Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2939/22.3T8STS-E.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ALBERTO TAVEIRA
Descritores: QUALIFICAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
REQUERIMENTO INICIAL
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
Nº do Documento: 202511112939/22.3T8STS-E.P1
Data do Acordão: 11/11/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMAÇÃO
Indicações Eventuais: 2. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Se o requerimento de pedido de qualificação de insolvência padecer de deficiência, o Tribunal de modo oficioso haverá de suprir, pois que no processo de insolvência impõe-se que o Juiz profira despacho de aperfeiçoamento tendo como finalidade o suprimento das insuficiências ou imprecisões na alegação ou na rectificação de irregularidades dos articulados – artigos 590.º do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 17.º do CIRE.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: PROC. N.º[1] 2939/22.3T8STS-E.P1

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Tribunal Judicial da Comarca do Porto

Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia - Juiz 6

RELAÇÃO N.º 261

Relator: Alberto Taveira

Adjuntos: Alexandra Pelayo

Márcia Portela


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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO


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I - RELATÓRIO.

AS PARTES

Insolvente: A..., Unipessoal, Lda.

AI.: AA.

Afectados: BB e

CC.

Credor: B..., Lda


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A)

Por[2] apenso aos autos de insolvência em que foi declarada insolvente a sociedade “A..., Unipessoal, Lda.”, com os demais sinais identificadores constantes dos autos, no âmbito do incidente de qualificação da insolvência veio o credor B..., Lda., com os demais sinais identificadores constantes dos autos, requerer a qualificação da insolvência como culposa, e, nessa sequência, ser afectado por essa qualificação o gerente da devedora BB e o sócio-gerente de uma outra sociedade de seu nome CC, com todas as demais legais consequências.

Alegou, para tanto, que aquele gerente terá adquirido ao anterior sócio e gerente a aqui sociedade insolvente, por preço abaixo do valor de mercado, em julho de 2020 (quota de € 125.000,00 pertença de DD), após o que veio a reforçar o capital social da empresa para € 250.000,00 (entradas em dinheiro que se desconhece se foram efectivamente realizadas), ao mesmo tempo que procedeu à alteração do CAE da sociedade, no sentido de a habilitar à actividade de agentes de comércio por grosso de produtos alimentares, bebidas e tabaco, bebidas não alcoólicas e bebidas alcoólicas, e que inicialmente foram emitidas facturas que oscilavam entre € 850,00 e € 970,00, o que permitia que tal pagamento não fosse efectuado através de transferência bancária, para num momento posterior, em conluio com outras empresas, adquirir num curto espaço de tempo diversas viaturas (em regime de leasing) que eram colocadas à disposição de outras empresas (conluiadas entre si) – “C..., Unipessoal, Lda.”, “D..., Lda.”, “E..., Lda.” – viaturas que não vieram a ser encontradas/apreendidas a favor da massa e que foram colocadas à disposição da sociedade “E...”, que as utilizou para distribuir o material adquirido à insolvente e que a mesma não pagou aos seus fornecedores.

Concluiu, assim, pela existência de um esquema fraudulento (espécie de “associação criminosa”) que passaria, numa primeira fase, pela aquisição de material a diversos fornecedores por banda da insolvente, e num segundo momento, não proceder ao pagamento daquele fornecimento e diligenciar por o revender o mais rápido possível para entidades terceiras (com a insolvente conluiadas), assumindo o aqui requerido o papel de “testa de ferro” (gerente de direito).

Finaliza o seu requerimento pedindo:

Nestes termos, requerer a V. Exa. que seja proferida sentença que declare como culposa a insolvência, e seja extraída certidão e remetida ao Ministério Público para efeitos de ser instaurado procedimento criminal pela prática do crime previsto e punido no artigo 227.º do CP.

Mais pede que seja citada a requerida, insolvente.

B)

A 05.06.2023, é proferido despacho a convidar a requerente nos seguintes termos:

(…) Em face do exposto, e sob expressa advertência de indeferimento liminar, notifique o credor requerente para, em dez dias, aperfeiçoar a sua peça, nos seguintes termos:

. identificar a pessoa física que deve ser afectada pela qualificação propugnada;

. densificar factualmente as afirmações aduzidas nos artigos 16 a 23, 26 a 28 e 33-34 de tal requerimento, esclarecendo nomeadamente qual o esquema fraudulento que pretende imputar à aqui insolvente, afirmando concretamente o “modus operandi” e o intuito com que tais procedimentos eram adoptados (por forma a deixar de ali se visualizar simples suspeições ou indagações não passíveis de “quesitação”.

C)

A requerente veio apresentar requerimento datado de 19.06.2023, pelo qual vem pedir:

Nestes termos, requerer a V. Exa. que seja proferida sentença que declare como culposa a insolvência, sejam afetados por tal declaração BB e CC, e seja extraída certidão e remetida ao Ministério Público para efeitos de ser instaurado procedimento criminal pela prática do crime previsto e punido no artigo 227.º do CP.

D)

Por despacho de 28.06.2023, “apenas se decide admitir do lado passivo da presente instância o identificado BB, absolvendo-se os demais requeridos da instância “

Mais se decide declarar formalmente aberto o incidente.

E)

Na sequência “veio o administrador da insolvência nomeado, Dr. AA, apresentar o seu parecer aos 10.08.2023, no qual afirmou concordância com o alegado pelo credor requerente do presente incidente, e no qual propõe a qualificação da presente insolvência como culposa, devendo ser atingido por essa qualificação o gerente BB, devidamente identificado nos autos. Neste domínio, alegou factualidade subsumível a dissipação de património (art.º 186.º/2, alínea a), do CIRE), bem como efectiva disposição de bens da devedora em proveito de terceiros, e ainda incumprimento da obrigação de manter a contabilidade organizada e de falta de colaboração prestada pelo gerente (alíneas h) e i) da referida norma do art.º 186.º/2, do CIRE).

Mais explicitou a estranheza de toda a situação desta insolvência, referindo que constatou que, de acordo com as reclamações de créditos, as dívidas da insolvente ascendem a mais de um milhão de euros e foram contraídas maioritariamente em 2022, pouco antes da insolvência, sendo que cerca de 650 mil euros da dívida dizem respeito à aquisição de frota automóvel (16 viaturas adquiridas em regime de leasing) e cerca de 300 mil euros são respeitantes a fornecimento de mercadoria que não liquidou, apelidando de “misteriosa” toda a situação que analisou.


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Ouvido o Ministério Público, veio este propor que a insolvência fosse qualificada como culposa, reputando verificadas as situações previstas no art.º 186.º, n.ºs 1, 2, alíneas a), b), d), e), f), g), h) e i), e n.º 3, alínea a), do CIRE, devendo ser afectado o gerente da insolvente, o requerido BB.

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De consignar, para boa clarificação processual, que este tribunal, por despacho exarado em 28.06.2023, teve oportunidade de indeferir a pretensão de afectar, neste domínio, pessoa identificada como gerente de uma sociedade terceira, a saber, CC, atendendo à factologia alegada a tal respeito pelo credor requerente e ao expressamente consignado no art.º 6.º e 186.º/1, ambos do CIRE.

F)

Tendo-se frustrado a citação pessoal do requerido, foi determinada a citação edital, tendo posteriormente sido deduzida oposição subscrita por patrono nomeado, em nome da insolvente e do seu gerente (ora requerido).-

Nas oposições deduzidas, foi suscitada a extemporaneidade do requerimento que veio solicitar a qualificação da insolvência como culposa, e esgrimido o argumento de que não poderá ser imputada a violação do dever de apresentação à insolvência, atendendo a que tal dever esteve suspenso desde março de 2020 a 5 de agosto de 2023.


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Veio apresentar resposta o credor requerente do presente incidente, alegando que inexiste qualquer extemporaneidade, e que o facto de o prazo estar suspenso não equivale a proibir qualquer devedor de se apresentar à insolvência, no caso de esta, como no caso dos autos, se tornar evidente.-

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O processo principal veio a ser encerrado por despacho datado de 31.10.2023, nos termos previstos no art.º 230.º/1, alínea d), do CIRE, em razão do que se deixa consignado que o presente incidente assume os seus trâmites processuais como incidente limitado (tal encerramento decorre, inevitavelmente, de uma verdadeira insuficiência da massa insolvente, detectada após análise da situação jurídica atinente às viaturas aludidas nos autos).

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Foi proferido despacho datado de 05.07.2024, no qual se dispensou a realização de audiência prévia e se anunciou a intenção de proferir despacho a designar data para realização da audiência de julgamento, sem prolação de saneador, consignando-se a simplicidade dos contornos da presente lide, e o princípio da adequação formal e agilização processual (art.º 547.º e 6.º/1, ambos do CPC).

Notificadas as partes, nada vieram a opor.

G)

Seguindo-se despacho datado de 30.01.2025, que:

. decidiu julgar improcedente a excepção de extemporaneidade alegada nas oposições deduzidas nos autos;

. designou data para audiência de julgamento.

H)

Desta decisão, o afectado/apelante, inconformado interpôs recurso de apelação de tal despacho.

O recurso foi admitido em primeira instância e autuado apenso D.

Remetidos a este Tribunal da Relação do Porto, foi proferida decisão de não admissão de recurso de apelação e em consequência foi rejeitado – cfr. decisão de 02.05.2025, “Decorre, assim, de tudo quanto ficou exposto que o despacho recorrido não é susceptível de apelação autónoma, apenas podendo ser interposto recurso a final, nos termos dos n.ºs 3 e 4, do mesmo artigo 644.º do CPC.”.


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DA DECISÃO RECORRIDA

Após audiência de discussão e julgamento, foi proferida SENTENÇA, nos seguintes termos:

Nestes termos, de acordo com o disposto no art.º 186.º, n.º 1, n.º 2, alíneas a), c), d), e), f), g), e h), e 188º, 189.º e 191.º do CIRE, decide-se:

- qualificar a insolvência de “A..., Unipessoal, Lda.”, com os demais sinais identificadores constantes dos autos, como culposa;

- identificar as pessoas afectadas pela presente qualificação como sendo o requerido BB, com os demais sinais identificadores constantes dos autos;

- decretar a inibição de BB para administrar património de terceiros, por um período de 4 (quatro) anos;

- decretar a inibição para o exercício do comércio do requerido BB durante um período de 4 (quatro) anos, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa;

- condenar BB a indemnizar os credores da devedora insolvente, até ao montante global de 80.000,00 (oitenta mil euros);

- absolver o requerido do demais peticionado.


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Custas do presente incidente, em partes iguais, pela devedora insolvente e pelo afectado com a presente qualificação.


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DAS ALEGAÇÕES

O afectado, BB, vem desta decisão interpor RECURSO, acabando por pedir o seguinte:

Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser a decisão recorrida substituída por outra que declare a extemporaneidade do pedido de afetação do Recorrente BB pela qualificação da insolvência como culposa e, em consequência, anulado todo o processado após o despacho que declarou aberto o incidente de qualificação da insolvência, assim se fazendo inteira justiça.


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O apelante apresenta as seguintes CONCLUSÕES:

1. O prazo de 15 dias consagrado no artigo 188º nº 1 do CIRE para que qualquer interessado requeira a qualificação da insolvência como culposa e indicar as pessoas que devem ser afetadas por tal qualificação, é um prazo perentório;

2. Salvo melhor opinião, tal perentoriedade aplica-se, quer ao requerimento de qualificação de insolvência, quer à indicação das pessoas que devem ser afetadas pela qualificação, não sendo legalmente admissível convite ao aperfeiçoamento de tal requerimento, no sentido de serem indicadas pessoas que ab initio não o foram;

3. No requerimento de qualificação da insolvência como culposa, não foi pelo credor B..., Lda indicado o aqui recorrente como pessoa que devesse ser afetada pela qualificação;

4. A indicação em requerimento posterior e depois de decorrido aquele período de 15 dias é extemporânea;

5. A decisão que ora se impugna viola, entre outros, o disposto no artigo 188º nº 1 do CIRE.


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O credor, B..., Lda, veio apresentar CONTRA-ALEGAÇÕES, pugnando pela improcedência do recurso.

Suscita a questão da tempestividade do recurso.

O Ministério Público veio acompanhar as alegações de recursão do apelado credor.


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A 11.09.2025, é proferido o seguinte despacho:

A respeito do presente recurso pronunciou-se já o Venerando Tribunal da Relação do Porto, tendo decidido que o “despacho posto em crise” não é susceptível de apelação autónoma, apenas podendo ser interposto recurso a final, nos termos do art.º 644.º/3 e 4, do CPC (cfr. apenso D).

Constata-se que o ora recorrente veio formular a sua pretensão recursória ao abrigo do aludido n.º 4 do art.º 644.º do CPC.

Assim, por estar em tempo, ter legitimidade para o efeito e o despacho ser passível de recurso, admito o recurso interposto pelo requerido BB, recurso que é de apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo (art.º 595.º/3, 627.º, 629.º, 631.º, 637.º, 638.º, n.º 1, 639.º, 644.º,, n.º 4, 645.º, n.º 2, e 647.º, n.º 1, estes do CPC, e 14.º/5, do CIRE).


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II - FUNDAMENTAÇÃO.

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Civil

A questão a decidir, diz respeito à tempestividade do requerimento do requerente/credor do pedido de qualificação de insolvência com a indicação da pessoa a ser afectada com a qualificação da insolvência culposa.


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OS FACTOS

Os factos com interesse para a decisão da causa e a ter em consideração são os constantes no relatório, e que aqui se dão por reproduzidos.

Com relevo, damos por reproduzido o despacho de 30.01.2025:

Tomei conhecimento do processado observado neste apenso de qualificação.

Constata-se que na oposição junta aos autos, foi deduzida excepção de extemporaneidade do parecer de qualificação que deu origem ao presente incidente.

Com efeito, alegou o requerido BB que o credor “B..., Lda.” requereu a qualificação da insolvência como culposa por requerimento datado de 17.05.2023, tendo o despacho que declarou formalmente aberto o incidente sido proferido em 28.06.2023, e que o prazo previsto no art.º 188.º/1, do CIRE, sendo prazo peremptório, aplica-se quer à possibilidade de requerer a qualificação, quer no que se refere à indicação das pessoas que pela mesma deverão ser afectadas.

Ouvido o credor requerente, pugnou pela improcedência da alegada extemporaneidade, referindo que cumpriu com o prazo enunciado na lei aplicável, é dizer, nos termos do preceituado no art.º 188.º do CIRE, sendo que o facto de o tribunal ter convidado o requerente a suprir deficiência de alegação ou de indicação de pessoas a afectar em nada beliscará aquela propugnada tempestividade.

Decidindo, diremos que concordamos inteiramente com a posição já exteriorizada pelo credor requerente, não fazendo qualquer sentido a interpretação que o requerido pretende fazer da norma que prevê o prazo preclusivo para instaurar incidente de qualificação da insolvência.

Não há dúvidas de que nos termos do art.º 188.º, n.º 1, do CIRE, na sua versão introduzida pela Lei 9/2022, de 11.01, aqui aplicável, o administrador da insolvência ou qualquer interessado pode alegar, fundamentadamente, por escrito, em requerimento autuado por apenso, o que tiver por conveniente para efeito da qualificação da insolvência como culposa e indicar as pessoas que devem ser afectadas por tal qualificação no prazo perentório de 15 dias após a assembleia de apreciação do relatório, cabendo ao juiz conhecer dos factos alegados e, se o considerar oportuno, declarar aberto o incidente de qualificação nos dez dias subsequentes.

Não está colocado em causa, nos autos, que o mencionado prazo foi cumprido. O que se questiona é se esta obrigatoriedade se estende à completude de elementos e alegações com virtualidade de legitimar o juiz a declarar aberto tal incidente. Entendemos que não. Caso assim não fosse, sempre teria este tribunal indeferido liminarmente o requerimento inicial, ao invés de ter procedido a despacho de convite a aperfeiçoamento. De facto, no caso vertente, o credor requerente, apesar de alegar factualidade passível de ser subsumida às alíneas do art.º 186.º do CIRE, obliterou, no fim da referida peça processual a identidade da pessoa física que deveria ser afectada pela qualificação da insolvência como culposa, e apesar desta deficiência, o Tribunal não entendeu que se tratava de uma peça inepta, bem pelo contrário! Entendeu, isso sim, que se tratava de “vazio” passível de correção, em razão do que concedeu prazo ao mencionado credor para vir sanar tal deficiência.

Em face do exposto, julga-se improcedente a excepção de extemporaneidade suscitada pelo requerido/oponente.


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DE DIREITO.

A questão a decidir diz respeito à contagem do prazo de 15 dias, constante no artigo 188.º, n.º 1 do CIRE.

Assim temos como pressuposto de facto a seguinte factualidade para efeitos da presente decisão:

Com data de 03.05.2024 o Administrador de Insolvência vem apresentar relatório nos termos do artigo 155.º do CIRE.

A notificação ao credor A..., Unipessoal, Lda ocorreu a 09.05.2023, por correio electrónico e por ofício do Tribunal de 10.05.2023.

Na sequência de requerimento, de 17.05.2023, do credor A..., Unipessoal, Lda, foi dado início ao incidente de qualificação da insolvência.

Com data de 05.06.2023 é o credor requerente notificado para identificar pessoa a ser afectada pelas qualificação de insolvência, nos termos supratranscritos em B) do relatório.

Vejamos.

O presente incidente de qualificação da insolvência teve o seu início com o requerimento de credor na sequência da apresentação do relatório do Administrador de Insolvência.

Nos termos do art. 188.º, n.º 1 e 5, o juiz poderá declarar aberto o incidente de qualificação da insolvência, através de despacho (irrecorrível), publicado no portal Citius, de imediato.

A abertura ulterior do incidente tem que ser solicitada 538 (A lei não prevê a admissibilidade de o juiz declarar oficiosamente a abertura ulterior do incidente.) pelo administrador da insolvência ou por qualquer interessado na qualificação da insolvência, através de requerimento, autuado por apenso, apresentado no prazo perentorio de 15 dias após a realização da assembleia de apreciação do relatório, onde é alegado, fundamentadamente, o que tiverem por conveniente para efeitos de qualificação como culposa e são indicadas as pessoas que devem ser afetadas por tal qualificação (art. 188.º, n.º 1). Se não tiver sido convoca a assembleia de apreciação relatório, o prazo de 15 dias conta-se a partir da junção aos autos do relatório de apreciação previsto no art. 155.º.

Com a alteração introduzida pelo art. 2.º da Lei n.º 9/2022, de 11 de ja-neiro, o legislador pós fim a um dissenso sobre a natureza, dilatória ou perentória, do prazo, qualificando-o expressamente como prazo perentorio.”, in Manual de Direito da Insolvência, 8ª ed., MARIA DO ROSÁRIO EPIFÂNIO, pág 177/178.

Face ao ante exposto, estamos perante um prazo peremptório, de 15 dias.

A contagem do prazo teve o seu início, no caso dos autos, no dia da apresentação do relatório por parte do sr. Administrador de Insolvência – 03.05.2024. A letra da Lei impõe tal entendimento. Isto é, no caso, o prazo inicia a sua contagem com a junção aos autos do relatório e não com a notificação do mesmo. Na realidade, a Lei não impõe que o mesmo seja notificado aos credores. Podemos concluir por o legislador ter imposto um especial ónus sobre os credores ou interessados para que estejam de sobreaviso com a junção do relatório. Somente, assim, ganha sentido os demais prazos que a Lei impõe nesta fase inicial do processo.

Como decorre dos factos a considerar, o relatório teve a sua apresentação em juízo no dia 03.05.2023.

Tendo em conta as regras de contagem dos prazos atrás descritas, o prazo dos 15 dias teve o seu término no dia 18.05.2023.

Face à data de entrada em juízo do requerimento da credora, do pedido de qualificação da insolvência, 17.05.2023, teremos de concluir por o requerimento ter dado em devido tempo.

Contudo, em tal requerimento a credora na parte final não identifica a pessoa a ser declarada afectada com a qualificação de insolvência culposa.

Entende o apelante, afectado, que a indicação como afectado, apenas ocorreu, em momento que ultrapassou o indicado prazo de 15 dias.

Por sua vez, a decisão, ora objecto de recurso, entende que em consequência do convite à correcção da deficiência do requerimento inicial, não está precludido tal prazo. Entende que não foi caso de indeferimento liminar, pois que o requerente alegou factualidade bastante para tal (identificação da pessoa), padecendo a peça de deficiência de falta de indicação da pessoa afectada pela qualificação da insolvência. Que tal circunstância não é passível de indeferimento liminar, e, portanto, podendo ser objecto de convite ao aperfeiçoamento.

CATARINA SERRA, in Lições de Direito da Insolvência, 2ª ed., 2021, pág. 303 e seguintes, entende que em caso de pedido de qualificação de insolvência, quer oficiosamente, quer a requerimento de interessado, o Juiz com base no princípio do inquisitório – artigo 11.º do CIRE –, independentemente da posição do Administrador de Insolvência, e de qualquer credor, terá que apreciar os diversos requerimentos e posições a fim de poder tomar uma posição. “Em qualquer caso – repete-se –, existindo factos que permitam presumir de forma inilidível (ou de forma ilidível mas sem que haja ilisão) que a insolvência é culposa (cfr. art. 186.º, n.ºs 2 e 3), o juiz deverá proferir uma decisão neste sentido.

Em face da anterior redacção do artigo 188.º do CIRE (modificado pela Lei n.º 9/2022, de 11.02), era jurisprudência e doutrina dominante, que o juiz após recolha dos elementos processuais, oficiosamente pode ordenar a abertura do incidente de qualificação da insolvência, em momento posterior à sentença de declaração de insolvência – neste sentido Acórdão Tribunal da Relação de Évora 463/21.0T8MMN-G.E1, de 30.03.2023, relatado pelo Des FRANCISCO MATOS, onde se pode ler:

No expresso dizer da lei, o juiz declara aberto o incidente de qualificação em dois momentos: oficiosamente, na sentença declaratória da insolvência, caso disponha de elementos; a requerimento, do administrador da insolvência ou de qualquer interessado, se o julgar oportuno, após a assembleia de apreciação do relatório ou, dispensada esta, após a junção aos autos do relatório a que se refere o artigo 155.º.

Daqui retirou a decisão recorrida, apoiada em jurisprudência que anotou [2 Acórdão da RC de 10/3/2015 (proc. n.º 631/13.9TBGRD-L.C1) e Ac. RG de 25/2/2016 (proc. n.º 1857/14.3TBGMR-DG1), in www.dgsi.pt.], que a tramitação do incidente só pode iniciar-se oficiosamente com a declaração da insolvência [artigo 36.º, n.º 1, alínea i), do CIRE] e que, mais tarde, só o administrador da insolvência ou algum interessado pode impulsionar o incidente.

Solução que, adiantando, não se acompanha, por não deixar explicada –resulta das alegações do recurso e concorda-se – a razão pela qual a lei conferiria ao juiz o poder/dever de iniciar o incidente na fase inicial do processo – quando declara a insolvência – e lhe retiraria tal faculdade numa fase posterior do processo em que, por princípio, se encontrará melhor habilitado a formar uma opinião sobre a real situação – e culpa – do insolvente.

É certo que, em regra, a lei não confere ao juiz poderes de iniciativa processual, o juiz é chamado a resolver o conflito depois do pedido de uma das partes e de assegurar a defesa à outra parte (artigo 3.º, n.º 1, do CPC).

A atribuição de poderes oficiosos de iniciativa processual ao juiz terá, necessariamente dir-se-á, justificação em interesses de ordem pública – no caso, o interesse público da preservação do bom funcionamento do mercado – mas uma vez atribuídos esses poderes, como no caso se verifica, eles tendem a manter-se, segundo os princípios gerais, até à decisão da causa [artigo 613.º, n.º 1, do CPC, ex vi do artigo 17.º do CIRE], o que significa, com as necessárias adaptações, que os poderes de abertura do incidente de qualificação da insolvência atribuídos ao juiz na sentença em que declara a insolvência se esgotarão no momento em que declarar aberto o incidente e não antes, a menos que a lei expressamente dispusesse o contrário.

O que não faz.

Da leitura do artigo 188.º do CIRE, nomeadamente, do seu n.º 1, resulta que o juiz, se o considerar oportuno, isto é – tal como interpretamos – se julgar procedentes as alegações do administrador da insolvência ou qualquer interessado requerente, declara aberto o incidente de qualificação da insolvência; não resulta que não o possa fazer ex officio.

Assim,

Carvalho Fernandes e João Labareda: “É, porém, de crer que, apesar da falta de alegações, o juiz possa, por sua própria iniciativa, e desde que o processo contenha elementos suficientes para a suportar, decidir a abertura”.

E justificam.

“Desde logo, se o juiz pode, numa fase precoce do processo – momento da declaração da insolvência –, optar por abrir o incidente, não se vê porque recusar esse poder no quadro do artigo 188.º, numa altura em que, a própria marcha possa ter revelado factos significativos – e até com valor próprio e autónomo, como sucede com o previsto no artigo 83.º, n.º 3 – e indiciadores da culpa, que nem sequer eram facilmente percetíveis àquela primeira data.

De resto, como ficou dito, dispondo agora o juiz de uma segunda oportunidade para avaliar a situação, em conformidade com a disciplina do n.º 1 deste artigo 188.º, normal será que prescinda de decidir logo na primeira, pelo que limitar o seu poder de abertura do incidente à alegação de interessados pode até ter um efeito perverso.

Por outro lado, é indiscutível, à vista da parte final do n.º 1, que o juiz não tem de seguir o entendimento manifestado nas alegações dos interessados, podendo, sem dúvida, decidir pela não abertura do incidente apesar do que for sugerido e requerido. Não se vê nenhum motivo sério para que essa liberdade só ocorra quando o resultado seja favorável aos potenciais afetados pela qualificação da insolvência. É que a questão da qualificação não é, nem pode ser, considerada como algo que se situa no estrito âmbito dos interesses particulares e, nessa medida, no âmbito da disponibilidade.

Acresce que (…), o legislador alterou o atual n.º 5 – anterior n.º 4 – no sentido de, mesmo coincidindo os pareceres do administrador e do Ministério Publico na proposta da qualificação da insolvência como furtuita, o tribunal não ficar vinculado a ela, ainda que, se decidir em conformidade, a decisão seja irrecorrível.

Ora, se bem avaliarmos, o poder de, mesmo nessa situação particular, mandar prosseguir o incidente justifica, só por si, que não fique também vinculado a não abrir o incidente quando ninguém alegou nada.

Finalmente, não pode deixar de se ter presente o poder oficioso do juiz consagrado no artigo 11.º.” [3 Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE anotado, 3ª ed. págs. 687 e 688.]

Também assim Soveral Martins: “No entanto, e apesar de nada o indicar no artigo 188.º, n.º 1, não parece estar afastada a possibilidade de o juiz, oficiosamente, abrir o incidente de qualificação se não o fez na sentença de declaração de insolvência. Com efeito, se o podia abrir naquela fase mais precoce, por maioria de razão deve poder fazê-lo se o processo, numa fase mais avançada, apresenta elementos que o justifiquem.”

Respondendo a esta primeira questão, dir-se-á, pois, que recolhidos elementos que o justifiquem, o juiz pode determinar ex officio, a abertura do incidente de qualificação da insolvência como culposa mesmo em fase posterior à prolação da sentença de declaração de insolvência. [4 Neste sentido, Acórdão da RG de 30/5/2018 (616/16.3T8VNF-E.G1), disponível em www.dgsi.pt.]

Em face da alteração legislativa de 2022, CATARINA SERRA, O incidente de qualificação da insolvência depois da Lei n.º 9/2022 – algumas observações ao regime com ilustrações de jurisprudência, in Revista julgar, n.º 48, 2022, disponível https://julgar.pt/o-incidente-de-qualificacao-da-insolvencia-depois-da-lei-n-o-92022-algumas-observacoes-ao-regime-com-ilustracoes-de-jurisprudencia/, vem alterar e clarificar a sua posição quanto à seguinte questão:

A alteração deixou algumas questões por resolver.

A primeira e a mais fundamental é, sem dúvida, a de saber se o juiz pode abrir oficiosamente o incidente de qualificação nesta fase ou, indo mais longe, se pode abrir oficiosamente o incidente até ao encerramento do processo de insolvência.

A questão não pode ser apreciada à margem dos termos em que se encontra regulada a matéria depois da alteração legislativa de 2012, obrigando a reflectir sobre as motivações / o espírito que presidiu à alteração 5(Cfr., sobre a alteração, Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, Coimbra, Almedina, 2021 (2.ª edição), pp. 303-304.). De forma sintética, é possível dizer que a ideia que presidiu à alteração foi a de concentrar ou circunscrever o alcance do incidente tendo em conta a sua utilidade, alegadamente diminuta 6 (Como se salientou logo na altura, [cfr. Catarina Serra, “Sobre a projectada reforma da lei da insolvência”, in: I Jornadas de Direito Processual Civil “Olhares Transmontanos”, Valpaços, Câmara Municipal de Valpaços, 2012, pp. 196-197], a razão para a eliminação da obrigatoriedade da abertura do incidente de qualificação de insolvência relacionava-se com o facto de “[e] m matéria de qualificação da insolvência, [serem] poucos os casos em que uma insolvência é declarada culposa” (cfr. “Regime Jurídico da Insolvência e Recuperação de Empresas – Estudo de avaliação sucessiva, de 2 de Dezembro de 2010, Direcção-Geral da Política da Justiça, p. 12) e, observando-se que “[e]m 73,2% dos casos a insolvência foi considerada fortuita e nos remanescentes 26,8% foi considerada culposa”, com a ideia de“[d]esproporção entre o trabalho resultante da quase-obrigatoriedade em proceder à abertura do incidente de qualificação da insolvência e o resultado adveniente da tramitação do mencionado incidente, uma vez que na grande maioria dos casos se conclui pelo carácter fortuito da insolvência” (cfr. “Relatório de Levantamento e Análise dos Processos Pendentes em atraso”, Grupo de Trabalho da Direcção-Geral da Política da Justiça, Junho de 2011, pp. 53 e 55). Mais tarde, no Memorando de enquadramento das propostas de alteração ao Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas dizia-se: “[a] alteração que se preconiza visa permitir que o incidente de qualificação da insolvência passe a ser tramitado por iniciativa do juiz, só nos casos em que haja indícios de que a situação de insolvência foi criada com culpa do devedor ou de algum dos seus responsáveis. Com efeito, do estudo de avaliação sucessiva ao regime das insolvências já anteriormente referidos resultou que muitos dos operadores judiciários a exercer funções neste domínio entendem que o actual regime de abertura quase que obrigatória do incidente de qualificação da insolvência não se mostra adequado, pois só fará sentido abrir tal incidente quando haja indícios de que houve culpa do agente na geração da situação de insolvência do devedor. De facto, o referido estudo permitiu verificar que, sempre que se inicia um incidente de qualificação da insolvência sem que haja quaisquer indícios de que houve culpa do agente na criação da insolvência, está a tramitar- -se um procedimento inútil no tribunal e que desvia recursos necessários para a tramitação de procedimentos úteis para um incidente, tantas vezes, escusado. Estamos, por isso, convencidos da bondade de tais argumentos, mau grado tal entendimento não recolha a unanimidade de todos quantos já se pronunciaram sobre a matéria – chama-se a atenção para parecer do Conselho Superior da Magistratura emitido a propósito do relatório de monitorização da pendência na área das insolvências produzido em Junho transacto em que se sustenta a eventual ineficácia de tal medida –, pelo que se propõe tornar o incidente de qualificação da insolvência facultativo, fazendo-o depender do facto de o juiz entender que dispõe de indícios que, se comprovados pela factualidade que venha a ser apurada ao longo da tramitação do mencionado incidente, poderão conduzir à conclusão de que certa insolvência foi gerada com culpa do agente, dando origem à qualificação da insolvência como culposa” (cfr. Memorando de enquadramento das propostas de alteração ao Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Direcção-Geral da Política da Justiça, 31 de Agosto de 2011, p. 7).).

Em conformidade com isto, a abertura do incidente passou a estar limitada a dois momentos / duas fases: a fase da declaração de insolvência, com o que se visa abranger os casos em que a conveniência da abertura é visível logo de início, e a fase posterior à junção (e à eventual apreciação) do relatório a que se refere o art. 155.º, com o que se visa abranger os casos em que a conveniência da abertura apenas se torna visível mais tarde.

Presumivelmente, a possibilidade de abertura (ex officio) na primeira fase permitiria cobrir a maioria dos casos que a lei pretendia que fossem cobertos – aqueles em que, como se disse, a conveniência da abertura do incidente é patente ou manifesta. A possibilidade de abertura do incidente na segunda fase parece ser subsidiária ou residual relativamente àquela.

É razoável entender que a letra da lei, colocando a abertura do incidente nesta segunda fase na dependência da iniciativa dos interessados, reflecte a intenção do legislador de limitar, em geral, a abertura do incidente: a abertura ulterior justificar-se-ia na estrita medida em que os interessados se movessem. Corresponde isto a uma clara privatização do incidente de qualificação de insolvência.

É discutível se a opção legislativa é acertada, se deve privatizar-se um incidente em que pontuam, de facto, significativos interesses públicos. E ainda que, em homenagem a estes interesses, se sustente que o juiz deve poder abrir o incidente oficiosamente nesta fase 7 (Cfr., neste sentido, Luís Carvalho Fernandes / João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Lisboa, Quid Juris Editora, 2015 (3.ª edição), pp. 687 e s., e Alexandre de Soveral Martins (Um Curso de Direito da Insolvência, cit., pp. 553-554). A tese apoia-se, principalmente, no seguinte raciocínio: se o juiz tem o poder de abrir o incidente oficiosamente numa fase mais precoce (na fase da prolação da sentença de declaração de insolvência), por maioria de razão deverá poder fazê-lo na fase mais avançada, se o processo apresentar elementos que o justifiquem. Contra Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, Coimbra, Almedina, 2022, p. 177 (nota 538)), parece razoavelmente claro que o incidente não pode ser aberto para lá do prazo de quinze dias fixado no art. 188.º 8 (Cfr., em sentido contrário, por exemplo, Acórdãos do TRP de 9.01.2020, Proc. 991/12.9TYVNG- -D.P1 (Relator: João Venade), de 7.05.2019, Proc. 521/18.9T8AMT-C.P1 (Relator: Rodrigues Pires) e do TRG de 15.03.2018, Proc. 253/16.2T8VNF-D.G1 (Relator: Barroca Penha). Nestes arestos defende-se a possibilidade de abertura do incidente até ao encerramento do processo de insolvência. Veja-se ainda o Acórdão do TRP de 24.03.2020, Proc. 3041/16.2T8VNG-C.P1 (Relatora: Alexandra Pelayo), no qual se afirma que o credor requerer a abertura do incidente mais de três anos após o decurso do processo de insolvência contende com os princípios da confiança e da segurança do direito mas do qual, implicitamente, parece resultar que não é inadmissível que o credor requeira a abertura do incidente mesmo após o encerramento do processo.). O prazo de quinze dias funciona, ao que tudo indica, como prazo-limite absoluto para a abertura do incidente. Ficam, assim, sem cobertura os casos em que os indícios aparecem mais tarde (por exemplo, na fase da liquidação ou aquando da identificação de actos susceptíveis de resolução em benefício da massa).

Contudo, na presente instância de recurso, não é o caso – abertura oficiosa do incidente de qualificação de insolvência culposa, para além dos 15 dias do artigo 188.º do CIRE.

Na verdade, a verdadeira questão que é colocada pelo apelante é se o convite ao aperfeiçoamento à deficiência de não indicação de pessoa a ser declarada afectada pode ser objecto de decisão de aperfeiçoamento.

Nos termos do artigo 186.º do CIRE a Lei fixa quais sejam as hipóteses legais de insolvência culposa. Quando o pedido é feito a impulso do Administrador de Insolvência ou de qualquer outro interessado, deverá ser alegado fundadamente “o que tiver por conveniente para efeito da qualificação da insolvência como culposa e indicar as pessoas que devem ser afetadas por tal qualificação”, artigo 188.º, n.º 1 do CIRE, sublinhado nosso.

Foi precisamente nestas circunstâncias que o credor veio formular pedido de declaração de insolvência culposa.

Ao longo do requerimento inicial alegou que o gerente da insolente incumpriu uma série de deveres e obrigações, tendo feito a sua identificação – p. ex. nos artigos 3.º a 5.º. Imputa a uma pessoa concreta uma série de acções, tal como se pode ver da alegação dos artigos 24.º e 28.º.

Acaba o credor por concluir no seu artigo 37.º o seguinte:

Por tudo quanto foi exposto, constata-se que o sócio-gerente da insolvente:

a) criou e/ou agravou passivos ou prejuízos, ou reduzido lucros, causando, nomeadamente, a celebração pelo devedor de negócios ruinosos em seu proveito ou no de pessoas com eles especialmente relacionadas;

b) Adquiriu mercadorias, revendendo-as ou entregando-as em pagamento por preço sensivelmente inferior ao corrente, antes de satisfeita a obrigação;

c) Exerceu, a coberto da personalidade coletiva da empresa, uma atividade em proveito pessoal, de terceiros e em prejuízo da empresa;

d) Fez do crédito ou dos bens do devedor uso contrário ao interesse deste, em proveito pessoal e de terceiros, designadamente para favorecer outra empresa na qual tem interesse direto ou indireto;

e) Prosseguiu, no seu interesse pessoal e de terceiro, uma exploração deficitária, não obstante saber ou dever saber que esta conduziria com grande probabilidade a uma situação de insolvência;

f) Incumpriu em termos substanciais a obrigação de manter contabilidade organizada, praticando irregularidades com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor;

g) Incumpriu, de forma reiterada, os seus deveres de apresentação e de colaboração previstos no artigo 83.º do CIRE.

Formula a final pedido de declaração de insolvência culposa, sem que aí conste a identificação da pessoa a ser declarada afectada.

Compulsada a peça processual do requerimento inicial, teremos de concluir por a mesma padecer de omissão no pedido, de identificação da pessoa a ser afectada com a declaração de insolvência culposa. É, também, certo que o credor procedeu à sua identificação ao longo da sua alegação factual, tendo-lhe imputado factos e comportamentos concretos.

Claramente, se está perante uma deficiência, que o Tribunal de modo oficioso haveria de suprir, pois que no processo de insolvência impõe-se que o Juiz profira despacho de aperfeiçoamento tendo como finalidade o suprimento das insuficiências ou imprecisões na alegação ou na rectificação de irregularidades dos articulados – artigos 590.º do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 17.º do CIRE.

Impõe-se ao Tribunal o poder dever de o fazer, não estando na sua disponibilidade. O convite ao aperfeiçoamento dos articulados deixou de constituir uma simples possibilidade, um poder, para se assumir como um dever, como um acto vinculado a ser praticado pelo Juiz.

Tendo a M.ma Juíza proferido despacho de aperfeiçoamento, nos termos supra indicados, a prolação de tal convite e o seu cumprimento por parte do credor requerente faz renovar, pelo prazo dado no convite, o prazo inicial do artigo 188.º do CIRE, de 15 dias (no caso foi de 10 dias). Neste sentido Acórdão Tribunal da Relação de Guimarães 3714/17.2T8VNF-A.G1, de 07.12.2017, relatado pelo Des ALCIDES RODRIGUES.

Pelo exposto, improcede, a apelação.


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III DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelo apelante (confrontar artigo 527.º do Código de Processo Civil).


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Sumário nos termos do artigo 663.º, n.º 7 do Código de Processo Civil.

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Porto, 11 de Novembro de 2025

Alberto Taveira

Alexandra Pelayo

Márcia Portela

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[1] O relator escreve de acordo com a “antiga ortografia”, sendo que as partes em itálico são transcrições cuja opção pela “antiga ortografia” ou pelo “Acordo Ortográfico” depende da respectiva autoria.
[2] Seguimos de perto o relatório elaborado pelo Exmo. Senhor Juiz