parte. [...] O actual CPC não trouxe consigo alteração relevante no ónus de delimitação e fundamentação do recurso em sede de matéria de facto, já que o nº 1 do artigo 640º: – manteve, sob pena de rejeição do recurso quanto à matéria de facto, o ónus de indicação obrigatória dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados (al. a) e de especificação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos de facto impugnados diversa da recorrida (al. b), exigindo ainda ao recorrente que especifique expressamente a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (al. c); - e à mesma rejeição imediata conduz, no actual CPC, a falta de indicação exacta das passagens da gravação em que se funda o recurso, sem prejuízo de o recorrente poder apresentar a “transcrição dos excertos” relevantes. Percorrendo, deste modo, os regimes processuais que têm vigorado quanto a este tema, é possível distinguir um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação - que tem subsistido sem alterações relevantes; e um ónus secundário – tendente, não tanto a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida – que tem oscilado, no seu conteúdo prático, ao longo dos anos e das várias reformas – indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização das passagens da gravação relevantes”. O legislador fulmina com a rejeição do recurso, relativamente à impugnação da matéria de facto, a falta de cumprimento de qualquer dos ónus impostos pelos n.ºs 1 e 2 do artigo 640.º da lei processual civil, sem possibilidade sequer de correcção dessa omissão na sequência de despacho de aperfeiçoamento, que não tem de ser proferido para sanar tais situações[20]. No caso vertente, reclama a apelante a alteração da decisão sobre a matéria de facto “tendo por referência a prova documental aceite pelo digno Tribunal e a factualidade alegada e não impugnada e em consequência tida como aceite”, como indica nas conclusões de recurso, sem que essa referência, imprecisa e indeterminada, seja concretizada no corpo das alegações apresentadas. Impugnando a recorrente matéria de facto com base no invocado erro de valoração da prova, exigia-se que especificasse, concretizando, quais os meios de prova constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto diversa da recorrida, só assim dando integral cumprimento ao ónus imposto pelo artigo 640, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil. Não satisfez a apelante tal exigência, limitando-se a remeter para a prova documental aceite pelo tribunal e para a factualidade alegada e não impugnada – e com base nas quais o tribunal recorrido considerou provada matéria que a recorrente impugna sem indicar outros meios de prova que possam fundamentar decisão divergente -, para além de que, relativamente aos factos não provados, na perspectiva do tribunal recorrido por ausência de prova, também a recorrente não concretiza quais os meios probatórios com base nos quais aqueles mesmos factos devem passar a considerar-se provados. Além disso, ao propor a alteração da redacção do facto constante do n.º 16.º dos factos provados, de forma a acrescentar o segmento “...e por isso, estando suspensa a ordem de serviço que sustentava a liquidação e as imputadas dívidas tem-se que estas são nulas, ineficazes, incertas, ilíquidas e inexigíveis.”, está a recorrente a propor não a alteração de factos, mas antes a introdução de conceitos de direito e de juízos conclusivos, que não podem ser admitidos. Deste modo, não tendo a recorrente cumprido de forma minimamente satisfatória o ónus imposto pelo citado artigo 640.º, n.º 1, b) do Código de Processo Civil, e sendo o incumprimento de algum dos ónus enumerados no referido normativo imediatamente fulminado com a rejeição do recurso na parte em que visa a reapreciação da matéria de facto, sem possibilidade de formulação a qualquer convite de aperfeiçoamento, rejeita-se o recurso na parte em visava a impugnação da decisão relativa à matéria de facto . 4. Mérito do julgado. Não tendo sido introduzida qualquer alteração à matéria de facto e não havendo recursivamente sido suscitada qualquer outra questão estritamente respeitante à interpretação e aplicação das regras de Direito, haverá que ser confirmada a sentença, improcedendo a apelação. * Síntese conclusiva:………………………. ………………………. ………………………. Nestes termos, acordam os juízes desta Relação, na improcedência do recurso, em confirmar a sentença recorrida. Custas: pela apelante. [Acórdão elaborado pela primeira signatária com recurso a meios informáticos] Porto, 27.01.2022 Judite Pires Aristides Rodrigues de Almeida Francisca Mota Vieira ______________________________ [1] Actuais artigos 429.º, 432.º e 436.º do Código de Processo Civil. [2] Artigo 5.º do Código de Processo Civil e artigos 342.º e seguintes do Código Civil. [3] Processo n.º 549/19.1T8PVZ-A.P1, www.dgsi.pt. [4] Acórdão da Relação de Coimbra de 12.03.2019, proc.º 141/16.2T8PBL-A.C1, www.dgsi.pt. [5] Processo n.º 6775/19.6T8PRT-A.P1, www.dgsi.pt. [6] Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. I, 2ª edição, 2004, Almedina. [7] Processo 02A1605, www.dgsi.pt.; em idêntico sentido, cfr. acórdão da Relação do Porto de 2.10.2006, www.dgsi.pt. [8] “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., pág. 687 e segs. [9] Cf. em idêntico sentido, Acórdão STJ de 19/03/02, “Rev. nº 537/02-2ª sec., Sumários, 03/02”; Acórdão Relação de Coimbra de 16/5/2000, www.dgsi.pt; Acórdão STJ de 13/01/00, “Sumários, 37-34”; Acórdão Relação Lisboa, de 01/07/99, BMJ 489-396. [10] Anselmo de Castro, “Direito Processual Civil Declaratório”, vol. III, pág. 141. [11] [12] “Recursos em Processo Civil, Novo Regime”, págs. 146, 147. [13] Cfr. ainda acórdão da Relação de Coimbra de 11.07.2012, processo nº 781/09.6TMMGR.C1, www.dgsi.pt. [14] Artigo 640º do novo diploma; cfr. Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2013, pág. 123 a 130 e Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 113/XII, apresentada à Assembleia da República, de cuja aprovação veio a resultar o referido Código, disponível em www.parlamento.pt. [15] “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2013, Almedina, pág. 126. [16] “Comentários ao Código de Processo Civil”, vol. I, pág. 608. [17] Cfr. citado Preâmbulo. [18] Ministério da Justiça e revista Sub Judice, 1992, IV. [19] Processo nº 233/09.4TBVNG.G1.S1, www.dgsi.pt. [20]Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 142, Amâncio Ferreira, “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 3ª ed., pág. 466, Lopes do Rego, ob. cit., pág. 150; cfr. ainda, entre outros, acórdãos da Relação de Coimbra de 14.02.2012, processo nº 1110/08.1TBILH.C1, de 20.03.2012, processo nº 21/09.8TBSRE.C1, de 15.05.2012, processo nº 285/09.7TBAVR.C1, todos em www.dgsi.pt. |