Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
7396/24.7T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: SÍLVIA SARAIVA
Descritores: CONTRATAÇÃO A TERMO
MOTIVO JUSTIFICATIVO
Nº do Documento: RP202506167396/24.7T8PRT.P1
Data do Acordão: 06/16/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE. ALTERADA A SENTENÇA.
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO SOCIAL
Área Temática: .
Sumário: I - Da análise do corpo e das conclusões do recurso de apelação, verifica-se que a Recorrente indica os pontos de facto que considera incorretamente julgados, bem como a decisão que deverá ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
II - Resulta do motivo para a contratação a termo incerto que os acréscimos excecionais de atividade não são da Ré, mas da cliente da Ré, sendo insuficientes justificações baseadas em riscos normais da atividade empresarial.
III - O recurso a este tipo de contratação não se destina a suprir necessidades temporárias da Recorrente e pelo estrito tempo necessário à sua satisfação, antes visa suprir necessidades permanentes, normais e correntes do seu modelo de negócio e da sua dinâmica.


(Sumário do Acórdão elaborado pela sua relatora nos termos do disposto no artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 7396/24.7T8PRT.P1

Origem: Comarca do Porto, Juízo do Trabalho do Porto – ...

(secção social)

Relatora: Juíza Desembargadora Sílvia Gil Saraiva

Adjuntos: Juiz Desembargador Nelson Nunes Fernandes

Juíza Desembargadora Teresa Sá Lopes

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Recorrente: “A..., S.A.”

Recorrido: AA

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Sumário:

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Acordam os Juízes subscritores deste acórdão da quarta secção, social, do Tribunal da Relação do Porto:


I - RELATÓRIO:

AA (Autor) intentou contra “A..., S.A” (Ré), a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, peticionando o seguinte:

a) Ser declarado que a comunicação remetida pela Ré ao Autor, datada de 21 de setembro de 2023, que lhe informava da caducidade do contrato, configura um despedimento ilícito, nos termos da alínea c) do artigo 381.º do Código do Trabalho, uma vez que a cessação da relação contratual não foi precedida do respetivo procedimento legal, nem se verificou justa causa.

b) Deverá ser declarada a ilicitude do despedimento do Autor e, consequentemente, ser o Autor reintegrado no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, com efeitos reportados a 20 de novembro de 2023.

c) Deverá ser atribuído ao Autor o seu posto de trabalho, com as funções que desempenhou e para as quais foi contratado e efetivamente exerceu, com um horário normal de trabalho de 40 horas semanais e 8 horas diárias, em regime de teletrabalho integral (full remote), e um vencimento mensal base de € 850,00, acrescido do complemento de linha de negócio, do subsídio para despesas, do prémio de desempenho e do subsídio de alimentação, ressalvada posterior atualização.

d) Deverá a Ré ser condenada a pagar ao Autor as retribuições que este deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial que declare a ilicitude do despedimento, nos termos do n.º 1 do artigo 390.º do Código do Trabalho.

e) Ser a Ré condenada no pagamento ao Autor, a título de créditos laborais, da quantia de € 1.563,02, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, até efetivo e integral pagamento, contados desde o vencimento de cada uma das prestações que integram os créditos laborais do Autor, sendo os já vencidos computados no montante de € 435,48.

Em síntese, o Autor alegou ter sido admitida ao serviço da Ré em 21.01.2019, ao abrigo de um contrato de trabalho a termo incerto, em regime de teletrabalho, para exercer as funções de teleoperador (DI).

O contrato de trabalho a termo incerto foi justificado com base nas alíneas f) e g) dos n.ºs 2 e nº 3 do artigo 140.º do Código do Trabalho. A natureza do termo incerto fundamenta-se na prestação de serviços que a Ré mantém com a cliente Airbnb, Inc., a qual acarreta acréscimos excecionais de atividade de duração incerta, que se preveem temporários, visto que a cliente Airbnb tem a possibilidade contratual de aumentar, reduzir ou fazer cessar o volume dos serviços contratados. Consequentemente, a Ré necessita de ter ao seu serviço, por período incerto e temporário, pessoal qualificado.

A Ré utiliza os mesmos contratos de trabalho a termo incerto com dezenas de trabalhadores que operam em Portugal, com a exata justificação baseada nas alíneas f) e g) do nº 2 e nº 3 do artigo 140º do Código do Trabalho e na prestação de serviços que a Ré mantém com a sua cliente Airbnb, Inc. traduzindo-se na celebração de um contrato de adesão.

No dia 21.09.2023, o Autor recebeu uma comunicação escrita da Ré, na qual o informava de que “em virtude e no contexto de termos sido informados da redução do volume dos serviços contratados por parte do nosso cliente Airbnb CX Porto, com a inerente redução da equipa e da quantidade de recursos afetos ao referido projeto, nos termos da Cláusula 3ª, nº 3, e dos considerandos C) e D), do seu contrato de trabalho a termo incerto, celebrado no dia 21 de janeiro de 2019 entre a A... S.A. e V. Exa., vimos pela presente comunicar-lhe que o mesmo caducará no próximo dia 20 de novembro de 2023, data na qual cessará a nossa relação laboral.”

Esta é a mesma comunicação remetida em 14.03.2024 ao teleoperador BB, em 29.08.2023 à trabalhadora teleoperadora CC, em 15.03.2024 à teleoperadora DD e em 21.08.2023 à teleoperadora EE, entre dezenas de outros teleoperadores.

Resulta do motivo para a contratação a termo incerto que os acréscimos excecionais de atividade não são da Ré, mas da cliente da Ré, que adequa o número de trabalhadores de que necessita em função das suas próprias necessidades.

Não se está perante uma necessidade de caráter temporário da Ré ou da sua cliente Airbnb, mas antes da dinâmica do negócio, com os seus riscos e incertezas, o que pressupõe uma análise e estudo prévio do mercado.

Igualmente, não consta do texto do Contrato de trabalho a duração previsível do contrato face às necessidades da cliente Airbnb, o que impede a conclusão pela existência de um nexo causal entre a justificação invocada e a contratação a termo estipulada.

Nos termos das alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 147.º Código do Trabalho, considera-se o contrato em questão configura um contrato de trabalho sem termo. Consequentemente, a comunicação de caducidade do contrato de trabalho é nula por violação de preceitos legais, o que consubstancia um despedimento ilícito por inexistência de fundamento legal válido.

Ao Autor são devidos os proporcionais dos subsídios de férias e de Natal relativo ao ano de 2023, bem como o montante correspondente a horas de formação não facultadas.

A Ré contestou a ação, alegando que o contrato de trabalho indicava a factualidade concreta subjacente à justificação do termo aposto no contrato.

Considera a Ré que, desde o início, foi claro para o Autor que a necessidade da sua contratação estava sujeita a termo incerto. Isto porque o volume e a duração do trabalho implicado no projeto da Cliente Airbnb, com o qual a Ré celebrou contrato de prestação de serviços, não são controlados pela Ré, sendo totalmente incertos para esta, dada a possibilidade de o Cliente “reduzir ou fazer cessar o volume dos serviços contratados”.

Alega ainda a Ré que, no caso sub judice, não lhe foi possível prever, com maior antecedência, quais seriam as necessidades de volume dos serviços contratados pela Airbnb nos anos subsequentes.

Assim, com base neste quadro factual, a Ré defende que a justificação do termo se mostra suficiente e que, por isso, não há lugar à conversão do Contrato em contrato sem termo, nem se deverá considerar-se que a sua cessação, operada pela Ré, se reconduza a um despedimento ilícito, com as inerentes consequências.

A Ré sustenta, igualmente, que, em momento, a lei exigia como requisito de forma para a validade do contrato de trabalho a termo incerto a indicação da duração previsível do contrato. Apenas a partir de 1 de maio de 2023 é que o legislador português passou a exigir que os contratos de trabalho a termo incerto fosse indicassem a sua duração previsível.

Considera ter a Ré ter liquidado ao Autor, com a cessação do contrato de trabalho, todos os créditos laborais emergentes da execução e da cessação do mesmo.

A Ré formulou um pedido reconvencional, solicitando a devolução condicional (no caso de procedência da ação) do valor da compensação paga ao Autor pela caducidade do contrato de trabalho a termo.

O Autor apresentou articulado de resposta à contestação, pugnando pela manutenção do alegado na sede de petição inicial e não se opondo a que se opere a compensação pelo montante pago pela Ré em resultado da caducidade do contrato de trabalho, desde que a Ré demonstre efetivamente ter pago tal quantia ao Autor a esse título.

Com o despacho saneador, os factos alegados pelo Autor nos artigos 1.º a 51.º da resposta foram dados como não escritos.

O pedido reconvencional da Ré foi aceite.

Dispensou-se a prolação do despacho de identificação do objeto do litígio e de enunciação dos temas da prova, e o valor da ação ficou fixado em € 7.633,64.

Realizada a audiência final, foi proferida sentença datada de 10 de dezembro de 2024, que concluiu com a seguinte decisão (dispositivo):

«Tudo visto e nos termos expostos, julga-se a presente ação parcialmente procedente por provada e em consequência considera.se inválida a cláusula de termo aposta no contrato de trabalho celebrado entre as partes, mais se julgando ilícita a comunicação da cessação por caducidade do mesmo contrato de trabalho, que configura, assim, um despedimento ilícito, condenando-se, em conformidade a R. a pagar ao A. a quantia de € 3.909,28 (três mil novecentos e nove euros e vinte e oito cêntimos), aqui já se contemplando o valor a compensar referente ao pedido reconvencional, que se julga procedente, e ainda na quantia de referente às retribuições vencidas desde 16/03/2024 e nas vincendas até ao trânsito em julgado da presente decisão, subtraindo-se o montante a apurar em sede de incidente de liquidação, que o A. tenha auferido, nesse mesmo período temporal a título de retribuição ou de subsídio de desemprego e ainda na quantia de € 1.132,09 (mil cento e trinta e dois euros e nove cêntimos), a título de créditos laborais. Às quantias acima referidas acrescem os respetivos juros de mora, vencidos à taxa legal desde a citação e os vincendos até integral pagamento. Absolve-se a demandada do demais peticionado.

Considerando-se a conduta da demandada descrita na factualidade acima dada como assente como suscetível de configurar a prática de ilícitos contraordenacionais, decorrente da celebração dos contratos de trabalho a termo incerto ali referidos, determina-se que seja extraída certidão da presente decisão e se remeta a mesma aos serviços competentes da ACT para os fins tidos por convenientes.

Fixa-se à ação o valor de € 39.818,56, equivalente ao somatório de todos os pedidos deduzidos pelo A. acrescido do pedido reconvencional – cfr. art. 306º nº 2 do C.P.C.

Custas por ambas as partes na proporção do respetivo decaimento.

Registe e notifique.» (Fim da transcrição)

Desta sentença interpôs a Ré, recurso de apelação visando a sua revogação.

Terminam as suas alegações com as seguintes conclusões:

(…)

O Autor não apresentou contra-alegações ao recurso interposto pela Recorrente.

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A Meritíssima Juíza a quo admitiu o recurso interposto como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo (prestação de caução).

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Recebidos os autos a Exma. Procuradora da República pronunciou-se, em douto parecer, no sentido de o presente recurso não obter provimento.

Em síntese: Quanto à impugnação da matéria de facto pela Ré, considera que a sentença recorrida está bem fundamentada quanto à apreciação crítica que fez da prova, apoiada na prova testemunhal produzida, nas declarações do autor e nos documentos juntos, que soube apreciar e conjugar de forma lógica e coerente, de acordo com observância das regras da experiência e da livre convicção.

Inexiste também erro de julgamento, considerando que tal como consta do contrato de trabalho, o motivo indicado pela Ré para justificar a necessidade de contratar o Autor a termo incerto não é suficiente para que este compreenda e possa verificar a veracidade do mesmo, não sendo possível aperfeiçoar as cláusulas do contrato de trabalho a termo incerto quanto ao motivo justificativo através da produção de outra prova, nomeadamente testemunhal ou junção de documentos, durante a audiência de julgamento ou na contestação, respetivamente.

Pelo exposto, acompanhou na íntegra a conclusão do tribunal recorrido ao considerar que a comunicação da caducidade do trabalho pela ré ao autor é nula, por violação do disposto nos artigos 140º, nº 2 al. f), 141º, nº 1, al. e) e 147º, nº 1, al. b) todos do Código do Trabalho e, em consequência estamos perante um despedimento ilícito.

Por tudo o que vai dito, nada há a censurar à douta sentença recorrida, devendo manter-se na integra, inclusive nos montantes fixados a título de subsídios de férias e de Natal.

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Admitido o recurso neste tribunal e colhidos os vistos, cumpre decidir.

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II - Questões a decidir:

O objeto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente [artigos 635.º, n.º3 e 4, e 639.º, n.ºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, ex vi, artigo 1.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo do Trabalho], por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso e da indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.

As questões a decidir são as seguintes:
A- Da impugnação da matéria de facto dada como provada:
· Aditar à matéria de facto os artigos 10.º, 11.º, 14.º, 15.º e 17.º, bem como os artigos 18.º, 21.º a 28.º, 59.º, 64.º, 65.º, 66.º, 69.º, 60.º, 61.º, 62.º e 63.º da contestação, e, por conseguinte, os factos descritos nas alíneas A) a F) da conclusão 12.ª;
· Retirar da matéria de facto dada como provada e aditar à matéria de facto dada como não provada as alíneas A) e B) da conclusão n.º 7.º;
· Eliminar na matéria de facto dada como não provada o ponto identificado na alínea A) da conclusão 13.ª.
B- Do erro na aplicação do direito:
· Análise do motivo justificativo aposto na contratação a termo certo.
C- Da Incorreção nos créditos salariais:
· Créditos salariais devidos a título de proporcionais do subsídio de Natal.

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III- FUNDAMENTOS DE FACTO:

Matéria de facto dada como provada em primeira instância[1]
1. A Ré exerce a atividade de prestação de serviços de atendimento telefónico a clientes por si angariados e funções de acompanhamento a clientes, inserida no Grupo internacional de empresas denominado Sitel Operating Corporation, inicialmente com a denominação de B..., S.A. e atualmente com a denominação de A... S.A[2].
2. Um dos principais clientes da Ré é a Airbnb, Inc. com sede em ..., ..., United States, que através de plataforma online www.airbnb.com disponibiliza alojamentos para utilização temporária para fins de utilização por turistas.
3. O A. foi admitido para trabalhar por conta e sob a autoridade e direção da Ré, em 21.01.2019, por contrato de trabalho a termo incerto, em regime de teletrabalho, para exercer as funções de teleoperador.
4. As funções desempenhadas pelo A. consistiam em fazer a emissão e atendimento de chamadas telefónicas e de responder a mensagens, através de canais de chat ou através de e-mail, respondendo a dúvidas dos hóspedes e estabelecendo a sua resolução junto do anfitrião, no horário compreendido, atualmente, entre as 00:00 horas e as 24:00 horas, 7 dias por semana, de domingo a sábado para clientes da Ré Airbnb, Inc. em regime de exclusividade de funções.
5. Os mapas com os horários semanais de trabalho eram definidos pela Ré em regime de trabalho em dias da semana, dias feriado, sábados e domingos.
6. O A auferia à data do despedimento a retribuição mensal de € 850,00, acrescida do Complemento Linha de Negócio no valor mensal de € 50,00, do subsídio para despesas pelo valor mensal de € 15,00, do prémio de desempenho, no valor mensal de € 24,19, do subsídio de alimentação pelo valor dia de € 7,17, acrescido do subsídio de férias e do subsídio de Natal em duodécimos.
7. O A. prestava o seu trabalho em regime remoto, a partir da residência.
8. O contrato de trabalho a termo incerto foi justificado da seguinte forma “O presente contrato tem início a 21 de janeiro de 2019 e é celebrado nos termos do art. 140.º, n.º 1, n.º 2 alíneas f) e g) e n.º 3 do Código do Trabalho, tendo a duração necessária para suprir as necessidades temporárias do acréscimo de atividade referido nos Considerandos acima que são parte integrante do presente contrato de trabalho”; o n.º 2 da referida Cláusula esclarece ainda que o contrato “tem como fundamento o acréscimo temporário de atividade da EMPREGADORA, e a necessidade de execução de serviço não duradouro, em virtude da requisição pelo seu cliente AIRBNB, por período indeterminado de tempo, de mais pessoal na realização dos serviços objeto do acordo de prestação de serviços referido nos Considerandos C) e D) acima, serviços do âmbito dos quais o (a) TRABALHADOR(A) desempenhará as funções para as quais é contratado(a), e as quais o referido cliente poderá a todo o momento por termo, o que não permite a contratação do (a) TRABALHADOR(A) ao abrigo de um contrato de trabalho por tempo indeterminado, e sendo por isso o presente contrato celebrado nos termos da alíneas f) e g) do n.º 2 e do n. 3 do art. 140.º do Código do Trabalho”.
9. (…)[3]
10. (…)[4]
11. O contrato de trabalho foi elaborado pela Ré, sem que ao A. fosse dada possibilidade de alterar, aditar ou excluir alguma cláusula do contrato ou de negociar qualquer cláusula do contrato, tendo sido assinado nos exatos termos apresentados pela Ré e sem ter sido explicado o teor das cláusulas que dele constam ao A.
12. A Ré utiliza os mesmos exatos contratos de trabalho a termo incerto com as dezenas de trabalhadores que tem a operar em Portugal e com a mesma justificação.
13. O A. no decurso de dia normal de trabalho foi informado através do Google chat da Ré pelo seu operation manager de que a Ré se encontrava a proceder ao despedimento de funcionários no setor de teletrabalho da cliente AIRBNB onde se inseria o A. e de que o A. também se encontrava abrangido.
14. Foi informado de que receberia uma comunicação por correio eletrónico do departamento Recursos Humanos da Ré, com a comunicação do termo do contrato e os documentos necessários para esse fim.
15. No dia 21.09.2023, o A. recebe comunicação escrita da Ré, na qual o informa de que “em virtude e no contexto de termos sido informados da redução do volume dos serviços contratados por parte do nosso cliente Airbnb CX Porto, com a inerente redução da equipa e da quantidade de recursos afetos ao referido projeto, nos termos da Cláusula 3ª, nº 3, e dos considerandos C) e D), do seu contrato de trabalho a termo incerto, celebrado no dia 21 de janeiro de 2019 entre a A... S.A. e V. Exa., vimos pela presente comunicar-lhe que o mesmo caducará no próximo dia 20 de novembro de 2023, data na qual cessará a nossa relação laboral.”.
16. O Autor encontrou-se em situação de incapacidade temporária para o trabalho, em virtude de doença, pelo menos e de forma continuada e ininterrupta desde 04 de agosto de 2023 até 30 de novembro de 2023.
17. A R. pagou ao A. a quantia de €500,68 a título de proporcionais de subsídio de Natal, pelo trabalho prestado em 2023.
18. Foram ministradas ao Autor, durante a execução do contrato de trabalho, 224,75 horas de formação profissional, a saber: no ano de 2019 foram ministradas 94 horas de formação profissional; no ano de 2020 foram ministradas 80 horas de formação profissional; no ano de 2021 foram ministradas 0 horas de formação profissional; no ano de 2022 foram ministradas 43,75 horas de formação profissional; no ano de 2023 foram ministradas 3 horas de formação profissional.
19. Com a caducidade do contrato de trabalho a termo incerto do Autor, a Ré pagou-lhe a título de compensação pela caducidade do contrato a quantia ilíquida de € 3.286,36 (três mil duzentos e oitenta e seis euros e trinta e seis cêntimos).

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Matéria de facto dada como não provada em primeira instância

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FACTOS NÃO PROVADOS

Com relevo para a decisão de mérito a proferir, os factos que se consideram como não provados, são os seguintes:

(…)[5]

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Da impugnação da decisão de facto:

Os Ónus do Recorrente na Impugnação da Matéria de Facto

Nos termos do n.º 1 do artigo 640.º, do Código de Processo Civil, o Recorrente tem o dever de delimitar o âmbito do recurso, indicando os segmentos da decisão que considera erróneos e especificando a decisão que, no seu entender, deveria ter sido proferida [alíneas a) e c) do n.º 1].

Adicionalmente, deve fundamentar, de forma concludente, as razões da sua discordância, analisando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, na sua perspetiva, justifiquem uma decisão diferente [alínea b) do n.º 1]. Embora estas exigências se refiram à fundamentação do recurso, não se impõe ao recorrente a reprodução integral, nas conclusões, de tudo o que alegou sobre os requisitos previstos no artigo 640.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.

Tratando-se de recurso sobre a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, as conclusões devem indicar os pontos de facto que se consideram incorretamente julgados e que se pretende ver alterados.[6] O Supremo Tribunal de Justiça tem afirmado que, na verificação do cumprimento dos ónus de alegação previstos no artigo 640.º, os aspetos de formais devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade[7]. (negrito nosso)

A Impugnação da Decisão de Facto

A impugnação da decisão de facto não se esgota com a mera discordância do Recorrente face ao decidido, expressa de forma imprecisa, genérica ou descontextualizada, nem na simples reprodução parcial e descontextualizada de excertos de depoimentos. É o apelante, ao impugnar a decisão sobre a matéria de facto, quem se encontra em melhores condições para indicar, fundamentadamente, os eventuais erros de julgamento a esse nível.

Como refere Ana Luísa Geraldes[8], a prova de um facto, por regra, não resulta de um só depoimento ou de parte dele, mas da conjugação e análise crítica de todos os meios de prova produzidos, ponderados globalmente, segundo as regras da lógica, da experiência e, se aplicável, da ciência.

Neste contexto de apreciação global e crítica da prova produzida: «mostra-se facilmente compreensível que se reclame da parte do recorrente a explicitação da sua discordância fundada nos concretos meios probatórios ou pontos de facto que considera incorretamente julgados, ónus que não se compadece com a mera alusão a depoimentos parcelares e sincopados, sem indicação concreta das insuficiências, discrepâncias ou deficiências da apreciação da prova produzida, em confronto com o resultado que pelo Tribunal foi declarado.» (Fim da transcrição)

Impõe-se, portanto, o confronto desses elementos com os restantes que fundamentaram a convicção do Tribunal (e que constam da motivação da decisão), recorrendo-se, se necessário, às demais provas produzidas e documentadas, apontando eventuais disparidades, contradições ou incorreções que afetem a decisão recorrida.

Papel do Tribunal da Relação na Reapreciação da Prova

É hoje jurisprudência pacífica que o objetivo da segunda instância, na apreciação de facto, não é a mera repetição do julgamento, mas sim a deteção e correção de erros de julgamento concretos, específicos, claramente indicados e fundamentados – cfr. o n.º 1, do artigo 662.º, do Código de Processo Civil.

Descarta-se, assim, a tese de que a modificação da decisão sobre a matéria de facto só possa ocorrer em casos de erro manifesto na apreciação dos meios probatórios, ou de que o Tribunal da Relação, tendo em conta os princípios da imediação e da oralidade, não possa contrariar o juízo formulado em 1.ª instância relativamente a meios de prova que foram objeto de livre apreciação.

Princípio da Livre Apreciação da Prova

No nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da livre apreciação da prova, ou da livre convicção, segundo o qual o Tribunal aprecia livremente as provas sem qualquer hierarquização pré-estabelecida e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção formada acerca de cada facto controvertido.

Note-se, ainda, o princípio a observar em casos de dúvida, consagrado no artigo 414.º do Código de Processo Civil, segundo o qual: «a dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita.»

Sem prejuízo da relevância de tais princípios e sem olvidar que o Juiz de 1.ª instância se encontra, pela imediação com a produção da prova, em condições particularmente favoráveis para a apreciação da matéria de facto (condições que, em regra, não se repetem em sede de julgamento no Tribunal da Relação), não há dúvidas de que a opção legislativa consagrada no citado n.º1, do artigo 662.º [e, ainda, nas alíneas a) e b) do n.º 2 do mesmo preceito legal] aponta no sentido de o Tribunal da Relação assumir-se:

«(…) Como verdadeiro tribunal de instância e, por isso, desde que, dentro dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova, encontre motivo para tal, deve introduzir as modificações que se justificarem (…), fica claro que a Relação tem autonomia decisória competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia.»[9] (Fim da transcrição e negrito nosso)

Contudo, como sublinha Ana Luísa Geraldes[10], em «caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida[11], deverá prevalecer a decisão proferida pela 1.ª instância, em observância dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte.» (Fim da transcrição). Mais à frente remata: «O que o controlo de facto em sede de recurso não pode fazer é, sem mais, e infundadamente, aniquilar a livre apreciação da prova do julgador construída dialeticamente na base dos referidos princípios da imediação e da oralidade.» (Fim da transcrição)

Isto significa que, na reapreciação da prova em 2.ª instância, não se procura obter uma nova (e diferente) convicção a todo o custo, mas sim verificar se a convicção expressa pelo Tribunal a quo tem suporte razoável, à luz das regras da experiência comum e da lógica, considerando os elementos probatórios constantes dos autos, e aferir, assim, se houve erro de julgamento na apreciação da prova e na decisão sobre a matéria de facto.

É necessário, em qualquer caso, que os elementos de prova se revelem inequívocos no sentido pretendido pelo Recorrente, impondo, dessa forma, uma decisão diferente da proferida pelo tribunal recorrido – artigo 640º, n.º 1, alínea b), parte final, do Código de Processo Civil.

Assim, compete ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que se baseou a parte impugnada da decisão, tendo em conta o conteúdo das alegações do Recorrente e Recorrido, sem prejuízo de oficiosamente, considerar quaisquer outros elementos probatórios que tenham fundamentado a decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados. Isto enquadra-se no princípio da livre apreciação da prova pelo julgador, previsto no artigo 607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil.

Segundo Miguel Teixeira de Sousa[12]: «Algumas das provas que permitem o julgamento da matéria de facto controvertida e a generalidade daquelas que são produzidas na audiência final (…), estão sujeitas à livre apreciação do Tribunal (…). Esta apreciação baseia-se na prudente convicção do Tribunal sobre a prova produzida (art.º 655.º, n.º 1), ou seja, as regras da ciência e do raciocínio e em máximas da experiência”.» (Fim da transcrição)

Em suma, para que a decisão da 1.ª instância seja alterada, é necessário averiguar se ocorreu alguma anomalia na formação da respetiva “convicção”, designadamente, se na formação da convicção do julgador de 1.ª instância, expressa nas respostas dadas aos factos, foram violadas regras que lhe deviam ter sido subjacentes, nomeadamente as regras da experiência comum, da ciência e da lógica, a conformidade com os meios probatórios produzidos, ou com outros factos dados como assentes.

Não obstante, e apesar de a apreciação em primeira instância ser construída com recurso à imediação e à oralidade, tal não impede à «Relação de formar a sua própria convicção, no gozo pleno do princípio da livre apreciação das provas, tal como a 1.ª instância, sem estar de modo algum limitada pela convicção que serviu de base à decisão recorrida (…). Dito de outra forma, impõe-se à Relação que analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, de modo a apreciar a sua convicção autónoma, que deve ser devidamente fundamentada.»[13] (Fim da transcrição)

Contudo, importa referir que, no contexto do julgamento da matéria de facto, seja ao nível da 1.ª instância, seja na sua reapreciação no Tribunal da Relação, a reconstrução dos factos não persegue uma verdade absoluta ou uma certeza naturalística (própria de outros ramos das ciências), mas sim um grau de certeza empírica e histórica, baseado numa elevada probabilidade.

Como salienta Manuel de Andrade: «a prova não é certeza lógica, mas tão-só um alto grau de probabilidade, suficiente para as necessidades práticas da vida (certeza histórico-empírica).»[14] (Fim da transcrição)

Apreciação dos Pontos Concretos

Feito este enquadramento, cumpre aferir quais os pontos concretos que devem ser apreciados por este Tribunal:

A Recorrente requer o seguinte:
· Aditar à matéria de facto os artigos 10.º, 11.º, 14.º, 15.º e 17.º, bem como os artigos 18.º, 21.º a 28.º, 59.º, 64.º, 65.º, 66.º, 69.º, 60.º, 61.º, 62.º e 63.º da contestação, e, por conseguinte, os factos descritos nas alíneas A) a F) da conclusão 12.ª;
· Retirar da matéria de facto dada como provada e aditar à matéria de facto dada como não provada as alíneas A) e B) da conclusão n.º 7.º;
· Eliminar na matéria de facto dada como não provada o ponto identificado na alínea A) da conclusão 13.ª..

Assim, a Recorrente pretende que sejam retirados da matéria de facto provada e aditada aos factos não provados, os seguintes pontos:

9. O A. desconhece em absoluto que tipo de contrato foi celebrado entre a Ré, sua empregadora e a cliente da Ré AIRBNB e quais as necessidades que se visavam satisfazer por parte da cliente da Ré.

10. Não é dada qualquer informação ao A. das necessidades da cliente da Ré, no sentido do A. puder determinar a duração do seu contrato de trabalho, nem das circunstâncias inerentes à formação do contrato de trabalho.” (Fim da transcrição)

Solicita o aditamento aos factos provados dos factos alegados pela Recorrente nos artigos 18.º, 21.º a 28.º da contestação. Segundo a Recorrente, tal aditamento deveria ter sido efetuado com base no depoimento da testemunha FF, que se revelou bastante claro e preciso na fundamentação e explicação do contrato de prestação de serviços celebrado entre a Recorrente e o Recorrido, bem como do seu impacto na contratação temporária de trabalhadores.

Mais se alega que dos artigos 59.º, 64.º, 65.º, 66.º, 67.º e 69.º da contestação, resulta que a caducidade do contrato de trabalho do Recorrido se deveu ao facto de o cliente Airbnb ter enviado à Recorrente um ficheiro Excel, do qual decorre a necessidade de reduzir a equipa a “Reso 2 – Resolutions”, à qual o Recorrido estava afeto. Refere-se ainda que cada equipa afeta ao Cliente Airbnb possui necessidades e perfis de trabalhadores distintos, não se mostrando possível a alocação do Recorrida a outra equipa – cfr. artigos 60.º, 61.º, 62.º e 63.º da Contestação.

Em consequência, deverão ser aditados aos factos provados os factos descritos nas alíneas A) a F) da conclusão 12.ª.

E, por último, requer que seja eliminado da matéria de facto não provada o seguinte ponto:

Não existiu redução na atividade da cliente Airbnb, cujo fluxo de contratação de alojamento se encontra a aumentar com o arranque da primavera e verão no mercado europeu e asiático, com a consequente necessidade de intervenção de trabalhadores de teleoperador na resolução do também crescente número de incidentes e de problemas cuja resolução é efetuada pelo A. e por outros trabalhadores com igual categoria no elo entre o hóspede e o anfitrião.”

Por seu turno, o Tribunal a quo fundamentou os pontos de facto impugnados da seguinte forma:

«O Tribunal baseou a sua convicção na prova documental junta aos autos, nomeadamente no contrato de trabalho celebrado entre as partes, bem como nos contratos de trabalho celebrados com outros trabalhadores; nos recibos de vencimento e na comunicação remetida pela demandada quanto à sua caducidade. Acrescem ainda os documentos juntos com a contestação e que configuram o registo de assiduidade do A. e ainda os certificados de incapacidade temporária que respeitam à ausência do A. por doença de 04/08/2023 a 20/11/2023. O Tribunal considerou também a declaração remetida pelos serviços sociais competentes quanto ao montante diário que o demandante se encontra a auferir, a título de subsídio de desemprego desde 21/11/2023.

No mais, consideraram-se os depoimentos das seguintes testemunhas:

- FF, disse ter sido coordenadora dos recursos humanos da aqui demandada de Fevereiro de 2021 a 04/10/2024, tendo a seu cargo a gestão dos contratos de apoio operacional; afirmou a testemunha desconhecer como era efetuado o recrutamento dos trabalhadores e especificamente o do aqui demandante, mas confirmou que os clientes da R. têm períodos de grande procura de serviços e outros de baixa procura, oscilando significativamente ao longo do ano, sendo o cliente que determina quantos trabalhadores deveram estar afetos ao seu projeto, daí celebrarem com todos os trabalhadores contratos de trabalho a termo incerto;

- BB, disse ter sido trabalhador por conta da R., tendo ação judicial pendente contra a aqui demandada similar à dos autos e afirmou que apenas conhece o demandante de forma remota, tendo ainda descrito a equipa em que se inseriam e que apenas compreendeu em que consistia um contrato de trabalho a termo incerto quando o seu próprio contrato cessou;

Em sede de declarações de parte o aqui A. descreveu de que forma tomou conhecimento da oferta relativa a este posto de trabalho, como foi efetuado o seu recrutamento e que então lhe asseguraram que o seu contrato de trabalho seria celebrado por um período inicial de 6 anos sujeito a renovação; descreveu ainda de que forma foi subindo na carreira dentro dos vários níveis atribuídos pela R., sendo que a sua remuneração apenas era alterada em função da antiguidade e de que modo lhe foi comunicada a caducidade daquele mesmo vínculo laboral.» (Fim da transcrição)

Cumpre Apreciar e Decidir:

Verifica-se que a Recorrente observou cabalmente os ónus que recaem sobre quem impugna a decisão da matéria de facto, impondo-se, portando, o reexame dos pontos de facto impugnados.

Após análise dos depoimentos colhidos na audiência final, constata-se que a sentença recorrida, sintetizou os aspetos relevantes da prova oral.

Não se vislumbram novos elementos a acrescentar à motivação apresentada pela Meritíssima Juíza a quo.

Com efeito, no tocante à matéria de facto alegada nos artigos 10.º, 11.º, 14.º, 15.º e 17.º da contestação, salvo o devido respeito por opinião em sentido diverso, a mesma encontra-se espelhada nos factos provados nos pontos 3) e 8).

Acresce que não resulta da prova documental produzida, nomeadamente do contrato de trabalho a termo incerto junto aos autos, qualquer outra ilação a extrair, designadamente a do sentido propugnado pela Recorrente.

Perfilha-se, neste contexto, o raciocínio subjacente ao Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20.05.2024, relator: Carlos Gil, Processo n.º 4929/21.0T8MTS-G.P1[15], quando nele se refere:

«(…), antes ainda de entrar no conhecimento da pretendida impugnação da decisão da matéria de facto, importa aferir se o seu conhecimento se reveste de utilidade, pois que é proibida a prática no processo de atos inúteis (artigo 130º do Código de Processo Civil).

Na verdade, a reapreciação da matéria de facto não é um exercício dirigido a todo o custo ao apuramento da verdade afirmada pelo recorrente mas antes e apenas um meio do recorrente poder reverter a seu favor uma decisão jurídica fundada numa certa realidade de facto que lhe é desfavorável e que o recorrente pretende ver reapreciada de modo a que a realidade factual por si sustentada seja acolhida judicialmente.

Logo que faleça a possibilidade de uma qualquer alteração da decisão factual poder ter alguma projeção na decisão da matéria de direito em sentido favorável ao recorrente, deixa de ter justificação a reapreciação requerida, constituindo antes a prática de um ato inútil e, por isso, proibido (veja-se o já citado artigo 130º do Código de Processo Civil).

Importa ainda verificar se toda a matéria cuja impugnação foi requerida pela recorrente se reveste das condições necessárias para poder ser objeto de um juízo probatório, ou seja, se está em causa matéria de facto passível de prova, ou pelo contrário, se na impugnação requerida pela recorrente se inclui matéria conclusiva ou puramente valorativa.

Na nossa perspetiva, é matéria conclusiva toda aquela que não consiste na perceção de uma ocorrência da vida real, trate-se de um facto externo ou interno, mas antes constitui um juízo acerca de certa realidade factual.

Dentro desta matéria conclusiva, devem em nosso entender, distinguir-se os juízos de facto periciais, dos juízos de facto comuns passíveis de serem emitidos por qualquer pessoa com base nos seus conhecimentos.

Os juízos de facto passíveis de ser emitidos por qualquer pessoa com base nos seus próprios conhecimentos devem ser emitidos pelo julgador, no momento em que valora a globalidade da factualidade provada, pois que as testemunhas são chamadas a depor sobre factos e não a emitir opiniões ou juízos.

Esta distinção justifica-se, em nosso entender, porque pode ser objeto de prova pericial a apreciação de factos, quando para tanto sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuam, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objeto de inspeção judicial (artigo 388º do Código Civil).

Assim, é a própria lei substantiva a determinar que a prova pericial pode consistir na emissão de juízos de valor sobre certos factos. Desta configuração substantiva da prova pericial há que, salvo melhor opinião, retirar as necessárias consequências do ponto de vista processual, nomeadamente, no que tange a delimitação do objeto da prova que, em consonância, no que respeita tal meio de prova, não se poderá restringir aos “factos necessitados de prova” (parte final do artigo 410º do Código de Processo Civil), devendo também abarcar a apreciação de factos por peritos, dada a vocação instrumental do direito adjetivo. A não se proceder assim, não se perceberia qual a utilidade probatória da emissão de juízos de valor pelos peritos.» (Fim da transcrição)

Vejamos, então, se, no que se refere à matéria impugnada pela Recorrente, se verifica algum dos obstáculos que acabamos de identificar.

Salvo o devido respeito por opinião diversa, o que a Recorrente pretende, com a impugnação da matéria de facto nos moldes efetuados, é contornar o facto que a aposição do “motivo justificativo” constitui uma formalidade ad substantiam e não ad probationem, como melhor se explicitará adiante.

Como sublinha, a Exma. Procuradora da República no seu parecer:

«Inexiste também erro de julgamento, considerando que tal como consta do contrato de trabalho, o motivo indicado pela Ré para justificar a necessidade de contratar o Autor a termo incerto não é suficiente para que este compreenda e possa verificar a veracidade do mesmo, não sendo possível aperfeiçoar as cláusulas do contrato de trabalho a termo incerto quanto ao motivo justificativo através da produção de outra prova, nomeadamente testemunhal ou junção de documentos, durante a audiência de julgamento ou na contestação, respetivamente.» (Fim da transcrição)

Assim sendo, a alteração da matéria de facto no sentido proposto pela Recorrente nenhuma projeção terá na decisão final; logo, também por esta via (sob pena da prática de atos inúteis), a mesma não será atendida

A Recorrente solicita ainda que os pontos 9) e 10) sejam eliminados dos factos provados e passem a constar dos factos não provados.

Vejamos:

No direito probatório português, os factos provados são afirmações positivas sobre a ocorrência de eventos ou a existência de estados de coisas. O que se prova é a realidade de algo.

Ora, provar que “O Autor desconhece…” ou “Não é dada qualquer informação ao Autor…” são declarações de desconhecimento ou de ausência de informação. Estes não são factos suscetíveis de serem “provados” no sentido de se estabelecer a sua veracidade material em tribunal para efeitos da decisão final.

Na verdade, o desconhecimento é um estado subjetivo que, por si só, não constitui um facto objetivo relevante para a decisão. O que releva é que sejam alegados factos concretos que, se provados, levarão à aplicação de determinada norma jurídica. Desconhecimentos ou ausências de informação, tal como formulados, não são factos instrumentais ou essenciais que possam ser provados para formar a convicção do tribunal sobre a matéria de facto relevante para a decisão do litígio.

Em suma, o Tribunal precisa de saber o que aconteceu, e não o que uma parte desconhece que aconteceu.

Poderíamos, eventualmente, alterar a redação desses factos para o seguinte:
· 9): “Não foi dada qualquer informação ao Autor acerca do tipo de contrato celebrado entre a Ré e a cliente AIRBNB, nem sobre as necessidades que se visavam satisfazer."
· 10): " A Ré não informou o Autor sobre as necessidades da cliente, impossibilitando-o de determinar a duração do seu contrato de trabalho ou de compreender as circunstâncias da sua formação."

Mas o certo é que, mutatis mutandis, tal como se afirmou supra acerca do “motivo justificativo” como sendo uma formalidade ad substantiam, estes dois factos, de igual modo, se mostram irrelevantes e inconsequentes para a matéria em discussão e para o desfecho final da lide.

Assim, opta-se pela sua eliminação da factualidade dada por provada, sem que, todavia, e ao invés do solicitado pela Recorrente, isto signifique que os mesmos venham a integrar a factualidade dada como não provada.

Por último, quanto à eliminação do facto não provado defendido pela Recorrente, verifica-se por parte do Tribunal a quo a total ausência de fundamentação quanto ao motivo de o considerar como não provado.

Tal por si só poderia determinar a baixa do processo ao Tribunal de 1.ª instância para a sua cabal fundamentação, ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Civil.

Todavia, ponderando, por um lado, que tal facto não provado é irrelevante em termos de projeção na decisão final (formalidade ad substantiam versus formalidade ad probationem) e, por outro lado, é a própria Recorrente quem solicita a sua eliminação, optamos, nesta sede, obviando a prática de atos inúteis pela sua eliminação tal como o requerido.

Por esses motivos, julga-se parcialmente procedente a impugnação da matéria de facto.

*


IV - FUNDAMENTOS DE DIREITO:

A sentença recorrida fundamenta a sua decisão nos seguintes pontos:

I – Validade da aposição do motivo justificativo para a contratação a termo certo:
· Começa por transcrever um excerto do Acórdão desta secção social de 05.11.2024 (relator: Nelson Nunes Fernandes), Processo n.º 5373/24.7T8PRT.P1[16], sobre a aplicação da lei no tempo, para concluir que, no caso em apreço, se deve aplicar os artigos 140.º e 141.º do Código do Trabalho, na sua versão vigente à data da celebração do contrato de trabalho em questão.
· Conclui que os requisitos inerentes à inclusão do motivo justificativo e da indicação da duração previsível do contrato já se encontravam claramente previstos.
· Acresce que, tratando-se de uma formalidade ad substantiam, a indicação do motivo justificativo da opção por este modelo contratual tem de constar expressamente do texto do contrato subscrito pelas partes, não sendo suscetível de ser suprida a sua omissão a posteriori mediante a apresentação de outros meios de prova.
· Considera que, analisado o contrato de trabalho celebrado entre as partes, a Ré não faz qualquer menção da duração previsível do contrato, o que, salvo melhor entendimento, determinaria, por si só, a invalidade da cláusula do termo ali aposta.
· Entende ser grave a circunstância de a demandada assentar todo o seu modelo de negócio na celebração com os seus trabalhadores de contratos de trabalho a termo incerto, todos com a mesma justificação.
· Refere que, tratando-se de um contrato de adesão em que as respetivas cláusulas não são suscetíveis de serem negociadas, a demandada tinha um dever acrescido de informação.
· Menciona que a Ré presta serviços para uma empresa internacional e essa empresa adequa os serviços que aquela lhe presta de acordo com as suas necessidades, mas que não são necessidades da demandada propriamente dita. E aqui acrescenta-se que se desconhecem os termos do contrato de prestação de serviços celebrado entre esta empresa terceira e a aqui Ré.
· Sustenta que no contrato de trabalho celebrado entre as partes não se faz sequer qualquer menção ao contrato de prestação de serviços, que vigorava entre a demandada e a cliente terceira, de forma a que o Autor pudesse ter sido informado sobre o motivo subjacente ao seu contrato de trabalho a termo incerto. Pelo que o contrato de trabalho em apreço nos autos não poderá deixar de ser considerado como contrato de trabalho celebrado por tempo indeterminado.

II – Ilicitude do despedimento:
· Concluindo que, ao abrigo do disposto nos artigos 140º, nº 2 al. f), 141º, nº 1, al. e) e 147º, nº 1, al. b) todos do Código do Trabalho, estamos perante uma comunicação de caducidade do contrato de trabalho que se deve considerar nula, por violação destes preceitos legais. E sendo nula a comunicação de caducidade do contrato, também se deve considerar a mesma como constituindo um despedimento ilícito por inexistência de fundamento legal.
· Com as respetivas consequências legais. Pelo que, condena a Ré no pagamento da quantia de € 3.286,36 a título de indemnização pelo despedimento ilícito (após subtração do valor pago pela Ré a título de compensação pela caducidade) e no pagamento dos salários de tramitação até ao trânsito em julgado da presente decisão, a liquidar em execução de sentença.

III- Créditos salariais:
· Condenou a Recorrente na quantia de € 1.132,09 a título de proporcionais de subsídio de férias e de Natal e absolveu-a do pagamento da quantia a título de formação profissional.

*

Importa proceder à análise da correção da solução jurídica adotada.

1 – Erro de Julgamento Quanto à Validade do Contrato de Trabalho a Termo Incerto:

O motivo apresentado para a contratação a termo incerto, conforme consta do facto provado no ponto 8, é o seguinte:

O presente contrato tem início a 21 de janeiro de 2019 e é celebrado nos termos do art. 140.º, n.º 1, n.º 2 alíneas f) e g) e n.º 3 do Código do Trabalho, tendo a duração necessária para suprir as necessidades temporárias do acréscimo de atividade referido nos Considerandos acima que são parte integrante do presente contrato de trabalho”; o n.º 2 da referida Cláusula esclarece ainda que o contrato “tem como fundamento o acréscimo temporário de atividade da EMPREGADORA, e a necessidade de execução de serviço não duradouro, em virtude da requisição pelo seu cliente AIRBNB, por período indeterminado de tempo, de mais pessoal na realização dos serviços objeto do acordo de prestação de serviços referido nos Considerandos C) e D) acima, serviços do âmbito dos quais o (a) TRABALHADOR(A) desempenhará as funções para as quais é contratado(a), e as quais o referido cliente poderá a todo o momento por termo, o que não permite a contratação do (a) TRABALHADOR(A) ao abrigo de um contrato de trabalho por tempo indeterminado, e sendo por isso o presente contrato celebrado nos termos da alíneas f) e g) do n.º 2 e do n. 3 do art. 140.º do Código do Trabalho”.

Como bem se referiu na sentença recorrida, é aplicável in casu os artigos 139.º a 149.º do Código do Trabalho[17], na sua redação anterior à alteração ocorrida ao Código do Trabalho pela Lei n.º 93/2019, de 04 de setembro.

Com efeito, quanto ao âmbito da aplicação da lei no tempo, o artigo 11.º, n.º 4, da Lei n.º 93/2019, de 04 de setembro, dispõe o seguinte:

A redação dada pela Lei n.º 93/2019, não se aplica aos contratos de trabalho a termo resolutivo, no que respeita à sua admissibilidade, renovação e duração, e à renovação dos contratos de trabalho temporário, uns e outros celebrados antes da entrada em vigor da referida lei (artigo 11.º, n.º 4).”

Como é sabido, o regime aplicável à modalidade do contrato de trabalho a termo encontra o seu enquadramento legal nos artigos 139.º e sgs.

Conforme resulta do seu artigo 140.º, n.º 1 (mecanismo imperativo de controlo geral de admissibilidade do contrato a termo), o contrato de trabalho a termo resolutivo só pode[18] (Cláusula Geral) ser celebrado para:
ü A satisfação de necessidades transitórias;
ü E apenas pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades (adequação do termo à satisfação da necessidade invocada).

A destrinça entre o contrato de trabalho a termo certo e incerto reside no facto de que, no primeiro, se sabe antecipadamente o momento em que se verificará o acontecimento que irá determinar o fim do contrato, fixando-se, por isso, a data em que o mesmo terminará. No segundo, apenas se sabe que o facto (termo) que irá determinar o fim do contrato ocorrerá, mas desconhece-se antecipadamente o momento em que isso acontecerá.

Além disso, no contrato de trabalho a termo incerto, o enunciado das situações em que se admite a aposição de termo resolutivo inserto ao contrato de trabalho (artigo 140.º, n.º 3), tem natureza taxativa:

Sem prejuízo do disposto no n.º 1, pode ser celebrado contrato de trabalho a termo incerto em situação referida em qualquer das alíneas a) a c) ou e) a h) do número anterior” (negrito nosso).

Uma das situações de admissibilidade para a celebração de um contrato de trabalho a termo incerto resulta das alíneas f) e g) do n.º 2 do artigo 140.º, que abrangem necessidades de gestão corrente inerentes à atividade empresarial.

Estas disposições legais permitem a contratação de um trabalhador a termo incerto face ao acréscimo excecional de atividade da empresa [n.º 2, alínea f), do artigo 140º] para a execução de uma tarefa ocasional [1.ª parte da alínea g)] ou para a prestação de um serviço determinado, precisamente definido e não duradouro [2.ª parte da alínea g)].

Como sublinha Joana Nunes Vicente[19]:

«(…) À partida, para determinar se um acréscimo reveste caráter excecional, é necessário determinar qual é o nível de atividade normal da empresa. Só poderemos falar de um acréscimo excecional se o pico de atividade contrastar com esse nível normal. Por outro lado, o acréscimo tem de revestir natureza temporária. Essa avaliação terá de ser feita com base nos dados disponíveis no momento da celebração do contrato. Contudo, se ao primeiro acréscimo excecional se suceder outro e após este um terceiro, não se pode afirmar que tenha havido um regresso à atividade normal: a regra passa a ser o nível superior de atividade, falecendo a possibilidade de contratação a termo.

Na alínea g) permite-se igualmente a contratação a termo quando se trata de “execução de tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro”. Atendendo a que a norma apreço alude simultaneamente a tarefa ocasional e serviço determinado, a jurisprudência tem distinguido as duas situações identificando a primeira com um serviço que extrapola a atividade habitual da empresa, isto é, tarefas que não concorrendo diretamente para o fim da empresa, contribuem para a sua prossecução de forma acessória, sendo por isso autónomas e complementares relativamente à atividade propriamente dita; e reconduzindo o serviço determinado àquele que, integrando a atividade da empresa, está individualmente determinado. Pelas características expostas, a tarefa ocasional será de mais fácil apreensão justamente pela autonomia e complementaridade em relação à atividade da empresa. Pense-se na instalação de um serviço informático numa empresa; na instalação de estufas numa empresa agrícola, etc.. Já o serviço determinado suscita maiores dificuldades, atendendo a que integra a atividade da empresa. Contudo, julga-se, para se poder falar de um serviço determinado e não duradouro, o serviço em questão terá de revestir traços de autonomia em relação à atividade dita normal da empresa, pois essa é a característica chave que deve ser tida em conta na mobilização deste fundamento. Não poderá tratar-se pura e simplesmente de mais um serviço que a empresa se vincula a prestar fruto de um novo cliente que angariou e com o qual celebrou um contrato de prestação de serviço não duradouro.» (Fim da transcrição e negrito nosso)

Para além das suas condicionantes de natureza substancial, a excecionalidade da contratação a termo está também formalmente condicionada (artigo 141.º), exigindo, desde logo, a sua redução a escrito[20] e a observância de determinadas formalidades (as indicadas no corpo do n.º 1 do artigo 141.º).

Nos termos do artigo 141.º, n.º 1, alínea e), na redação anterior à alteração ocorrida ao Código do Trabalho pela Lei n.º 93/2019, de 04 de setembro, o contrato de trabalho está sujeito a forma escrita e deve conter: a indicação do termo estipulado e do respetivo motivo justificativo.

Ademais, conforme o disposto no n.º 3 do referido artigo 141.º: “Para efeitos da alínea e) do n.º 1, a indicação do motivo justificativo do termo deve ser feita com menção expressa dos factos que o integram, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado”.

As exigências de forma escrita, de assinatura das partes e da indicação do motivo do termo têm valor ad substantiam, pelo que a sua omissão ou insuficiência determinam a conversão do contrato em contrato por tempo indeterminado [cf. alínea c) do n.º 1 do artigo 147.º]. Por seu turno, as demais exigências formais do contrato têm valor ad probationem, não sendo a validade do contrato afetada pela sua omissão.

Assim, é entendimento pacífico, com vasta jurisprudência e doutrina nesse sentido, que a indicação do motivo justificativo da celebração do contrato a termo constituiu formalidade ad substantiam, devendo obrigatoriamente integrar o texto do contrato.

Consequentemente, a insuficiência dessa justificação não pode ser suprida por outros meios de prova, daí serem irrelevantes os factos que a Recorrente pretendia ver aditados em sede de impugnação da matéria de facto[21].

Retomando o caso concreto:

Antecipando a nossa decisão, concorda-se, no essencial, com o decidido na sentença recorrida.

Ora, salvo o devido respeito por opinião em sentido contrário, o motivo apresentado para a contratação a termo incerto não identifica uma tarefa ou serviço precisamente definido e qualitativamente distinto da atividade normal da Recorrente.

A cláusula da justificação do termo, carece de elementos concretos e objetivos, é vaga e genérica.

Na verdade, é impercetível qual o acréscimo excecional e temporário que se visa suprir, nem qual a sua duração previsível que justifique a adequação da duração do contrato à subsistência da necessidade que o justifica (o nexo de causalidade exigido na parte final do n.º 1 do artigo 140.º).

Acresce que são insuficientes justificações baseadas em riscos normais da atividade empresarial, como a quebra da prestação de serviços pelo cliente Airbnb.

Com efeito, parece resultar do motivo para a contratação a termo incerto que os acréscimos excecionais de atividade não são da Ré, mas da cliente da Ré.

Conforme se menciona no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08.02.2017 (relatora: Paula Santos), Processo n.º 2961.12.8TTLSB.L2.4:

«Fundamentar o termo do contrato apenas na existência de um contrato de prestação de serviços que vincula a entidade utilizadora é insuficiente para se concluir que a tarefa para que o trabalhador é contratado tem caráter temporário[22](Fim da transcrição e com a ressalva que respeita a uma empresa de trabalho temporário)

Nesse sentido, veja-se também o Acórdão desta secção social de 02.07.2012 (relator: Eduardo Petersen Silva), Processo n.º 222/11.9TTGMR.P1:

«A mera celebração entre o empregador e um terceiro, de um contrato de prestação de serviços com natureza temporária não justifica, por si só, que a contratação a termo do trabalhador vise satisfazer uma necessidade temporária do empregador.»[23]

Na verdade, a organização de prestação de serviços para empresas terceiras (principalmente para cliente Airbnb, Inc.) é precisamente o objeto da atividade da Recorrente. Por conseguinte, o risco que assume no âmbito da sua atividade económica passa pela celebração ou não desses contratos de prestação de serviços, com períodos de duração mais ou menos prolongada. O que a Recorrente não pode fazer é, através da contratação na modalidade de contrato de trabalho a termo incerto, passar para os trabalhadores de que necessita para a prossecução da sua atividade económica, o risco inerente à sua atividade normal.

Contratação nessa modalidade que a Recorrente sistematicamente utiliza. De facto, provou-se que:

12. “A Ré utiliza os mesmos exatos contratos de trabalho a termo incerto com as dezenas de trabalhadores que tem a operar em Portugal e com a mesma justificação.”

Assim, é manifesto que o recurso a este tipo de contratação não se destina a suprir necessidades temporárias da Recorrente e pelo estrito tempo necessário à sua satisfação, antes visa suprir necessidades permanentes, normais e correntes do seu modelo de negócio e da sua dinâmica, incluindo os inerentes riscos e incertezas.

Nos termos das alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 147.º, considera-se que o contrato em questão configura um contrato de trabalho sem termo.

Consequentemente, a comunicação de caducidade do contrato de trabalho consubstancia um despedimento ilícito, por desprovido, desde logo, do respetivo procedimento disciplinar [cfr. a alínea c) do artigo 381.º].

Ante o exposto, as conclusões do recurso soçobram, mantendo-se, por conseguinte, a decisão proferida na douta sentença recorrida, nesta parte.

2 – Incorreção nos Créditos Salariais Devidos a Título de Proporcionais do Subsídio de Natal

Alega a Recorrente que o Recorrido viu o seu contrato de trabalho suspenso, nos termos do artigo 296.º, em virtude de uma incapacidade temporária para o trabalho desde 04 de agosto de 2023 até 30 de novembro de 2023. Pelo que, teria de ser aplicada a regra prevista no artigo 263.º, n.º 2, alínea c), de acordo com a qual o montante devido seria apenas de € 500,68, montante esse que foi pago, tal como dado como provado pela sentença a quo.

Vejamos:

Do facto provado no ponto 16), retira-se que o Recorrido se encontrou em situação de incapacidade temporária para o trabalho, em virtude de doença, no período compreendido entre 4 de agosto a 30 de novembro de 2023. Do facto provado no ponto 17), temos que a Recorrente lhe pagou a quantia de € 500,68 a título de proporcionais de subsídio de Natal. Por último, do facto provado no ponto 15), temos que o contrato de trabalho, por iniciativa da Recorrente, cessou no dia 20 de novembro de 2023.

Concorda-se com a Recorrente que, das disposições conjugadas dos artigos 263.º, n.º 2, alínea c) e 296.º, resulta que o valor do subsídio de Natal é proporcional ao tempo de serviço prestado no ano civil, em caso de suspensão de contrato de trabalho por facto respeitante ao trabalhador.

Neste sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 31.03.2022, Processo n.º 6812/20.1T8VNF.G1[24], o qual, partindo da ideia de que o pagamento do subsídio de Natal depende da prestação efetiva de trabalho, decidiu que: «não tendo a autora realizado a prestação a que se obrigou nos meses de julho a setembro de 2020, não estava a ré obrigada a liquidar-lhe o respetivo duodécimo do subsídio de Natal».

Assim, a título de proporcionais de subsídio de Natal, é devido o seguinte valor:

€ 850,00 (retribuição base – artigo 262.º, n.º 1) x 215 (d): 365 (d) = € 500,68.

Nesta conformidade, nesta parte, o recurso da Recorrente tem de proceder, sendo apenas devido a título de créditos salariais a quantia de € 626,60 referente aos proporcionais de subsídio de férias do ano da cessação do contrato de trabalho.

*




V. DECISÃO:

*


Pelo exposto, acordam os juízes desembargadores da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
I) Em julgar parcialmente procedente a impugnação da matéria de facto.
II) Em julgar no mais parcialmente procedente o recurso interposto pela Recorrente e, em consequência, alterar a sentença recorrida, substituindo-a pela seguinte condenação:
· Considera-se inválida a cláusula de termo aposta no contrato de trabalho celebrado entre as partes, julgando ilícita a comunicação da cessação por caducidade do mesmo contrato de trabalho, que configura, assim, um despedimento ilícito.
· Condenando-se, em conformidade, a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 3.909,28 (três mil novecentos e nove euros e vinte e oito cêntimos), a título de indemnização pelo despedimento ilícito, aqui já se contemplando o valor a compensar referente ao pedido reconvencional, que se julga procedente;
· Ao que acresce a quantia referente às retribuições vencidas desde 16 de março de 2024 e nas vincendas até ao trânsito em julgado da presente decisão, subtraindo-se o montante a apurar em sede de incidente de liquidação, que o Autor tenha auferido nesse mesmo período temporal a título de retribuição ou de subsídio de desemprego;
· Condena-se ainda a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 626,60, a título de créditos laborais.
· Às quantias acima referidas acrescem os respetivos juros de mora, vencidos à taxa legal desde a citação e os vincendos até integral pagamento.

Custas na proporção de 90% pela Recorrente (em sede recursiva), com taxa de justiça conforme tabela I-B anexa ao Regulamento Custas Processuais (cfr. artigo 7.º, n.º 2 do Regulamento Custas Processuais).

Valor do recurso: o da ação (artigo 12.º, n.º 2 do Regulamento Custas Processuais).

Notifique e registe.









Porto, 16 de junho de 2025

Sílvia Gil Saraiva (Relatora)

Nelson Nunes Fernandes (1.º Adjunto)

Teresa Sá Lopes (2.ª Adjunta)


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[1] Objeto de transcrição - os factos postos em causa pela Recorrente estão destacados a negrito (e os não provado em itálico).
[2] O Tribunal ad quem oficiosamente enumerou os factos provados e não provados.
[3] Eliminado pelo Tribunal ad quem.
[4] Eliminado pelo Tribunal ad quem.
[5] Eliminado na sequência do deferimento da impugnação da matéria de facto.
[6] Cf., neste sentido, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 03.12.2015 (relator: Melo Lima), Processo n.º 3217/12.12.1TTLSB.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt, e o n.º 12/2023 (relatora: Ana Resende), Processo n.º 8344/17.6T8STB.E1-A.S1 (Recurso para Uniformização de Jurisprudência), publicado no Diário da República n.º 220/2023, I Série, de 13-11-2023, pp. 44.º a 65.º, com a declaração de retificação n.º 35/2023, publicado no Diário da República, I Série, de 28.11.2023, que uniformizou a jurisprudência nestes termos: «Nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações.». Contudo, da leitura da fundamentação depreende-se que, para cumprir os ónus legais, o Recorrente terá sempre de alegar e levar para as conclusões, sob pena de rejeição do recurso, a indicação dos concretos pontos facto que considera incorretamente julgados, conforme o estabelecido na alínea a), do n-º 1, do artigo 640.º do Código de Processo Civil.
[7] Cf., neste sentido, por todos. GERALDES, António Abrantes, PIMENTA, Paulo, e SOUSA, Luís Filipe Pires de, op. citada, p. 822.º, e ainda os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça nele mencionados: de 18.01.2022, Processo n.º 701/19 (relatora: Maria João Vaz Tomé); de 06.05.2021, Processo n.º 618/18 (relator: Nuno Pinto Oliveira); de 11.02.2021, Processo n.º 4279/17 (relatora: Maria da Graça Trigo); de 12.07.2018, Processo n.º 167/11 (relator: Ferreira Pinto) e de 21.03.2018, Processo n.º 5074/15 (relator: Ferreira Pinto), todos disponíveis in www.dgsi.pt.
[8] GERALDES, Ana Luísa, “Impugnação e Reapreciação da Decisão da Matéria de Facto”, in “Estudos em Homenagem ao Professor Doutor José Lebre de Freitas”, I volume, pág. 589 e sgs.
[9] Cf., neste sentido, por todos, GERALDES, António Abrantes, op. cit., pág. 334; e, ainda, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24.09.2013, Processo n.º 1965/04.TBSTB.E1.S1 (relator: Azevedo Ramos), disponível in www.dgsi.pt, comentado por SOUSA, Teixeira, nos Cad. De Direito Privado, n.º 44, pp. 29.º e sgs. ou, ainda, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18.05.2017, Processo n.º 5164/07.0TLSB-B.L1.S1 (relatora: Ana Luísa Geraldes), também disponível in www.dgsi.pt.
[10] Cf., neste sentido, por todos, GERALDES, Ana Luísa, op. cit. Pp. 509.º e 610.º.
[11] Nota: a qual tem de ser reanalisada pela Relação mediante a audição dos respetivos registos fonográficos.
[12] SOUSA, Miguel Teixeira, in “Estudos sobre o novo Código de Processo Civil”, Edições Almedina, S.A, p. 347.º
[13] Cf., neste sentido, SOUSA, Luís Filipe, “Prova Testemunhal”, Edições Almedina, S.A, p. 389.º
[14]ANDRADE, Manuel, in “Noções Elementares de Processo Civil”, 1979, pág. 192; no mesmo sentido, vide, ainda, VARELA, Antunes, in “Manual de Processo Civil”, 2ª edição, pág. 435-436. Dizendo este último Professor: «A prova visa apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto» (Fim da transcrição)
[15] Disponível in www.dgsi.pt.
[16] Disponível in www.dgsi.pt.
[17] Diploma legal a que iremos fazendo referência, sem menção diversa – vide, ainda, o artigo 7.º, n.º 1, do diploma preambular da Lei n.º 07/2009, de 12 de fevereiro.
[18] A expressão “só pode” visa garantir o direito à segurança no emprego plasmado no artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa e o princípio da indeterminação da duração do trabalho.
[19] VICENTE, Joana Nunes, e outros, AMADO, João Leal, ROUXINOL, Milena, SANTOS, Catarina Gomes, e MOREIRA, Teresa Coelho, in “Direito do Trabalho – Relação Individual”, 2019, Edições Almedina, S.A., p. 373.º. e 374.º
[20] A forma escrita constitui uma exceção ao princípio da liberdade de forma previsto no artigo 219.º do Código Civil e artigo 110.º.
[21] Remissão supra.
[22] Disponível in www.dgsi.pt.
[23] Disponível in www.dgsi.pt.
[24] Disponível in www.dgsi.pt.