Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1016/23.4T8PRD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL DOMINGOS FERNANDES
Descritores: ARRESTO
JUSTO RECEIO DE PERDA DA GARANTIA PATRIMONIAL
Nº do Documento: RP202405061016/23.4T8PRD.P1
Data do Acordão: 05/06/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMAÇÃO
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - No arresto, para a alegação e comprovação do justo receio ou justificado receio de perda de garantia patrimonial tem-se entendido, tanto no campo jurisprudencial como na doutrina, que não basta o receio meramente subjetivo, porventura exagerado do credor (ou baseado em meras conjeturas), de ver insatisfeita a prestação a que julga ter direito, antes há de esse receio assentar em factos concretos que o revelem à luz de uma prudente apreciação, isto é, terá ele que se alicerçar nas circunstâncias e factos demonstrados, segundo uma avaliação dependente das regras de experiência comum.
II - Do incumprimento da obrigação–de per si–não decorre o risco da incobrabilidade do crédito, sendo apenas um elemento a ponderar na avaliação, global e concreta, das circunstâncias de facto justificativas do receio objetivo de perda da garantia patrimonial.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 1016/23.4T8PRD.P1 - Apelação
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este-Juízo Local Cível de Paredes- J2


Relator: Des. Dr. Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Drª Teresa Sena Fonseca
2º Adjunto Des. Drª Maria Fernandes de Almeida



Sumário:
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I - RELATÓRIO

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
O requerido AA, com residência na Rua ..., Paredes, inconformado com a decisão proferida a 29/05/2023 veio deduzir contra a requerente A..., S.A.”, com sede na Rua ..., ..., na freguesia ..., Porto e, legalmente, representada por BB, titular do cartão de cidadão nº. ...78, válido até 05.10.2027, a sua oposição ao arresto decretado pela supracitada decisão, pedindo a sua revogação e substituição por outra que cancele o arresto decretado com todas as consequências legais nos termos e pelos fundamentos que constam da citada oposição e que aqui se dão integralmente por reproduzidos.
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Teve lugar a audiência final que decorreu com observância de todas as formalidades legais, conforme decorre da análise da correspondente ata.
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A final foi proferida decisão do seguinte teor:
“Pelo exposto, nos termos do disposto no artigo 372.º, n.º 3 do CPC, por se mostrar inadequado o arresto decretado, por um lado, por não estarem verificados os requisitos legais para a derrogação da pessoa coletiva e, por outro lado, a prova carreada demonstrativa de uma diferente realidade fáctica, determino a revogação da providência decretada e, em consequência, ordeno o levantamento do arresto decretado a fls. 46 a 51 e 60 dos autos”.
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Não se conformando com o assim decidido veio a Requerente o interpor o presente recurso rematando com as seguintes conclusões:
 1 – “I - O arresto, integrado na figura genérica do processo cautelar, propõe-se afastar o perigo da demora na decisão a proferir na ação da dívida e, por tal, tem de ser necessariamente sumário. II - O perigo de insatisfação do direito existe sempre que o tribunal se convença tornar-se consideravelmente difícil a realização do crédito”;
2 – Para que o arresto preventivo seja decretado, é necessário de um pré–juízo que determine que há a probabilidade da existência do crédito e, de que haja um justo receio de que o devedor pratique atos que sejam suscetíveis de inutilizar, ocultar, se desfazer dos seus bens, que em princípio integram a garantia do credor, devendo para o efeito, o requerente alegar e demonstrar factos dos quais resulte o fundado receio de perda da garantia patrimonial e consequentemente a necessidade da providência;
3 – O que significa que o tribunal considere que há um, fundado receio de perda da garantia patrimonial e consequentemente a necessidade da providência;
4 – Efetivamente, o arresto, é um meio de conservação da garantia patrimonial e consiste na apreensão judicial de bens fundada no receio do credor de perder a garantia patrimonial do seu crédito e,
5 – E, como providência cautelar, visa combater o “periculum in mora”, ou seja, o prejuízo decorrente da demora do processo judicial normal;
6 – No caso dos presentes autos, o tribunal a quo, desde a análise que, necessariamente fez do requerimento inicial e da prova junta, tinha a perfeita noção da probabilidade da existência do crédito reclamado pelo recorrente, bem como, de que há justo receio de que o devedor, bem como, da possibilidade da requerida e do seu legal representante, poder inutilizar, ocultar, dissipar o património que em princípio integram a garantia do credor;
7 – Ou seja, deste facto, não teve o tribunal a quo, dúvidas, a dúvida reside na existência, ou não, do fundado receio de perda da garantia patrimonial;
8 – Ao ponto de referir que o crédito, não foi, aliás, “propriamente”, contestado;
9 - O Tribunal a quo, reconheceu a probabilidade de um crédito, que aliás, não foi posto em causa pelo a requerida, nem pelo seu legal representante;
10 – Bem como, sempre soube, que a metade indivisa do imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes, sob o n.º ...95, correspondente à fração “CL”, da freguesia ..., correspondente quota-parte da titularidade do requerido AA, o que não o impediu e, bem, de decretar a providência cautelar–arresto–e a preensão judicial de tal bem, como o requerido;
11 – Aliás, este é o único bem, anto da sociedade requerida, como do seu legal representante, para garantir, que a dívida do recorrente não seja frustrada;
12 – Algo que demonstra a forma como o armando usa a sociedade, que mais não é, que um instrumento para aparentar atividade, poder celebrar contratos e;
13 – Depois, tudo fazer, para os não cumprir;
14 – Ou seja, a recorrente, segundo tribunal a quo, alegou e demonstrou factos, que são aliás, evidentes, dos quais resulta, que “(…) os factos que tornam provável a existência do crédito e justificam o receio invocado, relacionando os bens que devem ser apreendidos, com todas as indicações necessárias à realização da diligência”-artigo 392º do CPC;
15 – O Tribunal a quo, deu como provados, os pressupostos para decretar o arresto, como sejam,
a) a prova indiciária da existência de um crédito e
b) o fundado receio que antes ou durante a pendência de uma ação proposta para satisfação do crédito seja praticado ato que cause lesão grave e dificilmente reparável ao direito que se indicia, nos termos do previsto nos artigos 362.º, 391.º e 392.º todos do CPC.
16 – Como deu como provado que o recorrente alegou e provou:
a) Probabilidade séria da existência do crédito, que in casu, nem sequer foi “propriamente”, posta em causa;
b) Que o requerente seja titular do crédito, facto que resulta da alegação, reconhecida como provada pelo tribunal a quo;
c) Fundamentado receio de perda da garantia patrimonial, de tal maneira forte, que o tribunal, decidiu e bem, decretar o arresto do bem indicado pela requerente;
17 – Da Douta decisão a quo, resulta claro, que o tribunal a quo, mudou de opinião, fazendo–o de forma injustificada, infundada, já que, a prova produzida na audiência, e a própria realidade factual e legal, existia já, aquando da decisão ora posta em causa;
18 – Muito menos, o conteúdo da oposição deduzida, que aliás, se algum mérito tem, é confirmar a razão e o direito da recorrente;
19 – O tribunal a quo, produz uma conclusão, que não só não resulta dos autos, mas que é, com todo o respeito, por diversa e mais avalizada opinião, abusiva;
20 –Dos autos, da oposição, da prova produzida e mal avaliada pelo tribunal, nenhum fundamento se pode tirar para esta incompreensível, á luz da lei e das regras da experiencia comum, para semelhante conclusão:: “recíprocos incumprimentos das obrigações assumidas por ambas as partes, que havia, por parte o conhecimento do sócio-gerente da sociedade requerente, que a requerida tinha a falta de fundo de maneio para avançar com a execução das obras sem o investimento de capital inicialmente e, que mesmo assim, insistiu na constituição do contrato de empreitada, ou seja, entende o tribunal, que existem indícios de uma responsabilidade obrigacional recíproca da requerente”;
21 – Na verdade, quando o tribunal a quo, decretou o arresto e a apreensão do bem, aliás, como o requerido, conhecia o disposto no artigo 5º. das CSC, ou seja, “as sociedades gozam de personalidade jurídica e existem como tais a partir da data do registo definitivo do contrato pelo qual se constituem, sem prejuízo do disposto quanto à constituição da sociedade por fusão, cisão ou transformação”,
22 – Sabia também já sabia, que existe, autonomia entre o património da pessoa coletiva e o dos membros dos seus órgãos sociais;
23 - como o tribunal a quo, conhecia, resultava já e até, de forma clara, da lei – artigo 197º. do CSC, aplicável às sociedades por quotas estipula-se que: “1 - Na sociedade por quotas o capital está dividido em quotas e os sócios são solidariamente responsáveis por todas as entradas convencionadas no contrato social, conforme o disposto no artigo 207.º; 2 – Os sócios apenas são obrigados a outras prestações quando a lei ou o contrato, autorizado por lei, assim o estabeleçam; 3 - Só o património social responde para com os credores pelas dívidas da sociedade, salvo o disposto no artigo seguinte”;
24 – Sabia já, que cada sócio é responsável pela sua entrada e pela parcela cuja efetivação foi diferida no contrato de sociedade, como tal, não responderão, pelas dívidas sociais somente pelas entradas próprias e, subsidiaria e solidariamente, pelas quotas dos outros sócios.
25 – Era já também, uma realidade conhecida pelo tribunal a quo, que nos termos do previsto no artigo 78º. CSC que estipula: “1. Os gerentes ou administradores respondem para com os credores da sociedade quando, pela inobservância culposa das disposições legais ou contratuais destinadas à proteção destes, o património social se torne insuficiente para a satisfação dos respetivos créditos; 2 -sempre que a sociedade ou os sócios o não façam, os credores sociais podem exercer, nos termos dos artigos 606º.a 609º. do Código Civil, o direito de indemnização de que a sociedade seja titular; 3 –a obrigação de indemnizar referida no nº.1 não é, relativamente aos credores excluída pela renúncia ou pela transação da sociedade nem pelo facto de o ato ou omissão assentar em deliberação da assembleia geral; 4 – No caso de falência da sociedade, os direitos dos credores podem ser exercidos, durante o processo de falência, pela administração da massa falida. 5 – Ao direito de indemnização previsto neste artigo é aplicável o disposto nos nºs. 3 e 6º artigo 72º.. no artigo 73º., no nº. 1 do artigo 74º.”
26 – É um facto que o tribunal a quo, reconhece que, o sócio gerente da requerida (convém ter em conta, que um e outra, se confundem, existindo aliás, enorme promiscuidade), usa a sociedade para poder enganar, ganhar dinheiro e incumprir os contraídos que a sociedade lhe permite celebrar;
27 – À recorrente, conseguiu sonegar cerca de € 45 000,000, como tribunal a quo, reconhece;
28 – Para além dos prejuízos que causou aquando do abandono da obra, deixando–a desprotegida e, em situação de total degradação, mesmo, estrutural;
29 - Há uma elevada intensidade no dolo com que o legal representante da sociedade requerida, para se apropriar do património social;
30– Sociedade aliás, que não tem património (absolutamente nenhum), para poder cumprir as suas obrigações, as suas dívidas, antigas e atuais;
31– Está mesmo, em situação de insolvência atual;
32 - O comportamento que a requerida adotou, reflete a forma como o seu legal representante está na sua vida (pouco ou nada profissional), foi culposo, mesmo, grosseiro e constata–se, agora, que para além das dificuldades alegadas pelo tribunal a quo, não é uma empresa viável, encontra–se em situação de insolvência atual, porque é incapaz, de cumprir as suas obrigações, como, à douta decisão recorrida, reconhece;
33 – É um facto que o tribunal a quo, reconhece e o legal representante da requerida confirma, que foi celebrado, entre a requerente e a sociedade requerida, um contrato de empreitada, pelo qual, a requerida, representada pelo seu legal representante, se comprometeu a construir uma obra, conforme o projeto elaborado e aprovado, durante um determinado período (estipulado contratualmente), recebendo em troca, o preço acordado e conforme as condições contratualmente, estipuladas
34 – donde resulta que, a requerida, segundo o seu legal representante, não tinha as mínimas condições para efetuar a obra, nas condições contratadas
35 – Por isso, adotou um comportamento censurável, relapso, culposo, demonstrando que, nunca teve intenção de cumprir o contrato que, com reserva mental e mediante uma declaração não séria, que demonstra a forma culposa, como está no mercado;
36 – A requerida e, sobretudo, ao seu legal representante, são uma afronta, à segurança do tráfego comercial e, uma fotografia, aliás, desfocada, porque não demonstra a realidade tal como ela é, para a confiança devida aos contratos;
37 – Por isso, a sociedade requerida está completamente despojada de património, já que é um instrumento, para enganar terceiros e para o seu legal representante “sacar” dinheiro, a quem, está na vida, com seriedade e, que não quer, nem pode, ser confrontada com meios que só podem frustrar as garantias, de poder assegurar o seu crédito;
38 - O património da sociedade requerida, confunde–se com o património do seu sócio-gerente, mais ainda, a própria sociedade, é património do seu sócio-gerente;
39 – Ou seja, a decisão do tribunal a quo, em levantar o arresto, apenas e só, porque, os bens do requerido (e por alguma razão, ele foi requerido), representa um prémio pelo comportamento relapso da requerida e do requerido;
40 – Sendo que a sociedade recorrente fica prejudicada no seu Direito de Propriedade, amputada de uma parte do seu património, por uma decisão que, com todo o respeito, não é compatível com a realidade dos factos in casu;
41 –E, que á luz das regras da experiência comum, até seriam compreensíveis, se os factos constantes da douta decisão a quo, para levantar arrasto já não fossem conhecidos do tribunal–não só eram, forma demonstrados e, o tribunal a quo, tinha a obrigação de conhecer;
Na verdade,
42 - O tribunal a quo estava na posse de todos os factos e elementos, que lhe permitiam, como permitiu, concluir que existe de facto um receio justificado na perca da garantia patrimonial por parte do credor e assim decretar a providência cautelar de arresto designadamente porque o requerido vem dissipando, culposamente, o seu património de forma célere, descuidada e preocupante;
43 – E tanto a requerente demonstrou factos “Para fazer atuar a responsabilidade dos sócios de uma sociedade, ao abrigo do disposto no art.º 78.º do Código das Sociedades Comerciais, é necessário estabelecer um nexo de causalidade entre a atuação ilícita dos sócios e a diminuição do património social, o que, não foi alegado pela requerente e jamais produzida a menor prova de que tal tenha acontecido, porquanto, na realidade não ocorreu”;
44 - E, por isso, os credores, ficam sem poder receber os seus créditos, de exercer na plenitude Direito de propriedade que está constitucionalmente consagrado, no artigo 62º da CRP; algo que a Douta decisão a quo, colocou em causa, nomeadamente, como a lei diz, se tal situação é ou não culposa, esta situação de despojo de bens, que apenas prejudica os credores!
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Corridos os vistos legais cumpre decidir.
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II - FUNDAMENTOS
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil.
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No seguimento desta orientação é apenas uma a questão a decidir:
a)- saber se devia ter sido, ou não, mantido o arresto decretado na decisão inicial.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
O tribunal recorrido deu como assente, indiciariamente, na decisão inicial os seguintes factos:
1). Requerente e Requeridos, celebraram, em 17.08.2022, um contrato de empreitada, tendo a primeira adjudicado aos segundos a execução de obras de reforma de duas habitações unifamiliares, ambas sitas na Rua ..., ..., respetivamente, em ....
2). No contrato outorgado ficou estipulado, que o prazo para a execução da obra seria de 3/4 meses, a contar da semana anterior à da celebração do contrato.
3). Pelo preço global de €139.545,67 (cento e trinta e nove mil quinhentos e quarenta e cinco euros e sessenta e sete cêntimos).
4). O pagamento seria realizado por transferência bancária para a conta indicada pela Ré, de forma faseada e gradual, pagando a Requerente à Requerida:
- 30% do valor global da empreitada no 1º dia útil a contar da assinatura do auto de consignação de trabalhos, mediante emissão e envio da correspondente fatura;
- No dia 25 de cada mês, mediante envio do auto de medição com a lista de trabalhos executados e materiais fornecidos, depois de devidamente aprovado e comprovado pela equipa de fiscalização e mediante a emissão e envio da correspondente fatura;
5). No caso de incumprimento do prazo estipulado acordou-se que a consequência seria o direito à rescisão contratual por parte da Requerente, com a prévia liquidação dos trabalhos executados pela firma Requerida, até à data do incumprimento, ou, o direito da Requerente a ser ressarcida, no montante de €100,00/dia (cem euros) por cada dia de atraso no cumprimento.
6). Foi ainda, verbalmente, convencionado pelas partes começar a obra pela casa que era objeto de um contrato promessa e que a Requerente pretendia vender em primeiro lugar, como era do conhecimento dos Requeridos, conforme e-mail para alteração da carpintaria datado de 08.09.2022.
7). A Requerente nunca teve em sua posse o contrato original.
8). Os Requeridos incumpriram ab initio, com a obrigação de fornecer o auto de consignação dos trabalhos e de proceder à respetiva faturação, conforme acordado na Cláusula Sexta, número 1, alínea a) do Contrato de Empreitada apesar de instado para o efeito.
9). A Requerente procedeu ao pagamento de cerca de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros) antes de iniciados os trabalhos. O que fez em duas tranches: uma no montante de €10.000 (dez mil euros) em 26 de agosto de 2022 e uma segunda de no montante de €15.000 (quinze mil euros) em 15 de setembro de 2022.
10). Os Requeridos afirmavam que não podiam iniciar a obra porque haviam pago a carpintaria na totalidade.
11). Os Requeridos nunca juntaram qualquer comprovativo do referido em 10)., apesar de solicitado, e, por outro lado, porque a Requerente entrou em contacto diretamente com o carpinteiro que lhe confirmou que o 1º. Requerido apenas lhe pediu orçamentos, nunca tendo pago qualquer material de carpintaria ou quaisquer outros materiais.
12). Em novembro de 2022, o 1º Requerido começou a pedir à Requerente, sempre em nome da 2ª Requerido, dinheiro para pagar a subempreiteiros e fornecedores.
13). Tendo dado a aparência do início das obras nomeadamente pela limpeza de uma das moradias que conforme acordado seria a moradia pela qual se iniciariam os trabalhos, retirada de rufos (para substituição) e colocação de andaimes, alegando perigo de queda de materiais da fachada, para a via pública e outros.
14). Tendo a Requerente pago por essa altura mais €10.000,00, que fez em duas tranches: uma no montante de € 5.000 (cinco mil euros) em 28 de novembro de 2022 e uma segunda de no montante de €5.000 (cinco mil euros) em 29 de novembro de 2022.
15). Continuando a Requerida a não cumprir com o contratado e apenas a solicitar mais pagamentos e a dar a aparência que efetuava trabalhos, mas sem que a obra avançasse ou se justificasse qualquer pagamento.
16). Tendo mais uma vez a Requerente efetuado novo pagamento no montante de € 5.000 (cinco mil euros) em 06 de dezembro de 2022.
17). Todavia, e uma vez na posse dos referidos montantes, os Requeridos não só não pagaram aos subempreiteiros e fornecedores, como abandonaram a obra.
18). Deixando a Requerente com a responsabilidade de pagar ao pessoal subcontratado e respetivos fornecedores nomeadamente à empresa de aluguer dos andaimes.
19). Justificando os requeridos a sua falta e incumprimento com a alegada falta de pagamento por parte da Requerente.
20). O 1º. Requerido não só utilizou o dinheiro da Requerente de forma indevida, nunca o tendo direcionado para o fim proposto, como, abandonaram definitivamente a obra, em janeiro de 2023 entregando os edifícios em pior estado do que aquele em que os recebeu, ou seja, mais degradados e com fissuras.
21). Como se pode verificar pelo Relatório de Fiscalização a Requerida apenas montou os andaimes, desmontou o pavimento técnico exterior e os rufos em chapa metálica.
22). E, sem ter procedido à remoção da tela asfáltica e à colocação dos rufos em chapa metálica de 50cm/largura.
23). Deixando os edifícios totalmente expostos aos elementos, sem rufos, com a cobertura em tela asfáltica inacabada, e com inúmeras fissuras nas paredes dos terraços e em paredes da cobertura.
24). A Requerida emitiu ao longo de todo este tempo uma única fatura em 16.11.2022, Fatura 2022/12, referente à 1ª certificação, no montante de €10.760,30, que comunicou à Requerente também nesse dia, tendo, posteriormente, procedido à sua anulação da mesma, no e-fatura.
25). A Requerente liquidou a fatura referida em 24). após ter reunido com o primeiro Requerido, cedendo e procedendo ao respetivo pagamento mediante a compromisso da segunda Requerida retomar a obra em conformidade com o acordado.
26). Mas a Requerida não retomou a obra, nem apresentou qualquer justificação atendível.
27). A Requerida não executou absolutamente nada do acordado, limitando-se a colocar andaimes, cujo aluguer a Requerente pagou, a fazer uma singela limpeza, e a remover materiais deixando os edifícios expostos e degradados e até vandalizada com único intuito do 1º Requerido obter para si benefícios que bem sabia não serem devidos.
28). Até ao momento, a Requerente já gastou cerca de € 41.861,00 (quarenta mil oitocentos e sessenta e um euros) sem qualquer contrapartida, sendo que nem €5.000 (cinco mil euros) foram gastos na obra que os Requeridos efetuaram.
29). A retirada dos rufos não era necessária tendo comentado o primeiro requerido que os mesmos custariam cerca de €5.000 quando, na verdade, custaram €600.00.
30). Vários subempreiteiros funcionários dos Requeridos, dirigiram-se à Requerente, afirmando que lhes era dito pelo primeiro Requerido que a Requerente não lhes pagava e por isso é que a obra não avançava nem tinha material, algo que a Requerente demonstrou mostrando os comprovativos.
31). Fazendo por isso o 1º Requerido sua, quantia referida em 28). sem qualquer justificação para o efeito.
32). Existem situações análogas, em que os Requeridos receberam dinheiro, não tendo, depois, executado os trabalhos a que se propunham.
33). Incluindo a aqui Requerente que tinha outra obra com os Requeridos, em que procedeu ao pagamento de €10.000 (dez mil euros) para a execução de obras, nunca tendo os Requeridos faturado ou sequer concluído os trabalhos.
34). Tornando-se, à medida que o tempo avança, cada vez mais difícil entrar em contacto com os Requeridos.
35). Consta inclusive que o primeiro requerido se terá ausentado de Portugal.
36). Realizada pesquisa à base de dados do Instituto dos Mercados Públicos do Imobiliário e da Construção, verificou-se que a Ré não possui alvará ativo, desde, pelo menos, 02.11.2022.
Mais resultou provado:
37). O primeiro requerido é casado com CC, no regime de comunhão de adquiridos.
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Factos Não Provados:
Todos quantos foram alegados e que não constam dos acima elencados que não sejam matéria de direito ou meramente conclusivos.
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Na decisão à oposição deu como provada a seguinte factualidade:
1). O contrato de empreitada celebrado pelas partes, em 17.08.2022 cujo objeto era a execução de obras de reforma de duas habitações unifamiliares, ambas sitas na Rua ..., ..., respetivamente, em ..., no prazo para a execução da obra de 3/4 meses, a contar da semana anterior à da celebração do contrato e pelo preço global de € 139.545,67 (cento e trinta e nove mil quinhentos e quarenta e cinco euros e sessenta e sete cêntimos), teve a intervenção do requerido AA, na qualidade de gerente e representante legal da requerida sociedade por quotas “B..., Lda.”.
2). O 1º. Requerido pedia à autora, sempre em nome da 2ª. requerida, dinheiro para pagar a subempreiteiros e fornecedores.
3). A requerente incumpriu a obrigação assumida de pagar 30% (41.863,70€), do valor global da empreitada (€139.545,67) de entregar à requerida, no 1º. dia útil a contar da celebração do contrato para que a última, por seu lado, pudesse alavancar a execução dos trabalhos e da obra.
4). O 1º. requerido admite ter havido um atraso sucessivo e recíproco no cumprimento das obrigações contratuais por ambas as sociedades requerente e requerida, motivando o arrastamento da execução do contrato.
5). A sociedade requerente tinha o interesse na execução da obra e, como tal, tinha a obrigação de previamente ir dotando a contraparte de provisão financeira para que esta pudesse fazer face às despesas e custos.
6). A requerente efetuou os seguintes pagamentos:
- 10.000,00 €, em 26.08.2022;
-15.000,00 €, em 15.09.2022;
- 5.000,00 €, em 28.11.2022;
- 5.000,00€, em 29.11.2022;
- 5.000,00 €, em 06.12.2022;
7). A sociedade requerida foi executando a empreitada conforme a medida e a rapidez dos pagamentos que a requerente lhe ia efetuando.
8). Apenas, em 6 de dezembro de 2022, a requerente entregou à requerida, o correspondente à quantia global 40.000,00€, como resulta dos comprovativos das transferências bancárias, em montante quase equivalente ao valor de 30% da empreitada, com entrega prevista para agosto de 2022.
9). Os pagamentos foram todos efetuados para a conta bancária da sociedade requerida.
10). O montante de 40.000,00€ foi gasto nas duas obras da requerida como resulta dos autos de certificação da obra juntos e datados de 25.10.2022 e dos meses de novembro e dezembro de 2022, que repercutem trabalhos efetuados até à data, tudo no valor de € 13.235,17, incluindo IVA.
11). Tão pouco, a sociedade requerida utilizou o dinheiro que lhe foi entregue pela requerente de forma indevida ou sequer abandonou a obra.
12). No dia 14 de novembro de 2022, o requerido AA, na qualidade de gerente da requerida, enviou um e-mail ao gerente da requerente, solicitando o agendamento de uma reunião de urgência por falta de pagamento, alertando para o perigo de colapso da fachada e, a informar que era por causa do atraso no pagamento por parte da requerente que a obra poderia vir a não ser concluída dentro do prazo acordado.
13). No dia 09 de janeiro de 2023, o requerido AA, na qualidade de gerente da requerida, enviou um e-mail ao gerente da requerente em que se comprometia a terminar os trabalhos adjudicados na Obra Chalés ... casa ... até ao final do mês corrente janeiro de 2023, recorda a existência de indefinições nos acabamentos e descreve os trabalhos a finalizar até ao final do mês de janeiro de 2023.
14). A tal e-mail o gerente da requerente respondeu que a sua decisão era a do cancelamento de contrato da empreitada de duas moradias sito em Rua ..., ... ....
15). A sociedade requerida deixou de possuir o alvará ativo a partir de 02 de novembro de 2022 porque estava com dificuldades financeiras, contudo, iria proceder à sua renovação logo que tivesse meios.
16). As comunicações referidas, foram efetuadas bem depois da data que se tornara necessário renovar o alvará.
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Factos Não Provados:
Todos quantos foram alegados e que não constam dos acima elencados que não sejam matéria de direito ou meramente conclusivos.
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III. O DIREITO
Como supra se referiu a questão que importa decidir prende-se com:
a)- saber se devia ter sido, ou não, mantido o arresto decretado na decisão inicial.
Como se evidencia da decisão recorrida o tribunal a quo veio levantar o arresto que, por decisão de 30/05/2023, havia decretado por ter entendido que a matéria carreada para os autos pela oposição deduzida pelo requerido–alegando novos factos e produzindo meios de prova que não foram anteriormente considerados-e que foi indiciariamente provada foi de molde a afastar os fundamentos da providência decretada.
É, pois, contra esta decisão que se insurge a Requerente pedindo a manutenção do arresto decretado.
Quid iuris?

Cumpre, desde logo, salientar que o que releva para a apreciação da questão supra enunciada é apenas a matéria factual que nos autos vem dada como provada e não qualquer outra, tendo em conta que a mesma não foi objeto de impugnação.


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Na sua essência, o procedimento cautelar é destinado a garantir a quem o invoca a titularidade de um direito, contra a ameaça ou um risco que sobre ele paira e que é tão iminente que a sua tutela não pode aguardar a decisão da ação judicial.

Com efeito, dispõe o artigo 362.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, que “sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado”.

Deste modo, o procedimento cautelar destina-se à adoção de medidas provisórias que permitam remover ameaças sobre o direito, enquanto a questão não é definitivamente decidida, sendo seus fundamentos a invocação da probabilidade séria da existência de um direito (“fummus bonni juris”) e o fundado receio de que a demora natural na solução do litígio acarrete um prejuízo grave de difícil reparação (o “periculum in mora”), tudo isto aferido mediante prova sumária, isto é, não aprofundada mas, em todo o caso, minimamente consistente (“summaria cognitio”).

Feita esta prova, o Tribunal decretará a providência desde que o prejuízo causado ou a causar ao requerido não exceda aquele que o requerente, por sua vez, pretende evitar. E sempre dentro de uma perspetiva de instrumentalidade hipotética, ou seja, de que a composição final e definitiva do litígio no processo respetivo possa vir a ser favorável ao requerente.

Requerida a providência cautelar de arresto, dispõe o artigo 391.º, nº 1, do Código de Processo Civil que “O credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor.”

 Por seu turno, o artigo 392.º, nº 1, do Código de Processo Civil estabelece que “O requerente do arresto deduz os factos que tornam provável a existência do crédito e justificam o receio invocado (…)”.

Resulta do disposto nos artigos 391.º e 392.º do Código de Processo Civil que compete ao requerente provar os factos constitutivos do direito de crédito de que se arroga e a existência de justo receio da sua lesão e de perda de garantia patrimonial desse crédito, tratando-se de requisitos de necessária verificação cumulativa.

Efetivamente, não se mostra necessário o ato de interpelação do devedor para que se decrete o arresto. Tendo presente o objetivo essencial da providência de arresto, justifica-se o respetivo decretamento quando já existe incumprimento ou mora do devedor, mas igualmente quando se verifique uma situação em que a garantia patrimonial possa estar em risco, de modo que com antecedência, se divise um caso de impossibilidade ou grave dificuldade de no futuro o crédito ser satisfeito, considerando-se assim, que tanto merece proteção o credor cujo crédito se mostra vencido, como o que aguarda pela data do seu vencimento para exigir do devedor o seu cumprimento.[1]

Relativamente ao justo receio de perda da garantia patrimonial previsto no artigo 406.º, nº 1, do CPC, e no artigo 619º do CC exige-se um juízo de probabilidade muito forte, não bastando qualquer receio que pode corresponder a um estado de espírito que derivou de uma apreciação ligeira da realidade, num exame precipitado das circunstâncias.

É, assim, essencial a alegação e prova de um circunstancialismo fáctico que faça antever o perigo de se tornar difícil ou impossível a cobrança desse provável crédito já constituído.

O critério de avaliação deste requisito não pode assentar em simples conjeturas mas, ao invés, como ensina António Geraldes[2], “deve basear-se em factos ou em circunstâncias que, de acordo com as regras de experiência, aconselhem uma decisão cautelar imediata, como fator potenciador da eficácia da ação declarativa ou executiva”. Trata-se, em todo o caso, de um juízo provisório que terá de assentar em critérios de mera verosimilhança.

A Jurisprudência tem considerado a verificação de periculum in mora, para efeitos de decretamento do arresto, em situações em que existe, nomeadamente, a tentativa do devedor de alienar bens imóveis; o risco de o devedor ficar em situação de insolvência por dissipação ou oneração do seu património; a demonstração de que o devedor se furta aos contactos e pretende vender o património conhecido; o acentuado défice entre o crédito exigido e o valor do património conhecido do devedor, juntamente com a circunstância de o mesmo ser facilmente ocultável; a descapitalização de empresas, através da transferência dos ativos, ou a prática de atos de alienação gratuita a favor de terceiros ou atos simulados de alienação ou de oneração.[3]

Pelo Supremo Tribunal de Justiça foi considerado como factos indiciadores desse justo receio da perda da garantia patrimonial, «designadamente que... alienou ou está em vias de alienar determinados bens ou que deu o seu consentimento ou tenciona dá-lo quanto à alienação doutros.[4]


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Postos estes breves considerandos revertamos ao caso concreto dos autos.

Condescendendo que se verifica a existência do crédito por banda da Requerente, tendo em conta o valor pago por esta-quase 30% do valor global de €139.545,67 - e que a Requerida apenas terá executado em obra trabalhos no valor de pouco mais de €5.000,00 [cfr. ponto 28)[5] dos factos provados da decisão inicial, vejamos então se está verificado o segundo dos referidos requisitos para que seja decretada a providência, isto é, o receio da perda da garantia patrimonial.

Ora, respigando a matéria factual que se encontra assente na decisão inicial dela resulta que:
“30). Vários subempreiteiros funcionários dos Requeridos, dirigiram-se à Requerente, afirmando que lhes era dito pelo primeiro Requerido que a Requerente não lhes pagava e por isso é que a obra não avançava nem tinha material, algo que a Requerente demonstrou mostrando os comprovativos.
31). Fazendo por isso o 1º Requerido sua, a quantia referida em 28). sem qualquer justificação para o efeito.
32). Existem situações análogas, em que os Requeridos receberam dinheiro, não tendo, depois, executado os trabalhos a que se propunham.
33). Incluindo a aqui Requerente que tinha outra obra com os Requeridos, em que procedeu ao pagamento de €10.000 (dez mil euros) para a execução de obras, nunca tendo os Requeridos faturado ou sequer concluído os trabalhos.
34). Tornando-se, à medida que o tempo avança, cada vez mais difícil entrar em contacto com os Requeridos.
35). Consta inclusive que o primeiro requerido se terá ausentado de Portugal.
36). Realizada pesquisa à base de dados do Instituto dos Mercados Públicos do Imobiliário e da Construção, verificou-se que a Ré não possui alvará ativo, desde, pelo menos, 02.11.2022”.
Perante esta resenha factual será que está verificado o periculum in mora?
A resposta é, a nosso ver, respeitando-se entendimento diverso, negativa.
Antes de avançarmos, importa enfatizar que, toda restante factualidade, quer a que ficou assente na decisão inicial quer parte da ficou provada na decisão da oposição, contende com eventuais situações de incumprimento bilaterais do contrato de empreitada celebrados entre as partes.
Na verdade, não pode a Requerente olvidar que ela própria e antes mesmo da Requerida, se colocou uma situação de incumprimento, pois que tendo ficado acordado que a mesma teria de pagara 30% do valor global da empreitada no primeiro dia útil a contar da celebração do contrato-17/08/2022-, o primeiro pagamento desses 30% apenas ocorreu em 26/08/20222 e os restantes desse montante, sucessivamente em -15.000,00€, em 15.09.2022; - 5.000,00€, em 28.11.2022; - 5.000,00€, em 29.11.2022; - 5.000,00€, em 06.12.2022 [cfr. ponto 6) da matéria factual da oposição e 14.), 15.), 16.) e 19.) da decisão inicial).

Ora, como refere Ana Carolina dos Santos Sequeira[6] O incumprimento da obrigação, só por si, não é motivo para sustentar o arresto de bens do devedor, nem mesmo quando o devedor interpelado se recusa expressamente a cumprir, pois não se pode depreender o perigo de incobrabilidade do crédito (…)” (negritos e sublinhados nossos), não obstante, como afirma  a mesma autora, seja um elemento a ponderar na avaliação global e concreta das circunstâncias de factos justificativas do receio objetivo de perda da garantia patrimonial.


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Isto dito, o justo receito, há de assentar em factos concretos que o revelem à luz de uma prudente apreciação, não bastando o receio subjetivo, porventura conjeturado e exagerado, do credor, de ver satisfeita a prestação a que tem direito.

Por isso se entende que se verifica o justo receio de perda de garantia patrimonial quando o devedor adote, ou tenha o propósito de adotar, relativamente ao seu património conduta indiciada por factos concretos suscetíveis de fazer recear pela solvabilidade do devedor para satisfazer o direito do credor, sendo a ocultação de património, a alienação ou a expectativa de alienação ou de transferência de património sinais dos quais pode resultar o justo receio da perda da garantia patrimonial.

O fundado receio, pressuposto no arresto, não se basta com o mero temor, quer do eventual incumprimento, quer da eventual superveniente impossibilidade de efetivação do cumprimento coercivo através do património do devedor. Para o receio ser justificado tem de assentar em factos concretos que revelem, à luz de uma prudente apreciação, o referido justo receio, factos concretos que demonstram, entre outros, a situação económica e financeira do devedor, a maior ou menor solvabilidade, a natureza do património, a dissipação ou extravio de bens, o montante do crédito, etc.

Porém, in casu, não se encontra provado qualquer facto concreto que permita retirar a conclusão de que qualquer dos Requeridos se encontram a praticar atos ou assumindo atitudes no sentido do extravio ou delapidação do seu património e que inculquem a suspeita de que pretendem subtrair os seus bens, nomeadamente o bem imóvel indicado no requerimento inicial para ser objeto de arresto.
 Como dizer que está provado o apontado requisito estribado na circunstância de que  que, à medida que o tempo avança, se torna cada vez mais difícil entrar em contacto com os Requeridos?
Mas estão provados factos que atestam que os Requeridos se furtam propositadamente aos contactos com a Requerente, ou têm mesmo uma atitude hostil em relação a ela?
 Ou da simples conjetura de que consta que o primeiro Requerido se terá ausentado de Portugal?
Mas ausentou-se? E se assim foi, com que propósito?
E o facto de a primeira Requerida não ter alvará ativo, desde, pelo menos, 02/11/2022 é porventura sinónimo de que já se encontra em situação de uma eventual insolvência?

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Verifica-se, portanto, que, no caso, não estão provados quaisquer factos dos quais resulte que os requeridos estão a adotar comportamentos com vista à sonegação do seu património, nomeadamente com vista a subtrair-se ao pagamento do alegado crédito da Requerente, ou seja, não está provado nenhum comportamento concreto da parte dos Requeridos suscetível objetivamente de colocar em risco a garantia patrimonial do crédito do Requerente e, concretamente, como acima se referiu, em relação ao imóvel cujo arresto foi pedido, ou seja, não está evidenciado o perigo concreto e atual do esvaziamento do património dos Requeridos, segundo um juízo prospetivo.
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Diante do exposto verifica-se que, logo na decisão inicial, não estava provado um acervo factual que preenchesse a facti species do mencionado periculum in mora e, por conseguinte, a providência nem sequer devia ter sido decretada.
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Improcedem, assim, todas as conclusões formuladas pela apelante e, com elas, o respetivo recurso.
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IV - DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação interposta improcedente por provada e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
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Custas pela apelante (artigo 527.º nº 1 do C.P.Civil).
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Porto, 06 de maio de 2024.
Manuel Domingos Fernandes
Teresa Fonseca
Fernanda de Almeida
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[1] António Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, IV volume, Procedimentos Cautelares Especificados, pág. 172 e seguintes.
[2] António Geraldes, in  “Temas da Reforma do Processo Civil”, Almedina, Vol. IV, pág. 187.
[3] Neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 09/03/2004, proferido no Processo nº 296/2004-7, acessível em www.dgsi.pt.
[4] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25-11-1992, in www.dgsi.pt.
[5] No âmbito da oposição resultou provado que esse valor ascenderia a € 13.235,17, incluindo IVA [cfr. ponto 10.)].
[6] In “Do Arresto Como Meio de Conservação da Garantia Patrimonial”, Almedina, pág. 20/261.