Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
175/23.0GBOAZ-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULO COSTA
Descritores: PENA DE MULTA
PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
PRAZO PERENTÓRIO
Nº do Documento: RP20240619175/23.0GBOAZ-A.P1
Data do Acordão: 06/19/2024
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O prazo para requerer o pagamento voluntário da pena de multa em prestações é perentório.
II - A apresentação do requerimento só pode efetuar-se dentro do prazo concedido para o seu pagamento voluntário.

(Sumário da responsabilidade do Relator)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 175/23.0GBOAZ-A.P1

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação do Porto

I – Relatório

No âmbito do processo comum que sob o n.º 175/23.0GBOAZ-A corre termos Juízo Local Criminal de Oliveira de Azeméis, Comarca de Aveiro, por despacho foi decidido: “Do teor da comunicação dirigida pelo arguido sob a refª. Eletrónica n º 15034956, cremos se poder extrair que indicou nova morada, em Inglaterra, para efeitos de ulteriores notificações no âmbito dos presentes autos, razão pela qual será nela notificado do teor do presente despacho, por carta rogatória.”
Contra este despacho se insurgiu o Ministério Público, dele interpondo recurso para esta Relação, com os fundamentos que explanou na respectiva motivação e que “condensou” nas seguintes conclusões (em transcrição integral):
“Conclusões
Assim e em conclusão
a. O prazo para requerer o pagamento da pena de multa em prestações é o prazo do seu pagamento voluntário, ou seja, de 15 dias após a notificação para o pagamento.
b. Esse prazo tem natureza peremptória, pelo que o seu decurso preclude o direito de requerer o pagamento da pena de multa em prestações.
c. Tendo o prazo de pagamento voluntário da pena de multa aplicada ao condenado terminado no dia 6 de Outubro de 2023, a partir dessa data não mais podia ele beneficiar da possibilidade de proceder ao pagamento da multa em prestações.
d. O requerimento do condenado para pagamento da pena de multa em prestações, por ter sido apresentado apenas no dia 12 de Outubro de 2023, é extemporâneo.
e. Pelo que não podia o Tribunal decidir como decidiu, autorizando o pagamento prestacional.
V. Normas jurídicas violadas
O despacho recorrido, por errónea interpretação e aplicação, violou os art. 47.º nº 3 do Código Penal e art. 489.º do Código de Processo Penal.
VI. Pedido
Em conformidade com o que vem de ser alegado, peticiona-se que
- Seja revogado o despacho recorrido;
- Seja substituído por outro que:
a. Indefira o requerimento apresentado pelo condenado para pagamento da pena de multa em prestações, por extemporâneo.
Porém, V. Exas. farão a costumada JUSTIÇA.”

O recurso foi admitido e cumprido o disposto no artigo 411.º, n.º 6, do Cód. Proc. Penal não houve resposta pelo arguido.
*
Já nesta instância, na intervenção a que alude o art.º 416.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto concordou com o M.P a quo, pugnando pela procedência do recurso.
*
Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos, vieram os autos à conferência, cumprindo apreciar e decidir.

II – Fundamentação

São as conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões do pedido, a delimitar o objeto do recurso e a fixar os limites do horizonte cognitivo do tribunal de recurso (cfr. artigo 412.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal e, entre outros, o acórdão do STJ de 27.05.2010, www.dgsi.pt/jstj).[1

Este recurso suscita, como única questão, saber se o pagamento em prestações da pena de multa tem que ser requerido dentro do prazo de pagamento voluntário e se esse prazo tem ou não natureza perentória.

I) DO HISTÓRICO PROCESSUAL E DO OBJECTO DO RECURSO
Os presentes autos têm origem numa certidão do processo 175/23.0GBOAZ.
Nesse processo, foi proferido o seguinte dispositivo judicial:
«DISPOSITIVO:
Nos termos e pelos fundamentos expostos, julgo a acusação deduzida nestes autos provada e procedente e, em consequência, decido condenar o arguido AA pela prática de:
1. Um crime de condução de veículo em estado embriaguez, previsto e punido pelo art. 292º do Código Penal na pena de 100 (cem) dias de multa à razão diária de 6 (seis euros);
2. Na pena acessória de 6 (seis) meses e 15 (quinze) dias de proibição de conduzir veículos motorizados, nos termos do art.º 69º n.º 1 al. a) do C. Penal.
***
Nas custas do processo, fixando-se em 1 UC a taxa de justiça (já reduzida a metade por força da confissão integral e sem reservas) art. 8º, nº 9, do Regulamento das Custas Processuais e art.s 513º e 514º do Código de Processo Penal.
*
Faça a pertinente comunicação à Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, nos termos do disposto no art.69º, nº4 do Código Penal (enviando cópia do decisório) e ainda ao IMT.
*
Remeta boletim à D.S.I.C..------
Notifique e deposite.».
O arguido foi notificado por carta registada remetida em 18.09.23 para proceder ao pagamento da multa de 600,00 euros.
Foi-lhe dado conta do prazo máximo para pagamento com data limite em 06.10.23.
O arguido apresentou requerimento em 12.10.2023com o seguinte teor:
AA, arguido nos autos mencionados em epigrafe e neles melhor identificado, vem aos mesmos requerer, nos termos do Art. 47º do CP o pagamento da multa pelo qual foi condenado nos presentes (€600 seiscentos uros) em 6(seis) prestações mensais e sucessivas.

O M.P a quo opôs-lhe por considerar tal pedido extemporâneo.

Dado o contraditório o arguido alegou :” AA, arguido e condenado nos autos mencionados em epigrafe e neles melhor identificado, tendo sido notificado do despacho que antecede identificado pela Ref. nº 130023724 vem aos presentes, junto de V/Exa. penitenciar-se por não ter requerido atempadamente o pagamento em prestações da pena de multa a qual foi condenado, não o tendo feito porque,
1- no decurso do período da sua condenação até aproximadamente há presente data, o arguido passou por uma fase muito complicada da sua vida, nomeadamente, teve de mudar de emprego, e fazer outras mudanças na sua vida pessoal e por lapso olvidou, que tinha prazo para pedir o pagamento em prestações da multa, até porque,
2-Se não tivesse tido tais percalços era mesmo para efectuar o pagamento da quantia na sua totalidade, e só não o fez pelos infortúnios ocorridos.
3-Face ao exposto, reitera o pedido de desculpa, ao douto tribunal, pedindo encarecidamente, que lhe seja concebida ainda que extemporaneamente, o pagamento da multa nos termos solicitados no requerimento identificado pela ref. nº 46773641, pois só assim poderá cumprir.”

O tribunal a quo despacho no seguinte sentido:
“Ante os impedimentos alegados e a conjuntura económica nacional e internacional defere-se o requerido art 47º/3 do CP.
D.n.
OAZ, d.s.”
*
Vejamos.
Neste processo, o AA foi condenado, por sentença transitada em julgado no dia 8 de Setembro de 2023, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos art. 292.º nº 1 e 69.º nº 1 al. a), ambos do Código Penal, na pena de 100 dias de multa à taxa diária de 6 €, o que perfaz o montante global de 600 € e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, pelo período de 6 meses e 15 dias.
Notificado no dia 21 de Setembro de 2023 para proceder ao pagamento da multa e decorrido o prazo para o efeito – no dia 6 de Outubro de 2023 –, o condenado não a pagou voluntariamente.
Veio, então, no dia 12 de Outubro de 2023, requerer o seu pagamento em 6 prestações mensais, iguais e sucessivas.
a) Do prazo para requerer o pagamento da pena de multa em prestações.
A multa “… é paga após trânsito em julgado da decisão que a impôs e pelo quantitativo nesta fixado, não podendo ser acrescida de quaisquer adicionais”, no prazo de 15 dias a contar da notificação para o efeito – cfr. art. 489.º nº 1 e 2 do Código de Processo Penal.
Contudo, sempre que a situação económica e financeira do condenado o justifique, o Tribunal pode autorizar o pagamento da multa em prestações, conquanto o prazo de pagamento não exceda os 2 anos após o trânsito em julgado da condenação – cfr. art. 47.º nº 3 do Código Penal. Para tal, o condenado tem que o requerer naquele prazo de pagamento voluntário – cfr. art. 489.º nº 3 do Código de Processo Penal.
É certo que o art. 489.º do Código de Processo Penal não consagra expressamente um prazo para que seja requerido o pagamento da multa em prestações, como faz o art. 490.º nº 1 do Código de Processo Penal, relativamente ao pedido de substituição por dias de trabalho, que determina que este tem que ser formulado naquele prazo de 15 dias.
Porém, afigura-se que esse requerimento tem que ser feito no prazo de pagamento voluntário da multa.
Desde logo porque, como resulta do art. 489.º nº 2 e 3 do Código de Processo Penal, o prazo de pagamento voluntário é de 15 dias a contar da notificação para o efeito, salvo no caso do pagamento da multa ter sido diferido ou autorizado pelo sistema de prestações. Se multa só não tem que ser paga no prazo de 15 dias se tiver sido diferido ou autorizado o seu pagamento em prestações, daí resulta que o requerimento para este efeito tem que ser apresentado antes de expirado aquele prazo, pois só assim cessará o dever do condenado de pagar a multa nesse prazo de 15 dias. De facto, se o requerimento for apresentado depois de decorrido esse prazo, terá lugar numa altura em que a multa já deveria ter sido paga.
Por outro lado, o art. 491.º nº 1 e 2 do Código de Processo Penal consagra que “Findo o prazo de pagamento da multa ou de alguma das suas prestações sem que o pagamento esteja efectuado, procede-se à execução patrimonial.”, sendo que “Tendo o condenado bens penhoráveis suficientes de que o tribunal tenha conhecimento ou que ele indique no prazo de pagamento, o Ministério Público promove logo a execução…”.
Se findo o prazo de pagamento voluntário da multa sem que ela tenha sido paga o Ministério Público pode promover logo a execução, com vista à sua cobrança coerciva, no caso de serem conhecidos bens penhoráveis suficientes, como tal, só no caso de o condenado ter requerido o seu pagamento em prestações nesse prazo de 15 dias é que obstará a que se proceda à execução patrimonial uma vez decorrido este sem que tenha tido lugar o pagamento da multa.
b) Da natureza peremptória do prazo para requerer o pagamento da pena de multa em prestações.
Assente que o requerimento para pagamento da pena de multa em prestações tem que ser apresentado no prazo de pagamento voluntário, coloca-se a questão de saber se será esse prazo perentório. E entende-se que sim.
Isto porque a cobrança da pena de multa se processa por vários momentos que se sucedem
temporalmente. Assim:
A multa só é exigível depois do trânsito em julgado da sentença e deve ser paga no prazo de 15 dias a contar da notificação para o efeito – cfr. art. 489.º nº 1 e 2 do Código de Processo Penal;
Nesse prazo de pagamento voluntário, o condenado pode efetuá-lo, pode requerer o pagamento da multa em prestações – cfr. art. 47.º nº 3 do Código Penal e art. 489.º nº 3 do Código de Processo Penal –, ou pode requerer a substituição da multa por dias de trabalho – cfr. art. 48.º do Código Penal e art. 490.º do Código de Processo Penal;
Se a multa não for paga voluntariamente, se não tiver sido autorizado o seu pagamento em prestações e se não tiver sido substituída por dias de trabalho, procede-se à sua cobrança coerciva, no caso de serem conhecidos bens penhoráveis suficientes pertencentes ao condenado – art. 491.º do Código de Processo Penal;
Não se obtendo o pagamento coercivo da multa, ou não sendo este possível, procede-se à sua conversão em prisão subsidiária e à execução desta – art. 49.º nº 1 do Código Penal.
Ora, essas fases ocorrem em momentos temporais sucessivos, não se podendo passar de uma para outra sem que se haja esgotado a possibilidade anterior, o que implica que estejam sujeitas ao cumprimento de prazos que as encerrem e que definam o momento em que se pode avançar no sentido de obter a cobrança da multa.
Se aqueles prazos não fossem perentórios, autorizando-se que o condenado pudesse requerer o pagamento faseado da pena de multa a todo o tempo, estar-se-ia a subverter o regime de prazos que a lei estabelece e a tornarem-se inócuos os trâmites previstos para a sua cobrança, com o consequente esvaziamento das finalidades preventivas – prevenção geral, de reafirmação contrafáctica da norma violada e prevenção especial, de ressocialização do condenado – da condenação em pena de multa que, revestindo a natureza de sanção penal, deve sempre traduzir-se num encargo sensível para o condenado.
Como se refere no acórdão do TRP de 13/04/2011 (proc. nº 510/07.9PCMTS-A.P1), in www.dgsi.pt, “O objectivo acima aludido não pode ser alcançado à custa da desvirtuação e banalização da multa criminal, sob pena de esta perder a penosidade que deve caracterizar qualquer “pena” e passar a ser um instrumento inconsistente e quase inconsequente, com forma e prazo de cumprimento deixados ao bel-prazer do condenado - o que também redundaria em prejuízo, além do mais, dos valores da certeza e da segurança.”.
Se assim não fosse, a execução da pena multa ficaria na directa dependência da vontade e disponibilidade do condenado em cumprir, como cumprir e quando cumprir. Em evidente prejuízo da sua eficácia penal.” – vide o acórdão do TRP de 11/07/2007 (proc. nº 0712537), in www.dgsi.pt.
Acresce que, a considerar que o prazo para requerer o pagamento da pena de multa em prestações tem natureza meramente indicativa, estaríamos a abrir uma perigosa “brecha” de arbitrariedade e até de “justiça negociada” com os condenados, na qual estes seriam beneficiados pela displicência e indiferença que demonstraram perante a condenação que sofreram. E não se pode pactuar com comportamentos manifestamente relapsos de condenados que, conhecendo a condenação de que foram alvo e o prazo previsto para pedirem o pagamento de multa em prestações, nada fazem em tempo.
Percebe-se que assim seja: está em causa uma pena criminal. A lei não pretendeu proteger relapsos.
Só visou contemplar o caso daqueles que, conformando-se com a inevitabilidade do cumprimento da pena, se dispõem a cumpri-la, mas, no momento do cumprimento, estão em situação económica incompatível com o esforço exigido… O normal e o que a lei exige, é que o cidadão condenado mostre activo interesse e preocupação em efectivamente cumprir a pena nos prazos fixados. Talvez seja uma noção que se está a perder, mas nada permite outro entendimento.” – vide o acórdão do TRG de 12/11/2007 (proc. nº 1995/07-1), in www.dgsi.pt.
Não se olvida o propósito do legislador de evitar o cumprimento das penas curtas de prisão, nomeadamente, aquelas que resultam da conversão das penas de multa.
Porém, afigura-se que para que esse objetivo seja alcançado não se pode permitir que possa valer tudo, a todo o tempo.
Aliás, precisamente tendo em mente esse propósito, a lei prevê diversas vias que permitem ao condenado evitar que a pena de multa seja cumprida através da prisão. Assim, a execução da prisão subsidiária pode ser suspensa, com subordinação ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro, se o incumprimento da pena de multa não for imputável ao condenado – art. 49.º nº 3 do Código Penal. E, de qualquer modo, mesmo depois da pena de multa já ter sido convertida em prisão subsidiária, pode o condenado, a todo o tempo, para evitar ou cessar a sua execução, pagar no todo ou em parte a multa aplicada – art. 49.º nº 2 do Código Penal.
No sentido da interpretação defendida e que se considera mais consentânea com o elemento literal da lei e até com as finalidades da pena, vide, entre outros, os acórdãos do TRP de 10/01/2024 (proc. nº 386/22.6GBILH.P1), do TRC de 27/11/2019 (proc. nº 679/15.9T9ACB- A.C1), do TRL de 4/05/2021 (proc. nº 2617/17.5T9SXL-A.L1-5) e do TRG de 15/06/2021 (proc. nº 33/17.8GBPRG-C.G1), todos in www.dgsi.pt.
Sendo o prazo para requerer o pagamento da pena de multa em prestações de natureza perentória, com o seu decurso extingue-se o direito de praticar o ato – cfr. art. 139.º nº 3 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi art. 4.º e 104.º nº 1, ambos do Código de Processo Penal.
c) Da extemporaneidade do requerimento para pagamento da pena de multa em prestações O condenado AA requereu o pagamento da pena de multa em prestações no dia 12 de Outubro de 2023, quando havia já decorrido o prazo de pagamento voluntário – no dia 6 de Outubro de 2023 –, sem alegar, nem provar, qualquer facto constitutivo de justo impedimento, nos termos do art. 140.º nº 1 e 2 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi art. 4.º do Código de Processo Penal.
Sendo o prazo para requerer o pagamento da pena de multa em prestações o prazo do seu pagamento voluntário e sendo este perentório, tem que se concluir que, na data da apresentação do seu requerimento, o condenado já não estava em tempo de o fazer, por se ter já precludido esse seu direito.
Nessa medida, não podia a Sra. Juíza de Direito decidir como decidiu, autorizando o pagamento prestacional, concordando com a argumentação apresentada pelo recorrente.
Fazendo nossas as palavras exaradas pela Srª relatora Maria Joana Grácio no Ac. desta Relação datado de 10.01.24, proc. 386/22.6GBILH.P1), e que se transcrevem por expressarem claramente o nosso pensamento se dirá que “Compulsada a fundamentação de recurso verificamos que a mesma se restringe à seguinte argumentação:
- «serem diversas as decisões dos Tribunais da Relação que têm entendido não ser extemporâneo o pedido de substituição da multa por prestação de trabalho apresentado depois de decorrido o prazo de 15 dias previsto no artigo 498.º, n.º 1, do CPP, entendimento que tem plena aplicação ao pedido de pagamento da multa em prestações», apresentando como exemplo o acórdão do TRP de 27.02.2013, CJ, 2013, T2, pág. 222; - «da conjugação do disposto no artigo 489.º, n.ºs 1 e 2, do CPP com o disposto no artigo 49.º. n.ºs 1 e 2, do CP, entende o recorrente que inexiste qualquer prazo peremptório para o pagamento voluntário da multa, pagamento que poderá ocorrer no referido prazo de 15 dias ou para além dele, isto é, a todo o tempo e mesmo depois da conversão da multa em prisão subsidiária»;
e
- «se pagamento integral pode ocorrer a todo o tempo, porque teriam tratamento diferenciado os demais, quando o prazo para eles fixado é precisamente o estabelecido para aquele?»
Quanto ao primeiro argumento, evidencia-se logo à partida o facto de não ser apresentada qualquer posição jurisprudencial que directamente respeite ao prazo para solicitar o pagamento da multa em prestação, antes a sua substituição por trabalho a favor da comunidade.
Ora, a verdade é que o regime para pagamento da multa em prestações ou para substituição da multa por trabalho a favor da comunidade não são totalmente equiparáveis, sendo este regulamentado para além do mais, pelo disposto no art. 490.º do CPPenal, em cujo n.º 1 se prevê que o requerimento para substituição da multa por dias de trabalho é apresentado no prazo previsto nos n.ºs 2 e 3 do artigo anterior, ou seja, i) no prazo de 15 dias a contar da notificação para o pagamento da multa ou ii) no prazo de deferimento do pagamento da multa ou do da autorização do seu pagamento em prestações.
Sem entrar, agora, na apreciação da questão do prazo para solicitar a substituição da pena de multa por trabalho a favor da comunidade, que não é o objecto deste recurso, diremos apenas que a redação do art. 490.º, n.º 1, do CPPenal faz toda a diferença, sendo susceptível de permitir um tratamento jurídico distinto relativamente ao prazo para requerer o pagamento da pena de multa em prestações.
E se nos focarmos nessa precisa questão, a única que é objecto deste recurso, verificamos que a jurisprudência defende, de forma maioritária, a existência de prazo peremptório para o efeito.
Em sentido divergente encontramos a decisão do acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 21-03-2017, relatado por João Amaro[2] no âmbito do Proc. n.º 99/02.5PACTX-A.E1, e que encontra na instauração da execução patrimonial da multa o momento até ao qual é tempestivo o pedido formulado pelo arguido com vista ao pagamento da pena de multa em prestações, e da mesma Relação os acórdãos de 10-04-2018, relatado por Sérgio Corvacho no âmbito do Proc. n.º 32/06.5GBMMN-C.E1, de 21-08-2018, relatado por Maria Leonor Botelho no âmbito do Proc. n.º 239/13.9GAVNO.E1, e de 18-04-2023, relatado por Carlos de Campos Lobo do âmbito do Proc. n.º 524/18.3T9MMN.E1, todos perfilhando o entendimento que o prazo estabelecido no art. 489.º, n.º 2, do CPPenal não é peremptório.
Ainda no mesmo sentido, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 06-06-2012, relatado por Airisa Caldinho no âmbito do Proc. n.º 540/08.3PHPRT-B.P1, todos acessíveis in www.dgsi.pt.
Contrariamente, acompanhando a posição reflectida no despacho recorrido, indicam-se a título meramente exemplificativo:
- Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 20-02-2018, relatado por Ausenda Gonçalves no âmbito do Proc. n.º 102/16.1 GTVRL.G1, e de 30-09-2019, relatado por Armando Azevedo no âmbito do Proc. n.º 64/16.5PBGMR.G1, e todos acessíveis in www.dgsi.pt;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 08-09-2020, relatado por Martinho Cardoso no âmbito do Proc. n.º 230/12.2PACTX-A.E1;
- Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra (onde não foi detectada qualquer posição divergente) de 12-07-2023, relatado por Paulo Guerra no âmbito do Proc. n.º 125/16.0T9SEI-A.C1, de 06-01-2021, relatado por Jorge França no âmbito do Proc. n.º 21/16.1GAVZL-A.C1, e de 26-06-2019, relatado por Jorge Jacob no âmbito do Proc. n.º 233/17.0GEACB-A.C1;
- Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 14-03-2018, relatado por Ana Paula Grandvaux no âmbito do Proc. n.º 3/15.0PFAGH-A.L1-3, e de 04-05-2021, relatado por Paulo Barreto no âmbito do Proc. n.º 2617/17.5T9SXL-A.L1-5;
E
- Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 11-07-2007, relatado por Guerra Banha no âmbito do Proc. n.º 712537, de 10-09-2008, relatado por Luís Gominho do âmbito do Proc. n.º 0843469, de 05-03-2014, relatado por Maria Deolinda Dionísio no âmbito do Proc. n.º 6/12.7GCMBR-A.P1, de 23-06-2021, relatado por Maria do Carmo Silva Dias no âmbito do Proc. n.º 746/16.1PWPRT.P1, e de 10-11-2021, relatado por Horácio Correia Pinto no âmbito do Proc. n.º 328/18.3PFPRT.P1.
A posição perfilhada pelo recorrente, minoritária, fundamenta a sua posição na defesa das ideias, supratranscritas, de que se o pagamento total ou parcial da multa, mesmo quando já foi fixada a prisão subsidiária, pode ser realizado a todo o tempo (art. 49.º, n.º 2, do CPenal), então também não há limite para se requerer o pagamento em prestações, só assim se alcançando a finalidade de opção em primeira linha por penas não privativas de liberdade e recurso a penas detentivas apenas como ultima ratio (art. 70.º do CPPenal). Assim, o prazo previsto no art. 489.º, n.º 2, do CPPenal não teria natureza peremptória.
Ora, salvo o devido respeito, esta interpretação olvida em absoluto a letra da lei e a configuração que o legislador atribuiu à aplicação e regulamentação da pena principal de multa e suas vicissitudes, enquadradas em três etapas diferentes, sendo, em cada uma delas sempre conferida ao condenado a possibilidade de evitar o cumprimento de prisão subsidiária, mas partindo de uma ideia de auto-responsabilização e não de uma benevolência condescendente potenciadora de um exercício paternalista da autoridade.
Como bem se definiu no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04-05-2021[3], «[a] questão do pagamento da multa criminal deve ser apreciada sob três perspectivas distintas: (i) pagamento voluntário da multa; (ii) pagamento coercivo da multa; e (iii) pagamento para evitar o cumprimento de prisão subsidiária.»
Assim, «no pagamento voluntário, o pagamento ou o requerimento para diferimento ou prestações têm que ser feitos em 15 dias após a notificação para o efeito (489.º, n.º 2, do CPP). Passado este prazo sem nada ter sido requerido, extingue-se o direito de pagar voluntariamente (por inteiro ou em prestações). Por isso é um prazo peremptório.»
Por sua vez, o «pagamento coercivo tem lugar já no âmbito de um processo executivo, que até corre no juízo ou tribunal que as tenha proferido: o mesmo juiz mas já sob as vestes de juiz de execução. O executado até pode pagar a quantia exequenda por sua iniciativa, extinguindo, deste modo, a execução, mas, para além de ter que suportar adicionais de custas processuais, já não será na posição processual de condenado em processo criminal, mas de executado em processo executivo.»
E «finalmente, o pagamento para evitar o cumprimento da pena de prisão subsidiária visa garantir a natureza e fins das penas criminais, das quais a prisão é a ultima ratio. Nesta situação, o condenado pode, por sua iniciativa, pagar a multa (no todo ou em parte) a todo o tempo.»
Num primeiro momento o legislador permite que o condenado pague voluntariamente a multa ou, no mesmo prazo de 15 dias após a notificação para o efeito, a ser realizada sempre depois do trânsito em julgado da sentença, requeira o diferimento do pagamento até um ano ou o pagamento da multa em prestações, não podendo a última delas ir além dos dois anos subsequentes à data do trânsito em julgado da condenação (arts. 47.º, n.º 3, do CPPenal e 489.º, n.ºs 2 e 3, do CPPenal).
E sempre que findar o prazo de pagamento da multa ou de alguma das suas prestações sem que o pagamento esteja efectuado o condenado entra em incumprimento e procede-se à execução patrimonial quando possível (art. 491.º, n.º 1, do CPPenal) ou, caso a multa não tenha sido substituída por trabalho e não se revelar possível o seu cumprimento voluntário ou coercivo, ao cumprimento da prisão subsidiária (art. 43.º, n.º 1, do CPenal).
O conjunto destes preceitos demonstra claramente que a fase de pagamento voluntário não é ilimitada e não fica na dependência do condenado: ele tem um período inicial de 15 dias após notificação para o efeito para liquidar a multa ou requerer o deferimento do pagamento até um ano ou o pagamento na multa em prestações até ao limite de dois anos subsequentes à data do trânsito em julgado da condenação, posto que estas duas opções, previstas no art. 489.º, n.º 3, do CPPenal, devem ocorrer dentro do prazo previsto no n.º 2, do mesmo preceito, sob pena de total incoerência da concreta previsão legal.
Esta limitação temporal não é irrelevante e corrobora também a solução que se perfilha. Na verdade, a ideia não é deixar nas mãos dos condenados a possibilidade de pagarem as penas de multa como quiserem e quando quiserem, numa espécie de auto-gestão regulativa como se o processo penal não previsse a tramitação adequada às finalidades em análise.
A esta finalidade ligamos o pensamento de Figueiredo Dias[4], ao referir que «a possibilidade de pagamento da multa a prazo ou em prestações encontra a sua razão de ser na necessidade de se operar a concordância prática de dois interesses conflituantes. É indiscutível que a regulamentação da multa deve conduzir à aplicação de penas suficientemente pesadas para que nelas encontrem integral realização as finalidades gerais das sanções criminais. As facilidades de pagamento devem, pois, obstar, por um lado, até ao limite do possível, a que a pena de multa não seja cumprida e a que entrem consequentemente em cena a execução de bens ou as sanções penais sucedâneas. Tais facilidades não devem, porém, por outro lado, ser tão amplas que levem a multa a perder o seu carácter de verdadeira pena e a sua esperada eficácia penal.»
Por outro lado, numa vertente puramente processual, assente no preceituado no art. 139.º, n.ºs 1 a 4, do CPCivil, ex vi arts. 4.º e 104.º, n.º 1, do CPPenal, sabemos que os prazos são dilatórios ou peremptórios, sendo que os primeiros diferem para certo momento a possibilidade de realização de um acto ou o início da contagem de um outro prazo e os segundos, com o seu decurso, extinguem o direito de praticar o acto, salvo caso de justo impedimento.
Assim, independentemente da visão que se possa ter de iure constituindo quanto à questão aqui analisada, não se vê como contornar a natureza dos prazos a que alude o art. 489.º do CPPenal, que se apresentam como peremptórios, fazendo o seu decurso, por isso, precludir o direito de praticar o acto, no caso, de requerer o pagamento da pena de multa em prestações.
Acresce que se não se entender a tramitação da execução da pena de multa ligada às diferentes fases identificadas e à limitação de se requerer o diferimento do pagamento da multa ou a sua realização em prestações dentro do prazo de 15 dias após notificação para pagamento voluntário da multa, impõe-se, inevitavelmente, reconhecer a impossibilidade, na maioria dos casos, de cumprimento dos limites fixados no art. 47.º, n.º 3 do CPenal, dado o tempo que se sabe demora a prática dos actos processuais, assim de frustrando as expectativas do legislador.
A regulamentação preconizada, nos termos em que a entendemos, confere ao condenado que não se alheia da sua condição todas as possibilidades de melhor cumprir a pena de multa sem colocar em causa a sua liberdade e permite aos Tribunais, no caso de alienação do condenado perante o cumprimento da pena, iniciar uma fase coerciva em período razoável para que a pena não se arraste e perca o efeito pretendido, impedindo um desfasamento temporal irrazoável entre a condenação transitada em julgado e, em ultima ratio, o cumprimento da prisão subsidiária, que com o passar do tempo vai também ela perdendo a sua razão de ser.
Perante o incumprimento do pagamento voluntário (aqui se incluindo os casos do respectivo deferimento ou de autorização para realizar o pagamento em prestações), nas fases que se seguem, de cobrança coerciva e de cumprimento da prisão subsidiária, mostra-se sempre possível evitar a privação da liberdade pelo pagamento da multa total ou parcialmente, restringindo-se, neste caso, o cumprimento apenas à parcela não paga.
Repare-se que como último reduto da opção pela não privação da liberdade, o art. 49.º, n.º 3, do CPenal prevê a hipótese de o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não ser imputável e, neste caso, poder a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de 1 a 3 anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro. Nestas situações, se os deveres ou as regras de conduta não forem cumpridos, executa-se a prisão subsidiária; se o forem, a pena é declarada extinta.
O sistema está, pois, estruturado de forma a utilizar como ultima ratio a privação da liberdade, estando optimizado para uma garantia máxima quando o condenado não se alheia do cumprimento pena, permitindo um equilíbrio entre a natureza de verdadeira pena, que a multa representa, a justiça material e a eficácia penal esperada de que fala Figueiredo Dias.”

III – Dispositivo

Pelo exposto, acordam os juízes desta 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar o despacho recorrido.

Sem tributação.

(Processado e revisto pelo primeiro signatário).

Sumário:
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Porto, 19-06-2024
Paulo Costa
Maria Rosário Silva Martins
Castela Rio [Voto vencido:
Negaria provimento ao Recurso do MP pelas razões expendidas no ARP de 11-12-2013 com Lígia Figueiredo no Recurso Penal 82/09.0GBMBR.P1 - na esteira do ARP de 26-6-2010 com Lígia Figueiredo no Recurso Penal 609/02.8TAPRD-A.P1 in www.dgsi.pt - no sentido da inexistência de prazo com a natureza processual penal peremptória no caso do Arguido requerer a substituição da «multa por crime» pela prestação de dias de trabalho ut arts 48-1 do CP e 490-1-I do CPP desde 15.9.2007. A tanto citam-se os sgs §§ do sobredito ARP 82/...:

«Apesar de ser possível, a partir da conjugação dos arts 489-1 [«A multa é paga após o trânsito em julgado da decisão que a impôs e pelo quantitativo nesta fixado, não podendo ser acrescida de quais quer adicionais»], 489-2 [«O prazo de pagamento da multa é de 15 dias a contar da notificação para o efeito»] e 489-3 [«O disposto no número anterior não se aplica no caso de o pagamento da multa ter sido deferido ou autorizado pelo sistema de prestações »] do CPP com os arts 47-3 do CP [«Sempre que a situação económica e financeira do condenado o justificar, o tribunal pode autorizar o pagamento da multa dentro de um prazo que não exceda um ano, ou permitir o pagamento em prestações, não podendo a última delas ir além dos dois anos subsequentes à data do trânsito em julgado da condenação»] e 490-1 do CPP [«O requerimento para substituição da multa por dias de trabalho é apresentado no prazo previsto nos nº 2 e 3 do artigo anterior …»], argumentar lógico-formalmente que «… se a multa só não tem que ser paga no prazo de 15 dias [do art 489-2] se tiver sido diferido ou autorizado o seu pagamento em prestações [ut art 489-3], daí resulta que o requerimento para este efeito tem que ser apresentado antes de expirado aquele prazo, pois só assim cessará o dever do condenado de pagar a multa nesse prazo de 15 dias. De facto, se o requerimento for apresentado depois de decorrido esse prazo, terá lugar numa altura em que a multa já deveria ter sido paga» como motivou o MP recorrente,

«Apesar de ser possível, a partir da conjugação do art 491-1 [«Findo o prazo do paga mento da multa ou de alguma das suas prestações sem que o pagamento esteja efectuado, procede-se à execução patrimonial »] com o art 491-2 [«Tendo o condenado bens suficientes e desembaraçados de que o tribunal tenha conhecimento ou que ele indique no prazo de pagamento, o Ministério Público promove logo a execução...»] do CPP, argumentar lógico - formalmente que «… se findo o prazo de pagamento voluntário da multa sem que ela tenha sido paga o Ministério Público pode promover logo a execução, com vista à sua cobrança coerciva, no caso de serem conhecidos bens suficientes e desembaraçados, como tal, só no caso do condenado ter requerido o seu pagamento em prestações nesse prazo de 15 dias é que obstará a que se proceda à execução patrimonial uma vez decorrido este sem que tenha tido lugar o pagamento da multa» como motivou o MP recorrente,

«Apesar do art 145-1-2-3 do velho CPC de 1961 e similar art 139-1-2-3 do novo CPC de 2013, aplicáveis em processo penal ex vi art 4 do CPP, preverem apenas o «… prazo dilatório [como o que] difere para certo momento a possibilidade de realização de um acto ou o início da contagem de um outro prazo» versus o «prazo peremptório» cujo «… decurso … extingue o direito de praticar o acto» de modo a permitir ao MP recorrente argumentar lógico formalmente, no sentido da natureza peremptória do prazo de 15 dias do art 489-2 do CPP, a partir do facto da «… cobrança da pena de multa se processa [r] por vários momentos que se sucedem temporalmente» , que as «… fases ocorrem em momentos temporais sucessivos, não se podendo passar de uma para outra sem que se haja esgotado a possibilidade anterior, o que implica que essas fases estejam sujeitas ao cumprimento de prazos que as encerrem e que definam o momento em que se pode avançar no sentido de obter a cobrança da multa» como motivou o MP recorrente,

«Apesar do MP recorrente ter argumentado que «… se tais prazos não fossem peremptórios, autorizando-se que o condenado pudesse requerer o pagamento faseado da pena de multa a todo o tempo, estar-se-ia a subverter o regime de prazos que a lei estabelece e a tomarem-se inócuos os trâmites previstos para a sua cobrança, com o consequente esvaziamento das finalidades preventivas - prevenção geral, de reafirmação contrafáctica da norma violada e prevenção especial, de ressocialização do condenado - da condenação em pena de multa que, revestindo a natureza de verdadeira sanção penal, deve sempre traduzir-se num encargo sensível para o condenado» quando o pagamento em prestações «… não pode ser alcançado à custa da desvirtuação e banalização da multa criminal, sob pena de esta perder a penosidade que deve caracterizar qualquer “pena” e passar a ser um instrumento inconsistente e quase inconsequente, com forma e prazo de cumprimento deixados ao bel-prazer do condenado - o que também redundaria em prejuízo, além do mais, dos valores da certeza e da segurança» (ARP de 13.4.2011 no proc 510/07.9PCMTS-A.P1) por que cumpre evitar «… a execução da pena de multa ficar … na directa dependência da vontade e disponibilidade do condenado em cumprir, como cumprir e quando cumprir. Em evidente prejuízo da sua eficácia penal» (ARP de 11.7.2007 no proc 0712537, in www.dgsi.pt),

«Apesar do MP recorrente ter argumentado que «… a considerar que tal prazo tem natureza meramente indicativa, estaríamos a abrir uma perigosa “brecha” de arbitrariedade e até de “justiça negociada” com os condenados, na qual estes seriam beneficiados pela displicência e indiferença que demonstraram perante a condenação que sofreram. E não se pode pactuar com comportamentos manifestamente relapsos de condenados que, conhecendo a condenação de que foram alvo e o prazo previsto para pedirem o pagamento de multa em prestações, nada fazem em tempo» apesar de estar «…em causa uma pena criminal. A lei não pretende proteger relapsos. Só visou contemplar o caso daqueles que, conformando-se com a inevitabilidade do cumprimento da pena, se dispõem a cumpri-la, mas, no momento do cumprimento, estão em situação económica incompatível com o esforço exigido... O normal e o que a lei exige, é que o cidadão condenado mostre activo interesse e preocupação em efectivamente cumprir a pena nos prazos fixados. Talvez seja uma noção que se está a perder, mas nada permite outro entendimento» (ARG de 12.11.2007 no processo 1995/07-1 in www.dgsi.pt),

Apesar do MP recorrente ter argumentado que, para «… o propósito do legislador de evitar o cumprimento das penas curtas de prisão, nomeadamente aquelas que resultam da conversão das penas de multa … , não se pode permitir que possa valer tudo, a todo o tempo» porque, «… precisamente tendo em mente esse propósito, a lei prevê diversas vias que permitem ao condenado evitar que a pena de multa seja cumprida através da prisão. As sim, a execução da prisão subsidiária pode ser suspensa, com subordinação ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro, se o incumpri mento da pena de multa não for imputável ao condenado — art. 49.° n° 3 … E, de qualquer modo, mesmo depois da pena de multa já ter sido convertida em prisão subsidiária, pode o condenado, a todo o tempo, para evitar ou cessar a sua execução, pagar no todo ou em parte a multa aplicada — art. 49.° n° 2 … » do CP,

«O Recurso não merece provimento porque, como o MP recorrente até reconhece expressamente, o art 489-2 do CPP, ao estatuir que «O prazo de pagamento da multa é de 15 dias a contar da notificação para o efeito», efectivamente «… não consagra expressa mente um prazo para que seja requerido o pagamento da multa em prestações …» que se afigura ser prazo meramente ordenatório por ser «…a solução que melhor se adequa à natureza do instituto da prisão subsidiária, a qual foi configurada pelo legislador como a derradeira via ao alcance do julgador para fazer executar a pena de multa» que não tenha sido substituída por trabalho, nem paga (efectiva e integralmente) voluntária (de uma só vez ou em prestações ainda no âmbito do processo declarativo) ou coercivamente (já no decurso de processo executivo autónomo daquele),

«Porquanto 1) do regime do art 49-1 do CP do qual «… resulta inequívoco que a prestação de trabalho é também uma forma de extinção da pena de multa, desde que verificados os pressupostos do artº 48º do CP» que são a prestação dos «… dias de trabalho em estabelecimentos, oficinas ou obras do Estado ou de outras pessoas colectivas de direito público, ou ainda de instituições particulares de solidariedade social …» e a conclusão do Tribunal «… que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição» e 2) da conjugação do art 49-2 do CP com o art 491-A do CPP na redacção da Lei 115/2009 de 12/10 , decorre a configuração da prisão subsidiária pelo sistema penal processual penal como «… a derradeira via ao alcance do julgador para fazer executar a pena de multa».

«E tal via só é possível executar «… só após se terem esgotado todas as outras formas possíveis de cumprimento da pena» de multa tendo presente que «… inexiste prescrição alguma no CP e no CPP que imponha ao condenado em pena de multa criminal a prévia escolha definitiva de um dos possíveis modos alternativos de cumprimento daquela pena, o pagamento em prestações e a substituição por trabalho, vale dizer a preclusão de uma opção por ter escolhido a outra» e que «… o condenado está sempre em tempo de pagar a multa em que foi condenado, isto mesmo que já tenha entrado em incumprimento e mesmo que o incumprimento tenha sido declarado» .

«Aliás, in extremis até já se decidiu que «Se o condenado que disponha de pecuniae tem o direito substantivo de poder a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa em que foi condenado, não se vê como não reconhecer ao condenado que não disponha de pecuniae o direito substantivo de poder a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, o cumprimento da prisão subsidiária mediante o incidente de suspensão da sua execução provando que a razão do não cumpri mento da multa não lhe é imputável» .

«Em suma, a natureza meramente ordenatória do prazo do art 489-2 do CPP é que é a conforme ao programa político-criminal inserto no art 70 do CP conforme o qual «Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição»:

«A aplicação de penas [principal ou de substituição e acessória] … visa a protecção de bens jurídicos [fim-último do Direito Criminal-Penal mediant]e [aquelas como fim-meio d]a reintegração do agente na sociedade» (art 40-1) sem «Em caso algum a pena pode[r] ultrapassar a medida da culpa» (art 40-2) quais vectores da “… determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, …em função da culpa do agente e das exigências de prevenção» (art 71-1) às quais se reconhecem as funções de retribuição do crime (por expiação da pena), prevenção especial positiva (de ressocialização por prevenção da reincidência do agente), prevenção especial negativa (de dissuasão por intimidação do agente), prevenção geral positiva ou de integração [por (aprofundamento da) interiorização dos bens jus penais e restabelecimento ou revigoramento da confiança da comunidade na efectiva tutela penal estatal dos bens jurídicos funda mentais à vida colectiva e individual] e prevenção geral negativa de intimidação (por dissuasão de potenciais criminosos).

A final, a partir da Fundamentação do ACD do STJ de 18.9.2013 de Fixação da Jurisprudência «Transitado em julgado o despacho que ordena o cumprimento da pena de prisão em consequência do não pagamento da multa por que aquela foi substituída, nos termos do artigo 43.° n.°s 1 e 2, do Código Penal, é irrelevante o pagamento posterior da multa por forma a evitar o cumprimento daquela pena de prisão, por não ser caso de aplicação do preceituado no n.° 2, do artigo 49.°, do Código Penal» ,

«Resta notar que o único facto que se pode ter como preclusivo da tempestividade do requerimento do Condenado de pagamento da multa em prestações ou da substituição da multa pela prestação de dias de trabalho, por identidade de razão, é a prolação do Despacho que declare exequível a prisão subsidiária por consubstanciar esgotamento do poder jurisdicional na matéria]