Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | MIGUEL BALDAIA DE MORAIS | ||
| Descritores: | MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA REMUNERAÇÃO LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA | ||
| Nº do Documento: | RP20250512148/22.0T8PRT.P2 | ||
| Data do Acordão: | 05/12/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | REVOGADA PARCIAL | ||
| Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - Com o controlo efetuado pelo Tribunal da Relação sobre o julgamento da matéria de facto realizado pelo tribunal de 1ª instância não se visa o julgamento ex novo dessa matéria, mas antes reponderar ou reapreciar o julgamento que dela foi feito na 1ª instância e, portanto, aferir se aquela instância não cometeu, nessa decisão, um error in judicando. O recurso ordinário de apelação em caso algum perde a sua feição de recurso de reponderação para passar a ser um recurso de reexame. II - A remuneração do mediador imobiliário somente é devida quando, para além da sua atividade, se conclua, de forma válida e eficaz, o contrato pretendido entre o solicitador e o cliente/destinatário do serviço, devendo estabelecer-se um nexo entre aquela atividade e a conclusão desse contrato. III - Para a afirmação desse nexo torna-se mister demonstrar que o trabalho ou atividade do mediador contribuiu, de forma decisiva e como causa determinante, para a conclusão do negócio, ou seja, a atividade do mediador deve integrar-se de forma consequencial na cadeia factual que veio a eclodir na outorga do contrato visado. IV - O instituto da litigância de má-fé, tal como se mostra configurado na lei adjetiva, visa sancionar comportamentos contrários ao princípio da boa-fé processual, embora exija que tais comportamentos sejam acompanhados por um específico “animus” da parte do agente. V - Para que se consubstancie litigância de má-fé, a conduta processual da parte terá de ser qualificável como grave em termos de censurabilidade, o que reclamará sempre uma objetivação ou tradução em factos que não uma simples convicção íntima do julgador. VI - Cabe ao tribunal que profere a decisão final a apreciação do pedido de dispensa/redução do remanescente da taxa de justiça devida, abarcando toda a tramitação processual nas demais instâncias. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Processo nº 148/22.0T8PRT.P2
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Porto – Juízo Central Cível, Juiz 3 Relator: Miguel Baldaia Morais 1ª Adjunta Desª. Maria de Fátima Andrade 2ª Adjunta Desª. Ana Olívia Loureiro * SUMÁRIO ……………………………… ……………………………… ……………………………… * Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I- RELATÓRIO
A...-Unipessoal, Ldª. intentou a presente ação declarativa sob a forma comum contra B..., S.A., pedindo a condenação desta no pagamento “a título de indemnização/remuneração devida pelos serviços de mediação imobiliária, da quantia que se vier a apurar em função do concreto preço de venda do imóvel acordado - tendo por referência o valor fixado de 6% ao preço de venda do imóvel, acrescido de IVA (…), sendo desde já devida a remuneração correspondente aos valores devidos no momento da celebração do CPCV, a apurar em função do valor concreto deste negócio, acrescida de juros de mora, desde a data da celebração do CPCV, à taxa supletiva legal dos juros comerciais, até integral pagamento”. Para substanciar tal pretensão alega ter celebrado com a ré contrato de mediação imobiliária, sendo que em cumprimento do mesmo angariou interessados para a compra de imóvel de que aquela era proprietária. Acrescenta que, à revelia dessa sua intervenção, a ré realizou a venda do imóvel a interessado que havia sido por si angariado, não tendo, no entanto, procedido ao pagamento da remuneração contratualmente estipulada. A ré contestou, alegando, em suma, que o contrato de compra e venda foi celebrado sem que a autora tivesse, por intermédio da sua atividade, para tal contribuído. Formulou pedido de condenação da autora como litigante de má-fé. Teve lugar audiência prévia na qual se proferiu despacho saneador em termos tabelares, fixou-se o objeto do litígio e enunciaram-se os temas da prova. Realizou-se audiência final com observância do formalismo legal, vindo a ser proferida sentença no qual se decidiu: «(i) Absolver a ré do pedido formulado pela autora; (ii) Condenar a autora, como litigante de má fé na multa de quatro UCs e em indemnização a liquidar posteriormente nos termos do disposto no art. 543º/3, do CPC». Não se conformando com o assim decidido, a autora interpôs o presente recurso, que foi admitido como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes
CONCLUSÕES: A. Deve a Sentença Recorrida ser revogada por se considerar que o Tribunal a quo fez uma errada apreciação da prova, não considerando toda prova testemunhal, conjugada com a documental e as regras de experiência, não cumprindo o previsto no art.º 607 n.ºs 3 e 4 do CPC; por essa razão a Recorrente vem impugnar a matéria de facto; B. Na opinião da Recorrente a Sentença Recorrida apreciou incorretamente vários pontos da matéria de facto, uns, quanto aos “Factos Provados” e outros quanto aos “Factos Não Provados” em manifesta e errada decisão sobre a questão de facto, por erro na apreciação da prova. C. Assim, e em concreto, a Recorrente especifica quais os Factos (provados/não provados) que considera incorretamente julgados, senão vejamos: Quanto aos Factos Provados (FP) D. Conforme resulta da conjugação da prova documental e testemunhal, esta, designadamente dos depoimentos prestados em audiência de julgamento pelo representante legal da Recorrente e das testemunhas AA e BB, os FP sob os itens 20 a 24, jamais poderão ser dados por provados e, por isso, têm de ser revistos e substituídos por dois outros factos provados, com o seguinte conteúdo: (i) - Que no âmbito do contrato de mediação imobiliária, a Autora informou a ré, através do seu representante legal no Porto, Dr. CC, dos contactos estabelecidos com o Grupo C... e (ii) - Que a Autora informou a ré do eventual interesse, do Grupo C..., na aquisição dos imóveis. E. Os factos provados sob os itens 25 e 26, assentam em documentos (no Regulamento do PDM ...), que não estavam aprovados ao tempo dos factos dos autos. Deste modo, decorrente da falta de prova, os mesmos deverão passar a constar dos factos não provados, F. E o mesmo se diga quanto aos factos dos Itens 29 e 30, que, por não ter qualquer correspondência com o PDM em vigor ao tempo (o PDM de 2005, o único que importava verificar, por aplicável in casu), e alicerçadas em invocação de normativos do PDM ..., inexistentes ao tempo dos factos aqui em crise, deverão passar a constar dos factos não provados. G. Quanto ao facto do item 33, decorrente da evidente falta de prova e do vertido na anterior conclusão (F), o mesmo deve passar a constar dos factos não provados. H. Decorrente da manifesta falta de prova, ou antes, pela prova testemunhal produzida, o vertido dos itens 34 a 38 deverão passar a constar dos factos não provados. I. Quanto aos Factos Não Provados (FNP) J. Quanto ao FNP 40, tendo por base a conjugação da prova documental constante dos FP 15, 16 e 24 e a prova testemunhal em audiência de julgamento de 19.03.2024 (DD, representante legal da Recorrente, ao minuto 21:25 e AA, minutos 07:44 a 09:47), o mesmo deve ser dado como provado com o seguinte conteúdo: Na sequência da reunião referida em 15 e de um posterior contacto telefónico, a autora remeteu ao referido Dr. AA, um dossier técnico do imóvel, com informação sobre a sua capacidade construtiva, que se mostrou interessado em analisar o negócio para o grupo C..., SA (que integra, no seu grupo económico familiar, para além da sociedade “D..., Lda”, a sociedade “E..., Lda”). K. Quanto aos FNP 41 e 42, aqui analisados em conjunto, e tendo por base, também, a conjugação da prova documental constante dos FP 15, 16 e 24 e a prova testemunhal em audiência de julgamento de 19.03.2024 do referido DD (aos minutos 17:00 e 21:25) e AA, aos minutos 03:40 a 09:45), os mesmos devem ser dados como provado com o seguinte conteúdo, único: O Dr. AA visitou o imóvel, que lhe foi apresentado pelo legal representante da autora e manifestou a este, interesse do grupo C... na aquisição deste imóvel de “...”. L. Quanto aos FNP 44, tendo por base, também, a conjugação da prova documental constante dos documentos 10 e 11 juntos à PI e dos emails juntos pela Recorrida com a sua contestação (Docs 2, 5, 6, 7, 8, 9, 19, 11 e 12); os depoimentos FP 15, 16 e 24 e a prova testemunhal em audiência de julgamento de 19.03.2024 do referido AA (aos minutos 11:38 a 13:32), e da testemunha BB (aos minutos 04:29 a 05:30), os mesmos devem ser dados como provado com o seguinte conteúdo: Era do pleno conhecimento da ré, designadamente do seu representante no Porto, Dr. CC, o interesse do grupo económico C... na compra deste imóvel e as negociações estabelecidas com o seu administrador Dr. AA e o concreto interesse do grupo económico que este representa, na compra e venda do visado imóvel. M. Quanto aos FNP 47 e 48, aqui também analisados em conjunto, os mesmo devem ser dados por provados, tendo por base as motivações quanto à alteração dos anteriores FNP 40 a 44, para fatos provados, nos termos constantes das anteriores conclusões J), K) e L). N. Perante esta realidade, e a consequente necessidade de alteração dos factos dados por provados e os não provados, nos termos atrás referidos, eliminando-se, assim, os erros de julgamento da matéria de fato, que devem se subsumidos aos Direito, a decisão do Tribunal a quo, incorreu numa incorreta aplicação do Direito, que viciou irremediavelmente a sentença proferida, que por isso tem de ser corrigida por este Venerando Tribunal e, O. Por conseguinte, julgada a pretensão da Recorrente totalmente procedente, condenando-se a Ré, no pagamento à Autora, a título de indemnização/remuneração devida pelos serviços de mediação imobiliária, a quantia que se vier a apurar em função do concreto preço de venda do imóvel acordado - tendo por referência o valor fixado de 6% ao preço de venda do imóvel, acrescido de IVA, nos termos da Cláusula Quinta do Contrato de mediação celebrado entre as Partes destes autos. E sempre, quanto à condenação como litigante de má-fé: P. A condenação da Recorrente (em multa e indemnização) como litigante de má-fé carece de todo o fundamento e, na realidade, não se encontra fundamentada na douta sentença recorrida. De facto, Q. Nenhuma conduta, acto ou facto da Recorrente, nem antes nem depois da propositura da acção, se pode reconduzir a um comportamento que consubstancie um facto típico de litigância de má-fé que integre previsão legal do artigo 542.º, número 2, do Código de Processo Civil. R. E o certo é que douta sentença recorrida não aponta à Recorrente qualquer conduta, acto ou facto que possa ser qualificado de má-fé processual, limitando-se a declarar que a prova produzida contrariou «frontalmente» a pretensão que deduziu. S. Não se aceita essa conclusão quanto à prova produzida que, por isso, acima cabalmente se alegou envolver os erros de julgamento alegados. Ainda, porém, quando assim fosse, não bastava a simples não comprovação dos factos alegados pela Recorrente, para a condenar como litigante de má-fé. Era adicionalmente necessário demonstrar que a Recorrente conhecia ou não podia ignorar a falta de fundamento do seu direito; havia, por acção ou omissão faltado à verdade ou alterado factos relevantes para a decisão; havia violado o dever de cooperação; ou havia feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão. T. Nenhuma destas condutas – nem podia ser – imputada à aqui Recorrente. U. Deste modo, a condenação da Recorrente como litigante de má-fé, além de errónea, carece de todo e qualquer fundamento de facto e de direito, violando, consequentemente, o artigo 542.º, n.º 2 do CPC. V. E, por isso, a douta sentença do Tribunal a quo é nula, nos termos do disposto no artigo 615.º, número 1, alínea b), do Código de Processo Civil. Ainda e sobre as custas devidas a final, W. Conforme refere o artigo 6.º, n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais (RCP), nas causas de valor superior a 275.000,00 €, o remanescente da taxa de justiça é considerada na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento. X. Determinando o artigo 530.º, n.º 7 do CPC, para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, o que se consideram de especial complexidade as ações e os procedimentos cautelares. Y. Deste modo, a decisão judicial de dispensa do remanescente da taxa de justiça, a que se refere o artigo 6.º do RCP, depende, designadamente, da complexidade da causa e da conduta processual das partes. Z. Nos presentes autos, verifica-se que todos os articulados das partes foram apresentados de forma rigorosa, que as questões colocadas nos autos são apenas questões de direito e que não foi realizada audiência para produção de prova testemunhal, AA. O processo em causa não tem especial complexidade, BB. E apenas foram apenas inquiridas quatro testemunhas, em duas sessões de julgamento, CC. Pelo que, pelos fundamentos atras deduzidos; por referência ao princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 2.º da CRP e ao direito fundamental de acesso à justiça, acolhido no artigo 20.º da mesma Constituição, pode ser dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça devida a final, nos termos previsto no artigo 6.º, n.º 7 do RCP, como agora se requer. * Notificada a ré apresentou contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso. * Após os vistos legais, cumpre decidir. *** II- DO MÉRITO DO RECURSO 1. Definição do objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil[1]. Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pela apelante, são as seguintes as questões solvendas: *** 2. Recurso da matéria de facto 2.1. Factualidade considerada provada na sentença
O tribunal de 1ª instância considerou provada a seguinte matéria de facto: 1. A autora é uma sociedade comercial que se dedica à consultoria na área do imobiliário, da engenharia e da construção e é detentora da licença AMI n.º .... 2. No exercício desta sua actividade, a Autora celebrou em 22 de Janeiro de 2018, com a B..., SA, na qualidade de segunda contraente, o contrato de mediação imobiliária junto com a petição inicial como documento n.º 3, que aqui se dá por integralmente reproduzido. 3. Este contrato, segundo a sua Cláusula Primeira, incidiu sobre dois prédios urbanos contíguos, descritos na Conservatória do Registo Predial do Porto sobre os n.ºs ... e ..., com a propriedade, à data, aí definitivamente inscrita a favor da ré, sitos na Rua ..., ..., na cidade do Porto. 4. Neste contrato, segundo a Cláusula Segunda, a autora obrigou-se a diligenciar no sentido de conseguir interessados na compra daqueles imóveis, pelo preço de € 8.000.000,00 (oito milhões de euros). 5. E a desenvolver as acções necessárias e adequadas para atingir o objectivo pretendido: a venda dos referidos imóveis. 6. De acordo com a Cláusula Quarta deste mesmo contrato, a ré contratou a autora, mediadora do negócio, em regime de não exclusividade. 7. Nos termos da Cláusula Quinta do contrato, a remuneração da autora só é devida se esta conseguir interessados que concretizem o negócio visado, nos termos legais. 8. De acordo com esta mesma Cláusula Quinta, a ré obrigou-se a pagar à autora, a título daquela remuneração, uma comissão de 6% (seis por cento) calculada sobre o preço pela qual o negócio é efetivamente concretizado, acrescida de IVA à taxa legal em vigor (23%), a pagar, da seguinte forma: (i) Caso não haja contrato de promessa de compra e venda, a remuneração será paga na totalidade aquando da celebração da escritura/contrato de compra e venda ou conclusão do negócio visado; (ii) Caso seja celebrado contrato de promessa de compra e venda, e venha a ter lugar pagamentos parciais, a remuneração será paga na proporção dos valores liquidados por conta do valor global da venda. 9. Estando todos os demais serviços prestados pela autora, no âmbito daquele contrato, incluídos naquela remuneração, com excepção dos custos com a obtenção da documentação necessária à concretização do negócio objecto deste contrato. 10. Ficou expressamente consagrado na Cláusula Oitava do Contrato celebrado entre autora e ré, que este teve uma validade, inicial, de 12 meses, contados a partir da data da sua celebração, renovando-se automaticamente por iguais e sucessivos períodos de tempo, até ser denunciado por uma das partes, através de carta registada com aviso de recepção, com a antecedência mínima de 30 dias em relação à data do seu termo. 11. Segundo a Cláusula Nona do contrato “A Segunda Contraente colaborará com a Mediadora na entrega de todos os elementos julgados necessários e úteis ao negócio, a contar da assinatura do presente contrato”. 12. Nem a autora nem a ré denunciaram este contrato, nos termos e prazos estabelecidos na Cláusula Oitava. 13. Em execução deste contrato de mediação imobiliária, a autora recolheu informações sobre o imóvel, nomeadamente sobre a sua capacidade construtiva, promoveu e divulgou-o e elaborou dossiers técnicos de divulgação do imóvel, que apresentou a pelo menos 7 potenciais interessados/investidores. 14. Isto ao longo de vários meses e implicando número não determinado de dias de trabalho. 15. Cerca de 1 ano, um ano e meio antes da concretização do negócio de venda/permuta do imóvel em mediação, a autora contactou EE, principal accionista do grupo económico imobiliário “C..., SA” e reuniu com o Dr. AA, administrador desta sociedade e gerente da sociedade D..., Ldª, a quem também apresentou o dossier deste imóvel. 16. Nas semanas e meses subsequentes e tendo em vista a concretização de negócio sobre o objecto do contrato de mediação imobiliária, a autora, por intermédio do seu sócio-gerente, contactou por diversas vezes este Dr. AA. 17. A ré, por escritura pública de hipoteca unilateral, de 30.06.2021, realizada no Cartório Notarial de Vila do Conde, de FF, constituiu a favor da sociedade D..., Ldª., uma hipoteca voluntária sobre os prédios que constituem o imóvel aqui em apreço, no valor de € 5.400.000,00, acrescida dos juros contados à taxa anual supletiva legal, no caso de mora, e das despesas judiciais e extrajudiciais no valor de €216.000,00, em caução e garantia do montante entregue pela sociedade D..., Ldª. a título de sinal e eventual restituição desse mesmo sinal em dobro, resultante de um contrato promessa de compra e venda celebrado nesse mesmo dia. 18. A autora remeteu à ré uma carta registada com A/R, datada de 21.09.2021, em que, para além de relembrar o contrato de mediação celebrado entra as partes, lhe solicitou informação quanto ao preço e as condições de pagamento do negócio, para dessa forma poder proceder à emissão da fatura correspondente à remuneração fixada na Cláusula Quinta do aludido Contrato. 19. Que obteve da ré, conforme carta datada de 04.10.2021, a seguinte resposta: “sendo certo que celebramos um contrato de mediação imobiliária com V.Exas, para venda dos imóveis em questão, por € 8.000.000,00, a verdade é que, em concreto as negociações avançaram com o grupo C... (que desconhecíamos), através de contacto e apresentação por entidades que não V.Exas.”. 20. Antes de Setembro de 2021, autora nunca informou a ré de qualquer contacto com o Grupo C.... 21. A autora nunca informou a ré do eventual interesse, por parte do Grupo C..., relativamente à aquisição dos imóveis. 22. A autora nunca promoveu qualquer reunião entre a ré e a C.... 23. A autora nunca lhe apresentou o Grupo C.... 24. O e-mail que a autora enviou ao Grupo C... em 08.10.2020 (doc. n.º 12 junto com a petição inicial, que aqui se dá por reproduzido), não despoletou o interesse do potencial interessado, nem deu origem a um contacto entre as partes (promovido pelo mediador) tendentes a uma negociação. 25. A informação constante nesse email ficou desactualizada menos de um mês depois. 26. Com efeito, a informação constante do e-mail consiste na informação prévia à alteração do PDM (sendo que na versão anterior do PDM os imóveis da ré tinham muitas condicionantes e graves constrangimentos de edificabilidade) aí se mencionando que "O que será possível para o terreno é o que se apresenta em planta e quadro de áreas em anexo. Ou seja, um edifício de fachada de R/C + 3, igual à cércea do prédio vizinho, conforme planta em anexo, com cerca de 3270 m2 de construção nova acima do solo e a manutenção das construções existentes, reabilitadas e adaptadas a novos usos, com cerca de 1560 m2 de construção existente”. 27. As condicionantes sobre os imóveis inviabilizaram sempre a possibilidade de vender o imóvel, como a autora bem sabe porque o vivenciou. 28. Nenhum potencial interessado se dispondo a oferecer o preço pretendido pela ré. 29. No início de Novembro de 2020 a ré constatou junto da Câmara Municipal ... que na proposta de revisão do PDM, os imóveis da ..., passavam para a qualificação "Área de Edifícios de tipo moradia". 30. Pelo que após a revisão do PDM, os imóveis da ré deixaram de ter os constrangimentos anteriores, sendo possível demolir as construções preexistentes e verificando-se um aumento da capacidade construtiva dos imóveis que passou, para um mínimo de 5.700m2 de área edificável acima do solo e 2.000m2 abaixo do solo. 31. Esta informação foi de imediato facultada à autora, não só porque existia o contrato de mediação e a sua cláusula 9ª, mas também porque a intenção da ré era vender. 32. A ré enviou ainda um e-mail (mais uma vez através do seu advogado) com mais informação (redação do art.º 29 da proposta de PDM) e até um estudo preliminar já elaborado com base no futuro enquadramento do imóvel no PDM revisto - email de 17.11.2020. 33. A autora não apresentou a nova realidade à C.... 34. O Grupo C... foi novamente referenciado à ré por um terceiro. 35. E foi por esta via que fez chegar a informação dos imóveis ao Grupo C.... 36. Sendo que a informação enviada ao Grupo C..., contemplou o aumento de área de construção. 37. Sendo que, entretanto, a ré reuniu-se com o Grupo C... em data não concretamente determinada, sem qualquer intervenção da autora. 38. Não tendo a autora qualquer intervenção no negócio subsequentemente realizado. 39. A ré propôs a alteração do contrato de mediação por forma a que (doc. 13): - Perante uma venda pelo valor de€ 6.000.000,00, a remuneração da autora seria de 5%; - Perante uma venda pelo valor de€ 5.500.000,00 a remuneração da autora seria de 3%. * 2.2. Factualidade considerada não provada na sentença
O Tribunal de 1ª instância considerou não provados os seguintes factos: 40. Na sequência da reunião referida em 15 e de um posterior contacto telefónico, a autora remeteu ao referido Dr. AA, um dossier técnico do imóvel, com informação sobre a sua capacidade construtiva, que logo se mostrou interessado em analisar o negócio para o grupo C..., SA (que integra, no seu grupo económico familiar, para além da sociedade “D..., Lda”, a sociedade “E..., Lda”). 41. O Dr. AA visitou o imóvel e manifestou, ao legal representante da autora, interesse do grupo C... na aquisição deste imóvel de “...”. 42. Sendo manifesto o interesse deste grupo económico na compra do imóvel, apresentado pela autora. 43. Ao longo de vários meses a autora intermediou o negócio da venda deste imóvel. 44. Era do pleno conhecimento da ré, designadamente do seu representante no Porto, Dr. CC, o interesse do grupo económico C... na compra deste imóvel, as negociações estabelecidas com o seu administrador Dr. AA e o concreto interesse do grupo económico que este representa, na compra e venda do visado imóvel, 45. Ficando a autora a aguardar as posições finais das partes do negócio (o comprador e a ré), quanto às condições finais de venda, designadamente o preço, 46. O que não aconteceu, nas semanas e meses seguintes. 47. A ré, aproveitando-se do trabalho pela autora efectuado, prometeu vender o imóvel aqui em crise à interessada (D..., Lda). 48. Sabia a ré que este negócio imobiliário (formalizado por contrato-promessa de compra e venda), resultou exclusivamente da actuação da autora e que foram as suas diligências que serviram para aproximar a ré da compradora, na realização e conclusão deste negócio. 49. Limitando-se a possibilidade de nova construção para a habitação a um edifício de fachada junto à Rua ... com uma área de construção acima do solo (R/C + 2 pisos) de cerca de 2.600 m2 (como resulta dos estudos feitos pela ré) e não cerca de 3.270 m2 como afirma a autora nesse seu email (doc 12 da petição inicial). 50. Portanto e ao contrário do constante no e-mail a área de construção acima do solo (entre o existente e nova construção) somava 4.400m2. 51. O mais que consta dos artigos 113º e 115º, da contestação. 52. Tendo a ré a sua sede em ... e dedicando-se à actividade de metalomecânica, não tem conhecimentos e informações sobre o mercado imobiliário do Porto, tendo confiado na autora quando esta lhe afirmou que poderia vender os imóveis por € 8.000.000,00. 53. Foi este valor, que permitiu a autora convencer a ré a assinar o contrato de mediação e aceitar aquela elevada remuneração. 54. Tendo a autora, sob proposta da ré, aceitado modificar o contrato de mediação no que toca à sua remuneração *** 2.3. Apreciação da impugnação da matéria de facto
Como emerge das respetivas conclusões recursivas, a apelante veio requerer a reapreciação da decisão sobre a matéria de facto em relação a um conjunto de factos julgados provados e não provados, com fundamento em erro na apreciação da prova, advogando que: (i) deve ser alterada a redação dos pontos nºs 20, 21, 22, 23 e 24 dos factos provados; (ii) devem ser dadas como não provadas as afirmações de facto vertidas nos pontos nºs 25, 26, 29, 30, 33, 34, 35, 36, 37 e 38 dos factos provados; (iii) devem ser dadas como provadas as proposições plasmadas nos pontos nºs 40, 41, 42, 44, 47 e 48 dos factos não provados. Começando pelo primeiro segmento da impugnação, nos pontos 20, 21, 22, 23 e 24 deu-se como provado que: . “Antes de setembro de 2021, a autora nunca informou a ré de qualquer contacto com o Grupo C...” (ponto nº 20); . “A autora nunca informou a ré do eventual interesse, por parte do Grupo C..., relativamente à aquisição dos imóveis” (ponto nº 21); . “A autora nunca promoveu qualquer reunião entre a ré e a C...” (ponto nº 22); . “A autora nunca lhe apresentou o Grupo C...” (ponto nº 23); . “O e-mail que a autora enviou ao Grupo C... em 08.10.2020 (doc. n.º 12 junto com a petição inicial), não despoletou o interesse do potencial interessado, nem deu origem a um contacto entre as partes (promovido pelo mediador) tendente a uma negociação” (ponto nº 24). Sustenta a apelante que a redação dada aos transcritos enunciados fácticos deve ser alterada, de molde a que passe a constar como provado que: . “No âmbito do contrato de mediação imobiliária, a autora informou a ré, através do seu representante legal no Porto, Dr. CC, dos contactos estabelecidos com o Grupo C...”; . “A autora informou a ré do eventual interesse do Grupo C... na aquisição dos imóveis”. Desde logo cumpre registar a forma menos própria como o julgador de 1ª instância procedeu à fixação da aludida materialidade, na justa medida em que a respetiva redação é uma redação pela negativa quando, na economia da ação, o que importaria demonstrar (pela positiva), como factos constitutivos do direito da autora, seria antes se a mesma desenvolveu ações de aproximação entre a ré e Grupo C... no sentido de “interessar” esta última pela realização do projetado negócio de alienação dos imóveis pertencentes àquela. Feita esta observação, haverá, então, que apreciar da bondade da impugnação, sendo que, dada a estreita conexão entre tal materialidade e aqueloutra a que se reportam os pontos nºs 25, 26, 29, 30, 33 a 38 dos factos provados e os pontos nºs 40, 41, 42 e 44 dos factos dados como não provados, iremos proceder à sua apreciação em conjunto. Relativamente a esta factualidade, como se referiu, defende a apelante que a que consta dos pontos nºs 25, 26, 29, 30, 33 a 38 dos factos provados deve, na sua totalidade, ser dada como não provada, enquanto os pontos nºs 40, 41, 42 e 44 dos factos não provados devem transitar para o elenco dos factos provados com a seguinte redação: . “Na sequência da reunião referida em 15 e de um posterior contacto telefónico, a autora remeteu ao referido Dr. AA, um dossier técnico do imóvel, com informação sobre a sua capacidade construtiva, que se mostrou interessado em analisar o negócio para o grupo C..., S.A., que integra, no seu grupo económico familiar, para além da sociedade “D..., Lda”, a sociedade “E..., Lda” (ponto nº 40); . “O Dr. AA visitou o imóvel, que lhe foi apresentado pelo legal representante da autora e manifestou a este, interesse do grupo C... na aquisição deste imóvel de “...” (pontos nºs 41 e 42); . “Era do pleno conhecimento da ré, designadamente do seu representante no Porto, Dr. CC, o interesse do grupo económico C... na compra deste imóvel e as negociações estabelecidas com o seu administrador Dr. AA e o concreto interesse do grupo económico que este representa, na compra e venda do visado imóvel” (ponto nº 44). Com o desiderato de justificar a, por si preconizada, alteração do juízo probatório que foi emitido pelo juiz a quo relativamente ao referido conjunto de proposições factuais, a apelante convoca as declarações de parte prestadas pelo seu legal representante (DD), os depoimentos produzidos pelas testemunhas AA e BB e bem assim os documentos nºs 10, 11 e 12 juntos com a petição inicial e os documentos juntos com a contestação sob os nºs 2 e 5 a 12, advogando que a concatenação de tais meios probatórios permite, na leitura que deles faz, demonstrar o erro na apreciação da prova. Iniciando pela indicada prova pessoal, verifica-se que, nas alegações recursivas, a apelante se limita, praticamente, a transcrever excertos das declarações prestadas pelo seu legal representante e dos depoimentos produzidos pelas indicadas testemunhas. Ora, para este efeito impugnatório, não basta a mera indicação, sem mais, de um determinado meio de prova, e também se revela insuficiente, no que respeita à prova pessoal, o extrato de uma simples declaração de testemunha ou das próprias partes, sem correspondência com o sentido global dos depoimentos produzidos, de tal modo que não permita consolidar uma determinada convicção acerca de matéria controvertida. Isto posto, vejamos então o que, de útil, foi referido pelos indicados DD e AA a respeito da materialidade impugnada. Assim, o legal representante da autora (DD) declarou que todos os contactos com a ré eram feitos com o Dr. CC que “era o rosto da B... no Porto para o negócio”, sendo que na sequência do “contrato de mediação” que celebraram efetuou contactos com potenciais compradores dos imóveis a esta pertencentes, designadamente com a C..., o que terá ocorrido “por altura do verão de 2020”, tendo-os apresentado aos srs. EE e AA [administradores do Grupo C...] que, na ocasião, não mostraram interesse na sua compra. Já em setembro desse mesmo ano recebeu um telefonema do Sr. AA comunicando que “estariam disponíveis para fazer investimentos”, sendo que no mês seguinte lhe remeteu um e-mail [que é o documento nº 12 junto com a petição inicial] a “relembrar o dossier referente aos imóveis da ...”. Depois disso não teve contacto com qualquer pessoa ligada à C..., vindo a tomar conhecimento, através da leitura de uma notícia no jornal “Expresso” do dia 13 de agosto de 2021, que os imóveis teriam sido vendidos ao Grupo C..., o que lhe causou estupefação por ter sido “um terreno que eu trabalhei e apresentei, tendo a venda sido feita sem eu ter conhecimento”. Diretamente questionado se tinha ou não informado alguém ligado à ré, designadamente o Dr. CC, sobre os contactos que estabelecera com o Grupo C... para a venda dos imóveis referiu expressamente que não, acrescentando, no entanto, que “o Dr. AA me confirmou que, quando foi visitar o terreno (julga que em janeiro ou fevereiro de 2021), no início da reunião que teve com o Dr. CC transmitiu a este que esse terreno já lhe havia sido anteriormente apresentado pelo engenheiro DD”, informação essa que lhe foi ocultada pelo referido CC. Reconheceu ainda que apesar de ter recebido os emails que lhe foram remetidos pelo Dr. CC em 9.11.2020 e 17.11.2020 [documentos nºs 11 e 12 juntos com a contestação] não transmitiu ao Grupo C... a informação que neles era veiculada, mormente quanto a um previsível aumento da capacidade construtiva dos imóveis em resultado da proposta alteração do PDM ... então em curso, por entender que ainda não havia uma efetiva alteração desse Plano. Por sua vez, a testemunha AA (administrador do Grupo C...) referiu que quem primeiramente lhe apresentou os imóveis em causa foi o engenheiro DD (embora não se recorde da data em que tal ocorreu), o qual lhe adiantou que tinha contrato de mediação da B..., que era a proprietária dos mesmos. Nessa ocasião o imóvel não suscitou interesse ao Grupo C... “porque de acordo com a informação que tinham a área de construção possível não nos interessava”. Recorda-se de mais tarde (talvez em setembro de 2020) ter telefonado ao engenheiro DD dando-lhe nota de que estariam interessados na compra de terrenos no Porto, sendo que foi nessa sequência que recebeu o e-mail datado de 8 de outubro de 2020 [que se mostra junto com a petição inicial como documento nº 12], não tendo, então, avançado para o negócio de compra dos imóveis causa porque “continuávamos a achar que estava caro para a área construtiva que naquele momento era expectável”. Alguns meses depois um advogado da zona de Vila do Conde (o Dr. GG), que conhecia bem a atividade da C..., ligou-lhe informando que “havia um imóvel na ... para nos ser apresentado, indicando a área de construção e o preço de venda”, e por terem “achado” que o negócio poderia ser interessante, procedeu-se à marcação de uma reunião no local, a qual ocorreu em janeiro ou fevereiro de 2021. Quando aí chegou apercebeu-se que era o imóvel que já anteriormente lhes havia sido apresentado pelo engenheiro DD, tendo, aliás, comentado esse facto com pessoas aí presentes, designadamente o Dr. CC. Diretamente questionado sobre se as caraterísticas e o preço de venda seriam as mesmas que haviam sido apresentadas pelo engenheiro DD, referiu que “o valor era, a área de construção não, pois era uma área maior”, sendo que a possibilidade de uma maior capacidade construtiva apenas lhe foi transmitida, nessa ocasião, pelo Dr. GG. Depois disso, após algumas divergências iniciais que se prendiam com o facto de uma parte significativa da transação ter de ser feita através de permuta de imóveis e não propriamente mediante uma “venda pura”, acabaram, uns meses mais tarde, por concretizar o negócio de permuta, sem que tivesse havido nesse processo qualquer intervenção por parte da A..., recordando-se de, algum tempo depois, o engenheiro DD lhe ter telefonado, tendo então conversado sobre os contornos dessa operação negocial, demonstrando algum “agastamento” com a realização da mesma sem a sua participação. Passando à análise da prova documental que adrede foi carreada para os autos (concretamente documentos nºs 10 e 11 da petição inicial e documentos nºs 5, 6, 7 e 9 da contestação), verifica-se que em nenhum dos e-mails “trocados” entre a autora (na pessoa do seu legal representante DD) e a ré é feita qualquer referência a contactos que aquela haja estabelecido com o Grupo C... com o propósito de promover, junto deste, a venda dos ajuizados imóveis, reportando antes contactos com outros potenciais interessados, v.g., G..., Ldª, H..., S.A., I..., J..., K..., S.A. e F..., S.A.. Por seu turno, nos emails que o Dr. CC remeteu ao engenheiro DD em 9.11.2020 e em 17.11.2020 (documentos nºs 11 e 12 juntos com a contestação) neles se dava conta de que, em conformidade com a proposta da Câmara Municipal ... para a revisão do PDM, estaria previsto que os ajuizados terrenos passariam a ter a qualificação de “Área de Edifícios de tipo moradia”, com um significativo aumento da área de construção (aí se referindo “estarmos em condições de afirmar, após aprovação da revisão do PDM que a área de construção passa, no mínimo para 5.700 m2 acima do solo (estávamos em 4.400m2) e 2.000m2 abaixo do solo podendo ser demolidas as construções pré-existentes”), sendo que da concatenação desses suportes documentais com o e-mail que o engenheiro DD havia enviado ao Grupo C... em 8.10.2020 (documento nº 12 junto com a petição inicial) resulta evidenciada a diferença da capacidade edificativa, indicando-se neste último uma “capacidade construtiva num total de 4830m2”. Aqui chegados, a questão que naturalmente se coloca é a de saber se na presença dos mencionados subsídios probatórios se justifica a impetrada alteração do juízo probatório referente à aludida materialidade objeto de impugnação. Como é consabido, com o controlo efetuado pelo Tribunal da Relação sobre o julgamento da matéria de facto realizado pelo tribunal de 1ª instância não se visa o julgamento ex novo dessa matéria, mas antes reponderar ou reapreciar o julgamento que dela foi feito na 1ª instância e, portanto, aferir se aquela instância não cometeu, nessa decisão, um error in judicando. O recurso ordinário de apelação em caso algum perde a sua feição de recurso de reponderação para passar a ser um recurso de reexame. Ora, não obstante se garantir no atual sistema processual civil um duplo grau de jurisdição, nomeadamente quanto à reapreciação da matéria de facto, não podemos ignorar que continua a vigorar entre nós o princípio da livre apreciação da prova, conforme decorre do art.º 607º, nº 5, ao estatuir que “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto (…)” * Já no concernente à impugnação relativa aos pontos nºs 47 e 48 dos factos não provados resulta claro que os mesmos revestem uma natureza marcadamente conclusiva. Ora, como emerge do nº 3 do art. 607º, apenas os factos concretos podem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão, não devendo, assim, constar desse segmento do ato decisório juízos conclusivos, o que, a ocorrer, sempre implicaria que os mesmos sejam considerados não escritos, sendo certo que o facto de o nº 4 do art. 646º do pretérito Código de Processo Civil não ter sido transposto para a versão atual do Código não implica que não se acolha (como, aliás, constitui, posicionamento jurisprudencial e doutrinal pacífico[3]) a mesma solução. Por esse motivo não há que conhecer desse segmento impugnatório. *** 3. FUNDAMENTOS DE DIREITO 3.1. Do direito da autora a reclamar da ré o pagamento da contrapartida pecuniária contratualmente estipulada
Em consonância com o quadro factual apurado (e ora estabilizado), autora e ré celebraram, em 22 de janeiro de 2018, o contrato que denominaram de “mediação imobiliária” que foi apresentado com a petição como documento nº 3. Este tipo contratual tem sido uniformemente catalogado pela doutrina e pela jurisprudência como um contrato de prestação de serviços, sendo definido como o negócio pelo qual uma parte (o mediador) se vincula para com a outra (o comitente ou solicitante) a, de modo independente e mediante retribuição, preparar e estabelecer uma relação de negociação entre este último e terceiros (os solicitados) com vista à eventual conclusão definitiva de negócio jurídico. Assim, para que exista essa mediação, tem o mediador que ter recebido uma incumbência, expressa ou tácita, para certo negócio. Ou seja, tem que haver um acordo entre mediador e solicitante no sentido do primeiro servir de intermediário num ou mais contratos a celebrar pelo último com terceiros, preparando e aproximando as respetivas partes, devendo a conclusão do negócio entre o comitente e o terceiro ser consequência da atividade do mediador/intermediário[4]. No caso vertente, todos os descritos elementos essenciais se mostram presentes na relação contratual firmada entre as partes, posto que, por mor do vínculo assim estabelecido, a autora, a solicitação da ré, aceitou promover e mediar a venda ou permuta, de dois prédios urbanos contíguos, sitos na Rua ..., ..., descritos na Conservatória do Registo Predial do Porto sob os nºs ... e ..., pertencentes a esta última, pelo valor de €8.000.000,00 (oito milhões de euros), ficando outrossim convencionado que pagaria, a título de remuneração pelos serviços de mediação imobiliária por aquela prestados, a quantia correspondente a 6% do preço pelo qual o negócio fosse efetivamente concretizado, valor a que acresceria IVA à taxa legal em vigor. Perante tal qualificação jurídica do ajuizado contrato, importa, pois, dilucidar se assiste, ou não, à autora a reclamar da ré o pagamento da remuneração contratualmente estipulada. A essa questão respondeu negativamente o decisor de 1ª instância, por considerar que a atividade desenvolvida pela autora “não levou ao contrato de permuta/venda celebrado” entre a ré e o terceiro (a sociedade D..., Ldª). A apelante rebela-se contra esse segmento decisório, sustentando que foi em resultado da sua atuação que veio a ser firmado o mencionado contrato alienatório que teve por objeto mediato os identificados imóveis. Que dizer? É certo que, de acordo com o substrato factual apurado, a autora, em cumprimento das obrigações para si advenientes do aludido vínculo negocial, recolheu informações sobre os imóveis, nomeadamente sobre a sua capacidade construtiva, promoveu e divulgou-os e elaborou dossiers técnicos de divulgação dos mesmos, que apresentou a, pelo menos, sete potenciais interessados/investidores. Problema que, então, se coloca é o de saber se, não obstante a atividade assim desenvolvida pela autora, tem esta direito ao pagamento da remuneração que reclama, o que, à luz do regime normativo plasmado na Lei nº 15/2013, de 8.02 (que estabelece a disciplina jurídica a que fica sujeita a atividade de mediação imobiliária), se volve em apurar se, in casu, estão verificados os pressupostos normativos a que o seu art. 19º subordina o “nascimento” desse direito creditório na esfera jurídica patrimonial da mediadora. Dispõe o nº 1 do citado preceito legal que «[a] remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra». Portanto, em conformidade com o inciso transcrito, por via de regra, a remuneração do mediador só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado; quando muito, se o contrato de mediação o estipular, pode haver lugar ao pagamento de remuneração quando estiver celebrado contrato-promessa do negócio visado. Deste modo, se o negócio visado não chegar a ser concluído de forma eficaz (perfeita), a remuneração não é devida, independentemente das razões desse desfecho, ou seja, mesmo que o cliente haja decidido desistir do negócio ou sejam as suas exigências a fazer frustrar as negociações com o interessado proporcionado pelo mediador. Logo, mesmo que a empresa de mediação se tenha empenhado ativamente na busca de interessados na conclusão do negócio, se o negócio não se concretizar, não haverá lugar a remuneração, suportando, então, o mediador o risco da sua atividade comercial. Isto é assim porque com a celebração do contrato de mediação o proprietário do bem não se vincula a celebrar o negócio visado pela mediação, ele continua a gozar do direito discricionário de aceitar a proposta do interessado que o mediador lhe apresente ou de não a aceitar, isto é, de concluir o negócio proposto ou desistir da sua celebração. De facto, como a este propósito escreve HIGINA CASTELO[5], “a conclusão do contrato visado não marca apenas o momento em que a remuneração é devida, sendo, mais do que isso, uma circunstância sem a qual não nasce para a mediadora o direito à remuneração (..). Não sendo celebrado o contrato visado (ou o contrato-promessa quando a remuneração nesse momento esteja prevista no contrato de mediação), a mediadora não tem direito a ser remunerada. Isto torna-se claro com a leitura do n.º 2 do art. 19º, que introduz uma exceção nesta regra, desde que se verifiquem cumulativamente os seguintes pressupostos: ter sido convencionada a exclusividade da mediadora; tratar-se de contrato de mediação celebrado com o proprietário ou o arrendatário trespassante do bem imóvel; e não se concretizar o negócio visado por causa imputável ao cliente (..). Fora deste circunstancialismo, o direito à remuneração apenas nasce com a conclusão e perfeição do contrato visado (ou do liminar, quando assim acordado)”. Na situação sub judicio, o contrato de mediação estipula no nº 1 da sua cláusula 5.ª que «a remuneração (…) só será devida se a mediadora conseguir interessados que concretizem o negócio visado pelo presente contrato, nos termos legais», acrescentando o seu nº 2 que «a remuneração deverá ser paga (…) da seguinte forma: (i) Caso não haja contrato de promessa de compra e venda, a remuneração será paga na totalidade aquando da celebração da escritura/contrato de compra e venda ou conclusão do negócio visado; (ii) Caso seja celebrado contrato de promessa de compra e venda, e venha a ter lugar pagamentos parciais, a remuneração será paga na proporção dos valores liquidados por conta do valor global da venda». A transcrita cláusula contratual corresponde, na sua essencialidade, à reprodução do nº 1 do art. 19º da Lei nº 15/2013, de 8.02, razão pela qual se deverá procurar nesse regime normativo quais, afinal, os pressupostos necessários para que a autora possa exigir o pagamento da contrapartida pecuniária que reclama nesta demanda. Considerando que no ajuizado contrato de mediação imobiliária não foi consagrada qualquer cláusula de exclusividade, na esteira do que adrede vem sendo defendido pela doutrina e jurisprudência pátrias[6], para que, nessas circunstâncias, o mediador tenha direito à remuneração decorrente da sua atividade, torna-se necessário o preenchimento de três requisitos de verificação cumulativa, concretamente: (i) o desempenho da sua atividade; (ii) a conclusão do contrato visado entre o comitente e terceiro; (iii) a existência de um nexo de causalidade entre a atividade desempenhada pelo mediador e a conclusão ou efetivação do contrato visado. Portanto, e em suma, a remuneração do mediador somente é devida quando, para além da sua atividade, se conclua, de forma válida e eficaz, o contrato pretendido entre o solicitador e o cliente/destinatário do serviço, devendo estabelecer-se um nexo de causalidade entre aquela atividade e a conclusão desse contrato. Dentre os enunciados requisitos - cujo onus probandi impende, naturalmente, sobre o mediador, enquanto factos constitutivos do seu direito (cfr. art. 342º, nº 1, do Cód. Civil) - é quanto ao preenchimento do último que se têm colocado as maiores divergências, concretamente no modo de aferir o nexo de causalidade entre a atividade desenvolvida pelo mediador e a conclusão do contrato. Entre as diversas tentativas apresentadas para a sua densificação, vem-se firmando um entendimento (que igualmente secundamos) que sustenta que o trabalho ou atividade do mediador deve ter contribuído/influído, de forma decisiva e como causa determinante, para a conclusão do negócio, ou seja, a atividade do mediador deve integrar-se de forma consequencial na cadeia factual que veio a eclodir na outorga do contrato visado[7]. Dito de outro modo: tona-se mister demonstrar que a atividade da mediadora contribuiu de forma relevante para o processo decisório dos interessados, determinando-os à celebração do negócio. Na espécie, é precisamente relativamente à afirmação desse nexo que reside, como se notou, a essencial divergência da apelante relativamente ao ato decisório sob censura. Ora, se é facto que, como resultou demonstrado, a autora desenvolveu a sua atividade de mediação imobiliária através da recolha de informações sobre os imóveis, designadamente sobre a sua capacidade construtiva, promovendo-os e apresentando-os a, pelo menos, sete potenciais interessados, certo é que o quadro factual apurado não permite suportar conclusão no sentido de que o contrato de permuta que veio a ser celebrado, em 7 de setembro de 2022, entre a ré a sociedade “D..., Ldª” (que integra o universo de empresas do Grupo C...) tenha causalmente resultado dessa atividade. Não se põe em causa que o tecido fáctico provado revela que a autora contactou pessoas ligadas ao Grupo C... (nomeadamente o seu principal acionista, EE, e AA, gerente da aludida sociedade por quotas), apresentando o dossier referente aos ditos imóveis. No entanto, para além de não ter informado a ré desses contactos e de promover qualquer reunião entre esta e alguém ligado ao referido grupo empresarial, essa materialidade evidencia que não houve da parte da “C...” qualquer efetiva manifestação de interesse na aquisição dos imóveis em algum dos momentos (o último dos quais por ocasião do envio do email a que se faz alusão no ponto nº 24 dos factos provados) em que pessoas ligadas a esse Grupo foram contactadas pelo legal representante daquela, sendo que essa tomada de posição se prendia fundamentalmente com condicionantes relacionadas com a “baixa” capacidade edificativa que os mesmos apresentavam e que, como se provou (cfr. pontos nºs 27 e 28), inviabilizavam a sua venda pelo valor pretendido pela demandada. Resulta igualmente da materialidade apurada que a ré, na sequência de diligências desenvolvidas junto da Câmara Municipal ..., veio a constatar que na proposta de revisão do PDM os ajuizados imóveis passariam a ter a qualificação de “área de edifícios de tipo moradia”, com o consequente aumento da respetiva capacidade construtiva. Dessa nova realidade deu conhecimento à autora que, no entanto, não fez chegar essa informação à “C...”, tendo sido um terceiro[8] a contactar esse grupo empresarial que, perante o expectável aumento de área de construção, veio a reunir com a ré, acabando por realizar, sem qualquer intervenção daquela, negócio de transmissão dos imóveis com a sociedade “D..., Ldª”. Deriva, assim, do descrito tecido fáctico que o contrato alienatório visado pela ré comitente veio a ser concluído com um interessado que não foi “angariado” pela autora (que sequer o havia indicado àquela como potencial adquirente), não tendo a respetiva atividade sido determinante ou causal (no sentido acima definido) na conclusão desse negócio, isto é, que tenha ocorrido uma ligação ou conexão psicológica entre essa atividade e a formação da vontade do indicado interessado em efetivar tal operação negocial com a proprietária dos imóveis. O recurso é, nesta parte, por isso mesmo, improcedente. * 3.2. Da (in)existência de fundamento para condenação da autora como litigante de má-fé
Na sentença recorrida foi a autora condenada como litigante de má-fé porque “alegou que foi por seu intermédio que a entidade com a qual veio a ser celebrado o contrato relativo aos imóveis tomou conhecimento da situação e se interessou pelo negócio”, sendo que “o que se provou nos pontos 20 a 38 contraria essa alegação”. Nessa decorrência aí se concluiu que “a autora não pode, assim, deixar de ser condenada como litigante de má-fé”. A apelante insurge-se contra esse segmento decisório argumentando, fundamentalmente, que “nenhuma conduta, ato ou facto seu, nem antes nem depois da propositura da ação, se pode reconduzir a um comportamento que consubstancie um facto típico de litigância de má-fé”. Quid juris? Como é consabido, o instituto da litigância de má-fé, tal como se mostra configurado no art. 542º, visa sancionar comportamentos contrários ao princípio da boa-fé processual, embora exija que tais comportamentos sejam acompanhados por um específico animus da parte do agente. Na verdade, se atentarmos ao teor literal das diversas alíneas do nº 2 do citado normativo – que comportam ou descrevem o elemento objetivo da litigância de má-fé – verificamos que estas se tratam de verdadeiras concretizações do princípio da boa-fé. As mesmas, procurando traduzir o sentido negativo da boa-fé processual, elencam os comportamentos que as partes se devem abster de praticar de molde a não prejudicarem o decurso da relação jurídica processual, que deve ser pautado por um espírito de cooperação intersubjetiva e consentâneo com o dever de verdade, tendo em vista a justa resolução do litígio. Contudo, a lei não se basta com o mero preenchimento do elemento objetivo tal como se mostra descrito nas referidas alíneas, impondo outrossim que na inobservância desses deveres a parte aja com dolo ou negligência grave. Assim, como refere PAULA COSTA E SILVA[9], a ilicitude pressuposta pela litigância de má-fé distancia-se da ilicitude civil (art. 483º Cód. Civil), não apenas porque se apresenta como um ilícito típico (descrevendo analiticamente as condutas que o integram), mas também porque, ao contrário do que sucede com o ilícito civil, se encontra dependente da verificação de um elemento subjetivo, sem o qual o comportamento da parte não pode ser tido como típico e, consequentemente, como ilícito, aproximando-se nesta medida muito mais do ilícito penal. Efetivamente, quando no proémio do nº 2 do art. 542º, o legislador refere “quem, com dolo ou negligência grave” praticar o comportamento prescrito em qualquer das suas alíneas, parece pressupor que, para que se verifique o comportamento típico descrito em cada uma delas, o sujeito atue já imbuído de dolo ou culpa grave. Tal como sucede no âmbito penal, o tipo de ilícito do art. 542º será constituído não apenas por um elemento de natureza objetiva (que serve para dar a conhecer ao sujeito processual que aquele comportamento é proibido pelo ordenamento jurídico), mas também por um elemento de natureza subjetiva (no âmbito processual: o dolo ou a negligência grave), sendo que apenas quando ambos se verifiquem a conduta poderá ser considerada típica e, por conseguinte, ilícita. Quanto a este elemento subjetivo a lei adjetiva[10] acolhe, assim, a máxima culpa lata dolo aequiparatur, considerando litigância de má-fé não apenas a lide dolosa, mas também a lide temerária, consagrando, deste modo, uma noção ética de boa-fé subjetiva[11], considerando de má-fé não apenas aquele que conhece o erro em que incorre, mas também aquele que o desconhece por não ter cumprido com os deveres de cuidado que lhe eram impostos. Todavia, esta eticização da má-fé processual não se afigura total, na medida em que se não compadece com qualquer desrespeito por esses deveres de cuidado, independentemente do grau de culpa. Pelo contrário, apenas estaremos perante má-fé processual quando se tenham desrespeitado os mais elementares deveres de cuidado e de prudência, atuando de forma gravemente negligente, isto é, com culpa grave. Por conseguinte, apenas na presença de má-fé (subjetiva), isto é, da consciência de que lhe não assiste razão, ou quando – face às dificuldades em apurar a verdadeira intenção do litigante – tal consciência apenas se ausente por inobservância das mais elementares regras de prudência, o comportamento processual será reconduzido ao ilícito típico do art. 542º, nº 2, sendo sancionado como litigância de má-fé. Ora, apesar de existirem, de facto, nos autos subsídios probatórios (que, aliás, serviram de base ao juízo positivo emitido sobre a materialidade vertida, v.g., nos pontos factuais nºs 21, 22, 23, 34 e 35) que apontam no sentido de que o interessado que celebrou com a ré o “negócio visado” não foi angariado pela autora ao abrigo do contrato de mediação que haviam firmado, também é certo que o tecido fáctico provado revela que esta última contactou pessoas ligadas ao Grupo C... (nomeadamente o seu principal acionista, EE, e AA, administrador desse grupo empresarial), apresentando o dossier referente aos imóveis cuja venda/permuta era pretendida pela comitente. Nessas circunstâncias, não nos parece que a atuação da demandante seja passível de ser rotulada como litigância de má-fé (substancial ou instrumental) pelo simples facto de não ter logrado demonstrar a materialidade por si alegada em arrimo da concreta pretensão de tutela jurisdicional que aduziu nestes autos, sendo que os elementos disponíveis não permitem, de forma consistente e inequívoca, afirmar positivamente que a mesma agiu imbuída de dolo ou culpa grave na dedução (e defesa) dessa pretensão, tornando-se mister para o efeito uma objetivação ou tradução em factos que não uma simples convicção íntima do julgador. Não há, pois, que a condenar como litigante de má-fé, razão pela qual, nesta parte, se impõe a procedência do recurso. * 3.3. Da dispensa do remanescente da taxa de justiça devida
Nas suas alegações recursivas (conclusões W a CC) veio a apelante, convocando o disposto no art. 6º, nº 7 do Regulamento das Custas Processuais, requerer a dispensa do remanescente da taxa de justiça. Tal preceito legal (introduzido pela Lei nº 7/2012, de 13.02), constitui uma norma excecional que deve ser interpretada no sentido de que ao juiz é lícito dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fração ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa e/ou recurso exceder o patamar de €275.000,00, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade da tramitação processual, comportamento processual das partes e complexidade substancial das questões a decidir), à luz dos princípios da proporcionalidade e da igualdade. Ora, face à dinâmica de um processo, somente com a prolação da última decisão se ficará a conhecer qual a parte responsável pelas custas. Por essa razão - conforme, aliás, vem sendo entendimento dominante na casuística[12] – caberá ao tribunal que profere a decisão final a apreciação do pedido[13] de dispensa/redução do remanescente da taxa de justiça devida, abarcando toda a tramitação processual nas demais instâncias, o que se compreende, pois somente nessa oportunidade estará o julgador em condições de aferir se se encontram, ou não, verificados os pressupostos normativos para operância do citado normativo. Como assim, considerando que a presente decisão poderá, em tese, não ser a última a ser prolatada no presente processo, revela-se, por isso, prematura a apreciação nesta sede da pretensão formulada nas mencionadas conclusões recursivas. *** III. DISPOSITIVO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em: (i) julgar a apelação parcialmente procedente, revogando a sentença quanto ao segmento que condenou a autora como litigante de má-fé, confirmando-a no mais; (ii) indeferir, por prematuridade, o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça. Custas do recurso a cargo da apelante e apelada na proporção, respetivamente, de 5/6 e 1/6. |