Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
9307/21.2T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MENDES COELHO
Descritores: REENVIO PREJUDICIAL
FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO
DELIBERAÇÃO DA ASSEMBLEIA DE PARTICIPANTES
RELAÇÃO DE DOMÍNIO SOCIETÁRIO OU DE GRUPO ENTRE A SOCIEDADE GESTORA E O DEPOSITÁRIO
ANULAÇÃO DA DELIBERAÇÃO
Nº do Documento: RP20240520930/21.2T8VNG.P1
Data do Acordão: 05/20/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Face à previsão do art. 267º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, só haverá que suscitar o reenvio prejudicial se o tribunal considerar que uma decisão preliminar do TJUE sobre determinada questão é necessária ao julgamento da causa.
II – A previsão do nº8 do art. 377º do Código das Sociedades Comerciais refere-se a deliberação cujo assunto é a alteração normativa do contrato; integrando a alteração a introduzir apenas a substituição no seu texto do nome de sociedade gestora que ali constava pelo nome da sociedade gestora que iria substituir aquela, não está em causa qualquer alteração normativa do texto contratual.
III – Prevendo-se no art. 61º nº1 g) do Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo (Lei 16/2015, de 24/2) e no Regulamento de Gestão do Fundo a substituição da sociedade gestora de Fundo de Investimento por via de deliberação da assembleia de participantes e sendo aplicável à convocação e funcionamento desta o disposto no Código das Sociedades Comerciais para as assembleias de acionistas, a aprovação de tal substituição, porque dependente do voto dos participantes, integra uma “eleição” de uma nova administração do Fundo nos termos previstos na alínea d) do nº1 do art. 289º do CSC, pois a nova sociedade gestora só pode ingressar nessa veste se houver deliberação nesse sentido aprovada pelos participantes em percentagem que tal possibilite;
IV – Como da conjugação do nº1 com o nº3 daquele art. 289º resulta, uma coisa é facultar à consulta os dados referidos sob a alínea d) daquele nº1, o que implica uma concreta deslocação dos interessados em tal consulta à sede da sociedade ou uma sua qualquer atuação com vista a ali os obter, e outra coisa é o envio de tais documentos pela própria sociedade, que deve ser requerido pelos interessados nos termos previstos nas alíneas a) e b) daquele nº3.
V – A expressão legal “devem ser facultados à consulta” constante daquele nº1 pressupõe, para se poder concluir pela violação do preceito, que tenha sido esboçada uma efetiva e concreta intenção de consulta e se tenha apurado que os dados em causa não estavam disponíveis para a mesma poder ser efetuada.
VI – No art. 386º nº4 do Código das Sociedades Comerciais prevê-se uma restrição ao voto do acionista quando por via da deliberação em causa se esboce um conflito de interesses entre ele e a sociedade, sendo que a situação prevista naquela alínea é de tipo geral, concretizando-se caso a caso; um sócio está em situação de conflito de interesses com a sociedade quando no caso haja divergência de prin­cípio entre o interesse (objetivamente avaliado) do sócio e o interesse (objetivamente avaliado também) da sociedade, convindo, portanto, ao sócio uma deliberação orientada em determinado sentido e à sociedade uma deliberação orientada em sentido diferente.
VII – Integrando a sociedade gestora do organismo de investimento coletivo uma entidade com personalidade jurídica própria, integrando o depositário desse mesmo organismo igualmente uma entidade com personalidade jurídica própria, cada uma com património próprio, com competências próprias e legalmente especificadas e com esferas de responsabilidade próprias delas decorrentes, do facto de a sociedade gestora ser participada em 96% do seu capital pelo depositário e pertencerem ambos ao mesmo grupo económico não decorre a violação da alínea a) do nº1 do art. 123º do Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo, onde se preceitua que “As entidades responsáveis pela gestão não podem ser depositários dos organismos de investimento coletivo sob gestão”.
VIII – Na verdade, como decorre de variados normativos daquele Regime Geral, a própria lei até pressupõe que possa haver aquela relação de domínio societário ou de grupo entre a sociedade gestora e o depositário, como é patente, por exemplo, no nº2 do art. 73º, no nº4 do art. 120º e no nº3 do art. 123º.
IX – Aquele art. 123º nº1 a) dispõe em termos muito próximos dos artigos 25º e 21º, respetivamente, das Diretivas nº 2009/65/CE e nº 2011/61/EU, que transpõe, e tal como estas Diretivas, o RGOIC não proíbe expressamente a existência de relações de domínio ou de grupo entre a gestora e o depositário de um mesmo fundo.
X – A existência de mero interesse do acionista/sócio (no caso, participante) na deliberação não basta para que se conclua pela verificação da previsão da alínea b) do nº1 do art. 58º do CSC.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº9307/21.2T8VNG.P1

(Comarca do Porto – Juízo Local Cível do Porto – Juiz 8)

Relator: António Mendes Coelho

1º Adjunto: Maria Fernanda Fernandes de Almeida

2º Adjunto: Carlos Gil

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I Relatório

AA, BB, A..., S.A., CC, DD e EE intentaram, no Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia, ação comum que apelidaram de “anulação de deliberações sociais” contra “B...”, representado pela sociedade C..., S.A., na qualidade de sociedade gestora do referido organismo de investimento coletivo de investimento imobiliário fechado, pedindo que seja declarada a nulidade e/ou a anulabilidade, com a consequente anulação, de todas as deliberações tomadas na Assembleia Geral de Participantes daquele fundo que, convocada pela  Sociedade Gestora, teve lugar no dia 5 de Janeiro de 2021.

Para tanto, sustentam os autores que as deliberações em causa são contrárias à lei, padecendo de várias ilegalidades, que elencam no art. 286º da petição inicial:

(i) Na convocatória da Assembleia de Participantes não constam as cláusulas que serão modificadas, pelo que entendem estarmos diante de uma deliberação anulável, ao abrigo da al. a) e c) do n.º 1 e n.º 4 do artigo 58.º do CSC;

(ii) Não foi facultada qualquer informação aos participantes do Fundo sobre as qualificações profissionais e as atividades profissionais exercidas pelos membros dos órgãos sociais da nova sociedade gestora, tal como determina a al. d) do n.º 1 do artigo 289.º CSC, aplicável ao presente caso, entendendo desse modo que estamos diante de uma deliberação anulável, ao abrigo das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 58.º do CSC;

(iii) Ocorreram situações de impedimento de voto, o qual, tendo sido invocado, não foi acolhido pelo Senhor Presidente da Mesa da Assembleia Geral, tendo a deliberação sido tomada tendo em consideração votos de participantes que se encontravam impedidos de votar, sustentando que tal determina que a deliberação se encontra ferida de anulabilidade, nos termos da al. a) do n.º 1 do artigo 58.º do CSC;

(iv) Sustentam que a deliberação é igualmente ilegal, por violação de norma legal imperativa, designadamente do artigo 77.º, n.º 1 e 2 do RGOIC (Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo, aprovado pela Lei 16/2015, de 24/2), que determina a nulidade da deliberação, nos termos do artigo 56.º, n.º 1, al. d), do CSC;

(v) Sustentam que a deliberação é também ilegal, por violação de norma legal imperativa, designadamente do artigo 123.º do RGOIC, que determina a nulidade da deliberação, nos termos do artigo 56.º, n.º 1, al. d), do CSC;

(vi) Sustentam que a deliberação é ainda ilegal, na medida em que a mesma é apropriada a satisfazer o propósito de um dos sócios em conseguir, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou para terceiros, sendo a deliberação tomada nestes termos abusiva, nos termos do artigo 58.º, n.º 1, al. b), do CSC.

O R. contestou, pugnando pela total improcedência da ação, sustentando, em suma, não se verificar qualquer das ilegalidades invocadas.

Por requerimento de 10/2/2022, os autores pronunciaram-se sobre documentos juntos pelo réu com a contestação.

Foi proferido despacho a 14/3/2022 em que, dando-se conta da intenção do tribunal em dispensar a realização de audiência prévia, se ordenou a notificação dos autores para responderem, querendo, às exceções invocadas em sede de contestação.

Nessa sequência, os autores, por requerimento de 30/3/2022, vieram aceitar alguma da factualidade alegada na contestação (que identificam sob o ponto 18) e impugnar a restante (ponto 19), argumentando depois no sentido da verificação dos vícios já por si imputados à deliberação na petição inicial. Quanto à sua alegada violação, pela deliberação, do art. 123º do RGOIC, requereu que o tribunal, caso tenha dúvidas quanto ao alcance da Diretiva 2011/61/EU, deverá proceder ao pedido de reenvio prejudicial (art. 19.º, n.º 3, alínea b), do TUE; arts. 256º, nº 3 e 267º do TFUE).

Por despacho proferido a 12/6/2022, após prévio contraditório das partes, foi declarada a incompetência material do Juízo de Comércio onde a ação deu entrada.

Por requerimento de 22/6/2022, os autores declararam renunciar ao direito ao recurso daquela decisão e requereram a remessa do processo para o Juízo Local Cível da Comarca do Porto, por ser o foro materialmente competente.

Já neste tribunal, a 15/2/2023, foi proferido despacho a dar conta que o processo reunia já todos elementos para se conhecer de mérito e a auscultar as partes no sentido da designação ou não de audiência prévia.

Nessa sequência, os autores vieram a 6/3/2023 de novo requerer que caso subsista qualquer dúvida sobre a ofensa da deliberação ao disposto do artigo 123º do RGOIC, o qual reproduz o teor da al. a) do n.º 4 e n.º 10 do artigo 21.º da Diretiva 2011/61/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de Junho de 2011, impõe-se proceder ao reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia, solicitando a sua resposta às questões que ali indica nos seguintes termos:

À luz do teor da al. a) do n.º 4 do artigo 21.º e do n.º 10 do mesmo artigo, da Diretiva 2011/61/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de Junho de 2011, é admissível ou não a interpretação deste normativo no sentido de:

i. Consentir que no mesmo Fundo de Investimento Imobiliário possam coexistir um Banco Depositário que detém 96% do capital social da Sociedade Gestora (“GFIAs”) desse Fundo;

ii. Consentir que o Presidente do Conselho de Administração da Sociedade Gestora, tenha um vínculo laboral com o Banco Depositário de um mesmo Fundo;

iii. Consentir que no mesmo Fundo de Investimento Imobiliário possam coexistir um Banco Depositário e uma Sociedade Gestora que se inserem no mesmo grupo económico e financeiro.

Por requerimento de 21/3/2023, o réu pugnou pelo indeferimento do pedido de reenvio, alegando não se verificarem, em concreto, os pressupostos de que depende o recurso àquele mecanismo.

Para tanto, alegou que a formulação de uma questão prejudicial, nos termos e para os efeitos do peticionado pelos autores, dependeria da existência de dúvidas interpretativas deste Tribunal a respeito da aplicação do Direito da União Europeia e da efetiva necessidade e imprescindibilidade da questão prejudicial para a solução da matéria controvertida e do litígio destes autos, defendendo, na esteira da doutrina e jurisprudência que invoca, que a elaboração de questão prejudicial, em caso de dúvida interpretativa do Tribunal (que não se vislumbra no presente caso), pode, desde logo, ser dispensada sempre que se verifique uma das três seguintes condições:

i) a questão não ser necessária, nem pertinente para o julgamento do litígio principal;

ii) o Tribunal de Justiça ter-se já pronunciado de forma clara sobre a questão a reenviar, ou existir jurisprudência consolidada a este respeito;

iii) o Juiz nacional não ter dúvida razoável quanto à solução a dar à questão de Direito da União, por o sentido da norma em causa ser claro e evidente («teoria do acto claro», cujos exigentes e cumulativos critérios de verificação foram estabelecidos por acórdão do Tribunal de Justiça no processo Cilfit).

Nessa sequência, salienta dois aspetos que, na sua ótica, determinam a improcedência do peticionado pelos autores: o primeiro, o facto de, em rigor, e em concreto, estar em causa a interpretação de uma norma de Direito Nacional, e não, conforme sugerido pelos autores, de uma norma de Direito da União Europeia; o segundo, por a norma nacional em questão ser clara e a jurisprudência nacional, que já versou o tema destes autos, oferecer uma análise esclarecedora e fundamentada quanto aos factos e ao direito aplicável, desse modo não restando quaisquer dúvidas interpretativas que pudessem substanciar a pretensão dos autores.

De seguida, foi proferido despacho no qual se concluiu que “não se mostrando preenchidos, quer o pressuposto da obrigatoriedade do reenvio, quer o pressuposto da sua necessidade, a interpretação da norma constante artigo 123.º do RGOIC (e a sua correcta interpretação à luz do teor da al. a) do n.º 4 e n.º 10 do artigo 21.º da Directiva 2011/61/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de Junho de 2011), não deve ser objeto de reenvio prejudicial”, e nesse seguimento, rejeitou o pedido de reenvio prejudicial peticionado pelos autores.

Logo a seguir a tal despacho, e na mesma data, foi proferida sentença que julgou improcedente a ação e absolveu o réu do pedido.

De tal sentença vieram os autores recorrer, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

“1. Decorre da Sentença proferida pelo Tribunal a quo que, “Os factos a ter em conta com relevância para a decisão a proferir, - que se encontram provados pela consensualidade das partes vertida nos respetivos articulados e pela prova documental (incluindo o parecer jurídico junto aos autos, cfr. art. 426º do C.P.C.)

2. Assim, ao contrário do decidido relativamente ao facto dado como provado nº 30), nunca poderia o Tribunal recorrido ter dado como provado que a proposta do novo Regulamento de Gestão da Recorrida foi disponibilizada aos participantes, uma vez que tal factualidade nunca foi aceite pelos Recorrentes, e porque não foi produzida qualquer prova sobre tal facto.

3. Ora, em face da prova existente nos autos, deveria, tão só o Tribunal recorrido ter decidido apenas como provado que: “A proposta do novo Regulamento de Gestão do Réu (que, a par da mais prova documental coligida nos autos – principais e apenso cautelar), foi junta aos autos, dando-se aqui por reproduzido o seu teor.

4. O Tribunal constatou perentoriamente, porque assim considerou provado, que não constam da convocatória da Assembleia de Participantes as cláusulas ou partes do Regulamento de Gestão que seriam objeto de alteração – vide facto provado nº 29).

5. Não constam da convocatória as cláusulas ou as partes do Regulamento que seriam objeto de alteração.

6. O Regulamento de Gestão do Fundo B... equivale aos estatutos de uma sociedade comercial.

7. O aviso convocatório terá de mencionar expressamente as cláusulas a suprimir, aditar ou modificar.

8. O teor integral do texto das cláusulas objeto de alteração terá de constar expressamente da própria convocatória ou, em alternativa, terá de indicar expressamente que tal texto fica à disposição para consulta dos acionistas na sede social.

9. Na convocatória não constam as cláusulas ou partes do texto do regulamento que seriam objeto de alteração e não consta da convocatória qualquer menção ao texto a modificar das referidas cláusulas, nem, tão pouco, a menção de que o mesmo estaria disponível para consulta dos participantes, pelo que se verifica a violação do artigo 377.º, n.º 8 do CSC.

10. O Tribunal recorrido desconsidera o facto que ele próprio considerou provado, designadamente o teor do aviso convocatório, no qual, no seu último parágrafo, se dá conta expressa que o texto do novo Regulamento do Fundo não está disponível para consulta.

11. Não está assente nos autos a data a partir da qual tal texto ficou disponível para consulta dos participantes, nem deveria constar dos autos que os Participantes, designadamente os Recorrentes, tenham alguma vez sido notificados da data a partir da qual poderiam consultar tal texto, como se veio de alegar.

12. Acresce que, mesmo que tivessem sido, que não foram, a verdade é que sempre teriam sido avisados em momento posterior à convocatória, o que sempre constituiria violação expressa ao referido artigo 377.º do CSC.

13. Violações estas insanáveis porquanto obstaculizaram a formação de uma vontade ponderada e esclarecida quanto ao sentido de voto sobre a alteração do texto primordial – Regulamento - que rege a vida do Fundo de Investimento em questão.

14. E nem se diga que a alteração aos estatutos em crise nos autos não era necessária ser levada a Assembleia Geral, porque a mesma configurava apenas uma atualização de dados constantes do regulamento.

15. Pelo se trata de uma deliberação anulável, por violação do n.º 8 do artigo 377.º do CSC, ao abrigo da al. a) e c) do n.º 1 e n.º 4 do artigo 58.º do Código das Sociedades Comerciais (“CSC”).

16. Á convocação e funcionamento das Assembleias Gerais do Fundo de Investimento em causa se aplica, com as necessárias e naturais adaptações, o regime do Código das Sociedade Comerciais quanto às sociedades anónimas.

17. Daqui decorre, desde logo, a aplicabilidade do artigo 289.º, n.º 1 do CSC ao presente caso, por força do Ponto 5.8 do Capítulo VI do Regulamento do Fundo e n.º 1 do artigo 59.º-A do Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo, citados supra.

18. Estando em discussão uma substituição da sociedade gestora que gere os investimentos dos participantes, estes têm o legítimo direito de conhecer as qualificações, o percurso e a experiência profissional de quem vai gerir o seu dinheiro.

19. Não foi disponibilizada, nem antes da realização da Assembleia, nem durante a mesma, qualquer informação sobre as qualificações profissionais dos órgãos sociais da nova sociedade gestora,

20. Os participantes não tiveram oportunidade de aferir da competência dos membros dos órgãos sociais da nova sociedade gestora para gerir o Fundo de que são participantes, desconhecendo qualquer predicado profissional dos mesmos, designadamente a sua formação e experiência profissional.

21. A aprovação da CMVM de adequação da nova sociedade gestora ao exercício da sua atividade não dispensa a aplicação do artigo 289.º, n.º 1, al. d) do CSC., pelo que se trata de uma deliberação anulável, ao abrigo das al. a) e c) do n.º 1 do artigo 58.º do CSC, por violação do artigo 289.º, n.º 1, al. d) do CSC.

22. Ao contrário do que sustenta o Tribunal recorrido, a lei não onera os participantes/acionista/sócios com o dever de solicitar essa informação, sendo obrigatório a mesma estar disponível para consulta.

23. Resulta dos factos provados, designadamente do facto 52), que não foram colocados na sede social, desde a data da convocação da assembleia geral, os currículos respeitantes aos membros do Conselho de Administração da sociedade gestora a eleger, com infração do disposto no artigo 289, n. 1, alínea d).

24. Apenas durante a discussão do ponto 1 da Ordem de Trabalhos, foi demonstrada a disponibilidade para o envio dos currículos solicitados, e que nunca foram enviados, pelo que estamos diante de uma deliberação anulável, ao abrigo das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 58.º do CSC.

25. A forma como o requerimento convocatório foi efetuado induz em erro os seus destinatários, isto é, os Participantes do Fundo, ao referir que a CMVM não expressou qualquer objeção quanto à intenção do participante requerente – leia-se “Banco 1..., S.A.” – de consolidar as funções de entidade gestora e entidade depositária do Fundo, parece querer dizer que a CMVM já teria apreciado esta questão, o que é falso e equívoco, na medida em que, antes da deliberação, a CMVM não exprimiu (nem poderia) qualquer concordância, expressa ou tácita, quanto a essa intenção.

26. É abusivo, equívoco, censurável e violador do direito a uma informação rigorosa e clara por parte dos participantes a menção a uma alegada sindicância pela CMVM no âmbito de um processo de licenciamento da atividade, bem se sabendo que com isso se poderá incutir nos destinatários da convocatória a ideia de um presumido consentimento tácito da CMVM, quanto à pretendida consolidação em entidades do grupo Banco 1... das funções de entidade gestora e de entidade depositária.

27. Também não se percebe como logrou o Tribunal a quo a concluir que também não existe violação do direito a informação caso se considere que o requerimento convocatório da assembleia de participantes integra a própria convocatória.

28. Analisado o requerimento convocatório da assembleia de participantes, fácil é de se perceber que do mesmo não constam os elementos de informação constantes do artigo 289º nº 1 do C.S.C.

29. São vários os atropelos ao direito de informação dos Recorrentes, na qualidade de participantes do Fundo, na medida em que não lhes foi prestada informação verdadeira, completa e elucidativa necessária à formação de uma vontade esclarecida sobre o sentido de voto do ponto um da ordem de trabalhos da referida Assembleia Geral de Participantes, motivo pelo qual a deliberação que aprovou o ponto um da ordem de trabalhos da referida Assembleia, é anulável, ao abrigo das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 58.º do CSC,

Sem prescindir,

30. No presente caso, o que está em causa no ponto um da ordem de trabalhos é o estabelecimento ou não de uma a relação entre o Fundo e a nova sociedade gestora, a qual é detida em 96% pelo Banco 1..., S.A., Participante maioritário no Fundo “B...” e Banco Depositário – a sociedade “C..., S.A.”, como sociedade gestora do Fundo.

31. O ponto um da ordem de trabalhos incide sobre uma relação a estabelecer entre o Fundo B... e uma entidade – nova sociedade gestora – em que o seu participante, com o maior número de unidades de participação, Banco 1..., S.A. que é igualmente o Banco depositário do Fundo, encontra-se numa situação de um inequívoco conflito de interesses, razão pela qual o mesmo está impedido de votar na presente deliberação, por si ou em representação de outrem, ao abrigo do n.º 6 do artigo 384.º do CSC.

32. Este impedimento estende-se também a outras entidades, para além do referido acionista/participante.

33. O qual abrange não só o Banco depositário, mas ainda os seus acionistas, os seus funcionários e administradores, bem como os restantes membros dos órgãos sociais, e também os acionistas, funcionários, administradores e restantes membros dos órgãos sociais da sociedade C..., S.A. todos estes são mencionados nos factos provados 37) a 47).

34. Estes votos em situação de conflito de interesses, somados, representam 79,87% do Capital do Fundo e cerca de 90 % dos votos expressos a favor, pelo que a deliberação em causa teria sido reprovada, caso não tivessem sido contados a favor os votos abusivos, razão pela qual a referida deliberação se encontra ferida de anulabilidade, nos termos da al. a) do n.º 1 do artigo 58.º do CSC

Sem prescindir,

35. A fundamentação da substituição da sociedade gestora, para efeitos do artigo 77.º, n.º 2 do RGOIC terá de constar da própria deliberação sob pena de violação do referido preceito.

36. Ora, no presente caso, inexiste, desde logo, a invocação de qualquer fundamentação, assim como inexiste a concordância da atual sociedade gestora na pretendida substituição.

37. Pelo que a presente deliberação ofende o normativo acima referido, quer quanto à forma, quer quanto à substância, porquanto inexiste a invocação de qualquer fundamentação.

38. O n.º 2 do artigo 77.º deve ser lido em conjugação com o n.º 1 do artigo 77.º do RGOIC, na medida em que os interesses dos participantes do fundo não sejam afetados,

39. Interesse esse que deve ser apreciado de forma objetiva, na perspetiva do interesse coletivo dos participantes, globalmente considerado e não por mero interesse de algum (ou de alguns) dos participantes, como é o caso.

40. Sendo igualmente certo que, do teor do requerimento convocatório, não consta qualquer razão objetiva, e muito menos justificada, que fundamente tal deliberação.

41. Apenas é anunciado um interesse, o que não se confunde com uma fundamentação que legitime a substituição.

42. A violação em causa viola o disposto no artigo 77º do RGOIC, o qual tratando-se de norma imperativa, estamos perante uma deliberação ilegal, nos termos do artigo 58.º, n.º 1, al. a), do CSC

Sem prescindir,

43. Defende o Tribunal a quo a tese de que nada impede que a “C..., S.A.”, enquanto entidade gestora e o “Banco 1..., S.A.”, como Banco Depositário, pertençam ao mesmo grupo económico, sendo até frequente.

44. Ora, a frequência de alegadas situações semelhantes não é, nem pode ser, um argumento atendível como fundamento de validação de uma conduta proibida por Lei.

45. O Banco Depositário em questão tem um domínio e controle total sobre a nova sociedade gestora, a qual compromete irremediavelmente a relação de independência que o legislador entendeu determinar entre Banco Depositário e sociedade gestora.

46. O artigo 123.º do Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo, que tem por exatamente epígrafe “Independência” determinou a proibição das sociedades gestoras serem simultaneamente depositários do Fundo, tratando-se de uma norma imperativa.

47. O que determina a ilegalidade da deliberação do ponto da ordem de trabalhos da Assembleia do Fundo realizada no passado dia 5 de Janeiro de 2021.

48. A independência que a ratio legis do artº 123º do RGOIC visou prevenir e acautelar, não se compadece com qualquer de relação de interesse, muito menos de domínio, entre a figura do depositário e o da Sociedade Gestora.

49. E isto mesmo resulta claro dos considerandos da diretiva comunitária donde emerge o citado artigo 123.º do RGOIC.

50. Situação que, por si, ao abrigo do n.º 77.º, n.º 2, conjugado com os artigos 15.º, 73.º e 123.º do Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo, obsta à substituição objeto da deliberação em causa, determinando a nulidade da mesma por ofensa de norma imperativa, o que aqui se invoca para todos os devidos efeitos.

51. No presente caso, o Banco 1..., S.A., além de ser o Banco Depositário do Fundo, é ainda a entidade responsável pela colocação das unidades de participação do OII junto do investidor, sendo o organismo de investimento coletivo comercializado presencialmente nas suas instalações (Ponto 5 do Capítulo I do Regulamento de Gestão do Fundo) e assume também as funções de “D...” (Patrocinador da Cotação), de acordo com o Ponto 8 do Capítulo III do Regulamento de Gestão do Fundo.

52. A mencionada al. a) do n.º 1 do artigo 123.º visa precisamente obviar a situações como aquela a que se está a assistir, na medida em que o legislador reconhece a imperiosidade de se verificar uma independência do depositário face à entidade responsável pela gestão.

53. E esta independência tem de ser uma independência de facto, pelo que mesmo estando perante uma entidade jurídica distinta, mas controlada (em 96%!!) pelo depositário ou por qualquer empresa do mesmo Grupo económico, terá de se considerar, necessariamente, que se está ainda no âmbito da proibição (a lei que impede o depositário de ser gestor, impede-o também de o ser através de uma sociedade por si dominada).

54. O que o Tribunal a quo não teve em consideração foi que, estamos perante uma instituição de crédito, Banco 1..., e que por isso são aplicáveis outras disposições e princípios jurídicos, nomeadamente, o princípio geral do direito da atividade financeira, o princípio da prevalência da materialidade sobre a forma.

55. Ora, tal significa que no caso em crise nos presentes autos, podemos concluir que a sociedade dominante – Banco 1... - e a sociedade dominada – C... – deverão ser tratadas unitariamente, isto é, as proibições que valem para uma, valem igualmente para a outra.

56. O conflito não deixa de existir se o depositário, em vez de assumir ele próprio a gestão, colocar em seu lugar uma sociedade por si integralmente dominada.

57. No passado dia 28 de Abril de 2023 foi publicado o Regime da Gestão de Ativos, DL nº 27/2023, o qual revogou o RGOIC e no qual a A obrigação de independência permanece intocada.

58. A deliberação deverá ser considerada nula, nos termos da al. d) do n.º 1 do artigo 56.º do CSC, por violação do artigo 123.º, n.º 1, al. a) do RGOIC.

Sem prescindir,

59. Defende o Tribunal ad quo a tese de que nada impede que a “C..., S.A.”, enquanto entidade gestora e o “Banco 1..., S.A.”, como Banco Depositário, pertençam ao mesmo grupo económico, desconsiderando as normas legais invocadas pelos Recorrentes, que estabelecem, expressamente, o oposto.

60. Uma entidade com grande influência no destino das deliberações do fundo – O Banco 1..., que não só requereu a substituição, como é titular de 96% do capital social da sociedade ora nomeada como gestora –, está a usar da mesma para conseguir a já referida consolidação no Grupo C..., das funções de Depositário e, simultaneamente, de Sociedade Gestora do Fundo,

61. O prejuízo para os restantes Participantes, onde se incluem os Recorrentes basta-se apenas com a mera possibilidade de o Fundo B... passar a poder determinar e prosseguir os interesses estratégicos e próprios do Banco 1..., S.A., em eventual detrimento do interesse patrimonial dos participantes.

62. A substituição de uma entidade independente e experiente por outra entidade gestora onde se levantam sérias e fundadas dúvidas quanto à sua independência e ainda quanto à sua capacidade de gestão (em face à sua inexperiência no mercado, bem como à inexperiência dos membros seus órgãos sociais na gestão de OIC) é objetivamente suscetível de causar danos ao património dos participantes.

63. E sendo a deliberação objetivamente apta a satisfazer o interesse subjetivo do Banco 1..., S.A. e dos seus principais acionistas de integrar o Fundo B... como ativo pertencente ao seu grupo económico, adquirirá, assim, uma vantagem especial, a qual se concretiza com a mera possibilidade de poder mandar, dirigir e determinar todos os investimentos e desinvestimentos do Fundo de acordo com as suas discricionariedades, conveniências ou interesses.

64. Pelo que estamos perante uma deliberação ilegal, nos termos do artigo 58.º, n.º 1, al. b), do CSC, por se tratar de uma deliberação abusiva e, por isso, anulável.

Ainda sem prescindir,

65. Os Autores oportunamente formularam um pedido de reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia, o qual foi rejeitado pelo Tribunal a quo, alegando em suma que não se mostram preenchidos os seus pressupostos.

66. Da análise do artigo 267º do TFUE, fica claro que só tem legitimidade para desencadear este mecanismo o órgão jurisdicional nacional, ainda que as partes o possam suscitar sendo que apenas é obrigatório o referido reenvio das decisões que não sejam suscetíveis de recurso judicial.

67. No entanto, a aparente obrigatoriedade não tem caráter absoluto, existindo circunstâncias em que se dispensa a obrigatoriedade do reenvio.

68. Circunstâncias estas que foram clarificadas pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, no Acórdão Cilfit de 6 de Outubro de 1982, são elas: (i) a existência de um ato claro; (ii) um ato que já foi clarificado; (iii) a impertinencia da questão suscitada pelas partes.

69. Em primeiro lugar, só quando o juiz nacional entender que nem para ele nem para os outros Tribunais se suscitam dúvidas razoáveis é que pode dispensar o reenvio prejudicial.

70. Ora, a norma alvo do pedido de esclarecimento interpretativo, deixa, face aos interesses que pretende salvaguardar, bastantes dúvidas.

71. Em segundo lugar, teoria do ato que já foi clarificado, ensina-nos que sempre que a questão da interpretação da norma já tenha sido esclarecida por parte do Tribunal de Justiça, a obrigatoriedade de recorrer ao mecanismo é dispensada.

72. Ora no presente caso, nada se encontrou relativamente à norma já ter sido objeto de pedido de reenvio prejudicial de interpretação.

73. Aquilo que, na verdade, está aqui em causa é sim perceber qual o alcance da norma comunitária.

74. E de que forma é que o artigo 123º do RGOIC deve ser interpretado em conformidade com a referida Diretiva.

75. Deste modo, e não se observando nenhuma das exceções à obrigatoriedade de proceder ao pedido de reenvio prejudicial de interpretação cumprirá ao Tribunal nacional proceder ao solicitado reenvio prejudicial, visto que se encontra igualmente cumprido o requisito da necessidade.

76. E, assim, sendo, volta-se novamente a requerer que sejam esclarecidas estas questões pelo Tribunal Judicial da União Europeia, designadamente se à luz do teor da al. a) do n.º 4 do artigo 21.º e do n.º 10 do mesmo artigo, da Diretiva 2011/61/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de Junho de 2011, é admissível ou não a interpretação deste normativo no sentido de:

iv. Consentir que no mesmo Fundo de Investimento Imobiliário possam coexistir um Banco Depositário que detém 96% do capital social da Sociedade Gestora  (“GFIAs”) desse Fundo;

v. Consentir que o Presidente do Conselho de Administração da Sociedade Gestora, tenha um vínculo laboral com o Banco Depositário de um mesmo Fundo;

vi. Consentir que no mesmo Fundo de Investimento Imobiliário possam coexistir um Banco Depositário e uma Sociedade Gestora que se inserem no mesmo grupo económico e financeiro.

Termos em que, nestes temos e demais de direito, que V.ªas Excelências doutamente suprirão, deverá ser o presente recurso totalmente procedente e, em consequência disso, revogar-se a sentença recorrida, substituindo-a por outra que declare procedente a ação de anulação de deliberações sociais, com todas as demais e legais consequências, com o que se fará Justiça.

Caso assim não se entenda, deverá ser deferido e ordenado o pedido de reenvio prejudicial o Tribunal de Justiça, formulando-se as questões acima identificadas, com todas as demais e legais consequências.”

O réu apresentou contra-alegações, defendendo a improcedência do recurso.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

Considerando que o objeto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (arts. 635º nº4 e 639º nº1 do CPC), são as seguintes, por ordem lógica, as questões a tratar:

a) – apurar se é de proceder ao reenvio prejudicial peticionado pelos recorrentes;

b) – apurar da alteração à matéria de facto da decisão recorrida propugnada pelos recorrentes;

c) – apurar dos vícios imputados à deliberação da Assembleia Geral de Participantes do réu que teve lugar no dia 5 de janeiro de 2021, sendo de analisar:

i) – se a deliberação é anulável por violação do nº8 do art. 377º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), ao abrigo das als. a) e c) do nº1 e nº4 do art. 58º do mesmo diploma;

ii) – se a deliberação é anulável por violação do art. 289º, nº1, d) do CSC, ao abrigo das als. a) e c) do nº1 do seu art. 58º;

iii) – se a deliberação é anulável por violação do art. 384º nº6 do CSC, ao abrigo da al. a) do nº1 do seu art. 58º;

iv) – se a deliberação viola o disposto no art. 77º do RGOIC, que por ser norma imperativa leva a que tal deliberação seja ilegal;

v) – se a deliberação é também ilegal por violação do art. 123º nº1 a) do RGOIC, que por ser norma imperativa leva à nulidade da deliberação nos termos do artigo 56.º, n.º 1, al. d), do CSC;

vi) - se a deliberação é ainda ilegal, na medida em que a mesma é apropriada a satisfazer o propósito de um dos sócios (Banco 1..., S.A.) em conseguir, através do exercício do direito de voto, uma vantagem especial, sendo a deliberação tomada nestes termos abusiva e por isso anulável nos termos do artigo 58.º, n.º 1, al. b), do CSC.


**

II – Fundamentação

É a seguinte a matéria de facto da decisão recorrida:

1. O R. “B...” é um organismo de investimento imobiliário, fechado, representado por 1.700.000 unidades de participação, com o valor de 10,00 euros cada uma;

2. A sua constituição, por subscrição pública, foi autorizada pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários a 10 de outubro de 2012, com a duração inicial de 10 anos, tendo a sua prorrogação, por 5 anos, até 17 de fevereiro de 2028, sido deliberada pelos participantes a 22 de outubro de 2018, regendo-se pelo respetivo Regulamento de Gestão;

3. O R. iniciou a sua atividade a 18 de fevereiro de 2013 e tem, pelo menos, 88 participantes;

4. O R. foi gerido, desde o início da sua atividade pela “E..., S.A.”;

5. O depositário dos ativos do réu é o “Banco 1..., S.A.”;

6. A entidade responsável pela colocação das unidades de participação do réu junto dos investidores é o “Banco 1..., S.A.”;

7. O organismo de investimento coletivo réu é comercializado presencialmente nas instalações do “Banco 1..., S.A.”;

8. O D... (Patrocinador da Cotação) das unidades de participação junto da F... é o “Banco 1..., S.A.”;

9. Os autores são titulares de unidades de participação do réu, sendo o primeiro autor titular de 200 unidades de participação, o segundo titular de 2.747 unidade de participação, o terceiro titular de 17.045 unidades de participação, o quarto titular de 37.250 unidades de participação, o quinto titular de 12.720 unidades de participação e o sexto titular de 5.000 unidades de participação;

10. O “Banco 1..., S.A.” é titular de 337.220,00 unidades de participação [19,84%];

11. A alínea b) do ponto 1. do Capítulo I da Parte I do referido Regulamento de Gestão tem o seguinte teor:

“O organismo de investimento coletivo constitui-se como um organismo de investimento imobiliário, fechado, constituído por subscrição pública, de distribuição parcial de rendimentos, formado por um conjunto de valores pertencentes a uma pluralidade de pessoas singulares ou coletivas, em que cada participante é titular de unidade de participação representativas do mesmo”;

12. A alínea d) do ponto 2., com a epígrafe “A entidade responsável pela gestão”, do Capítulo I da Parte I do Regulamento, dispõe o seguinte: “Compete à entidade responsável pela gestão, no exercício da sua atividade e enquanto representante legal dos participantes, a boa administração e gestão do OII/Fundo e, em especial:

1. Selecionar os valores que devem constituir o Fundo, de acordo com a política de investimentos definida no presente Regulamento de Gestão;

2. Celebrar os negócios jurídicos e realizar todas as operações necessárias ou convenientes à execução da política de investimentos prevista do Regulamento de Gestão e exercer os direitos, direta ou indiretamente, relacionados com os valores do Fundo;

3. Efetuar as operações adequadas à execução da política de distribuição dos resultados prevista no Regulamento de Gestão do Fundo;

4. Emitir, em ligação com o Depositário, as unidades de participação e autorizar o seu reembolso;

5. Determinar o valor patrimonial das unidades de participação;

6. Manter em ordem a escrita do Fundo;

7. Dar cumprimento aos deveres de informação estabelecidos por lei ou pelo Regulamento de Gestão;

8. Controlar e supervisionar as atividades inerentes à gestão dos ativos do Fundo, nomeadamente o desenvolvimento dos projetos objeto de promoção imobiliária nas suas respetivas fases;

9. Elaborar e manter atualizado o presente Regulamento de Gestão;

10. Assegurar o relacionamento e a prestação de informações ao Ministério das Finanças, ao Banco de Portugal, à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários e ao Instituto Nacional de Estatística, sobre as operações realizadas por conta do OII/Fundo.”;

13. A alínea e) do mesmo ponto, Capítulo e Parte dispõe o seguinte:

“A Entidade Gestora pode ser substituída por iniciativa desta ou por deliberação da Assembleia de Participantes, por maioria dos votos correspondentes às unidades de participação do Fundo em circulação, mediante autorização da CMVM. A decisão de autorização é notificada ao requerente no prazo de 15 dias a contar da data da receção do pedido completamente instruído e torna-se eficaz 40 dias após a data da notificação da decisão de deferimento ou após o decurso daquele prazo, ou em data posterior indicada pelo requerente.”;

14. A alínea b) do ponto 4., com a epígrafe “O Depositário”, do Capítulo I da Parte I do Regulamento, dispõe o seguinte:

“b) São obrigações/funções do depositário, no exercício da sua atividade, as seguintes:

1. Assumir uma função de vigilância e garantir perante os participantes o cumprimento da lei e do presente Prospeto do OII/Fundo, especialmente no que se refere à política de investimentos e ao cálculo do valor patrimonial das unidades de participação;

2. Pagar aos participantes a sua quota-parte dos resultados do OII/Fundo;

3. Executar as instruções da sociedade gestora, salvo se forem contrárias à lei ou ao Prospeto do OIC/Fundo;

4. Receber em depósito ou inscrever em registo os valores do Fundo, consoante sejam titulados ou escriturais;

5. Efetuar todas as compras e vendas dos valores dos fundos de que a entidade gestora o incumba, as operações de cobrança de juros, dividendos e outros rendimentos por eles produzidos, bem como as operações decorrentes do exercício de outros direitos de natureza patrimonial relativos aos mesmos valores;”;

15. No ponto 4. Do Capítulo II da Parte I do Regulamento lê-se o seguinte: “4.1.

Comissão de Gestão

4.1.1 Comissão de Gestão, componente fixa

4.1.1.1 A comissão de gestão é fixa e incide sobre o Valor do Ativo Global Mensal do Fundo (valor global dos ativos totais do Fundo (…) “B....”

(…)

4.1.2 Comissão de Gestão, componente variável

(…)

4.1.2.4 A componente variável da comissão de gestão será liquidada mais cedo que o previsto no ponto 4.1.2.2 se se verificar uma das seguintes situações: (i) liquidação antecipada do Fundo; (ii) transferência da gestão do Fundo para outra Entidade Gestora.”;

(…)

4.2 Comissão de depósito

a) Pelo exercício das funções que lhe incumbem enquanto depositário, o “Banco 1..., S.A.” cobrará ao Fundo uma comissão de depósito que é fixa e varia de modo regressivo de acordo com o V.A.G.M. do Fundo (…).”;

16. No ponto 8., números 2, 3 e 4 do Capítulo III da Parte I do Regulamento prevê-se o seguinte:

“8.2 O “D...”, no exercício da sua atividade, na Fase de Pré-Admissão (avaliação de adequação para admissão à cotação) apoia o Fundo a partir do momento em que a decisão de cotação é tomada: na escolha do Mercado que melhor se adequa à sua dimensão e objetivos; no processo de seleção dos parceiros operacionais; leva a cabo medidas de “due diligence” regulatório; presta assessoria legal e auditoria estatutária; presta aconselhamento relativamente à estrutura de participantes.

8.3 O “D...”, no exercício da sua atividade, na Fase de Admissão (coordenação do processo de admissão à cotação): leva a cabo a coordenação entre os diferentes “stakeholders”; coordena a calendarização e as operações; fornece o Prospeto ou o documento de informação, a avaliação do Fundo (quando aplicável) e todos os demais documentos informativos necessários; monitoriza e assegura o apoio durante a fase de apreciação do requerimento por parte das autoridades de mercado (o Supervisor e a F...); proporciona aconselhamento com as operações de marketing.

8.4 O “D...”, no exercício da sua atividade, na Fase de Pós Admissão (obrigações continuadas) aconselha e apoia o Fundo cotado nas suas interações com o Mercado numa base diária: mantém o contacto regular com o Fundo e o contacto de primeira linha com a F...; assegura de uma forma contínua o cumprimento dos requisitos legais e regulatórios (incluindo publicações) e obrigações contratuais; provê aconselhamento e apoio ao Fundo nas suas interações com o Mercado especialmente fazendo o possível para organizar uma reunião de investidores por ano, no mínimo.”;

17. O ponto 2. do Capítulo VI da Parte I do Regulamento tem o seguinte teor:

“2.1 A data da constituição do Fundo é o dia 18 de fevereiro de 2013.

2.2 O Fundo tem uma duração inicial de dez (10) anos, contados a partir da data da sua constituição, tendo a sua prorrogação por 5(cinco) anos, até 17 de fevereiro de 2028, sido deliberada pelos participantes em 22 de outubro de 2018 e relativamente à qual a C.M.V.M. não deduziu oposição.”;

18. Os pontos 5.4, 5.5, 5.6 e 5.8 do Capítulo VI da Parte I do Regulamento dispõem o seguinte:

“5.4 A Assembleia de Participantes poderá deliberar desde que estejam presentes ou representados participantes que detenham, pelo menos, 75,00% das unidades de participação do Fundo em circulação.

5.5 As deliberações são tomadas quando aprovadas por maioria de 75,00% dos votos correspondentes às unidades de participação do Fundo dos participantes presentes.

5.6 Dependerá de deliberação favorável da Assembleia de Participantes:

a. O aumento das comissões que constituem encargos do Fundo;

b. A modificação substancial da política de investimento do Fundo;

c. A modificação da política de distribuição de resultados do Fundo;

d. O aumento e redução do capital do Fundo;

e. A prorrogação do prazo de duração do Fundo;

f. A substituição da Sociedade Gestora;

g. A liquidação do Fundo;

(...)

5.8 À convocação e funcionamento da Assembleia de Participantes aplica-se subsidiariamente o disposto na lei para as assembleias gerais de acionistas das sociedades anónimas.”;

19. Relativamente à assembleia de participantes de 22 de outubro de 2018 foi elaborada a acta n.º ..., reproduzida nos autos;

20. O “Banco 1..., S.A.”, FF, GG, HH e II, a 10 de agosto de 2018, dirigiram ao Banco de Portugal pedido de autorização prévia para constituição de sociedade gestora de fundos de investimento imobiliário;

21. O “Banco 1..., S.A.” requereu junto da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários o registo da atividade de gestão de organismos de investimento imobiliário (OII) relativamente à sociedade a constituir com a denominação “C..., S.A.”;

22. A Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, por carta datada de 3 de novembro de 2020, comunicou que, por deliberação de 29 de outubro de 2020, foi concedida autorização à “C..., S.A.” para o exercício da atividade de gestão de organismos de investimento imobiliário;

23. A sociedade “C..., S.A.” está registada na Conservatória do Registo Comercial com o NIPC ..., desde 23 de novembro de 2020 e foi constituída por documento particular datado de 20 de novembro de 2020, regendo-se pelos respetivos estatutos;

24. Foi constituída com o capital de 400.000,00 euros, representado por 80.000 ações escriturais e nominativas, com o valor nominal de 5,00 euros cada uma, tem como objeto a atividade de gestão de organismos abertos ou fechados, cujo objeto é o investimento em ativos imobiliários, designados organismos de investimento imobiliário (OII), sendo seus acionistas o “Banco 1..., S.A.”, titular de 96% do capital, representado por 76.800 ações, GG, JJ, HH e FF, cada um titular de 1% do capital, representado por 800 ações;

25. Integram o conselho de administração da sociedade “C..., S.A.” KK (presidente), o qual exerce funções de diretor de assessoria patrimonial do “Banco 1..., S.A.”, LL (vogal não executivo), HH (vogal executivo) e II (vogal executivo);

26. O “Banco 1..., S.A.” e a “C..., S.A.” inserem-se no mesmo grupo económico e financeiro;

27. Os participantes “Banco 1..., S.A.”, MM, NN, “G..., S.A.”, FF, GG e OO dirigiram à entidade gestora “E..., S.A.” requerimento datado de 23 de novembro de 2020, onde se lê o seguinte:

“Na qualidade de detentores de 33,79% das unidades de participação do fundo B... (o “Fundo”), vimos pela presente, nos termos e para os efeitos dos artigos 61º e 77º, número 2, do Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo e do número 5 do capítulo VI do Regulamento de Gestão do Fundo, requerer a V. Exas. a convocação da assembleia de participantes do Fundo para reunir, em data não posterior a 15 de dezembro de2020, e deliberar sobre a seguinte ordem de trabalhos:

Ponto Um – Deliberar sobre a substituição da E..., S.A. como sociedade gestora do Fundo, pela C..., S.A.

Ponto Dois – Deliberar sobre as alterações consequentes do regulamento de gestão do Fundo.

Mais se requer a V. Exas. que seja feita menção na convocatória a que, nos termos e para os efeitos do artigo 377º, número 8 do Código das Sociedades Comerciais, o novo Regulamento de Gestão do Fundo se encontrará disponível para consulta na sede da E..., S.A. e do Banco 1..., S.A..

A convocação da assembleia de participantes ora requerida, com a finalidade proposta, fundamenta-se na intenção do participante requerente de consolidar em entidades do grupo Banco 1..., S.A. as funções de entidade gestora e entidade depositária do Fundo, tendo a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários sido já informada desta intenção no contexto do processo de autorização para o exercício de funções da C..., S.A., já concluído, não tendo expressado qualquer objeção à mesma.”;

28. A “E..., S.A.”, nos termos que constam da convocatória, datada de 30 de novembro de 2020, convocou a assembleia de participantes do réu para o dia 5 de janeiro de 2021, pelas 17 horas, com a seguinte ordem de trabalhos:

“1. Deliberar sobre a Substituição da E..., S.A. como sociedade gestora do Fundo, pela C..., S.A.

2. Deliberar sobre as alterações consequentes do regulamento de gestão do fundo.”;

29. Na referida convocatória lê-se o seguinte:

“Nos termos do Requerimento que se anexa apresentado pelos Participantes do B... (doravante o “Fundo”) – em conjunto, representativos de 33,79% do capital social do Fundo, designadamente:

● Banco 1..., S.A.

● G..., S.A.

● FF

● GG

● OO

● NN

● MM

(…)

Atendendo a que a E..., S.A. não recebeu até ao momento presente a proposta do novo Regulamento de Gestão do Fundo anunciado pelos Requerentes, convoca-se os Requerentes acima identificados para procederem à sua pronta entrega na sede social da E..., S.A. e na sede social do Banco 1..., S.A., a fim de o mesmo ser colocado à disposição de todos os participantes para, querendo, o poderem consultar.

(…)

As deliberações serão tomadas quando aprovadas por maioria de 75,00% dos votos correspondentes às unidades de participação do Fundo dos participantes presentes.”;

30. A proposta do novo Regulamento de Gestão do réu (que, a par da demais prova documental coligida nos autos – principais e apenso cautelar, foi junta aos autos, dando-se aqui por reproduzido o seu teor), foi disponibilizada aos participantes;

31. O “Banco 1..., S.A.” preparou, diligenciou e recolheu antecipadamente cartas de representação de clientes que são detentores de unidades de participação no réu, cartas essas já com o sentido de voto previamente acordado e decidido;

32. Tais cartas de representação foram juntas pelo “Banco 1..., S.A.” cerca de 8 dias antes da data designada para a realização da assembleia de participantes, sendo que a minuta de todas elas foi previamente elaborada pelo mesmo e dada a assinar aos seus clientes, a favor de funcionários seus para os representar e votar no sentido previamente definido [favoravelmente];

33. Relativamente à assembleia de participantes realizada a 5 de janeiro de 2021 foi elaborada a ata respetiva;

34. Os primeiro e quinto requerentes, AA e DD, estiverem presentes na assembleia de participantes;

35. Os segundo e terceiro requerentes, BB e “A..., S.A.”, fizeram-se representar, respetivamente, por PP e QQ, a quem outorgaram cartas de representação;

36. O quarto requerente, CC, fez-se representar por RR, a quem outorgou carta de representação;

37. O sexto requerente, EE, fez-se representar por SS;

38. Os participantes TT, NN e MM, que representam 11,37%do capital do requerido, foram representados por KK, nos termos das cartas de representação supra referidas em 31 e 32;

39. Os participantes UU, VV, WW, XX, YY, ZZ, “H..., Lda.”, AAA, BBB, CCC, DDD, EEE e FFF foram representados por GGG, funcionário do “Banco 1..., S.A.”, com funções de Private Banker, nos termos das cartas de representação supra referidas em 31 e 32;

40. Os participantes HHH, “I..., S.A.”, Fundação ..., III, JJJ e KKK foram representados por LLL, funcionário do “Banco 1..., S.A.”, com funções de Private Banker, nos termos das cartas de representação supra referidas em 31 e 32;

41. Os participantes MMM, NNN, OOO, PPP, QQQ, RRR e SSS foram representados por TTT, funcionário do “Banco 1..., S.A.”, com funções de Private Banker, nos termos das cartas de representação supra referidas em 31 e 32;

42. Os participantes UUU, VVV, WWW, XXX e YYY foram representados por ZZZ, funcionário do “Banco 1..., S.A.”, com funções diretor, tendo já sido administrador, nos termos das cartas de representação supra referidas em 31 e 32;

43. Os participantes AAAA, BBBB, CCCC, DDDD, EEEE, FFFF, GGGG e HHHH foram representados por IIII, funcionária do “Banco 1..., S.A.”, com funções de diretora coordenadora de banca privada;

44. Os participantes JJJJ, KKKK, LLLL e MMMM foram representados por NNNN, funcionário do “Banco 1..., S.A.”, com funções de adjunto do conselho de administração;

45. Os participantes “G..., S.A.” (acionista do “Banco 1..., S.A.”), GG (vice-presidente do “Banco 1..., S.A.”, seu acionista e acionista da “G...”) e FF (presidente do “Banco 1..., S.A.”, sua acionista e detentora de 50% do capital social da “G...”) foram representados por OOOO;

46. O participante PPPP foi representado pela participante OO, funcionária do departamento jurídico do “Banco 1..., S.A.”, exercendo ainda funções de secretária da mesa da assembleia geral do mesmo e nomeada para secretária da mesa da assembleia geral da “C..., S.A.”;

47. O participante “Banco 1..., S.A.” foi representado por QQQQ, o qual exerceu funções de presidente da mesa da assembleia de participantes;

48. Os participantes referidos nos pontos 38 a 47 representam 79,87% do capital do requerido e cerca de 90% dos votos expressos a favor;

49. A Presidência da Mesa da Assembleia de participantes foi assumida por QQQQ, coadjuvado por OO e RRRR, este a pedido da sociedade gestora, como Secretários;

50. Encontravam-se presentes ou representados 88,580% dos votos correspondentes a 1.510.450 unidades de participação;

51. Declarados abertos os trabalhos quanto ao Ponto Um da ordem de trabalhos, o Presidente da Mesa informou a assembleia de que estava patente, em relação à proposta apresentada, uma “Exposição de Motivos” subscrita pelo participante “Banco 1..., S.A.”, a cuja leitura procedeu, dando-se aqui por reproduzido o seu teor, onde se lê, para além do mais, o seguinte:

“Foi requerida por um conjunto de participantes detentores de 33,79% das unidades de participação do fundo B... (o “Fundo”), a convocação de uma assembleia de participantes do Fundo para deliberar sobre a substituição da E..., S.A., como sociedade gestora do Fundo, pela C..., S.A. (a “C...”) e consequentes alterações ao regulamento de gestão do Fundo (…).

Conforme indicado no referido requerimento, a proposta apresentada pelos participantes signatários de substituição (…) fundamenta-se na intenção de consolidar em entidades do grupo Banco 1..., S.A. as funções de entidade gestora e entidade depositária do Fundo.

Esta intenção, assim como a decisão do Banco 1..., S.A. de constituição de uma sociedade gestora por si dominada – a C... – que agora se apresenta, já vem de longe, e resulta do legítimo direito de iniciativa económica do Banco neste domínio, correspondendo à implementação de um modelo de negócio em que o Banco acredita, e que se encontra alinhado, aliás, com a prática de mercado no setor.

(…)

Deve, ainda, notar-se neste contexto, que a substituição (…) consta expressamente do plano de negócios apresentado à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários no âmbito do processo de autorização para o exercício de atividade da C..., tendo tal autorização sido concedida no dia 3 de novembro de 2020, sem que tenha sido expressa qualquer reserva à substituição em questão.

O referido processo de autorização da C..., exigente e fortemente regulado, acabou por ser cumprido quer junto do Banco de Portugal, quer, após alteração legislativa, junto da CMVM, e dá aliás todas as garantias aos Participantes – quanto à capacidade, independência e controlo da atuação livre de conflitos de interesse – da legalidade da opção de consolidação de funções tomada”;

52. No âmbito da discussão do Ponto Um da ordem de trabalhos, KK, “a respeito ainda das notas curriculares dos membros do Conselho de Administração da C...”, “reforçou que estaria disponível para enviar as mesmas a todos os Senhores Participantes que o entendessem útil e também à Mesa da Assembleia (…)”;

53. Antes da votação, o representante do participante BB “chamou a atenção do Senhor Presidente da Mesa para a circunstância de existirem outras situações em que ocorrem impedimentos de voto, pedindo para que tal fosse tido em devida nota”, tendo-se o Presidente da Mesa pronunciado “no sentido de desatender a pretensão do Senhor Dr. PP”;

54. Apurados os votos, foi proclamada a aprovação da proposta, por maioria, com 93,074% dos votos expressos, contabilizados os votos, foi registada uma percentagem do capital de 80,789% de votos a favor, 6,010% de votos contra e 1,765% numa abstenção;

55. Os participantes AA, SS, RR, por si e em representação do participante CC, e BB, apresentaram declarações de voto, cujos teores se dão aqui por reproduzidos;

56. Iniciados os trabalhos quanto ao Ponto Dois da ordem de trabalhos, o Presidente da Mesa referiu que “a mesmo visava deliberar sobre as alterações ao Regulamento de Gestão do Fundo, que sejam consequência da aprovação do ponto anterior”;

57. No âmbito da discussão do Ponto Dois tomaram a palavra alguns participantes, nomeadamente o requerente AA e o representante do requerente BB, nos termos que aqui damos por reproduzidos, tendo o Presidente da Mesa remetido para a proposta, “transmitindo que a votação apenas versaria sobre a alteração da sociedade gestora cingindo-se apenas a este aspeto.”;

58. Após novas intervenções de alguns participantes, nomeadamente, do requerente AA, cujo teor se dá aqui por reproduzido, findas as mesmas, o Presidente da Mesa decidiu nos seguintes termos:

“Tendo presente a reclamação apresentada pelo Participante Senhor Dr. AA (…), a Mesa tem para si como definitivamente seguro que a matéria que o Ponto 2 da Ordem de Trabalhos convoca a deliberar é a mera consequência da deliberação acabada de tomar quanto ao ponto 1 da mesma ordem de trabalhos e destina-se tão só a ajustar o regulamento de gestão, suprimindo nele, por substituição, o nome da E..., S.A., pelo nome da sociedade C..., S.A.. Como a deliberação se impõe como mera consequência da deliberação tomada e não versa tão pouco sobre matéria que obrigue a refletir sobre o seu conteúdo por a substituição a fazer ter uma natureza semelhante ou igual, sem tirar nem pôr, à de uma gralha que se corrige num texto onde ocorreu um lapso de escrita, tem-se por seguro que a mesma, havida enquanto alteração de um texto regulamentar, não cai sobre a alçada da disciplina jurídica a que se refere o n.º 8 do artigo 377º do CSC que, sim, obriga a ponderar a substância do texto que sai e a substância do texto que se propõe que entre, para se poder dizer que, aí sim, se reclama um conhecimento prévio do que está posto em proposta, sem bastar o conhecimento que resulta da discussão em Assembleia Geral. Acresce que o texto do novo regulamento, adaptado já à realidade da substituição que estava a ser proposta aquando da convocação da Assembleia, incorpora já as alterações necessárias para o efeito de conhecimento dos Senhores Participantes em data prévia à Assembleia e a Mesa, sem poder estar a garantir de conhecimento pessoal, a informação que tem é a de que o projeto de regulamento, contendo as alterações, foi dado a conhecer aos Senhores Participantes por ter estado a constar dos elementos de informação prévia à Assembleia Geral. Não se podendo, pois, afirmar que o projeto com as alterações não foi patente aos Senhores Participantes e pretendendo-se agora evitar a votação do ponto n.º 2 com base numa argumentação inteiramente irrelevante, pois que versa em linguagem desmistificada do que é igual à correção de uma simples gralha, indefere-se o pedido formulado pelo Senhor Participante, no sentido de ser recusada a votação do ponto n.º 2 da Ordem de Trabalhos. Entretanto, porque da discussão desta proposta resultou alguém ter chamado a atenção para o facto de o regulamento em proposta conter referências a fundos não geridos pela C..., na página 34, ponto 4.1, ns.º 2 e 3, e no anexo final onde se elencam como geridos pela C... os fundos J... e K..., coisa que pode vir a acontecer, mas que neste momento não corresponde à verdade, a Mesa delibera eliminar tais referências nas alíneas 2) e 3) do Projeto de Regulamento e, bem assim, a referência ao J... e K..., os quais se retiram do texto do Projeto, ainda enquanto esteja fora do ponto da agenda a votar sobre essas menções.”;

59. A proposta foi colocada à votação, no decurso da qual se verificou que “alguns dos Senhores Participantes, quando chamados, não responderam por já não se encontrarem presentes na sessão, nomeadamente, o Senhor Participante RR, por si e na qualidade de representante do Senhor Participante CC, o Senhor Participante Dr. SS, por si e na qualidade de representante do Senhor EE, o Senhor SSSS, em representação da sociedade Participante L..., e o Senhor Participante TTTT.”;

60. Pelo Presidente da Mesa foi proclamado o resultado da votação, informando os presentes que a proposta se encontrava aprovada por maioria, com 98,554%, contabilizados os votos, foi registada uma percentagem do capital de 80,170% de votos a favor, 1,176% de votos contra e 0,748 numa abstenção;

61. Os participantes AA, “A..., S.A.” e BB, apresentaram declarações de voto, cujos teores se dão aqui por reproduzidos;

62. O participante “Banco 1..., S.A.” e a “C..., S.A.”, a 15 de janeiro de 2021, enviaram à “E..., S.A.” uma comunicação onde se lê o seguinte:

“Na sequência das deliberações tomadas em assembleia de participantes do fundo B... (o “Fundo”) realizada no dia 5 de Janeiro de 2021, em particular, a substituição da E..., S.A., como sociedade gestora do Fundo, pela C..., S.A., vimos pela presente convidar V. Exas. a, no prazo de 5 dias, dar cumprimento às deliberações tomadas na referida assembleia de participantes, requerendo à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários autorização para a substituição em questão, nos termos em que a mesma foi deliberada pelos participantes do Fundo.

(…)

Caso V. Exas. não venham a requerer, até ao dia 22 de Janeiro, a substituição em questão, a mesma será requerida pelos participantes

(…)”;

63. A “E..., S.A.” não requereu, no prazo referido na alínea anterior, junto da CMVM, a sua substituição como entidade gestora do requerido;

64. Os participantes “Banco 1..., S.A.”, “G..., S.A.”, FF, GG, OO e NN, a 25 de Janeiro de 2021, requereram junto da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários autorização para a substituição da “E..., S.A.” como entidade gestora do requerido “B...”, pela “C..., S.A.”;

65. Do Relatório e Contas do 1º Semestre do réu consta que “Desde a sua constituição o Fundo procedeu à distribuição de rendimentos aos participantes no valor global de 5.374.300 €, equivalente a 29.63% do valor das subscrições das unidades de participação (…)” e que “A valorização (TIR) média dos últimos 3 anos foi de 15.35%, dos últimos 5 anos foi de 13.80% e desde o lançamento foi de 11.72%.”;

66. A Comissão de Gestão Fixa do 1º semestre de 2020 (proveito da sociedade gestora) ascendeu a 50.089,97 euros, no ano de 2019 ascendeu a 94.416,54 euros e no ano de 2018 ascendeu a 92.497,89 euros;

67. O “Banco 1..., S.A.”, em setembro de 2020, antes de impostos, apresentava resultados negativos de 2.424.666,00 euros;

68. A “E...,S.A.” está registada na Conservatória do Registo Comercial com o NIPC ..., foi constituída a 10 de Outubro de 2005 e tem como objeto a administração, em representação dos participantes, de um ou mais fundos de investimento imobiliário, na prestação de serviços de consultoria para investimento imobiliário, incluindo a realização de estudos e análises relativos ao mercado imobiliário e na prestação de modo profissional de serviços de gestão individual de patrimónios imobiliários, numa base discricionária e individualizada e no âmbito de mandatos conferidos pelos investidores, integrando o conselho de administração UUUU (presidente), VVVV (vogal), WWWW (vogal) e XXXX (vogal).


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*


Vamos à primeira questão enunciada.

Ainda que, como se vê das conclusões 65 a 76 do recurso e do pedido nele deduzido a final, o pedido de reenvio prejudicial tenha sido deduzido a título subsidiário, tal matéria contende com um ato prévio à decisão de mérito a proferir por este tribunal.

Como tal, procede-se desde já ao seu tratamento.

As especificidades relativas à apreciação do pedido de reenvio prejudicial encontram-se plasmadas no artigo 267º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).

Diz-se em tal preceito:

O Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial:

 a) Sobre a interpretação dos Tratados;

b) Sobre a validade e a interpretação dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União.

Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie.

Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal.

Se uma questão desta natureza for suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional relativamente a uma pessoa que se encontre detida, o Tribunal pronunciar-se-á com a maior brevidade possível.

Os recorrentes deduziram o seu pedido de reenvio no âmbito da interpretação do art. 123º nº1 a) do RGOIC – cujo conteúdo consideram imperativo e ter sido violado pela deliberação que é objeto da ação a que respeitam os autos – por correlação do mesmo com o teor da al. a) do nº 4 e do nº10 do artigo 21º da Diretiva 2011/61/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2011.

Tal pedido foi rejeitado pelo tribunal de primeira instância nos termos que se referiram no relatório desta peça e, discordando do ali decidido, os recorrentes renovam-no no presente recurso.

Como decorre do preceito acima referido, o reenvio prejudicial é, para este tribunal, uma faculdade e não um ato obrigatório, desde logo porque a decisão deste tribunal é suscetível de recurso no direito interno.

Por outro lado, e em qualquer caso, só haverá que suscitar o reenvio se o tribunal considerar que uma decisão preliminar do TJUE sobre determinada questão é necessária ao julgamento da causa.

Como neste sentido se refere no Acórdão da Secção de Contencioso do STJ de 28/2/2023 (proc. nº28/22.0YFLSB, relator Manuel Capelo, disponível em www.dgsi.pt), «o tribunal nacional pode, sempre que surja alguma dúvida quanto à validade e interpretação do direito da UE, “pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie” através do reenvio», sendo que este «tem de reportar a uma questão cuja consulta e decisão preliminar seja necessária para a justa composição do litígio concreto, pressuposto sem o qual não é admissível o reenvio».

No caso vertente, ainda que consideremos que aquela norma do art. 123º nº1 a) do RGOIC, não obstante de direito interno, integra normativo recebido na nossa ordem jurídica por via daquela  Diretiva que supra se referiu (a qual consta expressamente identificada na introdução que precede o texto legal daquele diploma), este tribunal, tanto quanto a si se refere, sente-se seguro da interpretação que, em sede própria, irá fazer daquele art. 123º nº1 a) do RGOIC, não vislumbrando por isso como necessário pedir ao TJUE que previamente se pronuncie.

Como tal, rejeita-se o pedido em análise.

Passemos para a segunda questão enunciada.

Os recorrentes pretendem a alteração da matéria de facto da sentença recorrida no sentido de o nº30 dos factos provados [com o teor “A proposta do novo Regulamento de Gestão do réu (que, a par da demais prova documental coligida nos autos – principais e apenso cautelar, foi junta aos autos, dando-se aqui por reproduzido o seu teor, foi disponibilizada aos participantes”] passar a ter a seguinte redação: “A proposta do novo Regulamento de Gestão do Réu (que, a par da mais prova documental coligida nos autos – principais e apenso cautelar), foi junta aos autos, dando-se aqui por reproduzido o seu teor”.

Defendem para tal que o tribunal recorrido nunca poderia ter dado como provado que a proposta do novo Regulamento de Gestão da Recorrida foi disponibilizada aos participantes, uma vez que tal factualidade nunca foi por si aceite e também porque não foi produzida qualquer prova sobre tal facto.

A matéria em causa contende com a pretensão recursiva relativa à anulação da deliberação em causa por via da invocada violação do nº8 do art. 377º do Código das Sociedades Comerciais (CSC).

Como se irá ver em sede de tratamento de tal questão, aquela alteração factual é irrelevante para a apreciação do respetivo mérito.

Sendo irrelevante a factualidade referenciada para a apreciação do mérito da causa, e a fim de não se praticar atos inúteis no processo (o que sob o art. 130º do CPC até se proíbe), não há que conhecer da impugnação deduzida sobre a mesma [no sentido de quando está em causa factualidade sem qualquer relevo efetivo do ponto de vista jurídico para a decisão da causa, o tribunal da Relação deve, quanto a ela, abster-se de conhecer da impugnação da decisão da matéria de facto, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe de antemão ser inconsequente ou inútil, vide António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos em Processo Civil, Novo Regime”, Almedina, 2008, págs. 285 e 286; no mesmo sentido, vide, entre outros, o Acórdão da Relação do Porto de 5/11/2018 (proc. nº 3737/13.0TBSTS.P1, relator Jorge Seabra), os Acórdãos da Relação de Coimbra de 24/4/2012 (proc. nº219/10.6T2VGS.C1, relator Beça Pereira) e de 27/5/2014 (proc. nº1024/12.0T2AVR.C1, relator Moreira do Carmo), todos estes disponíveis em www.dgsi.pt, e ainda o Acórdão do STJ de 23/1/2020 (proc. 4172/16.4TFNC.L1.S1, relator Manuel Tomé Soares Gomes), in CJ, Acórdãos do STJ, ano XXVII, tomo I/2020, págs. 13/16].

Assim, não se conhece da impugnação da matéria de facto deduzida pelos recorrentes.

Passemos para as questões enunciadas sob a alínea c).

A aplicabilidade do Código das Sociedades Comerciais à convocação e funcionamento da assembleia de participantes do réu Fundo decorre do disposto nos arts. 61º nº3 e 159º nº3 d) do RGOIC (diploma entretanto revogado pelo Decreto-Lei nº27/2023, de 28/4, que aprovou o “Regime da Gestão de Ativos”, mas que era o vigente aquando da ocorrência dos factos em análise nos autos) e do ponto 5.8 do Capítulo VI da Parte I do Regulamento de Gestão daquele (referido sob o nº17 dos factos provados).

Comecemos pelo fundamento de anulação da deliberação por referência à violação do nº8 do art. 377º do CSC, no qual se prevê as menções que integram os “elementos mínimos de informação” referidos no art. 58º nº1 c) e nº4 a) do mesmo diploma [sub-questão i) indicada sob a alínea c) das questões a tratar].

Prevê-se sob aquele nº8 que “O aviso convocatório deve mencionar claramente o assunto sobre o qual a deliberação será tomada. Quando este assunto for a alteração do contrato, deve mencionar as cláusulas a modificar, suprimir ou aditar e o texto integral das cláusulas propostas ou a indicação de que tal texto fica à disposição dos accionistas na sede social, a partir da data da publicação, sem prejuízo de na assembleia serem propostas pelos sócios redacções diferentes para as mesmas cláusulas ou serem deliberadas alterações de outras cláusulas que forem necessárias em consequência de alterações relativas a cláusulas mencionadas no aviso.”.

Está em causa, como dali decorre, uma deliberação cujo assunto é a alteração do contrato, alteração essa integrada por “cláusulas a modificar, suprimir ou aditar”, com menção no aviso convocatório ou disponibilização nos termos ali previstos do “texto integral das cláusulas propostas”. Isto é, a previsão refere-se a uma alteração normativa do contrato.

Como decorre da convocatória para a assembleia de participantes em causa, a ordem de trabalhos era: “1. Deliberar sobre a Substituição da E..., S.A. como sociedade gestora do Fundo, pela C..., S.A.; 2. Deliberar sobre as alterações consequentes do regulamento de gestão do fundo.” (nº28 dos factos provados).

Ora, no caso vertente, como decorre dos factos provados sob os nºs 57 e 58, a aludida deliberação não tinha como objeto – por referência ao Regulamento de Gestão – a modificação, supressão ou adição de uma qualquer cláusula, mas antes, e apenas, a substituição no seu texto do nome da sociedade gestora que ali constava (E..., S.A.) pelo nome da sociedade gestora que iria substituir aquela (C..., S.A.).

Portanto, não estava em causa qualquer alteração normativa daquele Regulamento de Gestão, pois o seu clausulado mantinha-se.

Assim sendo, ainda que não tivesse sido disponibilizada aos autores, previamente à assembleia, o texto do Regulamento de Gestão com aquela pontual alteração quanto à identificação da sociedade gestora, tal situação não se subsume à previsão daquele nº8 do art. 377º do CSC.

Como tal, não se verifica a violação de tal norma.

Assim, improcede esta questão recursória.

Averiguemos agora se a deliberação é anulável por violação do art. 289º, nº1, d) do CSC, ao abrigo das als. a) e c) do nº1 do seu art. 58º [sub-questão ii) indicada sob a alínea c) das questões a tratar].

Os recorrentes defendem que estamos perante uma deliberação anulável nos termos destes preceitos uma vez que, por referência àquele art. 289º nº1 d), não lhes foi facultada qualquer informação sobre as qualificações profissionais e as atividades profissionais exercidas pelos membros dos órgãos sociais da nova sociedade gestora.

A questão apenas se coloca, naturalmente, quanto ao ponto 1 da ordem de trabalhos.

Diz-se naquele art. 289º, nº1, do Código das Sociedades Comerciais, que “Durante os 15 dias anteriores à data da assembleia geral, devem ser facultados à consulta dos accionistas, na sede da sociedade:d) Quando estiver incluída na ordem do dia a eleição de membros dos órgãos sociais, os nomes das pessoas a propor, as suas qualificações profissionais, a indicação das actividades profissionais exercidas nos últimos cinco anos, designadamente no que respeita a funções exercidas noutras empresas ou na própria sociedade, e do número de acções da sociedade de que são titulares”.

Defendem os recorrentes que resulta dos factos provados, designadamente da factualidade ali referida sob o nº 52, que não foram colocados na sede social, desde a data da convocação da assembleia geral, os currículos respeitantes aos membros do Conselho de Administração da sociedade gestora a eleger, do que decorre infração ao ali disposto.

Analisemos.

Como previsto no art. 61º nº1 g) do RGOIC e no Regulamento de Gestão do fundo (ponto 5.6, alínea f), do Capítulo VI da Parte I – nº18 dos factos provados), a substituição da sociedade gestora depende de deliberação favorável da Assembleia de Participantes, sendo que, por sua vez, e como já vimos, à convocação e funcionamento desta é aplicável o disposto no Código das Sociedades Comerciais para as assembleias de acionistas (arts. 61º nº3 e 159º nº3 d) do RGOIC e ponto 5.8 do Capítulo VI da Parte I do Regulamento de Gestão).

Dependendo a substituição da sociedade gestora de uma deliberação favorável, a aprovação de tal substituição, porque dependente do voto dos participantes, integra uma “eleição” de uma nova administração do Fundo réu nos termos previstos na alínea d) do nº1 do art. 289º do CSC, pois (é quase tautológico dizê-lo) a nova sociedade gestora só pode ingressar nessa veste se houver deliberação nesse sentido aprovada pelos participantes em percentagem que tal possibilite (no caso, 75% dos votos correspondentes às unidades de participação do Fundo – conforme ponto 5.5 do Capítulo VI da Parte I do Regulamento de Gestão), ainda que tal substituição tenha depois que ser autorizada pela CMVM (art. 77º nºs 2, 3, 6 e 7 do RGOIC).

Será pois aplicável ao caso a previsão daquele nº1 e sua alínea d) do art. 289º do CSC.

No entanto, da matéria de facto provada, e designadamente do nº52 dos factos provados, não decorre a violação de tal preceito, pois de tal factualidade não decorre que os dados referentes aos administradores da nova sociedade gestora ali aludidos não tivessem estado disponíveis na sede da sociedade gestora em funções para ali poderem ser facultados a uma qualquer consulta que dos mesmos os autores tenham pretendido fazer.

Como bem se vê da conjugação daquele nº1 do art. 289º com o nº3 do mesmo normativo, uma coisa é facultar à consulta os dados referidos sob a alínea d) daquele nº1, o que implica uma concreta deslocação dos interessados em tal consulta à sede da sociedade ou uma sua qualquer atuação com vista a ali os obter, e outra coisa é o envio de tais documentos pela própria sociedade, que deve ser requerido pelos interessados nos termos previstos nas alíneas a) e b) daquele nº3.

Ora, os autores não alegam uma sua qualquer atuação concreta de procura ou questionamento junto da sociedade gestora em funções no sentido da obtenção dos dados em referência antes da assembleia, sendo que, tanto quanto nos parece, a expressão legal “devem ser facultados à consulta” pressupõe, para se poder concluir pela violação do preceito, que tenha sido esboçada uma efetiva e concreta intenção de consulta e se tenha apurado que os dados em causa não estavam disponíveis para a mesma poder ser efetuada. Efetivamente, só assim resultaria frustrado o seu direito à informação.

Daquele nº52 dos factos provados apenas decorre que KK, presidente do conselho de administração na nova sociedade gestora (nº25 dos factos provados), se disponibilizou, na própria assembleia, para enviar as notas curriculares dos membros daquela nova sociedade gestora, mas daí não decorre que aqueles dados ou informações não tenham estado facultáveis à consulta anteriormente à assembleia se os autores ali se tivessem deslocado para tal, ou sequer que os mesmos tenham sido pedidos antes pelos autores e não lhes tenha sido satisfeito tal pedido, o que impede a conclusão no sentido da violação da previsão do nº1 e alínea d) do normativo em análise.

Como tal, improcede também esta questão recursória.

Averiguemos agora se a deliberação é anulável por violação do art. 384º nº6 do CSC, ao abrigo da al. a) do nº1 do seu art. 58º [sub-questão iii) indicada sob a alínea c) das questões a tratar].

Defendem os recorrentes que a deliberação sobre a substituição da sociedade gestora incide sobre uma relação a estabelecer entre o Fundo e uma entidade – nova sociedade gestora – em que o seu participante com o maior número de unidades de participação, Banco 1..., S.A., igualmente Banco depositário do Fundo, encontra-se numa situação de conflito de interesses, razão pela qual o mesmo está impedido de votar na presente deliberação, por si ou em representação de outrem, ao abrigo do nº 6 do art. 384º do CSC, e que tal impedimento abrange não só o Banco depositário mas ainda os seus acionistas, os seus funcionários e administradores, bem como os restantes membros dos órgãos sociais, e também os acionistas, funcionários, administradores e restantes membros dos órgãos sociais da sociedade “C..., S.A.”, todos estes mencionados sob os nºs 37 a 47 dos factos provados.

Vejamos.

Prevê-se no art. 386º, nº4,  do CSC que “Um accionista não pode votar, nem por si, nem por representante, nem em representação de outrem, quando a lei expressamente o proíba e ainda quando a deliberação incida sobre:…d) Qualquer relação, estabelecida ou a estabelecer, entre a sociedade e o accionista, estranha ao contrato de sociedade.”.

Como se depreende do preceito, que prevê para as sociedades anónimas igual regime previsto para as sociedades por quotas no art. 251º nº1 g) do CSC (em cujo nº1 se qualifica expressamente as situações em referência como de “conflito de interesses”), está em causa uma restrição ao voto do acionista quando por via da deliberação em causa se esboce um conflito de interesses entre ele e a sociedade, sendo que a situação prevista naquela alínea “é de tipo geral, concretizando-se caso a caso” (citamos Menezes Cordeiro, “Código das Sociedades Comerciais Anotado”, Almedina, 2009, pág. 949).

Isto é, o conflito de interesses tem que ser concretamente aferido em relação a cada deliberação (neste sentido, vide Acórdão do STJ de 24/11/2020, proferido no proc. nº 9934/16.0T8LSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt).

Como refere Coutinho de Abreu (Código das Sociedades Comerciais em Comentário”, vol. IV, 2ª ed., pág. 70), “Relativamente a certo assunto sujeito a deliberação, um sócio está em situação de conflito de interesses com a sociedade quando no caso haja divergência de prin­cípio entre o interesse (objetivamente avaliado) do sócio e o interesse (objetivamente avaliado também) da sociedade - interesse comum a todos os sócios enquanto tais - convindo, portanto, ao sócio uma deliberação orientada em determinado sentido e à sociedade uma deliberação orientada em sentido diferente”.

Não vislumbramos no caso qualquer concreto conflito de interesses que objetivamente se identifique.

Desde logo, a deliberação incide sobre uma relação a estabelecer entre o próprio Fundo, no caso um organismo de investimento coletivo sem personalidade jurídica (pois não assume a forma societária de sociedade de investimento coletivo – vide art. 2º nº1, al. z), ponto aa), art.5º nº1 e art. 6º do RGOIC), e a nova entidade gestora (“C..., S.A.”), a qual, obrigatoriamente sob o tipo de sociedade anónima, gere aquele fundo a título profissional, responde pelos danos causados aos participantes em virtude do incumprimento ou cumprimento defeituoso dos deveres que lhe sejam impostos por lei, por regulamento ou pelos documentos constitutivos, está sujeita a regras gerais de conduta legalmente fixadas e tem o dever de agir no interesse dos participantes, dando-lhes prevalência tanto em relação aos seus próprios interesses como em relação aos interesses, designadamente, das seguintes entidades: (i) que detenham participações superiores a 10% do seu capital social ou dos seus direitos de voto; (ii) que se encontrem em relação de domínio ou de grupo consigo própria; (iii) das quais detenha participação superior a 20% do capital social ou dos direitos de voto; (iv) do depositário ou qualquer entidade que com este se encontre em relação de domínio ou de grupo ou que nele tenha participação no capital social superior a 10% ou seja por ele participado em mais de 20% no capital social (arts. 65º nºs 1 e 2, 71º-A, nº2 a), 73º nº2 e 147º nº1 do RGOIC).

 Portanto, e ao contrário da premissa de que os recorrentes parecem partir, não é uma relação que se estabeleça entre a nova sociedade gestora e o participante com o maior número de unidades de participação, Banco 1..., S.A., igualmente Banco depositário do Fundo, nem muito menos com os acionistas, funcionários e administradores deste e/ou com os acionistas, funcionários e administradores da sociedade gestora.

Ainda que a nova sociedade gestora seja detida em 96% do seu capital pelo “Banco 1...”, também participante do Fundo e depositário do mesmo (como a lei expressamente permite – vide art. 120º nº8 do RGOIC), aquela, como se referiu acima, é uma entidade com personalidade jurídica própria e que, nos termos da lei, prossegue interesses próprios que não se têm de coadunar com os daquele participante e depositário.

Por outro lado, aquela relação a estabelecer entre a nova sociedade gestora e o Fundo, por via da substituição da anterior, não é estranha ao Regulamento de Gestão (aqui equivalente ao contrato de sociedade para efeito da aplicação do art. 384º nº6 d) do CSC), antes é até necessariamente pressuposta quer por ele (vide alínea b) do ponto 1. e alíneas d) e e) do ponto 2. do Capítulo I da Parte I de tal Regulamento – nºs 11, 12 e 13 dos factos provados) quer ainda como decorrência da lei (arts. 15º, 65º, 66º, 71º-A nº1 e 71º-B nº1 do RGOIC),

De qualquer modo, e ainda que por via da sociedade gestora se estabeleça uma relação contratual com os participantes do Fundo (vide alínea d) do ponto 2 do Capítulo I da Parte I do Regulamento de Gestão – nº 12 dos factos provados), daquela participação maioritária do depositário e dos vínculos societários e/ou de trabalho existentes entre este e a sociedade gestora e as pessoas referidas sob os nºs 37 a 47 dos factos provados, enquanto participantes, não sobressaem quaisquer factos concretos suscetíveis de ocasionar situação catalogável como impeditiva do exercício do direito de voto, pois com nenhum concreto participante foi estabelecida, por via da deliberação de substituição da anterior sociedade gestora, uma qualquer relação específica estranha ao Regulamento de Gestão.

Como tal, improcede a questão recursória em apreço.

Averiguemos agora se a deliberação viola o art. 77º do RGOIC, sendo nula por via do disposto no art. 56º, nº1 d) do CS [sub-questão iv) indicada sob a alínea c) das questões a tratar].

Defendem os recorrentes em abono da sua pretensão, sob as conclusões 35 a 41 do recurso, o seguinte: que a fundamentação da substituição da sociedade gestora terá de constar da própria deliberação sob pena de violação do art. 77º nº2 do RGOIC; que no caso vertente inexiste qualquer fundamentação, assim como inexiste a concordância da atual sociedade gestora; que o nº2 daquele art. 77º deve ser lido em conjugação com o seu nº1, em vista da consideração de que os interesses dos participantes do fundo não sejam afetados; que o interesse na substituição deve ser apreciado na perspetiva do interesse coletivo dos participantes e não pelo mero interesse de algum ou alguns dos participantes, como é o caso; que do requerimento convocatório não consta qualquer razão objetiva, e muito menos justificada, que fundamente tal deliberação, apenas sendo anunciado um interesse que não se confunde com uma fundamentação que legitime a substituição.

Analisemos.

Prevê-se naquele art. 77º do RGOIC o seguinte:

1 - Estando previsto nos documentos constitutivos do organismo de investimento coletivo e desde que os interesses dos participantes e o regular funcionamento do mercado não sejam afetados, a entidade gestora do organismo de investimento coletivo pode ser substituída mediante autorização da CMVM a requerimento da própria entidade gestora.

2 - Nos OIA fechados, os participantes podem requerer, de modo fundamentado e independentemente de previsão nos documentos constitutivos, a substituição da entidade gestora, devendo a CMVM decidir atendendo aos interesses em presença e ao regular funcionamento do mercado.

3 - A decisão de autorização é notificada ao requerente no prazo de 15 dias a contar da receção do pedido completamente instruído, ocorrendo a substituição no final do mês seguinte àquele em que for autorizada, ou em data diversa indicada pelo requerente com o acordo expresso das entidades gestoras e do depositário.

4 - (Revogado.)

5 - (Revogado.)

6 - Na ausência de decisão da CMVM no prazo estabelecido no n.º 3, a autorização considera-se concedida.

7 - O pedido de substituição da entidade gestora é instruído com toda a documentação a ela respeitante e com os documentos constitutivos alterados em conformidade, sendo estes divulgados imediatamente após a data de notificação de decisão de deferimento ou do decurso do prazo de decisão, consoante aplicável.

Como do preceito se extrai, o mesmo regula os termos da substituição da sociedade gestora nos organismos de investimento coletivo, sendo que tal substituição pode ocorrer a requerimento da própria sociedade gestora, nos termos previstos no nº1, e, naqueles organismos que sejam fechados (como é o caso do réu), a requerimento dos participantes, de modo fundamentado, como previsto no nº2, devendo depois, em qualquer dos casos, ser autorizada pela CMVM.

No caso dos autos, a substituição da sociedade gestora, além de possibilitada por aquele nº2 do art. 77º, está inclusivamente prevista no Regulamento de Gestão e, como outras deliberações, para ser aprovada precisa de uma maioria de 75% dos votos correspondentes às unidades de participação (nº18 dos factos provados).

A convocatória para a assembleia de participantes na qual se veio a deliberar sobre a substituição da sociedade gestora (nºs 28 e 29 dos factos provados) teve por base o requerimento referido sob o nº27 dos factos provados, formulado por participantes detentores de 33,79% de unidades de participação, e nele fez-se expressamente constar que aquela pretendida substituição “fundamenta-se” na intenção do participante requerente “Banco 1..., S.A.” de “consolidar em entidades do grupo Banco 1..., S.A. as funções de entidade gestora e entidade depositária do Fundo, tendo a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários sido já informada desta intenção no contexto do processo de autorização para o exercício de funções da C..., S.A., já concluído, não tendo expressado qualquer objeção à mesma”.

Iniciada a assembleia, foi dada conta de “exposição de motivos” subscrita pelo participante “Banco 1..., S.A.”, a cuja leitura se procedeu, onde é de novo avançada aquela mesma fundamentação para a substituição da sociedade gestora, acrescentando-se ainda que aquela intenção de consolidação, assim como a constituição da sociedade gestora para tomar o lugar da anterior, “resulta do legítimo direito de iniciativa económica do Banco neste domínio, correspondendo à implementação de um modelo de negócio em que o Banco acredita, e que se encontra alinhado, aliás, com a prática de mercado no setor” (nº51 dos factos provados).

Posta à votação, tal deliberação de substituição foi aprovada com 80,789% de votos a favor, correspondentes às unidades de participação (nº54 dos factos provados).

Independentemente do juízo que se possa fazer sobre tal fundamentação e/ou sobre a ponderação do interesse ou interesses que lhes possam subjazer, que só compete ser feito pela assembleia de participantes e posteriormente, em vista da concessão de autorização para a substituição deliberada, pela CMVM, é de concluir que com a aprovação da deliberação pela assembleia de participantes se subscreveu ou concordou com aquela fundamentação. Isto é, com a aprovação da deliberação aprovou-se também a fundamentação apresentada para a mesma, que dela faz necessariamente parte, integrando assim a deliberação e a fundamentação que a baseia a fundamentação exigida pelo nº2 do art. 77º do RGOIC, que será por sua vez objeto de apreciação pela CMVM em vista da concessão de autorização, pois, como decorre daquele preceito, a deliberação precede a autorização daquela entidade e só depois de obtida esta é que a nova sociedade gestora pode assumir funções nessa qualidade (nºs 3 e 6 daquele art. 77º).

Assim, é de concluir que a deliberação em causa observa a exigência de fundamentação para a substituição da sociedade gestora prevista no nº2 do art. 77º do RGOIC.

Como tal, improcede também esta questão recursória.

Cumpre agora apurar se a deliberação viola o art. 123º nº1 a) do RGOIC, sendo nula por via do disposto no art. 56º, nº1 d) do CSC [sub-questão v) indicada sob a alínea c) das questões a tratar].

Defendem os recorrentes quanto a tal o seguinte: determinando aquele art. 123º a proibição de as sociedades gestoras serem simultaneamente depositários dos organismos de investimento coletivo, a independência que aquele normativo visou prevenir e acautelar não se compadece com qualquer relação de interesse e muito menos de domínio entre a figura do depositário e da sociedade gestora; que isso mesmo resulta claro dos considerandos da diretiva comunitária donde emerge aquele art. 123º do RGOIC; sendo a sociedade gestora uma entidade jurídica distinta do depositário  “Banco 1... S.A.” mas controlada em 96% por este depositário, terá que se considerar, necessariamente, que se está ainda no âmbito da proibição.

Vejamos.

O art. 123º do RGOIC, com a epígrafe “Independência”, dispõe o seguinte:

1 - Para evitar conflitos de interesses entre o depositário, a entidade responsável pela gestão e o organismo de investimento coletivo ou os respetivos participantes:

a) As entidades responsáveis pela gestão não podem ser depositários dos organismos de investimento coletivo sob gestão;

b) O corretor principal que atue como contraparte de um OIA não pode ser depositário do mesmo OIA, salvo se tenha funcional e hierarquicamente separado o desempenho das suas funções de depositário das suas funções de corretor principal e que os potenciais conflitos de interesses sejam devidamente identificados, geridos, acompanhados e divulgados aos participantes do OIA;

c) O corretor principal apenas pode ser subcontratado para as funções de guarda de ativos de OIA se forem cumpridas as condições aplicáveis previstas no artigo 124.º.

2 - O depositário, no exercício das respetivas funções, atua com honestidade, equidade e profissionalismo.

3 - O depositário não pode exercer atividades relativas ao organismo de investimento coletivo ou à entidade responsável pela gestão que possam criar conflitos de interesses entre os participantes, a entidade responsável pela gestão e o próprio depositário, salvo se tenha separado funcional e hierarquicamente o desempenho das suas funções de depositário de outras funções potencialmente conflituantes e que os potenciais conflitos de interesses sejam devidamente identificados, geridos, acompanhados e divulgados aos participantes do organismo de investimento coletivo.”.

Por sua vez, a Diretiva nº2011/61/EU, de 8 de junho de 2011, acolhida pelo RGOIC (como consta do sumário que precede o seu texto) e referida pelos recorrentes em sede do pedido de reenvio prejudicial sobre o qual já anteriormente nos pronunciámos, dispõe sob a al. a) do nº4 e sob o nº10 do art. 21º (preceitos aludidos pelos recorrentes sob a conclusão 76 do recurso) o seguinte:

Artigo 21.º

Depositário

(…)

4. Para evitar conflitos de interesses entre o depositário, o GFIA e o FIA ou os respectivos investidores:

a) Os GFIAs não podem ser depositários;

(…)

10. No âmbito das respectivas atribuições, os GFIA e os depositários devem agir com honestidade, equidade, profissionalismo e independência e no interesse do FIA e dos seus investidores.

Um depositário não pode exercer actividades relativas ao FIA ou ao GFIA agindo em nome do FIA que possam criar conflitos de interesses entre o FIA, os seus investidores, o GFIA e o próprio depositário, a menos que tenha separado funcional e hierarquicamente o desempenho das suas funções de depositário de outras funções potencialmente conflituosas e que os potenciais conflitos de interesses tenham sido devidamente identificados, geridos, acompanhados e divulgados aos investidores do FIA.

Os activos referidos no n.o 8 não podem ser reutilizados pelo depositário sem o consentimento prévio do FIA ou do GFIA agindo em nome do FIA.

Comparando o art. 123º do RGOIC, nomeadamente a sua alínea a) do nº1 e o seu nº3, com estas disposições da Diretiva, facilmente se constata que aqueles preceitos de direito interno correspondem à transposição de tais disposições.

Como decorre da factualidade provada, a sociedade gestora integra uma entidade com personalidade jurídica própria (“C..., S.A.” – nºs 23, 24 e 25 dos factos provados) e o depositário integra igualmente uma entidade com personalidade jurídica própria (“Banco 1..., S.A.” – nºs 5 dos factos provados), tendo cada uma delas, em relação ao Fundo, atuações e competências claramente diferenciadas por via da própria lei, até para poderem ser sujeitas a imputações próprias de responsabilidade, tudo como resulta dos arts. 65º, 66º, 71º-A, 71º-B, 71º-C, 71º-D, 71º-M, 72º-A. nº1, 73º, 79º-G, 89º-A e 147º nº1 do RGOIC em relação à sociedade gestora, dos arts. 120º, 121º, 122º e 125º em relação ao depositário e do art. 15º em relação a ambos.

Sendo entidades jurídicas com património próprio (arts. 71-L e 71º-M do RGOIC), com competências próprias e legalmente especificadas e com esferas de responsabilidade próprias delas decorrentes, do facto de a sociedade gestora ser participada em 96% do seu capital pelo Banco depositário e pertencerem ambos ao mesmo grupo económico (nºs 24 e 26 dos factos provados) não decorre a violação da alínea a) do nº1 do art. 123º do RGOIC.

Na verdade, como decorre de variados normativos do RGOIC, a própria lei até pressupõe que possa haver aquela relação de domínio societário ou de grupo entre a sociedade gestora e o depositário, como é patente, por exemplo, nos seguintes preceitos:

- no nº2 do art. 73º, onde se preceitua que “A entidade gestora deve dar prevalência aos interesses dos participantes, tanto em relação aos seus próprios interesses com em relação aos interesses das entidades previstas no nº1 do art. 147º”, pois estas últimas entidades, como neste nº1 do art. 147º se prevê, são, entre outras, aquelas que se encontrem em relação de domínio ou de grupo com a própria sociedade gestora (alínea e) daquele nº1);   

- no nº4 do art. 120º, onde se preceitua que “A prestação de serviço de depositário a entidades exteriores ao perímetro de consolidação em que se insere o depositário é assegurada em condições económicas não discriminatórias”, do qual decorre “a contrario” que ali se prevê a possibilidade de prestação de serviços de depositário a entidades que integrem o seu perímetro de consolidação (sendo que integram este as sociedades com quem o depositário esteja em relação de domínio ou de grupo, por força do artigo 2º, nº 2, do DL nº36/92, de 28 de março);

- no nº3 do art. 123º (em que se preceitua que “O depositário não pode exercer atividades relativas ao organismo de investimento coletivo ou à entidade responsável pela gestão que possam criar conflitos de interesses entre os participantes, a entidade responsável pela gestão e o próprio depositário, salvo se tenha separado funcional e hierarquicamente o desempenho das suas funções de depositário de outras funções potencialmente conflituantes e que os potenciais conflitos de interesses sejam devidamente identificados, geridos, acompanhados e divulgados aos participantes do organismo de investimento coletivo”), onde, dada a ressalva prevista na sua segunda parte, se permite que o depositário exerça atividades relativas à entidade responsável pela gestão suscetíveis de criar conflitos de interesses com esta, desde que tenha separado funcional e hierarquicamente o desempenho das suas funções de depositário de outras funções potencialmente conflituantes e que os potenciais conflitos de interesses sejam devidamente identificados, geridos, acompanhados e divulgados aos participantes do organismo de investimento coletivo.

Além disso, refira-se, ao contrário do argumentado pelos recorrentes (conclusão 49 do recurso), de nenhum dos 95 considerandos da Diretiva 2011/61/EU de 8 de junho de 2011 decorre que não possa ocorrer uma relação de domínio entre a entidade gestora e o depositário.

Como referem Ana Oliveira Monteiro e Sara Pereira Silva, no artigo publicado nos Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários nº71, Volume I, de 12/10/2022, sob o título “O enquadramento legal do exercício de funções por entidade gestora de fundos em relação de domínio ou de grupo com o depositário (sentido e alcance do artigo 123.º, n.º 1, alínea a), do RGOIC”, a págs. 23, a proibição prevista na alínea a) do nº1 do art. 123º do RGOIC tem por pressuposto “obstar à concentração de funções relativamente a um OIC numa mesma entidade e, com isso, o risco de confusão do património dos OIC e da entidade gestora”, sendo que “no âmbito da problemática dos conflitos de interesses relativos à atividade dos organismos de investimento coletivo, o legislador optou por instituir normas de prevenção e resolução dos mesmos, através de regras de organização interna e de conduta perante a emergência de conflitos, em detrimento da instituição de um regime de proibições absolutas, opção que é, aliás, a que se encontra em todos os principais diplomas nacionais e europeus que disciplinam temas do mercado de valores mobiliários e outros instrumentos financeiros”. “Em síntese”, continuam aquelas autoras, “o legislador salvaguardou os riscos inerentes à prevenção de conflitos de interesses (e, bem assim, à organização da entidade gestora, à disponibilidade de recursos humanos e técnicos, e à gestão de riscos) com recurso a uma tutela orientada à prática de atos de gestão concretos”.

Anote-se sobre aquelas normas de prevenção e resolução de conflitos de interesses os já referidos anteriormente arts. 72º-A nº1 al. e), 79º-G al. e), 123º nº3, 147º nº1 als. e) e g) do RGOIC, de onde claramente decorre aquela tutela orientada à prática de atos concretos.

Prosseguem ainda aquelas autoras referindo, a págs. 24, que aquele artigo 123º, nº1, al. a), do RGOIC “dispõe no sentido de as entidades gestoras não poderem ser depositários de um mesmo organismo de investimento coletivo, em termos muito próximos dos artigos 25.º e 21.º, respetivamente das Diretivas n.º 2009/65/CE e n.º 2011/61/EU, que transpõe” e que, [t]al como as Diretivas, o RGOIC não proíbe expressamente a existência de relações de domínio ou de grupo entre a gestora e o depositário de um mesmo fundo” (sublinhado nosso).

Ainda em tal sentido, em sede de análise dos elementos histórico e literal de interpretação daquele art. 123º nº1 a), referem aquelas autoras, a págs. 29, depois de darem conta da legislação nacional e europeia que foi sendo produzida sobre as funções de administração de fundos de investimento e de depositário, que com aquela norma “o legislador limitou-se a proibir a concentração de tais funções numa mesma entidade, e não impediu a existência de relações de domínio ou de grupo entre as mesmas. A extensão da proibição a essas situações não encontra o mínimo de correspondência verbal na letra do artigo 123.º, n.º 1, alínea a), do RGOIC e dos artigos 21.º e 25.º das Diretivas transpostas, sendo inadmissível nos termos do disposto no artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil”.

Além disso, em sede de análise dos elementos sistemático e teleológico daquela mesma norma, referem ainda aquelas autoras, designadamente:

- “perante o risco de ocorrência de conflitos de interesses, o legislador – nacional e da União – rejeitou a adoção de um sistema de proibições absolutas de realização de operações, tendo optado por um regime de proibições relativas e normas de conduta tendentes a mitigar o risco de conflito de interesses” (págs. 38 e 39);

-  “o legislador previu um conjunto de regras tendentes a minimizar os riscos emergentes dos conflitos de interesses, seja ao nível da organização da entidade gestora (cf. artigos 88.º-A, 88.º-B e 88.º-C, do RGOIC) seja ao nível da definição de critérios de atuação perante situações de conflito de interesses que não logre evitar (cf. artigo 89.º-A do RGOIC), e nomeou no artigo 147.º do RGOIC um conjunto de operações vedadas que visam precisamente impedir a realização de operações suscetíveis de gerarem conflitos de interesses entre o fundo e diversas entidades, tais como a própria entidade gestora, o depositário ou os membros dos órgãos sociais de qualquer destas entidades (cf. n.º 1 do artigo 147.º do RGOIC)” – pág. 39;

- “Inexiste identidade de razão entre a proibição constante do 123.º, n.º 1, alínea a), do RGOIC e a possibilidade de concentração da gestão e do depósito em entidades que se encontrem em relação de domínio ou de grupo, que militem nesse sentido: as implicações das relações de domínio ou de grupo entre as entidades gestoras, os depositários e respetivos participantes, em sede de independência e de conflitos de interesses, são conhecidas e resolvidas nas mais diversas jurisdições, correspondendo a solução nacional a um resultado pretendido e refletido pelos legisladores europeu e português, à luz dos interesses em presença” (pág. 40);

- “o modelo legal supra descrito, tendo como ponto de partida o direito da União, é naturalmente partilhado pelas demais legislações dos Estados Membros onde se encontram diversos exemplos de exercício de funções de gestão e de depositário de organismos de investimento coletivo por entidades que se encontram em relação de domínio ou de grupo” (pág. 40), referindo neste seguimento, a págs. 41, 42 e 43, as soluções dos ordenamentos jurídicos luxemburguês, francês, italiano, holandês e espanhol, que vão no mesmo sentido;

- “Também fora do espaço europeu, inúmeros ordenamentos jurídicos admitem que o depositário e a gestora de um organismo de investimento coletivo pertençam ao mesmo grupo económico, como, designadamente, se verifica nos Estados Unidos da América, em Hong Kong ou no Brasil” (pág. 43).

Por fim, referem que “por se tratar de uma limitação à livre iniciativa económica privada, o artigo 123.º, n.º 1, alínea a), do RGOIC não é suscetível de aplicação “extensiva” a situações que não estão aí previstas, sob pena de violação dos artigos 17.º, 18.º e 61.º, da CRP” (pág. 46).

Deste modo, na sequência de tudo quanto se veio de referir, é de concluir que da relação de domínio societário da sociedade gestora pelo depositário e do facto de ambos pertencerem ao mesmo grupo económico não decorre a violação da alínea a) do nº1 do art. 123º do RGOIC.

Assim, improcede também esta questão recursória.

Apuremos finalmente se a deliberação é anulável nos termos do artigo 58.º, n.º 1, al. b), do CSC, porque apropriada a satisfazer o propósito de um dos participantes (Banco 1..., S.A.) em conseguir, através do exercício do direito de voto, uma vantagem especial [sub-questão vi) indicada sob a alínea c) das questões a tratar].

Argumentam os recorrentes em tal sentido o seguinte: o “Banco 1... S.A.”, entidade com grande influência no destino das deliberações do Fundo, está a usar da mesma para conseguir a consolidação no Grupo C... das funções de depositário e, simultaneamente, de sociedade gestora do Fundo; o prejuízo para os restantes participantes, onde se incluem os recorrentes, basta-se apenas com a mera possibilidade de o Fundo B... passar a poder determinar e prosseguir os interesses estratégicos e próprios do Banco 1..., S.A., em eventual detrimento do interesse patrimonial dos participantes; sendo a deliberação objetivamente apta a satisfazer o interesse subjetivo do Banco 1..., S.A. e dos seus principais acionistas de integrar o Fundo B... como ativo pertencente ao seu grupo económico, aquele adquirirá, assim, uma vantagem especial, a qual se concretiza com a mera possibilidade de poder mandar, dirigir e determinar todos os investimentos e desinvestimentos do Fundo de acordo com as suas discricionariedades, conveniências ou interesses.

Analisemos.

Nos termos do art. 58º, n.º 1, alínea b), do CSC, são anuláveis as deliberações que “Sejam apropriadas para satisfazer o propósito de um dos sócios de conseguir, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ou simplesmente de prejudicar aquela ou estes, a menos que se prove que as deliberações teriam sido tomadas mesmo sem os votos abusivos”.

Note-se o seguinte (como já na decisão proferida na providência cautelar que precedeu a ação a que respeitam estes autos se fez):

- o Banco 1..., S.A. é um dos maiores participantes do réu (nº10 dos factos provados) e é o depositário desde a sua constituição, estando obrigado, no exercício de tal atividade, a um conjunto de obrigações e funções cujo incumprimento o pode fazer incorrer em responsabilidade civil, nomeadamente perante os participantes (cfr. arts. 120º, 121º, 122º e 125º do RGOIC, arts. 289º, n.º 1, alínea d), e 311º do CVM), atividade que é remunerada (cfr. arts. 126º e 139º, n.º 1, alínea a), do RGOIC e ponto 4.2 do Capítulo II da Parte I do Regulamento de Gestão, este último referido sob o nº15 dos factos provados);

- o mesmo é ainda, desde a constituição do Fundo, a entidade responsável pela colocação das unidades de participação junto dos investidores e o D... das unidades de participação junto da F..., sendo tal fundo comercializado presencialmente nas suas instalações, (nºs 5, 6, 7 e 8 dos factos provados);

- a integração de ativos no património do réu, incluindo a sua avaliação, está sujeita a regras e à supervisão da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (cfr. designadamente os arts. 204º a 215º, 222º, 223º, 241º e 243º do RGOIC).

Como já vimos anteriormente, a substituição da sociedade gestora por deliberação dos participantes, além de prevista na lei (arts. art. 61º nº1 g) e 77º do RGOIC), está ainda expressamente prevista no Regulamento de Gestão do Fundo [alínea e) do ponto 2 do Capítulo I da parte I e ponto 5.6, alínea f), do Capítulo VI da Parte I – nºs 13 e18 dos factos provados].

Além disso, e como também já vimos, não há impedimento legal a que a sociedade gestora esteja numa relação de domínio societário pelo depositário (o Banco 1..., S.A.), sendo que este, enquanto também participante do fundo (como expressamente possibilitado pelo nº8 do art. 120º do RGOIC[1]), tem o direito de exercer o seu voto em termos correspondentes às suas unidades de participação.

Por outro lado, há que referir aqui o que já se referiu no tratamento da questão anterior: o próprio legislador previu um conjunto de regras tendentes a minimizar os riscos emergentes dos conflitos de interesses, seja ao nível da organização da entidade gestora do fundo em causa (cf. art. 79º-G do RGOIC) seja ao nível da definição de critérios de atuação perante situações de conflito de interesses (cf. art. 89º-A do RGOIC), e nomeou no nº1 do artigo 147º do RGOIC um conjunto de “operações vedadas” (é esta a epígrafe daquele preceito) que visam precisamente impedir a realização de operações suscetíveis de gerarem conflitos de interesses entre o fundo e diversas entidades, tais como a própria entidade gestora, o depositário ou os membros dos órgãos sociais de qualquer destas entidades.

Ora, considerando o quadro legal que se veio de referir, da aprovação da deliberação em apreço – de substituição da sociedade gestora – não resulta, por si, uma qualquer vantagem ou benefício especial para o participante Banco ou qualquer prejuízo para o réu (nomeadamente por o interesse deste ser contrário ao daquele participante), sendo de notar, como também se faz na decisão da providência cautelar, que a existência de mero interesse do acionista/sócio (aqui participante) na deliberação não basta para que se conclua pela verificação da previsão da alínea b) do nº1 do art. 58º do CSC.

Assim, é de concluir pela não verificação de tal previsão, com a consequente improcedência também desta questão recursória.

Por tudo quanto se veio de expor, é de julgar improcedente o recurso e confirmar a sentença recorrida.

As custas do recurso ficam a cargo dos recorrentes, que nele decaíram (art. 527º nºs 1 e 2 do CPC).


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Sumário (da exclusiva responsabilidade do relator – art. 663 º nº7 do CPC):

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III – Decisão

Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso e confirmar a decisão recorrida.

Custas pelos recorrentes.


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Porto, 20/5/2024
Mendes Coelho
Fernanda Almeida
Carlos Gil
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[1] Onde se preceitua: “O depositário pode subscrever unidades de participação dos organismos de investimento coletivo relativamente aos quais exerce as funções de depositário”.