Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
229/22.0T8AGD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO VENADE
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
RESTITUIÇÃO DO PREÇO
MATERIAIS EMPREGUES
VALOR DEDUTÍVEL
Nº do Documento: RP20241211229/22.0T8AGD.P1
Data do Acordão: 12/11/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Ocorrendo resolução de contrato de empreitada por culpa da empreiteira, o dono da obra tem direito a ver-lhe restituído o valor do preço que pagou.
II - Não sendo, no entanto, possível devolver em espécie os materiais incorporados pela empreiteira na obra efetuada no prédio do dono da obra, este compensa-a pelo valor pecuniário do que a mesma edificou, abatendo no montante do preço já pago à empreiteira ou ficando credores da mesma pela diferença.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 229/22.0T8AGD.P1.

João Venade.

Carlos Portela.

Isabel Rebelo Ferreira.


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1). Relatório.

AA e BB, residentes na Travessa ..., n.º ..., 2.º Dto., Águeda, Aveiro

propuseram contra

A..., Lda., com sede na Praça ..., ..., Águeda

Ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, pedindo a sua condenação no pagamento das seguintes quantias, acrescidas de juros legais desde a data de citação e até integral e efetivo pagamento:

. a) restituição do valor de 14.710 EUR a título de resolução do contrato celebrado com a Ré;

. b) indemnização de 8.894,64 EUR a título de prejuízos patrimoniais decorrentes de responsabilidade contratual.

. c) indemnização de 390 EUR a título de danos não patrimoniais decorrentes de responsabilidade contratual.

O sustento dos pedidos radica no incumprimento pela Ré de contrato de empreitada em que os Autores eram donos de obra e a Ré empreiteira.


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A Ré contestou, negando a sua responsabilidade.

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Dispensou-se a realização de audiência prévia, elaborando-se despacho saneador e fixou-se como:

Objeto de litígio - A responsabilidade contratual da ré com base em incumprimento definitivo do contrato de empreitada celebrado com os autores e como

. temas de prova, saber se:

. os autores celebraram contrato de mútuo como alegado nos arts.º 7º a 10º da p.i.;

. os autores procederam à venda e ao arrendamento como alegado nos arts.º 11º a 13º da p.i.;

. a execução da empreitada sofreu as vicissitudes alegadas nos arts.º 14º a 32º, 39º a 42º, e 50º a 65º da p.i.;

. o contrato de mútuo sofreu as vicissitudes alegadas nos arts.º 33º a 38º da p.i.;

. os autores pagaram os valores alegados nos arts.º 43º a 48º da p.i.;

. os autores sofreram os danos não patrimoniais alegados nos arts.º 114º a 120º da p.i.;

. a primeira tranche do preço da empreitada foi paga à ré no dia 1/9/2020;

. autores e ré acordaram conforme alegado nos arts.º 17º e 18º da contestação;

. os trabalhos realizados pela ré importam no valor de € 17.710,00, como alegado nos arts.º 22º a 24º da contestação


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Realizou-se audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença com o seguinte teor:

Face ao exposto, decide-se julgar a presente ação parcialmente procedente e, em consequência, condena-se a ré a pagar aos autores a quantia de € 11.381,93, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde 22/4/2022, até integral pagamento, indo a ré absolvida do remanescente peticionado.


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Inconformada, recorre a Ré, formulando as seguintes conclusões:

«A) DO ERRO DE JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO

1. DOS FACTOS DADOS COMO PROVADOS EM 15, 16, 19 E 28 E DO FACTO NÃO PROVADO H):

A questão central dos presentes autos prende-se em saber quando foi paga a 1ª tranche do banco à Ré, a fim de apurar qual a data de início da obra e, por consequência, por via do contrato celebrado entre as partes, a data prevista para a conclusão da mesma, a fim de verificar se a Ré incumpriu ou não o contrato de empreitada

Ora, efetivamente, resulta claramente do teor das declarações prestadas pelo gerente da Ré, gravados no dia 16.06.2023, com início nos minutos 12:16 e término aos minutos 13:02, que, efetivamente a 1ª tranche do banco que deveria ter sido entregue à Ré para início da obra, seriam os 25.000,00€ - que os AA nunca chegaram a entregaram à Ré.

De facto, conforme bem referiu o gerente da Ré, o acordado entre as partes foi que os 25.000,00€ do alegado empréstimo para a aquisição do terreno, seriam entregues à Ré, para iniciar a obra.

Aliás, conforme documento nº3 junto com a p.i., os AA. antes da escritura de mútuo com hipoteca para a compra do terreno e construção da moradia, haviam já vendido a fração autónoma de que eram proprietários, pelo preço de 90.000,00€, facto de que deram conhecimento à Ré, fazendo assim crer ao gerente da Ré de que dispunha efetivamente dos 25.000,00€, para a compra do terreno e que, os 25.000,00€ disponibilizados inicialmente pelo banco, seriam para iniciar a construção.

Mais explicou o gerente da Ré que, quando os clientes pedem financiamento para a construção, a primeira tranche para o início da construção resulta da avaliação que o banco faz do terreno, pois que, ainda não existe obra para avaliar. Só as tranches seguintes é que resultam da avaliação da obra realizada no terreno.

O que, de acordo com as regras de experiência comum é de todo compreensível, pois, não é expectável que seja o empreiteiro a financiar a obra do cliente.

Outrossim, se atendermos à escritura de compra e venda, mútuo com hipoteca e documento complementar, celebrado entre os AA e o banco e junto aos autos como documento nº2 da p.i., é referido na cláusula segunda, número um do documento complementar que “O capital mutuado da Parcela do Empréstimo destinado à aquisição de terreno, no montante de Vinte e cinco mil euros, será entregue ao(s) mutuário(s) na data da presente escritura.” E no número dois da mesma cláusula “O capital mutuado da Parcela do Empréstimo destinada à construção, no montante de Cem mil Euros, irá sendo entregue ao(s) mutuário(s) através de crédito da sua conta de depósitos à ordem mencionada na cláusula Quarta, à medida da evolução das obras, verificada por meio de avaliação/vistoria a efetuar pelo BANCO e ainda entrega de Licença de Construção/Obras/Acabamentos/Comunicação Prévia em vigor (caso haja lugar).”

Ora, bem se vê que, conforme aquele documento, a primeira tranche do banco, para o financiamento da obra, só seria por este desbloqueada após o inicio da construção, através de uma avaliação à obra, pelo que, caso o valor disponibilizado pelo banco, alegadamente para financiar a aquisição do terreno, não fosse entregue à Ré, seria a própria Ré a financiar a obra do cliente, pois teria de andar sempre com valores à frente, quer para a compra de materiais quer para o pagamento da mão de obra, o que não é sustentável para as empresas de construção e não o era especificamente para a Ré, que disso alertou claramente os AA.

Outrossim, não se compreende, nem sequer resulta provado nos autos que tenha havido uma qualquer tranche do banco no valor de 800,00€, a que os AA., apelidaram de 1ª tranche.

O que houve sim e resulta provado nos autos é a entrega pelo banco aos AA. da quantia de 25.000,00€ que, conforme o acordado com a Ré, seriam para ser entregues à Ré a fim de esta dar início à construção. O que não foi cumprido pelos AA.

Outrossim, também resulta dos autos que, antes da entrega dos referidos 800,00€, os AA haviam já entregue à Ré, por conta do contrato de empreitada, alguns montantes, que a Ré alocou ao pagamento de projetos, obtenção de licenças, pelo que, nessa conformidade, também se poderiam considerar que aqueles montantes também seriam a 1ª tranche.

Mais, alega a Meritíssima Juiz a quo, para considerar aquela entrega de 800,00€, como a 1ª tranche que . “Acresce que, especificamente quanto ao pagamento referido em 21) dos Factos Provados, para além daqueles meios de prova, releva o próprio facto de constar como data de início da obra, no respectivo Livro de Obra, o dia 12/2/2019, facto este que, se se atentar no teor da Cláusula 13ª do contrato de empreitada, torna bem plausível a data alegada pelos autores como data da entrega à ré do primeiro valor recebido pelo Banco para construção. Data essa sempre referida pelos autores nos e-mails enviados à ré, não havendo registo de resposta desta a infirmar o assim alegado.”

Ora, quanto a este argumento, apraz também dizer que consta igualmente dos autos, como documento nº9 junto com a p.i., a fatura emitida pela Ré, datada de 21.08.2020, no valor de 7.210,00€, com a designação “1 ra quantia libertada pelo banco”, fatura essa que também não sofreu qualquer reclamação pelos AA, o que contraria o fundamento da Meritíssima Juíz a quo.

Pelo que, quer pelos documentos juntos, quer pelas declarações prestada pelo gerente da Ré, quer por uma dedução lógica que resulta das regras da experiência comum, não deveria a Meritíssima juiz a quo ter dado como provado os factos 15, 16, 19 e 28, da forma como os enunciou.

Assim, nos termos do disposto no nº1, alínea c) do artigo 640º do CPC, deverão ser alterados os factos provados indicados nos números 15, 16, 19 e 28, passando a ter a seguinte redação:

15. No dia 31.08.2018, foi disponibilizada pelo Banco a Parcela do Empréstimo que, de acordo com o contrato de mútuo e documento complementar era destinada à aquisição do terreno, no valor de €25.000,00.

19. No dia 21.01.2019, os autores entregaram à ré a quantia de €3.000,00.

28. No dia 1/9/2020 foi disponibilizada pelo banco a 1ª tranche relativa ao empréstimo para a construção, no valor de €7.210,00, que os AA entregaram à Ré.

Como consequência, deverá também dar-se como provado o facto h) dos factos não provados, ou seja:

h) A primeira quantia libertada pelo Banco relativa ao empréstimo para a construção, foi entregue a ré no dia 1/9/2020.

2.

DOS FACTOS NÃO PROVADOS I) E J):

Outra das questões centrais dos presentes autos prende-se em saber se o contrato de empreitada foi rescindido por mútuo acordo entre as partes, ou se, o mesmo foi rescindido unilateralmente pelos AA, por incumprimento da Ré.

Ora, conforme é referido pela Meritíssima Juiz a quo, quer as declarações de parte do gerente da Ré, quer o depoimento da testemunha CC, foram no sentido de que, na última reunião realizada entre a Ré e os AA., estes disseram que já não queriam o contrato e que queriam rescindir o mesmo porque já não queriam construir, apontando também nesse sentido o mail junto como documento nº1 da contestação.

No entanto, considerou a Meritíssima Juíz a quo, que a explicação de que, “aquando do último Alvará de Licença Especial (doc. 8 da p.i.), marcaram uma reunião com a ré, a fim de exigir a indicação de uma data para a conclusão da obra, tendo-lhes, contudo, sido exigido pela ré a assinatura de um novo contrato, para continuar, o que os autores recusaram. E foi aí que os autores propuseram o fecho das contas, porque não queriam perpetuar o impasse a que se tinha chegado” tem mais credibilidade do que a versão da Ré, o que, com o devido respeito, não pode ser aceite pela Recorrente.

Efetivamente, não faz qualquer sentido que, tendo os AA., marcado uma reunião com a Ré, para exigir a indicação de uma data para a conclusão da obra, cujo prazo, segundo a teoria dos AA. já havia expirado e, tendo a Ré exigido para tal a assinatura de um novo contrato, os mesmos tenham-se recusado e proposto o fecho de contas, a fim de não perpetuar o impasse a que haviam chegado, sem contudo rescindir o contrato.

De facto, não faz qualquer sentido que, de acordo com o entendimento dos AA, tendo o prazo previsto no contrato de empreitada celebrado entre as partes, expirado e pretendendo os AA estabelecer um novo prazo com a Ré, não se redigisse, ou um novo contrato, ou pelo menos um aditamento ao mesmo, pelo que, não se percebe como a alegada exigência da Ré na celebração desse novo contrato ou aditamento, poderia ser entendido pelos AA. como um motivo de impasse.

Pelo contrário, a celebração de um novo contrato ou de um aditamento ao anterior, seria sim, uma forma de desbloquear o impasse que efetivamente existia, até porque, para a Ré, o prazo ainda não tinha expirado e para os AA esse prazo já havia expirado, logo, a celebração de um novo contrato ou aditamento ao anterior, seria sim, uma forma de ultrapassar o impasse e não o contrário.

Por outro lado, não se percebe, como pode o pedido de fecho de contas efetuado pelos AA., poder ser encarado como uma intenção de continuação da obra e não como uma intenção de colocar um fim ao contrato.

Efetivamente, ninguém pede o fecho de contas quando quer continuar com o contrato, mas antes quando quer por fim ao mesmo.

E tal resultou também das declarações de parte prestadas pelo A AA, gravado no dia 16.06.2023, com início nos minutos 9:57 e término aos minutos 11:15, o qual, a instâncias da mandatária da Ré afirmou que “(51:24) A partir do momento que não consegue dizer uma data para poder construir eu não consigo trabalhar com essa pessoa, até porque, no fim do contrato, eu teria que pedir um novo empréstimo pagar uma nova escritura, portanto, mediante isso, mediante a minha idade, neste momento tenho 44 anos, mediante isso tudo, nós decidimos que não iríamos mais construir”.

Corroboradas pelo depoimento de parte da A. BB, gravado no dia 16.06.2023, com início nos minutos 11:15 e término aos minutos 12:16, a propósito do mail que havia remetido à Ré após a referida reunião:

Mandatária da Ré:

(44:44) O que é que a senhora retira daqui? Qual é que é a intenção da pessoa que escreve este e-mail? BB: Que não iria efetuar a obra.

Declarações essas que foram também consentâneas com as prestada pelo gerente da Ré, DD, gravado no dia 16.06.2023, com início nos minutos 12:16 e término aos minutos 13:02:

DD: Eles queriam rescindir o contrato. Não estavam interessados em caminhar com a obra. E então eu disse que era melhor fazer um documento e eles até disseram que fazer ou não fazer era igual e eu disse que era melhor fazer o documento.

Efetivamente, no apuramento da vontade real das partes, no quadro da interpretação dos negócios jurídicos, devem seguir-se os critérios fixados nos arts. 236.º a 238.º do CC que constituem directrizes que visam vincular o intérprete a um dos sentidos propiciados pela actividade interpretativa, e o que basicamente se retira do art. 236.º é que, em homenagem aos princípios da protecção da confiança e da segurança do tráfico jurídico, dá-se prioridade, em tese geral, ao ponto de vista do declaratário (receptor).

Ora, conforme ficou claramente demonstrado, quer pelas declarações do Representante Legal da Ré, quer até pelas declarações dos AA., do ponto de vista do declaratário (receptor) – o representante Legal da Ré – a rescisão do contrato de empreitada por perda de interesse por parte dos AA., foi claramente transmitida na reunião realizada pelas partes em julho de 2021 e corroborada pelo e-mail remetido pelos AA à Ré em agosto de 2021.

No entanto, a lei não se basta com o sentido realmente compreendido pelo declaratário (entendimento subjectivo deste) e, por isso, concede primazia àquele que um declaratário normal, típico, colocado na posição do real declaratário, depreenderia (sentido objectivo para o declaratário).

Sendo que, em face do que vem escrito no mail remetido pelos AA à Ré em agosto de 2024: “Tal como informado na reunião apenas queremos vender o projeto uma vez que o mesmo já não é viável para nós depois de três anos.

De qualquer maneira efetue as contas e peça à sua advogada para fazer o documento de rescisão para nós assinar-nos em futura reunião para conclusão do processo.”, qualquer declaratário normal, típico, colocado na posição do real declaratário depreenderia o mesmo que o representante legal da Ré depreendeu, ou seja, que os AA., não queriam continuar com a obra.

Aliás, à própria A., foi pedido esse exercício, de se colocar na posição de um qualquer declaratário, face ao teor daquele e-mail, tendo esta respondido que o que depreendia do mesmo era: “Que não iria efetuar a obra.”

Pelo que, em face de tais declarações dos AA. e não tendo havido qualquer oposição da Ré, que aceitou tal declaração, validamente se celebrou entre as partes um acordo de rescisão do contrato de empreitada.

Outrossim, quando um negócio está validamente celebrado, deve presumir-se que as partes apenas quiseram, com a forma escrita, consolidar o acto, facilitar a sua prova, tornar mais precisas as cláusulas ou qualquer outro efeito análogo, e não substituí-lo por outro.

O que efetivamente aconteceu no caso dos autos.

De facto, as partes chegaram a um acordo na reunião de julho de 2021, quanto à rescisão imediata do contrato de empreitada, no entanto, entendeu a Ré que o referido acordo deveria ser reduzido a escrito, precisamente para consolidar o acto, facilitar a sua prova e tornar mais precisas as cláusulas do mesmo e nomeadamente, para que se efetuasse a liquidação do contrato rescindido, pois essa é até. uma consequência legal da referida rescisão.

Pelo que, ao decidir diversamente, violou a Meritíssima Juíz a quo o disposto nos artigos 236º a 238º do CC.

Assim, nos termos do disposto no nº1, alínea c) do artigo 640º do CPC, deverão ser alterados os factos não provados indicados nas alíneas i) e j), passando a dar-se como provado que:

i) Autores e ré reuniram em Julho de 2021 e acordaram verbalmente efectuar a rescisão mútua do contrato de empreitada, pois que os autores pretendiam vender o terreno com o projecto aprovado.

j) Ficando apenas por apurar o fecho de contas, para que se reduzisse a escrito o acordo de rescisão já verbalmente celebrado entre as partes, que seria assinado em futura reunião.

B)

DO ERRO DE JULGAMENTO DA MATÉRIA DE DIREITO:

1.

DA INDEMNIZAÇÃO POR INCUMPRIMENTO DO CONTRATO:

Ora, desde logo, dando-se como provados os seguintes factos:

28. No dia 1/9/2020 foi disponibilizada pelo banco a 1ª tranche relativa ao empréstimo para a construção, no valor de €7.210,00, que os AA entregaram à Ré.

h) A primeira quantia libertada pelo Banco relativa ao empréstimo para a construção, foi entregue a ré no dia 1/9/2020.

i) Autores e ré reuniram em Julho de 2021 e acordaram verbalmente efectuar a rescisão mútua do contrato de empreitada, pois que os autores pretendiam vender o terreno com o projecto aprovado.

j) Ficando apenas por apurar o fecho de contas, para que se reduzisse a escrito o acordo de rescisão já verbalmente celebrado entre as partes, que seria assinado em futura reunião.

Outra deveria ter sido a decisão da Meritíssima Juiz a quo. Efetivamente,

Tendo resultado como provado que a 1ª quantia libertada pelo Banco foi entregue à Ré no dia 01.09.2020, e que, de acordo com o estipulado no contrato de empreitada, o prazo para a conclusão da obra começou a contar naquela data de 01.09.2020, terminando assim a 01.09.2021;

Mais tendo resultado provado que AA e Ré acordaram em julho de 2021, ou seja, antes do final do prazo para a conclusão da obra, efetuar a rescisão mútua do contrato de empreitada, ficando apenas por apurar o fecho de contas, para que se reduzisse a escrito o acordo verbal de rescisão já celebrado;

Não há lugar a qualquer indemnização a nenhuma das partes por incumprimento do contrato.

Pelo que, deveria a Meritíssima Juiz a quo ter absolvido a Ré de todos os pedidos de indemnização efetuados pelos AA.

Assim, ao decidir de forma diversa violou a Meritíssima Juiz a quo o disposto nos artigos 236º a 238º e 799º todos do CC..

2. DA LIQUIDAÇÃO DO CONTRATO Operada a rescisão do contrato por mútuo acordo e bem assim, ainda que se pudesse considerar que a rescisão foi operada unilateralmente pelos AA., por alegado incumprimento da Ré, o que não se concede, haveria sempre lugar à liquidação, ou seja, à compensação à Ré pelo valor dos materiais e trabalho empregues na obra. Para tal, socorreu-se a Meritíssima Juiz a quo, da prova pericial efetuada nos autos, nomeadamente de dois relatórios periciais, o 1º efetuado em 14.11.2023, o qual, em virtude da reclamação efetuada pela Ré, foi seguido de uma nova perícia em 04.03.2024.

O 1º relatório pericial avaliou a obra efetuada pela Ré e bem assim os projetos inerentes à mesma na quantia de €7.470,05, já o 2º relatório pericial, avaliou a mesma obra e projetos em 13.206,09€, acrescidos de IVA.

Ora, fundamentando-se no facto de não descortinar “razões objectivas para valorar mais um dos referidos relatórios periciais em relação ao outro” foi no valor médio das suas avaliações que fixou a Meritíssima Juiz a quo o valor dos trabalhos realizados pela ré em €10.338,07. Fundamentação esta com a qual não podemos discordar mais! Efetivamente, cabe ao Juiz, de acordo com o disposto no artigo 489º do C.P.C., apreciar livremente ambas as perícias. No entanto, essa liberdade de apreciação da prova está sujeita ao escrutínio da razão, das regras da lógica e da experiência da vida comum, devendo fazer o Juiz uma conscienciosa ponderação entre esses elementos e as circunstâncias do caso concreto. Pelo que, atento este conceito de livre ponderação da prova, não poderia a Meritíssima Juiz a quo, valorar da mesma forma ambos os relatórios, quando, a conclusão dos mesmos é absolutamente díspar! É que, no 1º relatório de 14.11.2023, a obra (incluindo os projetos) foi avaliada pelo Sr. Perito em €7.470,05 (não indicando se já tem IVA incluído ou se é a acrescer) e no relatório pericial de 04.03.2024, a mesma obra (incluindo os projetos) foi avaliada pelo outro Sr. Perito em €13.206,09 + IVA, ou seja, em quase o dobro, sem o IVA!

Ora, esta diferença de valor – quase o dobro - não pode ser entendida como uma mera subjetividade da pessoa (perito) que está a fazer a avaliação, para que se faça, como fez a Meritíssima Juiz a quo, um apuramento do valor médio entre os 2 relatórios.

Outrossim, resultam dos documentos juntos aos autos, elementos que permitem concluir que o relatório pericial efetuado em 14.11.2023, não é consentâneo com a realidade.

Efetivamente, conforme resulta do e-mail de fls. junto aos autos com a reclamação ao 1º relatório pericial, no dia 21.08.2020, o banco, após vistoria efetuada à obra realizada pela Ré, disponibilizou a quantia de €7.210,00.

O que significa que, à data da vistoria efetuada pelo banco a obra realizada pela Ré já tinha o valor de €7.210,00, e refira-se que, nessa avaliação não estão, naturalmente, incluídos os projetos.

Sendo que, conforme se pode verificar pelo Livro de Obra junto aos autos com a P.I., como documento nº5, até à avaliação do banco, só se encontrava iniciada a escavação relativa às sapatas P21,P22,P23 e P24.

Ora, se até ao início da escavação daquelas 4 sapatas o banco já havia avaliado a obra em €7.210,00€, como é que, após a escavação das restantes sapatas, que, conforme livro de obra, foram pelo menos mais 10, após a execução das vigas de fundação e pilares, incluindo betão c20/2 e seu fabrico, o transporte e aplicação por intermédio de bombagem, a execução das armaduras em aço a400nr, incluindo cortes, dobras e amarrações, a cofragem em solho tosco e a descofragem, a avaliação poderia ser de € 7.470,05 – incluindo os projetos!

Ora, efetivamente, mal andou a Meritíssima Juiz a quo, ao valorar da mesma forma os referidos relatórios, quando, não só o valor do mesmos é totalmente díspar, como o valor apresentado no 1º relatório é contraditório com os demais elementos juntos aos autos e bem assim, atendendo-se só ao referido relatório de 14.11.2023, se pode verificar que o mesmo é obscuro, deficiente em termos de elementos e de fundamentação, não apresentando os valores especificadamente para cada um dos materiais gastos em obra e por fim, nem sequer indica se o valor atribuído já inclui o IVA ou não.

De forma diversa, é apresentado o Relatório Pericial de 04.03.2024, o qual, apresenta as medições e cálculo estimado dos trabalhos, com a especificação das quantidades e valor dos diferentes materiais aplicados e bem assim a forma como foram obtidos os preços dos materiais e mão-de-obra para o ano de 2021, sendo que, o valor final apresentado é consentâneo com a restante prova produzida nos autos. Pelo que, fazendo uma conscienciosa ponderação entre as regras da lógica e da experiência comum e bem assim dos elementos do caso concreto, deveria a Meritíssima Juiz a quo, ter valorizado como meio de prova o relatório pericial apresentado em 04.03.2024, em detrimento do relatório pericial apresentado em 14.11.2023, fixando o valor dos trabalhos realizados pela ré em €13.206,09 + IVA, ou seja €16.243,49.

E, nessa conformidade, tendo em conta que o valor pago pelos AA. à Ré foi de €17.710,00, com IVA incluído, conforme demonstram as faturas juntas aos autos com a petição inicial, a diferença entre o que foi pago pelos AA. e o trabalho executado pela Ré é de apenas €1.466,51. Nesta conformidade e ante tudo quanto exposto, concretamente quanto às violações de normas jurídicas previstas nos artigos 236º a 238 e 799º todos do C.C. e 489º do CPC impõe-se revogar a douta decisão proferida pelo tribunal a quo e julgar como improcedentes todos os pedidos de indemnização efetuados pelos AA., condenando-se apenas a Ré no pagamento da diferença entre o valor pago pelos AA e o valor efetivamente gasto em obra, ou seja €1.466,51.».


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Os Autores contra-alegaram, pugnando pela manutenção do decidido.

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As questões a decidir são:

. apreciação da matéria de facto, incidente sobre a data concreta prevista para de início de execução da obra, celebração de acordo de rescisão entre as partes;

. mora da Ré, enquanto empreiteira, no cumprimento do contrato;

. incumprimento definitivo do mesmo contrato, gerador da sua resolução;

. valor da obra efetuada pela Ré.


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2). Fundamentação.

2.1). De facto.

Foram julgados provados os seguintes factos:

«1. No dia 3/11/2017, os autores, na qualidade de donos da obra, celebraram com a ré, na qualidade de empreiteira, um “Contrato de Empreitada”, cuja cópia está junta como doc. 1 da p.i., e que aqui se dá por reproduzido.

2. Em tal contrato, a ré obrigou-se a elaborar o projecto de uma moradia unifamiliar, bem como a executar o alvoramento da mesma, como todos os acabamentos (chave na mão).

3. Foi acordado que o preço da empreitada, incluindo o projecto, era de € 94.000,00 com IVA incluído.

4. Nos termos das Cláusulas 7ª e 8ª do contrato, o primeiro pagamento, no valor de € 1.000,00, deveria ser feito aquando da assinatura do contrato, e o pagamento da quantia restante deveria ser feita mediante os valores disponibilizados pelo Banco.

5. As partes acordaram que os trabalhos de realização da obra seriam para começar após a entrega da primeira tranche do Banco, tendo a obra a duração de 12 meses a contar da data da entrega dessa tranche.

6. Os autores celebraram, em 31/8/2018, contrato de “Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca”, pelo qual compraram, pelo preço de € 25.000,00, o terreno para construção da moradia a construir pela ré, e contraíram um empréstimo junto do “Banco 1..., S.A.”, para a aquisição e construção no referido prédio, no valor de € 125.000,00, € 25.000,00 dos quais usaram na compra do terreno, e destinando-se os restantes € 100.000,00 à construção da moradia – cfr. doc. 2 da p.i., que aqui se dá por reproduzido.

7. Nos termos do contratado com o banco, o capital mutuado da parcela do empréstimo destinada à construção (€ 100.000,00), seria entregue aos mutuários através de crédito da sua conta de depósitos à ordem, à medida da evolução das obras, verificada por meio de avaliação/vistoria a efectuar pelo Banco, e ainda, entrega de licença de construção/obras/acabamentos/comunicação prévia em vigor (caso houvesse lugar).

8. Nos termos contratados com o banco, as obras deveriam estar concluídas no prazo máximo de 2 anos a contar da data da celebração do referido contrato de mútuo, ou seja, até 31/8/2020.

9. Ainda nos termos contratados com o banco, a libertação da última tranche do empréstimo ficava condicionada à realização, a pedido e a expensas dos mutuários, de uma vistoria final, que deveria comprovar a conclusão das obras, à entrega ao Banco da competente licença de habitação/utilização e ao averbamento da conclusão da construção/obra quer na Repartição de Finanças, quer na Conservatória do Registo Predial.

10. Aquando da celebração do contrato de empreitada com a ré, os autores habitavam num apartamento próprio, relativamente ao qual se encontravam a pagar empréstimo bancário.

11. Com o intuito de não manter dois créditos bancários ao mesmo tempo, e tendo em conta o prazo previsto no contrato de empreitada para a conclusão da obra, os autores venderam o seu apartamento, em 27/12/2017, e arrendaram outro para habitar até que as obras estivessem concluídas – cfr. docs. 3 e 4 da p.i., que aqui se dão por reproduzidos.

12. Os autores venderam o seu apartamento próprio no pressuposto de que os custos de arrendamento a suportar durariam, no máximo, dois anos.

13. No momento da assinatura do contrato de empreitada, e conforme estipulado na Cláusula 7ª do mesmo, os autores realizaram o pagamento de € 1.000,00 à ré através de cheque.

14. No dia 3/7/2018, os autores entregaram à ré a quantia de € 1.500,00, por esta solicitada para elaboração dos projetos das especialidades.

15. No dia 31/8/2018, foi disponibilizada a primeira tranche do Banco aos autores, no valor global de € 25.800,00.

16. Do valor dessa primeira tranche, € 25.000,00 destinaram-se à compra do terreno.

17. O Alvará de Licenciamento de Obras de Construção nº ..., referente à obra em questão, foi emitido no dia 11/12/2018, com prazo para a conclusão das obras de 11/6/2020 – cfr. doc. 5 da p.i.

18. Os autores pagaram a quantia de € 1.717,90 pelo referido Alvará.

19. No dia 21/1/2019, os autores entregaram à ré a quantia de € 3.000,00, sendo € 800,00 da primeira tranche disponibilizada pelo Banco, e € 2.200,00 de capitais próprios dos autores.

20. O Livro de Obra respeitante à obra em questão foi aberto em 11/12/2018.

21. Consta do mesmo, como data de “iniciação dos trabalhos”, o dia 12/2/2019.

22. Em 4/11/2019, entrou nova Diretora de Obra, a qual consignou que a obra se encontrava parada, no seguinte estado:

Montagem estaleiro efetuada;

Vedação da obra efetuada;

Marcação da obra efetuada;

Armadura de sapatas em execução.

23. A obra permaneceu parada até 4/7/2020, data em que, conforme o Livro de Obra, teve lugar o “início decapagem terreno e movimentação de terras”.

24. Como a obra não foi concluída no prazo previsto no Alvará de Licenciamento de Obras, foi necessário requerer a prorrogação do mesmo, a qual veio a ser, em 8/5/2020, concedida por mais 9 meses, com termo em 11/3/2021, e pela qual os autores pagaram a quantia de € 50,00.

25. No dia 24/6/2020, a pedido da ré, os autores pagaram a esta a quantia de € 5.000,00, de capitais próprios, através de transferência bancária.

26. No dia 31/8/2020, foi atingido o prazo-limite de 2 anos estabelecido no contrato de mútuo celebrado entre os autores e o “Banco 1...”.

27. Pelo que, não estando a obra concluída, os autores pediram uma prorrogação do referido prazo junto do Banco, a qual foi concedida por prazo não concretamente apurado.

28. Nessa altura, foi ainda disponibilizada pelo Banco uma tranche de € 7.210,00, que os autores entregaram à ré no dia 1/9/2020.

29. Chegado ao termo do prazo prorrogado junto do Banco, as obras ainda não se encontravam concluídas.

30. No final do prazo prorrogado do Alvará de Licenciamento de Obras, os autores foram informados de que só era admissível segunda prorrogação para acabamentos de obra, e, como a obra estava longe de se encontrar nessa fase, tiveram que pedir um Alvará de Licenciamento Especial para Obras Inacabadas, o qual foi emitido em 1/7/2021, com prazo para conclusão das obras de 30/6/2026 – cfr. doc. 8 da p.i.

31. Do valor global que lhe foi entregue pelos autores, de € 17.710,00, a ré apenas faturou o valor total de € 17.210,00 – cfr. doc. 9 da p.i.

32. Por requerimento de 6/11/2019, o autor requereu junto da C.M. ... a substituição do Diretor Técnico da Obra, requerimento esse pelo qual pagou a quantia de € 25,00.

33. Pela instalação da ligação do ramal da B..., os autores pagaram a quantia de € 492,00.

34. Pelo fornecimento de energia elétrica ao local da obra, entre Setembro de 2020 e Dezembro de 2021, os autores pagaram a quantia total de € 407,64.

35. A obra encontra-se parada desde, pelo menos, Outubro de 2020, não mais tendo a ré voltado à mesma.

36. Os autores, ao longo do tempo, foram advertindo a ré relativamente aos atrasos da obra, e quanto às possíveis consequências dos mesmos, quer quanto ao Alvará, quer quanto ao contrato de mútuo, quer quanto ao contrato de arrendamento – cfr. docs 13, 14, 15, 16, 17 e 18, que aqui se dão por reproduzidos.

37. Por carta registada com A/R, datada de 1/9/2021, e recebida pela ré a 10/9/2021, os autores, através do respectivo Mandatário, comunicaram à ré o seguinte: “(…) somos a informar que os N/ Constituintes pretendem resolver o contrato de empreitada realizado com V/ Exas. a 03 de novembro de 2017, com os fundamentos que a seguir se expõem.

O contrato de empreitada foi celebrado entre os N/ Constituintes e V/ Exas. pelo valor de 94.000,00€ com IVA incluído, que compreendia a elaboração de um projeto de uma moradia unifamiliar e o alvoramento do mesmo com todos os acabamentos da referida moradia unifamiliar (ou seja, chave na mão), cfr. cláusulas 1ª, 2ª e 6ª do contrato de empreitada.

Relativamente ao momento do pagamento do valor mencionado, as partes acordaram que, no momento da assinatura do contrato, os N/ Constituintes (donos da obra) pagariam 1000,00€ e que o pagamento da quantia restante seria feito mediante os valores disponibilizados pelo Banco, cfr. cláusulas 7ª e 8ª do contrato de empreitada.

Sendo que V/ Exas. se obrigaram a começar a obra referida no contrato após a entrega da primeira tranche do Banco e no prazo máximo de 12 meses a contar da data da entrega dessa primeira tranche.

Acontece que, como é do conhecimento de V/ Exas., os N/ Constituintes realizaram, no momento da assinatura do contrato, o pagamento de 1000,00€ (cheque nº …) tendo, depois disso, disponibilizado a V/ Exas.: 1) no dia 3 de julho de 2018, através de transferência bancária, o valor de 1.500,00€ proveniente de numerários próprios solicitados por V/ Exa, a título de projetos de elaboração das especialidades; 2) no dia 21 de janeiro de 2019, através do cheque nº (…) do Banco 2..., o valor de 3.000,00€ (800,00€ correspondentes à primeira tranche disponibilizada pelo Banco e 2.200,00€ provenientes de numerários próprios); 3) no dia 24 de junho de 2020, através de transferência bancária, o valor de 5.000,00€ proveniente de numerários próprios; e 4) no dia 1 de setembro de 2020, através do cheque nº (…) do Banco 1..., o valor de 7.210,00 (disponibilizado pelo Banco, após os N/ Constituintes terem feito pedido para alargamento do prazo do crédito).

Ou seja, em suma, os N/ Constituintes entregaram a V/ Exas. o valor total de 17.710,00, sendo que 8.010,00€ correspondem a valores disponibilizados pelo Banco, provenientes do crédito bancário e 9.700€ correspondem a numerários próprios dos N/ Constituintes (1000,00€ acordados no contrato a entregar no momento da sua celebração e 8.700,00€ entregues em sinal de boa-fé para que V/ Exas. tivessem mais verba para dar seguimento mais célere à obra).

Atendendo ao acordado no contrato outorgado por V/ Exas., tendo sido disponibilizada a primeira tranche do banco a 21 de janeiro de 2019, a obra teria de estar concluída, no máximo, até ao dia 21 de janeiro de 2020.

No entanto, decorrido mais de um ano e meio da data prevista para conclusão dos trabalhos, a obra continua inacabada, e com muito pouca evolução desde a data em que iniciaram os trabalhos, encontrando-se apenas realizadas parte das fundações, e, atualmente, completamente parada e abandonada desde setembro de 2020 até à presente data, tanto que se encontram por concluir os restantes trabalhos.

Obrigando-se V/ Exas. a concluir a obra no prazo inicialmente estipulado, o certo é que incumpriram o contrato, mesmo depois de terem sido interpelados várias vezes até ao dia 2(?) de janeiro de 2020 no sentido de o prazo estar a terminar e, depois disso, tendo terminado o prazo, os N/ Constituintes ainda toleraram o V/ incumprimento durante mais de um ano e meio na esperança de que V. Exas. cumprissem as promessas que iam fazendo no sentido de concluir a obra.

Chegados a este momento, tendo ultrapassado todos os prazos fixados e o limite razoável da tolerância para a conclusão da obra, informamos que V/ Exas. tem o prazo de 2 (dois) meses para concluir a obra nos termos acordados, ou seja, terminar os trabalhos que se encontram por realizar para além da parte das fundações que se encontra efetuada, sob pena de se verificar o incumprimento definitivo do contrato de empreitada e a sua consequente resolução, nos termos do art. 808º do Código Civil, para e com os necessários e advindos efeitos legais” – cfr. doc. 19 da p.i.

38. Para além de não ter havido qualquer desenvolvimento da obra, a ré não respondeu aos autores.

39. Pelo que, por carta registada com A/R, datada de 14/12/2021, recebida pela ré a 21/12/2021, os autores, através do seu Mandatário, comunicaram à ré que: “(…) findo o prazo de 2 (dois) meses que foi concedido a V. Exas. em carta registada c/ AR datada de 01 de setembro de 2021 e recebida por V/ Exas. a 10 de setembro de 2021 (…), sem que a obra tenha sido concluída ou tenha havido qualquer desenvolvimento da mesma até ao momento, e sem que V. Exas. se tenham dignado a prestar qualquer informação sobre a paralisação dos trabalhos, somos a informar que, infelizmente, se verifica o incumprimento definitivo do contrato de empreitada e a sua consequente resolução, nos termos do art.º 808º do Código Civil, para e com os necessários e advindos efeitos legais” – cfr. doc. 20 da p.i.

40. Os trabalhos realizados pela ré na obra foram avaliados entre € 7.470,05 e € 13.206,09, cfr. relatórios periciais juntos em 14/11/2023 e 4/3/2024, que aqui se dão por reproduzidos.

41. Os autores mantiveram o arrendamento referido em 11) até data não concretamente apurada do ano de 2021, pagando a renda mensal acordada de € 330,00.

42. Os autores ficaram dececionados por não terem conseguido cumprir o objectivo da construção da moradia dos seus sonhos.

43. Sentem-se, por isso, cansados, nervosos, tristes e desgostosos, por verem desmoronar-se tudo quanto idealizaram através da construção daquela moradia.

44. Os trabalhos realizados pela ré na obra consistem na montagem do estaleiro, decapagem do terreno e movimentação de terras, e escavação até ao nível da cave, abertura de caboucos para execução de fundações, execução de sapatas isoladas, vigas de fundação e pilares, conforme descrito nos relatórios periciais juntos aos autos.

45. O autor enviou e-mail de 2/8/2021 à ré, comunicando que “conforme combinado na nossa última reunião, agradeço o envio do fecho de contas”.

46. Ao que a ré respondeu, por e-mail de 3/8/2021: “Depois da reunião com os Senhores, foi comunicado à Advogada da empresa e a mesma solicitou com exigência de uma carta registada com Aviso de Receção, com a rescisão do contrato, uma vez que o mesmo ainda se encontra em vigor.

Após o recebimento da vossa carta, é analisado o conteúdo da mesma e enviado as contas e outras situações”.

47. Por e-mail de 4/8/2021, a autora comunicou à ré que: “Sinto muito que mais uma vez tenham obtido resposta um mês depois da nossa reunião e depois de sermos mais uma vez nós a contactá-lo.

Não sei a que contrato a sua advogada se refere pois que o que tenho em minhas mãos tinha a duração de um ano depois da 1.ª tranche do banco e se o valor não foi o esperado posso afirmar que já passou também um ano da segunda tranche. E se o contrato se encontra ainda válido porque a insistência por sua parte em fazer um contrato novo?

Tal como informado na reunião apenas queremos vender o projeto uma vez que o mesmo já não é viável para nós depois de três anos.

De qualquer maneira efetue as contas e peça à sua advogada para fazer o documento de rescisão para nós assinar-nos em futura reunião para conclusão do processo”.».

E resultaram não provados:

«a) A prorrogação referida em 27) dos Factos Provados foi de 9 meses, terminando em 31/5/2021.

b) Em 31/5/2021, os autores pediram ao Banco uma segunda prorrogação do prazo-limite para conclusão da obra.

c) No entanto, não só nunca tiveram resposta por parte do Banco, como automaticamente começaram a ser descontadas as prestações aos autores.

d) Neste momento, a única operação bancária viável para os autores, neste âmbito, consiste em os mesmos avançarem com um novo pedido de aprovação inicial e pagamento de novas escrituras.

e) A ré teve um total de gastos com a obra nunca superior a € 3.000,00.

f) Os autores mantinham-se no apartamento arrendado à data da propositura da Acão.

g) Os autores idealizavam ter filhos logo a seguir à ida para a nova casa, local onde teriam condições e espaço para brincar e ter uma infância mais feliz.

h) A primeira quantia libertada pelo Banco foi entregue a ré no dia 1/9/2020.

i) Autores e ré reuniram em Julho de 2021 e acordaram verbalmente efetuar a rescisão mútua do contrato de empreitada, pois que os autores pretendiam vender o terreno com o projeto aprovado.

j) Ficando apenas por apurar o fecho de contas, para que se reduzisse a escrito o acordo de rescisão já verbalmente celebrado entre as partes, que seria assinado em futura reunião.

k) A quantia de € 17.710,00 corresponde ao valor gasto pela ré com a elaboração de projetos, e com os trabalhos feitos na obra.».


*

2.2). Do mérito do recurso.

A). Impugnação da matéria de facto.

Facto provado 15.

No dia 31/8/2018, foi disponibilizada a primeira tranche do Banco aos Autores, no valor global de 25.800 EUR.

Facto provado 16.

Do valor dessa primeira tranche, 25 000 EUR destinaram-se à compra do terreno.

A recorrente pretende que o facto 15 tenha a seguinte redação:

No dia 31/08/2018, foi disponibilizada pelo Banco a parcela do empréstimo que, de acordo com o contrato de mútuo e documento complementar era destinada à aquisição do terreno, no valor de 25.000 EUR.

Ou seja, a recorrente, por um lado, limita-se a agregar no facto 15 o que resulta nos factos 15 e 16 – entrega de primeira tranche de empréstimo pela entidade bancária aos Autores, destinada à compra de terreno, com o valor de 25 000 EUR -. Não vemos assim que haja qualquer pedido efetivo de alteração nesta parte.

Por outro lado, argumenta que os 25 000 EUR seriam para lhe ser entregues mas esta factualidade não está retratada nem no facto 15 nem no 16, nem sequer é pedido que integre estes factos.

Deste modo, não se procede a qualquer alteração aos factos 15 e 16.


*

Facto provado 19.

No dia 21/1/2019, os Autores entregaram à Ré a quantia de 3 000 EUR, sendo 800 EUR da primeira tranche disponibilizada pelo Banco, e 2 200 EUR de capitais próprios dos Autores.

A recorrente pretende que passe a ter a seguinte redação:

No dia 21/01/2019, os Autores entregaram à Ré a quantia de 3 000 EUR.

Se bem percebemos, a recorrente entende que não há prova que os 800 EUR provinham de empréstimo bancário. Analisaremos esta questão infra, em conjunto com outra factualidade.


*

Facto provado 28 e não provado H).

26. No dia 31/8/2020, foi atingido o prazo-limite de 2 anos estabelecido no contrato de mútuo celebrado entre os autores e o “Banco 1...”.

27. Pelo que, não estando a obra concluída, os autores pediram uma prorrogação do referido prazo junto do Banco, a qual foi concedida por prazo não concretamente apurado.

28). Nessa altura, foi ainda disponibilizada pelo Banco uma tranche de € 7.210,00, que os autores entregaram à ré no dia 1/9/2020.

H) A primeira quantia libertada pelo Banco foi entregue a ré no dia 1/9/2020.

A recorrente pretende que passe a ter a seguinte redação:

No dia 1/9/2020 foi disponibilizada pelo banco a 1ª tranche relativa ao empréstimo para a construção, no valor de €7.210,00, que os AA entregaram à Ré (o que engloba a prova da factualidade da alínea h), dos factos não provados, com redação idêntica a esta proposta de redação).

Ou seja, a recorrente pretende que se dê como provado que a 1.ª tranche do empréstimo solicitado pelos Autores só foi entregue a estes pelo Banco em 01/09/2020 e depois entregue à recorrente na mesma data.

Sobre esta matéria, o tribunal recorrido afirmou que:

«Ouvido em declarações e depoimento de parte, o gerente da ré, DD, pouco soube esclarecer quanto aos valores parcelares pagos e respetivas datas, e mesmo quanto à faturação, relegando tal questão para o departamento contabilístico da empresa. Assim, admitido que está o valor global pago pelos autores, os pagamentos parcelares foram considerados provados com base nas declarações de parte dos autores, que souberam concretizar o tempo e modo dos pagamentos efetuados, conjugadas com a prova documental, designadamente, a Cláusula 7ª do contrato de empreitada, os talões multibanco juntos no doc. 9 da p.i., e o teor dos e-mails enviados pelos autores à ré, com expressa referência aos pagamentos e respetivas datas, sem que se mostre junta qualquer resposta da ré a refutar essas referências. Acresce que, especificamente quanto ao pagamento referido em 21) dos Factos Provados, para além daqueles meios de prova, releva o próprio facto de constar como data de início da obra, no respetivo Livro de Obra, o dia 12/2/2019, facto este que, se se atentar no teor da Cláusula 13ª do contrato de empreitada, torna bem plausível a data alegada pelos autores como data da entrega à ré do primeiro valor recebido pelo Banco para construção. Data essa sempre referida pelos autores nos e-mails enviados à ré, não havendo registo de resposta desta a infirmar o assim alegado. E, tendo em conta o teor da Cláusula 13ª do contrato de empreitada, e a importância que daí decorre para a data do início da obra, afigura-se-nos como altamente improvável que a ré consignasse como data de início dos trabalhos uma data (muito) anterior à do recebimento da 1ª tranche, que, contratualmente, marcava o início da contagem do prazo para conclusão da obra a seu cargo.».

Concordamos com esta análise, onde certamente se faz menção ao pagamento inscrito no facto 19 e não no facto 21.

O sustento da recorrente, na suas alegações de recurso, nesta parte, assenta exclusivamente no documento n.º 9 junto com a p.i., a saber, a fatura emitida pela Ré, datada de 21.08.2020, no valor de 7.210,00€, com a designação “1 ra quantia libertada pelo banco”, fatura essa que também não sofreu qualquer reclamação pelos AA; porém, está em causa um documento emitido pela Ré, com a data de 21/08/2020, ou seja, desde logo antes da alegada entrega da 1.ª tranche, nas palavras da recorrente, ocorrida em 01/09/2020, o que acaba por não fazer muito sentido. Desse documento não se pode retirar que esteja em causa a 1.ª tranche do dito empréstimo pois será a versão escrita da visão da Ré/recorrente. Bastaria que a recorrente se socorresse de documentos bancários (se estivessem nos autos, a seu pedido por exemplo), para se saber quando foi entregue aquela primeira parcela do empréstimo. No entanto, pelo teor do documento em questão, não se pode concluir que tenha sido em 01/09/2020 que ocorreu aquela entrega.

No mail de 21/02/2019, enviado pelos Autores à Ré (documento n.º 13, junto com a petição inicial) refere-se a entrega de 800 EUR em 21/01/2019, valor esse já recebido pelos Autores em setembro de 2018, fazendo-se menção a que se envia anexo a comprová-lo, não havendo resposta da Ré, por exemplo, no sentido de que não foi enviado tal anexo ou que não receberam o valor em tal data.

De acordo com o alegado na petição inicial, a referida entrega pelo Banco teria ocorrido em 31/08/2018 (artigo 17.º), justificando os Autores a entrega, à Ré, de 800 EUR em janeiro de 2019 por estarem a aguardar a obtenção de licença, ocorrida em 11/12/2018, conforme documento n.º 6, também junto com a petição inicial.

A questão da dilação de entrega de 800 EUR entre dezembro de 2018 e janeiro de 2019 não faz parte da impugnação de facto, sendo ainda certo (como menciona o tribunal recorrido) que não existe, nos autos, qualquer resposta da Ré a negar o recebimento naquela data de janeiro de 2019 nem que a tranche não teria o valor de 800 EUR.

A obra começou depois de 21/01/2019 conforme consta do competente livro de obra (documento n.º 6, junto com a petição inicial, sob a epígrafe «iniciação dos trabalhos), em 12/02/2019, tendo o livro sido aberto na data em que foi concedida a licença de construção (11/12/2018).

Ou seja, ambas as partes consideraram estar reunidos os pressupostos para se iniciar a construção – obtenção de licença e pagamento de 1.ª parcela do empréstimo, conforme (2.ª) cláusula 13.ª (entrega de tranche) já que o início de construção só pode ocorrer após obtenção da competente licença.

Assim, não vemos que se possa considerar que, quando a própria Ré entendeu que podia iniciar a obra, ainda não estivesse reunido aquele pressuposto de entrega daquele valor. E, de todo o modo, mesmo de acordo com o alegado pela Ré, fica sem qualquer explicação que, tendo a entrega da 1.ª tranche alegadamente ocorrido em 01/09/2020, a obra tenha tido andamento pelo menos entre 04/07/2020 a 05/08/2020 sem o recebimento de qualquer tranche pela mesma, conforme consta do livro de obra. Faz mais sentido, para nós, que, tendo havido um recebimento (ainda que diminuto) em janeiro de 2019, a obra se iniciasse cerca de vinte dias depois, do que entender que a obra se inicia em fevereiro de 2019 e, depois de um período de paragem, volta a reiniciar, ainda antes do dito recebimento (01/09/2020).

Deste modo, pelo mencionado pelo Autor em julgamento, pelos documentos acima referidos e pelo que se verifica que foi o desenrolar da obra, não vemos motivo para alterar a matéria de facto em análise, pelo que improcede esta argumentação.


*

Factos não provados I) e J).

i) Autores e Ré reuniram em julho de 2021 e acordaram verbalmente efetuar a rescisão mútua do contrato de empreitada, pois que os Autores pretendiam vender o terreno com o projeto aprovado.

j) Ficando apenas por apurar o fecho de contas, para que se reduzisse a escrito o acordo de rescisão já verbalmente celebrado entre as partes, que seria assinado em futura reunião.

A recorrente pretende que passem a ser considerados provados.

O tribunal recorrido afirmou que:

«Quanto às alíneas i) e j), a prova produzida não permite concluir pelo alegado acordo de rescisão. Em declarações de parte do gerente da ré, e do depoimento da testemunha CC, foi referido que, na última reunião tida com os autores, estes disseram que já não queriam o contrato, e que queriam rescindir o mesmo, porque já não queriam construir. Nesse sentido também aponta o e-mail junto como doc. 1 da contestação. Os autores, contudo, explicaram que, aquando do último Alvará de Licença Especial (doc. 8 da p.i.), marcaram uma reunião com a ré, a fim de exigir a indicação de uma data para a conclusão da obra, tendo-lhes, contudo, sido exigido pela ré a assinatura de um novo contrato, para continuar, o que os autores recusaram. E foi aí que os autores propuseram o fecho das contas, porque não queriam perpetuar o impasse a que se tinha chegado. Ora, visto o e-mail dos autores, de 4/8/2021, e vista o anterior e-mail de ré de 3/8/2021, é evidente que as partes não chegaram a qualquer acordo para rescisão do contrato. O que a ré propôs, no seu e-mail, aos autores foi que estes lhe entregassem uma carta de rescisão, a qual seria, depois, objeito de análise pela ré. Carta essa que nunca chegou a ser enviada, tendo-se seguido as cartas da interpelação da ré para terminar a obra, e depois, a resolver o contrato. Ou seja, não se pode considerar ter havido o mútuo acordo nesse sentido, pese embora terem havido negociações – goradas – nesse sentido.».

Concordamos na íntegra com esta ponderação. Se a Ré exige uma carta de rescisão, a conselho da sua advogada, para que o contrato cesse, então é porque se pretendia a formalização, por escrito, da cessação do contrato. Até a mesma ocorrer, de acordo com a própria vontade da Ré/empreiteira, o contrato não tinha cessado por acordo nem por vontade do dono da obra, como aliás consta do mail da Ré de 03/08/2021, junto com a contestação.

E a resposta dos Autores é no sentido de a Ré trazer o documento para se assinar, sendo que sempre seria necessário fazer contas. Se estas (a incidirem sobre o que ainda poderia estar em dívida pelos Autores ou se estes afinal eram credores por o custo dos trabalhos realizados ser inferior ao montante adiantado pelos donos de obra) eram calculadas como pressuposto da rescisão ou só depois da rescisão, é algo que também não se prova. As partes, ouvidas em julgamento, têm perspetivas diferentes – Autores entendem que primeiro tinham de ser apresentadas as contas mas a Ré menciona que após rescisão, as contas seriam efetuadas -. Na verdade, ouvida a produção de prova (gravação de péssima qualidade, tornando praticamente inaudível todos os depoimentos em virtude de um ruído que abafa quase completamente o que é falado), corroboramos a visão do tribunal recorrido.

O Autor menciona que a Ré pretendia a celebração de um novo contrato (ao que a testemunha CC, engenheira responsável pelo projeto de especialidades, se referiu como um aditamento) mas que tal não era por si pretendido, querendo que as contas se fizessem, negando sempre a celebração de acordo de rescisão.

O legal representante da Ré acabou por produzir um depoimento em que o que ressalta é que ficou convencido que os Autores não tinham interesse em continuar a obra e que, depois da reunião, não foi mais contactado pelos Autores; mas a certeza de que houve acordo de rescisão, para nós, nunca poderá resultar deste seu depoimento em que se visou apenas referir qual a sua impressão perante a leitura do teor do mail e não que tenha havido um aperto de mãos no sentido de se rescindir o contrato, só faltando a sua formalização por escrito.

O depoimento da indicada CC foi interessado, sempre procurando afirmar que os Autores queriam rescindir mas tendo dificuldade em admitir (como pensamos que não admitiu) que afinal a Ré estaria a aguardar pela carta de rescisão para apresentar contas e que, como não foi apresentada tal carta, as contas também não foram efetuadas.

Deste modo, mantém-se a não prova desta factualidade.


*

2.2). Do direito.

1). Do contrato.

As partes celebraram entre si, em 03/11/2017, um contrato de empreitada, como tal denominado, através do qual a Ré se obrigou a construir, a favor dos Autores, uma moradia, contrato assim enquadrável no artigo 1207.º, do C. C., o que não mereceu qualquer dúvidas nos autos.

1.1). Do início do contrato.

Nos termos da cláusula 13.ª do contrato (em rigor a 14.ª, uma vez que há repetição de duas cláusulas 13.ª), a obra deveria iniciar-se após a data de entrega aos Autores da primeira prestação do empréstimo bancário solicitado por aqueles, sendo que os Autores tinham a obrigação de a entregar à Ré (cláusula 9.ª).

Está provado que essa entrega dos Autores à Ré ocorreu em 21/01/2019 (facto 19), pelo que a obra deveria iniciar-se nessa data; em concreto, a obra iniciou-se em 12/02/2019, data que é a que consta do livro de obra como sendo a de início dos trabalhos.

Assim, aquele prazo previsional de começo da obra aquando da entrega da primeira tranche do referido empréstimo acaba por se concretizar vinte e dois dias depois; ou seja, não há qualquer consequência na dinâmica do contrato em se ter previsto que a obra deveria iniciar-se naquela data de 21/01/2019 mas afinal se ter iniciado naquele período temporal posterior. Não há consequência não só por não estar prevista contratualmente como também por os donos da obra (Autores) não a terem invocado como sustento de qualquer das suas pretensões. O que sustenta os seus pedidos é a falta de conclusão da obra no prazo de um ano, seja contado de 21/01/2019 seja desde o início efetivo da obra (12/02/2019).

Não há qualquer facto de onde se possa retirar que os donos da obra não aceitaram o início da obra em 12/02/2019 pelo que conformaram-se com aquele (diga-se, ligeiro) atraso no início do acordado; assim a data de conclusão da obra deve reportar-se a esse efetivo início. De outro modo, os Autores, aceitando essa data, se viessem agora afirmar que afinal não a aceitavam, incorreriam em abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium (artigo 334.º, do C. C.).

Assente assim que a obra deveria estar concluída em 12/02/2020, como se denota dos factos provados 23 a 28 e 35, tal não sucedeu, nem nessa data nem em qualquer outra.

1.2). Do fim do contrato.

Atingida aquela data de 12/02/2020, verifica-se que:

. em 24/06/2020, a pedido da Ré, os Autores pagaram a esta 5 000 EUR (facto 25);

. em 31/08/2020, foi atingido o prazo-limite de dois anos estabelecido no contrato de mútuo celebrado entre os autores e a entidade bancária, tendo sido pedida prorrogação do prazo, a qual foi concedida por prazo não apurado (factos 26 e 27);

. foi disponibilizada uma tranche aos Autores, no valor de 7 210 EUR que os mesmos entregaram à Ré em 01/09/2020 (facto 28);

. no termo do prazo prorrogado, as obras não se encontravam concluídas (facto 29);

. no final do prazo prorrogado do alvará de licenciamento de obras, os Autores tiveram que pedir um alvará de licenciamento especial para obras inacabadas, o qual foi emitido em 01/07/2021, com prazo para conclusão das obras de 30/6/2026 (facto 30);

. a obra encontra-se parada, pelo menos, desde outubro de 2020, não mais tendo a ré voltado à mesma (facto 35).

. os Autores, ao longo do tempo, foram advertindo a Ré relativamente aos atrasos da obra, e quanto às possíveis consequências dos mesmos (facto 36).

Consta-se assim que, tendo a Ré entrado em mora a partir de 12/02/2020 e admitindo-se que, a partir dessa data, ainda houve desenvolvimentos na construção (o que ressalta do livro de obra) e aceitação pelos dono da obra no prosseguimento dos trabalhos, o certo é que está provado que a partir de outubro de 2020 a obra parou e a Ré não regressou à mesma.

Não se pode concluir que tenha havido abandono da obra pela Ré pois não há notícia de terem sido retirados materiais ou máquinas que demonstrassem inequivocamente que a Ré já não pretendia cumprir o contrato (e assim, corretamente, nem partes nem tribunal recorrido o entendem), nem a Ré o declarou expressamente; por isso, para cessar o contrato, em atraso na execução por parte da Ré, teria de ocorrer alguma situação que demonstrasse que havia incumprimento definitivo ou impossibilidade de cumprimento do mesmo, no caso, imputável à Ré.

E foi o que sucedeu quando os Autores interpelaram a Ré para cumprir o contrato, conferindo um prazo de dois meses para a sua conclusão, sob pena de se considerar resolvido o contrato de empreitada, o que foi efetuado por carta registada com a/r de 01/09/2021, recebida em 10/09/2021 (facto 37).

A Ré não respondeu a tal missiva nem continuou os trabalhos (factos 38); daí que, por carta registada com a/r de 14/12/2021, recebida pela Ré, os Autores declararam que, findos aqueles dois meses, consideravam resolvido o contrato em questão (facto 39).

Ou seja, usando da interpelação admonitória (artigo 808.º, n.º 1, 2.ª parte, do C. C.), os Autores transformaram a mora da Ré em incumprimento definitivo. Como se sabe, este artigo dispõe que se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação. Ora, no caso concreto, sabemos que o acordado pela Ré foi elaborar o projeto de uma moradia unifamiliar, bem como a executar o alvoramento da mesma, como todos os acabamentos (chave na mão) – facto 2 -.

E também sabemos que a obra, atualmente, tem os seguintes trabalhos realizados:

. montagem do estaleiro, decapagem do terreno e movimentação de terras, escavação até ao nível da cave, abertura de caboucos para execução de fundações, execução de sapatas isoladas, vigas de fundação e pilares – facto 44 -.

Ora, para se ultrapassar esta fase de fundações, levantamento de paredes, colocação de janelas, trabalhos da várias especialidades, até a obra estar pronta a ser entregue, dois meses de conclusão é um prazo que não se pode considerar razoável.

No entanto, por um lado, na nossa visão, poderia interpretar-se essa interpelação como se estando a conceder o prazo de dois meses para se retomar a execução da obra e depois, caso houvesse esse reinício, logo se atenderia ao prazo que seria necessário, com acordo, ou não, para concluir a obra. Se houvesse acordo, o contrato manter-se-ia e obra prosseguia; se não houvesse, teria de se analisar, eventualmente em sede judicial, se esse novo prazo de conclusão de obra tinha de ser considerado adequado e, por isso, o contrato se mantinha ou se, pelo contrário, havia motivo para cessar o contrato por incumprimento da Ré.

No caso, a Ré nem sequer respondeu pelo que, mesmo entendendo que o prazo de dois meses seria um prazo para se retomarem as obras (sabendo-se que poderia ser necessário comprar material, alocar mão-de-obra que poderia estar ocupada noutro serviço), o certo é que, pela falta de resposta, o atraso converteu-se em incumprimento definitivo pois de um simples atraso passou-se para o não se reassumir o contrato num prazo razoável.

Admite-se que possa não ser a solução mais económica pois estar a interpelar-se para o cumprimento para depois se aguardar pelo cumprimento de novo prazo, acaba por retardar os efeitos da interpelação; no entanto, não vemos óbice legal a que a parte entenda que pretende apenas que a contraparte reinicie a obra, aguardando que, caso nem essa parte do cumprimento seja efetuado, conclua que há então incumprimento definitivo. Se a lei permite que se advirta o contraente para cumprir na totalidade, não vislumbramos impedimento em que o a outra parte peça menos do que a lei permite (em sentido contrário, Ac. R. L. de 11/05/2023, processo n.º 27124/19.8T8LSB.L1-2, www.dgsi.pt: VI – Em princípio, não é permitido ao dono da obra intimar o empreiteiro, nomeadamente quando este estiver em mora, para iniciar ou reiniciar os trabalhos em determinada data ou dentro de certo prazo).

Mas, por outro lado, atendendo a que:

. a obra estava parada desde outubro de 2020, sem justificação provada por parte da Ré;

. cerca de um ano depois, após envio de carta a solicitar a conclusão/retomada dos serviços, a empreiteira nem sequer responde, já ultrapassado o prazo inicial em quase dois anos (12/02/2020 a dezembro de 2021), pensamos que está demonstrada a falta de interesse objetivo (artigo 808.º, n.º 1, 1.ª parte, do C. C.) em os Autores prosseguirem a obra com Ré. Esta, sem demonstrar qualquer motivo para que não cumpra o prazo (assim não afastando a culpa que se presume ser sua – artigo 799.º, n.º 1, do C. C.), deixando de trabalhar na obra, há cerca de um ano, também sem justificação, faz com que qualquer dono da obra tenha o direito de perder o interesse na continuação do contrato com aquele sujeito contratual, sob pena de poder estar não só a eternizar uma demora para a qual não contribuiu como estar a aguardar por uma parte que se remeteu ao silêncio, demonstrando assim, nenhuma disponibilidade para reatar a execução dos trabalhos parados.

A Ré procurou afastar a sua responsabilidade ao alegar que o contrato só se iniciaria em 01/09/2020 mas tal não se provou.

Procurou ainda demonstrar que teria havido um acordo de rescisão do contrato para eventualmente afastar a sua responsabilização, acordo que igualmente não resultou provado.

Conclui-se assim que o contrato de empreitada celebrado entre Autores e Ré cessou em 21/12/2021 (data de recebimento, pela Ré, da carta de resolução conforme consta do documento n.º 20, junto com a petição inicial).


*

2). Dos danos com o incumprimento.

Atingida a conclusão de que o contrato está definitivamente incumprido, por culpa da Ré/empreiteira, e assim foi validamente resolvido, assiste ao dono da obra/Autores direito ao ressarcimento de danos (artigo 801.º, n.º 2, do C. C.).

No caso concreto, a Ré/recorrente discorda da sua condenação no pagamento das quantias sob dois prismas:

a). o prazo de obra iniciou-se posteriormente à data alegada e existiu acordo de rescisão do contrato entre as partes, pelo que não houve incumprimento;

b). o tribunal deveria ter atendido ao valor constante do segundo relatório pericial para se operar a restituição de valores advinda da resolução contratual, o que significa que o valor em dívida por é de 1 466,51 EUR (diferença entre o pago pelo pelos Autores e o trabalho pro si realizado).

O referido em a) já foi por nós afastado.

Quanto ao mencionado em b), o tribunal recorrido optou por verter nos factos o teor dos relatórios periciais juntos aos autos e depois, em sede de fundamentação jurídica, definir qual o valor dos serviços efetuados pela Ré, optando pelo valor médio dos dois relatórios, para daí concluir qual o valor em dívida pela mesma Ré.

Na nossa opinião, teria sido mais curial definir, em termos de factos provados, qual o valor da obra realizada pela Ré para depois, em sede de fundamentação jurídica, apenas nos debruçarmos sobre se esse valor já factualmente apurado deveria ou não ser analisado e em que termos.

Como houve aquela opção do tribunal recorrido, teremos agora de aferir qual o valor que deve ser atendido para se concretizarem os efeitos da resolução – restituição do que tiver sido prestado –. No caso, uma vez que é impossível restituir material incorporado no solo sem o destruir, efetua-se a restituição comparando os valores do que foi pago pelos Autores e o serviço realizado pela Ré pois este último será pertença dos mesmos Autores – artigos 433.º, 289.º, n.º 1, 1212.º, n.º 2, do C. C. - para depois se concluir quem é o credor e o devedor de modo a se igualarem as prestações -.[1]

O tribunal recorrido mencionou que:

. Da prova produzida, resultou que os trabalhos realizados pela ré (incluindo os projetos) foram avaliados entre € 7.470,05 (relatório pericial de 14/11/2023) e € 13.206,09 (relatório pericial de 4/3/2024). Não se descortinando razões objetivas para valorar mais um dos referidos relatórios periciais em relação ao outro, será no valor médio das suas avaliações que se deverá fixar o valor dos trabalhos realizados pela ré: € 10.338,07.

Ora, desde logo estamos impedidos de optar pelos valores constantes do relatório pericial de 14/11/2023 pois este alcança um valor inferior das obras realizadas pela Ré àquele que foi encontrado pelo tribunal recorrido (7 470,05 EUR e 10 338,07 EUR, respetivamente), o que iria prejudicar a recorrente (teria de pagar mais valor aos recorridos por o que tinha efetuado ser ainda de menor valor do que aquele que resultou provado), algo que não é permitido (proibição de reformatio in peius, constante do artigo 635.º, n.º 5, do C. P. C..

A questão é então aferir se o segundo relatório deve ser atendido na totalidade ou se deve o valor aí constante ser reduzido, em comparação com o valor obtido no primeiro relatório.

O relatório pericial encontra-se bem fundamentado, expressamente consignando que foram atendidos valores de mercado à data de 2021 (data de cessação do contrato), com enumeração concisa e pormenorizada dos trabalhos que se visualizaram, com indicação dos respetivos valores.

Nos autos não foi questionado, de qualquer modo, este relatório pericial; e a mais relevante diferença com o relatório de 2023 é a referente ao valor de honorários – 1.500 EUR no de 2023, 3.745 EUR no de 2024 -.

Ora, está provado que os autores entregaram à Ré 1 500 EUR para pagamento de honorários para elaboração dos projetos das especialidades (facto 14) pelo que é este o valor a atender, independentemente de perícia sobre esse valor pois houve acordo entre as partes quanto ao mesmo. Assim, nesta parcela, atender-se-á ao valor de 1.500 EUR. (ou seja, uma diferença de 2.245 EUR em relação ao relatório pericial de 2024).

É certo que no último relatório que consta dos autos se faz menção a que a obra realizada pela Ré pode ter defeitos (ponto 2) – falta de aplicação de betão, falta de construção de sapatas contínuas, construção de viga de fundação onde deveria estar uma sapata, construção de muro de tijolo onde deveria estar muro de betão -; tais situações podem redundar na desvalorização destes trabalhos atenta a falta de qualidade e/ou conformidade com o projeto. [2]Porém, esta matéria não foi alegada pelos Autores (como exceção visando a redução do valor do que foi construído pela Ré) nem se mostra provada, pelo que não pode ser aqui atendida.

Deste modo, temos como ponderado aceitar que a Ré levantou obra (incluindo honorários por projetos) no valor de 10.961,09 EUR (13.206,09 EUR– 2.245 EUR), a que tem de acrescer o I. V. A, à taxa de 23%[3], que seria devido pelos Autores, a entregar pela Ré ao Estado, no valor arredondado de 2.521 EUR, o que perfaz o total de 13.482 (também arredondado, por defeito) que os Autores fazem seus; por seu turno, os Autores pagaram à Ré 17.710 EUR, pelo que são ainda credores da Ré no montante de 4.228 EUR.

É este o valor por que deve a Ré ser condenada a restituir aos Autores.

No que respeita às outras parcelas da quantia final a pagar pela Ré, não são objeto de recurso.

Conclui-se assim pela parcial procedência do presente recurso.


*

3). Decisão.

Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o presente recurso e, em consequência, altera-se a decisão recorrida no sentido de diminuir a restituição devida pela Ré aos Autores de 7.371,93 EUR para 4.228 EUR, mantendo-se a restante parte do decidido, ou seja, condenando-se a Ré a pagar aos Autores a quantia de 5.477 EUR, acrescida de juros de mora desde o momento e à taxa referidas na sentença.

Custas do recurso a cargo de recorrente e recorrida, na proporção do decaimento.

Registe e notifique.


Porto, 2024/12/11.
João Venade
Carlos Portela
Isabel Ferreira
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[1] 3. Sendo impossível devolver em espécie os materiais incorporados pelo empreiteiro na obra efetuada no prédio do dono da obra, deverá este compensá-lo pelo respetivo valor pecuniário, a abater no montante do preço já pago ao empreiteiro e a cuja devolução teria direito, por força da resolução do contrato – Ac. S. T. J. de 28/11/2013, processo n.º 268/03.0TBVPA.P2.S1, www.dgsi.pt.
[2] Ver ainda o citado Ac. do S. T. J. de 28/11/2013 - 4. Porém, para determinar o valor dessa obra já edificada e que reverterá factualmente para o dono da obra, é necessário apelar, não apenas a critérios quantitativos, traduzidos em saber que percentagem material da obra global representa a edificação já realizada pelo empreiteiro - mas também a juízos qualitativos, que tenham em conta o préstimo e a valia intrínseca associada à qualidade construtiva da edificação incorporada no terreno, naturalmente abalada ou diminuída se a construção padecer de vícios ou defeitos graves que lhe afetem negativamente o valor intrínseco.
[3] Artigo 18.º, n.º 1, c), do CIVA.